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TCC - Blockchain(FINAL)

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA 
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS – CESA 
CURSO DE DIREITO 
 
 
 
 
 
 
 
JOSÉ WELITON LÓCIO BÉRGAMO 
 
 
 
 
 
 
 
O FUTURO DO BLOCKCHAIN: estudo sobre a evolução da tecnologia e suas implicações 
para o direito 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CRATO – CE 
2022
JOSÉ WELITON LÓCIO BÉRGAMO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O FUTURO DO BLOCKCHAIN: estudo sobre a evolução da tecnologia e suas implicações 
para o direito 
 
 
 
 
 
Monografia submetida à Universidade Regional do 
Cariri para obtenção do título de bacharel em Direito. 
 
Prof. Orientador: Me. Jorge Emicles Pinheiro Paes 
Barreto. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CRATO – CE 
2022 
JOSÉ WELITON LÓCIO BÉRGAMO 
 
 
 
 
 
 
O FUTURO DO BLOCKCHAIN: estudo sobre a evolução da tecnologia e suas implicações 
para o direito 
 
 
 
 
 
Esta monografia foi julgada adequada para obtenção do grau de Bacharel em Direito e aprovada 
em sua forma final pela banca examinadora do Curso de Direito da URCA. 
 
Data de Aprovação: _____ de ______________de 2022. 
 
 
 
 
Banca examinadora: 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Me. Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto 
 
 
 
 
Membro Profa.º Ma. Bethsaida de Sá Barreto Diaz Gino 
 
 
 
 
Membro Prof.º Esp. Cláudio Joel Brito Lóssio 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA 
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS – CESA 
CURSO DE DIREITO 
 
 
TERMO DE RESPONSABILIDADE AUTORAL 
 
 
Declaro, para os devidos fins, que eu, JOSÉ WELITON LÓCIO BÉRGAMO, aluno do 
Curso de Direito do Crato – URCA, matrícula nº 2017111270-9, responsabilizo-me pela 
Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão do Curso de Bacharel em Direito, sob o 
título O FUTURO DO BLOCKCHAIN: estudo sobre a evolução da tecnologia e suas 
implicações para o direito, isentando, mediante o presente termo, a Universidade de qualquer 
responsabilização, consequência de ações atentas à “Propriedade Intelectual”, assumindo como 
responsabilidades civis e criminais decorrentes de tais ações. 
 
 
Crato – CE, _____ de___________ de 2022. 
 
 
 
 
JOSÉ WELITON LÓCIO BÉRGAMO 
Matrícula nº 2017111270-9 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço aos meus amigos, familiares, mestres e minha companheira. 
Em especial, sou grato por ter sido criado e educado pela internet. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Aceito de coração o lema: ‘O melhor governo é aquele que 
menos governa;’ e gostaria de vê-lo agir mais rapidamente 
e sistematicamente. Realizado, chega-se finalmente a isto: 
‘O melhor governo é aquele que nada governa’; 
e quando os homens estiverem preparados para isso, 
esse será o tipo de governo que terão. 
O governo é, na melhor das hipóteses, um expediente; mas a 
maioria dos governos geralmente são, e todos os governos às vezes 
são, inconvenientes”. 
(Henry Thoreau). 
 
 
“No entanto, se a sociedade não determina a tecnologia, ela pode, 
principalmente através do Estado, sufocar seu desenvolvimento. Ou 
alternativamente, novamente principalmente por intervenção estatal, 
pode embarcar em um processo acelerado de modernização capaz de 
mudar o destino das economias, poder e bem-estar social em poucos 
anos. Com efeito, a capacidade ou incapacidade das sociedades para 
dominar a tecnologia, e particularmente as tecnologias que são 
estrategicamente decisivas em cada período histórico, moldam em 
grande parte seu destino, a ponto de podermos dizer que enquanto a 
tecnologia per se não determina a evolução histórica e a mudança 
social, a tecnologia (ou a falta dela) encarna a capacidade das 
sociedades de se transformar, bem como os usos a que as sociedades, 
sempre em processo conflituoso, decidem colocar sua potencialidade 
tecnológica”. (tradução nossa) 
(Manuel Castells). 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
Figura 1 – Variação de preço das moedas FIAT em relação ao ouro, 1900 – 2017..................14 
Figura 2 – Porcentagem de usuários donos de alguma criptomoeda, 2019..............................17 
Figura 3 – World Economic Forum acusa alto consumo da mineração de bitcoin, 2017........22 
Figura 4 – Uso de energia para mineração de bitcoin e uso total global, 2021........................22 
Figura 5 – Previsão do crescimento do mercado de criptomoedas até 2028............................32 
Figura 6 – Carteiras que enviaram ou receberam Terra (Luna)................................................33 
Figura 7 – Desvalorização do Terra (Luna)..............................................................................34 
Figura 8 – Valor em criptomoeda extraviado por criminosos, 2017 – 2021.............................36 
Figura 9 – Casos de fraude usando documentos falsos e alterações no preço do BTC............38 
Figura 10 – Desvalorização do Euro em relação ao Dólar........................................................49 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
BTC Bitcoin 
CBDC Central Bank Digital Currency 
DeFi Decentralized Finance 
DEX Decentralized Exchange 
DLT Distributed Ledger Technology 
ECB European Central Bank 
FUD Fear Uncertainty Doubt 
IoT Internet of Things 
KYC Know Your Costumer 
LGPD Lei Geral de Proteção de Dados 
RESUMO 
 
Esta pesquisa concentra-se em analisar as conexões entre os experimentos com a emergente 
tecnologia Blockchain e sua possível relevância para o direito. Considera os impactos benéficos 
possibilitados pela tecnologia, bem como os negativos. O tema principal em torno da 
deontologia dos primeiros adotantes do Blockchain é a possibilidade de descentralização, que 
é a palavra principal desta pesquisa. Para entender melhor esse paralelo, foi necessário 
compreender os diferentes níveis de descentralização presentes na Web3, conforme entendido 
pelas principais partes envolvidas no desenvolvimento dessa tecnologia. Livros, documentários, 
entrevistas e artigos de notícias foram utilizados como referencial bibliográfico para a pesquisa. 
Objetiva também melhor compreensão dos objetivos dos territórios pioneiros em legislar sobre 
o tema. O principal impulso da tecnologia Blockchain são as criptomoedas, mas sua estrutura 
também promete outros fins, como garantir a privacidade de dados. O debate sobre se essa 
tecnologia será ou não aplicada em benefício da sociedade repousa na possível colaboração 
entre a arquitetura Blockchain e os Estados, considerando que a adoção convencional desta que 
é chamada de ''tecnologia do povo'' pode enfraquecer severamente os interesses corporativos e 
também o torso estatal. Portanto, o foco desta pesquisa é o caminho que leva até o surgimento 
de uma sociedade descentralizada, e como o Blockchain pode possibilitar novas formas de rule 
of law, como a Lex Cryptographia. 
Palavras-chave: Blockchain. Descentralização. Privacidade. Web3. Lex Cryptographia. 
ABSTRACT 
 
This research focuses on analyzing the connections between experiments with the emerging 
Blockchain technology and its possible relevance to the law. It considers the beneficial impacts 
made possible by the technology as well as negative ones. The main theme around the 
deontology of the first blockchain adopters is the possibility of decentralization, which is the 
main word of this research. To better understand this parallel, it was necessary to analyze the 
different levels of decentralization present in The Web3, as understood by the main parties 
involved in the development of this technology. Books, documentaries, interviews and news 
articles were used as bibliographic references for the research. It alsoseeks to better understand 
the objectives of the pioneer territories that are legislating on the subject. The main drive of 
Blockchain technology are cryptocurrencies, but its structure also promises other purposes, such 
as ensuring data privacy. The debate over whether or not this technology will be applied to the 
benefit of society rests on the possible collaboration between Blockchain architecture and the 
states, considering that the conventional adoption of this which is called ''people's technology'' 
can severely weaken corporate interests and also the state’s torso. Therefore, the focus of this 
research is the path that leads to the emergence of a decentralized society, and how blockchain 
can enable new forms of rule of law, such as Lex Cryptographia. 
Keywords: Blockchain. Decentralization. Privacy. Web3. Lex Cryptographia. 
 
Sumário 
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................11 
2 POR QUE DESCENTRALIZAR É IMPORTANTE – DESCOMPORTAMENTO.14 
2.1 Descentralização e Comportamento ........................................................................ 14 
2.2 Registros Descentralizados: Esforços Pró Liberdade ............................................. 18 
2.3 Deixando o Poder Coercitivo – Estado de Natureza Pós Cripto ............................. 19 
2.4 Blockchain e Thoreau – Um Ato de Desobediência Civil ........................................ 24 
3 SEGURANÇA E PRIVACIDADE – PROPRIEDADE CRIPTO................................26 
3.1 Propriedade na WEB3 ............................................................................................. 26 
3.2 Era de Ouro dos Golpistas – Blockchain e Criminalidade ..................................... 27 
3.3 Alcance do Direito – Fora da Jurisdição ................................................................. 31 
3.4 WEB2 VS WEB3 – Sucessores das Fake News ........................................................ 36 
4 ERA DO CÓDIGO – LEX CRYPTOGRAPHIA: ORDEM SEM LEI.........................39 
4.1 Blockchain e Confiança ............................................................................................ 39 
4.2 Apesar dos Desafios, é possível regular o Blockchain?............................................ 43 
4.3 Supremacia do Interesse Público e Regulação de Criptoativos .............................. 45 
4.4 Futuro Incerto – Inovação Imperfeita ..................................................................... 47 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................49 
REFERÊNCIAS..................................................................................................................52 
GLOSSÁRIO.......................................................................................................................57 
 
