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Introdução Olá! Neste material, estudaremos a introdução à Psicologia do Desenvolvimento e nos preocupamos em estudar o que é o desenvolvimento humano, e por que é importante estudar esta temática. Conforme o Dicionário Online Michaelis (2018), a palavra desenvolvimento pode ter os seguintes significados: “Ato ou efeito de desenvolver(-se); desenvolução”; “Passagem gradual (da capacidade ou possibilidade) de um estágio inferior a um estágio maior, superior, mais aperfeiçoado etc.; adiantamento, aumento, crescimento, expansão, progresso”; “Aumento das condições ou qualidades físicas (força, tamanho, vigor, volume etc.); crescimento”; “Aumento da capacidade ou competência (moral, psicológica, espiritual, intelectual etc.); amadurecimento, crescimento, evolução”. Interessa-nos estudar esta passagem gradual das condições e potencialidades, em especial o desenvolvimento humano, em suas esferas universal e singular, de cada sujeito em sua individualidade. É o que aprofundaremos nessa unidade, enfatizando o significado do conceito de desenvolvimento, a importância, as diferentes possibilidades de aplicação e as bases filosóficas que iniciaram este campo de estudo. Objetivos de Aprendizagem Compreender a importância de estudar o desenvolvimento. Estudar a introdução à psicologia do desenvolvimento. O que é o desenvolvimento humano Vanessa de Oliveira Beghetto Penteado Autor Quando falamos em desenvolvimento, do que estamos tratando? Essa pergunta nos permite refletir sobre como e por que nos comportamos de determinadas formas. Existem diferenças entre as formas de ensinar uma criança de três anos e uma de 10 anos? É o estudo do desenvolvimento humano que nos permite compreender as peculiaridades de cada momento da periodização infantil. Formular, planejar intervenções que afetem corretamente as possibilidades de aprendizagem é um dos exemplos da aplicação desse campo de pesquisa. Além disso, em que momento começa o desenvolvimento? Ele alcança um fim quando já nos desenvolvemos o suficiente? Desses questionamentos, podemos destacar dois aspectos ao menos, que destrincharemos ao longo dessa Unidade: uma é que a criança não é um adulto em miniatura, mas cada idade tem características próprias, de acordo com a cultura e as relações sociais da criança. Outra é que os próprios adultos estão em desenvolvimento, os fatores que nos influenciam que provocam novas sínteses e elaborações, não acabam quando atingimos determinado limite de idade, não alcança um fim. Outra pergunta que podemos fazer é: A criança sempre foi criança? A foto a seguir, do contexto da Revolução Industrial, no século XIX mostra-nos que não, em outros contextos históricos a infância tinha outro significado. FIGURA 1 Representação de infância na Revolução Industrial Esta imagem permite-nos refletir sobre um contexto específico e marcante da história da humanidade. As condições materiais do século XVIII possibilitaram a consolidação de uma nova classe social emergente - a burguesia - devido à expansão dos comércios, das ciências e dos princípios da tecnologia. O aumento da população bem como o aumento dos meios de produção e o desenvolvimento do sistema comercial e bancário geraram as condições materiais para a divisão do trabalho como resposta à crescente complexidade e à mecanização industrial (BEHAR, 1981). Nesse período, tornou-se possível a multiplicação rápida e constante de mercadorias, serviços e trabalhadores. De acordo com Hobsbawn (2012), as atividades agrícolas já estavam se voltando para as necessidades do mercado. A disseminação cada vez maior das manufaturas, o desenvolvimento das estradas e das vias navegáveis bem como as facilidades obtidas em decorrência do acesso aos portos também foram essenciais para o grande salto quantitativo e qualitativo da indústria nesse período. No período da Revolução Industrial, a exploração da mão de obra infantil cumpriu um papel primordial, gerando a força de trabalho necessária para a operacionalização da maquinaria. Certamente não eram todas as crianças que trabalhavam nessas