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1 A principal função renal é manter o equilíbrio hidroeletrolítico e de solutos orgânicos. O rim normal realiza essa função em uma ampla variedade de flutuações de sódio, água e solutos. Essa tarefa é realizada pela filtração contínua de sangue com alterações na secreção e reabsorção desse líquido filtrado. O rim recebe 20% do débito cardíaco, filtrando aproximadamente 1.600 L/dia de sangue e produzindo 180 litros de fluido chamado ultrafiltrado. Por meio de processos ativos de reabsorção de certos componentes e secreção de outros, a composição desse ultrafiltrado é alterada em 1,5 L de urina excretada em 1 dia em média. Cada rim consiste em aproximadamente 1 milhão de néfrons funcionando, consistindo em um glomérulo conectado a uma série de túbulos. Os túbulos consistem em diferentes segmentos: o túbulo contorcido proximal, a alça de Henle, o túbulo distal e o ducto coletor. Cada néfron funciona independentemente e contribui para a urina final, embora todos estejam sob controle e coordenação similares. Se um segmento de um néfron for destruído, esse néfron na sua extensão completa não é mais funcional. O glomérulo é uma massa esférica de capilares circundados por uma membrana, a cápsula de Bowman. O glomérulo produz o ultrafiltrado, que é então modificado pelos próximos segmentos do néfron. A produção de ultrafiltrado é principalmente passiva e conta com a pressão de perfusão gerada pelo coração e suprida pela artéria renal. Os túbulos reabsorvem a maioria dos componentes que compõem o ultrafiltrado. Grande parte desse processo é ativa e requer gasto considerável de energia na forma de trifosfato de adenosina (ATP). O túbulo é uma estrutura única; diferenças na permeabilidade entre os vários segmentos e as respostas hormonais permitem que o túbulo produza a urina final, que pode variar amplamente em concentração de eletrólitos, osmolalidade, pH e volume. Finalmente, essa urina é afunilada nos túbulos coletores comuns e na pelve renal. Esta última estreita-se em um único ureter por rim, e cada ureter leva urina para dentro da bexiga, onde ela se acumula antes de ser eliminada. O rim possui capacidade quase limitada de regular a homeostase de água. A possibilidade de formar grande gradiente de concentração entre a sua medula interna e o córtex externo permite ao rim excretar urina como um diluído de 50 mOsm ou um concentrado de 1.200 mOsm. Dada uma carga de soluto fixada diariamente de aproximadamente 600 mOsm, o rim só pode se livrar de 500 mL de urina concentrada ou até 12 L de urina diluída. A excreção de água é regulada pela vasopressina (hormônio antidiurético [ADH]), um pequeno hormônio peptídico secretado pela hipófise posterior. O excesso de água corporal relativa, indicado por queda na osmolalidade, leva ao encerramento imediato de toda a secreção de vasopressina. De maneira similar, uma pequena elevação na osmolalidade causa marcante secreção de vasopressina e retenção de água. Contudo, para se conservar sódio, torna-se necessário, algumas vezes, alterar o controle homeostático da água para compensar o volume. INTERPRETAÇÃO DE EXAMES PROVAS DE FUNÇÃO RENAL Prof. José Aroldo Filho goncalvesfilho@nutmed.com.br 2 O volume urinário mínimo capaz de eliminar quantidade relativamente fixa de 600 mOsm de soluto corresponde a 500 mL, supondo-se que o rim seja capaz de atingir a concentração máxima. O volume urinário inferior a 500 mL/dia é denominado oligúria, de maneira que é impossível, nesse caso, eliminar toda a excreção diária. A maior parte da carga de solutos consiste em excreções nitrogenadas oriundas principalmente dos produtos finais do metabolismo das proteínas. A ureia predomina em quantidades que dependem do conteúdo de proteína da dieta. O ácido úrico, a creatinina (Cr) e a amônia estão presentes em pequenas quantidades. Caso esses produtos normais de excreção não sejam eliminados de maneira