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Tutankamon-Super Interessante Historia

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EDICIÓN 
COLECCIONISTA
TUTANKAMON
TU
TA
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O
N
N
.º 1
EDIÇÃO 
BIBLIOTECA
LENDA
Vida, morte
e maldição
ÉPOCA
O dia-a-dia na 
corte do faraó
TESOUROS
As últimas
descobertas
EGIPTOLOGIA
O que falta
descobrir
INTERESSANTE HISTÓRIA
“Possa o teu espírito viver 
e durar milhões de anos, 
tu que amas Tebas, sentado 
com a cara ao vento norte, 
os olhos cheios de felicidade”
INSCRIÇÃO NUMA TAÇA DE ALABASTRO 
DO TÚMULO DE TUTANKAMON
3
ALBUM
V oltar a casa. Era o que pediam Ísis e Neftis nesta antiga litania (papiro Berlim 3008) ao seu irmão, o deus Osíris. Voltar a casa depois da sua morte. Melhor, apesar da sua morte, porque no Antigo Egito a morte não era 
o fim da vida. Com esta nova série de especiais SUPER História, 
também desejamos voltar a casa, a uma conceção da história rica 
em conhecimento e aventura. Desejamos ler, com os olhos curiosos 
e atrevidos da infância, essas histórias passadas que nos tornaram 
quem somos. Histórias escritas pelos melhores especialistas 
em cada matéria, capazes de contagiar-nos com o seu entusiasmo, 
de partilhar erudição sem falar de cátedra. Textos, seguindo Walter 
Benjamin, sempre contra o pêlo, para não ficarmos com uma 
única visão das coisas, para continuarmos a interrogar-nos. 
Começamos com o faraó menino, Tutankamon. Se Carter disse 
“não tenho vergonha de confessar que, ao vê-lo, fiquei com um nó 
na garganta”, também não nos custa afirmar que nos emocionámos 
mais de uma vez com estas páginas. O saber é uma paixão. 
C.S.
“Ó, bom rei, volta à tua casa! 
Apazigua o teu coração, não há qualquer dos teus inimigos!
Junto a ti, as tuas duas irmãs protegem 
o teu féretro, chamam-te em pranto!
Regressa ao teu féretro!
Observa as mulheres, fala-nos!
Rei, nosso senhor, afasta todas as penas dos nossos corações!”
4
Conteúdos
26
O REBELDE DE AMARNA 
Akhenaton, pai e antecessor de Tutankamon, 
rompe com a ordem religiosa. 
10
EGITO ETERNO 
De onde vem a paixão 
pelo país do Nilo?
38
QUEM FOI TUTANKAMON?
Como era o seu dia-a-dia? Que educação 
recebeu? Últimas descobertas.
48
A IMPORTÂNCIA DE UM NOME
Para assinalar o regresso à ordem tradicional, 
o faraó mudou de nome.
54
A LENDA DA MALDIÇÃO
As estranhas mortes que rodearam 
a descoberta cobriram-na de mistério.
58
A ÉPOCA DA XVIII DINASTIA
Como se vivia naquela altura? 
O que se passava no Egito?
18
HOWARD CARTER
Quem era este 
arqueólogo sem 
formação que conseguiu 
transformar a sua 
paixão em realidade?
5
162
TESOUROS FASCINANTES 
Descobriram-se mais de 5000 
objetos, alguns dos quais 
raramente são referidos.
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TÚMULOS INTACTOS 
Uma recapitulação das descobertas 
mais significativas.
68
COMO VIVIAM AS MULHERES? 
O que sabemos sobre elas, a partir 
dos escritos nos túmulos e outros textos. 
88
MORTE E VIAGEM AO INFRAMUNDO
As crenças sobre o Além foram mudando 
ao longo da história do Egito. 
100
O VALE DOS REIS 
A última morada dos faraós tutméssidas, 
na margem oriental do Nilo. 
124
TÚMULO MISTERIOSO
O que continha e o que revelou esta extraordinária 
descoberta que continua a surpreender-nos.
O LIVRO DOS MORTOS
Datado do Segundo Período 
Intermédio, descreve como 
sobreviver no Além.
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Cronologia 
de uma civilização
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3800 a.C.
Na Mesopotâmia, consolida-se 
a cidade suméria de Uruk. Os seus dirigentes 
e habitantes inventam a burocracia, 
a contabilidade e o comércio externo.
3500 a.C.
A desertifi cação das terras interiores 
do Alto Egito obriga os seus reis a mudar-se 
para as margens do Nilo. Cultivam os campos 
e estabelecem as primeiras cidades.
2950 a.C.
O rei Narmer unifi ca o Egito, um facto 
decisivo: é o primeiro estado-nação do mundo.
2500 a.C. 
Inicia-se a construção das grandes pirâmides 
de Gizé: as de Kéops, Kefrén e Miquerinos.
2080 a.C.
Grandes turbulências sociais e políticas 
desembocam numa guerra civil 
que divide o Egito.
2000 a.C.
O faraó Mentuhotep II reunifi ca 
as Duas Terras. Começa o Império Médio.
1800 a.C.
Os hicsos, procedentes dos atuais Líbano e 
Síria, conquistam Mênfi s. Introduzem o cavalo 
e o carro de guerra. Começa a XV Dinastia.
1792 a.C.
O rei Hammurabi dá início ao império 
babilónico, na Mesopotâmia.
No fi nal do reinado, ordena a execução 
do código legal conhecido pelo seu nome.
A coroa do faraó 
representa a união 
das Duas Terras.
1600 a.C. 
A civilização minoica de Creta atinge 
o apogeu. Surge a cultura micénica, 
no Mediterrâneo ocidental.
1539 a.C.
O faraó tebano Amósis I 
liberta o Egito dos hicsos 
e trava uma invasão núbia.
1490 a.C.
A rainha Hatshepsut governa 
as Duas Terras durante mais de 20 anos. 
Sucede-lhe o afi lhado, Tutmés III.
1353 a.C.
Akhenaton revoluciona o Egito
ao impor o culto a Aton, o disco solar. 
Será o pai de Tutankamon.
1278 a.C.
Ramsés II conquista a Líbia, chega a um 
acordo de paz com os hititas e reforça 
o papel do Egito como potência imperial. 
No seu longo reinado, são construídos 
vários grandes templos.
1250 a.C.
Moisés e os hebreus abandonam o Egito
a caminho da Palestina, a Terra Prometida. 
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Palácio minoico 
de Cnossos 
(Creta).
Akhenaton presta 
tributo ao disco solar.
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Péricles num quadro do século XIX.
750 a.C. 
Fundação da cidade de Roma, 
na península Itálica.
747 a.C.
Os núbios assumem o poder 
no Egito, liderados por Piye, caudilho 
de Kush. É a época dos faraós negros.
680 a.C.
O rei assírio Ashardon 
invade o Egito e arrasa Mênfis.
587 a.C.
Os exércitos babilónios capturam Jerusalém, 
o que provoca o exílio dos hebreus.
1100 a.C.
Na sua expansão comercial 
pelo Mediterrâneo, os fenícios fundam 
Gades (atual Cádis, Espanha) e Útica 
(perto da futura Cartago, na atual Tunísia).
945 a.C.
Os líbios chegam ao poder no Egito com 
o rei Sheshonq I, que submete os tebanos.
814 a.C. 
Fundação de Cartago, cujos habitantes 
se expandirão pouco a pouco 
pelo Mediterrâneo ocidental.
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Ruínas 
de Cartago 
(Tunes).
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525 a.C.
Os exércitos persas conquistam o Egito 
e revitalizam o comércio 
e a economia do vale do Nilo.
462–429 a.C. 
A era de Péricles, em Atenas, 
é o momento de maior esplendor 
cultural da Grécia clássica.
336 a.C.
Alexandre, o Grande, conquista 
extensos territórios. Funda a cidade 
de Alexandria, no Egito, e chega ao Indo.
305 a.C.
Após a morte de Alexandre, 
os generais macedónios repartem entre si 
o império. Ptolomeu fica com o Egito. 
58–44 a.C.
Júlio César conquista as Gálias, 
reforça o poder de Roma e invade 
o Egito, onde manterá uma relação 
sentimental com a rainha Cleópatra VII.
27 a.C. 
Após a morte de Marco António 
e Cleópatra, Otávio assegura o poder 
no Egito e em Roma. Passará à 
história como Augusto, o primeiro 
imperador romano.
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Estátua de Augusto 
(Prima Porta, Roma).
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egitoeete rnte rnte rnete rneete rne
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te rnte rnte rnoote rnote rnte rnote rn
Foi na sequência da campanha napoleónica 
no Egito (aqui, a batalha das Pirâmides, em 21 
de julho de 1798, num óleo de Louis-François 
Lejeune) que despertou o fascínio pela 
milenária civilização do Nilo na velha Europa.
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O linguista 
e historiador 
Jean-François 
Champollion 
e a Pedra 
de Rosetta.
Compilação essencial
Àdireita, capa da edição original francesa da Descrição do Egito, 
um colossal compêndio em 21 volumes que narra todas as descobertas 
da primeira grande missão arqueológica interdisciplinar no país do Nilo. 
Esta obra foi a origem da egiptomania na sociedade europeia 
na primeira metade do século XIX. 
No que toca a civilizações antigas, é possível que hoje saibamos mais sobre a egípcia do que sobre qual-quer outra, e há um par de boas 
razões para isso. Por um lado, estamos a falar 
da mais duradoura e refinada das culturas 
que o mundo conheceu, com cerca de quatro 
milénios de história, o dobro do vigente cris-
tianismo. Por outro, referimo-nos ao setor 
mais ativo e dinâmico do nosso interessepelo 
passado: a egiptologia.
Pode dizer-se que a arqueologia atual nasceu 
no Egito e que o seu primeiro impulsionador 
foi Napoleão Bonaparte. As pirâmides de Gizé 
sempre lá estiveram, como objeto de admira-
ção para o mundo, mas, até ao século XIX, o 
Ocidente olhava o velho universo faraónico 
de longe. Em 1798, a expedição militar de 
Napo leão ao Nilo para interromper a comu-
nicação do Império Britânico com as suas 
possessões orientais integrava uma comitiva 
de 170 naturalistas, filólogos, historiadores, 
topógrafos e artistas que levou a cabo, durante 
quase três anos, a primeira grande missão 
arqueológica interdisciplinar realizada no 
mundo. 
Os seus resultados foram recolhidos nos 21 
volumes da monumental Description de 
l’Égypte, uma das publicações mais impor-
tantes da história. A obra, muito cuidadosa e 
exuberante, pesava um total de meia tonelada 
e lançou as buscas apaixonadas das missões 
francesas, inglesas, alemãs e italianas no Vale 
dos Reis que teriam lugar nos dois séculos 
seguintes. 
Porém, o que mais se destacou de todo aquele 
esforço extraordinário acabou por ser fruto 
do acaso. Um tenente francês chamado Bou-
chard ter-se-á apercebido de inscrições 
numa das pedras que os seus soldados estavam 
a remover durante as operações de fortificação 
na cidade de Rosetta, localizada 50 quilómetros 
a leste de Alexandria. Ao observá-la com mais 
atenção, reparou que os sinais estavam agru-
pados em três blocos distintos, como se fossem 
três alfabetos diferentes. 