indústrias, mas as órfãs, as filhas e os filhos da classe operária. O baixo salário dos trabalhadores contribuía para que as famílias precisassem de renda adicional, o que gerava a necessidade do trabalho infantil, não por maldade, visto que este caráter moral do significado ainda estava em processo de construção. Conforme Ferreira e Araújo (2009), a “paparicação” é datada do século XVI, ou seja, aparece, inicialmente, nesse contexto, devido ao crescimento dos conhecimentos orgânicos e biológicos do campo da medicina, que possibilitaram a diminuição da mortalidade infantil e a possibilidade ao apego dos pais aos seus filhos (durante a Idade Média, as taxas de mortalidade infantil eram altas), e ainda, devido à propagação da moral cristã, que se amparava na preservação da inocência desta etapa da vida. Em somatória a estes fatores, observamos que o próprio papel da família transforma-se ao longo da história: o papel primordial de gerar linhagens de parentesco perde espaço para o sentimento de afeto familiar, o que reconfigura a compreensão e a forma de lidar com a infância. FONTE: Lars Gotsch (2017). Saiba mais! Conceito de infância O curta-metragem “A invenção da infância”, dirigido por Liliana Sulzbach questiona o conceito de infância, tratando-a como construção social. Resgata-se a infância em seus aspectos históricos e retrata que, mesmo na atual cultura ocidental, não há uma regularidade no que se refere às condições concretas de desenvolvimento infantil. A dificuldade de acesso a recursos que conferem qualidade de vida, saúde, educação, moradia, lazer, cultura, esportes, alimentação resultam em consequências drásticas à vida das crianças, como a exploração do trabalho, altos índices de mortalidade infantil, fome/desnutrição, violência e criminalidade. Afinal, podemos questionar: Ser criança significa ter infância? Para saber mais, veja ao trailer disponível no link a seguir : < Clique Aqui >. Fonte: elaborado pela autora. Decorrente da análise da construção social da infância, Ferreira e Araújo (2009) enfatizam que tal transformação histórica tem por consequência fomentar novos interesses nas investigações psicológicas, o que resulta na necessidade e no estabelecimento de uma psicologia do desenvolvimento. Dessa forma, notamos que os fatos, anteriormente destacados, de crianças em situação de rua, passando fome, também retratado em um exemplo na figura a seguir nos mostram evidências de um mundo sem infância e, por consequência, debilidades que precisam ser tratadas na psicologia do desenvolvimento. Enfatizamos que, para tratar da psicologia do desenvolvimento, não podemos ignorar estes fatos como se o conceito de infância fosse homogêneo, e houvesse isonomia de acesso a todas as crianças. Mas, sim, devemos enfatizar que há diferenças, conforme as possibilidades de desenvolvimento que foram ofertadas aos sujeitos. Dessa forma, a compreensão de infância relaciona-se não só com a origem do termo e as diferenças de desenvolvimento, mas também com a educação, conforme o contexto escolar. Sobre o assunto, os autores a seguir destacam que: [...] podem se extrair duas coisas: 1) a educação escolar não é efeito, mas causa da existência da infância como conhecemos; 2) as modificações na educação escolar trazem mudanças na própria essência da infância e demandam uma psicologia que promova esta articulação entre escola e infância. (...) De um modo bem claro, a psicologia pôde assim articular práticas sociais (oriundas da escola), modos de governo (as formas liberais), conceitos científicos (evolução, adaptação e função) e novas configurações da infância, permitindo naturalizar e sedimentar o que foi gerado no conjunto das práticas históricas (FERREIRA; ARAÚJO, 2009, p. 10-11). Notamos, nesse trecho, a relação que os autores estabelecem entre a educação como formadora de determinada concepção de infância e o papel da psicologia do desenvolvimento, que cumpre função social, de acordo com aspossibilidades FIGURA 2 Criança em situação precária FONTE: Dimaberkut, 123RF. organizadas materialmente. No tópico a seguir, trataremos de outras relações e