apropriada, eles reúnem-se em quantidades anormais no sangue, uma condição denominada azotemia. A capacidade de o rim eliminar adequadamente os produtos de excreção nitrogenados é definida como função renal. Portanto, insuficiência renal é a incapacidade de eliminar a carga diária de excreções. O rim também produz o hormônio eritropoetina (EPO), um determinante fundamental da atividade eritroide na medula óssea. A deficiência de EPO é a principal causa de anemia grave presente na doença renal crônica. A manutenção da homeostase de cálcio-fósforo envolve as interações complexas de paratormônio (PTH); calcitonina; vitamina D ativa; e três órgãos efetores: o intestino, o rim e os ossos. O papel do rim inclui a produção da forma ativa de vitamina D — 1,25- dihidroxicolecalciferol (1,25- [OH]2D3) — assim como a eliminação de cálcio e fósforo. A vitamina D ativa promove absorção eficiente de cálcio pelo intestino e é uma das substâncias necessárias para o remodelamento e a manutenção óssea. A vitamina D ativa também suprime a produção de PTH, que é responsável pela mobilização de cálcio do osso. Em pacientes com doenças renais, os sinais e sintomas podem ser inespecíficos ou ausentes até que a doença torne-se grave, ou ambos. Os resultados podem ser locais (p. ex., refletindo inflamação ou massa renal), resultantes de efeitos sistêmicos da insuficiência renal, ou afetam a micção (p. ex., alterações da própria urina ou da sua produção). Avaliação da função renal A função renal é avaliada utilizando valor calculado a partir de fórmulas baseadas em exames sanguíneos e urinários. FGR O ritmo de filtração glomerular, o volume de sangue filtrado através do rim por minuto, é a melhor medida da função renal; ele é expresso em mL/minuto. Como o RFG normal aumenta com o tamanho corpóreo, utiliza-se geralmente um fator de correção para a área de superfície corpórea. Esta correção é necessária para comparar o RFG de um paciente com o normal e para definir diferentes estágios de doença renal crônica. Sendo a superfície corpórea normal de 1,73 m2, o fator de correção é 1,73/superfície corpórea do paciente; os resultados ajustados do RFG são, então, expressos em mL/min/1,73 m2. O RFG normal de adultos jovens e sadios é de cerca de 120 a 130 mL/min/1,73 m2 e diminui com a idade para cerca de 75 mL/min/1,73 m2 aos 70 anos de idade. Define- se doença renal crônica quando o RFG < 60 mL/min/1,73 m2 por > 3 meses. O padrão para a medição da RFG é a 3 depuração de inulina. A inulina não é absorvida nem secretada pelos túbulos renais e, portanto, é o marcador ideal para a avaliação da função renal. Entretanto, sua dosagem é incômoda e, portanto, é principalmente utilizada em contextos de pesquisa. Depuração de creatinina A creatinina é produzida em uma taxa constante pelo metabolismo tubular e é filtrada livremente pelos glomérulos e também é secretada pelos túbulos renais. Como a creatinina é secretada, a depuração de creatinina (CrCl) superestima a taxa de filtração glomerular (RFG) em cerca de 10 a 20% em pessoas com função renal normal e em até 50% em pacientes com insuficiência renal avançada; assim, o uso de CrCl para estimar RFG em insuficiência renal crônica não é encorajado. Utilizando uma amostra de urina colhida durante certo tempo (geralmente 24 horas), o CrCl pode ser calculado como onde UCr é creatinina na urina em mg/mL, UVol é o volume de urina em mL/min de coleta (1440 minutos para uma coleta completa de 24 horas) e PCr é creatinina plasmática em mg/mL. Estimativa da depuração de creatinina Como a própria creatinina sérica é inadequada para a avaliação da função renal, diversas fórmulas foram propostas para estimar o CrCl utilizando a creatinina sérica e outros fatores. A fórmula de Cockcroft-Gault pode ser utilizada para estimar o CrCl. Ela usa a idade, peso corpóreo magro e o nível sérico de creatinina. Baseia-se na premissade que a produção diária de creatinina é de 28 