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EDICIÓN 
COLECCIONISTA
TUTANKAMON
TU
TA
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O
N
N
.º 1
EDIÇÃO 
BIBLIOTECA
LENDA
Vida, morte
e maldição
ÉPOCA
O dia-a-dia na 
corte do faraó
TESOUROS
As últimas
descobertas
EGIPTOLOGIA
O que falta
descobrir
INTERESSANTE HISTÓRIA
“Possa o teu espírito viver 
e durar milhões de anos, 
tu que amas Tebas, sentado 
com a cara ao vento norte, 
os olhos cheios de felicidade”
INSCRIÇÃO NUMA TAÇA DE ALABASTRO 
DO TÚMULO DE TUTANKAMON
3
ALBUM
V oltar a casa. Era o que pediam Ísis e Neftis nesta antiga litania (papiro Berlim 3008) ao seu irmão, o deus Osíris. Voltar a casa depois da sua morte. Melhor, apesar da sua morte, porque no Antigo Egito a morte não era 
o fim da vida. Com esta nova série de especiais SUPER História, 
também desejamos voltar a casa, a uma conceção da história rica 
em conhecimento e aventura. Desejamos ler, com os olhos curiosos 
e atrevidos da infância, essas histórias passadas que nos tornaram 
quem somos. Histórias escritas pelos melhores especialistas 
em cada matéria, capazes de contagiar-nos com o seu entusiasmo, 
de partilhar erudição sem falar de cátedra. Textos, seguindo Walter 
Benjamin, sempre contra o pêlo, para não ficarmos com uma 
única visão das coisas, para continuarmos a interrogar-nos. 
Começamos com o faraó menino, Tutankamon. Se Carter disse 
“não tenho vergonha de confessar que, ao vê-lo, fiquei com um nó 
na garganta”, também não nos custa afirmar que nos emocionámos 
mais de uma vez com estas páginas. O saber é uma paixão. 
C.S.
“Ó, bom rei, volta à tua casa! 
Apazigua o teu coração, não há qualquer dos teus inimigos!
Junto a ti, as tuas duas irmãs protegem 
o teu féretro, chamam-te em pranto!
Regressa ao teu féretro!
Observa as mulheres, fala-nos!
Rei, nosso senhor, afasta todas as penas dos nossos corações!”
4
Conteúdos
26
O REBELDE DE AMARNA 
Akhenaton, pai e antecessor de Tutankamon, 
rompe com a ordem religiosa. 
10
EGITO ETERNO 
De onde vem a paixão 
pelo país do Nilo?
38
QUEM FOI TUTANKAMON?
Como era o seu dia-a-dia? Que educação 
recebeu? Últimas descobertas.
48
A IMPORTÂNCIA DE UM NOME
Para assinalar o regresso à ordem tradicional, 
o faraó mudou de nome.
54
A LENDA DA MALDIÇÃO
As estranhas mortes que rodearam 
a descoberta cobriram-na de mistério.
58
A ÉPOCA DA XVIII DINASTIA
Como se vivia naquela altura? 
O que se passava no Egito?
18
HOWARD CARTER
Quem era este 
arqueólogo sem 
formação que conseguiu 
transformar a sua 
paixão em realidade?
5
162
TESOUROS FASCINANTES 
Descobriram-se mais de 5000 
objetos, alguns dos quais 
raramente são referidos.
82
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TÚMULOS INTACTOS 
Uma recapitulação das descobertas 
mais significativas.
68
COMO VIVIAM AS MULHERES? 
O que sabemos sobre elas, a partir 
dos escritos nos túmulos e outros textos. 
88
MORTE E VIAGEM AO INFRAMUNDO
As crenças sobre o Além foram mudando 
ao longo da história do Egito. 
100
O VALE DOS REIS 
A última morada dos faraós tutméssidas, 
na margem oriental do Nilo. 
124
TÚMULO MISTERIOSO
O que continha e o que revelou esta extraordinária 
descoberta que continua a surpreender-nos.
O LIVRO DOS MORTOS
Datado do Segundo Período 
Intermédio, descreve como 
sobreviver no Além.
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Cronologia 
de uma civilização
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3800 a.C.
Na Mesopotâmia, consolida-se 
a cidade suméria de Uruk. Os seus dirigentes 
e habitantes inventam a burocracia, 
a contabilidade e o comércio externo.
3500 a.C.
A desertifi cação das terras interiores 
do Alto Egito obriga os seus reis a mudar-se 
para as margens do Nilo. Cultivam os campos 
e estabelecem as primeiras cidades.
2950 a.C.
O rei Narmer unifi ca o Egito, um facto 
decisivo: é o primeiro estado-nação do mundo.
2500 a.C. 
Inicia-se a construção das grandes pirâmides 
de Gizé: as de Kéops, Kefrén e Miquerinos.
2080 a.C.
Grandes turbulências sociais e políticas 
desembocam numa guerra civil 
que divide o Egito.
2000 a.C.
O faraó Mentuhotep II reunifi ca 
as Duas Terras. Começa o Império Médio.
1800 a.C.
Os hicsos, procedentes dos atuais Líbano e 
Síria, conquistam Mênfi s. Introduzem o cavalo 
e o carro de guerra. Começa a XV Dinastia.
1792 a.C.
O rei Hammurabi dá início ao império 
babilónico, na Mesopotâmia.
No fi nal do reinado, ordena a execução 
do código legal conhecido pelo seu nome.
A coroa do faraó 
representa a união 
das Duas Terras.
1600 a.C. 
A civilização minoica de Creta atinge 
o apogeu. Surge a cultura micénica, 
no Mediterrâneo ocidental.
1539 a.C.
O faraó tebano Amósis I 
liberta o Egito dos hicsos 
e trava uma invasão núbia.
1490 a.C.
A rainha Hatshepsut governa 
as Duas Terras durante mais de 20 anos. 
Sucede-lhe o afi lhado, Tutmés III.
1353 a.C.
Akhenaton revoluciona o Egito
ao impor o culto a Aton, o disco solar. 
Será o pai de Tutankamon.
1278 a.C.
Ramsés II conquista a Líbia, chega a um 
acordo de paz com os hititas e reforça 
o papel do Egito como potência imperial. 
No seu longo reinado, são construídos 
vários grandes templos.
1250 a.C.
Moisés e os hebreus abandonam o Egito
a caminho da Palestina, a Terra Prometida. 
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Palácio minoico 
de Cnossos 
(Creta).
Akhenaton presta 
tributo ao disco solar.
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Péricles num quadro do século XIX.
750 a.C. 
Fundação da cidade de Roma, 
na península Itálica.
747 a.C.
Os núbios assumem o poder 
no Egito, liderados por Piye, caudilho 
de Kush. É a época dos faraós negros.
680 a.C.
O rei assírio Ashardon 
invade o Egito e arrasa Mênfis.
587 a.C.
Os exércitos babilónios capturam Jerusalém, 
o que provoca o exílio dos hebreus.
1100 a.C.
Na sua expansão comercial 
pelo Mediterrâneo, os fenícios fundam 
Gades (atual Cádis, Espanha) e Útica 
(perto da futura Cartago, na atual Tunísia).
945 a.C.
Os líbios chegam ao poder no Egito com 
o rei Sheshonq I, que submete os tebanos.
814 a.C. 
Fundação de Cartago, cujos habitantes 
se expandirão pouco a pouco 
pelo Mediterrâneo ocidental.
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Ruínas 
de Cartago 
(Tunes).
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525 a.C.
Os exércitos persas conquistam o Egito 
e revitalizam o comércio 
e a economia do vale do Nilo.
462–429 a.C. 
A era de Péricles, em Atenas, 
é o momento de maior esplendor 
cultural da Grécia clássica.
336 a.C.
Alexandre, o Grande, conquista 
extensos territórios. Funda a cidade 
de Alexandria, no Egito, e chega ao Indo.
305 a.C.
Após a morte de Alexandre, 
os generais macedónios repartem entre si 
o império. Ptolomeu fica com o Egito. 
58–44 a.C.
Júlio César conquista as Gálias, 
reforça o poder de Roma e invade 
o Egito, onde manterá uma relação 
sentimental com a rainha Cleópatra VII.
27 a.C. 
Após a morte de Marco António 
e Cleópatra, Otávio assegura o poder 
no Egito e em Roma. Passará à 
história como Augusto, o primeiro 
imperador romano.
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Estátua de Augusto 
(Prima Porta, Roma).
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egitoeete rnte rnte rnete rneete rne
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te rnte rnte rnoote rnote rnte rnote rn
Foi na sequência da campanha napoleónica 
no Egito (aqui, a batalha das Pirâmides, em 21 
de julho de 1798, num óleo de Louis-François 
Lejeune) que despertou o fascínio pela 
milenária civilização do Nilo na velha Europa.
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O linguista 
e historiador 
Jean-François 
Champollion 
e a Pedra 
de Rosetta.
Compilação essencial
Àdireita, capa da edição original francesa da Descrição do Egito, 
um colossal compêndio em 21 volumes que narra todas as descobertas 
da primeira grande missão arqueológica interdisciplinar no país do Nilo. 
Esta obra foi a origem da egiptomania na sociedade europeia 
na primeira metade do século XIX. 
No que toca a civilizações antigas, é possível que hoje saibamos mais sobre a egípcia do que sobre qual-quer outra, e há um par de boas 
razões para isso. Por um lado, estamos a falar 
da mais duradoura e refinada das culturas 
que o mundo conheceu, com cerca de quatro 
milénios de história, o dobro do vigente cris-
tianismo. Por outro, referimo-nos ao setor 
mais ativo e dinâmico do nosso interessepelo 
passado: a egiptologia.
Pode dizer-se que a arqueologia atual nasceu 
no Egito e que o seu primeiro impulsionador 
foi Napoleão Bonaparte. As pirâmides de Gizé 
sempre lá estiveram, como objeto de admira-
ção para o mundo, mas, até ao século XIX, o 
Ocidente olhava o velho universo faraónico 
de longe. Em 1798, a expedição militar de 
Napo leão ao Nilo para interromper a comu-
nicação do Império Britânico com as suas 
possessões orientais integrava uma comitiva 
de 170 naturalistas, filólogos, historiadores, 
topógrafos e artistas que levou a cabo, durante 
quase três anos, a primeira grande missão 
arqueológica interdisciplinar realizada no 
mundo. 
Os seus resultados foram recolhidos nos 21 
volumes da monumental Description de 
l’Égypte, uma das publicações mais impor-
tantes da história. A obra, muito cuidadosa e 
exuberante, pesava um total de meia tonelada 
e lançou as buscas apaixonadas das missões 
francesas, inglesas, alemãs e italianas no Vale 
dos Reis que teriam lugar nos dois séculos 
seguintes. 
Porém, o que mais se destacou de todo aquele 
esforço extraordinário acabou por ser fruto 
do acaso. Um tenente francês chamado Bou-
chard ter-se-á apercebido de inscrições 
numa das pedras que os seus soldados estavam 
a remover durante as operações de fortificação 
na cidade de Rosetta, localizada 50 quilómetros 
a leste de Alexandria. Ao observá-la com mais 
atenção, reparou que os sinais estavam agru-
pados em três blocos distintos, como se fossem 
três alfabetos diferentes. 
Tratava-se de um edital faraónico escrito em 
hieróglifos, demótico e grego durante a era 
ptolemaica. Esse monólito seria a porta pela 
qual se entraria no conhecimento da escrita 
hieroglífica 23 anos depois, quando o linguista 
Jean-François Champollion (1790–1832) 
conseguiu terminar a decifração da pedra de 
Rosetta, o que significava resolver, em grande 
parte, o problema. De repente, os grandes pai-
néis cheios de sinais hieroglíficos que cobriam 
as paredes dos templos e túmulos faraóni-
parte, o problema. De repente, os grandes pai-parte, o problema. De repente, os grandes pai-
néis cheios de sinais hieroglíficos que cobriam néis cheios de sinais hieroglíficos que cobriam 
as paredes dos templos e túmulos faraóni-as paredes dos templos e túmulos faraóni-
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O prussiano Karl 
Richard Lepsius 
foi um destacado 
arqueólogo, 
mas destruiu 
materiais 
e “ofereceu” 
ao Museu de 
Berlim uns 15 mil 
objetos. Nesta 
litografia colorida 
que ilustra um 
dos seus livros, 
vemos o interior 
do Templo de 
Philae, chamado 
“Pérola do Nilo” 
e consagrado 
à deusa Ísis.
Napoleão foi ao país do Nilo 
para cortar as comunicações entre 
Londres e as suas possessões orientais e 
levou 170 naturalistas, filólogos, 
historiadores, pintores e desenhadores
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A pedra de Rosetta 
contém um edital 
faraónico escrito 
em hieroglífico, 
demótico e grego 
na era ptolemaica
cos podiam desvendar os 
mistérios da civilização 
do Nilo.
EGIPTOMANIA
O século XIX foi a época 
dos grandes egiptólogos 
espoliadores, tal o entu-
siasmo que as suas des-
cobertas provocavam nas 
ilustradas Londres, Paris 
e Berlim. O Egito estava 
na moda, tendo triunfado personagens como 
Giovanni Battista Belzoni (1778–1823), um 
jovem italiano ruivo de dois metros de altura 
que trabalhou no teatro londrino e mais tarde 
acompanhou as tropas de Wellington na 
península Ibérica para animar os tempos de 
descanso dos soldados. 
Belzoni visitou o Egito e caiu nas graças do 
então governador otomano Mehmet Ali 
(c. 1769–1849), pelo que foi o primeiro europeu 
a realizar escavações no Vale dos Reis, o grande 
cemitério dos faraós. A descoberta do mag-
nífico túmulo do faraó Seti I tornou-o mun-
dialmente famoso e, com as suas exposições 
e publicações, conseguiu que o Egito se 
enraizasse na cultura popular britânica, tendo 
reunido a fabulosa coleção de peças que esteve 
na base da criação das salas do Museu Britânico 
dedicadas ao país do Nilo.
Belzoni foi seguido por dezenas de outros 
investigadores europeus, como o inglês John 
Gardner Wilkinson (1797–1875), que investi-
gou e catalogou os túmulos do Vale dos Reis 
e compilou relatórios importantes sobre o 
estado de muitos monumentos e túmulos, dos 
quais entretanto alguns se deterioraram ou 
desapareceram totalmente.
A GENEROSIDADE DO PAXÁ
Estima-se que o número de peças retiradas 
do Egito nos últimos dois séculos pode 
ser maior do que o daquelas que foram lá 
deixadas. Não apenas pelo saque e pelo con-
trabando, mas também por vontade dos 
Giovanni 
Battista Belzoni 
(1778–1823) foi 
uma das figuras 
da era dos 
espoliadores do 
início do século 
XIX. Costumava 
vestir-se “à turco”, 
para passar 
despercebido.
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governantes otomanos, sobre­
tudo Mehmet Ali, que represen­
tou o sultão otomano entre 1805 
e 1848. Mehmet sabia que o seu 
país estava na moda na Europa e 
que os monumentos faraónicos eram muito 
cobiçados. Em 1829, negou o seu apoio a 
França na ocupação da Argélia, tendo ofere­
cido, à laia de compensação, os dois obeliscos 
de 23 metros de altura que ladeavam a entrada 
do Templo de Luxor. Um chegou a Paris e foi 
instalado na Praça da Concórdia, onde ainda 
hoje se mantém; o outro acabou por ficar no 
Egito, devido a dificuldades de transporte.
Quando lhe interessava, Mehmet Ali era muito 
generoso. Foi o que aconteceu com o rei da 
Prússia, Frederico Guilherme IV (1795–1861), 
que, encorajado pelo geógrafo e naturalista 
Alexander von Humboldt (1769–1859), 
patrocinou uma missão arqueológica de três 
anos ao Egito, comandada pelo linguista Karl 
Richard Lepsius (1810–1884). 
Os prussianos tinham um grande amor pró­
prio, e as suas atividades no exterior nunca 
podiam ser inferiores às das outras nações. 
Assim, a excelente dotação financeira atribuída 
para o efeito permitiu a Lepsius recolher 
materiais de todo o Egito, chegando, para isso, 
a recorrer a explosivos. No final da missão, 
Mehmet disponibilizou­lhe os seus melhores 
homens e transportes para 
facilitar a espoliação: a oferta 
consistia num conjunto de 15 
mil objetos e peças de todos 
os tipos (nenhum deles medío­
cre) que foram a base do Departamento de 
Antiguidades Egípcias do Museu de Berlim.
SANGRIA HISTÓRICA E ARTÍSTICA
França, Itália e Estados Unidos foram 
outros dos destinos das antiguidades egípcias 
durante o século XIX, que incluíam não só 
museus como também os magníficos salões 
das mansões das classes altas. Por fim, o senso 
comum francês acabou por prevalecer 
perante a sangria histórica e artística que estava 
a assolar o Egito. 
Quando o quarto filho de Mehmet Ali, Said 
Pachá (1822–1863), que tinha estudado em 
Paris, chegou ao poder, o prestigiado con­
servador do Museu do Louvre, Auguste 
Mariette (1821–1881), propôs­lhe criar uma 
instituição (o Serviço de Antiguidades) para 
zelar pelo património egípcio e para ter onde 
expor as peças mais perfeitas e delicadas. Foi­
­lhe, então, oferecido um edifício em Bulak, 
antecessor do atual Museu Egípcio. Hoje, é 
impensável retirar do Egito qualquer peça 
arqueológica, a não ser que seja um presente 
oficial, como o belo Templo de Debod, ofere­
Nesta ilustração, são 
recriados os supostos 
restos do Grande 
Labirinto. Hoje, 
duvida-se de que estas 
ruínas lhe pertençam.
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A esfinge e as pirâmides 
de Gizé são algumas 
das maiores maravilhas 
da civilização egípcia.
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cido a Espanha como retribuição pela ajuda 
no salvamento dos templos núbios que iriam 
ser inundados pelas águas da grande barra-
gem de Assuão.
ONDE ESTÁ O LABIRINTO?
Apesar de tudo o que sabemos sobre o Antigo 
Egito, ainda há coisas fabulosas por aparecer. 
Uma das mais faladas, embora sem grandes 
fundamentos históricos, é o Grande Labi-
rinto. Devemos a sua descrição ao grego 
Heródoto (c. 485–c. 425 a.C.), considerado 
“o pai da história”. No Livro II da sua obra 
pioneira, precisamente chamada História, 
narra o seguinte: “Construíramum labirinto 
perto do lago Moeris e não muito longe da 
Cidade dos Crocodilos. Vi este monumento 
e achei-o superior a qualquer descrição. 
Nenhuma obra ou edifício grego se lhe pode 
comparar: todos são inferiores. Os templos 
de Éfeso e de Samos são admiráveis, mas as 
pirâmides superam-nos em muito. No entanto, 
o labirinto é ainda superior. É composto por 
doze pátios rodeados por paredes cujas portas 
se encontram de frente umas para as outras, 
seis a norte e outras seis a sul. As salas estão 
duplicadas: existem 1500 subterrâneas e outras 
1500 na superfície, 3000 no total. Visitei 
as salas superiores, de modo que falo com 
conhe cimento de causa, como testemunha 
17
ocular. Quanto às salas subterrâneas, não sei 
mais do que me contaram, porque servem 
como sepulturas dos reis que construíram 
o monumento e a sua visita está vedada. As 
que visitei na superfície são, aos meus olhos, 
a coisa maior que alguma vez o ser humano 
construiu. É impossível não ficar boquiaberto 
com a variedade de corredores tortuosos 
que, a partir dos pátios, conduzem às salas 
e destas, por sua vez, a outros pátios. Cada 
secção do monumento é composta por uma 
infinidade de salas que terminam em passa-
gens que levam a outros edifícios cujas salas 
há que atravessar para desembocar em novos 
pátios. Os tetos são todos de pedra, bem como 
as paredes, decoradas com figuras em baixo-
-relevo. Em torno dos pátios, há colunas de 
pedra branca perfeitamente ordenadas. No 
ângulo em que o labirinto termina, eleva-se 
uma pirâmide de duzentos côvados de altura 
com figuras de animais esculpidas, na qual se 
entra por um corredor subterrâneo.”
Depois de Heródoto, outros cronistas e his-
toriadores, como os gregos Diodoro Sículo 
(c. 90–60 a.C.) e Estrabão (63 a.C.–23 d.C.), 
considerado “o pai da geografia”, ou o romano 
Caio Plínio (c. 23–79 d.C.), falaram sobre 
esta incomparável construção labiríntica, 
que supostamente ainda poderia ser visitada 
no século II da nossa era. A partir desta data, 
nunca mais se soube dela: a que havia sido 
a obra arquitetónica maior e mais complexa 
da Antiguidade dilui-se no ar como se fosse 
fumo. Terá sido uma lenda urbana grega. 
Na realidade, julga-se hoje que era o templo 
funerário adjacente à pirâmide de Amenófis III.
A.P.
“Os templos de Éfeso e de Samos são 
admiráveis, mas as pirâmides superam-nos 
em muito. No entanto, o labirinto é ainda 
superior”, escreveu Heródoto. Atualmente, 
sabemos que se trata apenas de uma lenda.
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Carter no seu 
quarto do Hotel 
Waldorf-Astoria, 
logo depois de ter 
chegado no navio 
SS Berengaria.
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Q uem era o homem que esteve por detrás do achado do túmulo de Tutankamon, essa descoberta que 
marcou o momento mais espeta-
cular da história da arqueologia? Era o último 
de onze filhos de Samuel John Carter, um 
reconhecido ilustrador de animais, e herdou 
do seu pai a paixão pelo desenho. Nascido em 
1874, em Kensington (Londres), desde menino 
que acompanhava o progenitor nas suas 
visitas às luxuosas casas de campo dos seus 
clientes. Numa delas, conheceu o deputado 
William Amherst, dono de uma das coleções 
de arte egípcia mais relevantes de Inglaterra. 
Aquele encontro alimentou o seu interesse 
pela egiptologia e mudou-lhe a vida. 
Um dia, casualmente, lady Amherst conhe-
ceu o biólogo Percy Newberry, um professor 
de egiptologia da Universidade do Cairo que 
procurava um desenhador, e falou-lhe de 
Carter, o filho. O professor, seduzido pela 
qualidade dos seus trabalhos, não hesitou em 
contratá-lo para o Egypt Exploration Fund. 
Nem a falta de experiência (tinha apenas 17 
anos), nem a nula formação científica impe-
diram Carter de se lançar à aventura. 
No início, nem todos reconheceram o seu 
potencial. Entre os seus detratores, estava o 
egiptólogo mais destacado na época: William 
Flinders Petrie, que reconhecia o seu inte-
resse pela pintura e pela história natural, 
mas não via “utilidade em torná-lo escava-
dor”. Apesar das reticências e da sua falta 
de confiança, Carter conseguiu tornar-se 
arqueólogo no terreno.
A CAMINHO DA FAMA
Uma vez terminada a sua colaboração com 
Newberry em Beni Hassan, Petrie recru-
tou-o de novo graças à intervenção de lady 
Amherst. Uma vez que era ela quem finan-
ciava as suas escavações em Amarna, foi fácil 
convencê-lo que o contratasse como aju-
dante. Longe de se arrepender, o exigente 
egiptólogo ficou encantado com o novo cola-
borador, a quem ensinou a escavar. 
Entre 1893 e 1899, Carter tornou-se o dese-
nhador e fotógrafo oficial do suíço Edouard 
Naville. As suas representações dos baixos-
-relevos do templo de Mentuhotep, em Deir 
el-Bahari, foram muito valorizadas pelo 
rigor que apresentavam.
Por fim, o trabalho de Carter viria a cha-
mar a atenção do responsável do Serviço 
de Antiguidades egípcio, Gaston Maspero, 
que, apesar da sua juventude (tinha na 
altura 25 anos) e da sua falta de formação 
académica, o nomeou inspetor-chefe de 
Antiguidades para o Alto Egito. Estreou-se 
no cargo com uma viagem ao sul do país que 
marcaria o início da sua grande oportunidade 
e de uma amizade para a vida.
VIDA DE INSPETOR
Entre as múltiplas responsabilidades de 
Carter, estavam as tarefas de conservação, 
de inspeção das escavações em curso e dos 
monumentos abertos ao público, de con-
cessão de autorizações de escavação e da 
instalação de luzes elétricas nos túmulos. 
Absorvido pelo seu trabalho, Carter, que 
não costumava expressar facilmente os seus 
sentimentos, escrevia cartas à mãe a des-
crever as tarefas de que estava incumbido. 
“As minhas visitas de inspeção a lugares 
imprevistos fazem os dias parecerem sema-
nas. É uma vida estranha: chega uma carta 
durante a manhã e tudo muda. Nunca sei 
onde devo acudir. Saio na direção contrá-
ria à que estava previsto, a menos que me 
peçam para ficar onde estou. Seja como for, 
é a vida de inspetor.”
O arqueólogo 
Carter
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Entre as suas atividades, estava a luta contra 
os roubos. Os tesouros dos faraós, escon-
didos sob a areia do Vale dos Reis, eram 
uma tentação para os habitante pobres da 
região, e Carter chegou a ter de fazer de 
detetive. Chegou à conclusão, por exemplo, 
que o roubo do túmulo de Amenófis II fazia 
parte de uma grande rede de corrupção que 
incluía a Polícia.
Apesar de gostar do que fazia, o sonho de 
Carter era escavar no Vale dos Reis. Naquele 
tempo, o Egito estava na moda, pelo que era 
relativamente fácil encontrar entusiastas da 
arqueologia abastados que patrocinassem 
uma escavação. Um deles era o advogado 
norte-americano Theodore M. Davis, que 
tinha conseguido a concessão de todo o Vale 
dos Reis. Davis só tinha interesse em encon-
trar peças espetaculares que chamassem a 
atenção e de se fazer fotografar com elas. 
EMPURRADO PARA 
UM POSTO MENOR
Carter supervisionou os seus trabalhos entre 
1902 e 1904, mas a relação entre ambos 
nunca foi boa. Apesar de tudo, ainda reali-
zou várias escavações extraordinárias que 
apresentou sob a assinatura de Davis. Entre 
elas, destacam-se a localização dos túmulos 
de Tutmés IV e de Tutmés I, o maior do Vale, 
ampliado para servir também de sepulcro à 
sua filha Hatshepsut.
A prometedora carreira de Carter na altura 
foi bruscamente interrompida devido a um 
incidente. Embora haja várias versões do 
mesmo, a mais conhecida é aquela de que o 
escritor francês Christian Jacq (n. 1947) dá 
conta no livro La Vallée des Rois – Histoire 
et Découverte d’une Demeure d’Éternité 
(1992): “Um grupo de franceses, já muito 
embriagados, exigiu visitar o Serapeum 
“Nunca sei onde 
devo acudir. Saio 
na direção contrária 
à que estava previsto. 
É a vida de inspetor”
Lord Carnarvon, a sua filha, lady Evelyn Herbert, 
e Howard Carter, à entrada da escada que leva 
ao túmulo de Tutankamon, no vale dos Reis, em 1922. 
Ainda não sabiam exatamente o que iriam encontrar.
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após a hora de encerramento. O guarda, de 
acordo com as instruções recebidas, negou-
-se. A confusão instalou-se,não faltando 
alguma pancadaria. Carter dirigiu-se ao local 
e tomou partido pelo seu funcionário, expul-
sando os insubordinados. Porém, eles dis-
punham de apoio diplomático. Houve quem 
interviesse junto de Maspero, que pediu a 
Carter que apresentasse as suas desculpas.”
Tudo indica que ele se tenha negado e, embora 
Maspero quisesse mantê-lo a seu lado, atri-
buiu-lhe uma função menor, como inspetor 
da zona do delta, pelo que o arqueólogo pre-
feriu demitir-se. “Tenho um temperamento 
fogoso, e além disso possuo aquela tenacidade 
que as pessoas mal intencionadas descrevem 
às vezes como casmurrice e que os meus ini-
migos, até hoje, se alegraram a assinalar como 
sendo um sinal de mau caráter. Pois bem, 
nada posso fazer a esse respeito”, escreveu. 
Dizia-se que ele tinha mau génio.
SOBREVIVER A VENDER PINTURAS
Enquanto Davis continuava a escavar no Vale 
dos Reis, Carter encontrava-se sem trabalho 
e sobrevivia a vender as suas pinturas. A sua 
sorte mudou quando conheceu George 
Edward Stanhope Molyneux Herbert (1866–
–1923), quinto conde de Carnarvon, que 
encarnava o estereótipo do cavalheiro inglês: 
distinto, rico, grande colecionador, apaixo-
nado por cavalos e automóveis. Depois de 
sofrer um grave acidente de viação, mudou-
-se para o Egito à procura de um clima seco 
que o ajudasse a melhorar. Como se sentia 
aborrecido, começou a fazer escavações sem 
suspeitar que acabariam por se tornar a sua 
grande paixão.
Ilustração de como terá sido 
o momento em que Carter viu pela 
primeira vez o interior do túmulo.
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Maspero autorizou-o a escavar num pequeno 
terreno que tinha comprado e onde encontrou 
um gato mumificado que o motivou a conti-
nuar. Por isso, pediu ao Serviço de Antigui-
dades um arqueólogo profissional para come-
çar a desenvolver um projeto mais relevante. 
Maspero viu ali a oportunidade de “recuperar” 
Carter, algo que reforçou para sempre a ami-
zade criada entre ambos.
AVENTURA NO VALE DOS REIS
Carter e lord Carnarvon eram os parceiros per-
feitos: um egiptólogo autodidata, sem qualquer 
ligação a museus ou universidades, e um abas-
tado cavalheiro apaixonado pela egiptologia e 
disposto a tornar-se um mecenas de missões 
arqueológicas. A dupla tinha de funcionar, e 
assim foi. Começaram a traba-
lhar juntos em 1907, enquanto 
Davis escavava caoticamente 
na necrópole sem que Maspero 
interviesse, por acreditar que o 
vale estava “esgotado”. 
Por fim, em 1914, o governo autónomo (o 
Egito era um protetorado britânico) auto-
rizou Carnarvon a escavar no Vale dos Reis. 
Ele quis pôr logo mãos à obra, mas a eclosão 
da Primeira Guerra Mundial acabou com o 
sonho mesmo antes de ele começar: o aristo-
crata regressou a Inglaterra e tentou alistar-
-se, mas sem sorte, e Carter ficou no Egito 
a fazer pequenas escavações no Vale dos 
Reis, sobretudo no triângulo formado pelos 
túmulos de Ramsés II, Rerenptah e Ramsés VI. 
O seu principal objetivo era localizar o 
túmulo de Tutankamon, um faraó pratica-
mente desconhecido mas cuja existência na 
zona era dada como certa, dedicando-se de 
corpo e alma à descoberta da sepultura do 
jovem rei esquecido pela história. Sondou 
o terreno ao longo de vários 
quilómetros, e um exército de 
operários removeu milhares de 
toneladas de escombros. Ao fim 
de cinco anos de esforços, não 
obteve quaisquer resultados. 
Carter limpa 
os óleos de conservação 
da múmia de 
Tutankamon, que 
estavam colados 
à máscara funerária.
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Lord Carnarvon era um homem rico, mas os 
seus bolsos tinham limites, e pensou aban-
donar o projeto. Carter, que ainda acreditava 
nele, convenceu-o a realizar só mais uma 
temporada. Era a última oportunidade e não 
queria perdê-la.
4 DE NOVEMBRO DE 1922
A sua intuição levou-o junto aos acessos ao 
túmulo de Ramsés VI e, às dez da manhã de 
4 de novembro de 1922, apareceu, debaixo da 
entrada do mesmo, uma escada escondida a 
quatro metros de profundidade. Os degraus 
levavam a uma porta tapada e engessada, 
ainda com os selos intactos. “Não havia dúvi-
das de que o túmulo tinha todas as caracte-
rísticas próprias da XVIII Dinastia. Pertencia 
a um aristocrata enterrado com autorização 
real ou era um esconderijo real que guar-
dava, por razões de segurança, a múmia e o 
seu mobiliário. A menos que fosse o túmulo 
do rei ao qual eu tinha dedicado tantos anos 
de busca”, escreveu Carter.
Sem perder tempo, enviou um telegrama 
a Carnarvon: “Fizemos uma descoberta 
extraordinária no Vale: um túmulo luxuoso 
cujos selos ainda estão intactos. Voltámos a 
fechá-lo até à sua chegada. Felicidades.” Car-
narvon chegou vinte dias depois. Desmonta-
ram a porta, pedaço a pedaço, e descobriram 
um corredor de pedra calcária. Havia uma 
segunda porta, também engessada e com os 
selos do rei-menino.
“COISAS MARAVILHOSAS”
No dia 26 de novembro, teve lugar a cena mais 
famosa da história da arqueologia. Carter fez 
um pequeno orifício na segunda porta, por 
onde introduziu uma vela. “No início, não 
via nada, mas, à medida que os meus olhos 
se acostumavam àquela escuridão, os porme-
nores foram ganhando contornos. Animais 
estranhos, estátuas e ouro que brilhava por 
toda a parte. Durante alguns segundos, que 
pareceram uma eternidade aos meus compa-
nheiros, fiquei mudo de espanto”, recordou.
Ao seu lado, estavam lord Carnarvon, a filha 
deste e outro egiptólogo, de nome Callender. 
Em baixo, 
primeira página 
do jornal 
que noticiou 
a abertura 
do túmulo. 
À esquerda, 
um vista 
da antecâmara 
do túmulo.
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Carter convenceu 
Carnarvon a realizar 
uma última temporada, 
e aproveitou-a bem
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Quando lhe perguntaram o que via, respon-
deu: “Coisas maravilhosas.” Naquele instante, 
ainda não sabia se se tratava de um túmulo 
ou de um esconderijo. A dúvida volatilizou-
-se três dias depois, quando abriu a porta e 
entrou na antecâmara. Duas estátuas guarda-
vam uma montanha de objetos, incluindo um 
trono, e havia uma terceira porta.
Três anos após a descoberta do túmulo, che-
gou o momento mais aguardado: o encontro 
com a múmia real. Foi nessa altura que Car-
ter teve consciência da importância daquele 
achado. Quatro placas de ouro decoradas 
com motivos do Livro dos Mortos rodeavam 
um sarcófago de grandes dimensões (5,20 por 
3,35 por 2,75 metros), que encerrava outros 
sepulcros. O quarto e último féretro, de ouro 
maciço e 110 quilos de peso, continha o corpo 
do rei, coberto com a famosa máscara com 
pedras incrustadas. 
“Foi então que nos apercebemos realmente 
da beleza da nossa descoberta, quando aquela 
peça única e maravilhosa, essa massa de ouro 
fabulosamente trabalhada, resplandeceu à 
nossa frente. A máscara tinha uma expressão 
triste e serena, sugerindo a juventude prema-
turamente surpreendida pela morte”, diria 
Carter levou 
dez anos a extrair 
e catalogar 
todos os objetos 
encontrados
Howard Carter 
demorou dez 
anos a catalogar 
tudo o que 
encontrou no 
túmulo de 
Tutankamon.
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Homem sem estudos
Carter. Segundo ele, o aspeto da múmia era 
ao mesmo tempo “magnífico e terrível”, e o 
rosto do rei “pacífico, suave, de adolescente; 
era nobre e de belos traços, com os lábios 
desenhados com linhas muito nítidas”.
Ainda havia uma quarta sala repleta de mara-
vilhas: o tesouro, com cofres, caixões em 
miniatura, joias, pérolas, arcos, flechas... 
Tudo o que um rei egípcio podia desejar para 
poder ser feliz no Além.
SONHO REALIZADO
A repercussão do achado foi gigantesca. 
Enquanto repórteres e turistas chegavam 
em massa para visitar o túmulo do faraó-
-menino, Carter catalogava e restaurava 
tudo o que tinha sido tencontrado, uma 
tarefa colossal que apenas terminou dez 
anos depois. O resto da sua vida foi dedicado 
a fazer um relatório preliminar que apenas 
listava resumidamente os objetos desco-
bertos, sem análise epigráfica e técnica. De 
acordo com muitos especialistas, o arqueó-
logo não estava à altura do trabalho ao qual 
havia dedicado três décadas da sua vida. 