Tratava-se de um edital faraónico escrito em 
hieróglifos, demótico e grego durante a era 
ptolemaica. Esse monólito seria a porta pela 
qual se entraria no conhecimento da escrita 
hieroglífica 23 anos depois, quando o linguista 
Jean-François Champollion (1790–1832) 
conseguiu terminar a decifração da pedra de 
Rosetta, o que significava resolver, em grande 
parte, o problema. De repente, os grandes pai-
néis cheios de sinais hieroglíficos que cobriam 
as paredes dos templos e túmulos faraóni-
parte, o problema. De repente, os grandes pai-parte, o problema. De repente, os grandes pai-
néis cheios de sinais hieroglíficos que cobriam néis cheios de sinais hieroglíficos que cobriam 
as paredes dos templos e túmulos faraóni-as paredes dos templos e túmulos faraóni-
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O prussiano Karl 
Richard Lepsius 
foi um destacado 
arqueólogo, 
mas destruiu 
materiais 
e “ofereceu” 
ao Museu de 
Berlim uns 15 mil 
objetos. Nesta 
litografia colorida 
que ilustra um 
dos seus livros, 
vemos o interior 
do Templo de 
Philae, chamado 
“Pérola do Nilo” 
e consagrado 
à deusa Ísis.
Napoleão foi ao país do Nilo 
para cortar as comunicações entre 
Londres e as suas possessões orientais e 
levou 170 naturalistas, filólogos, 
historiadores, pintores e desenhadores
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A pedra de Rosetta 
contém um edital 
faraónico escrito 
em hieroglífico, 
demótico e grego 
na era ptolemaica
cos podiam desvendar os 
mistérios da civilização 
do Nilo.
EGIPTOMANIA
O século XIX foi a época 
dos grandes egiptólogos 
espoliadores, tal o entu-
siasmo que as suas des-
cobertas provocavam nas 
ilustradas Londres, Paris 
e Berlim. O Egito estava 
na moda, tendo triunfado personagens como 
Giovanni Battista Belzoni (1778–1823), um 
jovem italiano ruivo de dois metros de altura 
que trabalhou no teatro londrino e mais tarde 
acompanhou as tropas de Wellington na 
península Ibérica para animar os tempos de 
descanso dos soldados. 
Belzoni visitou o Egito e caiu nas graças do 
então governador otomano Mehmet Ali 
(c. 1769–1849), pelo que foi o primeiro europeu 
a realizar escavações no Vale dos Reis, o grande 
cemitério dos faraós. A descoberta do mag-
nífico túmulo do faraó Seti I tornou-o mun-
dialmente famoso e, com as suas exposições 
e publicações, conseguiu que o Egito se 
enraizasse na cultura popular britânica, tendo 
reunido a fabulosa coleção de peças que esteve 
na base da criação das salas do Museu Britânico 
dedicadas ao país do Nilo.
Belzoni foi seguido por dezenas de outros 
investigadores europeus, como o inglês John 
Gardner Wilkinson (1797–1875), que investi-
gou e catalogou os túmulos do Vale dos Reis 
e compilou relatórios importantes sobre o 
estado de muitos monumentos e túmulos, dos 
quais entretanto alguns se deterioraram ou 
desapareceram totalmente.
A GENEROSIDADE DO PAXÁ
Estima-se que o número de peças retiradas 
do Egito nos últimos dois séculos pode 
ser maior do que o daquelas que foram lá 
deixadas. Não apenas pelo saque e pelo con-
trabando, mas também por vontade dos 
Giovanni 
Battista Belzoni 
(1778–1823) foi 
uma das figuras 
da era dos 
espoliadores do 
início do século 
XIX. Costumava 
vestir-se “à turco”, 
para passar 
despercebido.
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governantes otomanos, sobre­
tudo Mehmet Ali, que represen­
tou o sultão otomano entre 1805 
e 1848. Mehmet sabia que o seu 
país estava na moda na Europa e 
que os monumentos faraónicos eram muito 
cobiçados. Em 1829, negou o seu apoio a 
França na ocupação da Argélia, tendo ofere­
cido, à laia de compensação, os dois obeliscos 
de 23 metros de altura que ladeavam a entrada 
do Templo de Luxor. Um chegou a Paris e foi 
instalado na Praça da Concórdia, onde ainda 
hoje se mantém; o outro acabou por ficar no 
Egito, devido a dificuldades de transporte.
Quando lhe interessava, Mehmet Ali era muito 
generoso. Foi o que aconteceu com o rei da 
Prússia, Frederico Guilherme IV (1795–1861), 
que, encorajado pelo geógrafo e naturalista 
Alexander von Humboldt (1769–1859), 
patrocinou uma missão arqueológica de três 
anos ao Egito, comandada pelo linguista Karl 
Richard Lepsius (1810–1884). 
Os prussianos tinham um grande amor pró­
prio, e as suas atividades no exterior nunca 
podiam ser inferiores às das outras nações. 
Assim, a excelente dotação financeira atribuída 
para o efeito permitiu a Lepsius recolher 
materiais de todo o Egito, chegando, para isso, 
a recorrer a explosivos. No final da missão, 
Mehmet disponibilizou­lhe os seus melhores 
homens e transportes para 
facilitar a espoliação: a oferta 
consistia num conjunto de 15 
mil objetos e peças de todos 
os tipos (nenhum deles medío­
cre) que foram a base do Departamento de 
Antiguidades Egípcias do Museu de Berlim.
SANGRIA HISTÓRICA E ARTÍSTICA
França, Itália e Estados Unidos foram 
outros dos destinos das antiguidades egípcias 
durante o século XIX, que incluíam não só 
museus como também os magníficos salões 
das mansões das classes altas. Por fim, o senso 
comum francês acabou por prevalecer 
perante a sangria histórica e artística que estava 
a assolar o Egito. 
Quando o quarto filho de Mehmet Ali, Said 
Pachá (1822–1863), que tinha estudado em 
Paris, chegou ao poder, o prestigiado con­
servador do Museu do Louvre, Auguste 
Mariette (1821–1881), propôs­lhe criar uma 
instituição (o Serviço de Antiguidades) para 
zelar pelo património egípcio e para ter onde 
expor as peças mais perfeitas e delicadas. Foi­
­lhe, então, oferecido um edifício em Bulak, 
antecessor do atual Museu Egípcio. Hoje, é 
impensável retirar do Egito qualquer peça 
arqueológica, a não ser que seja um presente 
oficial, como o belo Templo de Debod, ofere­
Nesta ilustração, são 
recriados os supostos 
restos do Grande 
Labirinto. Hoje, 
duvida-se de que estas 
ruínas lhe pertençam.
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A esfinge e as pirâmides 
de Gizé são algumas 
das maiores maravilhas 
da civilização egípcia.
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cido a Espanha como retribuição pela ajuda 
no salvamento dos templos núbios que iriam 
ser inundados pelas águas da grande barra-
gem de Assuão.
ONDE ESTÁ O LABIRINTO?
Apesar de tudo o que sabemos sobre o Antigo 
Egito, ainda há coisas fabulosas por aparecer. 
Uma das mais faladas, embora sem grandes 
fundamentos históricos, é o Grande Labi-
rinto. Devemos a sua descrição ao grego 
Heródoto (c. 485–c. 425 a.C.), considerado 
“o pai da história”. No Livro II da sua obra 
pioneira, precisamente chamada História, 
narra o seguinte: “Construíramum labirinto 
perto do lago Moeris e não muito longe da 
Cidade dos Crocodilos. Vi este monumento 
e achei-o superior a qualquer descrição. 
Nenhuma obra ou edifício grego se lhe pode 
comparar: todos são inferiores. Os templos 
de Éfeso e de Samos são admiráveis, mas as 
pirâmides superam-nos em muito. No entanto, 
o labirinto é ainda superior. É composto por 
doze pátios rodeados por paredes cujas portas 
se encontram de frente umas para as outras, 
seis a norte e outras seis a sul. As salas estão 
duplicadas: existem 1500 subterrâneas e outras 
1500 na superfície, 3000 no total. Visitei 
as salas superiores, de modo que falo com 
conhe cimento de causa, como testemunha 
17
ocular. Quanto às salas subterrâneas, não sei 
mais do que me contaram, porque servem 
como sepulturas dos reis que construíram 
o monumento e a sua visita está vedada. As 
que visitei na superfície são, aos meus olhos, 
a coisa maior que alguma vez o ser humano 
construiu. É impossível não ficar boquiaberto 
com a variedade de corredores tortuosos 
que, a partir dos pátios, conduzem às salas 
e destas, por sua vez, a outros pátios. Cada 
secção do monumento é composta por uma 
infinidade de salas que terminam em passa-
gens que levam a outros edifícios cujas salas 
há que atravessar para desembocar em novos 
pátios. Os tetos são todos de pedra, bem como 
as paredes, decoradas com figuras em baixo-
-relevo. Em torno dos pátios, há colunas de 
pedra branca perfeitamente ordenadas. No 
ângulo em que o labirinto termina, eleva-se 
uma pirâmide de duzentos côvados de altura 
com figuras de animais esculpidas, na qual se 
entra por um corredor subterrâneo.”
Depois de Heródoto, outros cronistas e his-
toriadores, como os gregos Diodoro Sículo 
(c. 90–60 a.C.) e Estrabão (63 a.C.–23 d.C.), 
considerado “o pai da geografia”, ou o romano 
Caio Plínio (c. 23–79 d.C.), falaram sobre 
esta incomparável construção labiríntica, 
que supostamente ainda poderia ser visitada 
no século II da nossa era. A partir desta data, 
nunca mais se soube dela: a que havia sido 
a obra arquitetónica maior e mais complexa 
da Antiguidade dilui-se no ar como se fosse 
fumo. Terá sido uma lenda urbana grega. 
Na realidade, julga-se hoje que era o templo 
funerário adjacente à pirâmide de Amenófis III.
A.P.
“Os templos de Éfeso e de Samos são 
admiráveis, mas as pirâmides superam-nos 
em muito. No entanto, o labirinto é ainda 
superior”, escreveu Heródoto. Atualmente, 
sabemos que se trata apenas de uma lenda.
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Carter no seu 
quarto do Hotel 
Waldorf-Astoria, 
logo depois de ter 
chegado no navio 
SS Berengaria.
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Q uem era o homem que esteve por detrás do achado do túmulo de Tutankamon, essa descoberta que 
marcou o momento mais espeta-
cular da história da arqueologia? Era o último 
de onze filhos de Samuel John Carter, um 
reconhecido ilustrador de animais, e herdou 
do seu pai a paixão pelo desenho. Nascido em 
1874, em Kensington (Londres), desde menino 
que acompanhava o progenitor nas suas 
visitas às luxuosas casas de campo dos seus 
clientes. Numa delas, conheceu o deputado 
William Amherst, dono de uma das coleções 
de arte egípcia mais relevantes de Inglaterra. 
Aquele encontro alimentou o seu interesse 
pela egiptologia e mudou-lhe a vida. 
Um dia, casualmente, lady Amherst conhe-
ceu o biólogo Percy Newberry, um professor 
de egiptologia da Universidade do Cairo que 
procurava um desenhador, e falou-lhe de 
Carter, o filho. O professor, seduzido pela 
qualidade dos seus trabalhos, não hesitou em 
contratá-lo para o Egypt Exploration Fund. 
