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DESCRIÇÃO Construção de relações internacionais como ciência autônoma e breve análise sobre os conceitos de Estado e poder, bem como de alguns princípios básicos de segurança internacional. PROPÓSITO Estudar a constituição e o desenvolvimento das relações internacionais como ciência, conceituando as questões de política internacional e as relações entre os Estados. OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever como se constituiu o campo científico das relações internacionais MÓDULO 2 Reconhecer elementos do campo das relações internacionais MÓDULO 3 Identificar as características da teoria das relações internacionais INTRODUÇÃO Ao longo do tempo, as relações internacionais evoluíram da prática de sujeitos experientes assumindo funções de negociação para um campo científico de estudos que compreende e discute as relações dos Estados-nação. Neste tema, abordaremos as características de relações internacionais como ciência, possibilitando o conhecimento básico e o funcionamento do campo. MÓDULO 1 Descrever como se constituiu o campo científico das relações internacionais O CAMPO CIENTÍFICO Para compreendermos a constituição da área de relações internacionais como ciência autônoma e distinta das outras ciências sociais e humanas, consideramos oportuno fazer uso das contribuições do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002). PIERRE BOURDIEU Foi um sociólogo francês que desenvolveu relevantes contribuições para o pensamento sociológico no século XX. Suas obras colaboraram para a consolidação da chamada teoria crítica, usada para investigar as relações de poder e as práticas de dominação de um espaço social, que pode ser, por exemplo, jornalístico, literário, econômico, cultural, educacional, científico, entre muitos outros, no qual é demarcada a posição social dos agentes e onde eles também se revelam. javascript:void(0) Ao refletir como se estabelece a atividade científica e por que algumas ideias predominam em detrimento de outras, Bourdieu (1983) destacava que um campo científico é um espaço que envolve uma luta concorrencial entre pesquisadores, pensadores e intelectuais em uma disputa sobre o monopólio da autoridade científica. Esse status de autoridade científica pode ser traduzido em capacidade técnica e poder social, garantindo ao pesquisador ou cientista a capacidade de falar e de agir legitimamente sobre determinado tema, sendo denominado de capital científico. Fonte: Wikimedia.org Pierre Bourdieu | Fonte: Wikimedia.org Para Bourdieu, o campo científico deve ser compreendido para além da leitura dos textos, que deve considerar relação e conexão com a realidade social e econômica dos agentes e das instituições que produzem e reproduzem o conhecimento científico. Nessa linha desenvolvida por Bourdieu, os julgamentos sobre a capacidade científica de um estudante ou de um pesquisador estão sempre contaminados pela posição que ele ocupa nas hierarquias instituídas das grandes escolas, dos departamentos ou das universidades. As práticas científicas nunca podem ser entendidas como práticas desinteressadas ou neutras, já que produzem e supõem uma forma determinada de interesse. A IDEIA DE UMA CIÊNCIA NEUTRA É UMA FICÇÃO. (BOURDIEU,1983) A estrutura das relações objetivas entres os agentes determina o que eles podem ou não fazer em um campo científico. Como as práticas estão orientadas para a aquisição de autoridade científica de certo campo, os agentes dominantes serão aqueles que conseguirem impor uma definição aceita pelos seus pares ou por um grupo de cientistas. Assim, para Bourdieu: a autoridade científica é uma espécie particular de capital que pode ser acumulado, transmitido e, em certas condições, reconvertido em outras espécies de capital ou prestígio social. Fonte: Jirsak/Shutterstock SAIBA MAIS De acordo com Robert Cox, uma teoria é feita por alguém para o benefício de alguém. ROBERT COX Robert W. Cox nasceu no Canadá, em 1926. Trabalhou na Organização Internacional do Trabalho (OIT) por mais de 20 anos. Lecionou na Columbia University, em Nova York, antes de assumir um cargo de professor na Universidade de York, em Toronto, entre 1977 e 1992. Ele foi feito membro da Ordem do Canadá em 2014. Junto com Susan Strange, Cox é considerado uma das principais figuras da Economia Política Internacional (IPE), com importante teoria crítica em Relações Internacionais (IR). Seu trabalho é marcado por uma abordagem historicista única da ordem mundial e da economia política. Seu modo histórico de pensamento sempre permaneceu heterodoxo e independente de qualquer escola ou tradição específica. javascript:void(0) Fonte: PPE, Universidade de Sidney TENDO ESSAS IDEIAS EM MENTE, PROPOMOS A SEGUINTE REFLEXÃO PARA ORIENTAR O NOSSO ESTUDO: QUAIS SÃO AS CONDIÇÕES SOCIAIS PARA QUE UMA VERDADE SE ESTABELEÇA EM DETERMINADO CAMPO CIENTÍFICO? RESPONDER O ponto fundamental é entender que a ciência é fruto dos interesses sociais, ou seja, são as dinâmicas do mundo que impulsionam a ciência. Então, em um quadro de formulação, precisamos perceber a necessidade de uma investigação, de um entendimento que somente a experiência não resolve. Por meio dessa questão, podemos avançar na compreensão sobre o desenvolvimento/desdobramento da área de relações internacionais como campo científico. O CONTEXTO HISTÓRICO E A NECESSIDADE DE UM SABER NA POLÍTICA INTERNACIONAL Apesar de ser possível identificar contribuições e reflexões importantes sobre política internacional em alguns autores da antiguidade, como Tucídides e Sun Tzu, e da modernidade, como Maquiavel, javascript:void(0) Thomas Hobbes, Thomas Moore, Hugo Grotius, entre outros, o estabelecimento da área de relações internacionais como ciência é um fenômeno datado das primeiras décadas do século XX. VOCÊ SABE A IMPORTÂNCIA DESSES NOMES NA CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS? A seguir, listamos algumas referências no assunto: TUCÍDIDES (SÉCULO V A.C.) Foi um historiador e general ateniense que escreveu sobre a história da Guerra do Peloponeso, uma sucessão de conflitos desencadeados na antiga Hélade, durante o período da hegemonia militar de Atenas sobre as outras cidades-Estado gregas. Contratado pelo comandante ateniense, Tucídides reforçou os conceitos de Estado, identidade e governo, com as negociações pertinentes, e ficou associado às relações internacionais. SUN TZU (544-496 A.C.) Escreveu A Arte da Guerra, em que abordou temas relacionados a estratégias militares de combate, demonstrando os pontos que levam um combatente a ser vitorioso. Construiu um sistema que valorizava a composição identitária e a cultura em conflitos e paz. NICOLAU MAQUIAVEL (1469-1527) Inventor, historiador e músico, Maquiavel é considerado fundador da ciência política por causa de seus escritos em O Príncipe, que teriam fortalecido a noção de Estado. Sem a consecução de Estado