mg/kg/dia com uma diminuição de 0,2 mg/ano de idade. Depuração da creatinina estimada pela equação de Cockcroft-Gault (unidades SI): Homens: Ccr (mL/min) = {[140 – idade (anos)] x peso (kg)} / [(Cr plasma (mg/dL) x 72)] Mulheres: multiplica-se o resultado por 0,85. A quantidade de creatinina depende da massa muscular, o clearence deve ser corrigido pela superfície corporal. Valor Normal: 80 – 120mL/min/1,73m2. A fórmula de estudo modificação da dieta em doença renal (MDRD) (atualmente, fórmula de 4 fatores) também pode ser usada, embora exija uma calculadora ou computador: A formula Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI) fornece uma sensibilidade mais baixa, mas maior especificidade para detectar uma taxa de filtração glomerular inferior a 60 mL/min por 1,73 m2, e pode ser mais útil para avaliar pacientes com função renal normal ou quase normal. Como ocorre com as equações de Cockcroft-Gault e MDRD, ela também se baseia no nível de creatinina sérica. Exames de sangue Os exames de sangue são úteis para avaliação das doenças renais. Os valores de creatinina sérica> 1,3 mg/dL (> 114 micromol/L) em homens e > 1 mg/dL (> 90 micromol/L) em mulheres geralmente são normais. A creatinina sérica depende da geração de creatinina, assim como da excreção renal de creatinina. Como o turnover de creatinina aumenta na presença de grandes massas musculares, as pessoas musculosas apresentam níveis mais elevados de creatinina sérica e os idosos e desnutridos apresentam níveis inferiores. 4 A creatinina sérica também pode estar aumentada nas seguintes condições: • Uso de inibidores da ECA e bloqueadores de receptores de angiotensina II • Consumo de grandes quantidades de carne. • Uso de alguns fármacos (cimetidina, trimetoprima, cefoxetina, flucitosina) A relação ureia/creatinina é usada para distinguir a uremia pré-renal da pós-renal (obstrutiva); um valor > 15 é considerado anormal e pode ocorrer em uremia pré-renal e pós-renal. Entretanto, o nível de ureia é afetado pela ingestão de proteínas e por diversos processos não renais (p. ex., trauma, infecção, sangramento gastrintestinal], uso de corticoides) e, apesar de sugestivo, geralmente não é conclusivo como evidência de disfunção renal. 5 Exame de urina Exame de urina completa inclui: • Inspeção visual quanto à cor, à aparência e ao odor. • Medida de pH, densidade, teor de proteínas, glicose, eritrócitos, nitritos e esterase de leucócitos por meio de reagentes químicos em tiras. • Exame microscópico quanto à presença de cilindros, cristais e células (sedimento urinário). • A bilirrubina e o urobilinogênio, apesar de padronizados em muitos testes de tiras reagentes, não têm mais significado na avaliação das doenças renais ou hepáticas. Cor é o atributo mais óbvio da urina, e a observação da cor é uma parte integrante da urinálise (ver tabela Causas das alterações na cor da urina). A cor da urina pode sugerir causas possíveis e auxiliar a utilização de testes adicionais diretos. 6 Odor, geralmente notado sem intenção durante a inspeção visual, transmite informações úteis em ocasiões raras de doenças herdadas do metabolismo de aminoácidos quando a urina tem um cheiro distinto. O pH normal varia de 5,0 a 6,0 (variação de 4,5 a 8,0). Recomenda-se a medida do pH com eletrodos de vidro quando forem necessários valores precisos para tomada de decisões, como quando se diagnostica acidose tubular renal; nesses casos, deve-se acrescentar à amostra de urina uma camada de óleo mineral para prevenir a perda de dióxido de carbono. O retardo no processamento da amostra pode elevar o pH devido à liberação de amônia pela quebra de ureia pelas bactérias. A infecção por germes produtores de urease pode elevar de modo significativo o pH. A densidade fornece uma medida aproximada da concentração urinária (osmolalidade). Os valores normais situam-se entre 1.001 e 1.035; os valores podem ser mais baixos em pessoas mais velhas ou em