Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
e-book www . p a o l a p u c c i . c om . b r PRATICANDO Copyright © 2020, PAOLA PUCCI, Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte desse e-Book, sem autorização prévia por escrito do autor, poderá ser reproduzida ou transmi�da sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Conteúdo Redação Paola Pucci Raquel Fornaziero Gomes site www.paolapucci.com.br e-mail contato@paolapucci.com.br Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva PRATICANDO Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Então, voltando ao caso, vamos imaginar que você está trabalhando para melhorar a compreensão do paciente, porque é a partir da compreensão que ele também vai melhorar a expressão. Mas não podemos esquecer que esse paciente é apráxico! Então, ele tem um problema para planejar. Ele sabe o que vai dizer, mas na hora de planejar como dizer, como articular, o plano sai errado e, em vez de falar “laranja”, ele fala “maçã”, por exemplo; ou ele quer falar “maçã” e nem sai a primeira sílaba! A primeira coisa que fazemos em qualquer caso é avaliar. E por onde devemos começar uma avaliação? Pela compreensão! Se não souber avaliar, não tem como tratar, certo?! Por onde você começaria a terapia? A terapia dos pacientes afásicos começa pelas habilidades que você encontrou alteradas. Portanto, se a compreensão auditiva dele é moderada e está limitada ao dia a dia e ao ambiente, você vai trabalhar a compreensão explorando outros assuntos de interesse e relacionar com o nome das coisas. Vamos sempre trabalhar o que está ruim. Vamos supor que você tem um paciente e observou na avaliação que ele não consegue ler, fala só algumas palavras (é apráxico) e tem uma compreensão limitada ao dia a dia e ao simples; se você começa a falar de coisas mais complexas ou que são de fora do ambiente dele, ele já não compreende. Para avaliar compreensão, começamos sempre pelo mais concreto, ou seja, pelos objetos. Depois, seguimos para fotos, gestos, mímica, compreensão auditiva e, por último, leitura. As habilidades comunicativas são nossa ferramenta para diagnóstico e também para tratamento! Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva 04 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Você vai montar, com o paciente, o passo a passo de tudo que é necessário acontecer para chegar até escovar os dentes. 1. Ir até o banheiro; 3. Colocar pasta na escova; Vamos, então, pensar como seria o treino do planejamento para escovar os dentes! Por que o planejamento do apráxico é um planejamento ruim? Porque existe uma alteração de memória operacional, ou seja, aquela memória que vai guardar a sequência dos fonemas, das sílabas... Então, fica impossível tratar um apráxico, sem fazer treino de memória e sem fazer treino de planejamento. “Mas como eu faço treino de planejamento?” Você pode treinar a articulação do fonema, mostrando como é feito o movimento, como deve ficar o formato da boca, onde vai a língua etc. (isso é treinar o planejamento motor da fala); pode treinar como se faz um café; como sai de casa pra ir ao mercado (o que precisa levar, onde fica o carro, qual o caminho pro mercado); como escova os dentes... Tudo isso são coisas que o nosso cérebro planeja antes de a gente fazer. Por exemplo: 2. Pegar a escova de dentes; 4. Abrir a boca... E assim por diante. Você vai escrever esse passo a passo, vai mostrar imagens desses passos acontecendo e imagens da ação final (pode usar o kit Cartões Verbais ou pegar cenas de filme/novela). Vai!!! Não é demais?! Sequência logico-temporal adulta é muito importante para trabalhar planejamento! “E trabalhando planejamento o apráxico vai falar?” Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva 05 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Ao contrário do que muitos pensam, o treino do paciente apráxico não é só ficar repetindo; é ler, repetir, falar e escrever. Mas não vamos fazer isso a sessão inteira, porque precisamos trabalhar tudo que está alterado. Às vezes, os alunos me perguntam “Paola, eu vou ficar trabalhando uma coisa de cada vez e só passo para a próxima quando ele estiver bom na habilidade que eu estou trabalhando?”