11 
1 INTRODUÇÃO 
 
Em 1949, Lon L. Fuller publica o “Caso dos Exploradores de Cavernas”, na Harvard 
Law Review, até hoje um dos mais respeitados comentários ao direito. O autor escolheu o ano 
de 4300 para os acontecimentos da obra, mas certos detalhes chamam a atenção: todos os 
métodos jurídicos citados foram típicos da lei de seu tempo (os acontecimentos se passam na 
Inglaterra). Até mesmo a morosidade do judiciário é presente na história, muito semelhante ao 
Brasil do século XXI. Apesar do ambiente comicamente futurista, a evolução do direito não é 
explorada pelo autor, e a conclusão dos magistrados da obra pouco se distinguem das sentenças 
atuais. O motivo da inércia talvez se explique pelo fato de Fuller não prever as transformações 
que afetariam profundamente a sociedade e o direito. A fim de nos distanciar deste conceito 
inerte do direito, falar sobre os rumos de sua evolução é mais necessário que nunca. 
Por definição, Blockchain ou DLT (Distributed Ledger Tecnology) é um banco de dados 
distribuídos compartilhados entre ‘nódulos’ de uma rede de computadores; informações são 
armazenadas digitalmente. De forma simples, pode ser interpretada como um grande livro-
registro que permite salvar e compartilhar informações, mas não pode ser editado. Tal 
tecnologia só é possível por conta de outra invenção, a internet. De forma ideal, o futuro do 
direito deve estar profundamente relacionado ao uso dessas tecnologias. O contrário significa 
um novo abismo que permanecerá inalcançável ao poder da justiça. Desde então, é urgente 
imaginar esse futuro. (CAMBRIDGE, 2022). 
Tal qual os personagens do “Caso dos Exploradores de Cavernas”, juristas modernos 
também se encontram presos em convenções. Princípios altamente específicos, doutrinas, 
rotinas, leis e jurisprudências colidem em nome da persuasão. Por fim, é uma ciência humana, 
em que a elite intelectual decide o destino da sociedade. É um sistema essencialmente não 
democrático. 
A tecnologia do Blockchain, em teoria, serve descentralização; isso significa tirar o 
poder das grandes instituições e entregá-lo aos usuários. Essa transferência é observada através 
do surgimento de um sistema financeiro paralelo às moedas centralizadas, são as criptomoedas. 
Governos e instituições financeiras tentam desesperadamente regular ou barrar o avanço dessa 
influência cuja promessa não é nada modesta: completa reestruturação social. É talvez a maior 
ameaça ao status quo desde o surgimento da internet. 
12 
Qualquer usuário com conexão à internet pode interagir com algum sistema influenciado 
por Blockchain, mas seu uso exige cautela quanto a proteção patrimonial e de informações 
privadas. O Blockchain permite a criação de terrenos no qual é possível dar valor aos 
patrimônios digitais. Terrenos que são férteis para crimes digitais, lavagem de dinheiro, 
espionagem e até mesmo crises diplomáticas causadas pela ascensão de exércitos digitais, uma 
faca de dois gumes que precisa ser melhor compreendida e abordada. 
Em sentido prático, o Blockchain possibilita o próximo passo da globalização 
informacional. Isso significa que mais usuários poderão usufruir deste, havendo incentivo para 
criação de mais sistemas. O status quo, contudo, se mantêm forte no uso atual da tecnologia. 
Criptoativos são frequentemente considerados tecnologia usada por criminosos e os super ricos 
(whales) que influenciam os mercados às custas de pequenos investidores. Essa tecnologia 
existe para beneficiar esse nicho ou para melhorar nossas vidas? É difícil negar que o mundo 
virtual está se tangibilizando através do Blockchain, mas será que a tecnologia vai prosperar no 
futuro? Os riscos e benefícios trazidos pelo Blockchain são intensos, o direito assim deverá ser 
efetivo, por isso a necessidade de haver sintonia com a tecnologia. 
Ante o exposto, este estudo busca analisar a convergência para esta nova fase da internet 
e melhor compreender quais desafios serão enfrentados, especificamente pelo usuário comum 
introduzido neste novo ambiente virtual. Entre os desafios, se destacam a limitada tutela 
jurisdicional, vulnerabilidades que facilitam a prática de crimes, e proteção à privacidade. 
Busca-se elucidar informações sobre a forma de funcionamento do Blockchain e compreender 
o motivo por trás da oposição das instituições tradicionais. Como também analisar a relevância 
da tecnologia na construção/implementação de novos sistemas, inclusive relacionados ao 
direito. Melhor elucidação sobre o processo construtivo das tecnologias de Blockchain, se 
regulações são cabidas/possíveis e como seremos afetados. 
O motivo pela qual essa tecnologia é relevante para o direito é por possibilitar a 
transação para a Web3, que significa maior interação dos usuários com a internet. Como o 
Blockchain permite a criação de plataformas como o Ethereum, com tokens únicos e de diversas 
utilidades dependendo da plataforma utilizada, surgem questões sobre direito de propriedade, 
transferência de bens, tipos de contratos (incluindo o usode smart contracts como prominente 
exemplo de lex informatica) e qual o papel da justiça tradicional frente aos espaços regulados 
por códigos. Entre essas questões, as mais urgentes são os desafios quanto a segurança e 
transações peer-to-peer em nível global, abordados com mais detalhes a seguir. 
13 
Para demonstrar a pertinência do tema, o primeiro capítulo visa abordar o uso de 
tecnologias baseadas em Blockchain como possibilitadores de criação de sistemas 
descentralizadas, notadamente por meio das criptomoedas e explora as razões que motivam tais 
transformações e como a experiência afeta os adotantes. Ademais, é desenvolvida uma alusão 
considerando o ponto de vista de Thomas Hobbes e Henry Throreu aplicado à Web3 quanto a 
relação dos indivíduos com o estado. 
O segundo capítulo analisa a segurança oferecida pelos projetos que utilizam tecnologia 
Blockchain, e seus diferenciais em relação aos serviços tradicionais. Adiante, é feita uma alusão 
histórica sobre a evolução das táticas empregadas por criminosos e como eles se beneficiam de 
novas tecnologias, como o Blockchain. Por fim, foi analisado o alcance dos poderes de 
segurança e judiciário quanto sua capacidade de tutelar direitos e possivelmente remediar danos 
ocorridos nesse ambiente. 
O terceiro capítulo analisa a ascensão da chamada Lex Cryptographia do ponto de vista 
dos pesquisadores Primavera Di Filipi e Aaron Wright. Adiante é analisada a principal estrutura 
para futuras regulações do mercado de criptoativos, a proposta Europeia conhecida por MiCa e 
até onde esse mercado poderá ser regulado. A discussão quanto à normatização é aprofundada 
ao se expor a pobreza de medidas voltadas para real proteção e liberdade dos usuários, 
revelando prevalência de interesse unilateral quanto a preservação dos interesses do estado. Por 
fim, é feita uma análise crítica quanto a imperfeição da tecnologia em face ao discurso ufanista 
sobre seu futuro. 
Os temas do estudo são aprofundados através de revisão bibliográfica, buscando melhor 
compreensão dos estudos pioneiros sobre o assunto e o que se pode esperar da tecnologia com 
base em seu estado atual, considerando prioritários os direitos de quarta geração, como à 
segurança online e privacidade. Para reforças o exposto, há abordagem qualitativa através de 
dados visuais que melhor elucidam as interações com a Web3. 
O estudo encerra com a revisão do papel do estado como agente regulador e 
possibilitador de alcance ao direito e ordem social, também se analisa sua função frente ao 
conceito de Lex Cryptographia, visto que essa forma de aplicação de regras é em teoria, 
autorregulável. Objetiva-se contrabalancear os modos de aplicação de lei do ponto de vista da 
supremacia do interesse público coletivo como prioritário em relação ao interesse 
administrativo, e como o direito pode intervir para melhor equilibrar as relações conturbadas 
deste novo ambiente. 
14 
2 POR QUE DESCENTRALIZAR É IMPORTANTE – DESCOMPORTAMENTO 
 
Este capítulo aborda o uso de tecnologias baseadas em Blockchain como 
possibilitadores de criação de sistemas descentralizados, notadamente por meio das 
criptomoedas, e explora as razões que motivam tais transformações e como a experiência afeta 
os adotantes. Ademais, é desenvolvida uma alusão considerando o ponto de vista de Thomas 
Hobbes e Henry Thoreau aplicado à Web3 quanto a relação dos indivíduos com o estado. 
 
2.1 Descentralização e Comportamento 
 
A vanguarda da Web3 são as criptomoedas e ativos não fungíveis, representando os 
alicerces da economia descentralizada. O sucesso das criptomoedas, principalmente do bitcoin, 
deve-se ao seu crescimento não ser baseado apenas em especulação utilitária ou mesmo na 
reserva de um mineral valioso, mas na confiança peer-to-peer, e pela sua quantidade ser 
perpetuamente limitada, tal qual um mineral precioso. Diferente das moedas FIAT, que possuem 
valor controlado e ditado pelo estado; resultando em inflação e perda de valor. 
 
Figura 1 - Variação de preço das moedas FIAT em relação ao ouro, 1900 – 2017 
Fonte: Bloomberg, Reuters 
 
 
15 
Esse sistema baseado em confiança governamental vem de uma noção pré-concebida de 
que “o governo sabe o que é melhor para nós”, conceito cada vez mais posto em xeque devido 
à facilidade de acesso à internet, que lança luz sobre todos os tipos de abusos governamentais, 
como à privacidade e violações dos direitos humanos. Primavera Di Filippi responde da 
seguinte forma a pergunta sobre como tornar os intermediários obsoletos: 
 
A resposta é o Blockchain. Olhando para o Bitcoin vimos que é possível criar 
um sistema de pagamento descentralizado que opera sem a necessidade de 
intermediários. E a mesma tecnologia pode ser usada em diferentes áreas de 
atividades, para que estas também sejam “desentermediadas’’. (DI FILIPPI, 
2016). 
 