pacientes com insuficiência renal, que são menos capazes de concentrar a urina. Mede-se por hidrômetro ou refratômetro ou estima-se por meio de reagente em tira. A precisão da tira reagente é controversa, mas o resultado pode ser suficiente para pacientes com cálculos e que são aconselhados a autocontrolar a concentração urinária para manter a urina diluída. A densidade medida pela tira reagente pode estar falsamente elevada quando o pH da urina for < 6 ou baixa quando o pH for > 7. As dosagens por hidrômetro ou refratômetro podem estar elevadas em razão de níveis altos de moléculas grandes presentes na urina (p. ex., radiocontrastes, albumina, glicose, carbenicilina). Proteína, detectada por reagentes em tiras reflete principalmente a concentração de albumina urinária, classificada como negativa (< 10 mg/dL), traços (15 a 30 mg/dL), ou 1+ (30 a 100 mg/dL) até 4+ (> 500 mg/dL). A microalbuminúria, um importante marcador de complicações renais em pacientes com diabetes, não é 7 detectada por tiras comuns, mas dispõe-se de tiras específicas para microalbuminúria. Proteínas de cadeia leve (p. ex., devido a micloma múltiplo) também não são detectadas. O significado da proteinúria depende da excreção total de proteínas, em vez da concentração de proteínas estimada pelas tiras reagentes; deste modo, ao detectar proteinúria nas tiras reagentes, deve-se realizar medidas quantitativas de proteínas urinárias. Urina diluída pode causar resultados falso-negativos. Resultados falso- positivos podem surgir devido a qualquer um dos seguintes itens: 1. pH alto (> 9) 2. Presença de células 3. Meios de contraste radiopacos 4. Urina concentrada Outros exames de urina - O QUE MUDOU NA AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL? Outros exames são úteis em circunstâncias especiais. A excreção de proteínas totais pode ser medida na urina de 24 horas ou pode ser estimada pela relação proteína/creatinina, a qual, em uma amostra aleatória de urina, correlaciona-se bem com os valores em g/1,73 m2 área de superfície corporal de uma amostra de urina de 24 horas (p. ex., 400 mg/dL proteínas e 100 mg/dL de creatinina em uma amostra aleatória equivalem a 4 g/1,73 m2 em uma amostra de 24 h). A relação proteína/creatinina é menos precisa quando a excreção de creatinina está significativamente aumentada (p. ex., em atletas musculares) ou diminuída (p. ex., na caquexia). A microalbuminúria representa a excreção persistente de albumina entre 30 e 300 mg/dia (20 a 200 mcg/min); valores menores são considerados dentro da variação normal, e valores > 300 mg/dia (> 200 mcg/min) são considerados proteinúria evidente. O uso da relação albumina urinária/creatinina urinária é confiável e um método de triagem mais conveniente, pois evita a coleta de amostras de urina seriadas e correlaciona-se bem aos valores de urina de 24 horas. Um valor > 30 mg/g (> 0,03 mg/mg) sugere microalbuminúria. A confiabilidade do teste é melhor quando se utiliza uma amostra coletada pela manhã porque exercícios vigorosos podem resultar em tira reagente positiva para proteína, e não ocorre produção incomum de creatinina (em pacientes caquéticos ou muito musculosos). A microalbuminúria pode ocorrer nos seguintes casos: • Diabetes melito • Hipertensão • Disfunção de aloenxerto renal • Pré-eclâmpsia • Infecção do trato urinário • Nefropatia crônica 8 Microalbuminúria é um estágio precoce da doença renal diabética no diabetes tipo 1 e 2; a progressão da doença renal é mais previsível no tipo 1 do que na doença tipo 2. A microalbuminúria é um fator de risco de doenças cardiovasculares e mortalidade cardiovascular precoce, independentemente da existência de diabetes ou hipertensão. Tiras reagentes para ácido sulfossalicílico (SSA,sulfosalicylic acid) podem ser usadas para detectar proteínas outras que não a albumina (p. ex., imunoglobulinas em mieloma múltiplo) quando os testes de tira reagentes são negativos; o sobrenadante