Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Dor abdominal ● uma das principais causas de visitas ao departamento de emergência (DE) nos Estados Unidos ● apresentações variadas, grande número de diferenciais, variabilidade do quadro clínico de acordo com gênero e idade etc Etiologia e fisiopatologia ● maioria: envolve patologias dos tratos gastrointestinais e genitourinários ● (1) dor visceral: relacionada com inervação de fibras aferentes de órgãos intra-abdominais (vísceras ocas e cápsula de órgãos sólidos) ○ fraca correlação localizatória ○ pode ocorrer por distensão de órgãos por gás e fluidos ou distensão da cápsula de órgãos por edema, sangue, massa ou abscesso ○ aorta e os rins, estruturas retroperitoneais→ podem causar dor na região dorsal ○ geralmente percebida na linha média porque os impulsos aferentes de órgãos viscerais são mal localizados ○ nociceptores viscerais: podem ser estimulados por distensão, estiramento, contração vigorosa e isquemia ○ dor relacionada ao acometimento de estruturas retroperitoneais (estômago, pâncreas, fígado, vias biliares e duodeno proximal): tipicamente localizada na região epigástrica ○ resto do intestino delgado e o terço proximal do cólon (+ apêndice): estruturas do intestino médio → dor visceral percebida na região periumbilical ○ bexiga +⅔ distais do cólon + órgãos pélvicos geniturinários→ dor em região suprapúbica ○ extensão da doença além do órgão acometido → localização inespecífica inicial pode se tornar mais fidedigna por envolvimento somático (ex.: apendicite aguda → início: dor na região periumbilical + depois: região da fossa ilíaca direita) ● (2) dor somática: ocorre pela irritação do peritônio parietal ○ geralmente: dor de forte intensidade + dor à descompressão brusca (blumberg +) presente ● (3) dor referida: sensação de dor diferente de seu local de origem ○ ex.: dor em ombros por irritação diafragmática ou patologias intratorácicas simulando dor abdominal Avaliação ● história completa + antecedentes de cirurgias e comorbidades ● dados relevantes ○ piora ou melhora da dor com posição e fatores provocadores ○ tipo da dor ○ se a dor é aguda ou crônica ○ região da dor e sua radiação ○ gravidade da dor ○ fatores temporais e modo de início, progressão e episódios anteriores ● estímulos nocivos para o peritônio parietal podem ser inflamatórios ou de natureza química (p. ex., sangue, líquido peritoneal infectado e conteúdo gástrico) ○ dor claramente aguda, início há poucos dias, com piora em 1 dia ou algumas horas ● dores claramente agudas → preocupação imediata sobre uma potencial catástrofe intra-abdominal, como isquemia mesentérica, aneurisma roto de aorta abdominal ou dissecção aórtica ● outros diagnósticos de dor aguda: úlcera perfurada, volvo e torção intestinal → podem ocorrer eventualmente sem um início agudo ● dor de grande intensidade deve aumentar a preocupação com a gravidade da causa subjacente ● dor de menor intensidade não pode excluir doença grave, especialmente em pacientes idosos ● dor referida pode ter padrões previsíveis conforme as vias neurais ○ sinal de Kehr: irritação diafragmática, geralmente a partir de sangue intraperitoneal livre → dor no ombro → particularmente associado com colecistite e abscessos diafragmáticos ○ processos inflamatórios contíguos ao diafragma→ podem causar dor referida no ombro ● doença biliar: cursa geralmente com dor não paroxística, com duração invariavelmente maior que 1 hora, com uma média de duração de 5 a 16 horas ● obstrução do intestino delgado: usualmente intermitente, em cólica, com progressão para dor mais constante quando ocorre distensão intestinal ● pacientes com peritonite tendem a ficar quietos e referem aumento da dor com movimentação brusca ● pacientes com dor em andar superior de abdome, principalmente se com características pleuríticas, podem sinalizar uma patologia torácica, em particular isquemia coronariana ● relação alimentar: úlcera péptica tem dor exacerbada (gástrica) ou aliviada (duodenal) pela alimentação; já a piora da dor com ingestão alimentar pode ocorrer na isquemia mesentérica e cálculos biliares, neste último caso sendo frequente a associação com alimentos gordurosos ● avaliação: deve considerar os tratamentos que o paciente eventualmente faça e a resposta a eles ○ ex.: uso de antiácidos com alívio da dor→ poderia sugerir uma síndrome dispéptica ● episódios recorrentes → apontam para uma causa não cirúrgica de dor, com as exceções de isquemia mesentérica (angina intestinal), cálculos biliares ou obstrução intestinal parcial ● vômitos: podem ocorrer em quase qualquer doença abdominal, sendo frequentes em pacientes com obstrução do intestino delgado, a menos que a obstrução seja parcial ou o