A pandemia do COVID-19 também balançou bastante a relação do povo com os 
governos. Segundo o Trust Barometer de 2022, pesquisa de opinião da Edelman1 , empresa 
especialista em pesquisa sobre percepção de confiança, apenas um terço dos brasileiros confia 
no atual governo. (EDELMAN, 2022). 
Na obra “Leviatã”, o autor Thomas Hobbes disserta sobre como o Estado pode ser 
representado por um enorme monstro criado pela centralização do poder que o povo confia a 
um soberano para governar determinado território, o processo é imperfeito, de modo que a 
autoridade detém o poder enquanto os limites da sua extravagância não sejam demasiado 
inconvenientes. Os sistemas centralizados, como bancos centrais ou reservas federais, são 
integrados ao ecossistema de fome eterna desses Deuses mortais: 
 
Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim 
civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em 
termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do 
Deus Imortal, nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada 
por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força 
que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos 
eles, no sentido da paz em seu próprio país, e ela ajuda mútua contra os 
inimigos estrangeiros. É nele que consiste na essência do Estado, a qual pode 
ser assim definida: uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante 
pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, 
de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que 
considerar conveniente, para assegurara paz e a defesa comum. (HOBBES, 
1651, p. 105). 
 
 
1 EDELMAN. Edelman Trust Barometer 2022, o círculo da desconfiança, 2022. Disponível em: 
https://www.edelman.com.br/edelman-trust-barometer-2022. Acesso em: 18 jun. 2022. 
https://www.edelman.com.br/edelman-trust-barometer-2022
16 
Sistemas financeiros baseados em Blockchain existem fora do ecossistema leviatã, 
representando, portanto, uma ameaça ao seu reinado, visto que a soberania do povo só é válida 
pela confiança existente entre os pares que participam e validam a rede. Dessa forma, a 
tecnologia, em teoria, possibilita uma economia descentralizada, votações seguras, o fim de 
diversos aspectos da vida burocrática, como as intermináveis visitas aos cartórios que possuem 
poder central reconhecer documentos. Considerando os benefícios que sistemas em Blockchain 
podem trazer, por qual motivo ouvimos falar tão pouco deles? Uma possível resposta está no 
conceito de “Misbehaving’’ ou descomportamento, estudado pela economia comportamental. 
O descomportamento pode ser interpretado como um ato de irracionalidade ou 
ineficiência ao lidar com ações ou gestão de ativos de forma desvantajosa para o gestor. O 
comportamento é inconsistente com o modelo idealizado de comportamento que está no 
coração da ciência comportamental. Por exemplo, armazenar vinho em uma adega por anos atéque eles cresçam consideravelmente em valor, mas recusando-se a vender o vinho ou mesmo 
comprando mais do mesmo enquanto ocasionalmente bebe alguns você mesmo. Ou mesmo 
reagir com tristeza ao tirar a nota 7 em uma prova que valia 10, mas reagir com felicidade ao 
tirar 10 em uma prova que vale 14,2. (THALER, 2016, p. 16). 
O exemplo dos vinhos pode ser considerado como descomportamento, pois como o 
indivíduo não planeja consumir as garrafas, é vantajoso e lucrativo vender o vinho que você 
não precisa, e comprar mais garrafas, que por sua vez, vão se transformar em um rendimento 
muito maior, considerando o aumento de estoque e passagem do tempo. Agora imagine 
inúmeras situações de descomportamento que são possibilitadas pelo modelo leviatã 
(centralizado); devemos ter em mente que o principal objetivo desse sistema é de se prosperar, 
havendo desproporção de benefícios e considerável desvantagem para quem cede sua soberania. 
Também é exemplo de descomportamento a seguinte situação; considere a análise 
comportamental de um grupo de trabalhadores de diversos países, em uma empresa que oferece 
duas opções de pagamento, em dólar através de transferência bancária, ou na criptomoeda 
USDT (dólar tether), uma stablecoin que possui o mesmo valor do dólar. No dia do pagamento, 
a criptomoeda entra quase que instantaneamente na conta do trabalhador, que paga taxas não 
escaláveis para converter e sacar o dinheiro. Já a transferência bancária leva alguns dias, e ainda 
possui taxas maiores que as criptomoedas, mas mesmo assim, diversos trabalhadores ainda 
optam pelo pagamento através da transferência bancária. 
17 
Em um sistema monetário baseado em Blockchain, não há operadores diretos regulando 
os sistemas, há, em vez disso, uma rede mundial de computadores trabalhando juntos, de forma 
autônoma, resultando em um sistema de confiança, eficiência, segurança e que se autorregula, 
funcionando em tempo real com os ativos que possui; dando maior poder ao povo. O impacto 
prático disso é que pessoas de todo o mundo com acesso à internet possuem uma rota de fuga 
das influências de seus respectivos governos, estes que são em diversos locais, ineficientes, 
egoístas e corruptos. 
O Brasil é uma dessas tragédias, com 8,2% dos usuários de internet reportando 
possuírem criptomoedas, sinal de desconfiança no modelo centralizado. Não é difícil entender 
a razão pela qual diversos indivíduos de nações em desenvolvimento depositam maior 
confiança neste sistema, criado majoritariamente por nações ricas. Fenômeno analisado a 
seguir2. (Global Web Index, 2019). 
 
Figura 2 – Porcentagem de usuários donos de alguma criptomoeda, 2019 
Fonte: Global Web Index. 
 
 
 
2 O Brasil é o representante da América Latina que reúne mais proprietários ativos de criptomoedas, à frente da 
Colômbia (7,7%), México (5,9%) e Argentina (4%). O ranking é liderado pela África do Sul (10,7%), seguida 
pela Tailândia (9,9%), Indonésia (9,5%) e Vietnã (9,1%). (ETN Network, Why is Brazil a Country of Contrasts, 
where the poorest use crypto the most?) 
 
18 
2.2 Registros Descentralizados: Esforços Pró Liberdade 
 
Em 2020, a produtora de documentários sul-africana Tamarin Garriety lançou um 
documentário sobre os impactos do ''bitcoin'' no cotidiano de pessoas de seu país. O filme 
explorou um lado diferente do que a mídia, professores conservadores de economia e políticos 
sensacionalistas tentam pregar para a comunidade mainstream3 . É mostrado como sistemas 
baseados em Blockchain podem resolver problemas do mundo real, melhorar a vida de pessoas 
reais. Em seu filme, ela entrevistou Alakanani Itireleng, uma mãe solteira sul-africana, 
fundadora do centro educativo SatoshiCenter, nomeado em homenagem ao ilusivo criador do 
bitcoin, Satoshi Nakamoto. O centro ensina a comunidade de Gaborone na Botswana sobre 
cripto, e a possibilidade de independência institucional. 
A história de Alakanani começa com seu filho, que foi diagnosticado com uma doença 
rara, os médicos locais disseram que não havia nada que pudessem fazer por ele, essencialmente 
condenando a criança. Ela não desistiu e tentou angariar fundos da maneira que pudesse na 
esperança de tratá-lo no exterior, seu plano eventualmente deu frutos, mas não o suficiente para 
salvá-lo. Ela eventualmente adquiriu bitcoins, que valorizaram em relação ao Rand Sul 
Africano e permitiram a ela comprar sua própria fazenda e seguir carreira como oradora em 
eventos focados em cripto. 
Esta história é sobre busca por soluções fora do que nosso sistema permite, seria 
improvável que Alakanani tivesse sucesso confiando apenas em sua nação ou governo, 
simplesmente não há recursos ou interesse para solucionar os problemas como os que ela 
enfrentou; desemprego e baixo investimento em saúde. A oportunidade estava fora do sistema. 
Outra solução prática apresentada no documentário foi o experimento que resolveu o conflito 
das cobranças da companhia elétrica contra consumidores de uma pequena cidade fora de 
Joanesburgo, Soweto. (GARRIETY, 2020). 
O problema é o seguinte, as companhias elétricas prestaram o serviço de energia, mas 
um número crescente da população o usaria sem se preocupar em pagar pelo serviço, situação 
similar ao Brasil: em grandes cidades como o Rio de Janeiro é de conhecimento público que 
 
3 Professor Jorge Stolfi, Phd, da Unicamp, afirma que criptomoedas não possuem valor intrínseco e são inúteis. 
Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/deutsche-welle/2022/07/22/criptomoedas-sao-esquema-
de-piramide-nao-servem-para-nada-diz-professor-da-unicamp.htm 
https://economia.uol.com.br/noticias/deutsche-welle/2022/07/22/criptomoedas-sao-esquema-de-piramide-nao-servem-para-nada-diz-professor-da-unicamp.htm
https://economia.uol.com.br/noticias/deutsche-welle/2022/07/22/criptomoedas-sao-esquema-de-piramide-nao-servem-para-nada-diz-professor-da-unicamp.htm
19 
áreas menos favorecidas tendem a usar técnicas improvisadas para desviar eletricidade, 
sobrando para o resto da população pagar o excedente. (G1, 2022). 
A companhia elétrica decidiu pré-cobrar os clientes pela energia, método que apresenta 
outros desafios, como a demora no fornecimento do serviço após o pagamento e demora para 
que um validador humano reconheça que o pagamento foi efetuado. Cientistas do MIT então 
tiveram a ideia de instalar um medidor de energia em uma escola de Soweto, o equipamento 
está conectado a uma rede Blockchain e reconhece pagamentos através de bitcoins. A 
demonstração do seu funcionamento foi a seguinte, um dos pesquisadores em Boston fez o 
pagamento à companhia elétrica através de seu computador, e a energia foi fornecida em menos 
de um minuto. O projeto automatizou todo o processo e a transferência pode acontecer de 
qualquer lugar do mundo. Dessa forma, a questão da confiança foi parcialmente resolvida, já 
que há um sistema de computadores responsável por validar em tempo hábil a transação para 
que o serviço seja fornecido. 
Essa abordagem focada em solucionar problemas através da praticidade da tecnologia 
Blockchain mostra que sistemas descentralizados não são essencialmente uma ferramenta para 
que criminosos escapem da jurisdição estatal. São um meio no qual as pessoas podem se 
conectar para resolver problemas através de interesses e uma moeda compartilhada, a quebra 
de fronteiras internacionais abre possibilidades para o desenvolvimento. 
 