papéis da Psicologia no estudo do desenvolvimento humano. Por que a Psicologia estuda o desenvolvimento humano? Afinal, todos desenvolverão suas diversas potencialidades? Ao longo da vida, os indivíduos alcançam um limite de desenvolvimento? Ao longo deste tópico, iniciaremos a argumentação em favor das infindas possibilidades de desenvolvimento dos sujeitos em sua singularidade e da finalidade da psicologia nesta área de estudo. Saiba mais! Meninas Lobo O vídeo a seguir retrata a história de Amala e Kamala, duas crianças encontradas em 1920, com hábitos selvagens. Acredita-se que, durante grande parte de suas infâncias, o principal contato foi com lobos, o que direcionou o comportamento: as meninas andavam de quatro, não tinham expressões sociais, como o sorriso ou choro, não falavam, possuíam visão noturna mais desenvolvida que a diurna e ainda uivavam para a Lua. Disponível no link: < Clique Aqui >. Fonte: elaborado pela autora. Ressaltamos que existem diversas teorias que explicam o psiquismo e o desenvolvimento humano, e a partir de cada concepção teórica surgem diferentes práticas e com elas suas consequências sociais. Na terceira Unidade, trataremos de forma abrangente as principais correntes da psicologia que se debruçam sobre a temática, e que possuem estudos com importância social. Abordaremos a seguir algumas das mais relevantes consequências de determinada concepção acerca da natureza humana, com o intuito de destacar as implicações éticas e a relevância dos estudos acerca da Psicologia do Desenvolvimento. Visto que as relações sociais expressam a determinação histórica do período e contexto em questão, destacaremos a repercussão do racismo no século XX, que propagou a ideia de limpeza racial, tendo seu ápice nas práticas nazistas. Hobsbawm (1995) chamou de “Era das Catástrofes” o período marcado por duas grandes guerras, crise econômica, nazismo e fascismo (teorias de limpeza racial). Esta perspectiva, também conhecida como higienista, perpassou tanto as teorias formuladas no campo da ciência como a construção da arte e dos ideais políticos. Veremos alguns exemplos a seguir. Para Boarini (2003), neste período histórico, a moralidade, os costumes considerados corretos pela população, as doenças físicas e psíquicas, deixam de ser um problema/aspecto individual e passam a ser uma questão de higiene. As diferenças raciais, as anormalidades físicas e psíquicas agora se tornam um objeto a ser resolvido pela eugenia. O termo eugenia afirmava que a raça deveria ser higienizada, que a felicidade e a elevação moral poderiam ser alcançadas aos povos que se atentarem ao necessário controle da hereditariedade dos tipos inferiores. Esta ideologia é decorrente da abrangência do fascismo enquanto um movimento de caráter científico e social, alcançando inúmeros países. Assim, atribui-se apenas ao indivíduo pobre a completa responsabilidade por sua saúde, e o crescente número de doenças é justificado pela pobreza e ignorância da população, negando-se, dessa maneira, a relação entre indivíduo e condições sociais, políticas e econômicas. O higienismo tornou um instrumento perigoso de destruição humana, que ocorreu em larga escala, a partir do início do século XX, em diversos regimes políticos: “(...) nem a democracia, nem o stalinismo e muito menos o nazismo faltaram ao encontro com a eugenia” (JUNIOR, MOURA; FERNANDES, 2011, p. 100). Nos Estados Unidos da América, houve a notoriedade da preocupação dos representantes políticos em higienizar seus cidadãos. Os autores retratam que o país tinha grande preocupação com o alto índice de imigrantes, dessa forma, o governo buscou métodos de esterilização compulsória, impedindo a reprodução da parcela “incapaz” da sociedade (negros, imigrantes e doentes mentais). Observamos que não há uma neutralidade na construção da ciência, que embasa propostas como as de limpeza racial. Isto é possível, devido ao novo papel que a modernidade atribui à ciência, que passa a ser compreendida como a nova base para a explicação dos fenômenos da realidade: “Sai o divino e, em seu lugar, instaura-se o conhecimento científico