Ainda assim, dada a magnitudedo empreen-
dimento, ninguém teria feito melhor.
Fosse como fosse, Howard Carter pôde, gra-
ças a Tutankamon, realizar o seu sonho: “Foi 
a coisa mais maravilhosa que me foi dado 
viver, e, a meu ver, permanecerá inigua-
lável”, afirmou. Morreu em 2 de março de 
1939, em Londres, convertido no arqueólogo 
mais famoso do mundo.
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Retirada de alguns 
objetos do túmulo, 
incluindo partes 
de um carro.
“O meu pai foi um grande 
pintor de animais com algu-
ma fama e a minha mãe era 
uma pequena mas extraor-
dinária mulher, que amava 
o luxo, o belo, a perfeição, 
a elegância e o bem-fazer”, 
escreveu Carter, que herdou 
as qualidades da mãe e a 
paixão pelo desenho do pai. 
Graças a elas, conseguiu 
prosperar e, com a ajuda 
da sorte, alcançar a fama, 
embora a sua educação 
tenha sido muito limitada. 
Esta carência, que sempre 
lamentou, pode explicar o 
seu caráter seco e a sua ten-
dência para estar constante-
mente à defesa. Ele próprio 
reconhecia o seu tempera-
mento irritável e teimoso, 
que os inimigos apelidavam 
de “mau génio”. “Nunca 
pude ter aulas de desenho 
e pintura e não era esse o 
meu desejo”, constataria. 
Ainda assim, saiu-se bem 
como autodidata, e aos 15 
anos já ganhava a vida. Num 
obituário. o egiptólogo Guy 
Brunton escreveu: “Se Car-
ter tivesse podido frequentar 
uma boa escola, poderia ter 
sido realmente uma grande 
figura pública.”
Pilar de pedra 
calcária com 
uma estátua 
de Amenófis IV 
para ser adorada 
no Templo de Aton, 
em Karnak (Museu 
do Cairo). Na página 
oposta, o mesmo rei 
com o ureu, numa 
escultura ao estilo 
de Amarna.
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A história do Antigo Egito desenro-lou-se ao longo de quatro milénios e, embora existam e se tenham escavado (e se continuem a escavar) 
múltiplos documentos escritos, bem como 
uma infindade de espaços urbanos, militares 
e necrópoles, na hora de reconstruir a sua 
história, encontramos lacunas recorrentes em 
diversos períodos. Isso deve-se a vários fatores: 
ao acaso, ao estado de conservação dos materiais 
e ao interesse dos egiptólogos. 
No que se refere ao reinado de Akhenaton, 
pai de Tutankamon, temos a sorte de pos-
suir numerosas fontes de informação, graças 
aos achados extraordinários e ao indubitável 
interesse dos egiptólogos por este reinado 
excecional, que centraram os seus estudos nos 
principais lugares relacionados com Akhena-
ton: a sua capital, Akhet-Aton, os templos e 
túmulos da antiga Tebas egípcia e outros locais 
ao longo do vale do Nilo.
Quando Akhenaton nasceu, recebeu o nome 
de Amenófis, como o seu pai, o faraó Ame-
nófis III. A sua mãe era a Grande Esposa Real 
Tiy. Ele era o segundo descendente masculino 
do rei, que provinha de uma longa dinastia 
de faraós que, depois de unificarem o Egito, 
tinham alargado as suas fronteiras por todo 
o Canã e a Núbia. O Egito era a primeira 
potência militar, económica e cultural da região. 
Recebia tributos de vários reinos conquistados 
e presentes dos vizinhos.
O jovem príncipe Amenófis não estava des-
tinado ao trono; o escolhido era o seu irmão 
mais velho, Tutmés, que entretanto morreu. 
O acontecimento ocorreu antes do Primeiro 
Festival de Heb Sed de Amenófis III, que se 
celebrou no seu trigésimo ano de reinado. 
A partir daquele ano, ou numa data posterior, 
o jovem príncipe Amenófis torna-se o her-
deiro e, segundo alguns especialistas, corre-
gente juntamente com o seu pai, se bem que 
haja debate entre os egiptólogos sobre se na 
realidade este reinado conjunto terá ou não 
acontecido
PRIMEIROS ANOS DE REINADO
O príncipe subiu ao trono como Amenófis IV 
e escolheu para Grande Esposa Real Nefertiti, 
que era filha de Ay, um alto funcionário da 
corte que foi adquirindo cada vez mais res-
O rebelde 
de Amarna
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ponsabilidades até chegar a ser faraó, três 
décadas depois deste casamento. Durante os 
primeiros anos do seu reinado, Amenófis IV 
demonstrou a sua predileção por uma divin-
dade que se foi desenvolvendo nos círculos 
palacianos, pelo menos desde o reinado do 
seu avô, Tutmés IV: Aton. Tratava-se de uma 
das numerosas formas do deus Rá, o deus-Sol: 
em concreto, o disco solar, uma das suas mais 
recentes representações e cujos raios termi-
nam numas mãos que tocam exclusivamente 
no rei e na rainha, a quem concede a vida e a 
prosperidade.
Em Karnak, o principal lugar de culto de 
Amon-Rá, rei dos deuses, o jovem Amenófis IV 
desenvolveu um ambicioso plano arquite-
tónico no qual se podem apreciar as ino-
vações iconográficas que foram típicas do seu 
reinado. Entre elas, a partir do terceiro ano, 
Aton passou a estar referido no cartucho real, 
de tal forma que ficava implícito que este 
deus se equiparava ao rei terreno. Por outro 
lado, as instituições dos deuses tradicionais 
ficaram economicamente subordinadas ao 
culto de Aton.
Esta mudança, a juntar ao facto de Amon 
deixar de ser a principal divindade relacionada 
com a realeza, teve importantes consequências 
políticas que, com toda a probabilidade, 
revolucionaram a estabilidade interna do estado 
egípcio.
PERÍODO DE AMARNA: 
1349–1336 A.C.
Estas e outras alterações implicaram um 
confronto direto com a ordem religiosa 
estabelecida. Nos primeiros meses do quinto 
ano do seu reinado, Amenófis IV deu mais 
um passo que afetava a figura do faraó: a 
mudança de nome. De Amenófis (Amenho-
tep), que significava “Amon está satisfeito”, 
passou a chamar-se Akhenaton (“Benéfico 
para Aton”), eliminando desta maneira o 
teónimo Amon do nome real. A sua principal 
mulher, Nefertiti, acrescentou também ao 
seu nome o cartucho de Neferneferuaton 
(“A mais bela de Aton”).
Pouco depois, Akhenaton percorreu o país 
para encontrar um lugar puro para a sua 
nova capital. Encontrou-o no Médio Egito, 
próximo do lugar onde estabeleceria a loca-
lidade de Amarna, perto da atual cidade de 
Minya, e a meio caminho entre Mênfis e Tebas. 
Era um grande anfiteatro rochoso que ainda 
não tinha sido ocupado. Nos montes a leste 
do rio Nilo, a montanha reproduzia em cada 
amanhecer a elevação do Sol entre outras 
duas montanhas, assemelhando-se ao ideo-
grama utilizado para a palavra “horizonte”. 
Isto tinha uma dupla leitura: por um lado, 
relacionava-se com o conceito egípcio de 
renascimento diário; por outro, vinculava a 
nova capital ao deus Rá e ao seu ciclo diurno. 
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O afastamento de Amon como principal 
divindade, substituído por Aton, o disco 
solar, provocou grande instabilidade
À esquerda, Akhenaton e Nefertiti com três das suas filhas (baixo-relevo amarniense de cerca 
de 1350 a.C.). À direita, Akhenaton em esfinge numa oferenda ao Sol como Aton (baixo-relevo 
amarniense, 1373 a 1357 a.C.).
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Como não podia deixar de ser, a cidade foi 
chamada de Akhet-Aton (“O horizonte de 
Aton”).
NOVA E EFÉMERA CAPITAL
A nova cidade foi delimitada com 14 estelas 
visíveis para quem se aproximasse da capital 
vindo de qualquer direção. Incluía não só o 
anfiteatro, onde se ergueria o centro urbano 
e as necrópoles, como também as terras para 
a agricultura. No total, Akhet-Aton teria uns 
160 quilómetros quadrados e nela ter-se-ão 
estabelecido entre 20 e 50 mil pessoas, nos 
seus dias de maior glória. Porém, Akhet-
-Aton teve uma vida efémera, pois foi aban-
donada por Tutankamon, cerca de 21 anos 
depois da sua fundação. A partir de então, 
a zona não voltou a ter grande densidade 
populacional, mas tornou-se um local de 
exceção para os arqueólogos. Amarna permite 
obter uma imagem clara da organização de 
uma capital durante a segunda metade do 
segundo milénio a.C.
Após a delimitação do espaço, Akhenaton 
investiu boa parte dos recursos do estado na 
construção de todo um complexo urbano e 
funerário. No que respeita ao primeiro, a cidade 
carecia de um planeamento prévio; foi traçada 
numa franja de deserto relativamente plana, 
à volta de uma via já existente (o “Caminho 
Real”), que ligava o norte ao sul do país.
Na atualidade, o sítio de Amarna divide-se em 
várias áreas para facilitar a sua compreensão.De norte para sul, encontram-se a Cidade 
Norte, o Palácio Norte, o Bairro Norte, a Cidade 
Central e os Bairros do Sul. A leste destas 
áreas, foram construídos outros centros sub-
sidiários, entre os quais se destaca o povoado 
dos artesãos que se encarregavam da cons-
trução dos túmulos reais. Este povoado, de 
forma quadrangular e muralhado, possuía 68 
casas com dimensões idênticas, à exceção de 
uma, de maior tamanho, que seria ocupada 
pelo responsável pelos trabalhadores. Estes 
operários, pagos pelo estado, eram os melhores 
construtores e artistas de todo o Egito e foram, 
por certo, transferidos de um povoado seme-
lhante que existia em Tebas.
EDIFÍCIOS MAGNÍFICOS
Para lá dos aglomerados de casas, o Caminho 
Real tornou-se uma avenida retilínea à volta 
da qual foram construídos os edifícios mais 
importantes de Akhet-Aton: o Grande Tem-
plo de Aton, o Grande Palácio, a Casa do Rei e 
o Pequeno Templo de Aton. O Grande Templo 
de Aton deve ter sido um edifício espetacu-
lar, como testemunham os seus alicerces. 
Infelizmente, como quase todos os edifícios 
construídos em pedra, este também foi des-
mantelado na época de Ramsés II. Tinha uma 
superfície delimitada de cerca de 17 hectares, 
nos quais se erguiam pilones com mastros 
decorados, que davam acesso a uma colu-
nata. À sua volta, havia centenas de altares 
ao ar livre, onde se realizavam as oferendas 
ao deus Aton. Estava propositadamente 
orientado segundo o eixo leste-oeste, de forma 
a seguir sempre o ciclo do Sol no céu. A confi-
guração do templo, que ficou inacabado, era 
completamente inovadora e contrastava com 
os templos egípcios que durante milénios 
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Rá, o deus Sol, foi a divindade suprema 
do Egito desde, pelo menos, meados 
do terceiro milénio a.C. Tinha muitas 
formas divinas: por exemplo, ao meio-dia, 
demonstrava todo o seu poder.
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Apesar de ter perdido 
uma grande quantidade 
de pedra e construções 
inteiras, a Amarna 
abandonada (em cima 
e à direita), depois 
de ter sido utilizada como 
capital, é uma grande 
fonte de informação 
sobre a sua organização.
tinham sido construídos no Egito. Enquanto 
os edifícios anteriores eram espaços fechados 
e escuros, os templos erguidos por Akhenaton 
procuravam que os raios solares banhassem 
todos os rituais.
GRANDES MORADAS
Lamentavelmente, do Grande Palácio também 
pouco sobreviveu. Estendia-se desde o 
Cami nho Real até às margens do Nilo e estava 
organizado em torno de um grande pátio 
rodeado por estátuas colossais do rei, hoje 
desaparecidas. As salas mostravam chãos 
pintados com cores vivas e cenas do mundo 
natural, bem como os principais inimigos do 
Egito, de tal forma que eram pisados por todos 
aqueles que visitavam o palácio, incluindo os 
embaixadores estrangeiros. 
Este edifício monumental estava ligado a um 
palacete (a Casa do Rei) através de uma ponte 
que atravessava o Caminho Real. Era a partir 
deste edifício menor que Akhenaton fazia os 
despachos e governava o país, em conjunto 
com os seus oficiais. Junto à Casa do Rei, foi 
construída a chamada “Mansão de Aton”, 
que, na realidade, era uma versão mais 
31
pequena do Grande Templo. É muito pro-
vável que a função deste templo fosse a de 
um lugar onde o faraó celebrava os rituais 
religiosos e as oferendas a Aton diante de um 
público escolhido. Uma vez que o eixo do 
templo estava alinhado com o túmulo real, 
julga-se que tenha sido desenhado como um 
templo funerário para o faraó.
Como nova capital do Egito, Akhet-Aton 
transformou-se na residência oficial dos 
mais altos funcionários do estado, os quais 
construíram grandes moradas compostas 
por um casarão de dois pisos, jardim, cozi-
nhas, capela, cavalariças, armazéns e casas 
mais modestas para os serviçais. Nos salões 
mais nobres do edifício principal, situados 
no piso térreo, sobreviveram restos de 
deco rações figurativas pintadas com muitas 
representações de vegetais e de animais, 
refle tindo a paisagem fértil do vale do Nilo. 
Um dos grandes artesãos do palácio, Tutmés, 
tinha a oficina na sua própria casa e, em 
1912, foi descoberto nela um grande número 
de peças de gesso e bustos da família real, 
incluindo o famosíssimo busto policromado 
da rainha Nefertiti que hoje se encontra em 
Berlim.
SEM SEPARAÇÕES POR CLASSES
A cidade não estava dividida socialmente, 
e mesmo as casas mais ricas podiam estar 
rodeadas de outras muito mais modestas. 
As moradas estavam organizadas em quar-
teirões com ruas mais ou menos largas, 
dispostas em paralelo ao Nilo.
A partir dos diferentes achados arqueoló-
gicos e das cenas que resistiram, é possível 
afirmar que a atual planície de Amarna era 
muito diferente da capital no seu pleno apo-
geu. Assim, os edifícios e as casas mais nobres 
estavam ornamentadas com inúmeras árvores 
que proporcionavam a necessária sombra aos 
seus residentes, e tinham os seus próprios 
poços de abastecimento de água. No entanto, 
havia poços espalhados por toda a cidade, 
destinados à população em geral. Este gene-
roso abastecimento de água não era comum 
nas cidades egípcias, pelo que, sem dúvida, 
Akhet-Aton oferecia maior bem-estar aos 
seus habitantes.
Akhet-Aton também dispunha de uma 
necrópole. A zona escolhida para o descanso 
eterno da família real encontrava-se num 
wadi principal, a cerca de onze quilómetros 
da cidade. Foi lá que se escavou um túmulo 
para Akhenaton e outros membros da sua 
família, embora conste que apenas uma das 
suas filhas, Meketaton, tenha sido ali enter-
rada, para além do rei. O facto de Akhenaton 
ter planeado ficar enterrado com outros 
membros da sua família no mesmo hipogeu 
era uma novidade, já que tanto antes como 
depois os faraós do Império Novo eram 
enter rados sozinhos, enquanto os seus fami-
liares mais próximos ficavam em túmulos 
individuais ou coletivos.
Alguns dos altos funcionários também pre-
pararam o seu túmulo em Amarna, concre-
tamente em duas áreas das falésias rochosas 
que compunham o anfiteatro que delimitava 
a cidade. Ambas as zonas estavam situadas a 
norte e a sul da entrada do wadi que conduzia 
à necrópole real. Atualmente, conhecem-se 
25 túmulos, alguns dos quais não chegaram 
a ser terminados.
Como nova capital do Egito, Akhet-Aton 
passou a ser residência de altos oficiais,
que construíram nela grandes moradas
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O Heb Sed
Erradamente conhecido também como 
“Festival do Jubileu”, o Heb Sed era na 
realidade um festival que os antigos reis 
do Egito celebravam (nesta época, por 
volta do 30.º ano de reinado), no qual o 
faraó, através de rituais, morria e renas-
cia magicamente para renovar os seus 
poderes cósmicos e a sua relação divina 
com os restantes deuses.
32
NOS BRAÇOS DE ATON
Durante a construção da nova capital, Akhe­
naton mandou eliminar, em todos os monu­
mentos, os nomes do deus Amon e da sua 
mulher, a deusa Mut. Este damnatio memoriae 
significou, sem dúvida, a imposição da 
 religião real sobre a tradicional. Estas ações, 
levadas a cabo muitas vezes por indivíduos 
que mal sabiam reconhecer os hieróglifos 
que compunham ambos os nomes, não pro­
vocaram confrontos violentos no país.
A nova fé situava Aton como o criador uni­
versal sem ter uma forma humana ou animal, 
o que o distinguia das crenças ancestrais. Era 
representado como um disco solar com raios 
que terminavam em forma de mãos. A sua 
universalidade implicava o seu reconheci­
mento por todos os países e povos.
Nesta nova ordem religiosa, o faraó desem­
penhava um papel primordial, já que era a 
única figura à qual havia que obedecer, pois 
era o mais amado de Aton. O faraó e a sua 
família nuclear (a Grande Esposa Real Nefer­
titi e as suas filhas) também tiveram um papel 
fundamental nas representações religiosas. 
Antes do período de Amarna, as represen­
tações públicas estavam centradas no faraó 
e nos deuses. Raramente apareciam outras 
personagens (as esposas principais eram as 
grandes exceções). Os príncipes e as princesas 
quase nunca eram representadosou sequer 
mencionados. 
No entanto, agora as novas temáticas artís­
ticas centravam­se na família real, e nelas as 
princesas apareciam ao lado dos seus proge­
nitores. Desenvolviam­se no âmbito privado, 
sempre beneficiadas pelo deus Aton. Estas 
novas composições têm um objetivo religioso 
evidente, de modo a identificar a família real 
com os conceitos sintetizados pelo deus Aton: 
criação, fertilidade, abundância e vida. Neste 
sentido, Akhenaton e Nefertiti encarnavam 
todos estes aspetos abençoados por Aton.
PRIMEIRO MONOTEÍSMO?
À parte o debate existente sobre se a religião 
de Aton foi ou não a primeira fé monoteísta, 
o que parece claro é que o principal benefi­
ciado foi o faraó, em quem se concentrava 
todo o poder por vontade divina. No entanto, 
o desenvolvimento desta fé não foi muito 
mais além do que as esferas relacionadas com ASC
 
Foi neste reinado que apareceram as primeiras 
representações das princesas, filhas do faraó
33
o palácio. No próprio sítio de Amarna, foram 
encontrados numerosos vestígios que provam 
que a população continuava a praticar a 
religião tradicional, como menções, em várias 
capelas domésticas, a diversos deuses, 
incluindo o proscrito Amon e divindades 
mais populares como Bes ou Taweret.
Durante as duas guerras mundiais, escre-
veu-se muito sobre o suposto pacifismo de 
Akhenaton na sua política externa, mas este 
pensamento não podia estar mais longe da 
realidade. Este rei não só mandou os seus 
exércitos para o exterior, como comprova 
a campanha na Núbia durante o seu 12.º ou 
13.º ano de reinado, como era habitualmente 
representado como um faraó triunfante. 
O principal problema externo que Akhenaton 
teve de enfrentar foi a inconstante situação 
que se vivia no Médio Oriente, pois o reino 
hitita tornou-se uma potência militar deter-
minante na região. 
No entanto, não há dúvida de que o Egito se 
manteve como ator principal no panorama 
internacional da zona, como mostram as 
representações do seu festival Sed, durante o 
qual era homenageado por todos os territórios 
sob a sua alçada, bem como pelos restantes 
grandes reinos.
FAMÍLIA REAL
Graças a um grande número de represen-
tações de Akhenaton e da sua família, foi 
possível reconstituir cronologicamente como 
ela foi aumentando. A Grande Esposa Real, 
Nefertiti, foi mãe de seis princesas: Meritaton, 
nascida durante o primeiro ou segundo ano de 
reinado; Meketaton, nascida no ano seguinte 
ao da sua irmã, faleceu por volta do 14.º ano 
de reinado; Ankesenpaaton, nascida no quarto 
ou quinto ano de reinado; Neferneferuaton-
Tasherit, nascida no sétimo ou oitavo ano 
de reinado e falecida nos últimos três anos 
do reinado; Neferneferure, nascida entre o 
oitavo e o décimo ano de reinado e falecida 
antes do final do reinado; Setepenre, nascida 
entre o 10.º e o 12.º do reinado e falecida 
pouco depois.
Assim, do 12.º ano até ao final do reinado 
de Akhenaton, morreram Meketaton, Nefer-
neferuaton-Tasherit, Neferneferure e Seten-
penre. Estas mortes podem estar relacionadas 
com a reduzida esperança de vida de todas 
as sociedades pré-industriais, mas também 
G
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A rainha Nefertiti beija uma filha, 
provavelmente Meritaton, neste
 baixo-relevo encontrado em Amarna 
e datado dos anos 1352 a 1336 a.C.
que o casamento tenha sido consumado e 
que o título não fosse meramente simbólico. 
No caso de Meketaton, a representação de 
uma menina no colo da princesa poderia ser 
a revelação do ka desta após a sua morte. 
Igualmente de difícil interpretação é o caso 
de Ankesenpaaton-Tasherit, filha da terceira 
filha.
Akhenaton teve igualmente mulheres se-
cundárias: entre elas, uma tal Kiya, cujo no-
me pode ter sido uma forma “egipcianizada” 
de Tadukhepa,princesa de Mitani, que fora 
mulher do pai de Akhenaton, Amenófis III. 
Embora haja poucas referências a Kiya, sabe-
com a peste que assolou boa parte do Médio 
Oriente naqueles anos, como mencionam 
várias fontes.
FILHAS, MÃES, NETOS
Há várias referências e representações de 
algumas das filhas de Akhenaton e Nefertiti, 
como Meritaton, Meketaton e Ankesenpaaton, 
que podem ter sido mães de outras tantas filhas 
do seu próprio pai, mas infelizmente estas 
informações carecem de confirmação.
O que se sabe é que Meritaton chegou a ser 
Grande Esposa Real durante os últimos três 
do reinado do seu pai, mas isso não indica 
Apesar da sua fama de pacifista, 
Akhenaton foi representado 
como um rei vitorioso.
3434
35
mos que foi a mãe de Tutankaton (mais tarde 
Tutankamon), nascido no oitavo ou nono ano 
do reinado do pai.
FINAL DO REINADO
A morte da princesa Meketaton no 14.º ano do 
reinado de Akhenaton pode ser considerada 
um ponto de inflexão. Um ano mais tarde, o 
faraó escolheu como corregente um desco­
nhecido, Semenkhkare, talvez um meio­ 
­irmão ou um filho de uma mulher secundária. 
A legitimidade ao trono, ganhou­a através de 
Meritaton, que se tornou a sua consorte.
Akhenaton morreu durante o 17.º ano do seu 
reinado, devido a causas desconhecidas, muito 
provavelmente antes dos 40 anos de idade. 
Foi enterrado no seu túmulo, próximo de 
Akhet­Aton, mas é possível que o seu corpo 
tenha sido trasladado pouco depois, talvez 
para Tebas. De facto, terá sido identificado 
com os restos encontrados no túmulo 55 do 
Vale dos Reis, embora isso não esteja cem por 
cento confirmado. A razão é que o seu túmulo 
original, no Vale Real de Amarna, foi atacado 
e o seu sarcófago destruído (hoje, pode ver­se 
reconstruído no Museu do Cairo).
GRAFITO ESCLARECEDOR
Em 2004, descobriu­se um grafito em Deir 
Abu Hinnis (Médio Egito) que ajudou a 
reconstruir o final do reinado de Akhenaton. 
Nesta inscrição, o faraó encontra­se ao lado 
de Nefertiti no 16.º ano do reinado, um dado 
que demonstra que a esposa principal con­
tinuava viva naquela época, facto que se 
desconhecia.
O que se sabia de Nefertiti não ia muito além 
da morte de Meketaton, e havia várias expli­
cações, algumas romanceadas, sobre o destino 
da rainha depois da morte da princesa. Além 
disso, esta inscrição permitiu determinar 
que Semenkhkare morreu pouco antes de 
Akhenaton e não lhe sucedeu, de tal forma 
que Akhenaton escolheu um desconhecido, 
Ankh(et)kheperure Nefereneferuaton, para o 
acompanhar na direção do estado. 
Segundo a egiptóloga belga Athena van der 
Perre, Ankh(et)kheperure Nefereneferuaton 
não é outra pessoa senão a própria Nefertiti, 
que teria sucedido ao seu marido e reinado 
durante três anos sozinha após a morte 
daquele. A partir desta reconstrução, uma das 
cartas descobertas em Amarna faz mais sentido: 
uma rainha solicita ao rei hitita Suppiluliuma 
que lhe envie um filho para, ao seu lado, ocupar 
o trono do Egito. Este príncipe foi assassinado 
antes de chegar à corte, o que terá possivel­
mente mudado o destino de Nefertiti à frente 
do Egito. Pouco depois, Tutankaton tornar­
se­ia o rei Tutankamon.
A.J.S
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Após a sua morte, 
Akhenaton 
foi praticamente 
apagado 
da história
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37
Genealogia 
do faraó-menino
Amenófis III
(1390–1353 a.C)
Avô de Tutankamon 
e pai de Akhenaton. 
Governou um reino imenso.
Tiye
Esposa principal 
de Amenófis III 
e mãe de Akhenaton.
Akhenaton
(1353–1336 a.C.)
Também conhecido como 
Amenófis IV. Promoveu 
a deus único o disco solar 
 e construiu uma nova 
 capital: Amarna.
Nefertiti
Grande Esposa Real de 
Akhenaton, deu à luz seis 
meninas. Kiya, princesa de 
Mitani e esposa secundária, 
foi, provavelmente, 
a mãe de Tutankamon.
Ankhesenamon
Terceira filha de 
Akhenaton e Nefertiti, 
meia-irmã de 
Tutankamon e sua mulher.
Tutankamon
(1332–1323 a.C.)
Também conhecido 
como Tutankaton.
No Antigo Egito, a tradição 
ditava que a Grande Esposa 
Real, que coexistia com outras 
mulheres e concubinas, 
tinha de ser de linhagem real, 
pois eram as princesas nascidas 
das esposas principais quem 
fazia a transmissão da realeza 
faraónica. A consanguinidade 
era muito comum.
O faraó-meninofoi o último des-cendente por linhagem sanguí-nea da poderosa XVIII Dinastia de reis do Antigo Egito, os tut-
méssidas, que governaram durante o período 
conhecido como Império Novo. A sua coroa-
ção ocorreu por volta de 1334 a.C., altura em 
que adotou o nome de reinado de Nebkhepe-
rure. Dado que subiu ao trono quando contava 
cerca de oito anos e viveu apenas até aos 19, 
o seu reinado foi breve. 
Reconstruir a sua existência continua a ser 
um desafio para os historiadores, a começar 
logo desde o seu nascimento. Tutankamon 
veio ao mundo entre o nono e o 12.º ano de 
reinado de Akhenaton. Era descendente de 
uma segunda esposa real, não da famosa 
rainha Nefertiti, com a qual, segundo parece, 
Akhenaton só teve filhas, o que explica o 
motivo pelo qual Tutankamon não aparece 
representado juntamente com o resto da 
família real em numerosas cenas em que os 
monarcas surgem ao lado das princesas. 
Na verdade, há várias teorias sobre a identi-
dade dos progenitores de Tutankamon, ainda 
que todas defendam que ele tinha sangue real. 
Durante décadas, a mais plausível argumen-
tava que ele era filho de Akhenaton e de Kiya, 
provavelmente a princesa mitânia Taduhepa, 
que se tornara esposa secundária do faraó e, 
provavelmente, morreu durante o parto. 
Por outro lado, um estudo forense que di-
vulgou os seus resultados em 2010 encon-
trou grandes coincidências genéticas entre 
Tutankamon e a múmia daquela que é 
conhe cida como “jovem senhora” e que, 
diz-se, terá sido sepultada juntamente com 
Akhenaton, embora não esteja comprovado. 
Consta que Akhenaton e a não identificada 
“jovem senhora” eram irmãos, ambos filhos 
de Amenófis III e da rainha Tiyi. 
Embora nenhuma das hipóteses seja con-
siderada definitiva (ainda está muito por 
demonstrar), pelo menos ambas explicam os 
elevados níveis de consanguinidade entre os 
pais de Tutankamon e que estarão por detrás 
da frágil saúde do jovem monarca. 
INFÂNCIA POUCO SAUDÁVEL 
Ao nascer, chamava-se Tutankaton, “imagem 
viva de Aton”, nome com o qual o seu pai 
honrou o disco solar durante o seu reinado. 
Desde pequeno que as suas deformações físicas 
eram facilmente visíveis. Diz-se que tinha 
lábio leporino e fenda palatina e que padecia 
de síndrome de Köhler no osso escafoide do 
pé e de uma debilid de palpável na restante 
estrutura óssea, que o fez sofrer durante toda 
a sua existência. De facto, parece que as ben-
galas como as que foram encontradas no seu 
túmulo foram companheiras contínuas ao 
longo da sua curta vida. 
O menino terá sido criado no berçário real, 
como as suas seis meias-irmãs e o seu meio-
-irmão mais velho e herdeiro do trono, 
Semenkhkare. Alguns investigadores argu-
mentam que Semenkhkare governou ao lado 
do pai durante os seus dois últimos anos de 
mandato, enquanto outros defendem que 
sobreviveu a Akhenaton e reinou sozinho 
durante um biénio. Seja como for, pode con-
firmar-se que, em princípio, Tutankamon 
nunca esperou reinar e nos seus primeiros 
anos de vida recebeu formação cortesã para 
ser príncipe. Depois da sua passagem pelo 
berçário real, o jovem continuaria a sua for-
mação no Kap, a escola da corte, com outros 
membros da família real, da nobreza e dos 
Quem foi 
Tutankamon?
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38
Estátua de pedra 
de Tutankamon, 
no estilo monumental 
típico do Egito.
39
príncipes convidados de outros territórios 
sob a influência egípcia, incluindo os her-
deiros da oligarquia núbia. 
Podemos imaginar o nosso príncipe a apren-
der a ler aos quatro anos, reconhecendo e 
pronunciando os muitos hieróglifos egípcios 
que faziam parte de um idioma formado ao 
longo de várias centenas de anos. Dominada 
a gramática, também teve de assistir a lições 
de aritmética e aprendeu a prática da retórica 
necessária para o exercício político, e até 
mesmo a reconhecer os caracteres asiáticos 
de civilizações com as quais o Egito manti nha 
relações comerciais e políticas. Além disso, 
ainda em menino, descobriu a escrita sobre 
o caro e exclusivo papiro usado na docu-
mentação oficial, bem como em óstracos, 
quadros de pedra calcária ou terracota, mais 
baratos e acessíveis e utilizados na escrita 
convencional. 
EDUCAÇÃO DE ELITE 
Esta preparação completava-se com exer-
cícios físicos, com momentos dedicados à 
natação e à luta corpo-a-corpo. Como nos 
mostram os relevos e as pinturas de cenas 
de caça, o aluno também se exercitava no 
tiro com arco, uma prática muito apreciada 
pelos reis da XVIII Dinastia. Não sabemos se 
a saúde frágil de Tutankamon lhe permitiu 
realizar por completo todas estas atividades, 
mas de alguma forma deve ter participado 
em práticas deste tipo. Algumas vezes mon-
taria a cavalo sobre os exemplares oferecidos 
aos seus pais por soberanos asiáticos, embora 
este fosse um costume pouco comum entre 
 O príncipe foi criado como tal, mas 
não estava destinado ao trono, que cabia 
por direito ao seu meio-irmão mais velho
Ruínas do pórtico 
do templo 
de Hermópolis, 
atual Ashmunein 
(gravura de 1817). 
40
os egípcios, mais habituados ao uso do carro. 
O seu destino tranquilo como membro do 
família real, sem a responsabilidade política 
agregada ao líder de toda a sociedade egípcia, 
mudou com a morte do seu meio-irmão. Foi 
então que Tutankamon se tornou herdeiro 
e soberano do país, colocando sobre a sua 
cabeça as coroas do Alto e do Baixo Egito. 
A partir desse momento, provavelmente 
mani pulado por interesses cortesãos mediados 
pelos sacerdotes de Amon, que viram nele 
uma oportunidade para recuperarem o seu 
poder, protagonizou a primeira reversão 
do período extraordinário amarniense e o 
regresso à ordem secular egípcia. 
MUDANÇA ESTRATÉGICA
Para promover a sua legitimidade ao trono, 
o ainda Tutank aton tinha casado com a sua 
meia-irmã Ankhesepaaton, filha de Akhena-
ton e de Nefertiti, o que contribuiu para que 
aquele enlace tivesse uma completa ascen-
dência real. Além disso, no segundo ano do 
Busto da rainha Nefertiti, 
conservado no Museu Egípcio 
de Berlim, que tem sido 
a fonte da sua lendária beleza.
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S
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seu reinado, os reis mudaram os seus nomes 
de nascimento. Assim, Tutankaton tornou-se 
Tutank amon, “imagem viva de Amon”, e 
a sua mulher passou a chamar-se Ankhe-
senamon. Isto pode parecer meramente 
simbó lico, mas, para os egípcios, o rei era 
a reencarnação do deus Hórus, filho de Ísis 
e de Osíris, pelo que qualquer mudança de 
nomenclatura implicava também uma modi-
ficação das crenças de todo o país. Com esta 
estratégia, a administração de Tutankamon 
estava simplesmente a reativar o culto milenar 
egípcio para se apoiar na tradição. 
No seu governo, Tutankamon foi acompa-
nhado pelo antigo servidor da corte amar-
niense, Ay, seu sucessor no trono. Ao seu 
lado, esteve também o general Horem heb 
(é possível que seja o oficial mencionado no 
reinado de Akhenaton chamado Remheb) 
que reinou depois de Ay, terminando assim 
a XVIII Dinastia e dando lugar à XIX Dinastia, 
a dos raméssidas. 
Horemheb tinha iniciado a sua carreira 
durante o novo reinado e foi o porta-voz do 
rei em matéria de política externa, com des-
tacadas ações na Núbia e na Palestina. Por seu 
lado, Ay é referido em algumas inscrições do 
reinado de Akhenaton como “o pai divino”, 
marido da ama-de-leite de Nefertiti, embora 
algumas interpretações considerem que ele 
era o pai da rainha. Isto explicaria a sua posição 
como intendente do cavalo real, tenente- 
-general do carro do faraó e seu escriba 
pessoal, além de detentor do privilégio de 
abaná-lo com o leque. Com todos estes cargos, 
que lhe permitiram ter a máxima proximi-
dade à realeza, nos primeiros anos do novo 
reinado gozou de grande influência política, 
Pormenor de um batalha contra núbios, pintada no túmulo de Tutankamon, por volta 
de 350 a.C. Os carros egípcios foram projetados para serem uma força de ataque rápido, 
com uma estrutura de madeira muito leve e partes de lona ou couro. No lado esquerdo, 
veem-se osinimigos núbios mortos em combate, espezinhados pelo carro do faraó. 
Ao centro, Tutankamon lança flechas sobre os inimigos. No lado direito, 
estão representados a comitiva e os guerreiros que acompanhavam o faraó.
42
através da qual liderou as mudanças que 
restituíram a primazia do culto a Amon e 
tiraram o faraó de Amarna. 