paciente esteja procurando serviço médico no início do quadro ○ obstrução do intestino delgado: vômitos costumam ser biliosos e com a progressão da doença eles se tornam fecaloides ● diarreia: frequentemente acompanha doenças benignas, mas a sua presença por si só não é suficiente para descartar doença grave ○ frequente na isquemia mesentérica, usualmente associada a sangue ● doenças do aparelho genitourinário podem apresentar dor abdominal ● processos inflamatórios contíguos ao trato genitourinário, como apendicite, podem resultar em leucocitúria e disúria ● homens: torção testicular pode se apresentar como dor abdominal, náuseas e vômitos ● condições médicas não diretamente relacionadas à cavidade abdominal que podem causar dor abdominal aguda: cetoacidose diabética, hipercalcemia, porfiria, doença de Addison, crise falciforme, uremia, intoxicação por chumbo, intoxicação por metanol e angioedema hereditário ○ outras causas metabólicas menos comuns de dor abdominal aguda: uremia, intoxicação por chumbo, intoxicação por metanol, angioedema hereditário e porfiria ● exame físico: sempre observar o aspecto geral do paciente ○ pacientes aparentemente doentes apresentam maior probabilidade de etiologias de dor abdominal potencialmente graves ● anormalidades de sinais vitais→ devem alertar o clínico quanto a uma causa séria da dor abdominal ● taquicardia e hipotensão → pode indicar desidratação, perda de sangue, aneurisma, sepse e perdas de volume para o terceiro espaço (ex., pancreatite) ● febre pode estar ausente em mais de 30% dos pacientes com apendicite e na maioria das pessoas com colecistite ● inspeção do abdome: pode demonstrar pistas diagnósticas, incluindo cicatrizes cirúrgicas, e alterações de pele, incluindo sinais de herpes-zóster, doença hepática e hemorragia ○ sinal de Grey-Turner: equimoses em flanco→ fonte retroperitoneal de sangramento ○ sinal de Cullen: equimoses azuladas em região umbilical→ sangramento intraperitoneal ● ausculta: pode revelar sons agudos em obstrução do intestino delgado ou o silêncio no íleo paralítico ○ dissecção de aorta ou estenose renal: sopros ● palpação: parte do exame mais reveladora na dor abdominal ○ hipersensibilidade localizada→ geralmente um guia confiável para a causa subjacente da dor ○ considerar apendicite em qualquer paciente com dor em quadrante inferior direito do abdome ○ dor associada a massa pulsátil e expansiva: principal característica de um aneurisma da aorta abdominal ○ pulsos femorais podem ser assimétricos na dissecção aórtica ● inspeção e palpação: do paciente em posição ortostática podem revelar a presença de hérnias não detectadas na posição supina ○ pesquisa de peritonismo: realizada com depressão suave da parede abdominal durante cerca de 15 a 30 segundos, com liberação repentina ○ paciente é solicitado a referir se a dor foi maior com pressão ou com a descompressão abdominal ● toque retal tem valor limitado: pode ser útil na detecção de isquemia intestinal e intussuscepção, sendo formalmente indicado na suspeita de hemorragia digestiva, mas não é recomendado em crianças, sendo de maior utilidade em pacientes com mais de 50 anos de idade ● sinal de Murphy: interrupção da inspiração na colecistite quando o examinador palpa com seus dedos abaixo da margemcostal direita anterior do paciente ○ sensibilidade é de 65% para o diagnóstico de colecistite ● sinal do psoas: avaliado com o paciente em decúbito dorsal levantando a coxa contra a resistência lateral ○ aumento da dor→ sugere irritação do músculo psoas por um processo inflamatório contíguo ao músculo ○ positivo na direita→ sinal clássico sugestivo de apendicite ○ outras condições inflamatórias envolvendo o retroperitônio, incluindo pielonefrite, pancreatite e abscesso do psoas, também podem provocar esse sinal ● sinal de Rovsing: teste clássico utilizado no diagnóstico de apendicite ○ examinador aplica pressão no quadrante inferior esquerdo, afastada da área habitual de dor apendicular ○ positivo: se o paciente relata dor no quadrante inferior direito ○ sensibilidade: 15 a 35% ○ especificidade: 85 a 95% para o diagnóstico de apendicite ● sinal de Carnett: teste de dor à palpação da parede abdominal ○ palpa-se a região do abdome em que a dor é mais intensa, com pressão suficiente para gerar dor moderada→ pede para o paciente desencostar a cabeça e parte do tronco da cama ○ positivo: dor aumenta ou mantém-se igual → diminui a probabilidade de peritonite e localiza a origem da dor na parede abdominal ○ negativo: musculatura tensionada protegerá a região e a dor diminuirá→ dor de origem intraperitoneal ○ sensibilidade: 78% ○ especificidade: 88% Exames complementares ● limitações significativas em sua utilidade, não conseguindo