de urina misturado com SSA fica turvo na presença de proteínas. O teste é semiquantitativo em uma escala de 0 (sem turbidez) até 4+ (precipitados floculados). As leituras estão falsamente elevadas na presença de meios de contraste radiopacos. A osmolalidade, o número total de partículas de soluto por unidade de volume [mOsm/kg (mmol/kg)], pode ser diretamente medida por um osmômetro. Normalmente, a osmolalidade é de 50 a 1.200 mOsm/kg (ou 50 a 1200 mmol/kg). Sua dosagem é mais útil para avaliar hipernatremia, hiponatremia, síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIAHD, syndrome of inappropriate antidiuretic hormone secretion) e diabetes insípido. Cistatina C, um inibidor da serina proteinase que é produzida por todas as células nucleadas e filtrada pelos rins, também pode ser utilizada para avaliar a função renal. Suas concentrações plasmáticas independem de sexo, 9 idade e peso corpóreo. Nem sempre se dispõe do teste, e os valores não estão padronizados entre os diferentes laboratórios. Cetonas são excretadas na urina em decorrência da cetonemia, mas o uso de tiras reagentes para dosagem de cetonas urinárias não é mais tão recomendado, porque medem apenas o ácido acetoacético e a acetona, não dosando o ácido beta-hidroxibutírico. Assim, é possível um resultado falso-negativo mesmo na ausência de uma causa exógena (p. ex., vitamina C, fenazopiridina, N- acetilcisteína); a dosagem direta de cetonas séricas é mais precisa. A cetonúria é causada por alterações endócrinas e metabólicas e não reflete a disfunção renal. A glicose geralmente surge na urina quando os níveis séricos de glicose aumentam > 180 mg/dL (> 10,0 mmol/L) e a função renal é normal. O limite de detecção das tiras reagentes é de 50 mg/dL (2,8 mmol/L). Qualquer quantidade é anormal. Resultados falsamente baixos ou negativos podem surgir em qualquer um dos seguintes casos: • Ácido ascórbico • Cetonas • Ácido acetilsalicílico • Levodopa • Tetraciclina • pH urinário muito alto • Urina diluída 10 Detecta-se hematúria quando há lise de eritrócitos na tira reagente, liberando hemoglobina (Hb) e causando alteração de cor. A variação vai desde negativa (0) até 4+. Traços de sangue (3 a 5 eritrócitos/campo de grande aumento) são normais sob algumas circunstâncias (p. ex., exercícios) em algumas pessoas. Como a tira reagente reage com Hb, a hemoglobina livre (p. ex., em razão da hemólise intravascular) ou a mioglobina (p. ex., em razão da rabdomiólise), causam resultado positivo. Pode-se distinguir hemoglobinúria e mioglobinúria da hematúria pela ausência de eritrócitos no exame microscópico e pelo padrão de alteração da cor na tira reagente. Os eritrócitos criam um padrão pontilhado ou espiculado; a hemoglobina livre e a mioglobina criam uma alteração uniforme da cor. O iodo povidona causa resultados falso-positivos; o ácido ascórbico causa resultados falso-negativos. Os nitritos são produzidos quando as bactérias reduzem os nitratos urinários derivados do metabolismo de aminoácidos. Normalmente, não se observam nitritos e, quando presentes, denotam bacteriúria. O teste é positivo ou negativo. Podem ocorrer resultados falso-negativos em qualquer uma das seguintes condições: • Infecção por certos patógenos que não conseguem converter nitrato em nitrito (p. ex., Enterococcus faecalis, Neisseria gonorrhoeae, Mycobacterium tuberculosis, Pseudomonas sp) • Quando a urina não permaneceu tempo suficiente (< 4 horas) na bexiga • Baixa excreção urinária de nitratos • Enzimas (de certas bactérias) que reduzem nitratos a nitrogênio • Nível alto de urobilinogênio urinário • Presença de ácido ascórbico • pH urinário < 6,0 Os nitritos são usados principalmente nos testes de esterases leucocitárias, para controlar pacientes com infecções urinárias recidivantes, particularmente crianças com refluxo vesicoureteral e, algumas vezes, para confirmar o diagnóstico de (p. ex., proantocianidina), não complicada