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236 a Europa, pErifEria do mundo a) O que o texto afirma sobre a imagem que o grande público tem da Idade Média? b) Selecione e registre em seu caderno elementos culturais trabalhados ao longo do capítulo que permi- tem contestar essa imagem. 3 leitura e interpretação de documento O poema abaixo é atribuído aos goliardos e faz parte da coletânea de poemas – em sua maioria anônimos – conhecida pelo nome de Carmina Burana. O documento que contém esses poemas estava guardado em uma abadia beneditina da Baviera, na Alemanha, e foi escrito em latim. Caracteriza-se especialmente pela sua natureza satírica e mordaz, recheado de críticas bem-humoradas às autoridades, aos valores e aos costumes medievais. a) Para os autores, que papel o dinheiro desempenha na sociedade? b) De acordo com o poema, que relação existe entre o dinheiro e a justiça social? c) A que segmentos da sociedade o poema dirige sua crítica? d) O poema acima é coerente com os valores cristãos medievais ou os contraria? Justifique. a mão que dá (“presente”) A mão que dá “presente” Torna mau quem é bom O dinheiro faz aliados O dinheiro dá conselho (tentador) O dinheiro torna liso o que é áspero O dinheiro amansa inimigos Em mão de prelados, o dinheiro Equivale ao direito Vós cedeis ao dinheiro Ó juízes! Lá onde o dinheiro fala mais alto O direito é invertido O pobre é passado para trás Mesmo tendo direito Enquanto o rico convence Pelo valor de suas posses O juiz presta ouvido ao dinheiro Este faz o que ele pede Em favor do que o dinheiro clama O pedido por ele é satisfeito Carmina Burana. Canções de Beuern. Trad., introdução e notas de Maurice van Woensel. São Paulo: Ars Poetica, 1994. In te rf o to /L at in st o ck p miniatura que faz parte do livro Carmina Burana, do século Xiii. HGB_v1_PNLD2015_214a236_U3_C8.indd 236 3/8/13 9:51 AM o mundo Às Vésperas do séCuLo XVi 237 O mundo às vésperas do século XVI9 cAPÍtulO As origens dos estados modernos Neste capítulo vamos investigar o processo de formação das monar- quias centralizadas europeias, as maneiras como os reis europeus pro- curavam legitimar seu poder e os obstáculos que encontravam perante o clero, a nobreza e os camponeses. Você conhecerá parte dos confl itos, das mazelas e dos desafi os enfrentados pela população medieval, como a peste negra. Por fi m, verá qual o contexto histórico às vésperas de 1500 nos territórios asiáticos, africanos e americanos. A quem interessava essa centralização europeia? Quais os seus re- sultados? E fora da Europa: havia o mesmo processo histórico? Quais dados poderiam ser elencados para justifi car o título da unidade a que este capítulo pertence? E na atualidade, quais dados você apontaria para justifi car os Estados Unidos como centro da dinâmica mundial? p a iluminura acima, presente na obra Crônicas, de Jean froissart (século XiV), representa a Jacquerie em meaux (frança), ocorrida em 1358. as jacqueries eram revoltas populares lideradas pelos campo- neses contrários às decisões da nobreza. E ri ch L es si n g /L at in st o ck /B ib lio te ca N ac io n al , P ar is , F ra n ça . para pensar HistOricaMente HGB_v1_PNLD2015_237a257_U3_C9.indd 237 3/8/13 9:50 AM 238 europa, periferia do mundo O desenvolvimento comercial e urbano da Eu- ropa encontrou sérios obstáculos em algumas estru- turas feudais. A diversidade regional e política, típica do feudalismo, com os vários feudos e seus poderes locais, constituía um estorvo ao comércio, na medi- da em que diversos senhores interferiam nas rela- ções comerciais, cobrando impostos dos mercadores. Além disso, não havia no continente uniformidade territorial de leis, unidade monetária legal ou mesmo de pesos e medidas, o que difi cultava as transações comerciais. Dessa forma, para o grupo de burgueses europeus, ou seja, comerciantes, artesãos e banquei- ros, seria conveniente um poder centralizado que se sobrepusesse aos poderes locais e impusesse normas e facilitasse o comércio. Assim, para garantir a auto- ridade do monarca, contribuíram para a formação de um exército mercenário a serviço do Estado. Ao mesmo tempo, os diversos reis europeus ti- nham interesse em promover a centralização política como forma de reforçar sua autoridade, sobrepondo- -se