Moderno, as relações internacionais seriam impossíveis. HUGO GROTIUS (1583-1645) Considerado o pai do direito internacional, atuou na Holanda, que se encontrava em uma situação difícil após o enfrentamento com a Espanha. Escreveu tratados sobre os direitos de Estados e nações, reconhecidos como a efetiva fundação do pensamento em relações internacionais. THOMAS HOBBES (1588-1679) Reconhecido como o filósofo iluminista da ciência política em suas teses sobre contrato social e fundamentações das relações entre reinos, países e o papel do Estado. A noção de função, organização e dinâmica do Estado estão na essência do futuro debate de relações internacionais. THOMAS MOORE (1779-1852) Considerado precursor dos diplomatas modernos por sua atuação e pelas propostas de relação na corte inglesa, um importante humanista do Renascimento. Foi vital em negociação de conflitos, unindo o papel de autoridade que cumpria com o de estabelecer bases para negociação e política. ATENÇÃO Termos como Estado, Nação, Governo, que você conhece pelas ciências políticas e sociais, foram tentativas de organização de um campocientífico que analisava sistemas humanos. Os conceitos foram criados ao mesmo tempo em que se materializavam os cotidianos sociais. República é uma ideia, mas ao mesmo tempo um sistema político reconhecido nos séculos XIX e XX, bem como democracia, eleições, governo e nação. A ideia contemporânea de país gera uma identificação de fronteiras e identidade que associa as noções de Estado e Nação como uma força intrínseca a cada região. Dessa forma, recuperamos um longo histórico de trocas entre os Estados, para concluir que é o seu amadurecimento e o contexto do século XX que inauguram a ideia de Nação. A partir de conflitos, embaixadas e embaixadores, discussões sobre soberania, fronteira, direito foi fundamentada a trilha da nova dinâmica mundial, que necessitava de uma estrutura fundamental, um debate acadêmico e estruturado: surgem as ciências das relações internacionais. Fonte: Oleksiy Mark/Shutterstock A ACADEMIA E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS O primeiro departamento de relações internacionais foi criado na universidade escocesa de Aberystwyth, em 1917. A disciplina surgiu no Reino Unido, imediatamente após a Primeira Guerra Mundial. O desenvolvimento e o estabelecimento da ciência ocorreram nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). Antes desse período, os assuntos internacionais eram exclusividade de uma elite profissional de diplomatas e militares que, de algum modo, estavam envolvidos com as questões de política externa dos Estados. Foi após os desdobramentos catastróficos da Primeira Guerra Mundial que um grupo de pesquisadores passou a estudar de maneira sistemática os fenômenos da política internacional. Segundo o historiador Eric Hobsbawm, antes de 1914 fazia um século que não havia uma grande guerra envolvendo todas as grandes potências europeias. Os especialistas e historiadores nos assuntos militares costumavam utilizar as guerras do século XIX como parâmetro para analisar e esboçar a possibilidade de novos conflitos. Fonte: Fonte: Ensine.me Nesse período, a duração de uma guerra era medida em meses, ou até mesmo em semanas, e as principais vítimas das intervenções militares das grandes potências eram escolhidas no mundo fraco, ou seja, nas colônias, nos países periféricos; raramente um país europeu era escolhido como alvo ou adversário. Entretanto, o que parecia improvável aconteceu: a Primeira Guerra Mundial impactou a vida de praticamente todas as pessoas do mundo. Quem não estava lutando diretamente nas trincheiras, produzia alguma coisa nos campos, nas plantações ou nos galpões de indústrias (materiais e suprimentos) para abastecer a máquina de guerra dos países. A humanidade estava diante de um novo paradigma. Para Hobsbawm, além dos efeitos traumáticos e profundos na vida política dos Estados, a Primeira Guerra Mundial fez desmoronar o edifício de ideias, princípios, valores e instituições que davam sustentação à civilização. Nessa linha, o psicanalista Sigmund Freud (1856-1939) também registrou de maneira precisa o espírito de aflição e desencantamento com o que acontecia: A GUERRA, EM QUE NÃO QUERÍAMOS ACREDITAR, ESTALOU E TROUXE CONSIGO A DECEPÇÃO. NÃO SÓ É MAIS SANGRENTA E MAIS MORTÍFERA DO QUE TODAS AS GUERRAS PASSADAS, POR CAUSA DO APERFEIÇOAMENTO DAS ARMAS DE ATAQUE E DE DEFESA, MAS, PELO MENOS, TÃO CRUEL, EXASPERADA E BRUTAL COMO QUALQUER UMA DELAS. INFRINGE TODAS AS RESTRIÇÕES A QUE OS POVOS SE OBRIGARAM EM TEMPOS DE PAZ – O CHAMADO DIREITO INTERNACIONAL –, NÃO RECONHECE NEM OS PRIVILÉGIOS DO FERIDO E DO MÉDICO, NEM A DIFERENÇA ENTRE O NÚCLEO COMBATENTE E O PACÍFICO DA POPULAÇÃO, E VIOLA O DIREITO DA PROPRIEDADE. DERRUBA, COM CEGA CÓLERA, TUDO O QUE LHE APARECE PELA FRENTE, COMO SE DEPOIS DELA JÁ NÃO HOUVESSE DE EXISTIR NENHUM FUTURO E NENHUMA PAZ ENTRE OS HOMENS. DESFAZ TODOS OS LAÇOS DA SOLIDARIEDADE ENTRE OS POVOS COMBATENTES E AMEAÇA DEIXAR ATRÁS DE SI UMA EXASPERAÇÃO QUE, DURANTE LONGO TEMPO, IMPOSSIBILITARÁ O REATAMENTO DE TAIS LAÇOS. (FREUD, 2009) Batalha de Verdun: soldados franceses rastejando por suas próprias armadilhas de arame farpado no início de um ataque às trincheiras inimigas. Abril-Junho, 1916. | Fonte: Everett Collection/Shutterstock A guerra deixou cicatrizes profundas tanto nos países derrotados quanto nos vencedores. Diante da decepção, aqueles que alertavam para os efeitos nefastos da lógica belicista passaram a ter papel de destaque nos debates e na disputa de ideias. À medida que o conflito se desenrolava e as notícias chegavam do front de batalha pelo rádio, abalava-se cada vez mais o ânimo das populações, dos políticos, dos pensadores, e os intelectuais críticos à guerra e engajados com a paz aproveitavam a conjuntura para colocar as suas convicções para circular, tentando influenciar a opinião pública e, consequentemente, os rumos da política internacional. Nesse contexto, um amplo conjunto de pesquisadores considerava fundamental compreender de maneira sistemática e científica os fenômenos que abalavam a política internacional. O objetivo de tal preocupação era declaradamente normativo. Ou seja, o estudo em bases científicas da política internacional era a melhor maneira de demonstrar que a guerra era um equívoco, evitando que esses eventos trágicos voltassem a ocorrer entre as nações. Era, então, comum que os pesquisadores e acadêmicos tivessem uma estreita ligação ao mundo político, como diplomatas, governantes ou conselheiros governamentais, ou, ainda, como líderes políticos de movimentos pacifistas (MENDES, 2019). Segundo os pesquisadores, a ideia de que as divergências políticas pudessem ser resolvidas pela via militar não cabia mais na nova realidade internacional. Norman Angell, por exemplo, entendia que uma crença errônea fazia parte do imaginário dos governantes da época, e era