2.3 Deixando o Poder Coercitivo – Estado de Natureza Pós Cripto 
 
“Assuntos humanos não podem ser sem algum inconveniente”, escreveu Thomas 
Hobbes ao explicar a importância do poder soberano. Através de um contrato social 
mutuamente acordado, se aceita obediência a uma autoridade central que representa o governo 
unificador. (Hobbes, 1651, p, 19). 
O filósofo considera que o inconveniente deve ser aceito devido à falta de umamelhor 
alternativa, a oposição resultaria em retorno a um estado de natureza semelhante ao vivenciado 
por ele, que soube dos detalhes da decapitação pública do rei Carlos I, acusado de traição. 
Hobbes acreditava que a obediência era devida aos líderes, a menos que seu “inconveniente” 
ultrapassasse os limites, como em caso de incompetência generalizada, uma vez que os 
resultados de uma revolução popular podem ser muito piores: 
20 
 
Quando um homem recebe algo da autoridade do povo, não o recebe do povo, 
seus súditos, mas recebe do povo sua soberania. Além disso, embora na 
eleição de um rei pra vida, o povo lhe concede o exercício de sua soberania 
por determinado tempo; mas caso vejam causa, eles podem tomar este antes 
do tempo. (Hobbes, 1650, p 122, tradução nossa). 
 
O retorno gradual ao estado da natureza descrito por Hobbes pode ser acompanhado no 
livro “Senhor das moscas” escrito por William Golding. Os livros contam a história de um 
grupo de jovens britânicos que sobreviveram a queda de um avião que caiu em uma ilha deserta 
longe de qualquer supervisão adulta durante uma guerra. Inicialmente, as crianças tendem a 
confiar na “Superioridade da Nação Inglesa” como um estado orientador inerente. Se organizam 
e escolhem um líder, são definidos papéis adequados a cada um para que sobrevivam até que o 
resgate chegue. (GOLDING, 1954). 
Os meninos conseguem sobreviver decentemente sob a liderança de Ralph, um garoto 
bem-humorado cujas opiniões fortes seriam a pólvora a culminar na separação do grupo. Na 
maioria das sociedades organizadas é natural que a liderança tenda a mudar; a principal 
oposição à autoridade de Ralph é um garoto chamado Jack, com ideias radicais sobre como os 
meninos devem passar seu tempo na ilha. Contra a vontade de Ralph, Jack consegue manipular 
os meninos a se concentrarem em caçar porcos selvagens para se alimentarem, processo que 
nutre a entrada em um estado de barbárie, incompatível com a sociedade em miniatura que 
Ralph tenta criar. 
O clímax do livro mostra Ralph em completo isolamento, tentando desesperadamente 
escapar do instinto assassino dos caçadores. O romance termina com Ralph fugindo para a praia 
onde ele é recebido por um único soldado, horrorizado com o que encontrou. O retorno ao status 
quo representado pela reinserção de uma figura de autoridade lembra as crianças de seu papel 
social original, eles explodiram em lágrimas depois, terminando o livro. Segundo Hobbes, é 
esse o momento em que a soberania das crianças deixa à barbárie, representada por Jack, e 
passa para o soldado. 
E no meio deles, com o corpo imundo, o cabelo emaranhado e 
o nariz precisando ser assoado, Ralph chorava o fim da inocência, as 
trevas do coração humano, e a queda no abismo do amigo sincero e 
ajuizado chamado Porquinho. O oficial, cercado por esses sons, ficou 
comovido e um pouco encabulado. “Virou-se de costas para dar aos 
meninos o tempo de se recomporem; e ficou esperando, com os olhos 
pousados no aprumo do cruzador ao longe”. (GOLDING. 1954. p. 194). 
21 
A inconveniência de seguir um líder que não representa totalmente seu interesse culmina 
em Jack apropriar a liderança e se corromper, levando os outros meninos com ele. O resultado 
da separação com a natureza idealista de Ralph foi a perda de si como ser civilizado, 
despertando o instinto assassino, possibilitado pelo cessar a obediência em uma figura de 
autoridade pouco inconveniente, moderada. Outro personagem importante do romance é o 
próprio senhor das moscas, a cabeça de um porco erguida por uma estaca, uma oferta feita por 
Jack e seu seguidor para a “Besta”. O senhor das moscas representa o que resta depois que os 
meninos voltam à natureza. 
Embora o Blockchain como tecnologia não responda totalmente à pergunta de o que 
fazer quanto nossa liderança inconveniente, a ferramenta oferece uma alternativa sobre como 
transferir parte dessa autoridade para as pessoas sem violência. 
O Banco Central Europeu pode ser considerado como um dos principais agentes 
resistentes à ascensão das criptomoedas e das futuras tecnologias baseadas em Blockchain. Num 
paradigma Hobbesiano, os bancos centrais representam um poderoso setor do estado, um órgão 
do leviatã. Tal como a separação da igreja do estado e garantia da liberdade religiosa, o poder 
central se enfraquece com a remoção ou enfraquecimento de um dos seus alicerces, portanto 
vai buscar se defender de todas as formas possíveis. 
Em seu estado atual, tecnologias baseadas em Blockchain como as criptomoedas ainda 
possuem defeitos, alguns destes que podem ser remediados com o tempo. Exemplo disso é o 
projeto “The Merge” do Ethereum, que promete reduzir o consumo de energia para aquisição 
da moeda em até 99.95% ao abandonar o sistema proof of work para o proof of stake, não sendo 
mais necessários computadores poderosos para realizar as minerações. Após a transição da rede 
Ethereum, bitcoin será a única criptomoeda notável que ainda necessita do sistema proof of 
work. 
Tais iniciativas colocam em xeque a propaganda das autoridades centrais, como o fórum 
econômico mundial, que tentam justificar a proibição do uso de criptomoedas por conta de 
possíveis alterações climáticas. 
 
 
 
 
 
22 
Figura 3 – World Economic Forum acusa alto consumo de mineração de bitcoin, 2017 
 
 
A imagem acima se trata de uma postagem feita pela página oficial do Twitter do Fórum 
Econômico Mundial, afirmando que até 2020 o Bitcoin vai consumir mais energia que o mundo 
inteiro. A postagem promovia um estudo estimativo que previa que a infraestrutura necessária 
para manter o sistema de mineração funcionando cresceria até se tornar insustentável. A 
previsão não se concretizou. 
 
Figura 4 – Uso de energia para mineração de bitcoin e uso total global, 2021 
 
 
Fonte: BP Statistical Review of The World’s Energy 
 
 
Fonte: Twitter 
 
23 
A imagem gráfica mostra a comparação de toda energia produzida mundialmente em 
relação ao consumo da mineração do bitcoins, conforme o BP – Statistical Review of the world 
Energy 2021. 
Além de tentar manipular a atenção pública, outra poderosa ferramenta do poder 
centralizado são as legislações. A principal proposta que pode vir a influenciar o resto do mundo 
é a MiCA (Markets in Crypto-Assets)4. Os efeitos desta lei podem em breve ser sentidos no 
Brasil, de forma similar a qual a General Data Protection Regulation (GDPR) influenciou a 
criação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). 
 
Os recentes desenvolvimentos neste setor em rápida evolução 
confirmaram a necessidade urgente de uma regulamentação à escala da 
UE. O Regulamento MiCA protegerá os europeus que investiram nestes 
ativos e evitará a utilização abusiva de criptoativos, deixando 
simultaneamente espaço à inovação para manter a atratividade da UE. 
Este regulamento histórico porá termo à utilização desregrada de 
criptoativos e confirma o papel da UE enquanto definidor de normas 
para as questões digitais. (LE MAIRE; BRUNO, 2022, tradução nossa). 
 
Outro problema fundamental com as acusações quanto a sustentabilidade da mineração 
de criptomoedas é por não levar em conta dois importantes fatores. O primeiro é de que os 
principais projetos como Bitcoin possui um hardcap, que limita o número máximo de moedas 
que podem ser emitidas, ou seja, as minerações não são perpétuas. O outros é o fator de rápido 
desenvolvimento das tecnologias, que tal qual o Ethreum, as futuras moedas a serem mineradas 
serão cada vez mais econômicas. 
Outra possível consequência do aumento do uso de energia resultante das minerações 
são o incentivo para que tecnologias renováveis como painéis solares encontrem mais espaço 
no mercado. 
 