Nem a falta de experiência (tinha apenas 17 
anos), nem a nula formação científica impe-
diram Carter de se lançar à aventura. 
No início, nem todos reconheceram o seu 
potencial. Entre os seus detratores, estava o 
egiptólogo mais destacado na época: William 
Flinders Petrie, que reconhecia o seu inte-
resse pela pintura e pela história natural, 
mas não via “utilidade em torná-lo escava-
dor”. Apesar das reticências e da sua falta 
de confiança, Carter conseguiu tornar-se 
arqueólogo no terreno.
A CAMINHO DA FAMA
Uma vez terminada a sua colaboração com 
Newberry em Beni Hassan, Petrie recru-
tou-o de novo graças à intervenção de lady 
Amherst. Uma vez que era ela quem finan-
ciava as suas escavações em Amarna, foi fácil 
convencê-lo que o contratasse como aju-
dante. Longe de se arrepender, o exigente 
egiptólogo ficou encantado com o novo cola-
borador, a quem ensinou a escavar. 
Entre 1893 e 1899, Carter tornou-se o dese-
nhador e fotógrafo oficial do suíço Edouard 
Naville. As suas representações dos baixos-
-relevos do templo de Mentuhotep, em Deir 
el-Bahari, foram muito valorizadas pelo 
rigor que apresentavam.
Por fim, o trabalho de Carter viria a cha-
mar a atenção do responsável do Serviço 
de Antiguidades egípcio, Gaston Maspero, 
que, apesar da sua juventude (tinha na 
altura 25 anos) e da sua falta de formação 
académica, o nomeou inspetor-chefe de 
Antiguidades para o Alto Egito. Estreou-se 
no cargo com uma viagem ao sul do país que 
marcaria o início da sua grande oportunidade 
e de uma amizade para a vida.
VIDA DE INSPETOR
Entre as múltiplas responsabilidades de 
Carter, estavam as tarefas de conservação, 
de inspeção das escavações em curso e dos 
monumentos abertos ao público, de con-
cessão de autorizações de escavação e da 
instalação de luzes elétricas nos túmulos. 
Absorvido pelo seu trabalho, Carter, que 
não costumava expressar facilmente os seus 
sentimentos, escrevia cartas à mãe a des-
crever as tarefas de que estava incumbido. 
“As minhas visitas de inspeção a lugares 
imprevistos fazem os dias parecerem sema-
nas. É uma vida estranha: chega uma carta 
durante a manhã e tudo muda. Nunca sei 
onde devo acudir. Saio na direção contrá-
ria à que estava previsto, a menos que me 
peçam para ficar onde estou. Seja como for, 
é a vida de inspetor.”
O arqueólogo 
Carter
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Entre as suas atividades, estava a luta contra 
os roubos. Os tesouros dos faraós, escon-
didos sob a areia do Vale dos Reis, eram 
uma tentação para os habitante pobres da 
região, e Carter chegou a ter de fazer de 
detetive. Chegou à conclusão, por exemplo, 
que o roubo do túmulo de Amenófis II fazia 
parte de uma grande rede de corrupção que 
incluía a Polícia.
Apesar de gostar do que fazia, o sonho de 
Carter era escavar no Vale dos Reis. Naquele 
tempo, o Egito estava na moda, pelo que era 
relativamente fácil encontrar entusiastas da 
arqueologia abastados que patrocinassem 
uma escavação. Um deles era o advogado 
norte-americano Theodore M. Davis, que 
tinha conseguido a concessão de todo o Vale 
dos Reis. Davis só tinha interesse em encon-
trar peças espetaculares que chamassem a 
atenção e de se fazer fotografar com elas. 
EMPURRADO PARA 
UM POSTO MENOR
Carter supervisionou os seus trabalhos entre 
1902 e 1904, mas a relação entre ambos 
nunca foi boa. Apesar de tudo, ainda reali-
zou várias escavações extraordinárias que 
apresentou sob a assinatura de Davis. Entre 
elas, destacam-se a localização dos túmulos 
de Tutmés IV e de Tutmés I, o maior do Vale, 
ampliado para servir também de sepulcro à 
sua filha Hatshepsut.
A prometedora carreira de Carter na altura 
foi bruscamente interrompida devido a um 
incidente. Embora haja várias versões do 
mesmo, a mais conhecida é aquela de que o 
escritor francês Christian Jacq (n. 1947) dá 
conta no livro La Vallée des Rois – Histoire 
et Découverte d’une Demeure d’Éternité 
(1992): “Um grupo de franceses, já muito 
embriagados, exigiu visitar o Serapeum 
“Nunca sei onde 
devo acudir. Saio 
na direção contrária 
à que estava previsto. 
É a vida de inspetor”
Lord Carnarvon, a sua filha, lady Evelyn Herbert, 
e Howard Carter, à entrada da escada que leva 
ao túmulo de Tutankamon, no vale dos Reis, em 1922. 
Ainda não sabiam exatamente o que iriam encontrar.
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após a hora de encerramento. O guarda, de 
acordo com as instruções recebidas, negou-
-se. A confusão instalou-se,não faltando 
alguma pancadaria. Carter dirigiu-se ao local 
e tomou partido pelo seu funcionário, expul-
sando os insubordinados. Porém, eles dis-
punham de apoio diplomático. Houve quem 
interviesse junto de Maspero, que pediu a 
Carter que apresentasse as suas desculpas.”
Tudo indica que ele se tenha negado e, embora 
Maspero quisesse mantê-lo a seu lado, atri-
buiu-lhe uma função menor, como inspetor 
da zona do delta, pelo que o arqueólogo pre-
feriu demitir-se. “Tenho um temperamento 
fogoso, e além disso possuo aquela tenacidade 
que as pessoas mal intencionadas descrevem 
às vezes como casmurrice e que os meus ini-
migos, até hoje, se alegraram a assinalar como 
sendo um sinal de mau caráter. Pois bem, 
nada posso fazer a esse respeito”, escreveu. 
Dizia-se que ele tinha mau génio.
SOBREVIVER A VENDER PINTURAS
Enquanto Davis continuava a escavar no Vale 
dos Reis, Carter encontrava-se sem trabalho 
e sobrevivia a vender as suas pinturas. A sua 
sorte mudou quando conheceu George 
Edward Stanhope Molyneux Herbert (1866–
–1923), quinto conde de Carnarvon, que 
encarnava o estereótipo do cavalheiro inglês: 
distinto, rico, grande colecionador, apaixo-
nado por cavalos e automóveis. Depois de 
sofrer um grave acidente de viação, mudou-
-se para o Egito à procura de um clima seco 
que o ajudasse a melhorar. Como se sentia 
aborrecido, começou a fazer escavações sem 
suspeitar que acabariam por se tornar a sua 
grande paixão.
Ilustração de como terá sido 
o momento em que Carter viu pela 
primeira vez o interior do túmulo.
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Maspero autorizou-o a escavar num pequeno 
terreno que tinha comprado e onde encontrou 
um gato mumificado que o motivou a conti-
nuar. Por isso, pediu ao Serviço de Antigui-
dades um arqueólogo profissional para come-
çar a desenvolver um projeto mais relevante. 
Maspero viu ali a oportunidade de “recuperar” 
Carter, algo que reforçou para sempre a ami-
zade criada entre ambos.
AVENTURA NO VALE DOS REIS
Carter e lord Carnarvon eram os parceiros per-
feitos: um egiptólogo autodidata, sem qualquer 
ligação a museus ou universidades, e um abas-
tado cavalheiro apaixonado pela egiptologia e 
disposto a tornar-se um mecenas de missões 
arqueológicas. A dupla tinha de funcionar, e 
assim foi. Começaram a traba-
lhar juntos em 1907, enquanto 
Davis escavava caoticamente 
na necrópole sem que Maspero 
interviesse, por acreditar que o 
vale estava “esgotado”. 
Por fim, em 1914, o governo autónomo (o 
Egito era um protetorado britânico) auto-
rizou Carnarvon a escavar no Vale dos Reis. 
Ele quis pôr logo mãos à obra, mas a eclosão 
da Primeira Guerra Mundial acabou com o 
sonho mesmo antes de ele começar: o aristo-
crata regressou a Inglaterra e tentou alistar-
-se, mas sem sorte, e Carter ficou no Egito 
a fazer pequenas escavações no Vale dos 
Reis, sobretudo no triângulo formado pelos 
túmulos de Ramsés II, Rerenptah e Ramsés VI. 
O seu principal objetivo era localizar o 
túmulo de Tutankamon, um faraó pratica-
mente desconhecido mas cuja existência na 
zona era dada como certa, dedicando-se de 
corpo e alma à descoberta da sepultura do 
jovem rei esquecido pela história. Sondou 
o terreno ao longo de vários 
quilómetros, e um exército de 
operários removeu milhares de 
toneladas de escombros. Ao fim 
de cinco anos de esforços, não 
obteve quaisquer resultados. 
Carter limpa 
os óleos de conservação 
da múmia de 
Tutankamon, que 
estavam colados 
à máscara funerária.
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Lord Carnarvon era um homem rico, mas os 
seus bolsos tinham limites, e pensou aban-
donar o projeto. Carter, que ainda acreditava 
nele, convenceu-o a realizar só mais uma 
temporada. Era a última oportunidade e não 
queria perdê-la.
4 DE NOVEMBRO DE 1922
A sua intuição levou-o junto aos acessos ao 
túmulo de Ramsés VI e, às dez da manhã de 
4 de novembro de 1922, apareceu, debaixo da 
entrada do mesmo, uma escada escondida a 
quatro metros de profundidade. Os degraus 
levavam a uma porta tapada e engessada, 
ainda com os selos intactos. “Não havia dúvi-
das de que o túmulo tinha todas as caracte-
rísticas próprias da XVIII Dinastia. Pertencia 
a um aristocrata enterrado com autorização 
real ou era um esconderijo real que guar-
dava, por razões de segurança, a múmia e o 
seu mobiliário. A menos que fosse o túmulo 
do rei ao qual eu tinha dedicado tantos anos 
de busca”, escreveu Carter.
Sem perder tempo, enviou um telegrama 
a Carnarvon: “Fizemos uma descoberta 
extraordinária no Vale: um túmulo luxuoso 
cujos selos ainda estão intactos. Voltámos a 
fechá-lo até à sua chegada. Felicidades.” Car-
narvon chegou vinte dias depois. Desmonta-
ram a porta, pedaço a pedaço, e descobriram 
um corredor de pedra calcária. Havia uma 
segunda porta, também engessada e com os 
selos do rei-menino.
“COISAS MARAVILHOSAS”
No dia 26 de novembro, teve lugar a cena mais 
famosa da história da arqueologia. Carter fez 
um pequeno orifício na segunda porta, por 
onde introduziu uma vela. “No início, não 
via nada, mas, à medida que os meus olhos 
se acostumavam àquela escuridão, os porme-
nores foram ganhando contornos. Animais 
estranhos, estátuas e ouro que brilhava por 
toda a parte. Durante alguns segundos, que 
pareceram uma eternidade aos meus compa-
nheiros, fiquei mudo de espanto”, recordou.
Ao seu lado, estavam lord Carnarvon, a filha 
deste e outro egiptólogo, de nome Callender. 
Em baixo, 
primeira página 
do jornal 
que noticiou 
a abertura 
do túmulo. 