uma grande ilusão acreditar que uma guerra poderia proporcionar vantagens materiais a quem a empreendia: NORMAN ANGELL Ralph Norman Angell Lane (1872-1967) foi escritor e político britânico. Atuou no parlamento inglês entre 1929-1931 como membro do Partido Trabalhista Inglês, ao qual era filiado desde 1920. Também atuou no conselho do Real Instituto de Assuntos Internacionais e foi membro executivo no Comitê Mundial contra a Guerra e o Fascismo, membro do Comitê Executivo da Sociedade de Nações e sendo seu presidente. Já em 1933 foi condecorado com o prêmio Nobel da Paz. Sua obra mais conhecida é The Great Illusion escrita em 1910. NÃO QUE A GUERRA SEJA IMPOSSÍVEL, MAS É FÚTIL E INEFICAZ, MESMO QUANDO VITORIOSA, COMO MEIO DE ALCANÇAR AQUELES OBJETIVOS MORAIS E MATERIAIS javascript:void(0) QUE RESULTAM DAS NECESSIDADES DOS MODERNOS POVOS EUROPEUS; POR CONSEGUINTE, DA PERCEPÇÃO E COMPREENSÃO DESSA VERDADE VAI DEPENDER A SOLUÇÃO DO PROBLEMA DO ARMAMENTISMO E DA GUERRA. (ANGELL, 2002) Ideias como as de Angell estavam em evidência no período após a Primeira Guerra Mundial. Iniciativas como a tentativa de criar a Liga das Nações, o fim da diplomacia secreta, o desenvolvimento do comércio internacional e do intercâmbio entre os Estados eram algumas medidas que se destacavam na pauta de discussões políticas. A ideia era estimular a criação de vínculos que, se rompidos, trariam consequências ruins para todas as partes. LIGA DAS NAÇÕES Considerada o embrião da ONU, uma tentativa de mesa comum para as negociações políticas internacionais. Fonte: Lightspring/Shutterstock Fonte: Lightspring/Shutterstock javascript:void(0) O argumento usado era que a probabilidade de guerra entre os países cairia na medida em que aumentassem as trocas e os laços entre eles. Um dos chavões da época era a máxima “mais comércio, menos guerras”. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. FOI APÓS OS DESDOBRAMENTOS CATASTRÓFICOS DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL QUE UM GRUPO DE PESQUISADORES PASSOU A ESTUDAR DE MANEIRA SISTEMÁTICA OS FENÔMENOS DA POLÍTICA INTERNACIONAL. SOBRE ESSE PERÍODO, ESTÁ CORRETO: A) O objetivo da primeira geração de pesquisadores era estimular oprogresso intelectual e científico sem interferir no ambiente político dos países. B) No início do século XX, as relações internacionais foram disseminadas pelos países periféricos, gerando uma produção advinda desses países. C) Ideias voltadas para o intercâmbio comercial entre os Estados estavam em baixa, após a Primeira Guerra Mundial, devido ao baixo nível de interdependência entre as nações. D) Antes desse período, os assuntos internacionais eram exclusividade de uma elite profissional de diplomatas e militares que, de alguma forma, estava envolvida com as questões de política externa dos Estados. E) A formação dos Estados-nação no século XVIII e a mediação para evitar as tensões vividas por esses centros de poder marcaram o início do campo acadêmico das relações internacionais. 2. AS PRÁTICAS CIENTÍFICAS, A PRODUÇÃO DE TEORIAS, IDEIAS, VERDADES, SEGUNDO BOURDIEU, ESTÃO SEMPRE CONECTADAS COM A REALIDADE SOCIAL DOS AGENTES E DAS INSTITUIÇÕES QUE PRODUZEM E REPRODUZEM O CONHECIMENTO CIENTÍFICO. DESSE MODO: A) As práticas científicas nunca podem ser entendidas como práticas desinteressadas ou neutras. Elas produzem e supõem uma forma determinada de interesse. Segundo Bourdieu (1983), “a ideia de uma ciência neutra é uma ficção”. B) As práticas científicas são voltadas para o estabelecimento de verdades relativas diante da pluralidade de perspectivas científicas. C) As práticas científicas estão sempre em evidência e costumam ser levadas em consideração pela opinião pública e por autoridades governamentais. D) As relações internacionais não são práticas científicas, pois o seu campo teórico emerge das relações práticas e não dos pressupostos relacionais teóricos do campo científico. E) As práticas científicas nada mais são do que um conjunto de diretrizes doutrinárias e éticas que servem de parâmetros para a atividade profissional dos pesquisadores e cientistas. GABARITO 1. Foi após os desdobramentos catastróficos da Primeira Guerra Mundial que um grupo de pesquisadores passou a estudar de maneira sistemática os fenômenos da política internacional. Sobre esse período, está correto: A alternativa "D " está correta. As relações internacionais saem do campo da ação dos sujeitos que precisam executar seus princípios. A produção sobre o assunto vinha do modelo de “fazer” e os registros eram de experiência para um princípio de investigar, consolidar, perceber como poderiam gerar possibilidades e ações que permitissem um melhor controle e dinâmica desses processos. 2. As práticas científicas, a produção de teorias, ideias, verdades, segundo Bourdieu, estão sempre conectadas com a realidade social dos agentes e das instituições que produzem e reproduzem o conhecimento científico. Desse modo: A alternativa "A " está correta. As práticas relativas às relações internacionais têm um longo trajeto de ações e conhecimento do mundo prático. Fossem impérios, reinos ou nações, sempre houve os sujeitos que atuavam nesse processo de mediar, negociar, construir relações. No entanto, no século XX, surgiu a necessidade de uma investigação prática, fundamentada e científica, logo, emergiu um campo de características singulares partilhados e investigados por sujeitos que tentavam compreender o seu papel. MÓDULO 2 Reconhecer elementos do campo das relações internacionais RELAÇÕES INTERNACIONAIS E AS CIÊNCIAS SOCIAIS As ciências humanas ou humanidades referem-se àquelas áreas do conhecimento que têm o ser humano como seu objeto central de estudo. Elas contemplam todas as áreas que estudam o homem como ser social e suas várias formas de organização social e política. Antes do desenvolvimento da academia moderna (final do século XIX e início do século XX), os pensadores e intelectuais concebiam as questões humanas, sociais, políticas e filosóficas dentro um sistema total, ou seja, as coisas deveriam ser aprendidas e compreendidas dentro da sua totalidade. Não havia uma separação do conhecimento por áreas ou disciplinas. Com a solidificação e o crescimento da academia moderna, a divisão do saber em áreas do conhecimento se intensificou. Isso aconteceu com todas as ciências de maneira geral, e com as ciências sociais não foi diferente. Fonte: Chinnapong/Shutterstock SAIBA MAIS Diversas disciplinas, como Sociologia, Economia, Antropologia, Ciência Política, entre outras, são produtos desse momento histórico, sobretudo nas universidades europeias e norte-americanas. Com a origem do primeiro departamento de relações internacionais, em 1917, o período entre o fim do século XIX e o início do século XX foi marcado pelo estabelecimento de inúmeras associações disciplinares profissionais na Europa e nos Estados Unidos. A HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: CONCEITUANDO De acordo com Reinhart Koselleck (2006), conceitos são estruturas temporais, eles só fazem sentido quando aplicados no seu tempo, mesmo que recebam influências do passado e suas aplicações sejam reformuladas no futuro. A proposição de uma ciência das relações internacionais com epistemologia e base conceitual próprias é fruto de um amadurecimento de suas práticas e da fundamentação dos seus conceitos. As relações internacionais têm datas diversas de nascimento. Alguns autores situam seu início nos acordos da chamada Paz de Vestefália, já que se passa a falar efetivamente em Estado/Nação e suas características. javascript:void(0) Essa paz permitiu consolidação de fronteiras, valorização de identidades, unificação de países, inaugurando uma fase de consolidação das nações, como um conceito de reconhecimento político, social, cultural e militar. O conjunto dessas práticas, no entanto, não conceitua as relações internacionais como um campo de saber que reflete sobre o seu ofício. Para existir uma ciência das relações internacionais, é necessário que haja uma organização intelectual do campo científico. É um novo campo de ciência, com especificidades em uma burocracia acadêmica estruturalista e com elementos singulares. O caminho é o de estabelecer conceitos e construções sobre esses conceitos que passamos a reconhecer. Antes do desenvolvimento da academia moderna (final do século XIX e início do século XX), os pensadores e intelectuais concebiam as questões humanas, sociais, políticas e filosóficas dentro de um sistema total, ou seja, as coisas deveriam ser aprendidas e compreendidas dentro da sua totalidade. Não havia ainda uma separação do conhecimento por áreas ou disciplinas. PAZ DE VESTEFÁLIA A diplomacia, exercida por homens hábeis em negociação, era marcada por uma série de recomendações e manuais de comportamento. As tradições de guerras entre os reinos se mantinham desde o fim da Idade Média. Se a luta entre senhores era uma tônica, a unificação monárquica vivida nos séculos XV e XVI criou grandes conflitos entre os Estados/reinos, que permaneceram vivos e marcantes até a Revolução Francesa. Nesse momento, ocorreu um processo um pouco diverso, com um conjunto de acordos finalizando os conflitos – a Paz de Vestefália. TOTALIDADE O filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831) é considerado como o ápice do pensamento totalizante e absoluto da filosofia moderna. Segundo Habermas, o sistema de pensamento hegeliano representa a filosofia da modernidade por excelência. javascript:void(0) QUAL É A MELHOR MANEIRA DE SE ESTUDAR RELAÇÕES INTERNACIONAIS? VERIFICAR Essa pergunta motivou e ainda motiva acalorados debates teóricos e pedagógicos em muitos centros de pesquisa. Esse processo consolidou as divisões de saberes dentro da incipiente academia moderna. No período entre o fim do século XIX e o início do século XX, aspectos voltados para a especificidade, junto com o alto grau de especialização, foram contemplados como modelos na busca pelo conhecimento. Com o desenvolvimento da área de relações internacionais, novos desafios e temas demandaram a criação de outras disciplinas no interior de seu próprio recorte metodológico e científico.O aumento da complexidade da esfera internacional aumentou, em igual proporção, a necessidade de novas disciplinas para compreender e explicar tais fenômenos. A urgência foi um aspecto fundamental. Se no século XIX, a ciência se consolidou com seus termos técnicos, com sua epistemologia, pegando elementos de investigação e filosofia, transformando seu acesso em algo difícil a não iniciados e com os gabinetes lotados de grandes debates, as ciências das relações internacionais não tinham esse tempo. No século XX, seus debates viram o mundo ser consumido em guerras. Havia a ideia de que grupos intelectuais precisavam estudar os fenômenos e achar as soluções. Enquanto campos de saber desenvolvem suas pesquisas acerca de problemas em curso, com práticas, tradições e buscam solucionar seus problemas intelectuais, as relações internacionais se manifestam no campo coletivo e a pesquisa pode significar muito para realidade mundial. Banquete da Guarda Civil de Amsterdã em celebração da Paz, de Münster Bartholomeus van der Helst (1648) javascript:void(0) A prática antiga das relações internacionais não estava dando certo e era necessário encontrar novas soluções. Considerada irmã de história e sociologia que, no início do século XX, já tinham quadros consolidados, os pesquisadores de relações internacionais enfrentavam uma corrida para evitar equívocos, crises e processos que marcaram o mundo e resultaram em milhões de mortos. MONODISCIPLINARIDADE VERSUS INTERDISCIPLINARIDADE O que está em jogo é o grau de influência de outras áreas do conhecimento nas relações internacionais. Até que ponto as RI devem possuir apenas disciplinas próprias? Um curso de RI poderia ser estruturado apenas com o uso de disciplinas correntes de outros cursos, como, por exemplo, Economia, Direito, Administração, Sociologia, Antropologia e Filosofia? Uma forma encontrada para tentar equacionar essas questões foi definir uma estrutura básica curricular que contemplasse disciplinas específicas e disciplinas auxiliares: Disciplinas específicas Visam a preencher as necessidades consideradas mínimas para a formação de um futuro profissional da área de relações internacionais: introdução às relações internacionais, teoria das relações internacionais, política externa brasileira e segurança internacional. Disciplinas auxiliares Podem variar de acordo com o perfil da instituição de ensino que oferece o curso. Por exemplo, pode-se privilegiar disciplinas voltadas para o direito, para a economia e negociações internacionais, comércio exterior, entre outros. Essa pluralidade vem se consolidando como um dos aspectos centrais das relações internacionais. O elevado grau de flexibilidade e abrangência da área permite o desenvolvimento de um perfil crítico, propositivo e analítico, que consegue ir do específico ao holístico, do particular para o geral. Esse tipo de formação ampla permite ao aluno potencializar a capacidade de ações de liderança e de pensamento estratégico, pensando como sujeito e cidadão tanto na esfera local quanto global, na sua comunidade e no mundo. A discussão sobre quantitatividade versus qualitatividade é típica de metodologia e métodos de pesquisa. A principal diferença entre pesquisa quantitativa e qualitativa é em relação ao tratamento que se dá aos dados empíricos. Veremos o objetivo de cada pesquisa a seguir: Pesquisa de base quantitativa Visa a coletar fatos e números, organizando-os estatisticamente para mensurar e tirar conclusões gerais da amostra. Pesquisa qualitativa Descreve e aprofunda o estudo de um tema, obtendo informações, opiniões, motivações para oferecer uma explicação mais detalhada do objeto de estudo O