 
 
4 O projeto de regulamento europeu sobre os mercados de criptoativos (“Markets in Crypto-Assets” ou “MiCA”) 
foi objeto de um acordo político provisório em30 de junho de 2022, no final da fase de negociações 
interinstitucionais (trílogos) entre o Parlamento, o Conselho e a Comissão Europeia. Este acordo é bem-vindo 
para a Autoridade dos Mercados Financeiros (AMF), que apela à rápida entrada em vigor deste texto que 
introduz um quadro harmonizado na União Europeia (UE). Fonte: AMF France, tradução nossa. 
24 
2.4 Blockchain e Thoreau – Um Ato de Desobediência Civil 
 
Henry David Thoreau foi um escritor americano conhecido por sua oposição ao 
presidente James K. Polk. Entre as decisões de Polk, estava o aumento das hostilidades que 
levaram à guerra com o México e conflito com a Inglaterra sobre disputas territoriais5. Polk 
também foi um ávido escravista, denunciando os abolicionistas como sentimentais ingênuos, 
reforçando a política de perseguição de escravos fugitivos para serem devolvidos aos seus 
mestres. 
Diante de um indivíduo tão inescrupuloso como líder, Thoreau defendeu que a 
população deveria desobedecer a autoridade do presidente em vez de apenas aceitar atos e 
legislações injustas. Thoreau publicou suas ideias e acabou sendo preso; em suas próprias 
palavras “Sob um governo que aprisiona qualquer indivíduo injustamente, o verdadeiro lugar 
para um homem justo é uma prisão”. (THOREAU, 1849, p, 14.) 
Usuários que se beneficiam do Blockchain enfrentam um dilema semelhante, países 
como a Venezuela vêm limitando a liberdade da população que usa as Criptomoedas como um 
meio de escapar do bolívar altamente inflacionado e globalmente inútil. O governo pode rastrear 
o uso de eletricidade nas casas para inspecionar se há algum vestígio de mineração cripto 
acontecendo, se a polícia encontrar os equipamentos, podem confiscá-los4. Algumas 
demonstrações de poder das autoridades centrais são ainda mais extremas, como o governo da 
Malásia destruindo publicamente equipamentos de mineração de criptomoedas avaliados em 
aproximadamente 1.25 milhões de dólares, sob alegações de roubo de energia. (SOUTH 
CHINA MORNING POST, 2021). 
As acusações e prisões dos mineradores da Venezuela estão intimamente relacionados 
com a desinformação que circula pelo mundo sobre os sistemas baseados em Blockchain. As 
acusações frequentemente são baseadas em falsos rumores de terrorismo, lavagem de dinheiro 
ou crimes computacionais. 
O motivo principal dessa reação do estado não é para manter a lei e ordem, mas o fato 
de que criptomoedas são uma ameaça expressa ao bolívar, e ao poder altamente centralizado do 
 
5 Polk manteve uma posição pública diferente sobre a escravidão durante sua presidência (1845-1849) do que 
expressou em particular. Além de usar trabalho escravo na Casa Branca, Polk comprou secretamente pessoas 
escravizadas e separou crianças de dez a dezessete anos de suas famílias enquanto estava no cargo. Fonte: 
White House History.org, tradução nossa. 
25 
país. Mineradores também reportam extorsão direta dos seus ganhos de bitcoin pela polícia 
política do país, a Sebin (Servicio Bolivariano de Inteligencia Nacional). (CNBC. 2017). 
Essa situação não é exclusiva de países com “menos liberdade”. Os Estados Unidos 
estão estudando a possibilidade de proibir a operação de corretoras de criptomoedas em seu 
território como parte da sua política para manter sua liderança em inovações tecnológicas, e 
preservar o poder do dólar, em especial frente à China6. 
O projeto é uma bala contra essa economia em ascensão, que ameaça diretamente à 
supremacia do dólar americano como a principal moeda para transações internacionais. Se as 
criptomoedas tiverem sucesso, o dólar provavelmente sofrerá com isso, e é natural que o Leviatã 
tente se preservar mantendo o status quo mesmo que contra o interesse direto da população que 
cede sua soberania. A decisão dos EUA, no entanto, é para o seu próprio benefício, e prejudicial 
para o resto do mundo, visto que representa dificuldades na popularização e desenvolvimento 
da tecnologia e economia. (AMERICA COMPETES ACT, 2007-2022). 
 
6 America Competes Act, página 1482. Título 2, Proibições ou Condições em Certos Fundos Transmissíveis 
(Prohibitions or Conditions on Certain Transmittal funds. A America COMPETES act (América Creating 
Opportunities to Meaningfully Promote Excellence in Technology, Education, and Science Act of 2007). É de 
autoria de Bart Gordon e assinado pelo presidente George W. Bush; tornou-se lei em 9 de agosto de 2007. 
Trata-se de um ato para “investir em inovação por meio de pesquisa e desenvolvimento e melhorar a 
competitividade dos Estados Unidos”. 
26 
3 SEGURANÇA E PRIVACIDADE – PROPRIEDADE CRIPTO 
 
Este tópico analisa a segurança oferecida pelos projetos que utilizam tecnologia 
Blockchain, e seus diferenciais em relação aos serviços tradicionais. Adiante, é feita uma alusão 
histórica sobre a evolução das táticas empregadas pelos criminosos e como eles se beneficiam 
de novas tecnologias, como o Blockchain. Por fim, foi analisado o alcance dos poderes de 
segurança pública e sistema judiciário quanto sua capacidade de tutelar direitos e possivelmente 
remediar danos ocorridos nesse ambiente. 
 
3.1 Propriedade na WEB3 
 
Propriedade de criptomoedas é sobre segurança das chaves de acesso, se você tem 
acesso às chaves para acessar suas moedas, elas são suas, as moedas pertencem a quem conhece 
as chaves. Segurança é a preocupação principal para qualquer proprietário de cripto, isso 
significa que, ao armazenar cripto, os usuários devem ter certeza de que ninguém mais pode 
acessar suas carteiras. Esse processo ainda não pode ser considerado seguro devido ao número 
de passos que hackers e golpistas podem adotar para roubar essas chaves. Keylogging, 
compartilhamento de tela, invasões de computadores e engenharia social são métodos usados 
para roubar chaves tanto durante o processo de criação, quanto depois que são salvas no 
computador ou celular. É recomendado escrever suas chaves no papel e de preferência 
armazená-las em um cofre com pelo menos uma cópia. 
Comparado com os métodos tradicionais de armazenamento de fundos, existem alguns 
benefícios imediatos. Por exemplo, o Brasil recentemente adotou o PIX, permitindo transações 
financeiras instantâneas. Embora a tecnologia seja inovadora, resultou em um pico de 
sequestros e outros crimes violentos com o objetivo de roubar grandes quantidades de capital 
rapidamente. Isso é possível, pois os smartphones essencialmente se tornaram carteiras, e os 
criminosos estão cientes disso. 
Consideremos o cenário em que um indivíduo optou por usar uma cold wallet7 em vez 
do smartphone para “carregar dinheiro”. Caso esse indivíduo seja sequestrado, os criminosos 
 
7 Cold wallet ou Hardware wallet (“carteira fria” em português) é uma opção para guardar as criptomoedas que 
não está conectada à internet. Isso significa que, ao utilizar a carteira fria, os criptoativos ficam offline e, dessa 
forma, mais protegidos contra eventuais ataques cibernéticos. (Fonte: Yubb). 
27 
precisariam de uma conexão com a internet para acessar a carteira a fim de acessar os fundos, 
além disso, precisariam de uma complexa e longa senha chamada “seed’’, a qual os usuários 
dificilmente lembram de cor, também pode ser necessário passar por uma DEX (corretora 
descentralizada) antes de transferir o dinheiro. O uso de um hardware wallet torna o processo 
altamente inviável para esse tipo de crime, tornando esse dispositivo uma opção muito mais 
segura para armazenar fundos. 
Em seu estado atual, as criptomoedas são suscetíveis a problemas tal qual as moedas 
tradicionais enfrentam, principalmente na internet, mas são uma alternativa viável para diminuir 
crimes violentos na vida real. Outro benefício é de maior privacidade e alcance. As transações 
com o PIX, por exemplo, estão restritas entre usuário que possuema mesma chave e podem 
sofrer encargos adicionais como o IOF caso feitas internacionalmente. Já transferências de 
criptomoedas não possuem essa limitação, sendo necessário apenas o compartilhamento do 
endereço da carteira que espera receber a moeda com encargos que variam apenas da carteira 
digital ou corretora, mas permanece a opção mais barata e segura. (WESTERN UNION, 2022). 
Do ponto de vista da proteção de dados, a adoção de criptomoedas para transações 
cotidianas, mesmo que seja uma moeda digital nacional, deveria ser encorajada. A Lei nº 13.709, 
de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados ou LGPD), em seu artigo segundo 
tem entre seus fundamentos o respeito à privacidade, liberdade de expressão, informação, 
comunicação e opinião. Quanto à aplicação, o artigo terceiro estabelece: 
 
Art. 3º Esta Lei aplica-se a qualquer operação de tratamento realizada por 
pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, 
independentemente do meio, do país de sua sede ou do país onde estejam 
localizados os dados, desde que: I - a operação de tratamento seja realizada no 
território nacional. (BRASIL, 2018). 
 
Considerando que transações financeiras através da internet exigem processamento de 
dados, e que para os propósitos da lei transações bancárias são equivalentes a trocas através dos 
sistemas de Blockchain, o método mais seguro e privado deve prevalecer. 
 