. Não! Se você tem 40 minutos de sessão, você vai dividir esses 40 minutos entre todas as alterações que encontrou na avaliação, para que sejam trabalhadas na mesma sessão. Portanto, se tem 4 alterações, nesse caso você teria 10 minutos por sessão para trabalhar cada alteração. “E de quantas sessões eu vou precisar, Paola?” Tudo depende de como é o seu paciente. Muitas coisas influenciam, como a extensão da lesão, a idade, a escolaridade... Se o paciente é atento, se faz os treinos fora das sessões, se tem um humor estável (sem depressão, por exemplo), se é clinicamente estável (sem convulsões ou outros eventos neurológicos)... Tudo isso indica um bom prognóstico! Mas a capacidade do fonoaudiólogo trabalhar a cognição também é decisiva nesse processo de reabilitação. Fonoaudiólogo que faz treino de linguagem com material infantil, que usa treino de cartilha, que não trabalha atenção, memória, planejamento e execução, com certeza vai ter pacientes com prognóstico pior do que o fonoaudiólogo que faz o oposto disso. Portanto, tenha sempre em mente que o seu paciente afásico é cognitivo, é adulto e vai precisar passar por um processo de reaprendizagem, não de aprendizagem! Vamos pensar em estratégias de terapia para o paciente apráxico? Usando, aqui, algumas sugestões dos alunos: Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva 06 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 2. Método das boquinhas, para trabalhar planejamento motor da fala. Dar pistas não é fazer terapia, a terapia está em trabalhar os fonemas. Para reforçar a rota fonológica, é importante se concentrar em um campo semântico por vez, aumentando o número de palavras conforme ele vai melhorando, até que ele memorize todo o vocabulário dessa categoria. Depois, isso pode ser trabalhado também na escrita, deixando lacunas no lugar de alguns fonemas, para que ele complete através da memória operacional. No começo, quanto mais você restringir, melhor vai ser! Por exemplo: trabalhar só frutas (um mesmo campo semântico), mas nessa sessão, trabalhar só as frutas que começam com “ba”. Assim, a gente restringe o campo e também o engrama fonológico. 3. Escrever os nomes dos objetos que o paciente mais usa e colar cada um no seu objeto. 1. Reforçar a rota fonológica, dando a pista inicial das palavras. O método das boquinhas é muito útil e agora, com a internet e os aplicativos de mensagem (como WhatsApp e Telegram), dá para o próprio terapeuta gravar um vídeo, fazendo o movimento com a boca e enviar para o paciente; ou usar o FonoSpeak – Aquisição de Fonemas. Você vai começar sempre pelo que é mais funcional para o paciente. Então, imagina que ele está internado no hospital e nesse momento o mais funcional pra ele é saber os nomes das pessoas que visitam, é saber pedir o controle remoto, pedir pra mudar de posição, pedir o cobertor... Não tem problema se o mais funcional para o seu paciente nesse momento for, por exemplo, saber só os nomes dos netos. Tudo bem! Porque o nosso trabalho deve ser voltado para melhorar a qualidade de vida dos nossos pacientes. Essa é uma estratégia excelente, porque unimos a pista grafêmica às coisas que ele mais usa ou que ele erra mais. Para deixar ainda melhor, dá pra colocar os desenhos das boquinhas ao lado da palavra escrita (não precisa fazer isso em todas as palavras, nem na palavra inteira; dá pra fazer só como fonema inicial). Muita gente me pergunta com qual campo semântico deve iniciar a terapia. “Começo por coisas de banheiro, por fruta, por onde?”. Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva 07 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Outro ponto importante para se ter em mente é que na terapia de apraxia de fala, quanto mais input (adulto e de acordo com a realidade do paciente), melhor! Lembre-se sempre disso. A intenção comunicativa funciona de forma involuntária, antes mesmo de a comunicação acontecer. Para uma comunicação não verbal, primeiro o paciente precisa ter compreensão do contexto, depois ele precisa planejar como fazer os movimentos (seja mímica ou gestos) para se expressar... Ou seja, ele está trabalhando toda a rota cognitiva da comunicação! Isso é muito melhor do que ficar