estudo de relações internacionais no Brasil é tradicional e importante, mas sua ciência ainda é pouco desenvolvida no país, apesar de existir uma disciplina dedicada a esse estudo há quase um século na Inglaterra e há pouco menos do que isso nos Estados Unidos. AS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS TÊM A FINALIDADE DE FORMULAR MÉTODOS E CONCEITOS QUE PERMITAM COMPREENDER A NATUREZA E O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA INTERNACIONAL, BEM COMO EXPLICAR OS FENÔMENOS MAIS IMPORTANTES QUE MOLDAM A POLÍTICA MUNDIAL. (NOGUEIRA; MESSARI, 2005) Se analisarmos historicamente o campo de relações internacionais, compreenderemos que, por ser muito jovem e filho da nova realidade de mundo, é necessário constituir um corpo particular de teorias para entendermos que suas características (fronteira, identidade, nação) estão presentes em processos incrementais (comércio, regulamentação, cidadania) e criam um objeto vivo, em construção, que precisa ter especialistas atentos e prontos para que as ações, interações, conflitos e negociações tenham lugar nas margens da jurisdição dos Estados: o espaço internacional (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). Isso, no entanto, não deve ser uma crise em que as questões internacionais necessitem ser isoladas de problemas jurídicos e sociais, como se eles restringissem seu olhar ao ambiente doméstico e as relações internacionais fossem as únicas a lidar com o mundo complexo dessas relações. Fonte: Photocarioca/Shutterstock ATENÇÃO Relações internacionais não são um campo de estudo isolado; dialogam com direito, comércio, problemas e autonomia nacional. É necessária uma teoria que dê conta dessa especificidade e uma disciplina acadêmica que congregue os estudos e reúna os pesquisadores dedicados às relações internacionais, sem romper com o aprendizado e as trocas de diversos campos e pesquisas. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. NA SUA ORIGEM, O PRINCÍPIO BÁSICO QUE FUNDAMENTAVA OS DEBATES DE RELAÇÃO INTERNACIONAL ERA: A) Monodisciplinaridade. B) Interdisciplinaridade. C) Estudo de fluxos internacionais. D) Fundamento de conceitos singulares e próprios da área. E) Estímulo às trocas comerciais e acadêmicas entre os países. 2. O PRINCÍPIO DA TENSÃO ENTRE MONODISCIPLINARIDADE VERSUS INTERDISCIPLINARIDADE RESIDE CENTRALMENTE NO FATO DE: A) As relações internacionais pertencerem ao campo das ciências jurídicas ou sociais. B) As relações internacionais serem constituídas por conceitos quantitativos ou qualitativos. C) As relações internacionais serem uma ciência ou uma prática. D) As relações internacionais terem conceitos filosóficos próprios ou terem de importar os conceitos da História, ciência mais próxima a ela. E) As relações internacionais serem constituídas por linhas singulares e próprias ou por apropriação de conceitos. GABARITO 1. Na sua origem, o princípio básico que fundamentava os debates de relação internacional era: A alternativa "C " está correta. O campo de estudos fundamenta-se em perceber princípios relacionais e seus estudos, suas práticas e adaptações. O fundamento é de estudo e pesquisa e que se manifesta na prática. 2. O princípio da tensão entre monodisciplinaridade versus interdisciplinaridade reside centralmente no fato de: A alternativa "E " está correta. Como uma ciência recente no campo e fruto de uma longa trajetória de práticas, os debates passam a incorporar essas experiências ou se devem importar conceitos para constituir sua própria epistemologia. MÓDULO 3 Identificar as características da teoria das relações internacionais ESTATOLOGIA E CRATOLOGIA: ESTADO E PODER NA POLÍTICA INTERNACIONAL Dois pontos são considerados essenciais quando se estuda política internacional: o Estado e o poder. Assim, faremos uso da estatologia (Default tooltip) e da cratologia (Default tooltip) , por entendermos que essas duas categorias trazem elementos importantes e auxiliam os estudos das relações internacionais como ciência. Outros atores e dinâmicas também são relevantes, porém analisar o Estado e o poder merece uma atenção especial neste módulo. Estátua de São Pedro, símbolo ideológico do poder do Papa e do Estado do Vaticano, portando a chave do Reino dos Céus, Cidade do Vaticano. | Fonte: Pyty/Shutterstock ESTADO O Estado nacional é o ente principal e norteador emtermos de estática e dinâmica das relações internacionais e, por isso, é um elemento central do sistema internacional. Uma das definições mais precisas e conhecidas nos estudos sobre o Estado é a do sociólogo alemão Max Weber, que afirma que todos os Estados se fundam na força e têm, na capacidade de fazer uso da violência, o seu meio específico. DEVEMOS CONCEBER O ESTADO CONTEMPORÂNEO COMO UMA COMUNIDADE HUMANA QUE, DENTRO DOS LIMITES DE DETERMINADO TERRITÓRIO – A NOÇÃO DE TERRITÓRIO CORRESPONDE A UM DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS DO ESTADO – REIVINDICA O MONOPÓLIO DO USO LEGÍTIMO DA VIOLÊNCIA FÍSICA. (WEBER, 2006) Do ponto de vista histórico, o Estado moderno é produto de um largo processo de transformações sociais e econômicas do medievalismo para o renascimento humanista dos séculos XVI e XVII. Há uma vasta literatura dedicada e estudar as origens do Estado moderno sob diversas perspectivas, entre elas: JURÍDICA SOCIOLÓGICA ECONÔMICA HISTORIOGRÁFICA Entretanto, para o nosso objetivo, consideramos oportuno pensar o Estado moderno como produto de um demorado amadurecimento das instituições de controle social e dominação que se transformaram, ao longo do tempo, em entidades capazes de estabelecer um tipo de ordem social. Uma série de instituições surgiram para dar materialidade à capacidade de dominação do Estado moderno, sendo que, através delas, é possível cumprir o seu papel fundamental na manutenção de um sistema social e econômico de dominação. Segundo o historiador Perry Anderson, a introdução de exércitos regulares, burocracias permanentes, impostos nacionais, leis codificadas e os primórdios de um mercado unificado por parte das monarquias absolutas são as características indispensáveis para o surgimento do Estado moderno. Simultaneamente ao surgimento do Estado, o modo de produção feudal, baseado na servidão, estava sendo sucedido pelo modo de produção capitalista na Europa, fazendo com que a maneira como a sociedade produzia riqueza e se organizava fosse modificada profundamente. Umas das marcas desse processo é a ampliação dos antagonismos/diferenças de classe, levando ao aumento das lutas e das tensões sociais. Assim, o Estado é formado como resultado dessas lutas e desenvolve mecanismos para mediar os conflitos e administrar a sociedade civil. Esse processo de centralização do poder do Estado, do ponto de vista interno, é acompanhado pelo reconhecimento externo de outros Estados soberanos. Um marco desse processo é a Paz de Vestefália (1648), que estabeleceu os princípios