3.2 Era de Ouro dos Golpistas – Blockchain e Criminalidade 
 
Agentes maliciosos sempre estiveram presentes em organizações humanas. A 
popularização do rádio e televisão possibilitaram que as informações se espalhassem de forma 
28 
mais rápida, as pessoas se uniram para acompanhar novelas, talk shows e outras formas de 
entretenimento. Considerando que esses meios de vinculação de informação se popularizaram 
inicialmente nas sociedades capitalistas, não é surpresa que os primeiros golpes financeiros em 
maça começaram nesta época. 
O Art. 171 do código penal brasileiro define o crime de estelionato como “Obter para si 
ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, 
mediante artifício, ardil, ou qualquer ou qualquer outro meio fraudulento’’. (BRASIL, 1940). 
A noção imediata de criminoso projeta a imagem do assaltante, batedor de carteira, 
homicida etc. Mas existe uma espécie mais refinada, capaz de operar no limite do alcance 
jurisdicional, comumente causando muito mais danos e quase nunca respondendo por eles. 
Esses agentes disruptores são os estelionatários, representando a principal ameaça 
criminal aos usuários da Web3. Os estelionatários que visam criptomoedas costumam ser 
altamente especializados, capazes de usar técnicas de engenharia social e lavagem de dinheiro 
para acumular altas quantias de capital sem serem rastreados. (THE CONVERSATION, 2022). 
Novamente, é importante frisar que esse modus operandi é tão antigo que talvez seja 
impossível traçar os primeiros casos. Um dos mais famosos e que em muito se assemelha com 
os dos estelionatários modernos, foi o caso de Gregor MacGregor, um “Con Artist’’ (Artista da 
Enganação), nascido em uma família nobre da Escócia. Gregor desde cedo aproveitou as 
vantagens de uma vida burguesa. Aos 16 entrou no exército Britânico, paraíso para jovens que 
buscam status, e conquistou Maria Bowater, filha de um almirante da marinha. (THE HUSTLE. 
2022). 
Armado com ainda mais poder e influência, Gregor comprou o cargo de capitão do seu 
regimento, posição que em condições normais leva anos para ser alcançada. Contudo, a falta de 
preparo e arrogância foram o fim de sua carreira no exército, após discutir com um superior, foi 
obrigado a renunciar. A reputação de Gregor, de oportunista covarde, fez com que fosse 
excluído da herança de sua falecida esposa. 
Gregor tentou recuperar sua reputação ao participar da Revolução da Inglaterra, onde 
usava o falso alias de “Sir Gregor’’, que teria sido uma condecoração dada pela Ordem de Cristo 
de Portugal. Gregor usou de sua influência para comandar tropas, mas fugia das batalhas sempre 
que sua vida estava em risco. Seus atos de covardia só foram expostos anos mais tarde. 
29 
Por conta de sua atuação na revolução, conseguiu se casar com Doña Josefa Antonia 
Aristeguieta y Lovera, prima do revolucionário Simón Bolivar. A vida do casal foi marcada por 
festas na alta sociedade europeia. 
Em 1820, outra polêmica em torno de MacGregor se iniciou. Dessa vez um dos 
combatentes que presenciou as trapalhadas do pilantra divulgou um livro de 418 páginas 
detalhando os danos causados pelo seu abuso de poder no exército. Um dos comentários é 
seguinte, “Induzir alguém a novamente participar de seus projetos desesperados, é como 
conceder um nível de loucura que por natureza humana, mesmo que derrotada, é inconcebível”. 
A crítica não foi o suficiente para abalar a reputação de Gregor, que voltou para a Europa 
com um novo plano em mente. Na época, havia bastante agitação entre os investidores europeus 
sobre a América do Sul, a exploração do continente era ainda fervente, e muito comum ouvir 
histórias que europeus ricos estavam enchendo os bolsos às custas das novas terras. MacGregor 
aproveitou desse sentimento para anunciar que havia descoberto a terra perfeita, chamada por 
ele de Poyais. MacGregor se gabava de ser o “Cacique” de um país independente ao sul, ele 
criou a bandeira do país, registrou títulos, distribuiu folhetos e criou músicas sobre a grandeza 
de Poyais. Foi criado também um livro, que contava como em breve Poyais seria um país rico 
e próspero, tudo para atiçar o interesse dos investidores. 
MacGregor usava testemunhos de figuras aparentemente importantes, como o Capitão 
Wright, suposto oficial veterano da marinha inglesa, para dar seus testemunhos inédito sobre a 
grandeza de Poyais, mesma técnica utilizada por gurus de internet para vender produtos e 
serviços sem valor intrínseco. 
Investidores acreditavam que ao comprar um título de Poyias receberiam seu dinheiro 
de volta através dos juros, consequência do desenvolvimento de Poyais. Contudo, o dinheiro 
não estava indo para o desenvolvimento do suposto país, mas diretamente para Gregor, que 
tinha outros planos. 
Os primeiros colonos saíram de barco com esperança de encontrar o fértil país no litoral 
de Honduras. Ao chegar, encontraram uma terra seca e vazia. Não haviam casas, o solo era 
árido e pobre, animais difíceis de caçar, e a viagem de volta para a Europa era difícil, visto que 
só tinham “a passagem de ida”. As mortes começaram, colonos morriam de doenças como a 
malária, desnutrição, calor e humidade das terras da América do Sul. Os sobreviventes 
conseguiram alertar a Inglaterra que tudo não passava de um golpe, resgates foram enviados. 
30 
Os sobreviventes foram descritos da seguinte forma: “Evidentemente, eles passaram por 
extremo sofrimento e doenças, sua aparência era mórbida e cadavérica” (THE CALEDONIAN 
MERCURY, 1822). 
As denúncias geraram indignação da Inglaterra, tanto a economia privada quanto 
pública foi afetada pelo esquema de MacGregor, que havia gastado quase tudo em marketing 
do país falso e em um estilo de vida luxuoso. Sua estratégia de investir no marketing ao invés 
do produto é usada até hoje por grandes corporações, como a Apple. (FORBES, 2018). 
MacGregor foi acusado formalmente de fraude, mas fugiu para a Venezuela. Lá, ele foi 
recebido de braços abertos por ter sido um dos combatentes da revolução, e viveu 
confortavelmente até o dia da sua morte. As ações de MacGregor causaram a morte de 
aproximadamente 200 colonos ingleses. Curiosamente, muitos colonos sobreviventes 
acreditaram que ele era inocente, mesmo ele tendo causado a morte de seus parentes. 
Essa história mostra um ciclo presente até hoje, enganadores vendem ilusões, lucram 
bastante e somem para viver tranquilamente em alguma outra parte do mundo, quase nunca 
respondendo pelosseus danos. Exemplo são os esquemas de pirâmides financeiras que se 
popularizaram muito nos últimos anos, que com o advento das criptomoedas, se tornaram mais 
fáceis de aplicar. (UOL, 2022). 
O problema na Web3 não é a perpetuação do ciclo de fraudes, mas à proporção que elas 
tomam em muito menos tempo. Um dos requisitos mais recorrentes entre os grandes golpistas 
até a Web2 era o do carisma; atributo usado para conquistar a confiança da vítima, a maior parte 
do processo acontece através de engenharia social. A Web3 permite que agentes habilidosos 
causem grandes danos a partir do anonimato. Dois casos que ilustram essa mudança é o da 
“rapper do bitcoin” e o grupo Lazarus, analisados adiante. 
Por hora, a Web3 é um ambiente fértil para todos os tipos de cyber ataques, tanto os 
possibilitados por habilidade computacional quanto os de engenharia social. Essa ferramenta é 
poderosa nas mãos dos criminosos, pois são eles os primeiros a dominá-las, existe uma 
necessidade que esse ambiente seja desenvolvido de forma precisa através de uma atuação 
conjunta dos interesses público e privado. (FOX 5, 2022). 
Uma das possibilidades é o implemento de programas de instrução digital desde o ensino 
fundamental, informando sobre as melhores práticas de segurança digital. Por ora, pode se 
esperar que o fenômeno de golpes e cibercrimes da Web2 vão se intensificar após a transação 
mainstream para Web3. 
31 
3.3 Alcance do Direito – Fora da Jurisdição 
 
O poder judiciário é por natureza administrador do interesse público. O significado de 
interesse público difere a depender do território. A Constituição Brasileira, por exemplo, não 
define seu significado, apesar de citá-lo diversas vezes; mas é possível compreender as 
prioridades de cada área analisando onde o orçamento público é investido. É possível realizar 
algumas perguntas para melhor compreender quais são as prioridades: Quais são os principais 
crimes/atos infracionais acolhidos pelo judiciário? Qual a infraestrutura existente para lidar com 
crimes maiores? O serviço público está sendo bem feito? (ISMAIL; SALOMÃO, 2016). 
Contemplar a possível regulação da Web3 e suas inevitáveis evoluções, de um ponto de 
vista jurídico, não se limita apenas aos métodos de como combater possíveis crimes ou 
identificar qual tipificação se aplica. Se trata de um mercado que movimenta bilhões de dólares, 
e interesses privados precisam ser tutelados. 
Cada vez mais novos usuários acessam esse mercado que está em desenvolvimento 
constante, a previsão é que o crescimento continue também nos próximos anos. O motivo de 
entrada é variável, vai desde a falta de confianças em instituições financeiras centralizadas até 
o desejo de enriquecer rapidamente com a onda, caso de FOMO8. (FORTUNE BUSINESS 
INSIGHTS, 2021). 
 
Figura 5 – Previsão do crescimento do mercado de criptomoedas até 2028 
 
Fonte: Fortune Business Insights 
 
8 FOMO quer dizer Fear of Missing Out (Medo de perder oportunidades). Existe a variação FOBO, Fear of 
Better Opportunities (Medo de oportunidades melhores serem desperdiçadas). Estamos sofrendo de ansiedade 
causada pelo custo da oportunidade. 
 