à nobreza e limitando o poder da Igreja. A comu- nhão de interesses entre reis e burgueses acabou le- vando à gradativa aproximação de ambos durante a Baixa Idade Média, o que transformaria inteiramente as relações políticas e desencadearia o processo de formação das monarquias centralizadas. Outro re- sultado importante foi que o exército do rei acabou servindo também aos interesses senhoriais, à nobre- za, pois garantia a ordem contra as rebeliões rurais e mantinha a maior parte dos privilégios feudais. FORMAÇÃO DAS MONARQUIAS CENTRALIZADAS NA EUROPA No fi nal da Idade Média, vários reinos europeus fortaleceram sua autoridade e passaram a centralizar o poder. Neste capítulo apresentaremos os casos francês, inglês e português, este último de importân- cia direta para a compreensão da história do Brasil. O reino francês O processo de centralização francês contou com a atuação dos reis da dinastia capetíngia, fundada em 987 por Hugo Capeto e estendendo-se até 1328. O primeiro dos reis capetíngios destacável para o processo centralizador francês foi Filipe Augusto, ou Filipe II (1180-1223). Usando como pretexto a ne- cessidade de combater os ingleses que ocupavam o norte da França, Filipe Augusto iniciou a cobrança de impostos em todo o território francês, seguida da montagem de um poderoso exército que garantiria o poder real e o domínio de um território unifi cado. Tinha início, assim, a transformação da monar- quia feudal, centrada nos feudos e comandada pelos suseranos e vassalos locais, em Estado centralizado. Após derrotar os ingleses, Filipe II utilizou seu poder armado para se impor à nobreza. Nomeou fi scais reais, que percorriam todo o reino cobrando impostos e fazendo prevalecer as leis e a justiça real sobre as dos nobres locais. Aliado da burguesia, o rei vendia Cartas de Franquia aos burgos que quisessem se libertar do controle dos senhores feudais e aceitar a proteção real. De outro lado, para os senhores terri- toriais, a força monárquica acabava servindo para ga- rantir o poderio e os privilégios da nobreza, mantendo a ordem e a subordinação servil. Luís IX, que reinou de 1226 a 1270, levou adiante o processo de centralização, organizando uma rede de tribunais reais e instituindo uma moeda de circulação nacional. Participou da Sétima e da Oitava Cruzadas, ambas fracassadas, falecendo na última delas. Após sua morte, foi canonizado pela Igreja como São Luís. p antes da formação dos exércitos nacionais, a força militar dos senhores feudais era formada de cavaleiros vassalos e servos. na gravura, combate entre franceses e ingleses em 1346, em Crécy, frança, a primeira grande batalha da Guer- ra dos Cem anos. R ep ro d u çã o /B ib lio te ca N ac io n al , P ar is , F ra n ça . HGB_v1_PNLD2015_237a257_U3_C9.indd 238 3/8/13 9:50 AM o mundo Às Vésperas do séCuLo XVi 239 O reinado de Filipe IV, o Belo, de 1285 a 1314, deu continuidade ao empreendimento iniciado pelos antecessores. Herdando um Estado já fortalecido, Fi- lipe IV preocupou-se com sua legitimação. Em 1302, criou a assembleia dos Estados Gerais sob o primado da soberania real. Essa assembleia era composta de representantes do clero, da nobreza e comerciantes das cidades. As camadas pobres da população fran- cesa não participavam da assembleia, cujo caráter era meramente consultivo, ou seja, não tinha poder de tomar decisões ou criar leis. Além disso, não se reunia periodicamente: era convocada conforme a vontade do monarca. Apoiado pela assembleia, Filipe IV aprovou a taxação sobre os bens da Igreja. Teve início uma grave crise, envolvendo a participação do papa,que chegou até a ameaçar o rei de excomunhão. Quando o papa morreu, em 1303, Filipe IV interferiu na es- colha de seu sucessor. Impôs o nome de um francês, que viria a ser o papa Clemente V, e forçou a trans- ferência da sede da Igreja de Roma para a cidade de Avignon, no sul da França. O episódio iniciou o período que foi deno- minado por contemporâneos como cativeiro de Avignon (em referência ao texto bíblico do cativei- ro da Babilônia do século VI a.C.): durante setenta anos os papas submeteram-se à autoridade do rei da França, o que demonstra claramente o fortale- cimento desses monarcas. A nomeação de outro papa em Roma, no mesmo período, desencadeou o Cisma