REINADO CURTO E MENOR 
A espetacular descoberta do túmulo de 
Tutankamon tornou-o um ícone do mundo 
egípcio, mas o seu reinado foi certamente 
de pouca importância comparado com os 
grandes reis da XVIII Dinastia. Entre outras 
questões, apesar das tentativas da adminis-
tração de Tutankamon para acabar com as 
práticas corruptas do período anterior, a 
sua morte precoce tornaria quase impossível 
completar a tarefa, de modo que a venali-
dade e a arbitrariedade do serviço público e 
do sacerdócio egípcio só seriam seriamente 
extirpadas no governo de Horemheb. Ainda 
assim, há que assinalar conquistas impor-
tantes, como o fim do isolamento provocado 
pelo regresso da chancelaria real à inter-
venção ativa na política externa, descuidada 
durante o reinado de Akhenaton ao ponto 
de se perder toda a influência alcançada nos 
tempos de Amenófis III. 
Para romper com o período anterior, 
Tutankamon abandonou Amarna (Akhet- 
-Aton, “o Horizonte do Disco Solar”), fundada 
Tutankamon foi acompanhado 
pelo servidor da corte amarniense Ay, 
seu sucessor no trono, e pelo general 
Horemheb, que reinou depois de Ay, 
encerrando a XVIII Dinastia 
e dando lugar à XIX, a dos raméssidas
43
44
A
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E Parte do conjunto 
monumental 
do Templo de 
Amon-Rá em Luxor.
A
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44
por Akhenaton. Após a morte deste, o ainda 
Tutank aton viveu durante algum tempo 
no bairro norte de Amarna, mas trocou a 
capital do seu pai por Mênfis e pelo palácio 
de Malkata, transformado em residência 
temporária durante as suas estadas em Tebas. 
Além disso, para tornar o regresso ao estado 
anterior mais forte, ordenou que lhe cons-
truíssem um túmulo perto do do seu avô, 
Amenófis III. 
TEMPO DE RECONSTRUIR
Face ao período de destruição que implicou o 
devaneio amarniense do seu pai, o tempo de 
Tutankamon foi de tentativa de reconstrução. 
As intervenções arquitetónicas levadas 
a cabo em seu nome são em maior número do 
que se tinha pensado até agora, já que, depois 
do seu breve reinado, os seus sucessores 
usurparam muitas das suas iniciativas, des-
virtuando a sua memória. Como restaurou o 
culto de vários deuses egípcios, privilegiando 
Amon, as esculturas representavam um faraó 
de regresso ao Templo de Karnak, santuário 
tebano de Amon. Por exemplo, Tutankamon 
ao lado daquele deus e da sua mulher, a deusa 
Mut. Há outros exemplos, como o de uma 
estátua colossal de Amon esculpida em Karnak 
com o rosto do nosso protagonista. 
Assim, com ele não só terminou o período 
monoteísta do reinado de Akhenaton como 
criou o seu próprio, com traços estilísticos 
de arte figurativa oficial. Se no reinado do 
seu pai a aposta recaiu em formas curvas e 
sensuais inéditas na representação de figuras 
humanas, com um grande número de cenas 
familiares da monarquia surpreendentemente 
íntimas, nas quais as personagens apresen-
tavam deformações físicas curiosas (alonga-
mento do crânio ou grandes abdómenes), no 
reinado de Tutankamon regressa-se a uma 
representação rígida do poder hierático. 
São dadas poucas concessões ao naturalismo 
e ao retrato, e os faraós são representados 
como seres que não pertencem a este mundo. 
Além disso, a conclusão da Colunata Pro-
cessional de Amenófis III, em Luxor, com a 
inclusão da sua efígie na porta da parede 
norte, é igualmente uma declaração explícita 
da vontade de se sobrepor ao reinado do pai e 
de retomar a imagem dinástica do avô através 
das artes plásticas. 
A descendência que não chegou
Tutankamon e Ankhese-
namon não tiveram filhos. 
Assim, extinguiu-se com eles 
a linhagem sanguínea da 
dinastia iniciada com o rei 
Amósis I. O casal real ainda 
esperou um herdeiro (na 
realidade, seriam duas gé-
meas), mas Ankhesenamon 
sofreu um aborto espontâ-
neo que deitou por terra os 
seus desejos. Esta teoria 
apoia-se no achado de fetos 
mumificados junto dos restos 
mortais do faraó que corres-
pondiam a duas meninas (a 
diferença de tamanho não 
impediu que os egiptólogos 
os considerassem fruto de 
uma gravidez única). Atual-
mente, está a ser procurado 
o túmulo de Ankhesenamon 
no Vale dos Reis, perto do de 
Ay, com quem Ankhesena-
mon casou após a morte de 
Tutankamon. A sua possível 
descoberta foi anunciada 
pelo egiptólogo Zahi Hawass 
em 2018, depois de detetar, 
numa escavação, restos 
de cerâmicas, alimentos e 
ferramentas compatíveis com 
a proximidade de um enterro 
real. Com a ajuda de radares, 
a expedição encontrou uma 
anomalia no subsolo que 
pode corresponder à entrada 
da sepultura.
A
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E
 
Tutankamon sentado com a mulher, Ankhesenamon, num 
suporte de madeira dourada da antecâmara do seu túmulo.
Sabemos que 
sofreu de inúmeras 
enfermidades, 
pelo que deverá ter 
usado bengalas 
desde muito cedo
45
O MISTÉRIO DA SUA MORTE 
De qualquer forma, embora na Estela de Res-
tauração de Cultos se descreva o estado mise-
rável em que o país se encontrava devido aos 
erros de Akhenaton, é importante destacar 
que Tutankamon respeitou a memória do 
pai, que só mais tarde foi considerado um 
inimigo do país. Podemos afirmá-lo porque a 
múmia de Akhenaton só foi ultrajada algumas 
décadas após a sua morte, momento em que 
a sua memória começou oficialmente a ser 
denegrida. Na verdade, a transição política de 
pai para filho foi pacífica, até porque ambos 
os reinados foram considerados, no seu tempo, 
como parte da revolução amarniense, tal como 
o de Ay, sucessor de Tutankamon. Pode, 
pois, concluir-se que a mudança foi mais 
gradual do que inicialmente se pensava. 
A
LA
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Y
Uma dinastia a querer 
transcender-se
Quando Tutankamon morreu, a rainha Ankhe-
senamon fez uma tentativa desesperada de 
impedir o fim da sua linhagem. Com esse obje-
tivo, endereçou uma carta ao rei dos hititas, 
Suppiluliuma, a solicitar o envio de um dos 
seus filhos para o Egito de modo a casar com 
ele e torná-lo faraó. Nela, a rainha confessava, 
inclusivamente, o horror que sentia face à ideia 
de poder vir a unir-se a um servidor da corte 
para evitar a perda de poder. Suppiluliuma 
demorou a convencer-se da veracidade desta 
oferta e só enviou o seu filho Zennanza depois 
de receber a confirmação de um embaixador 
que tinha passado pela corte tebana. No en-
tanto, todos os seus receios estavam certos, 
porque o príncipe foi assassinado durante 
a viagem, outra morte que se junta às acu-
sações por assassínio formuladas contra Ay. 
Alguns investigadores apontam, contudo, que 
a responsável por esta proposta ao rei hitita 
tenha sido Nefertiti, para, à morte de Akhena-
ton, ter hipótese de reinar. Daqui surgiu a ideia 
de que Semenkhkare nunca existiu e que, na 
verdade, foi o nome que Nefertiti adotou para, 
travestida de homem, aceder ao trono após a 
morte do marido.
A colunata do Templo 
de Karnak é um dos 
monumentos que 
mais informação 
oferecem 
sobre a época.
Escultura de pedra, 
provavelmente hitita, 
do rei Suppiluliuma, 
com mais de 3000 
anos de antiguidade. 
46
A morte repentina de Tutankamon deu lugar 
a várias suposições sobre as possíveis causas. 
Alguns investigadores apostaram num 
assassínio, uma vez que a múmia apresentava 
um buraco no crânio, tendo sido interpretado 
como o resultado de um golpe com um 
objeto contundente. Nos últimos anos, tam-
bém tem ganhado força a suspeita de um 
acidente de carro, que pode ter sido provocado 
ou não. 
O certo é que a rapidez com que o seu 
túmulo foi arranjado indica que não era uma 
morte esperada, talvez determinada por 
algum usurpador de poder. Além disso, as 
pinturas da sua sepultura, que parece ter sido 
um reaproveitamento de outra, foram reali-
zadas à pressa e os objetos não eram os mais 
adequados ao enterro deum rei. 
A pergunta que continua no ar é se não terá 
sido Ay o causador da sua morte, a fim de aceder 
à coroa e ao poder absoluto do Egito, se foi um 
acidente de caça ou outro ou se, pelo contrário, 
o jovem faraó Tutankamon morreu em resultado 
das suas inúmeras doenças.
S.R.R.
A
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A colunata de Luxor mostra 
a vontade de Tutankamon de colocar 
um ponto final na deriva religiosa do pai
47
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48
Os reis egípcios não tinham um, mas cinco nomes, que os definiam como o único soberano do país do Nilo e confirmavam a sua dupla 
natureza entre a humana e a divina. Entre 
os mais importantes, vale a pena destacar o 
nome de coroação (prenomen) e o nome de 
nascimento (nomen). Ambos são facilmente 
distinguíveis porque eram escritos dentro do 
cartucho, termo dado ao círculo protetor que 
emoldurava os nomes reais, pela sua seme-
lhança com as munições usadas pelos solda-
dos franceses durante as campanhas militares 
de Napoleão no final do século XVIII. 
O nomen era o que recebia especial atenção 
da parte dos reis egípcios e aquele que estava 
intimamente relacionado com as mudanças 
e a situação política do país. O paradigma 
deste facto está em Tutankamon, que teria 
inicialmente nascido com outro nome. 
Tanto ele como a sua irmã Ankhesenamon 
receberam um “nome de nascimento” que 
homenageava claramente Aton, um aspeto 
menor do deus Rá transformado em divin-
dade única quando o seu antecessor, o rei 
Akhenaton (Amenófis IV), decidiu instau-
rar a sua ideia de religião monoteísta no 
Egito. 
REGRESSO À ORDEM TRADICIONAL 
Assim, o nome de ambos era na verdade 
Tutankaton e Ankhesenpaaton. Uma vez 
restabelecida a ordem, foi aplicada uma 
damnatio memoriae que também envolvia a 
transferência da residência e da necrópole 
real para Tebas, antiga capital do país, a 
recuperação dos cânones artísticos tradi-
cionais e o regresso a uma religião politeísta, 
a qual privilegiava o deus Amon, divindade 
que, aos poucos, tinha alcançado um lugar 
relevante no panteão egípcio. 
Este claro desejo de rutura com o estado 
anterior, que se tinha totalmente oposto à 
ideia cosmogónica tradicional do Egito, foi 
materializado pelo próprio rei através de 
uma mudança de nome: agora honrava 
Amon, e o Egito seguia, mais uma vez, a 
ordem natural das coisas.
M.L.G.G.T
A importância 
de um nome
“Oh, seja outro nome! o que há num nome? 
Aquilo a que chamamos rosa 
com qualquer outro nome 
teria o mesmo doce aroma.”
William Shakespeare
(“Romeu e Julieta”)
49
A
G
E
Após a restauração da ordem
Após a restauração da ordem
Nome de nascimento original
Nome de nascimento original
 = Tutankaton
“A viva imagem de Aton”
 =Tutankamon 
“A viva imagem de Amon, 
governador de Tebas”
 =Ankhesenamon
“Ela vive para Amon”
 = Ankhesenpaaton
“Ela vive para Aton”
50
Tutankamon
Ankhesenamon
51
Otúmulo de Tutankamon continha um dote funerário composto por 5398 objetos, entre os quais vários pertences pessoais e íntimos, que 
nos dão uma imagem mais humana e próxima 
do faraó.Foram encontrados cerca de 40 baús 
de madeira que continham joias, roupas e 
outros utensílios pessoais. A coleção de tecidos, 
ainda muito pouco estudada, é considerada a 
mais importante da arqueologia egípcia. Entre 
as diferentes peças, estão as cuecas do faraó, 
a primeira roupa interior historicamente 
documentada. É uma espécie de fralda de linho, 
de forma triangular, que se colocava por baixo 
da túnica. 
Há também mais de 40 pares de sandálias, de 
vários tamanhos. Algumas foram claramente 
usadas pelo monarca, devido às marcas de 
desgaste que apresentam; outras são novas, 
para estrear no Além. Algumas das sandálias 
eram feitas com papiro e junco, enquanto 
outras eram de couro e lâminas de ouro, bor-
dadas com contas. Entre todas, destacam-se 
as sandálias em que, na base, podemos ver 
representados os seus inimigos, núbios de 
pele escura e asiáticos de barba pontiaguda, 
amarrados, simbolizando os adversários do 
rei, esmagados a cada passo sob os seus pés e 
a sua força divina.
PROBLEMAS DE SAÚDE
Dos estudos clínicos que foram sendo 
realizados ao longo do tempo à múmia 
do jovem faraó, sabemos que, entre os vários 
problemas de saúde que o seu corpo de 19 
anos apresentava, estava um pé de equino-
varo, ou pé torto (o esquerdo). Trata-se de 
uma deformação congénita que lhe deverá 
ter causado grandes dificuldades em andar 
ou manter-se de pé, pelo que necessitava de 
calçado adaptado e de bengalas, das quais 
foram encontradas 130 exemplares de vários 
tamanhos e materiais.
Entre as diferentes sandálias, Carter também 
encontrou algumas que apresentavam 
uma estrutura curiosa que garantia melhor 
aderência do pé esquerdo quando pousado 
no chão. Tutankamon terá tido, sem dúvida, 
o que podemos considerar o primeiro sapato 
ortopédico da história.
Todos estes objetos pessoais do monarca 
revelam uma imagem invulgar: a de uma 
criança frágil, incapacitada, com sapatos 
adaptados e que precisava de bengalas para 
poder manter-se de pé, o que deve ter sido 
muito difícil para um dos faraós mais conhe-
cidos da história do Egito.
V.B.T
Objetos 
pessoais
52
As peças dão 
muita informação 
sobre a vida de 
Tutankamon
No túmulo, havia 
mais de 40 pares 
de sandálias, todas 
muito ornamentadas, 
em cuja base se 
podem observar 
representações 
dos seus inimigos. 
Algumas estavam 
adaptadas ao seu 
problema dos pés.
O cabo de uma 
das bengalas 
do faraó que 
o ajudavam 
a manter-se de pé 
representa 
dois dos seus 
escravos ou 
prisioneiros.
Este frasco 
cosmético continha 
uma mistura de 
gorduras vegetais 
e animais. 
O leão representa 
Tutankamon 
por cima dos 
seus inimigos 
tradicionais, da 
Núbia e da Ásia.
O trono real de 
Tutankamon é feito 
de madeira, folha 
de ouro, prata, 
gemas de vidro 
e pedras preciosas. 
A sua elaboração 
é de uma 
complexidade 
extraordinária.
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53
Após sete anos a escavar no Vale dos Reis, a longa e até então infrutífera expedição de Howard Carter estava prestes a fazer perder a paciência 
ao seu mecenas, lord Carnarvon. Porém, o 
milagre aconteceu, e aquela associação de 
talento e dinheiro que começara em 1908 deu 
frutos em 4 de novembro de 1922, quando 
o arqueólogo inglês descobriu o túmulo de 
Tutankamon, o mausoléu faraónico mais 
bem preservado e intacto jamais encontrado. 
O achado viria a desencadear a febre da egip-
tologia no início do século XX e fez correr rios 
de tinta. Por essas águas da imprensa, navegou 
também a notícia sensacionalista de que o 
túmulo carregava uma terrível maldição que 
se abateria sobre quem ousasse profaná-lo. 
Sobre o achado, Carter ficou com todas as 
honras, mas a verdade é que o túmulo foi des-
coberto por um rapaz de dez anos, chamado 
Hussein. Aguadeiro oficial da missão, foi ele 
que, naquele dia, ao escavar com as mãos a 
areia para acomodar os seus potes de barro, 
encontrou acidentalmente o primeiro 
degrau de uma escada esculpida na pedra, 
quatro metros abaixo da entrada do túmulo de 
Ram sés VI. Quando isto aconteceu, o teimoso e 
solitário Carter tinha 47 anos e andava há 30 
à procura de algo assim nas areias do Egito, 
mas sem sucesso. 
Retirada a areia da escada, esta conduzia a uma 
porta decorada e trancada. Carter introduziu 
uma lanterna elétrica por um pequeno buraco 
e avistou uma passagem. “Precisei de auto-
controlo para evitar derrubar a porta”, disse. 
Carter ordenou que o achado fosse coberto e 
guardado, enquanto atravessava o Nilo para 
enviar um telegrama a Carnarvon, que chegou 
à cidade no final daquele mês. Em 16 de feve-
reiro de 1923, a câmara funerária foi aberta, 
na presença do próprio Carter, de Carnarvon, 
de Arthur Callender, amigo de Carter e antigo 
funcionário egípcio, de lady Evelyn Herbert, 
filha de Carnarvon, do químico Alfred Lucas 
e do fotógrafo Harry Burton. 
As portas exteriores das câmaras tinham sido 
abertas e saqueadas duas vezes na Antiguidade, 
mas as da terceira, coberta de ouro, que 
continha o sarcófagoreal, ainda estavam 
seladas, sugerindo que o seu conteúdo estaria 
intacto. Foi Carter quem quebrou o selo de 
entrada. No fundo de um corredor, numa 
segunda parede, fizeram uma pequena aber-
tura pela qual o inglês introduziu uma luz. 
Embora o seu mecenas, lord Carnarvon, e a sua 
filha, lady Evelyn, estivessem ao seu lado, foi 
o egiptólogo o primeiro a ver o sarcófago de 
Tutankamon. Os seus olhos contemplaram ao 
vivo, pela primeira vez, os restos milenares 
do faraó e todo o seu dote funerário.
MORTES ESTRANHAS
Dois meses depois, quando os trabalhos no tú-
mulo mal tinham começado, lord Carnarvon 
morreu inesperadamente no Cairo. A sua morte 
prematura, aos 56 anos, foi oficialmente atri-
buída a “uma pneumonia devida a erisi pe las”, 
infeções cutâneas causadas por estrep to co cos. 
Dizia-se que tinha cortado uma borbulha de 
mosquito ao fazer a barba e que a infeção se 
espalhara, culminando numa pneumonia 
devastadora (foi o que o seu filho contou à 
egiptóloga Christiane Desroches). 
Carnarvon tinha uma saúde delicada, devido 
a um acidente de automóvel que quase lhe 
custou a vida, pelo que sofria com frequência 
de infeções pulmonares, mas depressa 
começou a surgir uma versão muito diferente 
que fez crescer a lenda da maldição da múmia, 
para a qual contribuíram outras mortes 
A lenda 
da maldição
54
55
G
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“Estes homens encontrarão 
ouro... e morte!”, terá 
gritado um dos operários 
egípcios quando viu Carter 
entrar no túmulo. 
A maldição das múmias 
já era uma lenda popular.
estranhas para além da do próprio conde: a de 
Arthur Mace, que abriu o túmulo ao lado de 
Carter e morreu antes de ele ser esvaziado; a do 
irmão de lord Carnarvon, Aubrey, que morreu 
subitamente no mesmo ano; a de sir Archibald 
Douglas Reid, que tinha radiografado a múmia; 
a do magnata norte-americano George Jay 
Gould, que morreu de pneumonia depois de 
visitar o túmulo; a de Richard Bethell, secre-
tário de Carter, que se finou estranhamente 
também em 1929. 
A verdade é que estudos posteriores revelaram 
que, das 58 pessoas que estiveram presentes 
durante a abertura do túmulo e do sarcófago, 
apenas oito morreram ao longo dos doze anos 
seguintes, mas estes acontecimentos não 
fizeram mais do que avivar a imaginação 
da imprensa, que difundiu a ideia de que as 
estranhas mortes eram consequência da 
profanação do túmulo (os jornais ingleses 
chegaram a atribuir 30 mortes à maldição). 
MALDIÇÃO ALIMENTADA
Howard Carter nunca acreditou na maldição, 
chegando a referir: “O espírito de compreen-
são inteligente está ausente dessas ideias 
estú pidas.” A sua própria morte, 17 anos após 
a descoberta, ocorrida em Londres, aos 64 anos, 
uma idade avançada para a época, e devida à 
doença de Hodgkin, é o melhor argumento 
para os detratores da maldição. Porém, vários 
fatores alimentaram a fantasia popular: a 
segurança (provavelmente, o mito visava 
assustar os ladrões de túmulos para que se 
mantivessem afastados) e a imprensa. 
A história da maldição foi impulsionada pelos 
jornais da época, talvez pelo próprio Times, 
que tinha conseguido o exclusivo do achado. 
Personagens como o escritor escocês Arthur 
Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, e 
56
A imprensa inglesa 
atribuiu à maldição 
a morte de 30 pessoas, 
incluindo Carnarvon
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a popular romancista britânica Marie Corelli 
também colocaram achas na fogueira. O pri-
meiro, segundo publicou a imprensa na altura, 
atribuiu a morte de Carnarvon a um “mal 
elementar” guardado no túmulo, que assim 
se vingava dos seus profanadores; a segunda 
escreveu uma carta ao jornal New York World, 
alegando conhecer velhos textos árabes que 
mencionavam uma maldição antiga (“A morte 
estenderá as suas asas sobre todo aquele que se 
atrever a entrar no túmulo selado de um faraó”) 
e que falavam de venenos depositados nos 
túmulos egípcios para aniquilar aqueles que os 
profanassem. Apesar de tanto egiptólogos 
como médicos terem desprezado a teoria do 
veneno, acabaram por fornecer outra hipótese: 
germes que causariam uma infeção fatal. 
EXPLICAÇÃO LÓGICA?
A teoria de que lord Carnarvon morreu de 
uma infeção causada por fungos adormecidos 
durante séculos no túmulo de Tutankamon 
perdurou porque chamou a atenção da ciên-
cia. Muitos cientistas começaram a discutir 
a versão infecciosa e várias revistas médicas, 
como a The Lancet, publicaram estudos a esse 
respeito. O microbiólogo Raul Rivas escreveu 
que alguns agentes patogénicos, como o 
Asper gillus niger, o Aspergillus terreus ou o 
Aspergillus flavus, conseguiram permanecer 
trancados na câmara real durante milénios, 
acabando por atacar o imunodeprimido Car-
narvon. 
O facto de os esporos de Aspergillus poderem 
permanecer adormecidos por longos períodos 
de tempo nos pulmões explicaria que não 
tivesse apresentado sintomas de infeção nos 
cinco meses a seguir à entrada na sepultura, 
além de poderem estar relacionados também 
com a infeção que sofreu nos olhos e nas fossas 
nasais. O certo é que, ainda hoje, a história da 
infeção fúngica tem mais de rumor do que de 
verdade. É uma ideia plausível como explica-
ção para a morte de Carnarvon, mas a ciência 
não pode afirmar categoricamente que foi a 
causa. 
C.E.T
Ao quebrar o selo 
que fechava 
a terceira câmara 
do túmulo 
de Tutankamon 
(a que continha 
o sarcófago real), 
Howard Carter 
abriu a porta 
à lenda da 
“maldição 
da múmia”.
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A época da 
XVIII Dinastia
P or volta de 1540 a.C., inicia-se, no Egito, o período conhecido como Império Novo, uma era que vai fazer florescer todo o vale do Nilo. Será 
uma das fases mais apaixonantes e de maior 
esplendor de toda a história do país. Tebas 
torna-se a residência real, a grande capital do 
Egito, uma fabulosa metrópole que se estendia 
por mais de 93 quilómetros quadrados, na 
margem oriental do Nilo. Era o reino do deus 
Amon, cujo filho terreno era o faraó. 
Do outro lado do rio, na margem ocidental, 
onde o Sol se põe, encontrava-se a montanha 
tebana, ou sagrada, onde se estendiam todas 
as necrópoles reais e civis da capital e os 
templos funerários dos faraós; era o reino 
de Osíris, senhor do Além. Os egípcios 
chamavam a este lugar el-Gurn ou monte 
ta-sejet-aat. O Corno ou Pico Tebano eleva-se 
a 420 metros de altitude e a forma da mon-
tanha possui uma geometria curiosa que 
lembra as pirâmides, lugar de enterros reais 
no Império Antigo. É possível que este ele-
mento geomorfológico tenha impulsionado 
os primeiros faraós da XVIII Dinastia a 
escolher este impressionante lugar para 
acomodar, sob o sol escaldante do deserto, 
as suas moradas eternas. 
EXPULSAR OS ESTRANGEIROS 
Ao longo de vários séculos, o Egito viveu con-
tínuas flutuações, períodos de declínio e de 
florescimento, crises de poder, guerras civis. 
Houve, inclusivamente, reis estrangeiros a 
governar o vale do Nilo. No entanto, poucos 
acontecimentos foram tão importantes como 
os ocorridos por volta de 1550 a.C. Cerca de 
cem anos antes, governantes de origem asiá-
tica já tinham assumido o poder no Egito, 
aproveitando a fraqueza dos reis e a decadên-
cia da etapa conhecida como Império Médio. 
Pela primeira vez na sua história, o país estava 
a ser governado por estrangeiros, os hicsos, 
termo que vem do antigo egípcio heqa kha-
sewet, que significava literalmente “gover-
nante de terras estrangeiras”. 
Entre os muitos vassalos dos hicsos, encon-
travam-se nobres de Tebas que durante a 
XVII Dinastia sempre cooperaram sem qual-
quer resistência, até ao reinado de Seqenenre, 
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Esta gravura retrata a invasão dos hicsos, um termo que vem do egípcio antigo heqa khasewet e significava 
literalmente “governante de terras estrangeiras”. 
Avenida das Esfinges no Templo de Karnak, em Luxor.
60
que deu início à guerra de libertação do Egito. 
Durante anos, lutas intensas abalaram o vale 
do Nilo, até que, por fim, cerca do ano 1540 
a.C.,Amósis I saiu vitorioso quando enfrentou 
os “governantes estrangeiros” e subiu ao 
trono, inaugurando a XVIII Dinastia e uni-
ficando o país. É assim que começa uma das 
etapas mais importantes e florescentes do 
Antigo Egito. 
MAIOR CIDADE DO MUNDO
O historiador inglês Ian Morris (n. 1960) 
estimou que, por volta do ano 1500 a.C., Tebas 
seria a maior cidade do mundo, com uma 
população de mais de 75 mil habitantes. O deus 
tebano Amon foi nomeado deus do Império, 
e em sua honra foram construídos vários 
santuários. O Templo de Karnak tornou-se 
o maior centro religioso do mundo de então, 
um complexo de recintos sagrados dedicado 
aos deuses mais importantes do Egito. 
Esta espetacular construção destaca-se pela 
sua sala hipóstila, com mais de meio hectare, 
e pelas 134 gigantescas colunas papiriformes 
que a sustentam. Os seus colossais fustes 
foram completamente decorados com relevos 
policromados e simbolizam o grande pântano 
primitivo a partir do qual surgiu a vida no 
Egito. Todos os faraós desta dinastia quiseram 
engrandecer a majestosidade do lugar, cons-
truindo templos, capelas e locais de culto 
que, progressivamente, foram dando maior 
poder à classe sacerdotal. 
Os primeiros reis da XVIII Dinastia começaram 
a proteger as fronteiras do Egito, reforçando 
militarmente os territórios conquistados no 
Médio Oriente e na Núbia. O país começou 
a abrir-se cada vez mais ao exterior e o 
comércio e a arte floresceram por todo o lado. 
A rainha Hatshepsut chegou ao trono em 1479 
a.C., depois da morte do seu meio-irmão 
e marido Tutmés II. Com o seu reinado, iria 
escrever-se um dos capítulos mais apaixo-
nantes das famílias reais egípcias. 
INÍCIO DO FLORESCIMENTO
Depois de ficar viúva, Hatshepsut tornou-se 
corregente com o seu sobrinho menor, Tut-
més III, filho do marido e de uma das suas ASC
Todos os reis fizeram 
Questão de engrandecer 
o Templo de Karnak, 
o que deu mais poder 
aos sacerdotes
Osíris era 
o Senhor 
dos Mortos 
na antiga 
religião egípcia. 
Podemos 
vê-lo aqui com 
o traje mortuário 
com que se 
mumificava. 
É uma ilustração 
baseada em 
obras do Império 
Novo. 
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Coluna 
com a cabeça 
da deusa Hathor, 
representada 
com orelhas 
de vaca
A localização privilegiada 
do Templo Mortuário 
de Hatshepsut 
sublinha ainda mais 
a sua magnificência. 
As montanhas, 
ao fundo, cobrem-no 
como um manto.
62
Fascínio sem fi mesposas secundárias. Não demorou muito 
para se autoproclamar faraó, fazendo-se 
representar até com o arquétipo próprio de 
um faraó: físico masculino, rosto e corpo 
vigorosos, toucado e a cerimonial barba pos-
tiça, como podemos observar nas imagens 
do seu emblemático templo funerário em 
Deir el-Bahari. 
A história da sua vida esteve ligada a diferentes 
lutas pelo poder, que lhe pertencia legitima-
mente desde o nascimento. A ascensão da 
rainha ao trono aconteceu graças ao apoio de 
um grupo de poderosos e influentes funcio-
nários da corte real. Hoje em dia, sabemos que 
o seu reinado foi um dos mais florescentes, 
do ponto de vista artístico, de todo o Egito. 
A arte e a cultura tiveram um impulso incrível 
em todo o vale do Nilo, muitas tradições 
antigas reativaram-se, ao mesmo tempo que 
surgiram grandes inovações. A rainha-faraó 
atribuiu grande importância à construção e ao 
restauro de edifícios religiosos, bem como aos 
contactos comerciais e diplomáticos com 
países estrangeiros. 
Impressionante, também, foi a expedição 
comercial que, no oitavo ano do seu reinado, 
Hatshepsut enviou ao país de Punt, cuja 
localização exata ainda hoje se desconhece. 
Os esplêndidos relevos do seu templo fune-
rário narram que a expedição durou vários 
meses e percorreu mais de mil quilómetros 
em terras e mares estrangeiros, e que regres-
sou com árvores de mirra, incenso, animais 
exóticos, ouro e pedras preciosas. A viagem a 
Punt foi um marco na história da humani-
dade, por ter sido a primeira grande decisão 
estratégica de política internacional com o 
objetivo de controlar uma rota comercial 
importante, neste caso para os interesses 
do Egito. 
DO PACIFISMO À GUERRA
Tudo o que o reinado de Hatshepsut teve de 
pacífico se revelou belicoso e militar no do 
seu sucessor, Tutmés III. Depois de subir ao 
trono, este mandou destruir todos os monu-
mentos da sua antecessora (usurpou alguns) e 
fez apagar o nome da rainha enquanto faraó, 
de tal forma que as listas de reis que surgiram 
posteriormente não mencionam a presença 
desta mulher no trono do Egito. Ficaram 
famosas as suas campanhas militares contra 
os mitani, no atual Curdistão, assim como as 
realizadas na zona da Líbia e na Alta Núbia. 
Com Tutmés III, Tebas tornou-se uma grande 
capital cultural e comercial. 
Amenófis III, o nono faraó da XVIII Dinastia, 
Fascínio sem fi m
Desde que, em 1922, Howard Carter 
descobriu o túmulo surpreendente do 
faraó esquecido, demorou mais de 
dez anos a escavá-lo, documentá-lo 
e extrair todo o seu tesouro. Hoje, 
esta incrível história cheia de mistério 
continua a fascinar, e a sua máscara 
de ouro, passados 3300 anos, con-
tinua a cativar o olhar de milhões as 
pessoas. Carter escreveu: “A más-
cara de ouro batido, um belo e único 
exemplar da antiga arte retratista, tem 
uma expressão triste mas tranquila, 
evocando a juventude ceifada prema-
turamente pela morte. Esta máscara 
é, sem dúvida, uma das mais incríveis 
joias de ourivesaria jamais realizadas. 
Composta por onze quilos de ouro 
puro, lápis-lazúli, cornalina, turquesa, 
massa vítrea, quartzo e obsidiana, 
apresenta um rosto com uma elegân-
cia inigualável. A parte traseira contém 
um texto extraído do capítulo 151 do 
Livro dos Mortos, no qual se equipa-
ram os órgãos sensoriais do falecido a 
divindades. Ao recitar o texto, o sobe-
rano torna-se um ser todo-poderoso. 
Este feitiço era um fortíssimo talismã 
na viagem para o Além e no caminho 
para a eternidade.” Extrair a máscara 
do corpo mumificado do faraó não foi 
tarefa fácil. O próprio Carter contou: 
“Estava tão presa que tive de arran-
car a escopro o material por baixo 
do tronco, dos braços e das pernas 
para poder levantar os restos mortais 
do rei.” O corpo estava praticamente 
colado ao caixão por uma substância 
negra solidificada, por certo relacio-
nada com uma quantidade excessiva 
de óleos e resinas usados durante a 
mumificação.
A grandiosidade 
do Templo 
Mortuário 
de Hatshepsut
atesta 
a importância 
da rainha-faraó
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Nenhum outro faraó da XVIII Dinastia 
se fez representar tanto como Amenófis III
Relevo pintado 
na colunata sobre 
a expedição a Punt, 
no Templo Mortuário 
de Hatshepsut 
em Deir el-Bahari.
Busto de madeira de Tutankamon, 
encontrado no seu túmulo.
Os Colossos de Mémnon são duas estátuas gémeas que mostram Amenófis III 
a olhar para leste, em direção ao Nilo e ao Sol nascente.
64
proporcionou estabilidade e bem-estar ao 
país. A sua política caracterizou-se por uma 
audaciosa diplomacia com os reinos estran-
geiros, através dos seus casamentos com as 
filhas de príncipes e governantes dos povos 
vizinhos. Nenhum outro faraó da sua dinastia 
mandou construir, por todo o país, tantos 
e tão monumentais templos e estátuas de si 
mesmo. Vale a pena destacar, por exemplo, 
os Colossos de Mémnon, que se encontravam 
à entrada do seu templo funerário. 
Akhenaton subiu ao trono quando o seu irmão 
mais velho, o príncipe-herdeiro, morreu 
prematuramente. Este monarca deu início a 
uma nova etapa na história da arte no Egito. 
Foi um rei visionário e radical e um grande 
reformista. Quando Akhenaton morreu, subiu 
ao trono um soberano efémero, seguindo-se 
uma criança com oito ou nove anos chamada 
Tutankaton, que depois mudou de nome para 
Tutankamon. 
FINAL INESPERADO 
Tutankamon reinou apenas durante cerca de 
dez anos, e o seu pequeno túmulo, pouco ade-
quado para um faraó, leva a pensar que a sua 
morte foi súbita e que a sua verdadeira morada 
para o Além ainda não estava preparada. A sua 
sepultura foi arranjada e decorada à pressae 
de forma pouco cuidada. Em contrapartida, o 
seu incrível enxoval funerário, composto por 
5398 objetos, continua a ser, ainda hoje, objeto 
de inúmeros estudos e análises. 
Tutankamon morreu aos 19 anos, sem deixar 
herdeiros (as suas filhas morreram antes). Como 
disse Howard Carter (1874–1939), o arqueólogo 
inglês que descobriu o seu túmulo quase intacto,
 em 1922, se alguma das filhas de Tutankamon 
tivesse sobrevivido e reinado, a história do Egito 
teria sido muito diferente. Assim, acabou por 
extinguir-se a XVIII Dinastia.
V.B.T
Busca incessante da morada eterna
Dos 62 túmulos já desco-
bertos no Vale dos Reis, 
apenas 24 pertencem 
realmente a faraós. Na ta-
bela abaixo, são referidos, 
por ordem cronológica, 
os da XVIII Dinastia (1550 
a 1295 a.C.) cujo túmulo 
foi encontrado; KV (Kings’ 
Valley) ou WV (West Valley); 
a data da sua descoberta; 
a pessoa que o descobriu 
e o tamanho do túmulo em 
metros. Num dos ramais 
ocidentais do Vale dos Reis 
(Kings’ Valley) está o Vale 
dos Macacos ou Oci-
dental (West Valley), local 
onde foram encontrados 
quatro túmulos de faraós 
das dinastias XVIII, XIX e 
XX. Podemos ver que o 
túmulo de Tutankamon é o 
segundo mais pequeno da 
sua dinastia, o que indicia 
que o enterro do faraó foi 
repentino e improvisado. A 
localização exata da última 
morada de muitos faraós 
continua a ser um mistério.