básicos do Estado moderno e do direito internacional. Conceitos como a igualdade jurídica entre os estados soberanos, territorialidade delimitada e reconhecida, população permanente, poder soberano no âmbito interno e externo e a não intervenção em assuntos domésticos ganharam uma definição mais precisa após esse tratado. Por isso, a Paz de Vestefália pode ser considerada uma referência fundamental para o estudo das relações internacionais, da diplomacia moderna e do sistema internacional de Estados. O princípio de não interferência em assuntos internos foi fundamental, e uma pré-condição, para se criar a estabilidade e a ordem internacional. Assim, a entidade política estatal ganhou uma forma jurídica. A reflexão em torno da questão é ampla, e não é o nosso objetivo esgotar todas as possibilidades de teorias, análises e interpretações. Entretanto, um ponto relevante para termos em mente é pensar o Estado com a materialização política da organização da sociedade. ATENÇÃO Percebe-se que não exploramos aqui algumas questões sobre as formas de governo, que são as mais variadas, mas sim aquele elemento constitutivo do Estado, que é a capacidade de exercer a coerção e fazer a mediação dos conflitos na sociedade. PODER Além do Estado, um dos conceitos mais mencionados e discutidos dentro das relações internacionais e da ciência política é o conceito de poder. Como usamos a definição de Max Weber, de que o Estado é uma entidade que reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física, tendo nas relações de dominação o seu fundamento específico, neste tópico, pretendemos avançar um pouco mais no uso dos termos poder, força e dominação. Fonte: arindambanerjee/Shutterstock O Estado consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, logo, tal entidade só pode existir sob a condição de que os homens dominados se submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores. COMENTÁRIO Em outras palavras, poder, força e dominação são fenômenos típicos das relações sociais, estando sempre presentes em qualquer sistema político, nacional ou internacional. Sendo assim, a cratologia surge como a ciência que estuda o poder, suas formas, expressões e manifestações, como ação consciente do ser humano. Muitos autores já transitaram por essas vias de discutir as questões referentes ao poder. Hannah Arendt (1994), por exemplo, entende que o poder é inerente a qualquer comunidade política e resulta da capacidade humana para agir em conjunto, o que requer o consenso de muitos quanto a curso comum de ação. Arendt faz questão de se distinguir dos pensadores que entendem a violência como manifestação máxima do poder. Segundo ela, poder e violência são conceitos opostos, sendo que é a desintegração do poder que enseja a violência. No desenvolvimento do seu pensamento, Arendt nos oferece algumas conceituações que nos auxiliam nos estudos: Força Entendida como a energia liberada por movimentos físicos ou sociais. Autoridade Reconhecimento inquestionado, que não requer coerção nem persuasão, e que não é destruído pela violência, mas sim pelo desprezo. Trazendo essa discussão sobre o poder e a sua manifestação nas relações internacionais, Rochman (1999) oferece uma contribuição relevante ao analisar como o conceito de poder é tratado por autores centrais da área. Rochman (1999) inicia a discussão trazendo Thomas Hobbes para o debate, no qual identifica três elementos básicos de poder: o militar, o econômico e o ideológico/psicossocial. A divisão de poder em Hobbes poderia ser feita em duas partes: Poder temporal Ramifica-se em imperium (poder militar, ligado à segurança) e dominium (poder econômico, que provê os recursos de sustentação às políticas). Poder espiritual É o poder ideológico, que estabelece e consolida a coesão e a disciplina sociais, fornecendo apoio às ações governamentais internas e externas. Conforme Rochman destaca, a limitação de poder em Hobbes coloca em risco a paz e a segurança do Estado, já que o controle e as possibilidades de manipulação de recursos ficam restritas. Deve-se, então, maximizar o poder, de forma a garantir maior autonomia ao soberano no exercício da política. Rochman (1999) destaca que, assim como Hobbes, Edward Carr também entende o poder como sendo um todo inseparável, mas pode ser segmentado em poder militar, poder econômico e poder sobre a opinião. RESUMINDO Para as relações internacionais, o poder militar possui uma importância destacada em relação aos demais. Para Rochman, o poder militar, no pensamento de Carr, é fundamental não só para atingir objetivos bélicos ou de guerra, mas também para construir um status de potência mundialmente relevante. Nessa linha, o poder econômico era visto como uma ferramenta do poder militar, ou seja, as questões relacionadas a mercados, empréstimos, ajudas financeiras, entre outras, devem estar subordinadas à lógica de uma estratégia de ampliação do poderio militar. Morgenthau (2003) afirma que a política entre as nações gira em torno de três princípios básicos: Isso significa que o poder de um Estado possui elementos concretos e que podem ser mensuráveis. A geografia, a extensão territorial, o tamanho da população, os recursos naturais, a capacidade industrial são alguns elementos de poder essenciais para a sustentação e segurança de uma nação. Além desses elementos concretos, o poder também conta com elementos intangíveis, relacionadosa padrões culturais de uma população. O caráter nacional, a moral nacional, a qualidade do governo e da diplomacia, são características que, se combinadas, podem oferecer instrumentos para a projeção de poder internacional de um país. Aron (2002) afirma que o soldado e o diplomata são personagens centrais dos Estados. Segundo ele, a diferença das relações internacionais para as outras áreas das ciências sociais é que o objeto de estudo de RI está sempre no limite entre a paz e a guerra. Por não existir uma instância que detenha o monopólio da violência no plano internacional, o meio internacional aproxima-se do modelo hobbesiano de estado de natureza, ou seja, a arena internacional pode ser definida como um sistema anárquico, sem uma autoridade definida, em que o estado de guerra deve ser considerado sempre como uma possibilidade real no cálculo político dos Estados. RESUMINDO Aron (2002) sintetiza poder: no campo das relações internacionais, poder é a capacidade que tem uma unidade política de impor sua vontade aos demais. Em poucas palavras, poder político não é um valor absoluto, mas uma relação entre os homens. PRINCÍPIOS DE SEGURANÇA INTERNACIONAL Dentro da trajetória da disciplina de relações internacionais, uma subárea cresceu de maneira tão significativa que merece destaque. Segundo Buzan e Hansen (2012), onde quer que se lecione relações internacionais, o estudo de segurança internacional é um dos seus elementos centrais e, por isso, acabou se tornando uma das principais subáreas