32 
A maior parte dos projetos DeFi, além de serem altamente especulativos, não possuem 
estrutura segura o suficiente para suportar a adoção em massa dos usuários comuns vindos de 
todas as partes do mundo. Por estrutura, entende-se o seguinte: suporte para as línguas dos 
principais adotantes, suporte para uso de hardware wallets, transparência quanto a continuidade 
da rede para os próximos anos e conteúdo informativo sobre os possíveis riscos. Alguns dos 
métodos mais atrativos para novatos, como o Staking de moedas, são altamente susceptíveis à 
perda impermanente, capaz de engolir as finanças do investidor despreparado, sendo 
considerado um investimento agressivo. (MEDIUM, 2019). 
Uma consequência preocupante dessa adoção é de um possível rombo na economia 
mundial, com diversos investidores retirando suas economias a cada ciclo de impermanência, 
ou mesmo depositando suas finanças em péssimos projetos com pouca ou nenhuma chance de 
gerar algum valor à longo termo. Tal preocupação pode parecer alarmante, mas em 2022, 
criptomoedas já equivalem a 7% da economia mundial. Considerando que as primeiras cripto, 
os bitcoins, entraram em circulação em 2008, apenas 14 anos atrás, é possível afirmar que o 
crescimento e adoção dessa economia são monstruosos. (INVESTOPEDIA, 2021). 
Tal problema é bem ilustrado pelo caso TERRA LUNA, projeto DeFi que prometia 
interesse alto e seguro aos seus investidores, pois sua moeda era uma STABLECOIN suportada 
pelo dólar americano. A moeda chegou a ter 517,700 carteira únicas que transacionavam 
ativamente, e seu valor de pico foi de 535R$ antes de cair 99.9%. (STATISTA, 2022). 
 
Figura 6 – Carteiras que enviaram ou receberam TERRA (Luna) 
 
Fonte: Statista 
33 
 Os resultados foram desastrosos, o desabe causou relatos de divórcios, suicídios, e foi um 
soco para a economia mundial, o caso chegou a ser amplamente discutido por legisladores dos 
Estados Unidos, em especial pela secretária de estado Janet Yellen, que considera a 
necessidade de regulação urgente. (CNBC, 2022). 
 
Figura 7 – Desvalorização do Terra (Luna) 
 
 
O caso possui proporções semelhantes aos danos de Poyais, mas o criador do Terra Luna, 
o Sul Coreano Do Kwon, não foi responsabilizado e continua desenvolvendo projetos que põem 
em risco a economia e vida de futuros investidores. Este é mais um cenário que expõe os riscos 
que os novos usuários vão enfrentar ao se aventurar com os projetos de finanças 
descentralizadas da Web3, e até o momento, não existe nenhuma tutela legislativa que seja 
satisfatória o suficiente para proteger esse grupo, e considerando que a esmagadora maioria 
desses serviços são de território estrangeiro, o público brasileiro é um alvo fácil. Resta apenas 
a informação como meio de prevenir danos. (THE WASHINGTON POST, 2022). 
Considere o usuário brasileiro que resolve converter suas economias em cripto, em parte 
ou toda, em uma corretora de criptomoedas, hot wallet9 ou similar. Segundo uma pesquisa da 
 
9 Hot wallet, traduzido do inglês, significa “carteira quente”. As hot wallets são carteiras digitais capazes de 
armazenar, em espaços virtuais, as chaves privadas dos investidores em criptoativos, ou seja, funcionam 
conectadas à internet. (iDinheiro, 2022). 
Fonte: Coinmarketcap 
34 
revista Money, o principal objetivo de novos usuários é apenas de lucrar com uma futura alta 
do mercado. Considere que dias depois o usuário descobre que seus fundos foram extraviados 
por um terceiro mal intencionado, que se aproveitou de alguma vulnerabilidade da plataforma. 
Em regra, não há qualquer efetividade de uma possível persecução administrativa ou judicial 
iniciada por esse usuário, visto que na grande maioria dos casos, o terceiro malicioso consegue 
extraviar os fundos deixando apenas traços na rede Blockchain na forma de carteiras virtuais, 
que são como várias contas bancárias anônimas. (MONEY, 20220). 
Mesmo nos casos em que é possível identificar os culpados, é necessário a intervenção 
de profissionais altamente treinados e de medidas imediatas para possivelmente mitigar os 
danos causados pelo agente, recursos inalcançáveis para maior parte da população brasileira. A 
regra de ouro para criptomoedas é “se não são suas chaves, não são suas moedas’’, no momento 
em que os fundos do usuário são transferidos para outra carteira, é fim de jogo, os fundos foram 
roubados com sucesso e não há nada que o proprietário possa fazer, sem mais informações sobre 
o caso e com barreiras territoriais, o alcance jurisdicional é limitado. 
Nem todos que investem em DeFi conhecem os riscos, mas todos querem enriquecer. 
Esse sentimento é facilmente explorado pelos diversosprojetos de finanças descentralizadas 
criados na rede Ethreum, e até então, nenhum responsável respondeu adequadamente pelos 
danos causados. Alguns simplesmente somem, pois sabem que o cenário cripto é um verdadeiro 
faroeste eletrônico. 
É um espaço onde o branqueamento de capitais, extorsão, furto, chantagem e diversos 
outros crimes típicos foram facilitados, e dificilmente existem chances de reparação, onde a 
maior parte dos criminosos especializados estão em países distantes, também não há qualquer 
tratado internacional específico sobre o assunto cujo Brasil faça parte. O potencial é tanto que 
existe evidências que países como Rússia e Coreia do Norte já se armaram disso. (THE 
GUARDIAN, 2022). 
 
 
 
 
 
 
35 
Figura 8 – Valor em criptomoeda extraviado por criminosos 2017 - 2021 
 
 
O ano de 2022 foi palco do segundo maior furto de criptomoedas já registrado. 622 
milhões de dólares foram extraviados da bridge10 da empresa Sky Mavis; a ponte é responsável 
pelas transações dos usuários dentro da DEX da plataforma. Os esforços da investigação foram 
os mais avançados possíveis, criptógrafos trabalharam com o FBI para tentar identificar os 
suspeitos e rastrear os fundos. As investigações apontaram o grupo hacker Lazarus como os 
culpados, acusados de serem subsidiados pelo governo da Coreia do Norte. Mesmo com 
investimentos de ponta, apenas 5.8 milhões de dólares foram recuperados, equivalente a menos 
de 1% do valor roubado. (DECRYPT, 2022). 
 
 
 
 
10 As bridges ou pontes de Blockchain funcionam exatamente como as pontes que conhecemos no mundo físico. 
Assim como uma ponte física conecta dois locais físicos, uma ponte Blockchain conecta dois ecossistemas 
blockchain. As pontes facilitam a comunicação entre Blockchains por meio da transferência de informações e 
ativos. Fonte: Ethereum.org 
Fonte: Chainalysis 
36 
3.4 WEB2 VS WEB3 – Sucessores das Fake News 
 
A ascensão em massa da internet aconteceu na sua segunda fase. O forte investimento 
para que o acesso à rede alcance grande parte do mundo se deu em maior parte por conta do 
enorme potencial econômico da tecnologia. Nesta fase, os usuários são expostos a textos e 
vídeos que influenciam suas decisões como consumidores. Eles podem interagir com conteúdo 
de qualquer parte do mundo, inclusive consumir produtos, tangíveis ou não (eletrônicos), 
usando cartão de crédito, transferências bancárias carteiras virtuais e outras formas de 
pagamento. (BRITANNICA, 2022). 
Contudo, o interesse na Web2 não parou com o consumo de produtos e informações para 
meros fins comerciais. A possibilidade de rápida difusão de informações se tornou arma política, 
uma nova utilidade para internet foi encontrada, moldar a opinião popular a qualquer custo. 
O dicionário de Cambridge define Fake News como histórias falsas que parecem ser 
notícias, divulgadas na internet ou usando outros meios de comunicação, geralmente criadas 
para influenciar opiniões políticas ou como piada. (CAMBRIDGE, 2022). 
A Web3 permite aos usuários mais que interação com informações, é possível adquirir 
bens virtuais, participar da governança de projetos DeFi e interagir com seus bens virtuais de 
forma criativa, como através de jogos. Ser proprietário de um novo tipo de capital virtual, e 
possivelmente enriquecer enquanto o mercado “está quente”, é um dos grandes atrativos e riscos 
da adoção. Nesta fase da internet, não é apenas a opinião pública sendo disputada, mas grande 
parte das finanças individuais. 
 Quanto a segurança, os bens da Web3 são “de quem pegar’”. A falta de regulação, 
tanto em escala individual quanto global, permite que estados sejam subsidiem grupos 
especializados em explorar as vulnerabilidades das plataformas DeFi. Os milhares de fundos 
depositados nessas redes são uma mina de ouro a ser explorada por essas entidades. A 
dificuldade em controlar as proporções desse armamento é similar ao caso das Fake News da 
Web2, já que novas vulnerabilidades surgem mais rápido do que são corrigidas. O perigo se 
agrava, visto que as vulnerabilidades de ambas as webs coexistem. A junção de problemas deixa 
o usuário mais vulnerável do que nunca, visto que são alvo fácil para desinformação e extravio 
financeiro. 
A informação é instrumento importante para amenizar esses danos. Considerando a 
inevitabilidade da adoção das tecnologias baseadas em Blockchain, e ondas crescentes de 
37 
usuários em projetos DeFi, uma das mais efetivas práticas de segurança é de instrução dos 
usuários. Por um lado, não é razoável delegar esse papel de forma exclusiva às empresas, visto 
que ciência dos riscos pode desencorajar adoção. Mas é possível encorajar a adoção de políticas 
de compliance11, também chamadas de awareness training quando aplicadas no ambiente de 
trabalho, através do desenvolvimento de leis sob consulta de especialistas da área. A possível 
regulação deve ter caráter contínuo e considerar a evolução das tecnologias, com atenção 
especial ao caráter preventivo a ser adotado quanto a novas vulnerabilidades. (LAW TIMES, 
2020). 
Figura 9 – Casos de fraude usando documentos falsos e alterações no preço do BTC 
 
 
Existem desafios para se aplicar tais políticas, visto que o preço pode ser a privacidade. 
Carteiras e corretoras que não adotam políticas de KYC estão mais expostas a criação de contas 
 