XVIII Dinastia Túmulo Descobrimento Descobridor Tamanho
Tutmés I (m. 1493 a.C.) KV 38 1899 Loret 25 m
Tutmés II (c. 1510–1479 a.C.) KV 42 1900 Carter 50 m
Hatshepsut (c. 1507–1458 a.C.) KV 20 1903 Carter 200 m
Tutmés III (1481–1425 a.C.) KV 34 1898 Loret 55 m
Amenhotep II (m. 1401/1397 a.C.) KV 35 1898 Loret 60 m
Tutmés IV (m. 1391/1388 a.C.) KV 43 1903 Carter 90 m
Amenhotep III (c. 1401–1353/1351 a.C.) WV 22 1799 Jollois / 
Devillier
100 m
Tutankamon (c. 1342–c. 1325 a.C.) KV 62 1922 Carter 40 m
Ay (m. 1323/1319 a.C.) WV 23 1816 Belzoni 55 m
Horemheb (m. 1292 a.C.) KV 57 1908 Ayrton 114 m
65
66
O esplendor 
de Luxor
PÁTIO SOLAR 
DE AMENÓFIS III
SALA
DO SANTUÁRIO
CAPELA
DA BARCA
DE JONSUDE JONSUDE JONSU
CAPELA
DA BARCA
DE MUT
CAPELA
DA BARCA
DE AMON SALA 
HIPOSTILA
TERRAÇOS
DO PÁTIO
GRANDE 
COLUNATA
OTemplo de Luxor, um dos locais de culto mais antigos do mundo, serve como referência para entender a magnitude das cons-
truções egípcias. Foi erguido na antiga 
Tebas por volta de 1400 a.C. Dedicado à tríade 
tebana (Amon, Mut e Khonsu), estava 
relacionado com o Templo de Karnak, nas 
proximidades, do qual se separava por uma 
avenida de dois quilómetros rodeada por 
700 esfinges com cabeça de carneiro. Um 
caminho que, uma vez por ano, na Festa de 
Opet, era percorrido por Amon, o deus do 
Sol, quando este regressava da visita à deusa 
Mut, sua mulher, em Luxor (Khonsu, o deus 
da Lua, foi o resultado da união de ambos). 
A viagem de ida desde Karnak era feita de 
barco, pelo rio. Iniciado por Amenófis III, 
67
R
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OBELISCO 
LEVADO 
PARA PARIS
DECORAÇÃO
POLÍCROMA
PÁTIO SOLAR 
DE RAMSÉS II
ACESSO 
AO CAIS
GRANDE 
PILONE DE 
RAMSÉS II
PORTA 
DO POVO
que construiu a parte interior do templo, 
viria a ser acabado por Ramsés II, que pro-
jetou o recinto externo. Outros reis também 
intervieram na sua construção, como 
Tutan kamon, Horemheb e, até, o conquis-
tador grego Alexandre, o Grande. Tinha 260 
metros de comprimento e 50 de largura. 
A construção inicial era formada por um 
grande pátio solar, a sala hipostila, o ves-
tíbulo e o santuário. Mais tarde, Ramsés II 
acrescentaria outro pátio, a fachada, os 
grandes colossos e os obeliscos. As paredes 
do pilone descrevem a batalha de Kadesh, 
travada por Ramsés II contra os hititas. Dois 
obeliscos ladeavam a porta, mas, em 1836, 
um deles foi removido e levado para Paris, 
onde ainda hoje se encontra, na Praça da 
Concórdia, frente ao pátio do Louvre.
68
METROPOLITAN MUSEUM OF ART
Mulher e menina do tempo de Akhenaton, num baixo-relevo de 1349 a 1336 a.C. 
69
A sociedade do Antigo Egito estru-turava-se em torno da família e era tremendamente hierarqui-zada e administrada por uma 
elite minoritária. Neste contexto organi-
zacional, as egípcias ocupavam um lugar 
decisivo. A capacidade administrativa, legal 
e jurídica das mulheres egípcias do período 
faraónico estava equiparada, em muitos 
aspetos, à dos homens. 
É o que os textos indicam, ao mesmo 
tempo que nos informam do 
afeto e do respeito que 
o varão nutria pela mãe 
ainda no seio familiar, 
partilhado depois, com as 
devidas precauções, com 
a mulher, como podemos 
ler em frases de sábios: 
“Divide ao meio a comida 
que a tua mãe te deu, susten-
ta-a como ela te sustentou. Ela 
teve uma carga pesada contigo, 
mas nunca te abandonou.” 
“Não abras o teu coração à 
tua mulher; o que quer que 
lhe digas pertencerá à rua... 
Abre-o com a tua mãe, que 
é uma mulher discreta.”
SER MULHER 
NO EGITO DOS FARAÓS 
A partir dos escritos e de várias cenas que 
decoram as paredes de túmulos, templos e 
papiros, entre muitos outros suportes, é fácil 
deduzir que a mulher egípcia participava ple-
namente na sociedade em que estava inserida. 
As imagens mostram-nos desde mulheres de 
classes superiores às mais simples envolvidas em 
diversas atividades, representadas em cenas 
que nos permitem observar o quotidiano 
da sociedade egípcia sob uma pers-
petiva de género. 
As inscrições associadas às 
suas figuras indicam-nos 
os cargos que as mulheres 
podiam ocupar e os níveis 
sociais que algumas che-
gavam a alcançar, mas 
é precisamente em re-
lação a essas hierarquias 
que constatamos que ser 
mulher limitava muito as 
egípcias. Não eram muitas 
as posições relevantes às 
quais as damas da elite 
podiam aspirar, embora 
algumas, sempre em 
número inferior ao dos 
seus pares masculinos, 
atingissem elevadas 
posições nos escalões 
mais destacados do 
governo e do clero. Foi o 
que aconteceu ao longo da 
história do estado faraónico, 
que reconhecia e respeitava 
os direitos das mulheres, 
mas, normalmente, as su-
bor dinava à figura masculina.
G
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A vida 
das mulheres
A vida A vida 
AA sociedade do Antigo Egito estru-sociedade do Antigo Egito estru-turava-se em torno da família e turava-se em torno da família e era tremendamente hierarqui-era tremendamente hierarqui-zada e administrada por uma zada e administrada por uma 
elite minoritária. Neste contexto organi-elite minoritária. Neste contexto organi-
zacional, as egípcias ocupavam um lugar zacional, as egípcias ocupavam um lugar 
decisivo. A capacidade administrativa, legal decisivo. A capacidade administrativa, legal 
e jurídica das mulheres egípcias do período e jurídica das mulheres egípcias do período 
faraónico estava equiparada, em muitos faraónico estava equiparada, em muitos 
aspetos, à dos homens. aspetos, à dos homens. 
É o que os textos indicam, ao mesmo É o que os textos indicam, ao mesmo 
tempo que nos informam do tempo que nos informam do 
afeto e do respeito que afeto e do respeito que 
o varão nutria pela mãe o varão nutria pela mãe 
ainda no seio familiar, ainda no seio familiar, 
partilhado depois, com as partilhado depois, com as 
devidas precauções, com devidas precauções, com 
a mulher, como podemos a mulher, como podemos 
ler em frases de sábios: ler em frases de sábios: 
“Divide ao meio a comida “Divide ao meio a comida 
que a tua mãe te deu, susten-que a tua mãe te deu, susten-
ta-a como ela te sustentou. Ela ta-a como ela te sustentou. Ela 
teve uma carga pesada contigo, teve uma carga pesada contigo, 
mas nunca te abandonou.” mas nunca te abandonou.” 
“Não abras o teu coração à “Não abras o teu coração à 
tua mulher; o que quer que tua mulher; o que quer que 
lhe digas pertencerá à rua... lhe digas pertencerá à rua... 
Abre-o com a tua mãe, que Abre-o com a tua mãe, que 
é uma mulher discreta.”é uma mulher discreta.”
das mulheresdas mulheres
Uma princesa 
de Amarna, talvez 
Nefertiti, numa 
escultura de 
quartzito rosa 
de 29 cm de altura,atualmente no Museu 
do Louvre (Paris).
DEUS VIVO
Segundo a ideologia faraónica, o trono do 
Egito estava destinado ao homem. Uma vez 
no poder, a natureza humana dessa persona-
gem fundia-se com uma divindade poderosa: 
o deus Hórus. Nessa capacidade, o faraó, 
enquanto expressão máxima da realeza, tor-
nava-se o instrumento sagrado que mediava 
entre os deuses e a humanidade. A sua con-
dição de Hórus vivo obrigava-o a proteger o 
reino de ameaças e adversidades. 
Nessa missão sagrada, que envolvia dirigir e 
proteger o país que governava, o faraó atuava 
ao lado da Grande Esposa Real, título de grande 
significado que mostrava a importância da 
mulher nos meandros do poder real. 
TRANSMISSORAS DA REALEZA 
Essa tradição ditava que a esposa principal do 
faraó, que coexistia com outras esposas e con-
cubinas do monarca, tinha de ser de linha-
gem real, pois eram as princesas nascidas 
das esposas principais que transmitiam a rea-
leza faraónica. Estas mulheres transferiam 
a sua condição sagrada para o marido através do 
casamento, e as filhas nascidas de ambos 
herdariam a mesma capacidade da mãe para 
transmitir a realeza. 
Esta perceção dotou as princesas reais de 
grande transcendência e implicou que, ao 
longo da história do Egito faraónico, se rea-
lizassem casamentos entre irmãos, meios-
–irmãos e, até, entre pais e filhas, embora 
muitos destes enlaces fossem meramente 
simbólicos e respondessem a razões proto-
colares. 
Ao longo da história do Antigo Egito, estes 
preceitos ideológicos foram sendo obviados, 
em certas ocasiões. Durante a XVIII Dinastia, 
verificaram-se, até, algumas irregularida-
des. A que mais se destaca é a ascensão ao 
trono da rainha Hatshepsut, ocorrido pouco 
depois de 1470 a.C. Na mesma dinastia, houve 
esposas principais na realeza faraónica, como 
a rainha Tiy e Nefertiti, que não pertenciam à 
linhagem dinástica. No entanto, apesar da sua 
chegada irregular à realeza, estas duas 
mulhe res afirmaram fortemente o seu poder: 
atuaram à margem da discrição que havia 
caracterizado as suas antecessores e deixaram 
a sua autoridade registada em inúmeros 
monumentos da época. 
SENHORA DA CASA
Como viviam as mulheres naquele tempo? 
Nos túmulos dos homens da XVIII Dinastia, 
é frequente encontrar cenas que mostram o 
dono do monumento e a sua mulher. Ambas 
as figuras costumam estar equiparadas em 
tamanho e no tipo de ornamentos que exi-
bem. As inscrições hieroglíficas, dedicadas 
principalmente ao varão, incluem, em regra, 
o nome da sua mulher acompanhado pelo 
título de “senhora da casa”, o que assinala 
a sua importância no âmbito do lar. Outras 
vezes, as inscrições expunham, se fosse o 
caso, o cargo por ela detido, frequentemente 
relacionado com o culto de uma divindade. 
70
G
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Y
As filhas 
de Akhenaton 
foram largamente 
representadas, 
o que demonstra 
a sua importância; 
aqui, num fresco 
de Amarna datado 
de 1353 a 1335 a.C.
Alguns destes túmulos também oferecem 
representações de banquetes ou outras 
celebrações em que participam grupos femi-
ninos. Essas mulheres aparecem cobertas com 
amplos vestidos de linho, grandes perucas e 
adornadas com joias e outros acessórios que 
fazem sobressair a sofisticação e o luxo femi-
nino da época nos círculos mais abastados. 
Nestas representações, as mulheres da 
nobreza são cuidadas por jovens que se cobrem 
apenas com uma faixa de tecido, expondo 
os seus corpos com naturalidade. Algumas 
destas jovens integram orquestras femininas 
que acompanham a festa, atuando ao lado de 
outras tangedoras de instrumentos que usam 
igualmente vestidos requintados. Na deco-
ração de túmulos, templos e capelas, veem-se 
ainda cenas em que dançarinas profissionais 
animam as mais diversas celebrações. 
Noutros suportes semelhantes, as mulheres 
aparecem como carpideiras nos cortejos 
fúnebres que acompanhavam os defuntos até 
ao cemitério, bem como em variadíssimas 
cenas da vida quotidiana. No entanto, o número 
em que estas figuras surgem representadas é 
sempre menor do que o dos homens em tarefas 
semelhantes. 
Resumidamente, a partir destas e de outras 
fontes documentais, sabemos que as mulhe res 
egípcias de diferentes meios sociais da XVIII 
71
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Este baixo-relevo de Amarna pode representar Akhenaton e Nefertiti, 
Semenkhkare e Meritaton ou Tutankamon e Ankhesenamon.
G
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Tutankhamon e Ankhesenamon sob 
o disco solar, no encosto de um dos 
tronos encontrados no seu túmulo.
Dinastia cuidavam das suas casas e participa-
vam nos cultos dos deuses, atendiam como 
anfitriãs, convidadas ou servas em várias fes-
tividades, eram músicas e dançarinas, chora-
vam os seus mortos e participavam nos rituais 
fúnebres, trabalhavam no campo, cuidavam 
das crianças e desempenhavam tarefas de 
intendência. 
GRANDE ESPOSA REAL 
No nível superior daquela sociedade, havia 
espaço para as damas da realeza. Entre elas, 
destacava-se a figura da Grande Esposa 
Real, que ocupava os cargos mais relevantes 
do clero feminino, seguindo-se, por ordem de 
importância, as princesas nascidas dela, 
capazes de transmitir a condição divina, e a 
mãe do rei. Ainda nesse meio, conviviam as 
outras esposas oficiais do faraó e as suas con-
cubinas. 
Entre as primeiras mulheres de sangue real 
da XVIII Dinastia, esteve a princesa Ahho-
tep, filha do rei tebano Seqenenre Taa I e da 
rainha Tetisheri, monarcas da XVII Dinastia. 
Ahhotep foi a Grande Esposa Real do seu irmão 
Seqenenre Taa II. Deste casamento, nasceram 
pelo menos quatro príncipes: duas meninas 
e dois meninos, ambos chamados Amósis. 
O primeiro morreu, provavelmente na ado-
lescência; o segundo viria a ocupar o trono do 
seu pai, após o reinado de Kamose, e foi o pri-
meiro faraó da XVIII Dinastia. A rainha Ahho-
tep I tinha na altura o título de Mãe do Rei. 
Pelo menos durante uma década, Ahhotep I 
foi regente do jovem faraó Amósis I, que sempre 
reconheceu que ele e o Egito muito deviam ao 
bem-fazer desta rainha. 
Durante os primeiros reinados da XVIII 
Dinastia, o título de Grande Esposa Real foi usado 
por princesas descendentes de Ahhotep I e 
da linhagem que tinha fundado a dinastia. Os 
seus casamentos colocaram no trono do Egito 
os faraós Amenófis I, Tutmés I e Tutmés II. 
À morte deste último, a sua viúva e meia-irmã, 
Hatshepsut, assumiu a regência em nome do 
jovem príncipe Tutmés III, nascido de uma 
esposa secundária do rei falecido. Alguns anos 
depois, Hatshepsut autoproclamou-se faraó 
e, apesar da sua condição feminina no trono 
de Hórus, esteve no poder durante mais de 
vinte anos. 
Sucedeu-lhe Tutmés III, do qual duas das 
suas mulheres, Sitiah e Hatshepsut Merira, 
ostentaram o título de Grande Esposa Real, 
embora a sua pertença à linhagem funda-
dora da dinastia seja duvidosa. Outra Grande 
Esposa Real de Tutmés III pode ter sido a sua 
meia-irmã, a princesa Neferure, filha de Hat-
shepsut, sendo este o casamento que conferiu 
a realeza ao faraó. 
ESPOSAS PLEBEIAS
Os monarcas que lhe sucederam, Amenó-
fis II e Tutmés IV, tinham esposas principais 
nascidas no seio da realeza. Apesar disso, o 
sucessor de Tutmés IV, Amenófis III, era filho 
de uma princesa estrangeira, segundo parece 
filha do rei de Mitani, país que se situava na 
zona norte do Médio Oriente. Esta rainha, 
cujo casamento com Tutmés IV selava um 
acordo diplomático, é conhecida nas fontes 
egípcias com o nome de Mutemuya e osten-
tou os títulos de Grande Esposa Real, apesar 
73
A
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As mulheres cuidavam das casas 
e das crianças, participavam no culto 
dos deuses e tinham vida social
Busto 
do Templo 
de Hatshepsut, 
provavelmente 
representando 
a rainha.
da sua origem estrangeira, e de Mãe do Rei. 
Outras mulheres alheias à realeza alcançaram 
as mesmas distinções nos reinados seguintes: 
Amenófis III teve como esposa principal Tiy, 
nascida de um casal de nobres com cargos 
relevantes na corte e no clero. Este rei teve 
outras mulheres, algumas delas estrangeiras, 
como Gilukhipa e Tadukhipa, de origem 
mitânica. De Amenófis III e Tiy, nasceramtrês 
filhas, as princesas Sitamon, Ísis e Henuttabet, 
e três filhos, os príncipes Tutmés, que morreu 
na adolescência, Semenkhkare, cuja filiação foi 
recentemente constatada através de estudos 
74
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A
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E
Estela de Akhenaton, Nefertiti 
e uma princesa de Amarna, que 
não se vê na foto (Museu do Cairo).
Representação 
de Amenófis III 
e da mulher, 
a rainha Tiy, 
ataviados com 
o tipo de roupa 
e objetos próprios 
da sua condição. 
genéticos, e Amenófis IV, também conhecido 
como Akhenaton e que veiculou o seu reinado 
a Nefertiti, elevando-a a Grande Esposa 
Real. Casou-se também com a rainha estran-
geira Kiya, que alguns investigadores identi-
ficam como a mitânica Tadukhipa, anterior-
mente casada com Amenófis III. 
As mulheres mais significativas nos reinados 
de Amenófis III e de Akhenaton foram, sem 
dúvida, as suas esposas principais, Tiy e 
Nefertiti. Apesar de não pertencerem a uma 
linhagem real, nenhuma delas hesitou em 
manifestar o seu estatuto de Grande Esposa 
Real em cenas e representações que partilham 
com os seus maridos.
AMBIENTE FAMILIAR 
Foi também no meio da realeza que nasceu 
um príncipe chamado Tutankaton, nome que 
o ligou a Aton, o deus único proclamado na 
revolução de Akhenaton. Tutankaton nasceu 
e cresceu em Akhet-Aton, a capital da heresia. 
Do seu ambiente infantil, faziam parte as 
esposas principais e outras rainhas de Ame-
nófis III, de Akhenaton e de Semenkhkare, 
irmão daquele, e várias princesas aparentadas 
com ele com o grau de irmãs, meias-irmãs, 
tias e primas, além da sua mãe. 
Entre estas mulheres e meninas de várias 
idades, estariam as seis filhas de Akhenaton 
e de Nefertiti: Meritaton, que detinha o título 
de Grande Esposa Real associado a Nefer-
nefruaton, nome aparentemente usado por 
Nefertiti como corregente do seu marido, e a 
Semenkhkare, que sucedeu por pouco tempo 
a Akhenaton, em Amarna; Maketaton, que 
morreu na infância; a princesa Ankhesenpa-
aton, conhecida também como Ankhesena-
mon, com a qual Tutankaton viria a casar; 
e as princesas Nefernefrutaton-Tasherit, 
Nefernefrure e Setepenre, sobre as quais há 
poucos dados. 
Além das filhas de Akhenaton e de Nefertiti, 
conhecem-se os nomes de outras princesas 
que podem ter nascido da união de Akhena-
ton com a rainha Kiya. Estas e muitas outras 
mulheres da corte, que foram amas-de-leite, 
acompanhantes, educadoras e servas, fize-
ram parte do quotidiano do príncipe egípcio 
que conhecemos como Tutankamon. 
M.J.L.G.T
75
A
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No luto pela morte de um faraó, as mulheres desempenhavam o papel de carpideiras.
Tutankamon, como príncipe, viveu 
numa corte cheia de irmãs e meias-irmãs
76
Cleópatra VII, a última 
rainha do Egito antes 
da anexação por Roma, 
não reinou sozinha, 
mas como consorte 
dos irmãos, embora 
tenha estado sempre 
ao comando.
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77
E m mais de três milénios de histó-ria (3100–30 a.C.) do Antigo Egito, foram poucas as mulheres que se destacaram no poder. Mesmo assim, 
o estatuto social e as possibilidades de acesso 
a postos de comando das egípcias era muito 
superior ao das gregas ou romanas, o que 
se devia por um lado ao facto de em termos 
legais haver igualdade em relação aos homens 
(podiam denunciá-los por maus tratos, gerir 
heranças, comprar e vender imóveis ou divor-
ciarem-se), e por outro às particularidades 
da sua religião, com a deusa Ísis à cabeça. 
A relevância das mulheres na corte é indiscu-
tível. A Grande Esposa Real tinha um grande 
poder, fosse na sombra ou como cor regente, 
sendo considerada guardiã e protetora 
da nação. Além disso, casar com uma mulher 
de sangue real dava legitimidade e facilitava 
o acesso ao trono por parte dos varões (daí 
os frequentes casamentos entre irmãos). 
O trono estava, em princípio e por tradição, 
reservado ao homem, mas, devido a vazios na 
sucessão, por não haver um aspirante evidente, 
várias rainhas ocuparam a mais alta posição 
do país do Nilo. 
TRÊS, CINCO, OITO, MAIS?
Quem e quantas foram estas mulheres 
extraordinárias? Segundo o historiador greco- 
-latino Diodoro Sículo (90–30 a.C.), que 
compilou tudo o que se sabia sobre faraós, 
tinham sido apenas cinco: por ordem crono-
lógica, Nitocris, Neferusobek, Hatshepsut, 
Nefertiti e Tausert. Para chegar a estes núme-
ros, ele e outras fontes clássicas recorreram ao 
trabalho anterior de Maneton, sacerdote egíp-
cio que, na época ptolemaica (século III a.C.), 
se encarregou de redigir a história do seu país 
e de fazer o censo da longa lista dos seus reis. 
No entanto, o número real das rainhas-faraó 
não é consensual. Os achados arqueológicos 
trouxeram alguma luz sobre outras possíveis 
candidatas, pelo que é possível que continuem 
a aparecer pistas resgatadas do esquecimento, 
em muitos casos nem casual nem inocente, 
porque a sua memória foi perseguida e des-
truída pelos sucessores masculinos. 
Hoje, está historicamente documentado o 
reinado de apenas três delas: Neferusobek, 
Hatshepsut e Tausert. As outras duas da lista 
de Maneton e Diodoro (a obscura Nitocris e 
a fascinante Nefertiti) têm-se como muito 
prováveis. Há mais três, até um total de oito, 
que emergiram das sombras do passado, 
envolvidas em dúvidas prudentes por serem 
muito anteriores no tempo. 
MERITNEITH 
E AS DUAS KHENTKAUS 
Meritneith é a mais antiga de todas, mas ainda 
não se pôde demonstrar que tenha chegado 
a governar com poder absoluto. Viveu por 
volta do ano 3000 a.C., no início da I Dinastia 
(Período Arcaico). O egiptólogo inglês W.F. 
Petrie (1853–1942) catalogou-a como um faraó 
masculino chamado Merneith, mas várias 
descobertas, como a ausência do nome Hórus 
(símbolo do rei composto por um falcão 
sobre um serej), demonstraram que quem foi a 
enterrar com insólitas honras reais, num 
grandioso túmulo em Abidos, foi uma mulher. 
Ela foi regente do seu filho Den enquanto este 
foi menor, mas a incógnita é se chegou a 
possuir títulos próprios de um faraó ou se se 
limitou a ser tutora do jovem herdeiro. 
Poder no feminino
78
A rainha Tau-
sert (aqui, numa 
pintura mural do 
túmulo de Irinufer, 
em Luxor) fechou 
a XIX Dinastia.ASC
79
Primeiras-damas influentes
Algumas Grandes Esposas 
Reais, as principais 
mulheres do harém, ultra-
passavam as funções do 
seu título. Foi o caso de 
Tiy, a “primeira-dama” de 
Amenófis III, que governou 
o Egito de 1386 a 1349 
a.C. Apesar da sua origem 
plebeia, vários manuscritos 
(por exemplo, uma carta 
de Tushratta, rei de Mitani) 
mostram uma capacidade 
de tomada de decisão 
política semelhante à do seu 
cônjuge. Eram muito uni-
dos, desde o seu casamen-
to com apenas dez anos, e 
aparecem como iguais nas 
imagens que os honram. 
Tiy era a mãe de Akhenaton 
e, portanto, sogra de Nefer-
titi, outra consorte lendária, 
não só pelo seu extraordi-
nário físico, mas também 
pela autoridade de que usu-
fruiu. O mesmo aconteceu 
com Nefertari (1295–1186 
a.C.), Grande Esposa Real 
de Ramsés II, cujo poder 
se reflete nos monumentos 
onde surge ao lado do 
marido em Abu Simbel. 
Houve também esposas 
secundárias que tiveram um 
papel ativo na vida pública, 
como algumas do final da 
XVII Dinastia (Tetisheri ou 
Ahhotep), que se desta-
caram na guerra contra os 
hicsos tanto quanto os seus 
companheiros masculinos.
Ainda mais enigmático é o caso das duas 
seguintes e hipotéticas rainhas-faraó, que 
partilham o nome e a etapa histórica, o Império 
Antigo. Da primeira, Khentkaus I, testemu-
nham-na o seu túmulo em Gizé e uma pequena 
pirâmide em Abusir que lhe é dedicada. Esti-
ma-se que tenha vivido na IV ou na V Dinastias 
(2510 a 2470 a.C.). O que desconcerta os 
egiptólogos são as representações nas quais 
aparece adornada por um uraeus (coroa com 
a serpente) e com a barba postiça faraónica. É 
conhecida, embora haja quem diga que é uma 
tradução imprecisa, por “Rei do Alto e Baixo 
Egito e Mãe do Rei do Alto e Baixo Egito”. Dizem 
ser parecida com a figura de Dyedefptah, o 
suposto último faraó da IV Dinastia, mas semcertezas. 
Igualmente incertos são os dados sobre 
Khentkaus II, já pertencente à V Dinastia: 
terá sido um faraó ou apenas mãe de um? Há 
várias representações suas com o uraeus e a 
barba, o que faz as duas Khentkaus serem as 
únicas a exibir esses atributos até à chegada 
de Hatshepsut, cerca de mil anos depois. 
DE NITOCRIS A TAUSERT 
A imprecisão também tira protagonismo à 
pioneira das rainhas-faraó. Segundo os histo-
riadores clássicos, Nitocris, que é mencionada 
em certas listas reais, terá governado sozinha 
durante dois anos, de 2183 a 2181 a.C., fechando 
a VI Dinastia. O historiador grego Heródoto 
(século V a.C.) fez dela uma lenda e conta 
que, para vingar a morte do seu marido, 
Merenra II, afogou no Nilo os assassinos, 
incluindo o seu próprio irmão, e, em seguida, 
suicidou-se lançando fogo a si mesma. 
Maneton elogiou-a pela sua beleza e bravura e 
atribuiu-lhe erradamente a terceira pirâmide 
de Gizé (de Miquerinos). É de certeza uma 
personagem central na crise que pôs fim ao 
Império Antigo. 
O Império Médio aniquilou outra soberana, 
Neferusobek, que reinou durante pelo menos 
quatro anos, de 1777 a 1773 a.C. (foi a última 
governante da XII Dinastia). Também pouco 
se sabe sobre ela: filha de Amenemhat III, terá 
assumido o poder depois de enfrentar o irmão, 
Amenemhat IV, com quem, em princípio, o 
partilhava. O seu nome de coroação consta 
da lista real de Saqqara e foi na sua época que 
se ergueu o complexo funerário de Ame-
nem hat III, em Hawara. Apesar dos tempos 
conturbados em que viveu, parece que a sua 
sucessão foi pacífica. 
A seguinte da lista, a transcendental Hats-
hepsut, merece um capítulo à parte, tal como 
Nefertiti, quer pela sua faceta de consorte de 
Akhenaton, quer pela (discutível) de rainha-
-faraó. 
Isto leva-nos até à quinta e última, a rainha 
Tausert, que surge igualmente num período 
Perseguida pelo clero, pelos militares 
e pelos governantes núbios, Tausert 
reinou durante apenas dois anos
80
Nefertiti ou Semenkhkare?
É sabido que Nefertiti, 
a Grande Esposa Real 
de Akhenaton, o herege 
monoteísta de Amarna, foi 
a única mulher de um faraó 
tornada corregente oficial 
pelo rei (com o nome Ankh-
kheperura Neferneferuaton). 
No entanto, após 14 anos 
de reinado, perde-se por 
completo o seu rasto. Uma 
teoria diz que a dor da sua 
morte fez Aakhenaton per-
der a memória, mas cada 
vez são mais os especialis-
tas a defender a possibili-
dade de ela realmente não 
ter morrido, tendo mesmo 
sobrevivido ao faraó, 
falecido por volta de 1337 
a.C., e substituindo-o com 
nome de Semenkhkare. 
Este nome aparece ligado 
a um brevíssimo corregente 
no final da vida de Akhena-
ton e reinou sozinho 
durante mais alguns meses, 
até à subida ao trono do 
ainda muito jovem faraó 
Tutankamon. Segundo esta 
teoria, o fantasmagórico 
Semenkhkare não teria 
sido um homem, mas sim 
a própria Nefertiti transfor-
mada em rainha-faraó para 
assegurar o trono contra 
os inimigos do seu amado 
falecido. Vestígios arqueoló-
gicos em que aparece 
com atributos faraónicos 
(à esquerda) dão aval a esta 
tese.
caótico e conflituoso: o fim da 
XIX Dinastia, a de Seti I e Ram­
sés II. Quando morreu o seu 
marido, Seti II, Tausert assumiu 
a regência do seu filho Siptah 
e, após a morte deste, subiu 
ao trono e governou durante 
dois anos, de 1188 a 1186 a.C. 
Não foi tarefa fácil: perseguida 
pelo clero de Amon, pelos militares e pelos reis 
núbios e questionada pelo povo, acabou der­
ru bada por Sethnakhte, o fundador da XX 
Dinastia, que manchou a sua memória com 
calúnias e lendas. 
HATSHEPSUT, 
A PODEROSA 
A verdadeira rainha­faraó na história do Egito 
é, sem dúvida, a formidável Hatshepsut, cujo 
reinado de 22 anos (1479 a 1457 a.C.) foi o mais 
longo dos governados por mulheres. É um 
para digma de poder feminino no mundo 
antigo. Filha predileta do faraó Tutmés I (que, 
segundo algumas fontes, a nomeou herdeira 
num papiro), era ambiciosa e 
inteligente e tinha grandes 
capacidades de comando. 
Soube usar o seu sangue real 
para se esquivar às arma­
dilhas sucessórias, casando 
com o irmão, Tutmés II. 
Ao enviuvar, e num gesto 
sem precedentes, afastou 
o herdeiro, Tutmés III, da linha dinástica, 
argumentando a sua tenra idade e uma 
linha gem duvidosa, dizendo ser filho de uma 
con cu bina, e vestiu­se com o traje e a barba 
de faraó. Foi apoiada por duas pessoas pode­
rosas: o alto funcionário Hapuseneb e o 
arqui teto real Senenmut (provavelmente, 
um amante seu). Autoproclamou­se filha de 
Amon, uma jogada de mestre cujo apoio teve 
de “comprar” aos sacerdotes do culto àquele 
deus, o que explicaria o excessivo poder pos­
terior deste clero. 
Assim começou uma das etapas mais prósperas 
e pacíficas da XVIII Dinastia e de todo o Antigo 
Egito. A rainha organizou campanhas defen­
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Nefertiti 
foi nomeada 
corregente 
pelo marido, 
Akhenaton
81
sivas na fronteira, dedicou-se a questões como 
a famosa expedição a Punt, o mítico país da 
mirra, restaurou templos e edifícios destruídos 
durante as guerras com os hicsos e mandou 
erguer construções fabulosas em Tebas, 
incluindo obeliscos memoráveis. Senenmut 
concretizou ainda o seu projeto mais conhe-
cido, o Templo Dyeseru (em Deir el-Bahari), 
joia do Egito monumental. 
Ainda por cima, Hatshepsut foi, que se saiba, 
a única mulher faraó que se fez representar 
como esfinge. A sua estrela foi-se apagando 
com as mortes de Senenmut e de Hapuseneb, 
provavelmente maquinadas por Tutmés III, o 
seu sucessor, que a odiava por tê-lo afastado, 
e que destruiu, assim que pôde, o seu legado. 
A rainha ainda tentou estabelecer uma 
dinastia feminina, nomeando como corre-
gente a sua filha Neferure (nascida talvez da 
relação com o arquiteto), mas a morte ines-
perada da menina terá frustrado este sonho 
e Hatshepsut acabou por morrer no seu 
palá cio de Tebas antes de completar 50 anos. 
A sua múmia, descoberta no Vale dos Reis ao 
lado da do seu amado pai, revelou, quando 
foi analisada em 2007, que a soberana, nos 
seus últimos anos de vida, sofria de diabetes, 
obesidade e alopecia.
CLEÓPATRA: UM FIM GLORIOSO 
As últimas rainhas do Egito surgiram 
no tempo dos ptolemeus, uma dinastia que 
governou o país entre 305 e 30 a.C. após 
ter sido instaurada por Ptolemeu I Sóter, 
general de Alexandre, o Grande. Não renun-
ciaram à sua essência helénica e foram rainhas 
porque se casaram com os seus irmãos, 
de forma a legitimá-los no trono. Algumas 
destacaram-se, como foi o caso de Cleópa-
tra II (185–116 a.C.) ou Berenice III (116–80 
a.C.), mas nenhuma como a última antes da 
anexação do Egito ao Império Romano: Cleó-
patra VII. 
A sua história está cheia de mitos: sobre a 
sua beleza, sobre o seu nariz... Mais do que à 
aparência física, o historiador grego Plutarco 
(46–120 d.C.) atribuiu o seu magnetismo à 
inteligência e aos modos requintados. Muito 
instruída, falava várias línguas além do grego 
(foi o primeiro representante ptolemaico que 
aprendeu egípcio). Foi coroada em 51 a.C., 
aos 17 anos, com o seu irmão, Ptolomeu XIII, 
de apenas 12, com quem casou, de acordo 
com a tradição. No entanto, Ptolomeu deixou-
-se levar pelas intrigas de Arsinoe, irmã 
de ambos, e, juntamente com o eunuco Potino, 
conseguiram afastar a jovem do trono e 
expulsá-la de Alexandria. Com o amor e 
a cumplicidade de Júlio César, Cleópatra 
recuperou o trono, não sem passar por 
uma guerra civil na qual ardeu a Biblioteca 
de Alexandria. Assegurou o seu estatuto de 
rainha casando com outro dos seus irmãos, 
Ptolomeu XIV, e da sua relação com César 
nasceu um filho, Ptolomeu XV, conhecido 
como Cesarião. 
No seu reinado, Cleópatra embelezou a capital 
helenística egípcia com várias obras públicas 
e, após a morte de César (44 a.C.), reeditou a 
sua história de amor com um dos aspirantes à 
sucessão romana, Marco António, com quem 
teve três filhos. Entretanto, havia seguido 
um cruel costume ptolemaico: envenenou o 
segundo marido, para não ter de partilhar 
o poder a não ser com Cesarião. 
Confrontada com o novo líder romano, Otávio 
Augusto, e com o povo egípcio mergu lhado 
na fome, Cleópatra e o seu amado caíram 
na batalha de Áccio (31 a.C.) e, em seguida, 
suicidaram-se. Segundo a lenda, a última 
rainha do Egito ter-se-á feito morder por 
uma serpente venenosa.
N.O.