À esquerda, 
um vista 
da antecâmara 
do túmulo.
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Carter convenceu 
Carnarvon a realizar 
uma última temporada, 
e aproveitou-a bem
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Quando lhe perguntaram o que via, respon-
deu: “Coisas maravilhosas.” Naquele instante, 
ainda não sabia se se tratava de um túmulo 
ou de um esconderijo. A dúvida volatilizou-
-se três dias depois, quando abriu a porta e 
entrou na antecâmara. Duas estátuas guarda-
vam uma montanha de objetos, incluindo um 
trono, e havia uma terceira porta.
Três anos após a descoberta do túmulo, che-
gou o momento mais aguardado: o encontro 
com a múmia real. Foi nessa altura que Car-
ter teve consciência da importância daquele 
achado. Quatro placas de ouro decoradas 
com motivos do Livro dos Mortos rodeavam 
um sarcófago de grandes dimensões (5,20 por 
3,35 por 2,75 metros), que encerrava outros 
sepulcros. O quarto e último féretro, de ouro 
maciço e 110 quilos de peso, continha o corpo 
do rei, coberto com a famosa máscara com 
pedras incrustadas. 
“Foi então que nos apercebemos realmente 
da beleza da nossa descoberta, quando aquela 
peça única e maravilhosa, essa massa de ouro 
fabulosamente trabalhada, resplandeceu à 
nossa frente. A máscara tinha uma expressão 
triste e serena, sugerindo a juventude prema-
turamente surpreendida pela morte”, diria 
Carter levou 
dez anos a extrair 
e catalogar 
todos os objetos 
encontrados
Howard Carter 
demorou dez 
anos a catalogar 
tudo o que 
encontrou no 
túmulo de 
Tutankamon.
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Homem sem estudos
Carter. Segundo ele, o aspeto da múmia era 
ao mesmo tempo “magnífico e terrível”, e o 
rosto do rei “pacífico, suave, de adolescente; 
era nobre e de belos traços, com os lábios 
desenhados com linhas muito nítidas”.
Ainda havia uma quarta sala repleta de mara-
vilhas: o tesouro, com cofres, caixões em 
miniatura, joias, pérolas, arcos, flechas... 
Tudo o que um rei egípcio podia desejar para 
poder ser feliz no Além.
SONHO REALIZADO
A repercussão do achado foi gigantesca. 
Enquanto repórteres e turistas chegavam 
em massa para visitar o túmulo do faraó-
-menino, Carter catalogava e restaurava 
tudo o que tinha sido tencontrado, uma 
tarefa colossal que apenas terminou dez 
anos depois. O resto da sua vida foi dedicado 
a fazer um relatório preliminar que apenas 
listava resumidamente os objetos desco-
bertos, sem análise epigráfica e técnica. De 
acordo com muitos especialistas, o arqueó-
logo não estava à altura do trabalho ao qual 
havia dedicado três décadas da sua vida. 
Ainda assim, dada a magnitudedo empreen-
dimento, ninguém teria feito melhor.
Fosse como fosse, Howard Carter pôde, gra-
ças a Tutankamon, realizar o seu sonho: “Foi 
a coisa mais maravilhosa que me foi dado 
viver, e, a meu ver, permanecerá inigua-
lável”, afirmou. Morreu em 2 de março de 
1939, em Londres, convertido no arqueólogo 
mais famoso do mundo.
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Retirada de alguns 
objetos do túmulo, 
incluindo partes 
de um carro.
“O meu pai foi um grande 
pintor de animais com algu-
ma fama e a minha mãe era 
uma pequena mas extraor-
dinária mulher, que amava 
o luxo, o belo, a perfeição, 
a elegância e o bem-fazer”, 
escreveu Carter, que herdou 
as qualidades da mãe e a 
paixão pelo desenho do pai. 
Graças a elas, conseguiu 
prosperar e, com a ajuda 
da sorte, alcançar a fama, 
embora a sua educação 
tenha sido muito limitada. 
Esta carência, que sempre 
lamentou, pode explicar o 
seu caráter seco e a sua ten-
dência para estar constante-
mente à defesa. Ele próprio 
reconhecia o seu tempera-
mento irritável e teimoso, 
que os inimigos apelidavam 
de “mau génio”. “Nunca 
pude ter aulas de desenho 
e pintura e não era esse o 
meu desejo”, constataria. 
Ainda assim, saiu-se bem 
como autodidata, e aos 15 
anos já ganhava a vida. Num 
obituário. o egiptólogo Guy 
Brunton escreveu: “Se Car-
ter tivesse podido frequentar 
uma boa escola, poderia ter 
sido realmente uma grande 
figura pública.”
Pilar de pedra 
calcária com 
uma estátua 
de Amenófis IV 
para ser adorada 
no Templo de Aton, 
em Karnak (Museu 
do Cairo). Na página 
oposta, o mesmo rei 
com o ureu, numa 
escultura ao estilo 
de Amarna.
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A história do Antigo Egito desenro-lou-se ao longo de quatro milénios e, embora existam e se tenham escavado (e se continuem a escavar) 
múltiplos documentos escritos, bem como 
uma infindade de espaços urbanos, militares 
e necrópoles, na hora de reconstruir a sua 
história, encontramos lacunas recorrentes em 
diversos períodos. Isso deve-se a vários fatores: 
ao acaso, ao estado de conservação dos materiais 
e ao interesse dos egiptólogos. 
No que se refere ao reinado de Akhenaton, 
pai de Tutankamon, temos a sorte de pos-
suir numerosas fontes de informação, graças 
aos achados extraordinários e ao indubitável 
interesse dos egiptólogos por este reinado 
excecional, que centraram os seus estudos nos 
principais lugares relacionados com Akhena-
ton: a sua capital, Akhet-Aton, os templos e 
túmulos da antiga Tebas egípcia e outros locais 
ao longo do vale do Nilo.
Quando Akhenaton nasceu, recebeu o nome 
de Amenófis, como o seu pai, o faraó Ame-
nófis III. A sua mãe era a Grande Esposa Real 
Tiy. Ele era o segundo descendente masculino 
do rei, que provinha de uma longa dinastia 
de faraós que, depois de unificarem o Egito, 
tinham alargado as suas fronteiras por todo 
o Canã e a Núbia. O Egito era a primeira 
potência militar, económica e cultural da região. 
Recebia tributos de vários reinos conquistados 
e presentes dos vizinhos.
O jovem príncipe Amenófis não estava des-
tinado ao trono; o escolhido era o seu irmão 
mais velho, Tutmés, que entretanto morreu. 
O acontecimento ocorreu antes do Primeiro 
Festival de Heb Sed de Amenófis III, que se 
celebrou no seu trigésimo ano de reinado. 
A partir daquele ano, ou numa data posterior, 
o jovem príncipe Amenófis torna-se o her-
deiro e, segundo alguns especialistas, corre-
gente juntamente com o seu pai, se bem que 
haja debate entre os egiptólogos sobre se na 
realidade este reinado conjunto terá ou não 
acontecido
PRIMEIROS ANOS DE REINADO
O príncipe subiu ao trono como Amenófis IV 
e escolheu para Grande Esposa Real Nefertiti, 
que era filha de Ay, um alto funcionário da 
corte que foi adquirindo cada vez mais res-
O rebelde 
de Amarna
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ponsabilidades até chegar a ser faraó, três 
décadas depois deste casamento. Durante os 
primeiros anos do seu reinado, Amenófis IV 
demonstrou a sua predileção por uma divin-
dade que se foi desenvolvendo nos círculos 
palacianos, pelo menos desde o reinado do 
seu avô, Tutmés IV: Aton. Tratava-se de uma 
das numerosas formas do deus Rá, o deus-Sol: 
em concreto, o disco solar, uma das suas mais 
recentes representações e cujos raios termi-
nam numas mãos que tocam exclusivamente 
no rei e na rainha, a quem concede a vida e a 
prosperidade.
Em Karnak, o principal lugar de culto de 
Amon-Rá, rei dos deuses, o jovem Amenófis IV 
desenvolveu um ambicioso plano arquite-
tónico no qual se podem apreciar as ino-
vações iconográficas que foram típicas do seu 
reinado. Entre elas, a partir do terceiro ano, 
Aton passou a estar referido no cartucho real, 
de tal forma que ficava implícito que este 
deus se equiparava ao rei terreno. Por outro 
lado, as instituições dos deuses tradicionais 
ficaram economicamente subordinadas ao 
culto de Aton.
Esta mudança, a juntar ao facto de Amon 
deixar de ser a principal divindade relacionada 
com a realeza, teve importantes consequências 
políticas que, com toda a probabilidade, 
revolucionaram a estabilidade interna do estado 
egípcio.
PERÍODO DE AMARNA: 
1349–1336 A.C.
Estas e outras alterações implicaram um 
confronto direto com a ordem religiosa 
estabelecida. Nos primeiros meses do quinto 
ano do seu reinado, Amenófis IV deu mais 
um passo que afetava a figura do faraó: a 
mudança de nome. De Amenófis (Amenho-
tep), que significava “Amon está satisfeito”, 
passou a chamar-se Akhenaton (“Benéfico 
para Aton”), eliminando desta maneira o 
teónimo Amon do nome real. A sua principal 
mulher, Nefertiti, acrescentou também ao 
seu nome o cartucho de Neferneferuaton 
(“A mais bela de Aton”).
Pouco depois, Akhenaton percorreu o país 
para encontrar um lugar puro para a sua 
nova capital. Encontrou-o no Médio Egito, 
próximo do lugar onde estabeleceria a loca-
lidade de Amarna, perto da atual cidade de 
Minya, e a meio caminho entre Mênfis e Tebas. 
Era um grande anfiteatro rochoso que ainda 
não tinha sido ocupado. Nos montes a leste 
do rio Nilo, a montanha reproduzia em cada 
amanhecer a elevação do Sol entre outras 
duas montanhas, assemelhando-se ao ideo-
grama utilizado para a palavra “horizonte”. 
Isto tinha uma dupla leitura: por um lado, 
relacionava-se com o conceito egípcio de 
renascimento diário; por outro, vinculava a 
nova capital ao deus Rá e ao seu ciclo diurno. 
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O afastamento de Amon como principal 
divindade, substituído por Aton, o disco 
solar, provocou grande instabilidade
À esquerda, Akhenaton e Nefertiti com três das suas filhas (baixo-relevo amarniense de cerca 
de 1350 a.C.). À direita, Akhenaton em esfinge numa oferenda ao Sol como Aton (baixo-relevo 
amarniense, 1373 a 1357 a.C.).
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Como não podia deixar de ser, a cidade foi 
chamada de Akhet-Aton (“O horizonte de 
Aton”).
NOVA E EFÉMERA CAPITAL
A nova cidade foi delimitada com 14 estelas 
visíveis para quem se aproximasse da capital 
vindo de qualquer direção. Incluía não só o 
anfiteatro, onde se ergueria o centro urbano 
e as necrópoles, como também as terras para 
a agricultura. No total, Akhet-Aton teria uns 
160 quilómetros quadrados e nela ter-se-ão 
estabelecido entre 20 e 50 mil pessoas, nos 
seus dias de maior glória. Porém, Akhet-
-Aton teve uma vida efémera, pois foi aban-
donada por Tutankamon, cerca de 21 anos 
depois da sua fundação. A partir de então, 
a zona não voltou a ter grande densidade 
populacional, mas tornou-se um local de 
exceção para os arqueólogos. Amarna permite 
obter uma imagem clara da organização de 
uma capital durante a segunda metade do 
segundo milénio a.C.