em mulheres em idade gestacional. A esterase de leucócitos é liberada pelos neutrófilos que sofreram lise. Sua presença na urina reflete inflamação aguda, mais comumente em decorrência de infecção bacteriana, mas, algumas vezes, devido à nefrite intersticial, nefrolitíase ou tuberculose renal. O limiar de detecção é de aproximadamente 5 leucócitos/campo de grande aumento, e os resultados do teste variam de negativo a 4+. O teste não é muito sensível para detecção de infecção. A contaminação da amostra de urina pela flora vaginal é a causa mais comum de resultado falso- positivo. Resultados falso-negativos podem advir de: • Urina muito diluída • Glicosúria • Urobilinogênio • Uso de fenazopiridina, nitrofurantoína, rifampicina ou grandes quantidades de vitamina C A esterase de leucócitos é utilizada principalmente com o teste de nitrito para acompanhar pacientes com infecções urinárias recidivantes e, algumas vezes, para diagnosticar uma infecção do trato urinário não complicada em mulheres em idade gestacional. Se ambos os testes forem negativos, a chance de cultura positiva é pequena. Análise microscópica da urina A detecção de elementos sólidos (células, cilindros, cristais) necessita de análise microscópica, idealmente observada imediatamente após a micção e o teste de tira reagente. A amostra (10 a 15 mL de urina) é centrifugada a 1.500 a 2.500rpm durante 5 minutos. O sobrenadante é totalmente decantado; uma pequena quantidade de urina permanece com o resíduo no fundo do tubo da centrífuga. O resíduo é novamente misturado por agitação delicada do tubo, batendo-se em seu fundo. Uma única gota é pipetada em uma lâmina e coberta com lamínula. Para a análise microscópica de rotina, a coloração é opcional. A amostra é examinada sob luz reduzida com objetiva de baixa potência e sob luz intensa com objetiva de alta potência; a última é tipicamente utilizada para estimativas semiquantitativas [p. ex., 10 a 15 leucócitos/campo de alta potência (HPF)]. A luz polarizada é usada para identificar alguns cristais e lipídios na urina. O microscópio de contraste de fase facilita a identificação de células e cilindros. Células epiteliais (renais tubulares, transicionais, escamosas) surgem com frequência na urina; em sua maioria, são células descamativas da porção terminal da uretra e contaminantes da vagina. Somente a presença de células tubulares renais tem importância diagnóstica; entretanto, exceto quando encontradas em cilindros, são difíceis de serem distinguidas de células transicionais. Alguns cilindros de células tubulares renais surgem na urina normal, mas um grande número sugere lesão tubular (p. ex., necrose tubular aguda, nefrite tubulointersticial, nefrotoxinas, síndrome nefrótica). Eritrócitos< 3 por campo podem ser normais (< 5 pr campo de grande aumento algumas vezes é normal, p. ex., após exercício) e qualquer hematúria isolada deve ser interpretada no contexto clínico. Na análise microscópica, eritrócitos glomerulares são menores e dismórficos, com espículas, bolhas e dobraduras; eritrócitos não glomerulares mantêm sua forma e tamanho normais. Leucócitos< 5/HPF podem ser normais; coloração especial pode distinguir eosinófilos de neutrófilos (ver Outros exames de urina). Define-se piúria como a presença de > 5 leucócitos/campo de grande aumento no sedimento centrifugado. Lipidúria é mais característica na síndrome nefrótica; as células tubulares renais absorvem lipídios filtrados, que se parecem microscopicamente com corpúsculos ovais de gordura, e colesterol, que produz um padrão de cruz de Malta sob luz polarizada. Os lipídios e o colesterol também podem estar boiando livremente ou estar incorporados em cilindros.Cristais na urina são comuns e, em geral, não são clinicamente significativos. A formação de cristais depende dos seguintes itens: • Concentração urinária dos constituintes do cristal • pH • Ausência de inibidores de cristalização 11 • Fármacos