Hatshepsut foi representada 
com os atributos faraónicos: 
a barba postiça e a coroa dupla.
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Olho de Hórus ou de Rá, 
símbolo apotropaico 
egípcio que conferia 
poderes curativos 
e protetores.
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83
O Livro 
dos Mortos
S egundo o sacerdote egípcio Maneton (século III a.C.), a V Dinastia terminou com o reinado de Unas, cuja pirâmide está situada em Saqqara, perto do re-
cinto funerário construído em honra do faraó 
Djoser. Nela, destaca-se uma longa e bela cal-
çada, decorada com cenas de episódios con-
cretos da biografia do faraó. Esta não é, no 
entanto, a principal inovação do monumento, 
porque a pirâmide sobressai ainda mais por 
ser a primeira em cujas câmaras funerárias se 
gravaram textos: os Textos das Pirâmides. 
Estes são as composições religiosas mais antigas 
do Egito, pelo menos entre o que sabemos 
atualmente, e nelas expressam-se o desenvol-
vimento da religião egípcia e as crenças sobre 
o mundo além-túmulo desde os tempos pré-
-dinásticos. No caso da de Unas, vemos uma 
clara tentativa de identificar o faraó com os 
deuses Rá e Osíris, embora também se detete 
o desenvolvimento de uma série de conceitos 
relacionados com os astros e outros de mais 
difícil compreensão. Os motivos por que foram 
gravados no interior do túmulo são óbvios: eram 
essenciais para garantir a sobrevivência do rei 
na vida após a morte. 
PROTEÇÃO PARA O FARAÓ MORTO
Aos poucos, a crença de que depois da morte 
física do faraó se entrava no reino de Osíris 
foi-se generalizando entre os egípcios. Jun-
tamente com o deus-Sol Rá, Osíris acabou 
por ter um protagonismo especial no âmbito 
funerário. Curiosamente, os Textos das Pirâ-
mides são escritos com um tipo de hieróglifos 
pouco comum, pois alguns dos ideogramas 
que representam humanos e animais ficaram 
incompletos ou foram desenhados com muti-
la ções, para evitar que causassem qualquer 
tipo de dano ao faraó morto. 
Sublinhe-se que, com o passar das gerações, 
estes textos deixaram de ser um privilégio 
exclusivo dos faraós, tendo sido igualmente 
utilizados pelos governadores regionais, pela 
aristocracia e pelos funcionários públicos de 
nível superior. A descentralização política 
associada ao Primeiro Período Intermédio é 
também visível no que se refere ao mundo 
religioso e funerário, como podemos observar 
numa série de gravuras feitas nas partes late-
rais dos caixões de madeira, que representam 
uma série de fórmulas mágicas e litúrgicas 
que, juntas, recebem o nome de Textos dos 
Sarcófagos. 
APOIAR O FALECIDO 
NO SEU CAMINHO
A origem deste novo corpus pode ser rastreada 
nos Textos das Pirâmides, já que ambos 
costumam aparecer juntos em sarcófagos do 
Império Médio. Apesar de tudo, os Textos dos 
Sarcófagos incluem um modelo diferente e 
novos conceitos relacionados com o reino dos 
mortos. A sua principal contribuição é a 
inclusão das famílias dos falecidos, bem como de 
servos e amigos do defunto. A arqueologia 
detetou uma série de mudanças na estrutura dos 
túmulos, pois desde o Primeiro Período Inter-
médio predominam as mastabas com múltiplas 
salas para acomodar famílias numerosas. 
Por outro lado, as novas fórmulas sagradas e os 
rituais funerários refletem uma clara influência 
As fórmulas sagradas eram pintadas 
nas paredes das câmaras funerárias para 
orientar o falecido na vida após a morte
84
Papiro do Antigo Egito com uma passagem do Livro dos Mortos. Na página oposta, Toth, 
deus antropomórfico com cabeça de pássaro. Era acompanhado nas suas representações 
por um estilete e pela tábua de escriba celestial, usada para tomar nota dos pensamentos, 
palavras e atos dos homens cujos corações serão pesados na balança.
de ajudar o falecido a superar os perigos, a 
encontrar o caminho da viagem pelo duat (o 
submundo onde ocorria o Tribunal de Osíris), 
e a ser capaz de preservar a sua imortalidade. 
Além disso, permitem lembrar métodos para 
satisfazer necessidades quotidianas, como 
alimentar-se na outra vida. 
DIFUSÃO PROGRESSIVA
O Livro dos Mortos, entendido como um con-
junto de sortilégios mágicos destinados a aju-
dar os defuntos a superar o Tribunal de Osíris 
e a apoiá-los na sua viagem para a outra vida 
(a aru) através do reino do submundo, tem 
origem no Segundo Período Intermédio, por 
volta de 1650 a.C., em contextos funerários da 
cidade de Tebas. Os primeiros feitiços típicos 
deste texto religioso (não presente em perío-
dos anteriores) podem ser vistos no túmulo da 
rainha Mentuhotep, da XVI Dinastia, embora 
pareçam ter uma origem muito anterior. 
Na XVII Dinastia, o seu uso já se havia esten-
dido entre os cortesãos e funcionários mais 
proeminentes do estado egípcio. Isto torna-se 
evidente a partir do Império Novo, quando 
aparece o capítulo 125 na XVIII Dinastia, no qual 
é representada a pesagem do coração, que tanta 
influência teve noutros sistemas religiosos 
muito posteriores ao egípcio. A partir de então, 
o Livro dos Mortos apareceu escrito num rolo de 
papiro e com o texto ilustrado com desenhos, 
algo que na XIX Dinastia alcança uma grande 
riqueza estilística. 
Embora esteja mais ligado ao Império Novo, 
a época de maior difusão deste enigmático 
texto religioso surge mais tarde. O Terceiro 
Período Intermédio conhece o aparecimento 
da versão em escrita hierática, destinada a 
satisfazer as necessidades funerárias de toda 
a sociedade egípcia. Durante esta fase, come-
ça ram a circular outros textos funerários, 
como o Livro de Amduat, um reflexo fiel da 
obsessão que os habitantes do país do Nilo 
tinham por compreender a vida além-túmulo. 
Esta versão é a que se vai manter no período 
ptolemaico, mas partilhando importância com 
outras escrituras sagradas, como o Livro das 
Respirações ou o Livro para Percorrer a 
Eternidade. 
A INFLUÊNCIA 
NOS ROMANOS E CRISTÃOS
O Livro dos Mortos deixou de ser utilizado no 
século I a.C., embora a sua influência perma-
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Câmara funerária de Tutmés III. 
Nas paredes, vê-se a versão completa 
do Livro de Amduat, que define os 
feitiços e encantamentos necessários 
para vencer as forças do mal durante 
a viagem noturna para o outro mundo 
(XVIII Dinastia, Vale dos Reis, Tebas).
86
neça: faz-se sentir na época romana e também 
no aparecimento da nova religião cristã, cuja 
natureza não se poderia compreender sem 
recorrer à memória das antigas crenças do 
Egito faraónico. 
Quanto ao seu conteúdo, o livro é composto 
por um grupo de textos individuais, mas que em 
conjunto apresentam uma unidade com um 
significado coerente. A maioria dos fragmentos 
em que está dividido começa com a palavra 
ro, cuja tradução mais aproximada poderá ser 
“capítulo” ou “sortilégio”. Até hoje, conse-
guiram identificar-se 192 destes sortilégios, 
embora não haja qualquer manuscrito indi-
vidual que reúna todos. 
A sua finalidade é muito variada: alguns dão 
ao falecido uma imagem o mais aproximada 
possível sobre o que o espera no Além; outros 
incluem métodos para garantir que as três 
partes em que o homem se divide (corpo, alma 
e espírito) possam reencontrar-se novamente 
no outro mundo; outros ainda visam proteger 
o defunto das forças hostis do submundo, para 
que possa superar os obstáculos antes de 
alcançar a “salvação”. 
MAGIA E RELIGIÃO
A leitura do Livro dos Mortos permite-nos 
verificar a união de elementos mágicos e 
religiosos nas relações estabelecidas pelos 
homens e pelas mulheres do Nilo com os deuses 
do extenso panteão egípcio. Para eles, a fronteira 
entre a magia e a crença religiosa não estava 
bem definida. A magia (heka) relacionava-se 
com a força da palavra criadora, suficiente-
mente poderosa para influenciar as decisõesdas divindades. O simples ritual de pronunciar 
uma palavra estava associado ao ato de criação, 
sendo este um dos elementos característicos 
do pensamento egípcio que influenciaria o 
nascimento de outros sistemas religiosos. 
Para os egípcios, a sua própria escrita hiero-
glífica tinha uma origem divina, por ter sido 
inventada por Toth. Vista nesta perspetiva, 
não se estranha a sua crença na necessidade 
de saber o nome místico de qualquer ele-
mento para se ter poder sobre ele. Não é em 
vão que uma das principais preocupações do 
Livro dos Mortos era dar a conhecer o nome 
secreto dos seres do submundo, para conferir 
ao morto controlo sobre eles. 
Nem todos os sortilégios presentes no texto 
foram representados em papiro, já que alguns 
foram feitos em amuletos mágicos destinados 
a proteger os defuntos dos perigos do Além. 
Alguns destes amuletos foram encontrados 
escondidos entre as ligaduras das múmias 
egípcias (por exemplo, o escaravelho). 
C.S.T.
Um dos momentos principais 
da segunda vida do defunto 
era a pesagem do coração, 
onde os egípcios colocavam aquilo 
a que mais tarde se chamaria “alma”
A maioria dos estudiosos distingue quatro 
secções no Livro dos Mortos. A primeira 
(capítulos 1 a 16) define os passos pelos 
quais o falecido entra no túmulo, desce 
para o submundo e, posteriormente, 
recupera a fala e a compreensão. 
A segunda (cap. 17 a 63) fala sobre 
a origem mítica dos deuses, além da 
necessidade que os falecidos têm de 
voltar a viver, podendo renascer como 
o Sol da manhã. A terceira (cap. 64 a 129) 
narra a viagem do falecido através dos 
céus a bordo da Barca Solar e a sua des-
cida para o submundo para se encontrar 
com Osíris ao cair da noite. Finalmente 
(cap. 130 a 189), o espírito do falecido 
assume o poder do cosmos depois de 
ser aceite pelos deuses e após superar 
o julgamento a que vai ser submetido 
pelo deus Osíris (a pesagem do coração).
Estrutura do texto sagrado
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A última 
viagem
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Pôr do Sol no 
Nilo e Templo 
Egípcio (1869), 
obra de 
Carlo Macro 
atualmente no 
Museu Stibbert 
(Florença, Itália). GE
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A última 
viagem
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A civilização egípcia desenvolveu-se du-rante mais de 3000 a n o s ; p o r t a n t o , 
muitas das crenças acerca da 
morte e do Além foram mu-
dando ao longo da sua história. 
No entanto, desde o início que os antigos 
egípcios se recusavam a ter apenas uma vida 
física e temporária e, para isso, instituíram 
uma série de ideias religiosas com o objetivo 
de alcançarem a imortalidade, baseadas em 
ciclos de morte e renascimento.
Não podemos esquecer que a religião e a 
política estavam intimamente ligadas e 
apoiavam-se no conceito abstrato de Maat. 
Este termo poderia traduzir-se por “verdade, 
justiça universal, harmonia, ordem natural”. 
Estava representado por uma deusa com o 
mesmo nome, filha de Rá. Esta ordem gover-
nava o universo e, graças a ela, o 
Sol aparecia todos os dias, havia 
cheias no Nilo e os mortos 
renasciam no Além.
SEGUNDA VIDA
Os egípcios acreditavam que 
todos os seres humanos são formados por 
vários elementos, tanto materiais e tangíveis 
como imateriais e intangíveis. Alguns podiam 
ser integrados na esfera terrena, mas outros 
permaneciam na esfera não palpável, mais 
próximos do mundo dos deuses. Quando a 
morte ocorria, estes elementos desagrega-
vam-se e a única forma de voltar a reuni-los 
era através dos rituais fúnebres. Assim se 
chegava à sobrevivência e à imortalidade. 
Se hoje temos estas informações, isso deve-se 
ao facto de se terem conseguido preservar 
muitos textos funerários que aludem a elas. 
Esta cena do túmulo 
de Irynefer, em Deir 
el-Medina, mostra 
a saída da sombra 
do defunto e do seu ba 
para a luz do dia.
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Graças aos egiptólogos, pôde-se estudar e 
listar os elementos que compunham o ser 
humano. Muitos são difíceis de compreender, 
mas podem resumir-se no que se segue.
O ka é a força vital de cada indivíduo, ou seja, 
o seu caráter, a sua natureza, o seu tempera-
mento. Nasce com cada pessoa, moldado pelo 
deus Khnum no seu torno de oleiro, ao mesmo 
tempo que o corpo físico. É representado 
com duas mãos levantadas e pode sobreviver 
depois da morte do indivíduo, que, para isso, 
necessita que se realizem cultos funerários e 
oferendas de alimentos. O túmulo é o seu lar.
Ba pode traduzir-se por “alma”, embora não 
tenha a mesma conotação que nós lhe damos. 
Podemos defini-la como a nossa ideia de per-
sonalidade, ou seja, o aspeto ou as caracterís-
ticas de cada indivíduo que o tornam único. 
Pensava-se que este fugia com a morte do 
indivíduo e que viajava para se unir ao ka e 
transformar-se no akh. Representa-se com 
um pássaro com cabeça humana. Todas as 
noites, o ba deve reunir-se com o corpo para 
poder sobreviver eternamente.
O akh é o sopro da vida, espírito eterno e 
transfigurado de uma pessoa morta que se 
forma quando o ba se une ao ka no Além. 
Representa-se como uma múmia. Pensava-se 
que era duradouro e imutável e que residia 
para sempre no submundo.
O nome, rn, também era parte primordial do 
ser, já que sem ele não se pode existir. Costu-
mava ser atribuído após o nascimento. Muitas 
vezes, para castigar os faraós (como aconteceu 
com Hatshepsut ou Akhenaton), procedia-se 
à damnatio memoriae, ou seja, os seus nomes 
eram eliminados dos monumentos, e assim 
condenados ao esquecimento.
Shwt, a sombra, era outro elemento impor-
tante e essencial do ser humano: para que o 
indivíduo esteja completo, precisa de ter uma, 
para se proteger de possíveis males. Era uma 
entidade imbuída de poder e capaz de se mover 
a grande velocidade.
Um ser humano 
era composto por 
vários elementos, que 
a morte desagregava
O processo de mumificação e o ritual fúnebre 
foram mudando ao longo de milhares de anos.
Vasos canópicos 
identificados com 
as divindades que 
guardavam cada órgão.
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Estes cinco elementos variaram ao longo da 
história do Egito. Por exemplo, enquanto no 
Império Antigo (c. 2575–2125 a.C.) o ka tinha 
maior importância e era o elemento essencial, 
depois do Primeiro Período Intermédio 
(c. 2125–1940 a.C.), foi a vez de o ba, inicial-
mente reservado aos deuses e ao faraó, se 
estender à elite e à classe média, tendo depois 
grande importância durante o Império Novo 
(c. 1539–1069 a.C.), altura em que se inten-
sificou a procura da vida eterna. 
Foram encontrados cerca de 14 componentes 
do ser humano referentes àqueles momentos, 
que podem ser observados no túmulo de Ame-
nemhat, em Tebas (TT82). Durante a Época 
Baixa (664–332 a.C.) foram enumerados oito 
componentes; durante o período greco- 
-romano (332–395 d.C.) deixaram-se de lado 
o ka e o ba e ganharam mais importância o 
nome (rn) e a sombra (shwt).
VOLTAR A VIVER: A MUMIFICAÇÃO
A morte era apenas uma interrupção tempo-
rária da vida, já que os egípcios acreditavam 
que se podia viver eternamente. Na procura da 
imortalidade, mumificavam os corpos, um 
ritual cuja missão era preservá-los para que 
não se decompusessem e reconhecer os vários 
elementos diferentes que compunham uma 
pessoa para que pudessem voltar a ela após a 
morte, altura em que se separavam, dando-
-lhe um novo alento e vida. Os rituais fune-
rários permitiam que voltassem a juntar-se. 
O tipo de mumificação dependia do poder 
económico do defunto. Há referências ao pro-
cesso de mumificação em autores clássicos 
como os historiadores grego Heródoto (século 
V a.C.) e romano Diodoro Sículo (90–30 a.C.), 
que pormenorizam diferentes aspetos. As 
origens da mumificação são difíceis de iden-
tificar e, embora já no Período Pré-dinástico 
(c. 5000–2950 a.C.) se encontrem alguns 
exemplos, foram-se aperfeiçoando com o 
tempo. Nessa época mais primitiva, os mortos 
eram enterrados nas areias do deserto, o que 
permitia uma dessecação natural do corpo.
Os primeiros corpos enrolados em ligaduras e 
tratados com resinas (nas quais se embebiam 
as ligaduras) aparecem mais tarde, na épocabadariense (c. 5000–4000 a.C.) e também 
em muitas das sepulturas pré-dinásticas de 
Hierakonpolis, no sul do Egito (nesta jazida, 
até surgem animais mumificados, como um 
elefante). Nestes primeiros enterros, ainda 
não se verifica a extração de quaisquer órgãos 
do corpo. Há que esperar até ao Império para se 
falar realmente de mumificação. Os trabalhos 
eram realizados em oficinas por embalsama-
dores e o processo chegava a demorar 70 dias, 
de acordo com autores clássicos, embora 
dependesse do nível económico do defunto. 
EXTRAÇÃO DE ÓRGÃOS
Em primeiro lugar, lavava-se o corpo e proce-
dia-se à extração dos seus órgãos. Os embal-
samadores faziam uma incisão no abdómen 
para remover os órgãos do corpo, que também 
podiam ser extraídos através do ânus, se o 
falecido não tivesse recursos suficientes; em 
seguida, os órgãos eram lavados e secados com 
natrão. Mais tarde, eram envolvidos em liga-
duras de linho e colocados em vasos canópicos, 
cujas tampas representavam as quatro divin-
dades guardiãs: Imsety tinha uma cabeça 
humana e guardava o fígado; Hapi, em forma 
de macaco, conservava os pulmões; Qebeh-
senuef, com cabeça de falcão, mantinha os 
intestinos; finalmente, Duamutef, que repre-
Conjunto de caixões do sacerdote 
Djed Djehuty-Iuef-Dnkh, exposto no 
Museu Ashmolean de Oxford (Inglaterra).
O caixão (e o sarcófago, 
se houvesse) era um 
contentor mágico, 
protetor do corpo
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Ushebtis 
do túmulo 
de Nassa 
no oásis 
de Bahariya 
(663–525 a.C.), 
XXVI Dinastia.
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Anúbis, deus dos mortos 
e com cabeça de chacal, realiza 
a mumificação inclinado sobre 
o defunto, que repousa sobre 
uma cama com cabeças de leão. 
Cena proveniente do túmulo 
de Irynefer, em Deir el-Medina.
94
sentava um chacal, protegia o estômago. 
Estes vasos costumavam ser depositados numa 
caixa de madeira que fazia parte do enxoval 
funerário que acompanhava o caixão. 
Em contrapartida, o coração costumava ser 
deixado no corpo ou embalsamado para voltar 
a colocá-lo no sítio, porque para os egípcios era 
neste órgão que se encontravam a personali-
dade, a memória e a consciência de cada ser 
humano. 
No início do Império Médio, muitas múmias 
tinham o etmoide (cavidade nasal) perfurado; 
era por aqui que, com um instrumento afiado 
e um gancho na ponta, extraíam o cérebro, 
uma vez que também era considerado um ór-
gão. Esta prática não se realizava sempre, pelo 
que nem todas as múmias têm o etmoide per-
furado. Durante o Terceiro Período Intermé-
dio, os órgãos voltam a ser introduzidos no 
corpo após o processo de mumificação.
COMO SE TRATAVA O CORPO
O corpo era também dessecado com natrão, 
tratado com óleos e outros tipos de unguentos 
e envolvido em ligaduras de linho. Eram 
necessários muitos metros de ligaduras para 
envolver o defunto (calcula-se que pelo menos 
370 metros, embora variasse segundo o esta-
tuto do defunto). As classes mais baixas reci-
clavam outros têxteis, como a roupa velha e 
tecidos que os embalsamadores transfor-
mavam em longas tiras com oito a vinte 
centímetros de largura. Entre as ligaduras, 
sobretudo na Época Baixa, costumavam co-
locar-se os amuletos que ajudavam o falecido 
a renascer e tinham um caráter protetor do 
corpo. Além disso, muitas múmias estavam 
ornamentadas com joias, colares, pulseiras, 
brincos, máscaras funerárias, etc.
Não podemos esquecer a mumificação de ani-
mais, já que foi uma prática corrente no Egito, 
95
G
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sobretudo na Época Baixa. Tinha a mesma 
finalidade: preparar a sua viagem para a eter-
nidade. Encontramos desde gazelas a macacos, 
crocodilos, íbis, gatos, bois, cães, musara-
nhos e escaravelhos, entre outros. Curio-
samente, algumas das múmias de animais 
expostas em museus apenas têm a parte 
exterior do animal, já que no seu interior não 
há nada ou, às vezes, apenas um par de ossos.
MITO FUNDACIONAL
O corpo mumificado associava o defunto a 
Osíris, o deus da morte, da ressurreição e 
da fertilidade e governador do submundo. 
A mitologia conta que morreu afogado no 
Nilo, assassinado por um complot organizado 
por Seth, o seu irmão mais novo. O seu corpo 
foi desmembrado e espalhado pelo Egito. 
Posteriormente, Ísis (sua mulher e irmã) 
encarregou-se de recolher as diversas partes 
e embalsamá-las: foi a primeira múmia. Osíris 
renasceu pelo poder mágico das irmãs, Ísis 
e Nephtys. 
É neste mito que estão as bases da mumificação 
a imitar a forma de Osíris. De facto, uma vez 
mumificado o defunto, este recebia o nome 
de Osíris e tinha de renascer também de 
maneira mágica. A mumificação era supervi-
sionada pelo deus Anúbis, guardião da necró-
pole e deus da mumificação. Os rituais eram 
acompanhados de objetos cerimoniais que 
ajudavam o defunto a chegar ao Além.
O CAIXÃO
Uma vez mumificado o defunto, colocava-se 
a múmia no caixão. Este era um contentor 
mágico e protetor do corpo. Dependendo do 
nível económico do falecido, os caixões de 
madeira podiam ser de vários tipos, decora-
O funeral propriamente dito era um ritual 
muito elaborado, que podia durar vários dias
Escaravelho, olho de Hórus e génio funerário 
com cabeça de falcão, amuletos protetores 
da XXVI Dinastia habitualmente inseridos 
entre as ligaduras das múmias (página oposta).
G
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96
dos com inscrições ou com incrustações ou 
revestidos de metais preciosos, como os de 
Tutankamon. Em muitos casos, sobretudo 
nos associados à realeza, os defuntos eram 
colocados num sarcófago de pedra para con-
servar melhor o corpo. 
Depositavam-se depois na câmara funerária 
do túmulo, juntamente com o enxoval que os 
iria ajudar na sua vida seguinte. Embora os 
costumes tenham mudado ao longo da his-
tória do Egito, pode dizer-se que a tradição 
geral mandava colocar uma série de oferendas 
no túmulo. As mais importantes eram a comida 
e a bebida, para alimentar o ka, que se costu-
mava colocar numa mesa de oferendas ao lado 
de uma série de objetos de caráter funerário 
e apotropaico que iriam contribuir para um 
renascimento bem-sucedido e uma existência 
eterna, além de satisfazer as necessidades do 
defunto na duat. Muitos desses objetos eram 
feitos de propósito para o enterro, mas outros 
já pertenciam ao falecido durante a sua vida 
terrena. A quantidade e a qualidade destes 
dependia da classe social.
FERRAMENTAS E SERVIDORES
Barcos e maquetas funerárias que represen-
tavam ofícios ou trabalhos do quotidiano, 
muitas vezes retratados nas pinturas e relevos 
dos túmulos, são os objetos que mais se des-
O processo de mumificação podia 
durar até 70 dias. Começava com 
a extração dos órgãos (exceto o 
coração, que se mantinha no sítio; 
noutros casos, era removido, mumi-
ficado e devolvido ao lugar) através 
de incisões de não mais de nove 
centímetros. Uma vez guardadas as 
vísceras em vasos canópicos que 
seriam enterrados com a múmia, 
desidratavam o corpo com natrão 
(carbonato de sódio), cobrindo-o 
com esta substância durante uns 
35 dias. A seguir, envolviam-no com 
ligaduras de linho impregnadas de 
unguentos e perfumes, que reves-
tiam com resina para se fixarem 
melhor, enquanto o sacerdote 
rezava e se iam colocando amu-
letos entre as várias camadas. No 
caso da realeza, cruzava-se o braço 
direito sobre o peito, postura que 
deu a primeira pista para identificar 
Hatshepsut. O cérebro era extraído 
com uns ganchos de cobre que 
se introduziam pelos orifícios do 
nariz. As vísceras eram retiradas 
através de uma incisão no ventre. 
Os pulmões guardavam-se no vaso 
canópico de Hapi, com cabeça de 
macaco. O fígado e a vesícula biliar 
colocavam-se no vaso de Imsety, 
com cabeça humana. O estômago 
e o intestino grosso depositavam-se 
no vaso de Duamutef, com cabeça 
de chacal. O intestino delgado ia 
para o vaso de Qebeshnuef, com 
cabeça de falcão.
Mumificação
97
tacam, além de roupa, mobiliário, artigos de 
toucador e cosmética, papiros e até armas. 
A razão pela qual se enterravam os mortos com 
tudo isto estava relacionadacom o conceito 
de vida futura, em que o indivíduo voltava 
a existir e precisava de sustento, além de 
recursos diários. 
Outros objetos que sobressaem e costumam 
encontrar-se em grande quantidade são os 
shabtis ou ushebtis, literalmente “aqueles 
que respondem”. Eram os servos do falecido, 
na forma de pequenas estátuas de madeira, 
pedra ou faiança, equipadas com enxadas e 
outras ferramentas: o Além era um lugar físico 
real, onde era preciso trabalhar. Os shabtis 
encarregar-se-iam de servir o falecido no 
aaru, o paraíso da mitologia egípcia e o lugar 
onde Osíris reinava, realizando as atividades 
agrícolas e de construção.
 
HORA DA VIAGEM DEFINITIVA
Após a morte, a pessoa devia dar início a uma 
O objetivo do ritual funerário era reunir 
e ordenar os elementos desagregados
Alguns objetos 
funerários tinham sido 
usados pelo morto, 
outros eram criados 
exclusivamente 
para a vida no Além.
SHUTTERSTOCK
98
viagem em direção ao oeste e ultrapassar 
uma série de “enigmas” apresentados por 
demónios. Uma vez superados, devia sub-
meter-se ao tribunal de Osíris. Durante este 
julgamento, tinha de jurar que não havia 
cometido qualquer falta, e o seu coração era 
pesado numa balança tendo como contrapeso 
uma pluma da deusa Maat, que era a divin-
dade da verdade e da justiça. 
Se a balança se mantivesse equilibrada, sig-
nificava que o defunto não havia cometido 
qualquer transgressão e a sua vida tinha sido 
exemplar. Como tal, podia viver eternamente 
no aaru. Aqueles cujo coração pesava mais do 
que a pluma e desequilibrava a balança, devido 
aos seus atos perversos, não eram dignos do 
aaru. Então, uma terrível criatura chamada 
Ammit, com a metade superior do corpo em 
forma de leoa e a inferior de hipopótamo com 
cabeça de crocodilo, que vivia no submundo, 
encarregava-se de devorar os corações.
Durante a vida, os egípcios planeavam a 
construção do seu túmulo e dotavam-se de 
um enxoval que levavam consigo para o Além. 
Os túmulos, além de guardarem e protegerem 
o corpo, serviam de ponto de contacto entre os 
dois mundos: o dos vivos e o dos mortos, na 
duat. A sepultura era uma casa para a eter-
nidade, prankh, segundo o termo egípcio. 
Tratava-se de um lugar físico para a vida eterna 
do defunto.
CERIMÓNIA FUNERÁRIA
Depois da mumificação, realizava-se o funeral 
e à porta do túmulo era levada a cabo uma 
cerimónia: a abertura da boca e dos olhos, 
geralmente abreviada e conhecida como 
“abertura da boca”. A cerimónia é mencionada 
nos Textos das Pirâmides como “ritual de 
oferenda”, mas parece que naquele momento 
apenas se fazia às estátuas do faraó no seu 
complexo funerário. As evidências deste ritual 
começaram a aparecer no Império Antigo e 
foram até ao Período Romano, sendo mais 
A primeira múmia embalsamada, segundo 
a mitologia egípcia, foi a do deus Osíris
99
frequentes durante o Império 
Novo, em que incluía 75 passos. 
Durante este período, surgi-
ram várias representações nos 
túmulos, como, por exemplo, 
na capela do vizir Rekhmira, em Tebas, da 
XVIII Dinastia, que contém uma das cópias 
completas que existem da cerimónia. Outras 
representações foram também encontradas 
no túmulo do faraó Seti I (XIX Dinastia), no 
Vale dos Reis, e na capela do túmulo da sumo- 
-sacerdotisa de Amon, Amenirdis, em Medi net 
Habu (XXV Dinastia), bem como em algu mas 
vinhetas do Livro dos Mortos. Era descrito 
como um ritual de consagração em que se 
vivificava, de forma simbólica, uma estátua 
do defunto ou a sua múmia. Ao abrir magi-
camente a boca, este podia de novo respi rar e 
falar: era-lhe devolvido o uso destas facul-
dades, além de poder comer e beber, funções 
básicas na vida na eternidade.
PURIFICAÇÃO E FEITIÇOS
O ritual era muito elaborado e podia durar 
vários dias, dependendo também do nível 
económico do falecido, mas incluía sempre 
purificação, aromatização, 
unção e feitiços. A pessoa 
encarregada de o dirigir cos-
tumava ser o filho mais velho 
ou o herdeiro do defunto, 
como ato final de piedade, ou um sacerdote, 
o sem, que se considerava a representação de 
Hórus e ia vestido com uma pele de leopardo 
sobre uma túnica branca. Carpideiras con-
tratadas tinham de chorar e de se cobrir com 
areia e pó.
Para levar a cabo esta cerimónia, o sem 
tinha de se sentar agachado frente à múmia e 
simular um sonho cataléptico pelo intangível, 
para assim devolver o ka ao morto, restabe-
lecendo-o na múmia. Entretanto, tocava em 
várias partes da múmia ou da estátua com 
ferramentas consideradas amuletos no Além, 
como o peseh-kef, uma lâmina de ponta 
bifurcada, de sílex, obsidiana ou outro material; 
além disso, acompanhavam-no mesas de 
oferendas, copos de libações, recipientes de 
óleos sagrados, incensários, etc. A nova vida 
estava a um passo.
J.M.A.G.T
S
H
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S
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Anúbis, deus dos mortos, 
com cabeça de chacal, 
realiza a mumificação 
inclinado sobre o defunto 
(neste caso, um faraó)
A
G
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O Vale 
dos Reis
100
A imponência 
do Vale dos Reis 
só é comparável 
às maiores 
maravilhas do 
mundo antigo. 
Ao vê-lo, 
é possível 
compreender 
a sua capacidade 
simbólica 
como destino 
final de um ser 
humano.
101
D urante 500 anos e três dinastias (XVIII, XIX e XX), o Vale dos Reis foi o local do enterro dos faraós a partir de Tutmés I, à exceção de 
Akhenaton e da sua família. Sobre a entrada 
do vale, eleva-se a montanha mais alta do 
cordilheira ocidental, de nome Gurn, cuja 
silhueta se assemelha à forma de uma pirâmide 
tradicional. Encontra-se a cerca de cinco 
quilómetros do Nilo, frente à antiga cidade de 
Tebas, a capital do país naquele período. 
Rodeado por grandes falésias, que o ocultam 
de olhares alheios desde as margens do Nilo, 
o vale é relativamente pequeno e fácil de pro-
teger. Os túmulos reais foram escavados na 
rocha, escondidos num lugar isolado pela 
necessidade de mantê-los em segredo e longe da 
vista. Foi neste vale que, pela primeira vez, 
foram construídas as sepulturas onde o rei era 
enterrado independentemente dos templos 
funerários onde o culto fúnebre diário era 
realizado. 
A sua localização, na margem esquerda do Nilo, 
tinha um forte caráter simbólico, já que os 
egípcios consideravam a margem oeste do rio 
o limiar entre esta vida e o Além, relacionando 
o pôr do Sol com o submundo. Na verdade, 
todas as necrópoles menfitas do Império Antigo 
se encontram na margem ocidental do Nilo. 
CONSTRUIR O PRÓPRIO TÚMULO
Quando um novo rei chegava ao trono, incum-
bia o arquiteto real (um funcionário da sua 
confiança) de projetar o seu túmulo, a come-
çar pela escolha da localização, que teria de 
ser aprovada pelo rei. Dois exemplos de pla-
neamento de túmulos são os projetos do KV2, 
de Ramsés IV (Papiro de Turim 1885), e do KV6, 
de Ramsés IX (Cairo Ostracon 25184). 
Os trabalhos de construção eram encomen-
dados aos habitantes de Deir el-Medina, uma 
povoação situada nos arredores do vale, onde 
os construtores se organizavam por ofícios. 
Muitas das sepulturas nunca chegaram a ser 
completamente acabadas, algo que nos per-
mite conhecer as diferentes fases da sua 
construção e decoração. 
A obra começava com a abertura de um túnel 
estreito. Os construtores iam cortando a pedra 
até criarem os espaços interiores, onde, no geral, 
predominam as formas simples. Nos espaços 
mais amplos, as futuras câmaras, os trabalhos 
avançavam em comprimento e em largura. 
A escavação prosseguia através de túneis 
secundários à esquerda e à direita, mantendo a 
rocha intacta nos lugares onde iriam ficar os 
futuros pilares. 
Só havia problema quando se deparavam com 
grandes nódulos de sílex (pedra de dureza 
extrema) ou camadas de xisto (rocha pouco 
firme). No primeiro caso, por vezes, os cons-
trutores não tinham outro remédio senão 
desviar o eixo do túmulo. No segundo, devido 
à probabilidade de derrocada, chegavam a 
ter de abandonar a obra. 
ILUMINAÇÃO ARTIFICIAL
O acabamento final das paredes e dos tetos 
fazia-se recorrendo a cinzéis de cobreou de 
bronze até obter áreas com superfícies lisas. 
Nos corredores, os tetos inclinavam-se, para-
lelos à inclinação das rampas ou das escadas. 
Nas câmaras, o chão e os tetos eram paralelos 
entre si, planos e horizontais. Os pilares, qua-
drados, com dimensões de dois por dois côva-
dos (o côvado era a unidade de comprimento 
dos egípcios, equivalente a cerca de 50 centí-
metros), distribuíam-se equidistantes entre si 
e com as paredes das câmaras. Para finalizar, 
quando paredes e pilares estavam devidamente 
esculpidos e polidos, aplicava-se uma camada 
de gesso que servia de base para as pinturas 
murais que os decoravam. 
De forma a poderem realizar todos estes 
trabalhos em câmaras e corredores subter-
râneos, os operários tinham de recorrer a 
iluminação artificial: vasos cerâmicos com 
mechas de linho untadas de óleo ou gordura, 
recorrendo ao sal para evitar que fumegassem 
e sujassem o sepulcro. 
VERIFICAÇÃO DA OBRA 
No teto do primeiro túnel, marcava-se uma 
linha, que servia como eixo do túmulo, sobre 
a qual se assinalava o comprimento dos dife-
rentes espaços, e que servia para achar a sua 
largura, de forma simétrica, de um lado e do 
outro do eixo. Para marcar e verificar a obra, os 
operários socorriam-se de diferentes tipos de 
esquadros de madeira e prumos com os quais 
traçavam os ângulos dos cantos e verificavam 
a sua precisão. Por exemplo, podemos obser-
Como se construía o túmulo Os túmulos eram escavados em total segredo, 
para os salvaguardar dos ladrões
102
Sarcófago 
de madeira
Sarcófago 
de ouro
Sarcófago 
de pedra
Placas de madeira 
sobrepostas, 
chapeadas a ouro
Como se construía o túmulo Nesta recriação de um túmulo, 
podemos observar 
as diferentes 
camadas e níveis 
com que eram 
construídos, 
sendo que cada 
um tinha uma 
função específica 
para salvaguardar 
o corpo 
do defunto.