como a base estruturante da realidade e o único saber válido” (JUNIOR, MOURA; FERNANDES, 2011, p. 103). Assim, a ciência não é isenta de interesses, ao contrário, preocupa-se com aquilo que proporciona a produção material. Na época, as doenças eram o grande problema a ser superado, decorrentes da industrialização em larga escala, êxodo rural, grandes guerras. As medidas higiênicas do início do século XX possibilitaram uma solução para as dificuldades materiais da vida cotidiana da época. Em destaque aos autores que formularam tais teorias, podemos resgatar as seguintes contribuições: Thomas Malthus compreendia que a miséria seria resolvida com o controle populacional; Herbert Spencer frisava que sobreviveria o mais capaz; Charles Darwin apontava a sobrevivência submetida às leis de seleção natural, por fim, Francis Galton exaltou a importância da hereditariedade para a determinação de uma raça de homens bem dotados e, cuidadosamente, selecionados, cunhando o termo: eugenia positiva. Este padrão seria alcançado, naturalmente, pela humanidade à medida em que se difundissem os ideais de higiene racial. O caráter negativo da eugenia está relacionado com a utilização da força, como a esterilização compulsória ou, posteriormente, os campos de extermínio (JUNIOR, MOURA; FERNANDES, 2011). Assim, a efervescência científica e a naturalização das contradições e misérias humanas permitiram, ainda, o nacional-socialismo de Hitler, pautado no retorno às tradições, ao clássico, e à purificação do homem. Houve, neste contexto, grande enfoque no papel da arte, na exaltação do homem e sua pureza, rejeitando aspectos de natureza deplorável, que sejam associadas à loucura, à miséria e às doenças. A eugenia nazista tinha um forte caráter negativo, com a esterilização e posterior extermínio em campos de concentração. O nazismo, enquanto um projeto estético e artístico, buscava o embelezamento do mundo por meio da fortificação da raça ariana, compreendida como uma raça superior, para tanto, utilizar do extermínio em larga escala era uma tática tolerável (JUNIOR, MOURA; FERNANDES, 2011). Um exemplo da censura nazista é a obra a seguir: O Violinista, de Marc Chagall, um dos quadros censurados por Hitler, pois o conteúdo foi considerado degenerado e pervertido. Um exemplo da literatura brasileira que expressa com detalhes aspectos da ideologia higienista e eugênica é a obra de Monteiro Lobato: O presidente negro. A história ocorre no ano de 1926 e retrata uma ficção científica em que se constrói uma máquina que pode viajar no tempo. Esse livro relata um choque entre raças, que ocorre nos Estados Unidos, no ano de 2228, durante a disputa eleitoral da presidência, em que três candidatos, um homem e uma mulher brancos e um homem negro, devido à ruptura entre gêneros dos candidatos brancos, o país elege o primeiro presidente negro. Nesta altura, a ciência havia resolvido o problema da cor dos negros com um pigmento que os tornava branco, porém eram reconhecidos por seus cabelos. Na ficção, em 2228, já haviam sido exterminados os pobres, vadios e doentes, e sobrava o problema da raça para que fosse atingido o ideal do higienismo: “As ruas tornaram-se amáveis, limpas e muito mansas de tráfego” (LOBATO, 1979, p. 96). O problema étnico é retratado como a grande perturbação da felicidade nacional. Após a eleição do presidente negro, um cientista resolve o problema capilar dos negros, oferecendo a possibilidade de se tornarem iguais aos brancos. Porém este produto, ao mesmo tempo em que alisava os cabelos, tornava os negros estéreis. Lobato não somente é influenciado, como é um grande nome da eugenia e higienismo brasileiro, que se apropriou da discussão ‘científica’ do cenário internacional e colaborou na construçãodesta vertente purificadora, no contexto histórico em que atuou. Buscamos enfatizar a relevância social da temática do desenvolvimento humano. Esses aspectos históricos facilitam a compreensão de que uma série de concepções podem ter consequências, aplicações, em decorrência de como FIGURA 3 O Violinista, de Marc Chagall FONTE: Chagall (on-line). compreenderemos