são uma causa sub-reconhecida dos cristais Os cristais são feitos de glicoproteína de função desconhecida (Tamm-Horsfall), secretada pela porção ascendente espessa da alça de Henle. São cilíndricas e possuem margens regulares. Sua presença indica origem renal, que pode ser útil no diagnóstico. Os tipos de cilindros diferem quanto aos constituintes e à aparência. ANÁLISE LABORATORIAL As dosagens de eletrólitos auxiliam o diagnóstico de doenças específicas. O nível de sódio pode ajudar a diferenciar se a depleção de volume [Na urinário < 10 mEq/L (10 mmol/L)] ou a necrose tubular aguda [Na urinário > 40 mEq/L (40 mmol/L)] é a causa da insuficiência renal aguda. A fração de excreção de Na (FENa) é a porcentagem de Na filtrado que é excretada. Ela é calculada como a relação de Na filtrado e excretado e definida como: em que UNa representa o sódio na urina; PNa, o sódio plasmático; PCr, a creatinina plasmática; e UCr, a creatinina urinária. Esta relação é mais confiável do que a medida de UNa isolada, pois os níveis de UNa entre 10 e 40 mEq/L (ou 10 e 40 mmol/L) são inespecíficos. FENa< 1% sugere causas pré-renais, como depleção de volume; entretanto, a glomerulonefrite aguda ou certos tipos de necrose tubular 12 aguda (p. ex., rabdomiólise, insuficiência renal induzida por radiocontraste) e obstrução parcial grave podem resultar em FENa< 1%. Um valor > 1% sugere causas intrarrenais como necrose tubular aguda ou nefrite intersticial aguda. Outras medidas úteis incluem as seguintes: • Fração de excreção de bicarbonato (HCO3) para avaliação da acidose tubular renal • Níveis de cloreto (Cl) para o diagnóstico de alcalose metabólica • Hiato aniônico urinário na avaliação da acidose metabólica • Níveis de potássio para determinação da causa de hipopotassemia ou hiperpotassemia • Níveis de sódio, cálcio, magnésio, ácido úrico, oxalato, citrato e cistina para avaliação de cálculos 13 Eosinófilos, células que se coram de vermelho brilhante ou branco-róseo com as colorações de Wright ou Hansel, mais comumente indicam um dos seguintes: • Nefrite intersticial aguda • Glomerulonefrite rapidamente progressiva • Prostatite aguda • Ateroembolismo renal Eletrólitos séricos (p. ex., sódio [Na], potássio [K], bicarbonato [HCO3]) podem estar alterados e o hiato aniônico (Na – [Cl + HCO3]) pode aumentar na lesão renal aguda e na doença renal crônica. Deve-se monitorar os eletrólitos séricos periodicamente em pacientes com doenças renais. O contagem de hemácias pode detectar anemia na insuficiência renal crônica ou, raramente, policitemia no carcinoma de células renais ou doença policística dos rins. A anemia geralmente é multifatorial (principalmente devido à deficiência de eritropoetina e, algumas vezes, agravada ou causada pela perda de sangue nos circuitos de diálise ou no trato gastrintestinal); ela pode ser microcítica ou normocítica. A renina, uma enzima proteolítica, fica armazenada nas células justaglomerulares dos rins. A secreção de renina é estimulada pela redução do volume sanguíneo e pela redução do fluxo renal, sendo inibida pela retenção de sódio e água. A renina plasmática é dosada através da medida da atividade de renina como a quantidade de angiotensina I gerada por hora. As amostras devem ser coletadas de pacientes bem hidratados, com repleção de sódio e potássio. Renina plasmática, aldosterona, cortisol e hormônio adrenocorticotrófico (ACTH, adrenocorticotropic hormone) devem ser dosados na avaliação de todas as seguintes condições: • Insuficiência adrenal • Hiperaldosteronismo • Hipertensão refratária A razão entre a aldosterona e a renina plasmática calculada a partir das dosagens obtidas com o paciente na posição ortostática é o melhor teste de rastreamento do hiperaldosteronismo, desde que a atividade plasmática de renina seja > 0,5 ng/mL/h (< 0,5 mcg/L/h) e aldosterona > 12 a 15 ng/dL (333 a 416 pmol/L).
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