J.
A
. P
E
Ñ
A
S
103
var um caso deste tipo no túmulo TT1, de 
Sennedjem, localizado em Deir el-Medina: 
entre os objetos encontrados, destacam-se 
um prumo, um esquadro e um nível. 
Para concretizar o projeto previsto desde o 
início, recorriam a desenhos muito porme-
norizados da construção. No Vale dos Reis, 
foram encontrados muitos planos de ar-
quitetura em óstracos (placas de cerâmica) 
que mostravam diversas partes do trabalho, 
incluindo medidas. Num esboço da planta de 
uma câmara com quatro pilares (especifica-
mente, o Ostracon MB 41228) estão definidas 
as distâncias concretas entre pilares e entre os 
pilares e as paredes, bem como o comprimento 
e a largura da câmara. 
PRIMEIROS SEPULCROS 
Os túmulos reais da XVIII Dinastia (tutmés-
sida) foram escavados em lugares inacessí-
veis, no sopé das falésias, com as entradas 
bem ocultas. A necessidade de manter o 
túmulo secreto está expressa numa inscrição 
autobiográfica do arquiteto Ineni, encontrada 
na sua sepultura (TT81), quando, referindo-se 
ao túmulo do seu rei, disse: “Presenciei como 
foi escavado na rocha o túmulo de sua majes-
tade [Tutmés I]. Na solidão na rocha, ninguém 
viu, ninguém ouviu.”
Muitos dos túmulos tutméssidas permane-
ceram escondidos até ao final do século XIX, 
início do XX, porque, com o tempo, as entradas 
foram sendo cobertas por escombros que caíam 
das falésias, arrastados por tempestades. 
É provável que o primeiro túmulo a ser cons-
truído no vale tenha sido o KV20 (Tutmés I e 
Hatshepsut), que tem um longo corredor, com 
mais de 200 metros de comprimento, que ser-
penteava ao longo do seu percurso até chegar 
à câmara funerária, escavada nas profundezas. 
A margem do Nilo, frente a Tebas, 
inclui o Vale dos Reis, o das Rainhas 
e a povoação de Sheikh Abd el-Qurna. 
Os túmulos e outros edifícios parecem 
fundir-se com as colinas desérticas.
AGE
104
CARÁTER SIMBÓLICO
Mais evoluído do que este, o túmulo KV34 
(Tutmés III) tem planta em forma de L, 
que se repetiu nos túmulos seguintes. 
O acesso realiza-se por uma escada íngreme. 
Sobre um primeiro eixo, há um corredor 
estreito, composto por várias secções alter-
nadas de rampas e escadas, que descem desde 
o acesso ao túmulo até à câmara do poço. Esta 
câmara faz a ligação a uma outra de forma 
trapezoidal, com dois pilares, onde o eixo do 
túmulo gira para a esquerda. 
Sobre um segundo eixo, a partir desta câmara, 
começa uma escada que desce diretamente 
para a do sarcófago, também com dois pilares, 
localizada num nível mais profundo. A forma 
retangular com cantos arredondados desta 
câmara lembra a de um cartucho real (empre-
gado na escrita hieroglífica, é a representação 
esquemática de uma corda com nós que rodeia 
o nome do faraó). Este desenho tem um forte 
caráter simbólico: enquanto o eixo superior 
permite a entrada da luz solar, o inferior per-
manece na escuridão, que está intimamente 
relacionada com o submundo e a morte. 
Os túmulos KV35 (Amenófis II), KV43 (Tut-
més IV) e KV22 (Amenófis III), embora com 
ligeiras modificações, continuam a ter o mesmo 
esquema arquitetónico, apresentando o eixo 
típico que caracteriza os túmulos tutméssidas. 
Em todos eles, os corredores e os diferentes 
espaços são distribuídos ao longo de dois eixos 
longitudinais dispostos num ângulo de 90 graus. 
Contudo, os túmulos de Tutmés IV e Amenófis III 
têm uma antecâmara que precede a câmara 
funerária, onde se volta a mudar, pela terceira 
vez, a direção do eixo do túmulo: o primeiro 
(KV43) segue pela esquerda e o segundo 
(KV22) pela direita. É um autêntico labirinto. 
PRINCIPAIS ÁREAS
Num túmulo, sobressaem várias salas. A 
câmara do poço, que deve o seu nome ao facto de 
apresentar um grande poço vertical, tem 
geralmente no seu nível inferior uma câmara 
anexa. Embora este poço tivesse funções pro-
tetoras, o mais provável era ser meramente 
simbólico. De facto, após a realização do 
enterro, o acesso a partir desta câmara ao resto 
do túmulo estava selado por uma parede de 
adobe ou de pedra revestida de gesso e deco-
rada com pinturas, como as paredes laterais 
adjacentes, a fim de fazer acreditar que o 
túmulo acabava nesta primeira câmara. 
Quanto à sala dos pilares, tratava-se de uma 
câmara localizada logo após a câmara do poço. 
Tinha uma forma retangular orientada a 90 
graus da direção do primeiro eixo do túmulo. 
O teto estava apoiado por dois pilares qua-
drados que a dividiam em duas naves. Do lado 
esquerdo, partia um corredor descendente que 
seguia na direção do segundo eixo do túmulo 
diretamente para a câmara funerária. 
 Muitos conseguiram permanecer 
escondidos até ao final do século XIX, 
outros continuam por localizar
105
Esta, muito mais ampla, era o lugar mais 
importante no túmulo. O teto estava apoiado 
em seis pilares que dividiam a câmara em três 
naves. Por sua vez, o chão da sala apresentava 
dois níveis diferentes, estando a parte poste-
rior, reservada para acomodar o sarcófago, 
escavada em maior profundidade. O acesso 
a esta zona fazia-se por uma escada situada 
entre os dois últimos pilares da câmara. Havia 
quatro pequenas câmaras escavadas nas 
A
S
C
106
paredes laterais, onde se colocavam as ofe-
rendas e o enxoval funerário. 
ESPAÇO PRECIOSO
Dois dos túmulos apresentam novidades: o 
do último rei da XVIII Dinastia, Horemheb 
(KV57), continua a ter o mesmo esquema dos 
túmulos anteriores, embora os eixos do túmulo 
já não estejam dispostos a 90 graus, mas na 
mesma direção, embora desviados uns dos 
outros. A alteração ao traçado dos túmulos 
poderia dever-se a que, com a adoção de um 
esquema linear, ocupavam menos espaço, 
algo que deveria ser precioso, após várias 
gerações a construir sepulturas. 
No início da XIX Dinastia, o túmulo KV17 
(Seti I) repete a mesma disposição, com dois 
eixos paralelos entre si, mas ligeiramente 
desviados um do outro. O desenho dos 
espaços deste túmulo apresenta dois desen-
volvimentos importantes. Em primeiro lugar, 
a sala dos pilares é quadrada, em vez de retan-
gular, e o seu teto é apoiado por quatro pilares, 
em vez de dois. Além disso, o teto da área parao sarcófago foi, pela primeira vez, esculpido 
em cúpula, em vez de ser plano, com o que se 
conseguiu maior altura. 
TÚMULOS RAMÉSSIDAS
Estes foram construídos em zonas mais planas, 
próximas do centro do vale. Durante a XX 
Dinastia, os construtores escavavam no 
exterior um corredor que levava à entrada, 
mas agora com dimensões monumentais. Por 
serem mais visíveis, estes túmulos foram os 
primeiros a ser descobertos. 
A partir desta fase, o esquema arquitetónico 
simplifica-se, de modo que os corredores e os 
diferentes espaços estão dispostos simetri-
camente, ao longo de um único eixo retilíneo. 
Os túmulos KV7 (Ramsés II), KV8 (Merenp-
tah), KV11 (Ramsés III) e KV9 (Ramsés V e VI) 
continuam a ter este esquema arquitetónico. 
No entanto, não existe um desenho único e 
vinculativo. 
INVASÃO DO SEPULCRO DO LADO
Por exemplo, na sepultura de Ramsés II, 
o primeiro corredor, a sala dos pilares e o 
segundo corredor estão dispostos seguindo um 
único eixo de simetria, mas, ao chegar à ante-
câmara, o eixo do túmulo vira à direita, dire-
cionando a câmara funerária ortogonal para 
o primeiro corredor, fazendo lembrar o eixo 
duplo típico dos túmulos tutméssidas. Além 
disso, durante a construção do túmulo de 
Ramsés III, pouco antes de chegar à câmara 
A
G
E
Os túmulos em L 
combinavam 
a simbologia da luz 
solar e a obscuridade 
da morte
Interior do túmulo 
de Tutmés III, 
no qual se 
pode apreciar 
a elaborada 
decoração que 
acompanhava 
o faraó no Além. 
À esquerda, 
esquema das 
diferentes partes 
que configuram 
o túmulo, em planta 
e corte vertical.
107
ANÚBIS
A antessala, 
também chamada 
“sala das colunas”, 
poderá ter sido 
usada para depositar 
oferendas e alimentos.
As salas suplementares 
albergavam os sarcófagos 
de familiares do rei 
ou de membros 
destacados da sua corte.
Na câmara sepulcral propriamente dita, 
repousava o corpo do rei, em sarcófagos 
protegidos por camadas sobrepostas.
Um pequeno armazém 
situado junto à câmara 
era provavelmente usado 
para guardar os objetos 
pessoais do monarca: 
roupa, armas, imagens 
de divindades protetoras, 
alimentos, bebidas, etc.
Segundo alguns autores, o poço da galeria 
servia para regular as águas freáticas 
e impedir que a chuva se infiltrasse, 
preservando e isolando o túmulo.
A última morada 
dos faraós
108
HÓRUS
BASTET
TOTH
OSÍRIS
OSÍRIS
ÍSIS
ÍSIS
ANÚBIS
A sala funerária continha 
os tesouros do faraó, 
que incluíam o seu carro 
de guerra (A), a Barca Solar (B), 
o tabernáculo que guardava 
a sua alma (C), as suas camas (D), 
os seus tronos (E) e outros 
objetos que refletiam 
o seu poder.
Corredor
Nas pinturas da sala funerária, vários deuses 
(Toth, Hórus...) guiavam o faraó pelo submundo 
até aaru, o reino de Osíris, o paraíso egípcio.
Uma arca guardava 
os canopos (vasos 
mortuários) com 
as vísceras do faraó.
Um pequeno armazém 
situado junto à câmara 
era provavelmente usado 
para guardar os objetos 
pessoais do monarca: 
roupa, armas, imagens 
de divindades protetoras, 
alimentos, bebidas, etc.
a
b
c
d
d
e
Os túmulos do Vale dos Reis são o equivalente às câmaras 
sepulcrais das antigas pirâmides do Império Antigo e Médio. 
O local escolhido para este fim foram as encostas das montanhas 
tebanas na margem direita do Nilo, mesmo em frente ao pico 
de Gurn. A natureza deste lugar só pode ser entendida tendo 
em conta as novas ideias teológicas relacionadas com o mundo 
da morte durante o Império Novo. Os textos religiosos, muito mais 
complexos do que os anteriores, vão começar a ser gravados nas 
paredes dos túmulos reais, provocando um aumento dos elementos 
decorativos, e vão predominar os grandes murais cheios de cenas 
de grande beleza. Os túmulos do Vale dos Reis aumentaram 
progressivamente de tamanho à medida que o tempo foi passando.
J.
A
. P
E
Ñ
A
S
109
do poço, foi invadido o túmulo vizinho, o KV10, 
o que forçou a deslocar ligeiramente o eixo 
para seguir uma linha paralela à inicial, lem-
brando o esquema dos túmulos KV57 e KV17. 
Os túmulos foram crescendo em dimensão. 
A escavação adentrava-se cada vez mais no 
interior da montanha, aumentando a super-
fície e o volume do túmulo. As dimensões dos 
corredores aumentaram progressivamente 
tanto em largura como em altura, evoluindo 
de uma altura inicial de cerca de dois metros, 
nos túmulos tutméssidas, até quase o dobro, 
nas últimas sepulturas raméssidas. Da mesma 
forma, a inclinação foi diminuindo progres-
sivamente, até que, já durante a segunda 
metade da XX Dinastia, muitos são horizontais. 
A partir desse momento, os degraus das escadas 
foram divididos em duas secções por uma 
rampa central (KV11, KV7 e KV8). No entanto, 
como as escadas eram esculpidas na fase final 
da obra, em algumas sepulturas inacabadas 
foram substituídas por rampas. 
ALTERAÇÕES NOS ESPAÇOS
Cada secção do corredor conduzia a uma 
porta que servia de acesso ao vão seguinte. 
O dintel e as ombreiras das portas eram es-
culpidos diretamente na rocha, embora por 
vezes se eliminassem para facilitar a passagem 
do sarcófago (cada vez maior), como no 
túmulo KV8, onde foram posteriormente 
substituídos por blocos de pedra. 
A câmara do poço continuava a fazer parte do 
esquema, embora, a partir de então, já quase 
não haja exemplos em que tenha sido esca-
vado o poço funerário, à exceção do túmulo 
de Ramsés III. A sala dos pilares passa a ser 
quadrada em vez de retangular e é maior 
do que em túmulos anteriores. O teto está 
apoiado por quatro pilares, em vez de dois, 
dispostos simetricamente à volta do eixo do 
túmulo. Isto permite que a escada pela qual se 
acede ao resto do sepulcro seja escavada sobre 
o eixo. 
A câmara funerária, por seu lado, também 
aumentou de tamanho em comparação com 
sepulturas anteriores. O teto está apoiado por 
oito suportes, em vez dos seis dos túmulos 
do passado, distribuídos em duas linhas de 
quatro pilares que se dispõem ortogonalmente 
ao segundo eixo do túmulo, situado na área 
reservada para o sarcófago, na parte central, 
com maior altura. 
O DECLÍNIO DO VALE 
No geral, os últimos reis raméssidas tiveram 
reinados muito breves, pelo que quase nenhum 
túmulo deste período foi completamente aca-
bado. Por exemplo, a morte de Ramsés VII 
(túmulo KV1) aconteceu no início da escava-
ção da quarta secção do seu corredor, antes de 
chegar à câmara do poço, pelo que alargaram 
a terceira secção de modo a transformá-la em 
câmara funerária. 
Um dos últimos túmulos do vale, o KV4 
(Ramsés XI), que provavelmente nunca foi 
usado, seguia originalmente o esquema ar-
quitetónico típico dos túmulos raméssidas, 
mas, a partir da sala dos pilares (inacabada), o 
esquema simplifica-se: a antecâmara é elimi-
Sala hipostila do túmulo de 
Seti I (XIX Dinastia) com um 
fresco de Osíris entronizado. 
À direita, planta do túmulo.
G
E
TT
Y
110
nada e surge uma câmara funerária (também 
inacabada) muito mais pequena, onde come-
çaram a escavar um poço. 
Em 1090 a.C., o “ano das hienas”, a econo-
mia do país cambaleava, a fome apoderava-se 
de Tebas, houve ataques de inimigos vindos 
do deserto e a coroa não parecia ser capaz de 
manter o país unido por muito mais tempo. 
A partir desse momento, 500 anos após a cons-
trução do primeiro túmulo, o Vale dos Reis 
já não era um lugar tão seguro como antes, 
pelo que foi abandonado pelos faraós.
J.A.M.H.
A partir de certa altura, foi necessário 
começar a Fazer túmulos lineares, 
para poupar espaço
A
S
C
111
112
113
O Vale 
das 
Rainhas
A
S
CA orografia do Vale das Rainhas 
é uma maravilha da natureza. 
A sua variedade topográfica foi 
um desafio para os construtores.
114
C onhecido pelos egípcios como Wadi el-Malika, este topónimo que pode ser traduzido de várias maneiras foi sugerido por Champollion. No 
passado, os egípcios chamavam-lhe ta-set-
neferu, que significaria “o lugar dos filhos do 
faraó”, referindo-se às sepulturas dos prínci-
pes reais. Trata-se de uma necrópole com mais 
de90 túmulos, situada a sul da montanha tebana, 
um lugar que só recentemente começou a ser 
visitado por turistas, que costumam preferir 
o Vale dos Reis. 
Foi a partir da XVIII Dinastia que este local teve 
especial relevância, ao ter sido escolhido para 
enterrar os primeiros príncipes e princesas de 
sangue real ao lado de ilustres personagens da 
corte. Com Ramsés II, o vale serviu para inumar 
as suas mulheres que tinham título real. Era um 
lugar privilegiado e sagrado; a sua topografia 
apresenta, ao fundo, uma cascata dentro de 
uma caverna cuja configuração se assemelha e 
representaria o ventre ou útero da Vaca Celestial, 
uma das formas da deusa Hathor, da qual bro-
tavam as águas que anunciavam a ressurreição 
dos defuntos.
DE NECRÓPOLE REAL 
A CEMITÉRIO COMUM
Nesta necrópole, podemos encontrar dois ti-
pos de túmulos muito diferentes: os primeiros 
pertencem à XVIII Dinastia e correspondem 
a 60 hipogeus construídos em forma de poço 
funerário, enquanto os segundos seriam os 
grandes túmulos da XIX e da XX Dinastias, que 
apresentam complexos funerários monumen-
tais e cujos modelos são muito semelhantes aos 
sepulcros reais do vizinho Vale dos Reis (com 
autênticos aposentos fúnebres). 
A partir da XIX Dinastia, com o enterro de Sat 
Ra, Grande Esposa Real de Ramsés I e mãe de 
Seti I, o vale começou a receber os restos mortais 
das mulheres dos faraós. Mais tarde, no período 
raméssida, sofreu saques contínuos de ladrões, 
como atestam numerosos papiros judiciais da 
época. A partir do Terceiro Período Intermédio, 
a necrópole tornou-se um local de enterro para 
personagens sem sangue real, e, gradualmente, 
tornou-se um cemitério popular. Na época copta, 
por volta do século IV, vários túmulos foram 
queimados e saqueados, tendo sido construído 
no local o mosteiro de Deir Rumi, cujas ruínas 
ainda são visíveis. 
onhecido pelos egípcios como Wadi onhecido pelos egípcios como Wadi 
el-Malika, este topónimo que pode el-Malika, este topónimo que pode 
ser traduzido de várias maneiras ser traduzido de várias maneiras 
foi sugerido por Champollion. No foi sugerido por Champollion. No 
ta-set-ta-set-
, que significaria “o lugar dos filhos do , que significaria “o lugar dos filhos do 
faraó”, referindo-se às sepulturas dos prínci-faraó”, referindo-se às sepulturas dos prínci-
pes reais. Trata-se de uma necrópole com mais pes reais. Trata-se de uma necrópole com mais 
de 90 túmulos, situada a sul da montanha tebana, de 90 túmulos, situada a sul da montanha tebana, 
um lugar que só recentemente começou a ser um lugar que só recentemente começou a ser 
visitado por turistas, que costumam preferir visitado por turistas, que costumam preferir 
Foi a partir da XVIII Dinastia que este local teve Foi a partir da XVIII Dinastia que este local teve 
especial relevância, ao ter sido escolhido para especial relevância, ao ter sido escolhido para 
enterrar os primeiros príncipes e princesas de enterrar os primeiros príncipes e princesas de 
sangue real ao lado de ilustres personagens da sangue real ao lado de ilustres personagens da 
corte. Com Ramsés II, o vale serviu para inumar corte. Com Ramsés II, o vale serviu para inumar 
as suas mulheres que tinham título real. Era um as suas mulheres que tinham título real. Era um 
lugar privilegiado e sagrado; a sua topografia lugar privilegiado e sagrado; a sua topografia 
apresenta, ao fundo, uma cascata dentro de apresenta, ao fundo, uma cascata dentro de 
uma caverna cuja configuração se assemelha e uma caverna cuja configuração se assemelha e 
representaria o ventre ou útero da Vaca Celestial, representaria o ventre ou útero da Vaca Celestial, 
uma das formas da deusa Hathor, da qual bro-uma das formas da deusa Hathor, da qual bro-
tavam as águas que anunciavam a ressurreição tavam as águas que anunciavam a ressurreição 
Nesta necrópole, podemos encontrar dois ti-Nesta necrópole, podemos encontrar dois ti-
pos de túmulos muito diferentes: os primeiros pos de túmulos muito diferentes: os primeiros 
pertencem à XVIII Dinastia e correspondem pertencem à XVIII Dinastia e correspondem 
a 60 hipogeus construídos em forma de poço a 60 hipogeus construídos em forma de poço 
funerário, enquanto os segundos seriam os funerário, enquanto os segundos seriam os 
grandes túmulos da XIX e da XX Dinastias, que grandes túmulos da XIX e da XX Dinastias, que 
apresentam complexos funerários monumen-apresentam complexos funerários monumen-
tais e cujos modelos são muito semelhantes aos tais e cujos modelos são muito semelhantes aos 
sepulcros reais do vizinho Vale dos Reis (com sepulcros reais do vizinho Vale dos Reis (com 
A partir da XIX Dinastia, com o enterro de Sat A partir da XIX Dinastia, com o enterro de Sat 
Ra, Grande Esposa Real de Ramsés I e mãe de Ra, Grande Esposa Real de Ramsés I e mãe de 
Seti I, o vale começou a receber os restos mortais Seti I, o vale começou a receber os restos mortais 
das mulheres dos faraós. Mais tarde, no período das mulheres dos faraós. Mais tarde, no período 
raméssida, sofreu saques contínuos de ladrões, raméssida, sofreu saques contínuos de ladrões, 
como atestam numerosos papiros judiciais da como atestam numerosos papiros judiciais da 
época. A partir do Terceiro Período Intermédio, época. A partir do Terceiro Período Intermédio, 
a necrópole tornou-se um local de enterro para a necrópole tornou-se um local de enterro para 
personagens sem sangue real, e, gradualmente, personagens sem sangue real, e, gradualmente, 
tornou-se um cemitério popular. Na época copta, tornou-se um cemitério popular. Na época copta, 
por volta do século IV, vários túmulos foram por volta do século IV, vários túmulos foram 
queimados e saqueados, tendo sido construído queimados e saqueados, tendo sido construído 
no local o mosteiro de Deir Rumi, cujas ruínas no local o mosteiro de Deir Rumi, cujas ruínas 
A descoberta destes túmulos e templos 
funerários ocorreu num período muito recente
A
S
C
A deusa Hathor 
foi representada 
de muitas formas, 
sobretudo como 
uma mulher com 
chifres de vaca 
e um disco solar 
sobre a cabeça. 
Ísis também podia 
ser representada 
assim, pelo que, 
muitas vezes, 
só se consegue 
distingui-las 
através de alguma 
inscrição. 
G
E
TT
Y
115
Pintura a têmpera 
de Nefertari, 
datada de cerca 
de 1754 a.C.
O mais belo 
túmulo para 
a mais bela rainha
Um dos túmulos mais impressionantes 
encontrados no vale foi, sem dúvida, o da 
rainha Nefertari, uma das sete grandes 
esposas reais de Ramsés II. Descoberto 
em 1904 pelo arqueólogo Ernesto Schia-
parelli, esteve fechado ao público durante 
várias décadas, embora hoje seja visitável 
e se considere o túmulo mais espetacular 
e belo de todos os construídos no Antigo 
Egito, tal a sua elegância e requinte. 
Impressiona o seu colorido brilhante e a 
qualidade excecional das suas pinturas 
a têmpera. Nefertari Merien-Mut (“a mais 
bela de todas, a amada de Mut”) foi uma 
grande rainha e teve um papel muito 
proeminente, em comparação com outras 
esposas reais na história do Egito. Fez 
sempre parte da comitiva do faraó, não só 
nas cerimónias civis e religiosas como tam-
bém durante todas as viagens importantes, 
como aquelas que ambos realizaram ao 
reino da Núbia (por volta de 1255 a.C.), 
aquando da construção do Templo de Abu 
Simbel, onde se podem ver representações 
da rainha em grandes estátuas do mesmo 
tamanho das do faraó. A estrutura do seu 
túmulo é típica da XIX Dinastia. Entra-se 
por uma escadaria de 18 degraus que leva 
ao primeiro nível do sepulcro, composto 
por uma antecâmara quadrangular e um 
anexo. A partir daí, um segundo lance de 
escadas desce para a câmara funerária 
propriamente dita, que possui três anexos 
e em cujo centro terá sido colocado o 
sarcófago da rainha, pois Schiaparelli só 
encontrou alguns fragmentos da tampa. 
Numa parede, tinha sido escavado um 
pequeno nicho para provavelmente depo-
sitar a caixa com os vasos canópicos que 
continham as vísceras. A complexa deco-
ração do túmulo evoca uma viagem ritual 
da almade Nefertari para o submundo, o 
reino de Osíris, ao qual a rainha acede 
depois de atravessar as portas descri-
tas nos capítulos 144 e 146 do Livro dos 
Mortos, na sala do sarcófago. É aí que 
acontece a gestação e o renascimento da 
sua alma, que regressa à antecâmara, se 
transfigura e resplandece. Por fim, Nefertari 
aparece em plena luz do dia, representada 
no teto da porta de entrada do seu túmulo, 
seguindo uma imagem que evoca a saída 
da escuridão e o regresso à luz eterna.
116
DIFICULDADE OROGRÁFICA
Muitos dos túmulos reais da antiguidade que 
foram ali erguidos apresentavam inúmeros 
problemas estruturais, relacionados com as 
características geológicas do lugar. Os pró-
prios artesãos que os construíram, há 3500 
anos, sabiam que estavam a trabalhar um tipo 
de rocha difícil, o que os forçou a recorrer 
a técnicas específicas, como o uso maciço 
de muna, um gesso especial com o qual se 
cobriam todas as paredes e tetos da sepultura, 
dissimulando desta maneira as imperfeições 
da rocha. 
Por vezes, o terreno escavado era tão mau que 
foi necessário desistir do trabalho e começar 
de novo num local mais apropriado, o que 
explica o grande número de sepulturas ina-
cabadas que existem no vale. Da mesma forma, 
foram detetados sinais de ter havido um 
período de chuvas torrenciais que tiveram 
efeitos devastadores em alguns túmulos.
RESGATADO POR CHAMPOLLION
O lugar ficou esquecido durante 1500 anos, 
até ter sido redescoberto pelos primeiros 
exploradores do século XIX. O primeiro a 
O túmulo 
de Nefertari, 
Grande Esposa Real 
de Ramsés II,
é certamente 
uma das joias mais 
preciosas deixadas 
pelo Antigo Egito
Muitos dos túmulos reais da antiguidade que 
foram ali erguidos apresentavam inúmeros 
Março de 1965: turistas 
e operários observam 
o Templo de Nefertari. 
A areia protegeu as estátuas 
de dez metros de altura 
esculpidas na fachada. 
117
visitá-lo foi Robert Hay, em 1826, e só dois anos 
mais tarde John Gardner Wilkinson fez aquela 
que seria a primeira classificação dos túmulos. 
Foi nessa altura que Jean-François Champol-
lion lhe deu o nome de Vale das Rainhas. 
As investigações mais profundas do local só 
começaram no início do século XX, quando o 
Museu Egípcio de Turim (Itália) enviou uma 
equipa de arqueólogos liderada por Ernesto 
G
E
TT
Y
Schiaparelli, diretor daquele museu, que 
trabalhou no vale entre 1903 e 1906. A este 
arqueólogo devemos as descobertas mais 
importantes, como os túmulos dos filhos de 
Ramsés III, embora a mais surpreendente 
tenha sido certamente o túmulo de Nefertari, 
a Grande Esposa Real de Ramsés II.
V.B.
De que morreu 
Tutankamon?
118
De que morreu 
Tutankamon?
G
E
TT
YTutankamon envolvido 
em linho, na sua vitrina 
com temperatura controlada 
no túmulo KV62, 
no Vale dos Reis.
119
P or decisão de Howard Carter, o corpo mumificado do jovem faraó Tutankamon continua depositado naquela que foi escolhida como a 
sua morada eterna, ou seja, repousa no seu 
próprio túmulo, embora todo o seu tesouro 
tenha sido distribuído por vários museus. 
Quem já tenha entrado no túmulo KV62 do 
Vale dos Reis terá por certo contemplado a 
múmia coberta por um fino lençol de linho 
branco numa pequena urna de vidro. Muito 
se tem especulado e escrito sobre a sua morte, 
que ocorreu por volta de 1325 a.C. Trata-se, 
sem dúvida, da múmia egípcia mais submetida 
a estudos médicos: o seu corpo foi alvo de 
numerosas análises clínicas e antropológicas, 
radiografias, análises de ADN, tomografias, 
etc. Apesar disso, há um manto de mistério a 
cobrir a sua morte.
INÍCIO DA LENDA
Tutankamon foi encontrado intacto dentro 
do seu sarcófago, e Carter demorou três anos, 
desde a descoberta, até conseguir desenrolar 
a múmia, olhá-la no rosto e examiná-la, che-
gando a escrever: “Não tenho vergonha de 
confessar que quando olhei para ele fiquei 
com um nó na garganta.” Ao que parece, o 
processo de exploração do corpo não terá 
sido muito meticuloso nem feito com o rigor 
O processo 
de extração 
da múmia 
foipouco
 cuidadoso 
e causou 
danos que
dificultam 
o seu estudo.
G
E
TT
Y
120
Os processos de Howard Carter 
não eram rigorosos, pelo que é 
difícil analisar a múmia
científico necessário: o corpo foi destruído 
com a amputação de todos os membros 
e a prática de várias incisões. 
Ainda hoje, os especialistas discordam sobre 
as numerosas feridas que a múmia apresenta: 
não se sabe ao certo quais foram feitas no 
processo de embalsamamento, há 3300 anos, 
e quais as praticadas pela equipa de Carter. 
A primeira análise ou autópsia realizada por 
esta, em 1925, determinou que o faraó tinha 
1,67 metros de altura. Com base na estrutura 
óssea, estimou-se que tivesse morrido entre 
os 17 e os 19 anos, embora posteriormente a 
tomografia dos dentes do siso tenha ditado 
a idade da sua morte aos 19 anos. A primeira 
análise concluiu, ainda, que o jovem rei morreu 
devido a vários traumatismos. 
TEORIAS SOBRE A SUA MORTE
Em 1968 e, mais tarde, em 1978, foram feitas 
diversas radiografias à múmia com equipa-
mentos portáteis dentro do túmulo, pelo que 
a qualidade não foi a mais adequada. Na época, 
muito se especulou de novo sobre as causas 
da sua morte. As teorias passaram pelo assas-
sí nio com um golpe na cabeça até doenças 
congénitas e infecciosas, um acidente de carro 
ou um envenenamento. 
Em 2005, a múmia foi submetida a um exame 
mais rigoroso através de tomografia axial com-
putorizada (TAC), que permitiu reconstruir 
uma imagem tridimensional de todo o corpo. Foi 
o egiptólogo Zahi Hawass, chefe do Departa-
mento de Antiguidades do Egito, quem liderou 
a operação, tendo contado, para o efeito, 
com uma equipa de especialistas de craveira 
internacional. As conclusões desse estudo 
evidenciaram que Tutankamon terá morrido 
de um conjunto de causas e não apenas de uma, 
motivadas pelo culminar de múltiplas circuns-
tâncias e patologias. O corpo apresentava uma 
fratura aberta acima do joelho esquerdo, causada 
provavelmente por um acidente e cujo feri-
mento poderá ter sido fatal. Naquela época, uma 
científico necessário: o corpo foi destruído científico necessário: o corpo foi destruído a qualidade não foi a mais adequada. Na época, a qualidade não foi a mais adequada. Na época, 
G
E
TT
Y
G
E
TT
Y
Em cima, Zahi Hawass, arqueólogo egípcio 
e ex-ministro de Estado para os Assuntos 
das Antiguidades encarregado da investigação. 
À direita, o rosto do faraó mumificado.
121
hemorragia ou uma infeção grave poderiam 
resultar numa morte certa. 
Também se especulou sobre o embalsama-
mento da múmia. Muitos especialistas indicam 
que ele não foi corretamente realizado, como 
os cânones clássicos mandavam. Na verdade, 
a múmia de Tutankamon é uma das mais mal 
preservadas de toda a sua dinastia. Isto talvez se 
tenha devido ao facto de, provavelmente, ter 
falecido longe de Tebas, numa batalha, incursão 
ou caçada, e, com a pressa, não ter havido tempo 
para realizar um embalsamamento apropriado. 
Este facto viria a confirmar que a sua morte 
ocorreu inesperadamente, e daí as falhas dete-
tadas no processo de mumificação, uma vez que 
os responsáveis pelo cuidado do seu corpo até 
ao enterro definitivo não eram, seguramente, 
especialistas. 
ENDOGAMIA, UM PROBLEMA
A múmia também apresenta numerosas fratu-
ras ósseas e lesões em partes moles, tornando 
muito difícil atribuir a sua morte a uma causa 
específica apenas com base em imagens de TAC. 
Não é claro se estes ferimentos ocorreram, como 
foi dito, devido a um acidente de carro ou ao 
processo de embalsamamento, ou se foram 
causados pela equipa de Carter. Uma das coisas 
que chamam a atenção é que a múmia não 
tem coração, órgão importante e fundamental 
para chegar ao Além no Antigo Egito. 
Por outro lado, Tutankamon nasceu com 
graves problemas congénitos, devido à forte 
endogamia da família real na XVIII Dinastia. 
Mais de 250 anos de casamentos incestuosos 
deixaram uma pegada genética fatídica. Os 
seus pais, Akhenaton e a princesaKiya, seriam 
irmãos, o que, sem dúvida, representaria uma 
herança genética muito fragilizada, fazendo o 
jovem faraó sofrer de malformações gravíssi-
mas desde o nascimento: foi-lhe diagnosticado 
lábio leporino e deformações nos pés, razão 
pela qual foram encontradas cerca de 130 
bengalas no seu túmulo. As análises de ADN 
revelaram igualmente que sofria de malária, 
dando uma imagem muito frágil e débil do 
monarca egípcio. 
Os dibersos testes ao corpo do jovem faraó 
efetuados em 2005 são os mais completos 
realizados até agora e, apesar de fornecerem 
muitos dados importantes, não foram con-
clusivos sobre a causa da morte. O diagnóstico 
médico que temos neste momento é que ele 
morreu de necrose óssea na sequência de uma 
grave infeção de malária. O mistério continua, 
portanto.
V.B.
O que sabemos, por múltiplas fontes, 
é que sempre foi uma criança doente
A
S
C
122
Onde está o coração?
Normalmente, no processo 
de embalsamamento de um 
faraó, o coração era extraído, 
dessecado e reintroduzido 
no corpo do defunto. Os 
egípcios pensavam que este 
órgão era o mais importante: 
nele convergiam todos os 
fluidos do corpo e residiam 
a inteligência, a consciên-
cia moral e o pensamento. 
Durante a viagem para o 
Além, o coração desem-
penhava um papel funda-
mental, por isso tinha de 
ser preservado. A jornada 
do falecido terminava no 
Tribunal de Osíris, em que o 
coração era pesado numa 
balança. Se o seu peso 
fosse superior a uma pena, 
significava que o falecido 
estava cheio de culpas, não 
tinha agido corretamente na 
vida e, consequentemente, 
seria devorado por Ammit, 
a deusa com cabeça de 
crocodilo. Caso contrário, o 
morto teria levado uma vida 
justa e estava preparado 
para alcançar a eternidade. 
Para garantir esta passagem 
pelo temido tribunal, sobre 
o corpo do defunto e junto 
ao coração colocava-se um 
escaravelho que costumava 
ser gravado com o capítulo 
30 do Livro dos Mortos e 
cuja missão era garantir, 
através desse feitiço, que 
o coração não revelaria os 
pecados cometidos em vida. 