as especificidades da formação do psiquismo humano. A seguir, apresentaremos ainda algumas questões éticas: conforme a compreensão dos processos que envolvem o desenvolvimento humano, nós podemos ter uma atuação profissional que forneça ferramentas para auxiliar em dificuldades, possibilitando superação/novas formas de desenvolvimento. Por exemplo, no campo da Psicologia, temos a disciplina particular chamada “Avaliação Psicológica”, que estuda o histórico dos instrumentos psicológicos, que, por sua vez, visam suprir a necessidade histórica de medir os comportamentos humanos. Pasquali (2001), ao descrever os fundamentos e práticas de tais escalas, apresenta o principal campo de investigação da área: a psicometria, perspectiva que entende que a ciência do universal faz-se pelo conhecimento do singular. Em um apanhado histórico, o autor descreve, inicialmente, três décadas: A década de Galton (1880), que enfatizou a avaliação das aptidões humanas, que era mensurada em seus aspectos sensoriais, posteriormente influenciou a orientação prática e teórica da psicometria; A década de Cattell (1890) – decorrente da influência de Galton, Cattell desenvolveu medidas de diferenças individuais e de desempenho escolar; e A década de Binet (1900) teve forte predomínio sobre as aptidões humanas, visando o desenvolvimento das áreas da saúde e acadêmica. Pasquali (2001) exibe, ainda, os principais marcos da Avaliação Psicológica no século XX. Os anos de 1910 a 1930, descreve como sendo a era dos testes de inteligência Binet-simon; a década de 1930, como a de análise fatorial; de 1940 a 1980, a era da sistematização, com trabalhos de síntese e de crítica. E, por fim, a era da Psicometria Moderna, a partir de 1980. Para o autor, as áreas da psicopedagogia e a psiquiátrica eram as mais preocupadas em identificar e diferenciar os níveis de um “doente mental” por meio do experimentalismo: da descoberta de uniformidades e controle das condições em que se faziam as observações. Gould (1999), ao abordar o histórico dos testes de Avaliação Psicológica, enfatiza que os objetivos originais com a escala de Binet estavam relacionados com o desenvolvimento da craniometria, isso é, por meio da medição de crânios e a dedicação à obra de Paul Broca, buscava-se aferir a inteligência. Avançando em sua pesquisa, Binet concluiu que não era possível alcançar uma escala para medir a inteligência, porque não se pode sobrepor as qualidades intelectuais, e seu objetivo (conforme solicitado pelo Ministério da Educação) era identificar crianças que, conforme seu desempenho escolar, necessitassem de uma educação especial. Interessa-nos, que os princípios primordiais de Binet foram, posteriormente, ignorados e distorcidos, sendo eles: I) os resultados das escalas são recursos práticos, não definem nada inato ou permanente, não medem a inteligência; II) servem para identificar crianças com problemas de aprendizagem, que necessitam de atenção especial; III) a ênfase deve ser sobre as possibilidades de aprimoramento das capacidades, por meio de uma educação especial. Partindo dessa retomada, Gould (1999) afirma que alegar a teoria do QI hereditário é uma falácia, uma falsa medida da inteligência humano, pois não é possível estabelecer uma identificação entre o herdável e o inevitável. Yerkes, um psicólogo eugenista americano, utilizou tal recurso teórico para convencer o exército norte-americano a submeter os soldados ao teste de inteligência, durante a Segunda Guerra Mundial. Futuramente, tal acontecimento serviu de base para a restrição de acesso aos Estados Unidos da América de pessoas provenientes de regiões “geneticamente” desfavorecidas. Dessa forma, ressaltamos que os fenômenos que destrinchamos até aqui compõem uma das possíveis respostas sobre por que a psicologia estuda o desenvolvimento humano. Como vimos, há uma importante consequência decorrente das concepções acerca do desenvolvimento e da utilização de tais concepções. O surgimento e a consolidação da psicologia do desenvolvimento obteve, na aplicação dos testes de Avaliação Psicológica, um dos primeiros exemplos, mas