do Ocidente, com a divisão da autoridade suprema da Igreja católica entre dois papas. Para a Igreja, tal situação só foi superada no início do século XV. Na França, embora diversos fatores contribuís- sem para a formação de um sólido Estado centra- lizado, a Guerra dos Cem Anos suspendeu o for- talecimento do poder monárquico no país, ainda que temporariamente. Historiadores do século XIX lhe deram esse nome pela longa duração do conflito (1337-1453), intermediado por vários pe- ríodos de paz. Em meio aos efeitos do confronto e necessitan- do da nobreza para ampliar seu exército para uma guerra particularmente violenta e prolongada, a mo- narquia francesa teve de fazer certas concessões aos nobres e passou por um relativo enfraquecimento. A insatisfação da burguesia com as primeiras derrotas na guerra, a fome generalizada no país e a peste ne- gra difi cultaram a situação. Finalmente, eclodiram as rebeliões camponesas, denominadas jacqueries (uma alusão à expressão francesa jacques bonhom- me, que equivale em português a “joão-ninguém”); a mais importante delas ocorreu em 1358 e caracteri- zou-se pela invasão de castelos e por assassinatos de senhores. Foram duramente reprimidas pelas forças da ordem, encabeçadas pelo Estado e seus nobres. 1333 1347 1348 1348 1349 1351 1349 CHINA ÍNDIAARÁBIA MOSCÓVIA ÁFRICA OCEANO ATLÂNTICO Trópico de Câncer Equador 105º L OCEANO ÍNDICO OCEANO PACÍFICO Pequim Samarcanda Trabzon Bagdá Meca Peregrinações do leste a Meca Damasco Veneza Constantinopla Mar Mediterrâneo Percurso do contágio Área e época da epidemia 0 890 km 1780 0º Adaptado de: PAOLUCCI, Silvio; SIGNORINI, Giuseppina. II Corso della Storia 1. Bologna: Zanichelli, 1997. p. 382. A peste negra no século xiV peste negra: nome pelo qual se tornou conhecida, no perío- do medieval, a doença transmitida aos humanos pela pul- ga de ratos contaminados com a bactéria Pasteurella pestis, sendo sua forma mais comum a peste bubônica. em meados do século XiV, quando as condições de higiene, alimentação e moradia eram precárias, a doença se espalhou rapidamen- te e matou cerca de um terço da população europeia, num total estimado de 25 milhões de pessoas. a peste provocava feridas com pus e hemorragias que deixavam manchas es- curas na pele, daí sua denominação. A llm ap s/ A rq u iv o d a ed it o ra HGB_v1_PNLD2015_237a257_U3_C9.indd 239 3/8/13 9:50 AM 240 europa, periferia do mundo Somente a partir do início do sécu- lo XV os franceses obtiveram vitórias mi- litares decisivas, por ocasião de um gran- de levante popular contra os ingleses, quando prevaleceu uma forte ofensiva tendo à frente, principalmente, a figura de Joana d’Arc. Filha de camponeses hu- mildes, Joana d’Arc dizia-se enviada por Deus para guiar os franceses na expulsão do exército inglês. Ela participou decisi- vamente de diversos combates que resul- taram em vitória para os franceses, anu- lando a subordinação que se impusera à França para com a Inglaterra. Também levou Carlos VII a ser coroado, em Reims, segundo as antigas tradições dos francos. Após ter sido aprisionada e entregue aos ingleses, em 1430, Joana d’Arc foi acusada de heresia e condenada à morte por um tribunal eclesiástico. A guerra continuou até 1453, quan- do os franceses expulsaram os ingleses definitivamente de seu território. T h e B ri d g em an A rt L ib ra ry /K ey st o n e/ M u se u d e B er ry , B o u rg es , F ra n ça . ∏ Vítimas da peste negra diante do “triunfo da morte” numa representação do século XV, feita por artista anônimo da escola flamenga. p a obra em tríptico (três pinturas) O jardim das delícias, de Jeronimus Bosch, pintada em 1505, aproximadamente, representa parte das preocupações e da mentalidade da sociedade medieval. À esquerda, O jardim de Éden, onde a vida se originou, do pon- to de vista católico, com adão, eva, alguns animais e Cristo ao centro. o painel central, O jardim de encanto, mostra os prazeres provocados pela música, pela comida e pelo amor. À direita, O Inferno, com demônios, monstros e seres fantásticos provocando o sofrimento dos seres humanos e povoando o imaginário do sobrenatural. T h e B ri d g em an A rt L ib ra ry /K ey st o n e/ M u se u d o P ra d o , M ad ri , E sp an h a. HGB_v1_PNLD2015_237a257_U3_C9.indd 240 3/8/13 9:50 AM