O coração de Tutankamon 
nunca foi encontrado: 
durante o embalsama-
mento, algo falhou e o órgão 
perdeu-se pelo caminho, 
sem que se saiba o que 
aconteceu quando a alma do 
jovem faraó teve de enfrentar 
o Tribunal de Osíris. O que 
parece claro é que, com ou 
sem coração, Tutankamon 
alcançou a vida eterna.
G
TR
E
S
O
N
LI
N
E
Reconstrução 
forense do rosto 
de Tutankamon, 
que sugere 
ter nascido com 
lábio leporino.
123
G
E
TT
Y
124
Howard Carter 
(ajoelhado) 
na abertura 
do túmulo 
de Tutankamon, 
em 1922.
125
Mistérios 
sem fim
N o dia 4 de novembro de 1922, após anos de buscas infrutíferas, os trabalhadores de Howard Carter desenterraram três degraus no 
chão do deserto. Era o começo de uma escada 
de pedra. Não era uma escada muito longa, 
pelo que em pouco tempo os operários 
conseguiram descer até ao que parecia um cor­
redor cheio de entulho. Depois de removidos 
os escombros, Carter não queria acreditar. 
Atrás do corredor, havia outra divisória com 
selos reais estampados. Tudo apontava para 
que, pela primeira vez na história, se teria 
descoberto um túmulo real egípcio não profa­
nado. Carter ordenou que a escada voltasse a 
ser coberta e enviou rapidamente um tele­
grama ao seu mecenas, lord Carnarvon, 
que chegou no dia 23, com a filha. Quando 
já se encontravam no corredor, ambos 
puderam ler, pela primeira vez, o nome de um 
faraó perdido: Tutankamon. Depois de abrir 
um pequeno buraco na parede, o arqueólogo 
introduziu uma vela. Inicialmente, nada 
discerniu, mas os seus olhos foram­se habi­
tuando à escuridão. “Consegue ver alguma 
coisa?”, perguntou Carnarvon, expectante. 
As palavras de Carter ficaram na história da 
arqueologia: “Sim, coisas maravilhosas.”
Com efeito, Carter tinha descoberto o túmulo 
de um faraó que não aparecia em qualquer dos 
registos conhecidos, mas esse seria apenas 
o primeiro dos mistérios: nem o tamanho do 
túmulo correspondia ao de um faraó, nem a 
disposição dos objetos era o que se poderia 
esperar de uma sepultura real. A verdade é que, 
ainda hoje, o túmulo de Tutankamon continua 
a fascinar tanto os especialistas como os leigos, 
porque, apesar de ser, provavelmente, um 
dos mausoléus mais famosos do mundo, a 
última morada do faraó­menino continua a 
guardar muitos segredos.
LUGAR INSUSPEITO 
Não há dúvida de que as pirâmides erguidas 
durante o Império Antigo egípcio são alguns 
dos sepulcros mais espetaculares alguma vez 
construídos. No entanto, essas grandiosas 
construções de faraós como Kéops ou Miqueri­
nos demonstraram ser pouco práticas a longo 
prazo. Apesar de terem sido projetadas como 
máquinas perfeitas para garantir a sobrevi­
vência do faraó na eternidade, apresentavam 
uma falha óbvia: as pirâmides eram gigantes­
cos chamarizes para os ladrões de túmulos, 
que assim sabiam facilmente onde atuar. 
Por isso, no início da XVIII Dinastia, foi decidido 
126
O túmulo de Tutankamon
16 
degraus
2 m
1,7 m
Porta selada 
e engessada
Túmulo 
de Ramsés VI
Entrada
Entrada
Corredor
Corredor
Antecâmara
Antecâmara
Anexo
Anexo
Câmara funerária
Câmara ritual
Sala dos pilares
Descoberto em 1922, ao contrário dos restantes túmulos reais, 
praticamente não foi saqueado, e por isso estava repleto 
de tesouros magníficos. Tutankamon nasceu por volta de 1341 a.C. 
Reinou durante nove anos e morreu antes de chegar aos vinte. 
Apesar de não se saber ao certo quem foram os seus pais, 
os candidatos mais prováveis são Amenófis IV (mais tarde 
conhecido por Akhenaton) e uma sua esposa secundária, Kiya.
O túmulo de Tutankamon
Entrada
Howard Carter 
descobre, 
em 4 de novembro 
de 1922, após cinco 
anos de buscas, 
a entrada do úmulo, 
escondida no solo 
dos Vale dos Reis.
Túmulo perdido
Duzentos anos após a morte de Tutankamon, 
foi construído o túmulo de Ramsés VI. 
Os escombros e os restos desta obra 
esconderam a entrada da sepultura, 
a um nível inferior da encosta, o que 
permitiu que a última morada do jovem rei 
do Egito permanecesse praticamente intacta. 
Ao que parece, houve duas tentativas 
de roubo, mas o túmulo voltou a ser selado.
Tesouro
Junto à câmara funerária, 
atrás de uma porta 
selada, encontrava-se 
a Sala do Tesouro. 
Uma estátua do deus 
Anúbis vigiava a entrada. 
O próprio Santuário 
Canópico estava 
protegido pelas estátuas 
de quatro deusas.
Antecâmara
A sala estava selada 
por paredes. Quando 
Carter atravessou 
a primeira porta, ficou 
diante de uma câmara 
cheia de objetos 
pertencentes ao faraó, 
muitos deles fabricados 
em ouro ou cobertos 
de talha dourada.
Corredor
O corredor de acesso 
e as escadas, escavados 
na rocha, estavam 
cobertos de pedra 
picada. Também se 
encontraram alguns 
objetos caídos, 
possivelmente 
provenientes 
de um roubo.
Continha 
mais 
de 600
objetos
Continha 
cerca 
de 500
objetos
16 
degraus
2 m
1,7 m
Carros em 
tamanho real
Porta selada 
e engessada
Barcas em 
miniatura
Deusas
Arca de ouro 
com os vasos 
canópicos
Santuário 
canópico
Vasos canópicos
Continham 
as vísceras do faraó
Túmulo de Tutankamon
Entrada
Corredor
Corredor
Antecâmara
Antecâmara
Anexo
Anexo
Câmara funerária
Câmara ritual
Sala dos pilares
Santuário 
canópico
Continha os órgãos 
do faraó. Pulmões, 
fígado, intestinos 
e estômago 
eram extraídos 
do corpo antes 
de se iniciar 
o processo 
de mumificação.
127
Estátua 
de Anúbis
C
A
R
LO
S
 A
G
U
IL
E
R
A
Anexo
Atrás dos móveis da antecâmara, 
encontrava-se uma sala, a última 
a ser explorada, já que estava 
praticamente inacessível devido 
à grande quantidade de objetos 
que ali havia. Continha óleos, vinhos 
e uma grande variedade de comidas.
Sarcófago
Foi talhado 
num bloco 
maciço de 
quartzite 
vermelha.
Múmia
Estava dentro 
de três caixões 
dourados. 
Na cabeça, 
tinha uma 
máscara 
de ouro.
Câmara funerária
Estava selada e era nela 
que se encontrava o sarcófago. 
À entrada, havia duas estátuas 
de Tutankamon em tamanho real. 
Quatrosantuários de madeira 
cobertos de ouro, encaixados 
uns nos outros, cobriam 
o sarcófago, que continha 
três caixões, os dois primeiros 
de madeira chapeada a lâminas de 
ouro e o terceiro de ouro maciço. 
Lá dentro, repousava a múmia 
do jovem faraó, com a cabeça 
e os ombros cobertos por uma 
máscara de ouro que ficou célebre.
Primeiro santuário
Talhado em madeira de cedro, 
com peças de louça azul, 
decorado com simbologia 
protetora.
Segundo santuário
Coberto com uma carcaça 
de madeira e tapado com 
um tecido de linho.
Terceiro santuário
Decoração semelhante 
aos anteriores, com 
símbolos religiosos.
Quarto 
santuário
Madeira talhada 
com representação 
de deuses. 
Nut e Hórus 
cuidam do teto; 
Ísis e Nephtys, 
das portas.
Murais
As paredes 
engessadas 
e pintadas, em 
fundo amarelo-ouro, 
representam diversas 
cenas do Livro 
dos Mortos, num 
estilo diferente 
da decoração 
tradicional.
A única 
sala decorada 
continha 
o sarcófago 
e 300
objetos
Foram 
precisos dez anos 
para esvaziar 
o túmulo e levar 
para o Cairo 
as mais de 
5000 peças 
encontradas
Estátua 
de Anúbis
criar uma nova necrópole real num lugar 
mais discreto, num terreno próximo da nova 
capital que tinha sido estabelecida em Tebas, 
o que hoje conhecemos como Vale dos Reis. 
Este estava situado numa margem do Nilo e 
permitia um fácil controlo da zona, aumentando 
assim a segurança dos túmulos reais. Além 
disso, o vale encontrava-se sob a sombra do 
monte Gurn, uma montanha em forma pira-
midal que evocava os grandiosos monumentos 
dos seus antepassados. Ao contrário da maioria 
dos túmulos anteriores, os que foram cons-
truídos no Vale dos Reis não apresentavam 
qualquer sinal exterior que os denunciasse. 
Articulavam-se através de diferentes câmaras 
que estavam ligadas entre si por galerias sub-
terrâneas. 
SEMPRE MAIORES, MENOS ESTE
Geralmente, as obras nos túmulos reais 
começavam logo após a coroação do faraó. Os 
trabalhos, distribuídos por períodos laborais 
GETTY
128
Apesar da quantidade de grandes objetos 
descobertos, é provável que a maior parte 
das joias tenha sido saqueada
As três pirâmides 
de Gizé: Kéops, 
Quéfren e Miquerinos. 
A sua simples 
presença alertava 
os saqueadores 
de túmulos 
para a existência 
de tesouros.
de dez dias, começavam com o esvaziamento 
em bruto do túmulo. Depois, grupos com cerca 
de 50 operários estavam encarregados de alisar 
as paredes para aplicar a decoração. No final, 
estas eram rebocadas com gesso e pintadas para 
adquirir o luxuoso e colorido aspeto que ainda 
hoje exibem. 
Os túmulos construídos no Vale dos Reis, no 
início da XVIII Dinastia, apresentavam uma 
forma típica, em ângulo. Isto foi interpretado 
como sendo uma metáfora do caminho tortuoso 
S
H
U
TT
E
R
S
TO
C
K
G
E
TT
Y
que o faraó tinha de percorrer para atravessar 
o submundo antes de chegar à vida eterna. 
Com o tempo, as sepulturas mudaram a sua 
organização para um corredor reto, para 
poupar espaço e sublinhar a ligação aos raios 
solares do deus Rá. Porém, se algo define 
a evolução na construção dos túmulos do 
Império Novo é que, em geral, cada um deles era 
mais comprido e amplo do que o anterior. Só 
um túmulo não seguiu esta regra: o de Tutan-
kamon.
Não tão intacto como se diz
Embora a lenda diga que 
o túmulo de Tutankamon 
foi encontrado intacto 
(o que servia os interes-
ses de Carter), isto não 
é exato. Quando Carter 
entrou nele pela primeira 
vez, encontrou indícios de 
que não seria o primeiro a 
visitar o mausoléu depois 
de ele ter sido selado. 
Por um lado, esbarrou 
em objetos manipulados 
de forma grosseira, e 
também se apercebeu de 
que outros teriam mudado 
de lugar. Na realidade, 
hoje sabemos que houve 
pelo menos dois saques 
à sepultura pouco depois 
do enterro do faraó. Por 
outro, a câmara funerária 
terá sido selada novamente 
com os cartuchos reais, 
o que indica que, muito 
provavelmente, os ladrões 
seriam trabalhadores que 
tinham ajudado na sua 
construção ou no armaze-
namento. Os saqueadores 
terão levado apenas ador-
nos e pequenos objetos 
de fácil transporte. Com 
estes roubos, calcula-se 
que tenham desaparecido 
60 por cento das joias 
com as quais Tutankamon 
terá sido enterrado.
129
A lenda do túmulo intacto 
aumentou a fama de Carter, 
mas não é exata.
Entrada atual do túmulo 
KV62, o de Tutankamon.
O ESTRANHO SEPULCRO KV62 
O túmulo de Tutankamon, também conhecido 
como KV62, é composto por uma galeria 
de acesso, uma antecâmara e três câmaras. 
A ante câmara não tem qualquer decoração 
e destinava-se a guardar os objetos de que o 
faraó iria necessitar no Além, como camas, 
cadeiras e carros, entre outros. Esta dava acesso 
a uma pequena câmara que continha igual-
mente vários objetos, incluindo mais de 26 
jarros cheios de vinho. Outra das câmaras 
apresentava um tesouro com mais de 5000 
objetos, a maioria de natureza funerária. 
No entanto, a mais espetacular de todas as 
divisões é, sem dúvida, a câmara funerária. 
Trata-se, além disso, da única que apresentava 
decoração nas paredes. Um dos murais narra a 
história do Livro dos Mortos, enquanto os 
outros três mostram o faraó em várias cerimó-
nias relacionadas com a viagem para o Além, 
como a “abertura da boca” ou a receção de 
Osíris no submundo. As proporções das figuras 
são semelhantes às realizadas no período 
anterior de Amarna, um facto que indica que 
os artesãos seriam oriundos da corte do pai 
de Tutankamon. 
Mais espetaculares do que a própria câmara são 
os quatro tabernáculos de madeira dourada 
ali encontrados e que hoje podem ver-se 
no Museu do Cairo. Estes eram verdadeiras 
capelas que, acomodadas umas dentro das 
outras, serviam para proteger o sarcófago do 
faraó. Também chama a atenção o facto de o 
tabernáculo exterior ser tão grande (mais de 
cinco metros de comprimento por mais de três 
de largura) que mal deixou espaço para andar 
à volta dele. A câmara funerária era tão pequena 
em comparação com os objetos ali guardados 
que foi preciso cortar um dos cantos para poder 
introduzi-los. Era, pois, uma obra imprópria 
de um mausoléu régio. 
ÚLTIMA MORADA PARA QUEM? 
Se o tamanho insuficiente do túmulo nos diz ser 
um espaço pouco digno de um faraó, estar-
-lhe-ia destinado? De facto, parece pouco 
O túmulo de Tutankamon é mais pequeno 
do que os dos faraós anteriores
G
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130
O sarcófago 
está agora vazio, 
para proteger 
a múmia do faraó, 
guardada 
numa vitrina 
em condições 
controladas.
G
E
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131
Pintura mural do túmulo 
de Tutankamon que mostra 
Ay a realizar o ritual da
 “abertura da boca” do faraó.
provável que o túmulo onde Tutankamon 
repousava tenha sido construído para o seu 
sarcófago. É o menor túmulo real em todo 
o Vale dos Reis, mas não é só o tamanho da 
sepultura que leva a suspeitar da sua verdadeira 
origem: há múltiplas evidências que indiciam 
que o enterro do faraó-menino foi fora do 
comum e repleto de contradições. 
A primeira delas encontra-se nas próprias 
pinturas da câmara funerária. Apesar de coin-
cidirem com o estilo das de outras sepulturas 
do seu tempo, o espaço destinado ao enterro 
de Tutankamon parece, à primeira vista, 
pouco decorado. Se compararmos o seu 
mausoléu com outros contemporâneos, per-
cebemos que a quantidade de hieróglifos ali 
presentes é surpreendentemente menor. 
Há outro pormenor que dá a entender que o 
túmulo KV62 foi terminado à pressa e sem muito 
cuidado. Ainda hoje se podem observar sobre 
as pinturas da câmara vários manchas que 
cobrem quase toda a sua superfície. Trata-se 
de bolor, mas não daquele que é produzido 
pelas condições climatéricas atuais. Análises 
recentes mostraram que os micróbios já lá 
estavam antes de Carter abrir o túmulo. Isto 
demonstra que o espaço foi selado antes de o 
reboco de gesso das paredes ter acabado de 
secar, o que indica que o enterro foi feito com 
urgência, certamente devido à morte ines-
perada do faraó. A confirmar esta teoria, os 
objetos quecompõem o seu tesouro parecem 
ter múltiplas origens e diferentes adaptações, 
dando a sensação de serem peças de um 
enxoval em segunda mão. 
Não podemos esquecer que foi durante o 
reinado de Tutankamon que a economia e a 
paz alteradas pelo seu pai foram restauradas. 
No entanto, terá reinado durante dez anos, 
tempo suficiente para planear e começar a 
construir um panteão de maiores dimensões, 
dignas do seu posto. Porque foi enterrado 
numa sepultura mais própria de um nobre do 
que de um rei? 
SOB A SOMBRA DE AY, 
O GRÃO-VIZIR 
Após a morte do faraó-menino, sucedeu-lhe 
como regente o seu tio e avô político, o grão-
-vizir Ay. Podemos encontrar a sua figura nas 
G
E
TT
Y
132
As câmaras eram tão pequenas que 
quase não havia espaço para circular 
em volta dos tabernáculos
Túmulo descoberto 
em 2006, no Vale dos 
Reis, que remonta 
a uma data similar 
ao de Tutankamon.
G
E
TT
Y
133
Tabernáculo dourado 
da terceira capela do 
túmulo de Tutankamon. 
pinturas da câmara funerária de Tutankamon, 
nomeadamente na cena da “abertura da boca” 
do faraó. Não é um pormenor casual, já que 
normalmente a pessoa retratada neste ritual 
era aquela que iria suceder no trono ao rei 
falecido. Tutankamon morreu sem deixar des-
cendentes, pelo que, se Ay queria legitimar-se 
como seu sucessor, não parece estranho que se 
tenha feito representar a realizar a cerimónia. 
Devido à sua idade avançada, Ay apenas 
governou o Egito durante quatro anos. No 
entanto, a sua sepultura, apesar de estar ina-
cabada, é muito maior e consideravelmente 
mais rica do que a de Tutankamon. Não parece 
um túmulo construído em apenas quatro anos. 
Perguntamo-nos, então, se Ay não terá usur-
pado e modificado o túmulo inacabado de 
Tutankamon para enterrar o faraó naquele 
que iria ser o seu. Muitos especialistas acre-
ditam que foi isso que aconteceu. 
PORQUE ESTAVA 
EM TÃO BOM ESTADO? 
O túmulo de Tutankamon faz história também 
por ser a sepultura real mais bem preservada 
de todo o Antigo Egito. O saque generalizado 
de quase todos os túmulos tornou a descoberta 
do do faraó-menino quase um caso único. 
A que se deve a preservação extraordinária 
do KV62? 
Cerca de 200 anos após a morte de Tutanka-
mon, o faraó Ramsés VI começou a construir 
134
G
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TT
Y
a sua sepultura também no Vale do Reis, 
concretamente sobre a do faraó-menino. 
É muito possível que os destroços desse trabalho 
tenham ajudado a esconder a entrada do túmulo 
KV62. No entanto, alguns especialistas afirmam 
que a sepultura de Tutankamon se salvou dos 
saques graças a uma inundação. Segundo esta 
teoria, a lama arrastada pela água terá coberto 
completamente o solo do Vale do Reis, criando 
uma camada de terra que, ao secar, se sobrepôs 
ao chão original. Como o mausoléu do faraó 
estava localizado num dos níveis mais baixos 
do vale, acabou por ficar, casualmente, ainda 
mais enterrado.
Seja fruto do acaso ou não, a verdade é que 
a descoberta do túmulo de Tutankamon fica 
na história como um dos grandes marcos da 
arqueologia de todos os tempos. A sua inves-
tigação e história posterior rodearam-no de 
um halo de mistério que permanece intacto 
e gera interesse ainda hoje. É que muitos dos 
segredos do túmulo do faraó-menino, longe 
de estarem decifrados, continuam à espera de 
novas respostas.
 
A.F.O.T
135
O faraó com o seu 
ka perante Osíris 
e diante da deusa 
Nut, no fresco 
pintado na parede 
norte do sepulcro.
Segundo 
uma teoria, 
o grão-vizir Ay, 
sucessor 
de Tutankamon, 
teria trocado 
o seu túmulo pelo 
do faraó falecido
Em 2015, o egiptólogo 
inglês Nicholas Reeves 
sugeriu que, por detrás 
das paredes norte e oeste 
da câmara funerária de 
Tutankamon, poderia estar 
escondida uma sala secreta 
com os restos mortais 
da mulher de Akhenaton, 
Nefertiti. Segundo a teoria, 
uma parede falsa poderia 
ter servido de ligação entre 
as duas divisões. Pouco 
tempo depois, uma equipa 
de arqueólogos japoneses, 
que usaram técnicas de 
radar e termografia de infra­
vermelhos, afirmou haver 
uma elevada probabilidade 
de existir ali um espaço 
vazio. O Ministério das Anti­
guidades egípcio garantiu, 
“com 90 por cento de cer­
teza”, que essa cavi dade 
indicava a existência de 
uma câmara que ainda não 
tinha sido explorada. Con­
tudo, um estudo realizado 
em 2018 por cientistas da 
Universidade Politécnica de 
Turim (Itália), com radares 
de maior precisão, excluiu 
essa hipótese. Aparente­
mente, atrás das paredes 
do túmulo de Tutankamon 
há apenas pedra.
A suposta câmara secreta
136
G
E
TT
Y
O poder 
da 
palavra
G
E
TT
Y A deusa Nephtys 
protege o defunto 
com as suas asas 
abertas (pormenor 
da decoração em 
relevo do sarcófago 
de quartzite do túmulo 
de Tutankamon).
137
O poder 
da 
palavra
138
E assim temos aqui os primeiros fun-damentos do que pode chamar-se ‘gramática’ e ‘dicionário’ destas duas escritas usadas num grande 
número de monumentos, cuja interpretação 
vai lançar uma luz imensa sobre a história 
geral do Egito.” (Carta a M. Dacier, J.F. 
Cham pollion, Paris, 22 de setembro de 1822)
Como a citação anterior indica, a compreensão 
da escrita hieroglífica representou um pas-
so em frente na interpretação dos costumes 
e rituais religiosos e fúnebres dos antigos 
habi tantes do país do Nilo. A sua crença de 
que a palavra escrita tinha um poder mágico 
fazia os túmulos estarem cheios de textos 
escritos em inúmeros suportes que se adequa-
vam ao espaço disponível. Assim, e embora 
com certos limites, há muitos associados ao 
túmulo de Tutankamon.
Nele, encontramos sobretudo inscrições nos 
objetos que faziam parte do seu impressio-
nante enxoval funerário, as registadas sobre 
a sua múmia e as gravadas nas paredes da 
câmara sepulcral. Outro dado a considerar é 
a natureza dos textos. Tendo em conta o con-
texto em que se encontram, trata-se basica-
mente de textos de índole religiosa, fórmulas 
mágicas associadas ao âmbito funerário que 
exaltam a figura do rei e oferecem uma longa 
lista de títulos e epítetos que o caracterizavam. 
INSCRIÇÕES NA MÁSCARA 
Falando em caracterização, vale a pena men-
cionar a famosíssima máscara dourada que 
cobria a múmia do rei e tinha muitas inscri-
ções na parte traseira. Trata-se do capítulo 151 
(Parte B) do Livro de Sair para a Luz, popu-
larmente conhecido como Livro dos Mortos. 
É bem possível que este capítulo em particular 
tenha origem nos rituais de embalsamamento 
nos quais o sacerdote-leitor recitava uma série 
de fórmulas mágicas, entre as quais estariam 
aquelas que relatavam a colocação de obje-
tos para garantir a preservação do corpo do 
defunto, como era o caso da máscara fune-
rária. 
A religião egípcia possuía um vasto corpo 
sacerdotal que se encarregava de diferentes 
áreas de atuação. Os sacerdotes-leitores 
(literalmente, “portadores do livro ritual”), 
eram um corpo especializado da casta sacer-
dotal que estava orientado para o âmbito 
funerário. Eram os encarregados da leitura 
das fórmulas mágicas necessárias nos rituais, 
nos quais o principal momento de atuação 
era o processo da mumificação. 
No que diz respeito ao texto da máscara de 
Tutankamon, as doze colunas de hierógli-
fos fazem uma comparação contínua do rei 
com as principais divindades egípcias, o que 
lhe dava poder e proteção suficientes para 
enfren tar os seus inimigos e adversidades 
no Além e voltar a ser coroado rei vitorioso 
perante os restantes deuses, como se pode 
ler: “Saúdo-vos, rosto bonito, senhor do 
esplendor, ligado [ao seu destino] por Ptah-
-Sokar, a quem Anúbis fez ascender e a 
quem Thoth apoiou. Belo de rosto, que está 
entre os deuses: o teu olho direito é a barca 
noturna e o teu esquerdo a barca diurna; as 
tuas sobrancelhas são a Enéade e a tua testa 
A
S
C
Sacerdote do culto ao deus Amon, 
desenhado num sarcófago.
139
Anúbis; o teu pescoço é Hórus e a tua trança 
Ptah-Sokar; estás à frente de Osíris, que pode 
ver através de ti. Podes guiá-lo pelos caminhos 
certospara que possa aniquilar a confedera-
ção de Seth e derrotar os inimigos perante a 
Enéade na Grande Casa do Oficial, em Helió-
polis! Tomaste posse da coroa na presença de 
Hórus, senhor dos nobres. Osíris, rei Khepe-
ru nebra, diz que tu podes viver como Rá!”
ORIGEM DESTE COSTUME 
Curiosamente, este texto tem o seu antece-
dente nas máscaras cartonadas de Meir do 
Império Médio (cerca de 1820 a.C.), em que 
o texto se colocava numa extensão na parte 
da frente da máscara, logo abaixo do colar. 
Tratava-se do Salmo 531 dos Textos dos 
Sarcófagos, embora paradoxalmente nunca 
tenha sido encontrado num sarcófago, só 
em máscaras. Mais tarde, foi incorporado 
na composição do Livro de Sair para a Luz. 
Embora não seja possível dizer que estas 
máscaras eram um retrato fiel do defunto, o 
material com que eram feitas, uma mistura 
de gesso endurecido e ligaduras, permitia 
que fossem realizadas com certas parecenças, 
realçando as feições mais representativas do 
falecido. De facto, a máscara de Tutankamon 
apresenta sem dúvida feições especialmente 
juvenis, assim como lábios carnudos e olhos 
estreitos, características partilhadas com a 
múmia do rei. 
Na zona da cabeça, é também digno de menção 
o apoio de marfim encontrado na câmara 
anexa. Trata-se de um belo exemplo de como 
a iconografia acrescenta ainda mais magia e 
caráter protetor (apotropaico) ao objeto. 
O deus Shu aparece a apoiar a abóbada celeste 
com a ajuda de dois símbolos em cada um 
dos ombros, e sobre as extremidades da base 
estão dois leões deitados. Ambos os elementos 
acrescentam valor mágico. O leão como sen-
tinela protetora fazia deste animal um pode-
roso símbolo de defesa (devido à sua carga 
simbólica, cadeiras, tronos e camas 
tinham forma de leão). Era assim 
que se conferia uma clara função 
protetora ao objeto, que se tornava 
um amuleto. 
139139
Embora não seja possível dizer que estas Embora não seja possível dizer que estas 
máscaras eram um retrato fiel do defunto, o máscaras eram um retrato fiel do defunto, o 
material com que eram feitas, uma mistura material com que eram feitas, uma mistura 
de gesso endurecido e ligaduras, permitia de gesso endurecido e ligaduras, permitia 
que fossem realizadas com certas parecenças, que fossem realizadas com certas parecenças, 
realçando as feições mais representativas do realçando as feições mais representativas do 
falecido. De facto, a máscara de Tutankamon falecido. De facto, a máscara de Tutankamon 
apresenta sem dúvida feições especialmente apresenta sem dúvida feições especialmente 
juvenis, assim como lábios carnudos e olhos juvenis, assim como lábios carnudos e olhos 
estreitos, características partilhadas com a estreitos, características partilhadas com a 
Na zona da cabeça, é também digno de menção Na zona da cabeça, é também digno de menção 
o apoio de marfim encontrado na câmara o apoio de marfim encontrado na câmara 
anexa. Trata-se de um belo exemplo de como anexa. Trata-se de um belo exemplo de como 
a iconografia acrescenta ainda mais magia e a iconografia acrescenta ainda mais magia e 
caráter protetor (apotropaico) ao objeto. caráter protetor (apotropaico) ao objeto. 
O deus Shu aparece a apoiar a abóbada celeste O deus Shu aparece a apoiar a abóbada celeste 
com a ajuda de dois símbolos em cada um com a ajuda de dois símbolos em cada um 
dos ombros, e sobre as extremidades da base dos ombros, e sobre as extremidades da base 
estão dois leões deitados. Ambos os elementos estão dois leões deitados. Ambos os elementos 
acrescentam valor mágico. O leão como sen-acrescentam valor mágico. O leão como sen-
tinela protetora fazia deste animal um pode-tinela protetora fazia deste animal um pode-
roso símbolo de defesa (devido à sua carga roso símbolo de defesa (devido à sua carga 
simbólica, cadeiras, tronos e camas simbólica, cadeiras, tronos e camas 
tinham forma de leão). Era assim tinham forma de leão). Era assim 
A cabeça era considerada um membro impor-
tante do corpo, pelo que se tinha especial 
cuidado com a sua preservação: daí a colocação 
de máscaras e apoios de cabeça, já para não 
mencionar os amuletos em forma desta 
colocados entre as ligaduras da múmia. Parece 
que todas as precauções eram poucas quando 
se tratava de proteger o corpo do defunto. 
Quanto ao texto, trata-se de uma pequena 
inscrição hieroglífica escrita sobre a parte 
traseira da coluna do apoio de cabeça, que 
basicamente enaltecia a figura do monarca: 
“O bom Deus, filho de Amon, rei do Alto 
e do Baixo Egito, Senhor das Duas Terras, 
Kheperunebra, que tenha vida como Rá para 
sempre!”
Com este texto, não só se reconhecem os 
títulos e os epítetos mais significativos de um 
rei egípcio, como também se está a realizar 
uma filiação direta com o deus Amon, já que é 
ele mencionado como seu próprio filho. Esta 
pequena referência é, na verdade, uma forma 
Os sacerdotes-leitores eram um corpo
especializado da casta sacerdotal, 
orientado para proceder 
aos ritos funerários
G
E
TT
Y
Escriba sentado, 
estatueta esculpida 
entre 2480 e 2350 
a.C. e encontrada 
na necrópole 
de Saqqara.
140
de quebrar e se afastar do 
período vivido pelo seu pai e 
antecessor, Akhenaton. Esta 
filiação é uma clara tentati-
va de reforçar o regresso aos 
cânones tradicionais, aspeto muito presente e 
recorrente durante o curto rei nado do jovem 
Tutankamon.
NA CÂMARA DO SARCÓFAGO 
Se entrássemos agora na pequena sala que 
alojava os sarcófagos dourados do jovem 
soberano, veríamos que as quatro paredes 
foram decoradas com diferentes cenas de 
temática fúnebre. Trata-se da câmara fune-
rária, a única sala decorada no túmulo de 
Tutankamon. A parede ocidental está total-
mente pintada com um excerto do Livro de 
Amduat (“O que está no Além”), uma com-
posição literária egípcia que descreve as 
diferentes regiões do submundo e os seus 
habitantes à medida que o deus Rá faz a sua 
viagem noturna na barca, antes de renascer 
na manhã seguinte. 
A partir do reinado de Hatshepsut (cerca de 
1470 a.C.) e durante todo o Império Novo 
(cerca de 1470–1077 a.C.), era moda decorar 
as paredes dos túmulos reais 
com fragmentos do Livro de 
Amduat. Ao contrário do Livro 
de Sair para a Luz, composto 
por salmos individuais sem 
sequência fixa, estava estruturado em doze 
secções correspondentes às doze horas da 
noite, e texto e imagem andavam de mãos 
dadas. Em concreto, o extrato da parede 
ocidental do túmulo de Tutankamon contém 
um fragmento da Primeira Hora, em que 
basicamente se enumeram alguns dos seres 
que habitam no Além. 
Na parte superior, está representada uma 
barca que leva a Khepri, a forma noturna de 
Rá, emoldurada por duas divindades ajoe-
lhadas, ambas identificadas como Osíris. 
À sua direita, há uma cena em que aparecem 
representadas mais cinco divindades: Maat, 
a Senhora da Barca, Hórus, o Touro de Maat 
e o Vigilante, cada uma devidamente identi-
ficada pelo seu nome em hieróglifos. Sobre 
ambas as cenas, uma linha de hieróglifos 
diz: “As duas deusas Maat levam este deus 
na barca noturna, passando através da porta 
desta região pela qual este deus passa como 
um carneiro.”
G
E
TT
Y
Pormenor dos macacos 
na Primeira Hora 
do Livro de Amduat, 
nos frescos da câmara 
funerária de Tutankamon.
Os doze macacos louvam a chegada 
do deus (faraó) ao submundo
141141
Corrigir hieróglifos
“As duas deusas Maat levam este deus na barca 
noturna, passando através da porta desta região”. 
No entanto, apesar da forma retrógrada em que o texto foi escrito, 
observa-se que contém erros na posição de alguns sinais: alguns 
determinantes (sinais que davam semântica à palavra) aparecem 
separados da palavra a que dão significado e também as duas 
preposições (as corujas) não estão no lugar que lhes corresponde, 
o que realmente muda o sentido gramatical da oração. 
Eis o texto corrigido com os sinais orientados no sentido correto 
da escrita, mas mantendo os erros de colocação dos sinais: 
Vê-se que há um movimento de sinais importante: as corujas 
não estãona posição correta no texto de Tutankamon 
e no final da frase há uma mistura significativa de sinais. 
Este é o texto completamente corrigido: 
A escrita hieroglífica do Antigo Egito 
seguia preceitos quanto à forma, como a 
orientação. Em geral, os sinais animados 
(figuras humanas ou animais), estavam 
orientados de modo a olharem para o 
início da frase. Assim, quando se quer 
identificar o sentido da escrita de um 
texto hieroglífico, basta procurar um pás-
saro. A frase começa no lugar para onde 
o pássaro estiver a olhar. No entanto, 
há textos escritos de forma retrógrada, 
numa antítese da norma. A escrita retró-
grada tornou-se muito comum durante o 
Império Novo (c. 1539–1077 a.C.) e espe-
cialmente em textos como o Livro de Sair 
para a Luz e o Livro de Amduat, compo-
sições religiosas que costumavam ser 
escritas em hieróglifos cursivos sobre 
papiro. Parece que a escrita retrógrada 
surgiu da necessidade de assinalar a 
natureza arcana e especializada do texto. 
É o caso do texto gravado na parede 
ocidental do túmulo de Tutankamon. 
Trata-se de um fragmento do Livro 
de Amduat em escrita retrógrada, em 
hieróglifos monumentais e não cursivos.
Em baixo, o texto tal como aparece no túmulo de Tutankamon:
A ordem 
de leitura 
é de cima 
para baixo 
e da esquerda 
para a direita.
O lado para onde 
olha o pássaro 
indica o sentido 
da leitura.
142
As impressões do túmulo
M
E
TR
O
P
O
LI
TA
N
 M
U
S
E
U
M
 O
F 
A
R
T
Um tipo de escrita que não 
podemos ignorar é a gravada 
nos selos. Muito provavel-
mente feitos de madeira ou 
de pedra, estes eram conce-
didos pelo rei aos oficiais; daí 
o título de “portador do selo 
real”. O selo estampava-se 
em superfícies de adobe 
fresco, ficando o texto aí 
gravado. No túmulo de 
Tutankamon, encontraram-se 
vários selos impressos e em 
dois tipos de suportes: nos 
fechamentos das diferentes 
salas e em alguns objetos 
do enxoval funerário. Alan 
H. Gardiner e James Henry 
Breasted, filólogos da equipa 
de Howard Carter, encarrega-
ram-se da sua identificação 
e tradução. No túmulo do rei, 
foram encontrados quatro: o 
primeiro no início do corre-
dor, mais precisamente no 
final das escadas de acesso; 
o segundo no umbral da 
entrada para a antecâmara; 
o terceiro selava o acesso à 
câmara ocidental; o quarto, 
talvez o mais identitário, 
selava a própria câmara fune-
rária. As câmaras podiam ser 
seladas de diferentes manei-
ras: com grandes lousas à 
medida da abertura, colo-
cando pedras de diferentes 
tamanhos encaixadas entre 
si ou através de uma parede 
de tijolos de adobe ou argila. 