podemos pensar em outras maneiras de utilização contemporâneas dessa disciplina. Para a formulação e o emprego de Políticas Públicas nos campos da saúde, educação, assistência social, a partir desse conhecimento, podemos estabelecer políticas que tenham impacto na vida das pessoas e atuar de forma mais coerente, contribuindo com os fenômenos que possibilitam o desenvolvimento em cada etapa da periodização. A Psicologia do Desenvolvimento impacta também na aprendizagem infantil, na medida em que, ao conhecermos os processos de desenvolvimento, é possível criar instrumentos e formas de mediação entre o professor e o aluno, que vão auxiliar exatamente no processo de ensino, facilitando e possibilitando que a criança se supere cada vez mais com o auxílio de mediações externas. Nas próximas unidades, trabalharemos com o porquê de as crianças agirem de determinadas formas, conforme o estágio de seu desenvolvimento, visando entender a criança e o adolescente, por meio da descrição e compreensão das grandes mudanças que ocorrem ao longo da periodização, por intermédio das distintas perspectivas teóricas. Como e por que ocorre o desenvolvimento e o que direciona o comportamento da criança serão diferentes, de acordo com as bases conceituais que sustentam as distintas compreensões deste campo de estudo. A seguir, trataremos das bases filosóficas mais gerais que fundamentam as atuais teorias. Quem iniciou esse campo de estudo? Iniciamos este tópico ressaltando que os embates presentes aqui são antigos na história da humanidade, anteriores ao próprio aparecimento da psicologia científica. Bock (2001) diferencia a psicologia e o senso comum, demarcando que, o que chamamos de senso comum vem do acúmulo de conhecimentos de nosso cotidiano, que se constrói de forma espontânea, conforme as possibilidades a que temos acesso e repassamos esses conhecimentos de geração em geração. O conhecimento especializado origina uma série de áreas de domínio do conhecimento humano, como a Filosofia, Arte, Psicologia, Medicina. O cotidiano e o conhecimento científico que temos da realidade aproximam-se e se afastam: aproximam-se porque a ciência se refere ao real; afastam-se porque a ciência abstrai a realidade para compreendê-la melhor, ou seja, a ciência afasta-se da realidade, transformando-a em objeto de investigação — o que permite a construção do conhecimento científico sobre o real (BOCK, 2001, p. 16). Assim, em diferenciação ao conhecimento produzido pelo senso comum e em acordo com Bock (2001), denominamos de científico aquilo que se ampara na objetividade e que, por meio de métodos, visa alcançar um rigor cumulativo de conhecimento, passível de ser compreendido e reproduzido. FIGURA 4 Conhecimento científico e senso comum FONTE: 5505292, 123RF. Longe de uma solução fácil, porém, a psicologia é uma ciência ampla. Nossa dificuldade inicia na simples definição: Afinal, qual o objeto da psicologia? Se dermos a palavra a um psicólogo comportamentalista, ele dirá: “O objeto de estudo da Psicologia é o comportamento humano”. Se a palavra for dada a um psicólogo psicanalista, ele dirá: “O objeto de estudo da Psicologia é o inconsciente”. Outros dirão que é a consciência humana, e outros, ainda, a personalidade (BOCK, 2001, p. 21). Assim, temos já dois problemas de pesquisa, que diferenciam as abordagens da Psicologia do Desenvolvimento: De qual concepção de ser humano estamos falando? E no campo da Psicologia, o que esta ciência está se propondo a estudar? Estes aspectos serão aprofundados na terceira Unidade,por hora, segue breve exposição a respeito de uma antiga questão filosófica, que pode ser aprofundada por meio de leituras da área. Bock (2001, p. 41) localiza que, entre filósofos gregos, havia a discussão de que “o mundo existe porque o homem vê ou o homem vê um mundo que já existe”. Nesta polêmica, temos Platão, que defendia o idealismo e acreditava que a alma era imortal, que ela era separada do corpo. E Aristóteles, em oposição (ainda que bem rudimentar) na defesa do materialismo, acreditava que alma e o corpo não podiam ser dissociados. Esta discussão