Após a delimitação do espaço, Akhenaton 
investiu boa parte dos recursos do estado na 
construção de todo um complexo urbano e 
funerário. No que respeita ao primeiro, a cidade 
carecia de um planeamento prévio; foi traçada 
numa franja de deserto relativamente plana, 
à volta de uma via já existente (o “Caminho 
Real”), que ligava o norte ao sul do país.
Na atualidade, o sítio de Amarna divide-se em 
várias áreas para facilitar a sua compreensão.De norte para sul, encontram-se a Cidade 
Norte, o Palácio Norte, o Bairro Norte, a Cidade 
Central e os Bairros do Sul. A leste destas 
áreas, foram construídos outros centros sub-
sidiários, entre os quais se destaca o povoado 
dos artesãos que se encarregavam da cons-
trução dos túmulos reais. Este povoado, de 
forma quadrangular e muralhado, possuía 68 
casas com dimensões idênticas, à exceção de 
uma, de maior tamanho, que seria ocupada 
pelo responsável pelos trabalhadores. Estes 
operários, pagos pelo estado, eram os melhores 
construtores e artistas de todo o Egito e foram, 
por certo, transferidos de um povoado seme-
lhante que existia em Tebas.
EDIFÍCIOS MAGNÍFICOS
Para lá dos aglomerados de casas, o Caminho 
Real tornou-se uma avenida retilínea à volta 
da qual foram construídos os edifícios mais 
importantes de Akhet-Aton: o Grande Tem-
plo de Aton, o Grande Palácio, a Casa do Rei e 
o Pequeno Templo de Aton. O Grande Templo 
de Aton deve ter sido um edifício espetacu-
lar, como testemunham os seus alicerces. 
Infelizmente, como quase todos os edifícios 
construídos em pedra, este também foi des-
mantelado na época de Ramsés II. Tinha uma 
superfície delimitada de cerca de 17 hectares, 
nos quais se erguiam pilones com mastros 
decorados, que davam acesso a uma colu-
nata. À sua volta, havia centenas de altares 
ao ar livre, onde se realizavam as oferendas 
ao deus Aton. Estava propositadamente 
orientado segundo o eixo leste-oeste, de forma 
a seguir sempre o ciclo do Sol no céu. A confi-
guração do templo, que ficou inacabado, era 
completamente inovadora e contrastava com 
os templos egípcios que durante milénios 
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Rá, o deus Sol, foi a divindade suprema 
do Egito desde, pelo menos, meados 
do terceiro milénio a.C. Tinha muitas 
formas divinas: por exemplo, ao meio-dia, 
demonstrava todo o seu poder.
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Apesar de ter perdido 
uma grande quantidade 
de pedra e construções 
inteiras, a Amarna 
abandonada (em cima 
e à direita), depois 
de ter sido utilizada como 
capital, é uma grande 
fonte de informação 
sobre a sua organização.
tinham sido construídos no Egito. Enquanto 
os edifícios anteriores eram espaços fechados 
e escuros, os templos erguidos por Akhenaton 
procuravam que os raios solares banhassem 
todos os rituais.
GRANDES MORADAS
Lamentavelmente, do Grande Palácio também 
pouco sobreviveu. Estendia-se desde o 
Cami nho Real até às margens do Nilo e estava 
organizado em torno de um grande pátio 
rodeado por estátuas colossais do rei, hoje 
desaparecidas. As salas mostravam chãos 
pintados com cores vivas e cenas do mundo 
natural, bem como os principais inimigos do 
Egito, de tal forma que eram pisados por todos 
aqueles que visitavam o palácio, incluindo os 
embaixadores estrangeiros. 
Este edifício monumental estava ligado a um 
palacete (a Casa do Rei) através de uma ponte 
que atravessava o Caminho Real. Era a partir 
deste edifício menor que Akhenaton fazia os 
despachos e governava o país, em conjunto 
com os seus oficiais. Junto à Casa do Rei, foi 
construída a chamada “Mansão de Aton”, 
que, na realidade, era uma versão mais 
31
pequena do Grande Templo. É muito pro-
vável que a função deste templo fosse a de 
um lugar onde o faraó celebrava os rituais 
religiosos e as oferendas a Aton diante de um 
público escolhido. Uma vez que o eixo do 
templo estava alinhado com o túmulo real, 
julga-se que tenha sido desenhado como um 
templo funerário para o faraó.
Como nova capital do Egito, Akhet-Aton 
transformou-se na residência oficial dos 
mais altos funcionários do estado, os quais 
construíram grandes moradas compostas 
por um casarão de dois pisos, jardim, cozi-
nhas, capela, cavalariças, armazéns e casas 
mais modestas para os serviçais. Nos salões 
mais nobres do edifício principal, situados 
no piso térreo, sobreviveram restos de 
deco rações figurativas pintadas com muitas 
representações de vegetais e de animais, 
refle tindo a paisagem fértil do vale do Nilo. 
Um dos grandes artesãos do palácio, Tutmés, 
tinha a oficina na sua própria casa e, em 
1912, foi descoberto nela um grande número 
de peças de gesso e bustos da família real, 
incluindo o famosíssimo busto policromado 
da rainha Nefertiti que hoje se encontra em 
Berlim.
SEM SEPARAÇÕES POR CLASSES
A cidade não estava dividida socialmente, 
e mesmo as casas mais ricas podiam estar 
rodeadas de outras muito mais modestas. 
As moradas estavam organizadas em quar-
teirões com ruas mais ou menos largas, 
dispostas em paralelo ao Nilo.
A partir dos diferentes achados arqueoló-
gicos e das cenas que resistiram, é possível 
afirmar que a atual planície de Amarna era 
muito diferente da capital no seu pleno apo-
geu. Assim, os edifícios e as casas mais nobres 
estavam ornamentadas com inúmeras árvores 
que proporcionavam a necessária sombra aos 
seus residentes, e tinham os seus próprios 
poços de abastecimento de água. No entanto, 
havia poços espalhados por toda a cidade, 
destinados à população em geral. Este gene-
roso abastecimento de água não era comum 
nas cidades egípcias, pelo que, sem dúvida, 
Akhet-Aton oferecia maior bem-estar aos 
seus habitantes.
Akhet-Aton também dispunha de uma 
necrópole. A zona escolhida para o descanso 
eterno da família real encontrava-se num 
wadi principal, a cerca de onze quilómetros 
da cidade. Foi lá que se escavou um túmulo 
para Akhenaton e outros membros da sua 
família, embora conste que apenas uma das 
suas filhas, Meketaton, tenha sido ali enter-
rada, para além do rei. O facto de Akhenaton 
ter planeado ficar enterrado com outros 
membros da sua família no mesmo hipogeu 
era uma novidade, já que tanto antes como 
depois os faraós do Império Novo eram 
enter rados sozinhos, enquanto os seus fami-
liares mais próximos ficavam em túmulos 
individuais ou coletivos.
Alguns dos altos funcionários também pre-
pararam o seu túmulo em Amarna, concre-
tamente em duas áreas das falésias rochosas 
que compunham o anfiteatro que delimitava 
a cidade. Ambas as zonas estavam situadas a 
norte e a sul da entrada do wadi que conduzia 
à necrópole real. Atualmente, conhecem-se 
25 túmulos, alguns dos quais não chegaram 
a ser terminados.
Como nova capital do Egito, Akhet-Aton 
passou a ser residência de altos oficiais,
que construíram nela grandes moradas
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O Heb Sed
Erradamente conhecido também como 
“Festival do Jubileu”, o Heb Sed era na 
realidade um festival que os antigos reis 
do Egito celebravam (nesta época, por 
volta do 30.º ano de reinado), no qual o 
faraó, através de rituais, morria e renas-
cia magicamente para renovar os seus 
poderes cósmicos e a sua relação divina 
com os restantes deuses.
32
NOS BRAÇOS DE ATON
Durante a construção da nova capital, Akhe­
naton mandou eliminar, em todos os monu­
mentos, os nomes do deus Amon e da sua 
mulher, a deusa Mut. Este damnatio memoriae 
significou, sem dúvida, a imposição da 
 religião real sobre a tradicional. Estas ações, 
levadas a cabo muitas vezes por indivíduos 
que mal sabiam reconhecer os hieróglifos 
que compunham ambos os nomes, não pro­
vocaram confrontos violentos no país.
A nova fé situava Aton como o criador uni­
versal sem ter uma forma humana ou animal, 
o que o distinguia das crenças ancestrais. Era 
representado como um disco solar com raios 
que terminavam em forma de mãos. A sua 
universalidade implicava o seu reconheci­
mento por todos os países e povos.
Nesta nova ordem religiosa, o faraó desem­
penhava um papel primordial, já que era a 
única figura à qual havia que obedecer, pois 
era o mais amado de Aton. O faraó e a sua 
família nuclear (a Grande Esposa Real Nefer­
titi e as suas filhas) também tiveram um papel 
fundamental nas representações religiosas. 
Antes do período de Amarna, as represen­
tações públicas estavam centradas no faraó 
e nos deuses. Raramente apareciam outras 
personagens (as esposas principais eram as 
grandes exceções). Os príncipes e as princesas 
quase nunca eram representadosou sequer 
mencionados. 
No entanto, agora as novas temáticas artís­
ticas centravam­se na família real, e nelas as 
princesas apareciam ao lado dos seus proge­
nitores. Desenvolviam­se no âmbito privado, 
sempre beneficiadas pelo deus Aton. Estas 
novas composições têm um objetivo religioso 
evidente, de modo a identificar a família real 
com os conceitos sintetizados pelo deus Aton: 
criação, fertilidade, abundância e vida. Neste 
sentido, Akhenaton e Nefertiti encarnavam 
todos estes aspetos abençoados por Aton.
PRIMEIRO MONOTEÍSMO?
À parte o debate existente sobre se a religião 
de Aton foi ou não a primeira fé monoteísta, 
o que parece claro é que o principal benefi­
ciado foi o faraó, em quem se concentrava 
todo o poder por vontade divina. No entanto, 
o desenvolvimento desta fé não foi muito 
mais além do que as esferas relacionadas com ASC
 
Foi neste reinado que apareceram as primeiras 
representações das princesas, filhas do faraó
33
o palácio. No próprio sítio de Amarna, foram 
encontrados numerosos vestígios que provam 
que a população continuava a praticar a 
religião tradicional, como menções, em várias 
capelas domésticas, a diversos deuses, 
incluindo o proscrito Amon e divindades 
mais populares como Bes ou Taweret.
Durante as duas guerras mundiais, escre-
veu-se muito sobre o suposto pacifismo de 
Akhenaton na sua política externa, mas este 
pensamento não podia estar mais longe da 
realidade. Este rei não só mandou os seus 
exércitos para o exterior, como comprova 
a campanha na Núbia durante o seu 12.º ou 
13.º ano de reinado, como era habitualmente 
representado como um faraó triunfante. 
O principal problema externo que Akhenaton 
teve de enfrentar foi a inconstante situação 
que se vivia no Médio Oriente, pois o reino 
hitita tornou-se uma potência militar deter-
minante na região. 