11 De acordo com o dicionário Cambridge, compliance no direito significa obediência a certa lei, regra ou agir 
conforme acordo ou combinado. (LAW TIMES, 2020). 
Fonte: Onfido 
38 
para branqueamento de capital, venda de contas falsas, phishing12 e outras práticas fraudulentas. 
As medidas de segurança ainda são tão simples que em alguns casos, é possível a criação de 
carteiras apresentando documentos encontrados em ferramentas de pesquisa, como Google 
Imagens. 
Em outras palavras, a Web2 foi a fase da informação, e com informação veio a 
desinformação. Visto que os domínios da internet são de fácil acesso, grupos organizados 
conseguem espalhar desinformação, ou Fake News, de forma a alcançar o maior número de 
pessoas. As táticas da desinformação evoluíram junto com a Web2, inicialmente, era comum 
encontrar sua forma menos agressiva, a de postagens com informações falsas, com intuito de 
chamar atenção. Após a popularização do acesso à rede, as Fake News evoluíram de forma a 
tentar interferir em campanhas eleitorais, de saúde e outras. (GUERRA, 2019). 
Os Estados logo perceberam que não era possível controlar a disseminação de tais 
informações, visto que medidas de proibições dos meios de comunicação os quais tais 
informações tramitam seriam recebidas com protestos pela população. Logo, a melhor 
alternativa foi tentar contra atacar a desinformação. Essas medidas de resposta são encontradas 
através de sites de notícias, do governo e muitas vezes até em plataformas como Facebook e 
Instagram, onde a vinculação de Fake News é constante. De certa forma, a população possui 
instrumentos para combater a desinformação, mas houveram danos. Se aprofundou o vão de 
desconfiança entre as pessoas e o governo, e em determinados grupos demográficos, as notícias 
fantasiosas parecem mais plausíveis, ou oferecem maior conforto que as transmitidas pela mídia 
geral e estado. (THE GUARDIAN, 2022). 
A Web3 também usa da desinformação para fins maliciosos. Por ora, as finalidades 
aparentam ser primariamente financeiras, visto que a grande maioria dos usuários deste espaço 
possui tokens com valor monetário e de fácil transferência. No caso das organizações 
financiadas pelos estados, como a Lazarus na Coreia do Norte, responsáveis por cyber ataques 
desde 2010, a motivação tem raízes políticas. Os danos financeiros facilitados pelas tecnologias 
da Web3, provam que Fake News e venda de dados para grandes corporações vão deixar de ser 
o principal dilema dasredes. (THE ECONOMIST, 2022). 
 
12 Phishing acontece quando os golpistas entram em contato com potenciais vítimas e as convencem a transferir 
fundos ou revelar suas chaves. Phishing pode acontecer por e-mail, SMS, mídia social e bate-papo. Fonte: 
(PHISHING.ORG, 2022). 
39 
4 ERA DO CÓDIGO – LEX CRYPTOGRAPHIA: ORDEM SEM LEI 
 
Este tópico analisa a ascensão da chamada Lex Cryptographia do ponto de vista dos 
pesquisadores Primavera Di Filipi e Aaron Wright. Adiante é analisada a principal estrutura 
para futuras regulações do mercado de criptoativos, a proposta MiCa, e até onde esse mercado 
poderá ser regulado. A discussão quanto a regulação é aprofundada ao se expor a pobreza de 
medidas voltadas para real proteção e liberdade dos usuários, revelando prevalência de interesse 
unilateral quanto a preservação dos interesses do estado. Por fim, é feita uma análise crítica 
quanto a imperfeição da tecnologia em face ao discurso ufanista sobre seu futuro. 
 
4.1 Blockchain e Confiança 
 
 Segundo o filósofo do direito Pierre Legendre, fundador do campo de reflexão chamado 
de antropologia dogmática, a existência humana e social é fundamentalmente baseada em uma 
lógica triangular: Deus, povo e Estado. Deus é a representação de uma entidade metafísica que 
encarna os valores a serem constituídos pela sociedade; o Estado brasileiro, apesar de laico em 
teoria, é um dos que incorpora essa entidade, a exemplo da sua invocação no preâmbulo da 
carta magna: 
 
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional 
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o 
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de 
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia 
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução 
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte 
CONSTITUÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 
1988). 
 
O filósofo explica que é a partir do ethos de Deus, seu nome e perfeição, que a sociedade 
e o direito se legitimam, é a origem da confiança como instituto entre os homens. Esse modelo, 
em escala ocidental, encontrou seu ápice na idade média e persistiu até então. O sistema peer-
to-peer possibilitado pelo Blockchain não se trata de novidade em questão de comunicação 
financeira em nível global, a inovação é permitir pela primeira vez na história que essa interação 
seja livre da influência direta de terceiros. A grande promessa dessa tecnologia é de em caso de 
adoção em massa, as únicas instituições necessárias serão o código open source e o Blockchain, 
40 
e em caso de adoção e desenvolvimento em demais áreas, Deus, como instituição, não será mais 
necessário. (LEGENDRE, 2001). 
O novo tipo de confiança nesse sistema, segundo os pesquisadores Primavera De Filippi 
e Aaron Wright, em seu livro Blockchain and the law: the rule of code, é de confiança sem 
confiança. Em outras palavras, a confiança na precisão e exatidão do código são o suficiente. 
Além do bitcoin, que é um sistema em Blockchain puramente financeiro, outros projetos 
foram criados. O segundo maior é o Ethereum, que opera com a moeda, ou token, ETH, e 
permite a criação dos smart contracts (contratos inteligentes). Os smart contracts são 
transações que usam “confirmadores” na rede Blockchain para verificar a validade e veracidade 
de uma transação. Em outras palavras, vários pontos do sistema se comunicam para confirmar 
que o elemento analisado é válido de acordo com os parâmetros definidos da rede, é o 
equivalente humano a diversas pessoas analisando a veracidade de um documento. 
Países como Estônia já adotam a tecnologia de Blockchain em seu sistema notarial, 
trazendo maior eficiência para sua rede burocrática. Vale salientar ainda que plataformas como 
Ethereum ainda estão “em construção”, e o potencial da rede pode ser muito maior. Outros 
projetos com tecnologia superior ao Etherium, os chamados de terceira geração já conseguem 
realizar contratos com até 2500 validadores, como caso da rede cardano, ainda bem menos 
estável que o Etherium em sua atual fase de desenvolvimento. (INVESTINESTONIA, 2019). 
Em teoria, uma possível aplicação para o direito seria o uso de smart contracts em 
autenticações de diversos tipos de documentos e provas em processos jurídicos públicos. Um 
sistema construído para essa finalidade poderia confirmar a veracidade de fotos, documentos, 
vídeos, assinaturas e etc. 
A Lex Informatica, ou código como lei, é em parte uma nova aplicação do direito. Uma 
mudança considerável é a revisão da burocracia vis-à-vis (cara a cara), visto que as regras 
seriam impostas pela rede e poderiam ter aplicações imediatas, por exemplo, em situações de 
crimes virtuais de menor potencial ofensivo. A questão das garantias fundamentais, no caso do 
Brasil, deveria ser revista para esse tipo de aplicação, ou mesmo automatizadas. A exemplo do 
contraditório, caso um fraudador fosse pego pelo código executando uma ação evidentemente 
reconhecida pelo sistema como intencionalmente fraudulenta, com vistas de prejudicar outrem, 
a penalidade, ou outra espécie de sanção, poderia ser imposta na hora e possivelmente revista 
após o infrator apresentar sua defesa. 
41 
Tal qual os teóricos citados ao decorrer desta exposição, não se pode na fase atual falar 
com certeza do futuro do Blockchain e como será sua aplicação de fato. A tecnologia, no estado 
atual, possui uso utilitário e pode ser acessada por qualquer indivíduo com conexão à internet, 
mas seu futuro ainda está em desenvolvimento, em fase de ideias. Portanto, são discutidos usos 
práticos dentro do que já é possível ou será possível em pouco tempo. 
Uma aplicação ad hoc das regras “jurídicas” impostas pelo Blockchain são as interações 
em plataformas virtuais conhecidas como “metaverso”. O conceito de metaverso, segundo Noel 
Stephenson, autor de ficção científica e primeira pessoa a usar o termo, é de “uma realidade 
digital onde humanos e agentes de software podem interagir entre si em vários aspectos da vida 
social”. Com o Blockchain, é possível a existência de plataformas virtuais “finitas”, ou seja, 
com quantidade limitada de terreno e moedas, de forma que os bens virtuais possuem utilidade 
e valor intrínseco dentro e fora deste universo, visto que criptomoedas podem ser facilmente 
trocadas por moedas FIAT. (STEPHENSON, 1992). 
Digamos que nesse cenário já existente, através de protótipos como Decentraland e 
Sandbox, os usuários estão expostos aos conceitos iniciais da rule of code de forma mais madura 
que na Web2. As interações através desta tecnologia possibilitam práticas, considerando a 
legislação brasileira, de crimes de injúria, racismo, ameaça e outros; também crimes financeiros, 
como estelionato. Caso essas situações cheguem nas autoridades brasileiras, estas pouco 
poderiam fazer para regular atos que em teoria, não ocorreram em território brasileiro. 
Desta forma, as empresas responsáveis por esses universos deveriam impor um conjunto 
de regras iniciais que visam barrar esse comportamento. Não se afirma nessa alusão que tais 
comportamentos só foram possibilitados através de plataformas da Web3, visto que as redes 
socias e jogos online já conectam pessoas e possibilitam tais situações. A diferença é que a 
automatização na Web3 é em teoria, muito mais precisa. Visto que as regras podem ser 
validadas também por fontes externas, melhorando sua eficiência. 
Para Primavera Di Filipi, existe uma máxima quanto ao direito a propriedade nos 
espaços que utilizam Blockchain, que o código é o único regulador que pode ou não analisar a 
legalidade da propriedade de algo, e o único que pode tirar. Essa teoria é válida apenas para 
sistemas de menor nível de centralização,

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