dois ou três meses treinando a articulação do fonema “O” com o paciente, pra ele falar “Oi” para as pessoas. Se eu, como terapeuta, fico presa a treinar só a fala do paciente, o humor dele vai ficar pior, a atenção dele vai ficar pior, a expectativa e o engajamento na terapia vão ser ruins (já que tem paciente com muita dificuldade para falar), e eu não estarei cumprindo meu papel como fonoaudióloga, que é reabilitar a comunicação do meu paciente. O que precisamos explicar nesse caso? Uma aluna me perguntou: “Paola, se eu oferecer para o paciente outras formas de comunicação que não seja a fala, não corro o risco de ele ficar acomodado e não falar?”. Essa pergunta é muito importante, porque é o que todo familiar quer saber! Não só familiar, mas também outros profissionais da equipe. Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva 08 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Pergunta de uma aluna: “Além de trabalhar as habilidades cognitivas, eu agora comecei a utilizar o Protocolo Práxico-produtivo da Giannecchini, que na verdade é para transtorno fonológico. Com alguns pacientes, tive bons resultados; com outros, nenhuma evolução. Esse é um protocolo em que ela propõe um tratamento breve, voltado ao público infantil, com foco em estimular uma área do cérebro que é um pouquinho mais interna que a área de Broca. Na tese, ela observou que esse protocolo beneficia muito a área de produção de fala. Uma das estratégias é fazer uma sequência de movimentos/exercícios e depois a produção de uma palavra que o paciente já fala (por exemplo: bico, sorriso, estralo de língua e a produção da palavra). Quero saber se você já usou e como pode ajudar”. Quando nós fazemos uma sequência dessa, bucofacial, seguida de uma fonêmica oral, quais são as habilidades que estão sendo treinadas? Memória, planejamento e execução. Ou seja, é um treino cognitivo voltado para a fala. Você sabe que aqui eu não vou sugerir nem recomendar uso de protocolos, porque meu objetivo é te ajudar a desenvolver raciocínio clínico. Tendo raciocínio clínico, você pode usar o material que quiser, porque vai saber exatamente como usar e com que finalidade. O importante é saber que as coisas que funcionam para crianças nem sempre funcionam com os adultos, porque na criança nós estamos trabalhando aprendizagem, enquanto que no adulto é a reaprendizagem. Quando você me diz “com alguns pacientes deu certo, mas com outros não”, podemos pensar no seguinte: Quanto mais próximo da realidade você estiver, melhor para o seu paciente. Reabilitar comunicação não é só reabilitar a fala. Quando eu ofereço gestos para o meu paciente, eu não estou eliminando a fala, muito pelo contrário! Eu estou, na verdade, estimulando a oralidade com os gestos. Tenho muitos pacientes que começaram fazendo um “tchau” com a mão para cumprimentar e depois de três sessões começaram a falar “tchau”. Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva 09 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Será que o paciente vai achar legal tomar água na seringa? Pode até ser que sim, mas é uma coisa que ele nunca fez na vida, nunca precisou se planejar pra isso. O que eu quero dizer é que quando vamos falar (na fala espontânea), não fazemos “bico-sorriso-estralo de língua” antes de cada palavra. Certo? Então, eu acho delicado a gente distanciar muito o paciente do que ele precisa fazer para só depois trazê-lo para o que ele realmente vai precisar. Por isso eu acho que não dá certo com todo mundo. E com isso eu não estou dizendo que o método não é bom ou que não funciona, estou só dizendo que não vai funcionar pra todo mundo. Vou explicar por quê! Se eu tenho um paciente com lesão extensa de hemisfério esquerdo, que é destro e com ótima pragmática (aquele que conversa com o olhar, tem boa mímica, iniciativa comunicativa), ele tem o hemisfério direito muito bom e, provavelmente, se eu usar música como estratégia terapêutica, ele vai evoluir mais rápido no planejamento do que se eu utilizar técnica de planejamento de movimentos bucofaciais. Entende? A própria utilização de neurônio-espelho e do método das boquinhas precisa ser em cima do que o paciente fala ou falava antes da lesão, associando sempre à escrita, ao objeto, para o paciente não se perder. Então, esse protocolo pode ser interessante para o apráxico bucofacial, pode ser interessante como treino cognitivo, mas não como um treino linguístico para o paciente adulto. Por isso eu insisto que a alma da terapia é o raciocínio clínico; você precisa entender o que está fazendo e qual é seu objetivo com isso, senão acaba utilizando materiais que até podem ser muito bons, mas de um jeito inadequado, com um objetivo que ele não pode atender. Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva 10 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - É baixa! Concorda? É como se o paciente não estivesse inserido na nossa língua. Sabe quando a gente começa a aprender inglês (ou qualquer outro idioma), aí toca uma música, a gente quer cantar, mas nem entende direito o que o cantor fala? O que acontece? A gente canta de qualquer jeito, fala um monte de coisa que nem existe, o famoso “embromation”. Não é verdade? Nesse caso, é impossível memorizar o que a gente ouve, porque a gente desconhece, a gente não compreende aquelas palavras. Mais alguns exemplos de estratégia que você pode usar na terapia de apraxia são: jogo da memória e/ou Genius, para treino de memória operacional; neurônio-espelho para treino articulatório; uso de música que o paciente gosta, com lacunas em fonemas ou palavras; gravar a conversação, para acompanhar a evolução do paciente. Para gravar a conversação, é interessante que você combine um discurso bem fechado com o paciente antes. Por exemplo: “Hoje você vai me contar como você faz café”. Toda sessão você faz esse combinado e grava o discurso, para tabular a quantidade de palavras por minuto e avaliar a quantidade de fala. Também dá pra tabular a quantidade de palavras corretas por minuto e avaliar a qualidade de fala. Só podemos dizer que a terapia está funcionando, se observarmos dados concretos. Mas, como você já deve saber, nem só de apraxia vive o afásico. Existem outros sintomas que podem ser encontrados. Por exemplo, a logorreia. Na logorreia, o paciente fala sem parar, fala “pelos cotovelos”, mas, na maioria dos casos, fala neologismos! Ou seja, ele fala palavras que não existem na língua portuguesa. Quando a gente encontra um logorreico que faz neologismos, qual a chance de a compreensão auditiva dele ser boa? É alta ou é baixa? Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva 11 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - E o que é treino cognitivo? Para trabalhar afasias predominantemente compreensivas, então, você vai precisar fazer a mesma coisa, mas com uma diferença: o seu paciente não está aprendendo uma língua nova, ele está reaprendendo uma língua que ele já conhece. Então, além de tudo isso, você vai precisar fazer treino cognitivo! Você vai precisar inserir esse paciente no mundo! Pensa nas aulinhas de inglês para iniciantes. Quando o professor te ensina “bola”, ele mostra a bola, tem a palavra “ball” escrita, tem alguém falando a palavra (portanto, tem o som)... São fornecidos todos os inputs para que você aprenda como é “bola” em inglês. A antiga “Afasia de Wernicke” (antiga, porque hoje em dia não se usa mais classificação de afasias) era caracterizada por logorreia, lembra? Isso significa que a logorreia é uma característica comum em afasias predominantemente compreensivas. E como a gente trata logorreia, então, se o problema da expressão está, na verdade, na compreensão? ATENÇÃO, MEMÓRIA, PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO! Outro sintoma bastante comum é a jargonofasia. São aqueles pacientes que utilizam jargões para se comunicar. Por exemplo: Terapeuta: Sr. José, quantos filhos o Sr. tem? Paciente: “Puta merda”, “puta merda”, “puta merda” (contando nos dedos, mostrando que são três). E o que fazer pra tirar o jargão? Nesse caso, o “puta merda” é o jargão dele e ele usa como comunicação. Esse é um jargão bastante comum, inclusive, e algumas vezes eles até conseguem se comunicar, mesmo usando só os jargões. Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva 12 Certo? Não tem mais como não saber isso a essa altura do campeonato, concorda? Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Não, né? Porque o problema não está na produção do jargão, esse paciente não tem problema de expressão. O problema é que esse paciente não consegue falar outra coisa além do jargão. Portanto, nosso objetivo não deve ser eliminar o jargão, e sim trazer mais vocabulário para o paciente. Antigamente, alguns terapeutas mostravam um cartão vermelho cada vez que o paciente produzisse um jargão. Será que isso é eficaz? Então, de novo, vamos trabalhar palavras com diversos inputs: ele vai repetir, ler, escrever, ver foto, objeto, sempre um campo semântico de cada vez. Aos poucos, ele vai substituindo o jargão por “oi”, pelo nome da filha, vai aumentando o vocabulário e diminuindo o uso do jargão. Da mesma forma que a gente trabalha o fortalecimento da rota fonológica, que já mencionei aqui, quando falei das estratégias. É possível utilizar os pares máximos e pares mínimos também, para que ele entenda, por exemplo, que “faca” e “vaca” são coisas diferentes, desde que não seja um treino infantilizado. Além disso, é fundamental avaliarmos o processamento auditivo central desse paciente. Sempre que você encontrar parafasia fonêmica precisa fazer avaliação de processamento! A parafasia pode ser semântica, verbal ou fonêmica. No apráxico, é muito comum a gente ter parafasias fonêmicas, porque o paciente com alteração no ensaio articulatório acaba trocando alguns sons nas palavras. Então, em vez de falar Fernanda, ele fala Pernanda; em vez de falar Solange, ele fala Tolange... E isso pode acontecer de forma sistemática ou não. Como assim? Ele pode trocar sempre o mesmo fonema ou trocar cada hora um fonema diferente. O jargão nada mais é do que uma redução do vocabulário! Além da logorreia e da jargonofasia, podemos encontrar as parafasias. E o que fazer pra tirar o jargão? E como trabalhar as trocas fonológicas? Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva 13 Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Nós reforçamos o significado das coisas, para quê elas servem, onde encontramos... Podemos dar pistas como aquelas que encontramos em palavras cruzadas, sabe? Você dá a dica e o paciente dá o nome. Por exemplo: “é um lugar onde a maioria das pessoas gosta de ir no calor, tem muitas no Brasil, lá tem água salgada”, e o paciente fala “Farmácia”, mesmo querendo falar “Praia”. Você continua reforçando a parte semântica, mostra foto, mostra a palavra escrita e ele vai organizando as “gavetas” semânticas dele. Você vai colocar, por exemplo: faca, vaca e saca. Aí você fala uma dessas palavras (sem dar pista visual) e pede pra ele apontar qual você falou. Assim, você vai conseguir avaliar se ele está escutando a mesma coisa que ele lê. Se você detectar que ele tem alteração de processamento auditivo, mas uma boa compreensão, compensa encaminhar para os nossos colegas audiologistas fazerem um treino em cabine com ele, ok?! É razoavelmente comum isso acontecer. A parafasia verbal é quando acontece a troca de uma palavra por outra de um campo semântico diferente. Por exemplo: o paciente quer falar “brinco” e fala “cerveja”; quer falar “óculos” e fala “pé”. Como trabalhamos isso? E a parafasia verbal? E o que fazemos nesses casos? Muitas vezes, o fonoaudiólogo pode achar que esse paciente tem uma alteração de discurso, quando na verdade ele tem uma alteração semântica. “Como eu vou fazer isso?” Enquanto na parafasia verbal o paciente faz trocas em campos semânticos diferentes, na parafasia semântica a troca é dentro do mesmo campo. Em vez de falar “banana”, o paciente fala “uva”, por exemplo. Se essa é a parafasia verbal, como é a parafasia semântica? Do mesmo jeito. Um campo semântico por vez, usando todos os inputs possíveis: mostra foto, mostra o objeto, mostra a palavra escrita, produz a palavra (neurônio-espelho)... As mesmas estratégias. Certo? Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva 14 Respondendo dúvidas dos alunos PRATICANDO Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Porque, como eu sempre falo, enquanto há cérebro, há vida; enquanto há cérebro, há possibilidades! O que pode acontecer, além da falta de habilidade do terapeuta, é falta de adesão ao tratamento, por parte do paciente. Aquele paciente que não treinar, que não estiver engajado, que não se dedicar ao processo de reabilitação, ou que estiver com quadro depressivo, querendo desistir, esse paciente pode ser que não evolua. Também acontece de o paciente não gostar do terapeuta, não ir com a sua cara e aí não vai participar mesmo! Totalmente possível e todas essas questões podem atrapalhar o tratamento, mas nada disso é impedimento neurológico. O cérebro continua trabalhando. Compreende? Vou te dizer que é bem difícil isso acontecer, viu?! É mais fácil isso acontecer por falta de habilidade do terapeuta do que por incapacidade neurológica do paciente. Por que eu estou falando isso? - É possível não conseguir restabelecer a comunicação de um paciente afásico? 16 Existe algo chamado negligência. É possível haver negligência dentro de um quadro de acidente vascular encefálico (AVE), por exemplo. Então, o paciente tem basicamente quatro quadrantes para olhar: canto superior esquerdo, canto superior direito, canto inferior esquerdo e canto inferior direito. Essas áreas precisam ser testadas. A gente parte do pressuposto de que esse paciente vai ser avaliado por uma equipe multidisciplinar e bem atenta. Quem avalia negligência é o neurologista e quem trata é o terapeuta ocupacional. Mas, na realidade, sabemos que nem sempre é assim que funciona. Por isso, sempre precisamos saber quais são os profissionais que estão acompanhando nossos pacientes e manter contato com a equipe inteira, saber o que está sendo trabalhado, o que foi detectado na avaliação etc. - Tenho um paciente que tem boa compreensão auditiva, mas toda vez que eu coloco uma figura, ele se perde. Ele vai melhor na compreensão verbal do que de objetos, por exemplo. O que eu posso fazer pra melhoraressa percepção de figuras e objetos? Paola Pucci - Pra�cando AFASIA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - O ideal, que fique claro, é sempre solicitar a avaliação do neurologista e trabalhar em conjunto com outros profissionais. Qualquer coisa diferente disso é “quebrar um galho”. Até porque, essa negligência pode ser tanto visual (periférica, no olho), como no processamento da visão (na região occipital do cérebro). Se for um problema no processamento visual, o treino vai ser outro! É um trabalho realizado por neurologista, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional. Entendido? Vamos sempre valorizar o trabalho multidisciplinar! Se você não tem parceiros no tratamento, primeiro precisa explicar para a família e cuidadores a importância disso. Depois, você pode trabalhar nas suas sessões a atenção do paciente para esses quadrantes. É importante avaliar os quadrantes de cada olho (e pra isso você vai precisar tampar um) e depois dos olhos juntos. Assim, você identifica quais são os quadrantes negligenciados e pode trabalhar a atenção para essas áreas negligenciadas. Precisamos estimular e orientar a família a fazer o mesmo (colocando o talher no campo negligenciado, por exemplo, para ele ser forçado a buscar). Portanto, o tratamento em conjunto com fisioterapeuta e terapeuta ocupacional é muito importante porque você alia o treino cognitivo com a propriocepção do corpo. Quando o paciente tem um AVE com lesão à direita e ficou com hemiparesia à esquerda, é como se ele se “deslocasse” inteiro para a direita, como se ele tivesse os dois lados do corpo em um lado só. O paciente se vê com todos os movimentos de um lado só, entende? Ele não se vê “faltando um pedaço”, porque senão até o treino de equilíbrio dele seria mais eficiente, porque ele compensaria. Por isso, o trabalho em conjunto com outros profissionais é fundamental. No pior cenário, aquele em que estamos sozinhos, que o paciente não está sendo acompanhando por neurologista, nem terapeuta ocupacional, podemos fazer um teste simples pra ver se há negligência. Ao avaliar leitura ou compreensão de figuras, por exemplo, é interessante posicionar as palavras/figuras nesses quatro quadrantes, para ver se algum está sendo negligenciado. Muitos pacientes afásicos em treino de leitura começam a ler da metade da linha para o final, negligenciando o lado esquerdo. 1179 www . p a o l a p u c c i . c om . b r
Compartilhar