No entanto, não há dúvida de que o Egito se 
manteve como ator principal no panorama 
internacional da zona, como mostram as 
representações do seu festival Sed, durante o 
qual era homenageado por todos os territórios 
sob a sua alçada, bem como pelos restantes 
grandes reinos.
FAMÍLIA REAL
Graças a um grande número de represen-
tações de Akhenaton e da sua família, foi 
possível reconstituir cronologicamente como 
ela foi aumentando. A Grande Esposa Real, 
Nefertiti, foi mãe de seis princesas: Meritaton, 
nascida durante o primeiro ou segundo ano de 
reinado; Meketaton, nascida no ano seguinte 
ao da sua irmã, faleceu por volta do 14.º ano 
de reinado; Ankesenpaaton, nascida no quarto 
ou quinto ano de reinado; Neferneferuaton-
Tasherit, nascida no sétimo ou oitavo ano 
de reinado e falecida nos últimos três anos 
do reinado; Neferneferure, nascida entre o 
oitavo e o décimo ano de reinado e falecida 
antes do final do reinado; Setepenre, nascida 
entre o 10.º e o 12.º do reinado e falecida 
pouco depois.
Assim, do 12.º ano até ao final do reinado 
de Akhenaton, morreram Meketaton, Nefer-
neferuaton-Tasherit, Neferneferure e Seten-
penre. Estas mortes podem estar relacionadas 
com a reduzida esperança de vida de todas 
as sociedades pré-industriais, mas também 
G
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A rainha Nefertiti beija uma filha, 
provavelmente Meritaton, neste
 baixo-relevo encontrado em Amarna 
e datado dos anos 1352 a 1336 a.C.
que o casamento tenha sido consumado e 
que o título não fosse meramente simbólico. 
No caso de Meketaton, a representação de 
uma menina no colo da princesa poderia ser 
a revelação do ka desta após a sua morte. 
Igualmente de difícil interpretação é o caso 
de Ankesenpaaton-Tasherit, filha da terceira 
filha.
Akhenaton teve igualmente mulheres se-
cundárias: entre elas, uma tal Kiya, cujo no-
me pode ter sido uma forma “egipcianizada” 
de Tadukhepa,princesa de Mitani, que fora 
mulher do pai de Akhenaton, Amenófis III. 
Embora haja poucas referências a Kiya, sabe-
com a peste que assolou boa parte do Médio 
Oriente naqueles anos, como mencionam 
várias fontes.
FILHAS, MÃES, NETOS
Há várias referências e representações de 
algumas das filhas de Akhenaton e Nefertiti, 
como Meritaton, Meketaton e Ankesenpaaton, 
que podem ter sido mães de outras tantas filhas 
do seu próprio pai, mas infelizmente estas 
informações carecem de confirmação.
O que se sabe é que Meritaton chegou a ser 
Grande Esposa Real durante os últimos três 
do reinado do seu pai, mas isso não indica 
Apesar da sua fama de pacifista, 
Akhenaton foi representado 
como um rei vitorioso.
3434
35
mos que foi a mãe de Tutankaton (mais tarde 
Tutankamon), nascido no oitavo ou nono ano 
do reinado do pai.
FINAL DO REINADO
A morte da princesa Meketaton no 14.º ano do 
reinado de Akhenaton pode ser considerada 
um ponto de inflexão. Um ano mais tarde, o 
faraó escolheu como corregente um desco­
nhecido, Semenkhkare, talvez um meio­ 
­irmão ou um filho de uma mulher secundária. 
A legitimidade ao trono, ganhou­a através de 
Meritaton, que se tornou a sua consorte.
Akhenaton morreu durante o 17.º ano do seu 
reinado, devido a causas desconhecidas, muito 
provavelmente antes dos 40 anos de idade. 
Foi enterrado no seu túmulo, próximo de 
Akhet­Aton, mas é possível que o seu corpo 
tenha sido trasladado pouco depois, talvez 
para Tebas. De facto, terá sido identificado 
com os restos encontrados no túmulo 55 do 
Vale dos Reis, embora isso não esteja cem por 
cento confirmado. A razão é que o seu túmulo 
original, no Vale Real de Amarna, foi atacado 
e o seu sarcófago destruído (hoje, pode ver­se 
reconstruído no Museu do Cairo).
GRAFITO ESCLARECEDOR
Em 2004, descobriu­se um grafito em Deir 
Abu Hinnis (Médio Egito) que ajudou a 
reconstruir o final do reinado de Akhenaton. 
Nesta inscrição, o faraó encontra­se ao lado 
de Nefertiti no 16.º ano do reinado, um dado 
que demonstra que a esposa principal con­
tinuava viva naquela época, facto que se 
desconhecia.
O que se sabia de Nefertiti não ia muito além 
da morte de Meketaton, e havia várias expli­
cações, algumas romanceadas, sobre o destino 
da rainha depois da morte da princesa. Além 
disso, esta inscrição permitiu determinar 
que Semenkhkare morreu pouco antes de 
Akhenaton e não lhe sucedeu, de tal forma 
que Akhenaton escolheu um desconhecido, 
Ankh(et)kheperure Nefereneferuaton, para o 
acompanhar na direção do estado. 
Segundo a egiptóloga belga Athena van der 
Perre, Ankh(et)kheperure Nefereneferuaton 
não é outra pessoa senão a própria Nefertiti, 
que teria sucedido ao seu marido e reinado 
durante três anos sozinha após a morte 
daquele. A partir desta reconstrução, uma das 
cartas descobertas em Amarna faz mais sentido: 
uma rainha solicita ao rei hitita Suppiluliuma 
que lhe envie um filho para, ao seu lado, ocupar 
o trono do Egito. Este príncipe foi assassinado 
antes de chegar à corte, o que terá possivel­
mente mudado o destino de Nefertiti à frente 
do Egito. Pouco depois, Tutankaton tornar­
se­ia o rei Tutankamon.
A.J.S
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Após a sua morte, 
Akhenaton 
foi praticamente 
apagado 
da história
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37
Genealogia 
do faraó-menino
Amenófis III
(1390–1353 a.C)
Avô de Tutankamon 
e pai de Akhenaton. 
Governou um reino imenso.
Tiye
Esposa principal 
de Amenófis III 
e mãe de Akhenaton.
Akhenaton
(1353–1336 a.C.)
Também conhecido como 
Amenófis IV. Promoveu 
a deus único o disco solar 
 e construiu uma nova 
 capital: Amarna.
Nefertiti
Grande Esposa Real de 
Akhenaton, deu à luz seis 
meninas. Kiya, princesa de 
Mitani e esposa secundária, 
foi, provavelmente, 
a mãe de Tutankamon.
Ankhesenamon
Terceira filha de 
Akhenaton e Nefertiti, 
meia-irmã de 
Tutankamon e sua mulher.
Tutankamon
(1332–1323 a.C.)
Também conhecido 
como Tutankaton.
No Antigo Egito, a tradição 
ditava que a Grande Esposa 
Real, que coexistia com outras 
mulheres e concubinas, 
tinha de ser de linhagem real, 
pois eram as princesas nascidas 
das esposas principais quem 
fazia a transmissão da realeza 
faraónica. A consanguinidade 
era muito comum.
O faraó-meninofoi o último des-cendente por linhagem sanguí-nea da poderosa XVIII Dinastia de reis do Antigo Egito, os tut-
méssidas, que governaram durante o período 
conhecido como Império Novo. A sua coroa-
ção ocorreu por volta de 1334 a.C., altura em 
que adotou o nome de reinado de Nebkhepe-
rure. Dado que subiu ao trono quando contava 
cerca de oito anos e viveu apenas até aos 19, 
o seu reinado foi breve. 
Reconstruir a sua existência continua a ser 
um desafio para os historiadores, a começar 
logo desde o seu nascimento. Tutankamon 
veio ao mundo entre o nono e o 12.º ano de 
reinado de Akhenaton. Era descendente de 
uma segunda esposa real, não da famosa 
rainha Nefertiti, com a qual, segundo parece, 
Akhenaton só teve filhas, o que explica o 
motivo pelo qual Tutankamon não aparece 
representado juntamente com o resto da 
família real em numerosas cenas em que os 
monarcas surgem ao lado das princesas. 
Na verdade, há várias teorias sobre a identi-
dade dos progenitores de Tutankamon, ainda 
que todas defendam que ele tinha sangue real. 
Durante décadas, a mais plausível argumen-
tava que ele era filho de Akhenaton e de Kiya, 
provavelmente a princesa mitânia Taduhepa, 
que se tornara esposa secundária do faraó e, 
provavelmente, morreu durante o parto. 
Por outro lado, um estudo forense que di-
vulgou os seus resultados em 2010 encon-
trou grandes coincidências genéticas entre 
Tutankamon e a múmia daquela que é 
conhe cida como “jovem senhora” e que, 
diz-se, terá sido sepultada juntamente com 
Akhenaton, embora não esteja comprovado. 
Consta que Akhenaton e a não identificada 
“jovem senhora” eram irmãos, ambos filhos 
de Amenófis III e da rainha Tiyi. 
Embora nenhuma das hipóteses seja con-
siderada definitiva (ainda está muito por 
demonstrar), pelo menos ambas explicam os 
elevados níveis de consanguinidade entre os 
pais de Tutankamon e que estarão por detrás 
da frágil saúde do jovem monarca. 
INFÂNCIA POUCO SAUDÁVEL 
Ao nascer, chamava-se Tutankaton, “imagem 
viva de Aton”, nome com o qual o seu pai 
honrou o disco solar durante o seu reinado. 
Desde pequeno que as suas deformações físicas 
eram facilmente visíveis. Diz-se que tinha 
lábio leporino e fenda palatina e que padecia 
de síndrome de Köhler no osso escafoide do 
pé e de uma debilid de palpável na restante 
estrutura óssea, que o fez sofrer durante toda 
a sua existência. De facto, parece que as ben-
galas como as que foram encontradas no seu 
túmulo foram companheiras contínuas ao 
longo da sua curta vida. 
O menino terá sido criado no berçário real, 
como as suas seis meias-irmãs e o seu meio-
-irmão mais velho e herdeiro do trono, 
Semenkhkare. Alguns investigadores argu-
mentam que Semenkhkare governou ao lado 
do pai durante os seus dois últimos anos de 
mandato, enquanto outros defendem que 
sobreviveu a Akhenaton e reinou sozinho 
durante um biénio. Seja como for, pode con-
firmar-se que, em princípio, Tutankamon 
nunca esperou reinar e nos seus primeiros 
anos de vida recebeu formação cortesã para 
ser príncipe. Depois da sua passagem pelo 
berçário real, o jovem continuaria a sua for-
mação no Kap, a escola da corte, com outros 
membros da família real, da nobreza e dos 
Quem foi 
Tutankamon?
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38
Estátua de pedra 
de Tutankamon, 
no estilo monumental 
típico do Egito.
39
príncipes convidados de outros territórios 
sob a influência egípcia, incluindo os her-
deiros da oligarquia núbia. 