descartar diagnósticos potencialmente graves se o paciente tem uma alta probabilidade diagnóstica antes da realização do exame ● leucocitose com desvio à esquerda: abdome agudo inflamatório, mas o leucograma pode ser normal, mesmo em quadros potencialmente graves como a apendicite ● hemograma pode revelar perdas ocultas de sangue ● eletrólitos e função renal: têm valor maior para avaliação global do paciente ● glicemia aumentada: indica a possibilidade de cetoacidose diabética ● alterações urinárias podem sugerir o diagnóstico de pielonefrite, mas leucocitúria pode ocorrer em 20 a 30% dos pacientes com apendicite e diverticulite ● aumentos de amilase e lipase: pode indicar diagnóstico de pancreatite se associado com história clínica compatível com o diagnóstico ● lactato arterial + DHL + amilase: podem aumentar na isquemia mesentérica ○ lactato tem sensibilidade em torno de 86% nessa situação ● ECG e enzimas cardíacas: devem ser solicitados em pacientes com dor em andar superior de abdome em que se considere a isquemia coronariana um diagnóstico diferencial ● mulheres em idade fértil necessariamente têm como hipóteses diagnósticas a gestação ectópica e outras complicações obstétricas→ sempre realizar testes de gravidez nessas pacientes, ● radiografia simples de abdome: pode ser útil em perfuração de vísceras, quando aparece pneumoperitônio e na suspeita de obstrução intestinal ○ não detecta pneumoperitônio em 40% das úlceras perfuradas ○ outros achados potencialmente úteis: calcificações em aorta e níveis hidroaéreos no intestino em pacientes com suspeita de obstrução intestinal ○ também é útil em detectar corpos estranhos radiopacos ● USG de abdome: e útil em pacientes com doenças do andar superior do abdome e renais ○ primeiro exame de escolha na avaliação de pacientes com dor abdominal, particularmente em pacientes com suspeita de patologias de via biliar ou ginecológicas ○ pode ainda avaliar pâncreas, rins e vias urinárias, bexiga urinária, apêndice, dimensões aórticas e presença de líquido livre intracavitário ○ limitado por ser operador-dependente ● suspeita de pneumoperitônio→ avaliação pode ser complementada com ultrassom à beira do leito ● paciente em posição supina ou em decúbito lateral esquerdo → se houver ar livre no peritônio, espera-se que ele se interponha entre o fígado e a parede abdominal ○ USG para examinar o hipocôndrio direito → realce da linha peritoneal (EPSS – enhanced peritoneal stripe sign) + artefatos de reverberação, similares às linhas A que vemos no pulmão com padrão normal de aeração ● tomografia computadorizada (TC) de abdome: frequentemente utilizada na avaliação do paciente com dor abdominal, com alta sensibilidade e especificidade para a maioria dos diagnósticos, mas apresenta limitações no diagnóstico diferencial da dor abdominal nos serviços de emergência ○ excelente acurácia: litíase renal, apendicite, dissecção de aorta e diverticulite, entre outras condições ○ sem ou com contraste endovenoso (EV), via oral (VO) e/ou via retal (VR) a depender da indicação e do protocolo da instituição ○ angiotomografia (com necessidade de contraste EV) pode ainda avaliar pacientes com trombose mesentérica ● efeitos adversos: expõem os pacientes à radiação e podem aumentar custos e tempo de permanência do paciente no DE Diagnóstico diferencial ● mais de 40% dos pacientes permanecem sem diagnóstico específico apesar da investigação inicial Tratamento ● pacientes instáveis: devem ser monitorizados, estabilizados hemodinamicamente, recebendo avaliação adequada de vias aéreas e oxigenação, além de receber dois acessos venosos calibrosos e coleta de exames conforme a história clínica ● médico emergencista não deve hesitar em administrar medicação analgésica adequada ao paciente com dor abdominal aguda ● uso de analgésicos narcóticos, incluindo morfina, não prejudica o diagnóstico nem interfere com o tratamento do paciente ● pacientes com dor refratária: uso de morfina em doses de 0,05 mg/kg a cada 20 minutos até controle da dor é uma boa opção ● medicação deve ser utilizada com cuidado em pacientes com náuseas e vômitos, pois esses sintomas podem piorar ● pacientes com quadros de litíase urinária: medicações com a melhor resposta são os anti-inflamatórios, com o uso de opioides em casos de dor refratária ● analgesia com opioides controlada pelo próprio paciente: eficiente em estudos ● tratamento específico depende da etiologia da dor abdominal ● todos os pacientes com suspeita de sepse abdominal ou peritonite devem receber antibioticoterapia precocemente, com cobertura, necessariamente, para Gram-negativos e anaeróbios → cobertura adicional deve ser avaliada de acordo com o caso e a suspeita diagnóstica
Compartilhar