retornará quando tratarmos das diferentes abordagens que visam compreender o ser humano. Para além do mecanicismo, para além dos aspectos biológicos inatos. A importância da Psicologia do Desenvolvimento está em permitir que as teorias avancem: o ciclo vital não é só biológico e não depende inteiramente da relação mecânica do indivíduo com o meio social. Atenção! Capacidades de desenvolvimento Com base no conteúdo exposto e iniciado até aqui, deixamos como reflexão: Como as mediações que temos ao longo da vida influenciam nossas capacidades de desenvolvimento? Tal temática será retomada e aprofundada nas unidades a seguir. Fonte: elaborado pela autora. Agora que você concluiu a leitura deste estudo, veja, no vídeo e podcast a seguir, temas que complementarão seus estudos: Indicação de Leitura Nome do livro: Filosofando - Introdução à Filosofia Editora: Moderna Autor: Maria Lúcia Aranha e Maria Helena P. Martins Ano: 2009 ISBN: 8516063925, 9788516063924 Comentário: este livro nos traz uma retomada geral, em linguagem acessível, a respeito dos principais aspectos da construção do pensamento filosófico, ao longo da história da humanidade. Atividade No período da Revolução Industrial, a exploração da mão de obra infantil cumpriu um papel primordial, gerando a força de trabalho necessária para a operacionalização da maquinaria. No entanto, não eram todas as crianças que necessitavam trabalhar nas indústrias, apenas uma parcela delas. Nesse sentido, leia atentamente as afirmativas abaixo e assinale a alternativa que corresponde a um dos grupos de crianças que trabalhava naquele período. A. Orientais. B. Órfãs. C. Estrangeiras. D. Ciganas E. Nômades. Atividade Durante muitos anos a Psicologia esteve vinculada à área da Filosofia e, para conquistar a sua própria autonomia, precisou tornar-se um ramo científico. Desse modo, passou a utilizar métodos estruturados e se amparar na objetividade, diferenciando-se do conhecimento produzido pelo senso comum. Nesse sentido, leia atentamente as afirmativas abaixo e assinale a alternativa que corresponde ao tipo de conhecimento do senso comum. A. Conhecimento da filosofia. B. Conhecimento da Medicina. C. Conhecimento do cotidiano. D. Conhecimento da Astrologia. E. Conhecimento da religião. Atividade Para compreendermos o desenvolvimento humano, torna-se necessário considerar o homem em seu tempo histórico, afinal, as relações sociais expressam a determinação histórica e contextual de cada período. A moralidade e os costumes, considerados corretos no século XX, foram influenciados pelo racismo, que defendia que a eugenia deveria prevalecer. Nesse sentido, leia as afirmativas abaixo e assinale a alternativa que corresponde à ideologia da eugenia. A. Afirmava que a raça humana deveria ser higienizada. B. Considerava que as crianças de até dez anos deveriam se casar. C. Considerava que a igreja deveria assumir o controle absoluto. D. Defendia que as pessoas não deviam trabalhar no campo. E. Afirmava que a raça humana deveria ser miscigenada. Síntese Parabéns! Você concluiu este estudo. Esperamos que as informações apresentadas aqui contribuam para a sua bagagem de conhecimento sobre o tema estudado e que elas possam ser utilizadas em seu dia a dia. Que todo esse conhecimento possa lhe trazer muito sucesso em suas atividades, além de despertar o desejo de estudar cada vez mais. Desejamos, a você, bons estudos! Referências Bibliográficas ARAÚJO, M. G. Considerações sobre o narcisismo. Estud. psicanal., Belo Horizonte, n. 34, p. 79-82, 2010., BARROSO, C. ; BRUSCHINI, M. C. A. Sexualidade Infantil e Práticas Repressivas. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), São Paulo, v. 1, n.31, p. 86-94, 1979., BEHAR, M. Introdução In: Adam Smith. A Riqueza das Nações. São Paulo: Hemus Editora, 1981., BOARINI, M. L. Higienismo, eugenia e naturalização do social. Em: M. L. Boarini (org.) Higiene e Raça como projetos: higienismo e eugenismo no Brasil. (pp. 19-44). Maringá: Eduem, 2003., BOCK, A. M. et al. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 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