da disciplina de RI. Ao abranger temáticas como guerras, terrorismo, defesa, capacidade bélico-militar, conflitos internacionais, armas nucleares, entre outros, os estudos da área de segurança internacional avançaram na mesma medida em que a preocupação e a maximização da segurança se tornavam os objetivos últimos de todos os Estados no sistema internacional. Ou seja, segurança é um tema de relevância analítica e normativa. Na sua gênese, os estudos de segurança internacional surgiram dos debates sobre como proteger o Estado contra ameaças externas e internas, logo após a Segunda Guerra Mundial. Antes desse período, tais questões eram tratadas em áreas como estudos da guerra, geopolítica, história militar e estudos estratégicos. Autores célebres como Carl von Clausewitz (imagem) trouxeram reflexões relevantes para se pensar o fenômeno da guerra na política. CARL VON CLAUSEWITZ Carl von Clausewitz (1780-1831) foi um militar do Reino da Prússia que ocupou o posto de general e é considerado um grande estrategista militar e teórico da guerra por sua obra Da Guerra. javascript:void(0) SAIBA MAIS É de Clausewitz a célebre expressão de que a guerra é a continuação da política por outros meios. Para Buzan e Hansen (2012), depois da Segunda Guerra Mundial, a literatura de segurança internacional passou a se estruturar em torno de quatro questões, que representam o cerne da segurança internacional: ESTADO COMO REFERÊNCIA DAS ANÁLISES Refere-se a privilegiar o Estado como objeto de referência nas análises. Segurança existe quando algo precisa ser assegurado, e garantir a segurança do Estado seria o meio mais eficiente de garantir a segurança de outros objetos de referência. Ou seja, mesmo que o objeto esteja em risco ou sob ameaça (seja um grupo étnico, um grupo de indivíduos, o meio ambiente, o planeta etc.), quem deve ser protegido é o Estado. Dentro desse ponto de vista, a expectativa é de que um Estado protegido e poderoso devolvesse proteção à sociedade. AMEAÇAS PODEM SURGIR DE QUESTÕES INTERNAS Incluir no rol das ameaças tanto questões internas quanto externas. No período após a Segunda Guerra Mundial, havia uma concepção de que o sistema internacional estava dividido entre dois grandes jogadores: EUA e União Soviética (sistema bipolar: dois polos de poder). A preocupação com a soberania estava articulada com as ameaças externas, ideologicamente opostas, e com a capacidade de manter a coesão social interna. O objetivo dos estudos era diagnosticar e tentar reverter as fraquezas internas que podiam impactar na capacidade de o Estado projetar força militar e política. DESASSOCIAÇÃO DOS CONCEITOS SEGURANÇA E FORÇA Tem como eixo a expansão da ideia de segurança para além de temas militares e que envolvem o uso da força. Aspectos sociais, econômicos e ambientais foram incorporados nas análises sobre segurança internacional. Nessa perspectiva, é necessário levar em conta outras capacidades dos Estados, como, por exemplo, o vigor econômico, a estabilidade de governo, o fornecimento de energia, a ciência e a tecnologia, o acesso a alimentos e recursos naturais. SEGURANÇA NÃO SENDO APENAS UMA QUESTÃO URGENTE Diz respeito à ideia de segurança necessariamente ligada à dinâmica de ameaças, perigos e urgências. É importante destacar que boa parte da produção do conhecimento sobre segurança estava sendo produzida nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, e a ideia dominante era de que a União Soviética constituía uma clara ameaça, um oponente hostil ao bloco capitalista. javascript:void(0) Desse modo, os Estados (ocidentais) se viam diante da necessidade de adquirir cada vez mais capacidade/poder, ao mesmo tempo que faziam com que o seu o oponente (URSS) se sentisse mais inseguro. Dentro desse tipo de abordagem, e partindo do pressuposto de que o sistema internacional é baseado na competição, os dois lados se empenhariam em um círculo vicioso de acumulação de poder. DOIS POLOS DE PODER A principal característica de um sistema é a forma como está distribuído o poder. Muitos analistas de relações internacionais pensam o sistema internacional em polos de poder. Exemplo: Sistema bipolar, dois polos de poder; sistema unipolar, um único polo de poder; sistema multipolar, vários polos de poder. Fotografia de aviões bombardeiros Lancaster na Batalha da Grã-Bretanha, Segunda Guerra Mundial. | Fonte: Matt Gibson/Shutterstock CARACTERÍSTICAS POLÍTICAS INFLUENTES É importante destacar dois aspectos relevantes da conjuntura política do momento após a Segunda Guerra Mundial que influenciaram a constituição dos estudos de segurança internacional. Vamos lá? CONTEXTO DA GUERRA FRIA ARMAS NUCLEARES CONTEXTO DA GUERRA FRIA Com o fim da Segunda Guerra Mundial, duas grandes potências ideologicamente opostas passaram a monopolizar o poder global, e praticamente todas as decisões relevantes sobre política internacional tinham, necessariamente, que passar por esses dois países. Estados Unidos e União Soviética rivalizavam para ver quem conseguia mais poder e influência sobre os demais países do mundo. Com essa disputa, dois grandes blocos, o bloco ocidental capitalista e o bloco oriental socialista, foram formados. Apesar de não ter ocorrido uma guerra direta entre as duas grandes potências, EUA e URSS apoiavam seus respectivos aliados nos conflitos ao redor do mundo, as chamadas guerras patrocinadas ou guerra por procuração. ARMAS NUCLEARES Diante do clima de hostilidade da Guerra Fria, muitos analistas advogavam que Estados Unidos e União Soviética só não entraram em guerra diretamente devido ao medo da destruição mútua, possibilitada pelos efeitos devastadores das bombas nucleares. O medo de que um conflito nuclear significasse praticamente o suicídio de toda a civilização era real e estava presente no tabuleiro da política internacional. Não por acaso, iniciativas voltadas para a redução do arsenal nuclear, como o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), foram desenvolvidas para limitar o arsenal nuclear entre os países signatários. Fonte: totojang1977/Shutterstock Para fecharmos este módulo, vamos refletir sobre o conceito de poder político, por Raymond Aron: NO CAMPO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS, PODER É A CAPACIDADE QUE TEM UMA UNIDADE POLÍTICA DE IMPOR SUA VONTADE AOS DEMAIS. EM POUCAS PALAVRAS, PODER POLÍTICO NÃO É UM VALOR ABSOLUTO, MAS UMA RELAÇÃO ENTRE OS HOMENS. (ARON, 2002) VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. UM DOS PRINCÍPIOS CENTRAISPARA RECONHECIMENTO DOS CONCEITOS QUE CONSOLIDAM A IDEIA DE SOBERANIA E DO SISTEMA INTERNACIONAL MODERNO FOI: A) O princípio de precaução em relação à tomada de decisão dos estadistas no contexto de crise políticas. B) O princípio de legalidade que fundava uma norma jurídica na qual todos os Estados são livres para agirem como quiserem no sistema internacional. C) O princípio de não interferência em assuntos internos foi pressuposto teórico, que acaba tornando-se prático, para criar estabilidade na ordem internacional e fundamento para as análises políticas. D) O princípio de isonomia entre os cidadãos, no qual todas as pessoas poderiam exigir igualdade de tratamento nos diferentes países. E) Fundamentar as relações internacionais como um princípio jurídico, em um tribunal comum, para dirimir questões que não poderiam ser mediadas. 