Podemos imaginar o nosso príncipe a apren-
der a ler aos quatro anos, reconhecendo e 
pronunciando os muitos hieróglifos egípcios 
que faziam parte de um idioma formado ao 
longo de várias centenas de anos. Dominada 
a gramática, também teve de assistir a lições 
de aritmética e aprendeu a prática da retórica 
necessária para o exercício político, e até 
mesmo a reconhecer os caracteres asiáticos 
de civilizações com as quais o Egito manti nha 
relações comerciais e políticas. Além disso, 
ainda em menino, descobriu a escrita sobre 
o caro e exclusivo papiro usado na docu-
mentação oficial, bem como em óstracos, 
quadros de pedra calcária ou terracota, mais 
baratos e acessíveis e utilizados na escrita 
convencional. 
EDUCAÇÃO DE ELITE 
Esta preparação completava-se com exer-
cícios físicos, com momentos dedicados à 
natação e à luta corpo-a-corpo. Como nos 
mostram os relevos e as pinturas de cenas 
de caça, o aluno também se exercitava no 
tiro com arco, uma prática muito apreciada 
pelos reis da XVIII Dinastia. Não sabemos se 
a saúde frágil de Tutankamon lhe permitiu 
realizar por completo todas estas atividades, 
mas de alguma forma deve ter participado 
em práticas deste tipo. Algumas vezes mon-
taria a cavalo sobre os exemplares oferecidos 
aos seus pais por soberanos asiáticos, embora 
este fosse um costume pouco comum entre 
 O príncipe foi criado como tal, mas 
não estava destinado ao trono, que cabia 
por direito ao seu meio-irmão mais velho
Ruínas do pórtico 
do templo 
de Hermópolis, 
atual Ashmunein 
(gravura de 1817). 
40
os egípcios, mais habituados ao uso do carro. 
O seu destino tranquilo como membro do 
família real, sem a responsabilidade política 
agregada ao líder de toda a sociedade egípcia, 
mudou com a morte do seu meio-irmão. Foi 
então que Tutankamon se tornou herdeiro 
e soberano do país, colocando sobre a sua 
cabeça as coroas do Alto e do Baixo Egito. 
A partir desse momento, provavelmente 
mani pulado por interesses cortesãos mediados 
pelos sacerdotes de Amon, que viram nele 
uma oportunidade para recuperarem o seu 
poder, protagonizou a primeira reversão 
do período extraordinário amarniense e o 
regresso à ordem secular egípcia. 
MUDANÇA ESTRATÉGICA
Para promover a sua legitimidade ao trono, 
o ainda Tutank aton tinha casado com a sua 
meia-irmã Ankhesepaaton, filha de Akhena-
ton e de Nefertiti, o que contribuiu para que 
aquele enlace tivesse uma completa ascen-
dência real. Além disso, no segundo ano do 
Busto da rainha Nefertiti, 
conservado no Museu Egípcio 
de Berlim, que tem sido 
a fonte da sua lendária beleza.
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S
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41
seu reinado, os reis mudaram os seus nomes 
de nascimento. Assim, Tutankaton tornou-se 
Tutank amon, “imagem viva de Amon”, e 
a sua mulher passou a chamar-se Ankhe-
senamon. Isto pode parecer meramente 
simbó lico, mas, para os egípcios, o rei era 
a reencarnação do deus Hórus, filho de Ísis 
e de Osíris, pelo que qualquer mudança de 
nomenclatura implicava também uma modi-
ficação das crenças de todo o país. Com esta 
estratégia, a administração de Tutankamon 
estava simplesmente a reativar o culto milenar 
egípcio para se apoiar na tradição. 
No seu governo, Tutankamon foi acompa-
nhado pelo antigo servidor da corte amar-
niense, Ay, seu sucessor no trono. Ao seu 
lado, esteve também o general Horem heb 
(é possível que seja o oficial mencionado no 
reinado de Akhenaton chamado Remheb) 
que reinou depois de Ay, terminando assim 
a XVIII Dinastia e dando lugar à XIX Dinastia, 
a dos raméssidas. 
Horemheb tinha iniciado a sua carreira 
durante o novo reinado e foi o porta-voz do 
rei em matéria de política externa, com des-
tacadas ações na Núbia e na Palestina. Por seu 
lado, Ay é referido em algumas inscrições do 
reinado de Akhenaton como “o pai divino”, 
marido da ama-de-leite de Nefertiti, embora 
algumas interpretações considerem que ele 
era o pai da rainha. Isto explicaria a sua posição 
como intendente do cavalo real, tenente- 
-general do carro do faraó e seu escriba 
pessoal, além de detentor do privilégio de 
abaná-lo com o leque. Com todos estes cargos, 
que lhe permitiram ter a máxima proximi-
dade à realeza, nos primeiros anos do novo 
reinado gozou de grande influência política, 
Pormenor de um batalha contra núbios, pintada no túmulo de Tutankamon, por volta 
de 350 a.C. Os carros egípcios foram projetados para serem uma força de ataque rápido, 
com uma estrutura de madeira muito leve e partes de lona ou couro. No lado esquerdo, 
veem-se osinimigos núbios mortos em combate, espezinhados pelo carro do faraó. 
Ao centro, Tutankamon lança flechas sobre os inimigos. No lado direito, 
estão representados a comitiva e os guerreiros que acompanhavam o faraó.
42
através da qual liderou as mudanças que 
restituíram a primazia do culto a Amon e 
tiraram o faraó de Amarna. 
REINADO CURTO E MENOR 
A espetacular descoberta do túmulo de 
Tutankamon tornou-o um ícone do mundo 
egípcio, mas o seu reinado foi certamente 
de pouca importância comparado com os 
grandes reis da XVIII Dinastia. Entre outras 
questões, apesar das tentativas da adminis-
tração de Tutankamon para acabar com as 
práticas corruptas do período anterior, a 
sua morte precoce tornaria quase impossível 
completar a tarefa, de modo que a venali-
dade e a arbitrariedade do serviço público e 
do sacerdócio egípcio só seriam seriamente 
extirpadas no governo de Horemheb. Ainda 
assim, há que assinalar conquistas impor-
tantes, como o fim do isolamento provocado 
pelo regresso da chancelaria real à inter-
venção ativa na política externa, descuidada 
durante o reinado de Akhenaton ao ponto 
de se perder toda a influência alcançada nos 
tempos de Amenófis III. 
Para romper com o período anterior, 
Tutankamon abandonou Amarna (Akhet- 
-Aton, “o Horizonte do Disco Solar”), fundada 
Tutankamon foi acompanhado 
pelo servidor da corte amarniense Ay, 
seu sucessor no trono, e pelo general 
Horemheb, que reinou depois de Ay, 
encerrando a XVIII Dinastia 
e dando lugar à XIX, a dos raméssidas
43
44
A
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E Parte do conjunto 
monumental 
do Templo de 
Amon-Rá em Luxor.
A
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44
por Akhenaton. Após a morte deste, o ainda 
Tutank aton viveu durante algum tempo 
no bairro norte de Amarna, mas trocou a 
capital do seu pai por Mênfis e pelo palácio 
de Malkata, transformado em residência 
temporária durante as suas estadas em Tebas. 
Além disso, para tornar o regresso ao estado 
anterior mais forte, ordenou que lhe cons-
truíssem um túmulo perto do do seu avô, 
Amenófis III. 
TEMPO DE RECONSTRUIR
Face ao período de destruição que implicou o 
devaneio amarniense do seu pai, o tempo de 
Tutankamon foi de tentativa de reconstrução. 
As intervenções arquitetónicas levadas 
a cabo em seu nome são em maior número do 
que se tinha pensado até agora, já que, depois 
do seu breve reinado, os seus sucessores 
usurparam muitas das suas iniciativas, des-
virtuando a sua memória. Como restaurou o 
culto de vários deuses egípcios, privilegiando 
Amon, as esculturas representavam um faraó 
de regresso ao Templo de Karnak, santuário 
tebano de Amon. Por exemplo, Tutankamon 
ao lado daquele deus e da sua mulher, a deusa 
Mut. Há outros exemplos, como o de uma 
estátua colossal de Amon esculpida em Karnak 
com o rosto do nosso protagonista. 
Assim, com ele não só terminou o período 
monoteísta do reinado de Akhenaton como 
criou o seu próprio, com traços estilísticos 
de arte figurativa oficial. Se no reinado do 
seu pai a aposta recaiu em formas curvas e 
sensuais inéditas na representação de figuras 
humanas, com um grande número de cenas 
familiares da monarquia surpreendentemente 
íntimas, nas quais as personagens apresen-
tavam deformações físicas curiosas (alonga-
mento do crânio ou grandes abdómenes), no 
reinado de Tutankamon regressa-se a uma 
representação rígida do poder hierático. 
São dadas poucas concessões ao naturalismo 
e ao retrato, e os faraós são representados 
como seres que não pertencem a este mundo. 
Além disso, a conclusão da Colunata Pro-
cessional de Amenófis III, em Luxor, com a 
inclusão da sua efígie na porta da parede 
norte, é igualmente uma declaração explícita 
da vontade de se sobrepor ao reinado do pai e 
de retomar a imagem dinástica do avô através 
das artes plásticas. 
A descendência que não chegou
Tutankamon e Ankhese-
namon não tiveram filhos. 
Assim, extinguiu-se com eles 
a linhagem sanguínea da 
dinastia iniciada com o rei 
Amósis I. O casal real ainda 
esperou um herdeiro (na 
realidade, seriam duas gé-
meas), mas Ankhesenamon 
sofreu um aborto espontâ-
neo que deitou por terra os 
seus desejos. Esta teoria 
apoia-se no achado de fetos 
mumificados junto dos restos 
mortais do faraó que corres-
pondiam a duas meninas (a 
diferença de tamanho não 
impediu que os egiptólogos 
os considerassem fruto de 
uma gravidez única). Atual-
mente, está a ser procurado 
o túmulo de Ankhesenamon 
no Vale dos Reis, perto do de 
Ay, com quem Ankhesena-
mon casou após a morte de 
Tutankamon. A sua possível 
descoberta foi anunciada 
pelo egiptólogo Zahi Hawass 
em 2018, depois de detetar, 
numa escavação, restos 
de cerâmicas, alimentos e 
ferramentas compatíveis com 
a proximidade de um enterro 
real. Com a ajuda de radares, 
a expedição encontrou uma 
anomalia no subsolo que 
pode corresponder à entrada 
da sepultura.
A
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E
 
Tutankamon sentado com a mulher, Ankhesenamon, num 
suporte de madeira dourada da antecâmara do seu túmulo.
Sabemos que 
sofreu de inúmeras 
enfermidades, 
pelo que deverá ter 
usado bengalas 
desde muito cedo
45
O MISTÉRIO DA SUA MORTE 
De qualquer forma, embora na Estela de Res-
tauração de Cultos se descreva o estado mise-
rável em que o país se encontrava devido aos 
erros de Akhenaton, é importante destacar 
que Tutankamon respeitou a memória do 
pai, que só mais tarde foi considerado um 
inimigo do país. Podemos afirmá-lo porque a 
múmia de Akhenaton só foi ultrajada algumas 
décadas após a sua morte, momento em que 
a sua memória começou oficialmente a ser 
denegrida. Na verdade, a transição política de 
pai para filho foi pacífica, até porque ambos 
os reinados foram considerados, no seu tempo, 
como parte da revolução amarniense, tal como 
o de Ay, sucessor de Tutankamon. Pode, 
pois, concluir-se que a mudança foi mais 
gradual do que inicialmente se pensava. 