2. RECONHECER OS PRINCIPAIS PENSADORES QUE FUNDAMENTAM O CAMPO É UM EXERCÍCIO NECESSÁRIO. NESSE SENTIDO, UM DOS PIONEIROS E MAIS COMENTADOS PENSADORES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS É HANS MORGENTHAU. CONSIDERADO UM DOS PERCURSORES DO REALISMO TEÓRICO, MORGENTHAU INFLUENCIOU UMA GERAÇÃO, SOBRETUDO DE NORTE-AMERICANOS, DE ACADÊMICOS E PENSADORES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS. SOBRE O CONCEITO NORTEADOR DAS CIÊNCIAS INTERNACIONAIS, DEVEMOS NOTAR QUE: A) A política entre as nações gira em torno de pontos fundamentais, a manutenção de poder, os incrementos de poder e as demonstrações de poder. Dessa forma, o poder de um Estado possui elementos concretos e que podem ser mensuráveis. B) A política entre as nações gira em torno do poder simbólico sendo constituído de elementos complexos e que não podem ser mensuráveis teoricamente. C) A diplomacia é o meio mais eficaz de uma política pública ser efetivada. O papel do diplomata é considerar as reais necessidades de uma nação e defendê-las. D) A política entre as nações gira em torno de relações de três princípios básicos: busca de investimento externo; valorização das empresas nacionais; e inserção nas cadeias globais de valor. Dessa forma, um Estado consegue se desenvolver, aumentar o seu poder no sistema internacional. E) A política internacional é diferente de direito internacional, e em um primeiro momento os princípios estavam relacionados ao direito, só depois foram ampliados para discussões de poder. GABARITO 1. Um dos princípios centrais para reconhecimento dos conceitos que consolidam a ideia de soberania e do sistema internacional moderno foi: A alternativa "C " está correta. A teoria das relações internacionais sobre poder e Estado se consolida a partir do reconhecimento de uma ordem internacional e de regras que possam explicitar o seu fundamento. 2. Reconhecer os principais pensadores que fundamentam o campo é um exercício necessário. Nesse sentido, um dos pioneiros e mais comentados pensadores das relações internacionais é Hans Morgenthau. Considerado um dos percursores do realismo teórico, Morgenthau influenciou uma geração, sobretudo de norte-americanos, de acadêmicos e pensadores das relações internacionais. Sobre o conceito norteador das ciências internacionais, devemos notar que: A alternativa "A " está correta. É uma questão de observar a modelagem conceitual, não de concordância ou discordância, mas entendimento de princípio e formulação. Política Internacional é uma formulação teorizada e, por isso, fundamentada em movimentos políticos. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste tema, procuramos mostrar como a constituição das relações internacionais, como campo científico autônomo, é um fenômeno datado das primeiras décadas do século XX. Com o desenvolvimento da academia moderna e após os desdobramentos catastróficos da Primeira Guerra Mundial, um grupo de pesquisadores passou a estudar de maneira sistemática os fenômenos da política internacional. Nesse contexto, o primeiro departamento de relações internacionais foi criado na universidade escocesa de Aberystwyth, em 1917. O objetivo dessa primeira geração de estudiosos era declaradamente normativo. A tentativa era demonstrar, por meio do estudo científico e sistemático da política internacional, que a guerra era um erro, evitando que os eventos trágicos de um conflito generalizado voltassem a ocorrer entre as nações. Ideias que buscavam a criação de vínculos entre os Estados eram vistas como uma forma de aumentar a probabilidade da paz. Um dos chavões da época era a máxima: mais comércio, menos guerras. Mostramos que o conceito de Estado e poder são fundamentais para o estudo das relações internacionais. Apesar de ser estudado sob diversas perspectivas (jurídica, sociológica, econômica, historiográfica), consideramos oportuno pensar o Estado moderno como produto de um lento amadurecimento das instituições de controle social e dominação que se transformaram, ao longo do tempo, em entidades capazes de estabelecer um tipo de ordem social. O processo foi acompanhado pelo reconhecimento externo de outros Estados soberanos. Diante disso, a Paz de Vestefália (1648) pode ser considerada como uma referência para o estudo das relações internacionais, da diplomacia moderna e do sistema internacional de Estados. Já sobre o poder, utilizamos as contribuições do sociólogo Max Weber para pensar os termos poder, força e dominação. Segundo Weber, o Estado é uma entidade que reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física, tendo nas relações de dominação do homem sobre o homem o seu fundamento específico; tal entidade só pode existir sob a condição de que os homens dominados se submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores. Na sua gênese, os estudos de segurança internacional surgiram dos debates sobre como proteger o Estado contra ameaças externas e internas, logo após a Segunda Guerra Mundial. Para Buzan e Hansen (2012), a literatura de segurança internacional passou a se estruturar em torno de quatro questões: privilegiar o Estado como objeto de referência nas análises; incluir no rol das ameaças tanto questões internas quanto externas; aspectos sociais, econômicos e ambientais foram incorporados nas análises sobre segurança internacional; e a ideia de segurança necessariamente ligada à dinâmica de ameaças, perigos e urgências AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ANDERSON, P. 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Você perceberá como discussões sobre a angústia e capacidade de soluções estão em debate. Leia os clássicos para compreender as transformações políticas e a formação das relações internacionais como ciência: O príncipe, de Maquiavel; O Leviatã, de Thomas Hobbes; A Grande Ilusão, de Norman Angell. Leia os artigos: Hugo Grotius e as relações internacionais: entre o direito e a guerra, de G.R. Barnabé. Crítica de Rousseau ao Jus ad bellum e ao Jus in bello de Hugo Grotius, de Evaldo Becker. Instituições, atores e dinâmicas do ensino e da pesquisa em relações internacionais no Brasil: o diálogo entre a história, a ciência política e os novos paradigmas de interpretação (dos anos 90 aos nossos dias), de Antônio Carlos Lessa. Ciência, política e relações internacionais, de Marcos Chor Maio. CONTEUDISTA Diego Araujo Gois CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
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