A
LA
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Uma dinastia a querer 
transcender-se
Quando Tutankamon morreu, a rainha Ankhe-
senamon fez uma tentativa desesperada de 
impedir o fim da sua linhagem. Com esse obje-
tivo, endereçou uma carta ao rei dos hititas, 
Suppiluliuma, a solicitar o envio de um dos 
seus filhos para o Egito de modo a casar com 
ele e torná-lo faraó. Nela, a rainha confessava, 
inclusivamente, o horror que sentia face à ideia 
de poder vir a unir-se a um servidor da corte 
para evitar a perda de poder. Suppiluliuma 
demorou a convencer-se da veracidade desta 
oferta e só enviou o seu filho Zennanza depois 
de receber a confirmação de um embaixador 
que tinha passado pela corte tebana. No en-
tanto, todos os seus receios estavam certos, 
porque o príncipe foi assassinado durante 
a viagem, outra morte que se junta às acu-
sações por assassínio formuladas contra Ay. 
Alguns investigadores apontam, contudo, que 
a responsável por esta proposta ao rei hitita 
tenha sido Nefertiti, para, à morte de Akhena-
ton, ter hipótese de reinar. Daqui surgiu a ideia 
de que Semenkhkare nunca existiu e que, na 
verdade, foi o nome que Nefertiti adotou para, 
travestida de homem, aceder ao trono após a 
morte do marido.
A colunata do Templo 
de Karnak é um dos 
monumentos que 
mais informação 
oferecem 
sobre a época.
Escultura de pedra, 
provavelmente hitita, 
do rei Suppiluliuma, 
com mais de 3000 
anos de antiguidade. 
46
A morte repentina de Tutankamon deu lugar 
a várias suposições sobre as possíveis causas. 
Alguns investigadores apostaram num 
assassínio, uma vez que a múmia apresentava 
um buraco no crânio, tendo sido interpretado 
como o resultado de um golpe com um 
objeto contundente. Nos últimos anos, tam-
bém tem ganhado força a suspeita de um 
acidente de carro, que pode ter sido provocado 
ou não. 
O certo é que a rapidez com que o seu 
túmulo foi arranjado indica que não era uma 
morte esperada, talvez determinada por 
algum usurpador de poder. Além disso, as 
pinturas da sua sepultura, que parece ter sido 
um reaproveitamento de outra, foram reali-
zadas à pressa e os objetos não eram os mais 
adequados ao enterro deum rei. 
A pergunta que continua no ar é se não terá 
sido Ay o causador da sua morte, a fim de aceder 
à coroa e ao poder absoluto do Egito, se foi um 
acidente de caça ou outro ou se, pelo contrário, 
o jovem faraó Tutankamon morreu em resultado 
das suas inúmeras doenças.
S.R.R.
A
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A colunata de Luxor mostra 
a vontade de Tutankamon de colocar 
um ponto final na deriva religiosa do pai
47
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48
Os reis egípcios não tinham um, mas cinco nomes, que os definiam como o único soberano do país do Nilo e confirmavam a sua dupla 
natureza entre a humana e a divina. Entre 
os mais importantes, vale a pena destacar o 
nome de coroação (prenomen) e o nome de 
nascimento (nomen). Ambos são facilmente 
distinguíveis porque eram escritos dentro do 
cartucho, termo dado ao círculo protetor que 
emoldurava os nomes reais, pela sua seme-
lhança com as munições usadas pelos solda-
dos franceses durante as campanhas militares 
de Napoleão no final do século XVIII. 
O nomen era o que recebia especial atenção 
da parte dos reis egípcios e aquele que estava 
intimamente relacionado com as mudanças 
e a situação política do país. O paradigma 
deste facto está em Tutankamon, que teria 
inicialmente nascido com outro nome. 
Tanto ele como a sua irmã Ankhesenamon 
receberam um “nome de nascimento” que 
homenageava claramente Aton, um aspeto 
menor do deus Rá transformado em divin-
dade única quando o seu antecessor, o rei 
Akhenaton (Amenófis IV), decidiu instau-
rar a sua ideia de religião monoteísta no 
Egito. 
REGRESSO À ORDEM TRADICIONAL 
Assim, o nome de ambos era na verdade 
Tutankaton e Ankhesenpaaton. Uma vez 
restabelecida a ordem, foi aplicada uma 
damnatio memoriae que também envolvia a 
transferência da residência e da necrópole 
real para Tebas, antiga capital do país, a 
recuperação dos cânones artísticos tradi-
cionais e o regresso a uma religião politeísta, 
a qual privilegiava o deus Amon, divindade 
que, aos poucos, tinha alcançado um lugar 
relevante no panteão egípcio. 
Este claro desejo de rutura com o estado 
anterior, que se tinha totalmente oposto à 
ideia cosmogónica tradicional do Egito, foi 
materializado pelo próprio rei através de 
uma mudança de nome: agora honrava 
Amon, e o Egito seguia, mais uma vez, a 
ordem natural das coisas.
M.L.G.G.T
A importância 
de um nome
“Oh, seja outro nome! o que há num nome? 
Aquilo a que chamamos rosa 
com qualquer outro nome 
teria o mesmo doce aroma.”
William Shakespeare
(“Romeu e Julieta”)
49
A
G
E
Após a restauração da ordem
Após a restauração da ordem
Nome de nascimento original
Nome de nascimento original
 = Tutankaton
“A viva imagem de Aton”
 =Tutankamon 
“A viva imagem de Amon, 
governador de Tebas”
 =Ankhesenamon
“Ela vive para Amon”
 = Ankhesenpaaton
“Ela vive para Aton”
50
Tutankamon
Ankhesenamon
51
Otúmulo de Tutankamon continha um dote funerário composto por 5398 objetos, entre os quais vários pertences pessoais e íntimos, que 
nos dão uma imagem mais humana e próxima 
do faraó.Foram encontrados cerca de 40 baús 
de madeira que continham joias, roupas e 
outros utensílios pessoais. A coleção de tecidos, 
ainda muito pouco estudada, é considerada a 
mais importante da arqueologia egípcia. Entre 
as diferentes peças, estão as cuecas do faraó, 
a primeira roupa interior historicamente 
documentada. É uma espécie de fralda de linho, 
de forma triangular, que se colocava por baixo 
da túnica. 
Há também mais de 40 pares de sandálias, de 
vários tamanhos. Algumas foram claramente 
usadas pelo monarca, devido às marcas de 
desgaste que apresentam; outras são novas, 
para estrear no Além. Algumas das sandálias 
eram feitas com papiro e junco, enquanto 
outras eram de couro e lâminas de ouro, bor-
dadas com contas. Entre todas, destacam-se 
as sandálias em que, na base, podemos ver 
representados os seus inimigos, núbios de 
pele escura e asiáticos de barba pontiaguda, 
amarrados, simbolizando os adversários do 
rei, esmagados a cada passo sob os seus pés e 
a sua força divina.
PROBLEMAS DE SAÚDE
Dos estudos clínicos que foram sendo 
realizados ao longo do tempo à múmia 
do jovem faraó, sabemos que, entre os vários 
problemas de saúde que o seu corpo de 19 
anos apresentava, estava um pé de equino-
varo, ou pé torto (o esquerdo). Trata-se de 
uma deformação congénita que lhe deverá 
ter causado grandes dificuldades em andar 
ou manter-se de pé, pelo que necessitava de 
calçado adaptado e de bengalas, das quais 
foram encontradas 130 exemplares de vários 
tamanhos e materiais.
Entre as diferentes sandálias, Carter também 
encontrou algumas que apresentavam 
uma estrutura curiosa que garantia melhor 
aderência do pé esquerdo quando pousado 
no chão. Tutankamon terá tido, sem dúvida, 
o que podemos considerar o primeiro sapato 
ortopédico da história.
Todos estes objetos pessoais do monarca 
revelam uma imagem invulgar: a de uma 
criança frágil, incapacitada, com sapatos 
adaptados e que precisava de bengalas para 
poder manter-se de pé, o que deve ter sido 
muito difícil para um dos faraós mais conhe-
cidos da história do Egito.
V.B.T
Objetos 
pessoais
52
As peças dão 
muita informação 
sobre a vida de 
Tutankamon
No túmulo, havia 
mais de 40 pares 
de sandálias, todas 
muito ornamentadas, 
em cuja base se 
podem observar 
representações 
dos seus inimigos. 
Algumas estavam 
adaptadas ao seu 
problema dos pés.
O cabo de uma 
das bengalas 
do faraó que 
o ajudavam 
a manter-se de pé 
representa 
dois dos seus 
escravos ou 
prisioneiros.
Este frasco 
cosmético continha 
uma mistura de 
gorduras vegetais 
e animais. 
O leão representa 
Tutankamon 
por cima dos 
seus inimigos 
tradicionais, da 
Núbia e da Ásia.
O trono real de 
Tutankamon é feito 
de madeira, folha 
de ouro, prata, 
gemas de vidro 
e pedras preciosas. 
A sua elaboração 
é de uma 
complexidade 
extraordinária.
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53
Após sete anos a escavar no Vale dos Reis, a longa e até então infrutífera expedição de Howard Carter estava prestes a fazer perder a paciência 
ao seu mecenas, lord Carnarvon. Porém, o 
milagre aconteceu, e aquela associação de 
talento e dinheiro que começara em 1908 deu 
frutos em 4 de novembro de 1922, quando 
o arqueólogo inglês descobriu o túmulo de 
Tutankamon, o mausoléu faraónico mais 
bem preservado e intacto jamais encontrado. 
O achado viria a desencadear a febre da egip-
tologia no início do século XX e fez correr rios 
de tinta. Por essas águas da imprensa, navegou 
também a notícia sensacionalista de que o 
túmulo carregava uma terrível maldição que 
se abateria sobre quem ousasse profaná-lo. 
Sobre o achado, Carter ficou com todas as 
honras, mas a verdade é que o túmulo foi des-
coberto por um rapaz de dez anos, chamado 
Hussein. Aguadeiro oficial da missão, foi ele 
que, naquele dia, ao escavar com as mãos a 
areia para acomodar os seus potes de barro, 
encontrou acidentalmente o primeiro 
degrau de uma escada esculpida na pedra, 
quatro metros abaixo da entrada do túmulo de 
Ram sés VI. Quando isto aconteceu, o teimoso e 
solitário Carter tinha 47 anos e andava há 30 
à procura de algo assim nas areias do Egito, 
mas sem sucesso. 
Retirada a areia da escada, esta conduzia a uma 
porta decorada e trancada. Carter introduziu 
uma lanterna elétrica por um pequeno buraco 
e avistou uma passagem. “Precisei de auto-
controlo para evitar derrubar a porta”, disse. 
Carter ordenou que o achado fosse coberto e 
guardado, enquanto atravessava o Nilo para 
enviar um telegrama a Carnarvon, que chegou 
à cidade no final daquele mês. Em 16 de feve-
reiro de 1923, a câmara funerária foi aberta, 
na presença do próprio Carter, de Carnarvon, 
de Arthur Callender, amigo de Carter e antigo 
funcionário egípcio, de lady Evelyn Herbert, 
filha de Carnarvon, do químico Alfred Lucas 
e do fotógrafo Harry Burton. 
As portas exteriores das câmaras tinham sido 
abertas e saqueadas duas vezes na Antiguidade, 
mas as da terceira, coberta de ouro, que 
continha o sarcófago

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