Ocasionalmente, a parte 
exterior destas “paredes” era 
coberta com uma 
camada de adobe 
sobre a qual os 
vários oficiais que 
prestavam assis-
tência ao enterro 
deixavam a impres-
são dos seus selos 
enquanto a massa 
ainda estava fresca, 
como uma espécie 
de carimbo. Estes 
“carimbos” 
no túmulo 
do jovem rei 
mediam apro-
ximadamente 
15 centímetros 
de altura por seis 
de largura e ocupa-
vam praticamente 
toda a superfície do 
adobe. Os textos 
neles impressos 
tinham uma dupla 
funcionalidade. Por 
um lado, identificavam 
o proprietário (neste caso, 
o rei Tutankamon); por 
outro, estavam carregados 
de simbo lismo e magia. Se 
analisarmos o conteúdo 
destes textos, basicamente 
identificam o rei mencio-
nando o seu nome de trono 
ou prenomen, Kheperunebra, 
e os seus títulos e epítetos 
que o caracterizam como o 
rei do Alto e Baixo Egito, um 
soberano que é piedoso com 
os deuses e se encontra em 
harmonia com eles e, por 
isso, é amado em “toda a 
terra”. Provavelmente, todas 
estas menções foram estra-
tegicamente escolhidas para 
reforçar a ideia de regresso 
à ordem e aos cânones 
tradicionais após o período 
do rei Akhenaton. Por outro 
lado, destaca-se um tema 
muito recorrente e com muita 
carga simbólica. Trata-se 
dos Nove Arcos, isto é, a 
representação dos inimigos 
tradicionais do Egito como 
prisioneiros. No caso das 
impressões do túmulo 
de Tutankamon, Anúbis 
aparece sobre nove presos 
ajoelhados e com as mãos 
atadas nas costas, dispostos 
em três filas sobrepostas. 
Vislumbram-se neles traços 
típicos dos tradicionais 
povos inimigos do Egito: 
asiáticos, núbios e líbios. 
A representação simbólica 
destes prisioneiros assegu-
rava a vitória do Egito sobre 
o caos do “estrangeiro”.
143
Sob as duas cenas, aparecem doze macacos 
sentados, cada um com a sua etiqueta em 
hieróglifos: o Devoto, o que Guincha, o Fla­
mejante, o que Louva Com a Sua Chama, o 
Bailarino, o Anónimo (macaco que normal­
mente não aparece identificado na compo­
sição literária), o Macaco, o Aclamador, o 
Macaco da Barriga Mole, o Coração da Terra, 
o Favorito da Terra e o Adorador. Estes nomes 
fazem referência à atitude e à função dos seres 
na Primeira Hora da viagem de Rá, isto é, 
louvam a chegada do deus ao submundo. 
SERES DO SUBMUNDO 
Outra cena com forte componente religiosa é 
aquela que se encontra na parede norte e que 
está estruturada em três partes bem diferen­
ciadas, nas quais, basicamente, se representa 
a preparação e a chegada de Tutankamon ao 
Além. Ali, a deusa Nut recebe o rei falecido, 
que mais tarde é também recebido pelo sobe­
rano do submundo, o deus Osíris, com quem 
se funde num terno abraço. Esta união sim­
boliza a assimilação e a conversão final do 
falecido no próprio Osíris. 
Os antigos egípcios não acreditavam no 
desaparecimento total do homem, mas na sua 
transfiguração no Além, razão de ser dos 
rituais. Por exemplo, Ay é representado como 
um sacerdote que, enquanto sucessor de 
Tutankamon, realiza o ritual da “abertura 
da boca” ao rei mumificado. Os sacerdotes 
desempenhavam funções no campo funerário 
e uma delas era a realização deste ritual. São 
facilmente reconhecíveis porque usam uma 
pele de leopardo sobre as suas vestes. 
Este ato marcava um ponto de viragem no 
estado vital do indivíduo. A morte significava 
uma rutura momentânea entre a realidade 
material (o corpo) e as suas entidades espi­
rituais. Graças aos rituais, conseguia­se 
restabelecer o equilíbrio. Com a “abertura da 
boca”, restauravam­se os sentidos do defunto 
depois de ser mumificado. Desta forma, podia 
chegar a transformar­se numa alma transfi­
gurada (entidade intangível do indivíduo), e 
a sua vida continuaria plena no Além. 
A palavra escrita, a palavra recitada e a imagem 
conjugavam­se no Antigo Egito como parte 
fundamental do mundo funerário, chegando 
inclusivamentee a garantir a existência eterna 
com a ajuda da magia.
L.M.G.G.
A
G
E
Pormenor do túmulo de Tutmés III (Vale dos Reis), no qual se observa parte do Livro de Amduat.
O túmulo de Tutankamon ostenta 
vários selos, alguns dos quais se destinam 
a identificá-lo na viagem pelo Além
144
145
S
H
U
TT
E
R
S
TO
C
K
Túmulos 
intactos
Recriação 
do interior 
do túmulo 
de um faraó.
146
E ncontrar uma sepultura intacta onde alguém foi enterrado é relativamente comum em todas as missões que fazem escavações no 
Egito. Isto acontece porque a grande maioria 
pertence a grupos sociais que não tinham 
muitos recursos para enterrarem os seus 
mortos com um grande enxoval em túmulo 
próprio, ou porque foram enterrados em valas 
escavadas na areia do deserto. Essas sepulturas 
não chamam a atenção do grande público, 
dado não possuírem mobiliário funerário 
de grande qualidade e beleza, porque a sua 
conservação é deficiente ou porque, sim-
plesmente, estão apenas acompanhados de 
algumas oferendas guardadas em cerâmicas 
de uso quotidiano. 
No entanto, para os diferentes especialistas 
que compõem as atuais equipas de investiga-
ção, podem ser uma fonte muito importante 
para reconstruir as condições de vida dos 
antigos egípcios. Por exemplo, os antropólogos 
físicos determinam a idade, o sexo, o grupo 
étnico, as doenças de que padeciam 
e, em alguns casos, até a causa 
da morte. Especialistas paleo-
ambientais determinam quais 
as madeiras usadas nos caixões, 
que podiam ser locais ou im-
portadas, e as sementes deplantas e flores das oferendas 
e dos ramos que acompanha-
vam o falecido aquando do 
enterro, o que, em alguns 
casos, permite identificar a 
altura do ano em que acon-
teceu o funeral. Os peritos 
em cerâmica determinam 
a origem das peças, etc. 
Tudo isto, em conjunto, 
além dos textos e da 
comparação com outros 
túmulos e cemitérios 
contemporâneos, per-
mite ao egiptólogo 
aval iar como eram 
as condições de vida 
daqueles egípcios que 
não aparecem retra-
tados nos templos das 
grandes personagens da Antiguidade. No 
entanto, para o bem e para o mal, os meios 
de comunicação, desde a descoberta de 
Tutankamon, destacam sempre o descobri-
mento de sepulturas de faraós ou daqueles que 
se evidenciam pela riqueza do seu enxoval. 
Com os meios e os especialistas que temos 
hoje, as possibilidades de obter informação 
multiplicam-se. 
CAÇA AO TESOURO 
A história das grandes descobertas de túmulos 
intactos remonta ao século XIX, quando o 
mercado europeu de antiguidades e, mais 
tarde, o norte-americano, começaram a 
procurar objetos egípcios. Nas primeiras 
décadas daquele século, a caça ao tesouro 
multiplicou-se, mas tratava-se sobretudo 
de saques perpetrados por populações locais, 
que esperavam encontrar tesouros, ou por 
europeus residentes no Egito, que transfor-
mavam as antiguidades egípcias num negócio 
A
S
C
O caixão de 
madeira do faraó 
Nubkheperre Intef, 
da XVII Dinastia, 
datado de por volta 
do ano 1600 a.C.
147
muito rentável. Na década de 1820, começa-
-se a ouvir falar de alguns túmulos de grandes 
personagens do Antigo Egito, como o faraó 
Nubkheperre Intef, da XVII Dinastia, enter-
rado na margem ocidental de Luxor. Infeliz-
mente, os objetos nele encontrados, bem 
como outras descobertas semelhantes desen-
terradas naqueles anos, estão espalhados por 
diferentes museus arqueológicos europeus, 
em alguns casos sem 
se ter podido estabe-
lecer claramente a 
sua proveniência. 
Esta falta de proteção 
dos monumentos 
egípcios começou a 
mudar na década de 
1850, após a chegada 
ao Egito do jovem 
egiptólogo francês 
Auguste Mariette (1821–1881), que lutou para 
que as autoridades locais regulamentassem 
as escavações. Por fim, em 1858, foi criada 
uma instituição que zelaria pelo património 
egípcio: o Serviço de Antiguidades (hoje deno-
minado Ministério das Antiguidades). Graças 
a esta instituição e aos regulamentos, que se 
foram tornando cada vez mais restritivos, 
podemos hoje apreciar, nos museus egípcios, 
os enxovais encon-
trados em túmulos 
intactos, como o do 
enterro sumptuoso 
de um boi sagrado, 
Ápis XIV (do reina-
do de Ramsés II) que 
Mariette descobriu 
em 1852 no Sera-
peum de Saqqara. 
Em 1859, funcioná-
A
S
C
Mais do que as joias 
e máscaras de ouro, 
aos egiptólogos 
interessa compreender 
e definir como era 
a vida quotidiana
O egiptólogo 
francês Auguste 
Mariette ajudou 
a mudar a forma 
como se procedia 
à escavação 
dos achados.
148
rios de Mariette descobriram o túmulo intacto 
da rainha Ahhotep. O egiptólogo não chegou a 
tempo de evitar que as principais peças, como 
o caixão dourado, os diademas, os colares, as 
pulseiras e os peitorais, fossem enviadas ao 
governante do Egito, Said Pachá. No entanto, 
acabou por conseguir resgatá-las a caminho do 
Cairo, onde iriam ser repartidas pelas favo-
ritas do harém de Pachá. Este acontecimento 
motivou o egiptólogo francês a convencer os 
políticos egípcios a criarem uma instituição 
que exibisse as melhores peças descobertas 
até ao momento, que estavam guardadas 
num armazém. Em 1863, o Museu de Boulaq 
abriu as suas portas no Cairo, tendo perma-
necido em funcionamento até 1891. 
CHEGA GASTON MASPERO
A Mariette sucedeu Gaston Maspero (1846–1916), 
outro arqueó logo francês que, com as suas 
descobertas, deu grande impulso à egipto-
logia, tendo ainda desenvolvido e profissio-
nalizado o Serviço de Antiguidades. Em 1881, 
um assistente alemão de Maspero, Émile Bru-
gsch (1842–1930), ouviu dizer que uma família 
de Luxor, os Abd el-Rassul, tinha descoberto 
um túmulo intacto, possivelmente da realeza, 
e que, esporadicamente, vendia a antiquários 
os objetos nele encontrados. 
Depois de obter a localização do túmulo através 
de métodos pouco ortodoxos, Brugsch desceu a 
um sepulcro situado perto de Deir el-Bahari, 
onde descobriu algo excecional: numa sepul-
tura de grandes dimensões, mas desprovida 
de qualquer decoração, estavam depositados 
os corpos de vários reis e membros da família 
real do Império Novo, além de diversas per-
sonagens importantes da XXI Dinastia. As 
múmias jaziam dentro de caixões, rodeadas 
de oferendas e alguns objetos do enxoval ori-
ginal. Tinham sido escondidas durante a XXI 
e a XII Dinastias para evitar os saques que 
A
S
C
Sucessivos 
arqueólogos 
desenvolveram 
e profissionalizaram 
a egiptologia
Representação 
da colheita 
no túmulo 
de Sennedjem 
(Deir el-Medina).
149
tinham como alvo o Vale dos Reis e as necró-
poles próximas desde o final da XX Dinastia. 
TROCA DE CAIXÕES 
Infelizmente, quase todas as personagens 
importantes do Império Novo não repousavam 
nos seus caixões e sarcófagos originais, pois 
estes tinham sido trocados por outros de 
madeiras nobres. Dos enxovais, pouco restava, 
embora fosse o suficiente para imaginar 
como teriam sido quando foram enterrados 
nos vales dos Reis ou das Rainhas. Este achado 
facilitou o trabalho dos responsáveis que 
reuniram as peças de metais nobres, até porque 
naquela época o Egito não tinha capacidade 
para produzir esse tipo de metais como nos 
séculos anteriores. 
Além disso, este achado composto por mais 
de 6000 peças obrigou Brugsch a esvaziar o 
túmulo em dois dias, pois havia a ameaça de 
que a população local queria fazer valer os 
seus “direitos” sobre o “saque”. Ao retirar 
as peças tão rapidamente, perdeu-se grande 
quantidade de informação, como a locali-
zação dos corpos e dos objetos associados a 
eles. 
G
E
TT
Y Aldeia dos 
trabalhadores 
da antiga Tebas, 
em Deir el-Medina.
150
AS AUTORIDADES GANHAM PESO
Com o passar dos anos, a situação foi-se nor-
malizando. A autoridade do Serviço de Anti-
guidades consolidou-se, de tal forma que, na 
viagem de inspeção ao Alto Egito que Gaston 
Maspero realizou em 1886 juntamente com 
vários egiptólogos e o cônsul espanhol Eduard 
Toda i Güell, se descobriu o túmulo intacto 
de um artesão chamado Senedjem, oriundo 
de Deir el-Medina, a aldeia onde residiam 
os operários e artistas que construíram os 
túmulos reais no Vale dos Reis. 
Eduard Toda, que ficou encarregado de 
documentar e esvaziar a sepultura, deparou-se 
com cerca de vinte sarcófagos e múmias 
(algumas ainda com máscaras e peitorais), 
cerâmicas, cofres, caixas, camas, cadeiras e 
bancos. Havia também shabtis, ferramentas 
de arquitetura e até mesmo um fragmento de 
calcário com uma parte do texto em hierático 
do Conto de Sinué, obra cimeira da literatura 
egípcia, escrita 600 anos antes. 
O conteúdo do sepulcro era uma verdadeira 
joia para os egiptólogos. Se compararmos 
com descobertas posteriores, essa vintena 
de múmias indicava que aquele túmulo tinha 
sido aberto e fechado em várias ocasiões, 
durante as quais parte do enxoval foi prova-
velmente usado de novo pelos familiares dos 
defuntos no mundo dos vivos. 
CONCORRENTES 
DE TUTANKAMON
Só em 1894 voltaram a desco-
brir-se túmulos de personagens 
da realeza, pela mão do diretor 
do Serviço de Antiguidades, 
Jacques de Morgan (1857–1924), 
que durante um par de anos 
escavou em torno das pirâmides 
dos reis Amenemés II, Sesós-
tris III e Amenemés III (XII Dinastia), em 
Dahshur. Junto à pirâmide de Sesóstris, 
encon trou duas câmaras funerárias saqueadas 
na Antiguidade. Felizmente, os ladrões 
tinham-se esquecido de verificar uns poços 
próximos dali, onde se encontravam as joias 
de ouro e as pedras preciosas que pertenciam 
originalmente à princesa Sit-Hathor e à rai-
nha Meret. 
De Morgan continuou as escavações em 
Dahshur durante maisum ano e teve ainda 
mais sorte. Perto da pirâmide de Amenemés, 
descobriu quatro túmulos intactos, três dos 
quais (das princesas It e Itweret e da rainha 
Khnemet) continham grandes quantidades 
de joias, amuletos, punhais e diademas que 
rivalizavam os com que viriam, mais tarde, a 
ser encontrados no túmulo de Tutankamon. 
Por fim, De Morgan descobriu ainda o túmulo 
de um rei quase desconhecido da XIII Dinas tia, 
Hor. O caixão tinha sido igualmente saqueado 
na Antiguidade, mas o sepulcro continha 
ainda inúmeros objetos, entre os quais uma 
estátua do ka do rei que chama a atenção 
pela sua vivacidade, graças aos olhos de vidro 
com que foi decorada. 
TESOUROS IMPENSÁVEIS
O início do século XX significou a gene-
ralização das escavações por todo o Egito, 
principalmente na necrópole de Mênfis e na 
antiga Tebas. Em 1905, o milionário norte-
-americano Theodore Davis (1837–1915), 
sob a supervisão dos arqueólogos ingleses 
James Quibell (1867–1935) e Arthur Weigall 
(1880–1934), descobriu um túmulo no Vale 
dos Reis (KV46) onde repousavam os corpos 
de Yuya e Tuya, os pais da rainha Tiy, mulher 
de Amenófis III e mãe de Akhenaton. 
A sepultura tinha sido aberta por saqueadores 
antigos, mas apenas roubaram as joias dos 
corpos e os perfumes. O resto estava intacto 
e havia um enxoval que, pela sua variedade 
e riqueza, só foi ultrapassado pelo de Tutan-
kamon. Continha sarcófagos, caixões e más-
caras douradas, mobiliário folheado a ouro 
e diversas incrustações, shabtis, vasos canó-
A
G
E
Um dos 
quatro vasos 
canópicos 
de prata de 
Sheshonq I. 
Sheshonq II 
teve um 
caixão 
de prata.
151
picos, cerâmicas com o natrão de embalsa­
mamento, etc. 
Um ano depois, o egiptólogo italiano Ernesto 
Schiaparelli (1856–1928) encontrou, não 
muito longe da sepultura na qual Eduard 
Toda tinha trabalhado, a de um arquiteto de 
túmulos reais de meados da XVIII Dinastia, 
Kha, acompanhado da sua mulher, Meryet. 
O seu enxoval é um dos melhores entre os 
encontrados no Egito, não só pelo seu exce­
lente estado de conservação, mas porque 
era composto por inúmeros objetos da vida 
quotidiana. A variedade é imensa: mobiliário, 
perucas, cosméticos, roupa guardada em 
baús, ferramentas, etc. Um dos aspetos que 
mais informação pode oferecer é a análise 
das oferendas, compostas por verduras, car­
nes, pão, ervas aromáticas, farinha, frutas, 
flores. Estas e outras descobertas foram a base 
do Museu Egípcio de Turim. 
IDADE DE OURO DA EGIPTOLOGIA 
Os tempos que se seguiram à descoberta de 
Kha podem considerar­se os anos dourados 
da egiptologia. Realizaram­se grandes esca­
vações em importantes e numerosas jazidas, 
e foi com elas que se estabeleceram as bases 
de grande parte do nosso conhecimento 
atual. 
No Vale dos Reis, em Luxor, depois de se terem 
desenterrado as sepulturas dos grandes 
faraós do Império Novo, parecia que as jazidas 
estavam esgotadas. No entanto, o inglês 
Howard Carter (1874–1939) acreditava que 
havia túmulos por encontrar, nomeada­
mente o de Tutankamon. Assim foi. Embora 
tenha afirmado que “os selos estavam intactos” 
(os egípcios cerravam os túmulos com barro, 
por exemplo), a sepultura tinha sofrido um 
pequeno saque após a morte do rei e um 
segundo que foi descoberto a tempo: Carter 
encontrou algumas peças envolvidas em 
tecido prontas a serem levadas. Apesar disso, 
o túmulo de Tutankamon pode ser consi­
A
G
E
derado, com toda a justiça, o maior achado 
arqueológico da história. 
Documentar o túmulo não foi tarefa fácil 
para Carter: houve uma interrupção por 
motivos políticos (o Egito estava a tornar­
­se independente do Reino Unido), tinha de 
trabalhar em condições difíceis por falta de 
espaço, o ambiente à volta do túmulo começou 
Apesar de 
Saqueados, muitos 
túmulos continham 
belíssimos tesouros 
que não tinham 
interessado 
aos ladrões
O ka do faraó Hor I, simbolizado 
pelos braços levantados, 
é uma estátua de madeira 
com 1,70 metros de altura.
152
a estar pejado de turistas e Carter recebia 
constantemente visitas de políticos impor-
tantes ou de membros da realeza. Como se 
não bastasse, tinha a responsabilidade de 
documentar cada uma das peças e garantir a 
sua preservação. No entanto, tudo foi realizado 
com grande sucesso. 
NOVO ACHADO EM GIZÉ 
Em plena ressaca da descoberta de Tutanka-
mon, em 1925, a equipa do arqueólogo norte-
-americano George Reisner (1867–1942) 
encontrou em Gizé outra sepultura real. No que 
terá sido uma pirâmide que acabou por nunca 
ter sido erguida, foi construído um poço de 
27,5 metros de profundidade que conduzia 
a uma câmara sepulcral. Ainda intacta, 
escon dia o luxuoso enxoval da mãe do rei 
que construiu a maior pirâmide alguma vez 
erguida: Kéops. 
A rainha, mulher do rei Sneferu, chamava-se 
Hetepheres. Dentro da câmara, foi encon-
trada uma grande quantidade de peças de 
excelente manufatura, embora muitas tenham 
sofrido os estragos próprios do tempo. 
Desta cam-se as camas de madeira, os cofres 
e os armários, tudo revestido a ouro com 
incrustações, ferramentas de cobre e vasos de 
pedra e cerâmica, além dos vasos canópicos 
com as vísceras. Havia também um sarcófago 
de calcite (alabastro egípcio) que, contra todas 
as probabilidades, estava vazio. 
Vários egiptólogos tentaram explicar este 
facto. Recentemente, Francisco Borrego 
Gallardo, professor da Universidade Autó-
noma de Madrid, propôs a teoria de que a 
rainha terá sido originalmente enterrada em 
Dahshur, perto do marido, e que o seu filho, 
Kéops, decidiu trasladar uma parte do corpo 
(as vísceras e os órgãos mumificados) para 
perto do lugar escolhido para o seu próprio 
descanso eterno, para que ela pudesse ajudá-
-lo a renascer no Além. 
ACHADO EM TÂNIS 
Na primavera de 1939, o mundo começava 
a conter a respiração devido aos problemas 
políticos que se viviam na Europa e conduzi-
riam à Segunda Guerra Mundial, desencadeada 
pela invasão nazi da Polónia, em 1 de setembro. 
Entretanto, no delta do Nilo, concretamente 
na cidade de Tânis, iria ocorrer um dos acon-
Domínio de Amon
Domínio de Montu
Mapa do sítio 
de Karnak, 
com os diferentes 
domínios
Domínio de Amon
Domínio de Montu
A Segunda 
Guerra Mundial 
obrigou 
a suspender 
as escavações
153
tecimentos mais marcantes da egiptologia. 
O francês Pierre Montet (1885–1966) descobriu 
a necrópole do Terceiro Período Intermédio, 
numa extremidade do recinto de Mut. 
As primeiras câmaras, às quais se acedia atra-
vés de um poço com cerca de quatro metros, 
tinham sido saqueadas, embora ainda hou-
vesse restos do enxoval original, bem como 
vários sarcófagos nos quais repousavam reis 
da XXII Dinastia e um príncipe. As escavações 
continuaram e, em 17 de março de 1939, 
foi encontrada outra estrutura subterrânea 
que continha cinco câmaras. Na primeira, 
saqueada, repousavam os restos mortais de 
Sheshonq II (um rei até então desconhecido), 
Siamun e Psusennes II. No entanto, ainda 
havia o caixão de prata do rei Sheshonq II, 
cujo rosto representava o deus Hórus. 
SOFISTICAÇÃO REAL
Mais à frente, havia duas câmaras atrás de 
uma parede decorada e de enormes blocos 
de granito. Numa, estava o sepulcro intacto 
de Psusennes I, acompanhado dos seus vasos 
canópicos, shabtis e recipientes de prata. 
A múmia do rei estava dentro de um sarcófago 
originalmente preparado para o rei Merneptah, 
da XIX Dinastia. Lá dentro, a missão francesa 
encontrou um belíssimo caixão de prata com 
apliques de ouro e a máscara de ouro do rei, 
juntamente com outras peças e joias que 
decoravam a múmia real. 
A segunda câmara, originalmente preparada 
para a mulher de Psusennes II, Mutnedjmet, 
acabou por ser ocupada pelo faraó Amene-
mope, filho de ambos. Numa das restantes 
câmaras, abertas já após a Segunda Guerra 
Mundial, encontrava-se o general Wend-
jebauendjedet; a outra, também preparada 
para um militar, estava vazia. O enxoval 
funerário de Wendjebauendjedet era quase 
tão espetacular como o de Psusennes I. 
Embora os objetos orgânicos estivessemmais deteriorados do que os que foram 
recuperados no túmulo de Tutankamon, o 
achado de Tânis permitiu aproximar-nos da 
sofisticação da corte real egípcia, desta vez 
numa época em que a realeza do país do Nilo 
ocupava um lugar secundário no palco inter-
nacional.
A.J.S. 
Domínio de AmonDomínio de Amon
Domínio de Mut
 1 Embarcadouro
 2 Dromos de Montu
 3 Templo de Montu
 4 Templo de Harpra
 5 Templo de Maat
 6 Tesouro de Tutmés I
 7 Setor de Osíris
 8 Porta do Leste
 9 Templo de Amon
10 Tesouro de Shabako
11 Capela Alta de Amon
12 Grande Templo 
 de Amon
13 Osireion
14 Oratórios de Osíris
15 Dromos de Karnak
16 Capela de Hakor
17 Parede 
 de Nectanebo I
18 Habitações 
 dos sacerdotes
19 Lago sagrado
20 Armazém 
 de oferendas
21 Sétimo pilone
22 Oitavo pilone
23 Primeiro pilone
24 Décimo pilone
25 Edifício 
 de Amenhotep II
26 Templo de Khonsu
27 Templo de Opet
28 Porta de Ptolomeu
29 Dromos de Mut
30 Templo de Mut
31 Templo 
 de Amon-Kamutef
32 Monumento 
 da Barca Sagrada
33 Templo 
 de Khonsu-Menino
34 Avenida 
 das Esfinges
35 Lago sagrado
36 Dromos de Khonsu
37 Dromos para Luxor
38 Oratório branco
39 Oratório vermelho
40 Pátio 
 de Tutmés IV
41 Oratório 
 de Tutmés III
Navegar 
para 
o Além
154
Uma das barcas 
miniatura 
encontradas 
no túmulo 
de Tutankamon.
A
G
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156
F oram 36 as miniaturas de barcas de madeira, douradas e pintadas, encontradas no túmulo de Tutan­kamon. Decoradas com figuras 
zoomorfas ou divindades, destinavam­se a 
proteger o rei Sol durante a sua peregrinação 
à cidade sagrada de Abidos, que alberga o 
túmulo do deus dos mortos, Osíris. Algumas 
carregam um trono, outras uma cabina de 
viagem ou vários toldos dourados no convés. 
Estas embarcações têm uma função clara­
mente funerária e simbólica: permitir que o 
rei renasça no Além como Osíris. 
A prática de colocar maquetas de barcos nas 
sepulturas não é uma inovação de Tutanka­
mon; na verdade, as barcas acompanham 
o falecido desde a primeira dinastia do Egito. 
Baixo-relevo que mostra 
uma barca solar a transportar 
Rá (como Nefertum, o Sol 
Poente), do templo mortuário 
de Ramsés III, em Luxor. 
Data, provavelmente, 
do século XII a.C.
No início, eram colocadas grandes embarca­
ções em tamanho real, como as do rei Kéops, 
datadas da IV Dinastia (2630–2510 a.C.) e que 
foram descobertas perto da grande pirâmide 
do rei no planalto de Gizé. A partir do final 
do Império Antigo, passou­se a depositar 
nos túmulos reais e privados modelos de 
barcas de madeira em miniatura, perpetuando 
assim, simbolicamente, a peregrinação a 
Abidos. 
TALHOS, PADARIAS E OFERENDAS
As maquetas de barcas funerárias não são os 
únicos objetos que acompanham o defunto. 
Há também modelos e miniaturas de padarias, 
cervejarias, ganadarias, talhos, hortas e por­
tadores de oferendas, entre muitos outros, 
157
evoluíram em relação à literatura fúnebre 
da época. É surpreendente, portanto, que as 
miniaturas de barcas do túmulo de Tutanka-
mon perpetuem, quase mil anos depois, uma 
prática funerária herdada do Império Antigo. 
A razão é desconhecida.
G.E.D.T
garantindo assim ao falecido o fornecimento 
daquilo que mais aprecia e um renascimento 
eterno com tudo o que deseja e necessita à 
sua disposição. 
Esta prática continuou até ao reinado de Se-
sóstris III, faraó da XII Dinastia do Impé rio 
Médio (2025–1872 a.C.), e mais tarde desapa-
receu a favor de outros objetos cujas funções 
Em cima, miniatura de barca solar para o transporte 
de uma múmia, em madeira pintada (X Dinastia). 
Em baixo, barca esculpida em alabastro com 
pormenores dourados, do túmulo de Tutankamon.
As barcas tinham uma função 
prática, funerária e simbólica (permitir 
que o rei renasça no Além como Osíris) 
e surgiram na I Dinastia
A
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G
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G
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Colar floral encontrado 
no túmulo de Tutankamon, 
feito com papiro, linho, 
folhas de oliveira, persea, 
centáurea-azul, pétalas 
de lótus-azul e contas 
de faiança. Está hoje 
no Museu Metropolitano 
de Arte de Nova Iorque.
158
Ofertas 
de vida
Q uando Howard Carter escavou o túmulo de Tutankamon, descobriu outros tesouros que, sem tanto 
valor material como o ouro e as joias, 
eram igualmente valiosos pelo conhecimento 
que se podia extrair deles. Consistiam num grande 
número de elementos vegetais que tinham 
sido preservados desidratados graças à falta de 
humidade dentro da sepultura. 
Por este motivo, o egiptólogo, convencido de 
que as plantas eram uma ferramenta muito útil 
para a reconstrução dos costumes funerários e 
da vida quotidiana dos antigos egípcios, incor-
porou na sua equipa de escavação o botânico 
inglês Percy Newberry (1869–1949), professor 
da Universidade de Liverpool.
159
PLANTAS QUE 
CONTAM HISTÓRIAS
Desde ramos de flores e grinaldas 
até alimentos, medicamentos 
e óleos, as espécies botânicas 
identificadas nos túmulos 
egípcios faziam parte 
das oferendas que ali 
se depositavam para 
fornecer ao falecido 
tudo o que poderia ser 
necessário na outra 
vida, partindo do prin-
cípio de que era reflexo 
da terrena. 
No túmulo de Tutanka-
mon, foram encontrados 
116 cestos com sementes 
e comida e vários colares 
de flores que indicavam 
que o faraó teria morrido 
entre meados de março e 
o final de abril: frutos como 
melancia, figos-sicômoros, 
amêndoas, tâmaras, romãs e 
uvas; espécies aromáticas como 
coentros, cominho-preto, tomi-
lho e açafrão; plantas medicinais 
como feno-grego, alho e zimbro; 
fogaças de trigo envolvidas em jun-
cos e jarros de vinho etiquetados 
com a data da colheita. 
Tudo isto mostra-nos que o túmulo 
de um faraó estava bem abastecido e 
continha no seu interior não só uma boa 
despensa como também uma farmácia 
bem abastecida.
Atualmente, estes materiais fazem parte 
da Coleção Económica Botânica dos Reais 
Jardins Botânicos de Kew, em Londres, e 
do Museu do Cairo.
E.M.M.M.
O túmulo de um faraó continha 
uma boa despensa e uma farmácia 
bem abastecida
160
A
S
C
Também 
encontrado 
no túmulo 
de Tutankamon 
e igualmente 
exposto no Museu 
Metropolitano de Arte 
de Nova Iorque, colar 
floral realizado sobre uma 
rede de papiro em que foram 
inseridas folhas de oliveira, pétalas 
de centáurea-azul, bagas, etc. 
O colar segurava-se ao pescoço 
com fios de linho.
161
162
Tesouros 
fascinantes
163
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Tesouros 
fascinantes
Imagem da exposição 
sobre Tutankamon, 
o seu túmulo e o seu 
fabuloso tesouro, na 
África do Sul, 2014/15.
164
B astou uma frase para começar o mito de um faraó pouco conhecido até àquele momento: Tutankamon. Era uma manhã de novembro de 1922 
e uma das últimas oportunidades de que Howard 
Carter dispunha para descobrir o túmulo deste 
rei da XVIII Dinastia (1539–1292 a.C.). O seu 
mecenas, lord Carnarvon, estava a perder a 
esperança de o encontrar, tantas tinham sido 
as tentativas frustradas de Carter. Este, por sua 
vez, já tinha começado a duvidar da sua própria 
sanidade mental. 
“Consegue ver alguma coisa?”, perguntou 
Carnarvon quando Carter introduziu uma vela 
através do buraco que esca vara na parede. 
“Sim, coisas maravi lhosas”, 
respondeu o arqueólogo. De 
facto, a descoberta de um 
degrau escavado na rocha 
mudou o curso da história da 
egiptologia e o conhecimento 
sobre aquele período histórico. 
O túmulo de Tutankamon 
(KV62), embora modesto 
em dimensões, tendo em 
conta a sumptuosidade e 
a magnificência de outros 
túmu los do vale, era constituído por várias 
dependências. Destas, destaca-se a antecâ-
mara, que continha um trono dourado com 
incrustações de ébano e marfim, cadeiras, 
divãs funerários dourados com cabeças de leão 
e da deusa Hathor, baús, vasos de alabastro, 
estojos, tamboretes e numerosos acessórios 
pertencentes a carros dourados. Também 
foram encontradas aqui as duas famosas 
estátuas de Tutankamon, que ladeavam a porta 
de acesso à câmara funerária, elaboradas em 
madeira e bronze e cobertas por resina negra.Cada uma tinha 1,90 metros de altura, ou seja, 
estavam representadas em tamanho real (mas 
o faraó teria só 1,67 m). 
MÚLTIPLOS 
SEPULCROS
O espaço da última depen-
dência, a câmara funerária, 
encontrava-se ocupado quase 
na sua totalidade pelo grande 
sepulcro feito de madeira 
dourada com incrustações de 
faiança a formar um padrão 
de pilares djed (símbolos de 
Osíris, senhor do submundo) 
Os objetos 
achados 
no túmulo de 
Tutankamon 
ajudam a
 compreender 
a sua época
165
G
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G
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Recriação esquemática 
de alguns túmulos 
encontrados no Vale 
dos Reis (Ramsés III e IV).
Encontrado quase intacto, o túmulo de Tutankamon fascinou os leigos 
e forneceu informação preciosa e inédita aos especialistas.
166
e de nós tjet (emblemas 
de Ísis, mulher de Osíris, 
a quem ressuscitou). 
Depois de remover o pri-
meiro, surgia um segundo 
sepulcro, igualmente 
dourado e com desenhos 
pr-wr, que significam 
“casa grande”. Acredi-
ta-se que este desenho 
repre sente o santuário da deusa guardiã do 
Alto Egito, Nekhbet. 
A decoração deste sepulcro integra textos 
mágicos provenientes do Livro dos Mortos
(ou, mais corretamente, o Livro de Sair para a 
Luz), bem como representações de divindades 
protetoras de cada um dos lados, incluindo 
a tampa. Estas divindades eram Ísis e Osíris, 
Maat e Rá-Horakhty (divindade solar) e Nut 
(a deusa do céu, que abria as suas asas protetoras 
sobre o defunto na tampa). 
TRÊS CAIXÕES
Para chegar finalmente à múmia do rei, tinha 
de se passar por um sarcófago de quartzite e 
granito vermelho pintado que continha três 
caixões antropomorfos, dourados e ricamente 
decorados. O féretro 
mais interno de todo 
o conjunto era feito de 
ouro maciço. Todos 
estes caixões represen-
tavam o faraó de uma 
maneira osírica, ou 
seja, tratava-se da inte-
gração do defunto no 
próprio Osíris, senhor 
do submundo. Por sua vez, Tutankamon tinha 
colocada a sua máscara funerária de ouro, para 
além de inúmeras peças de joalharia (colares, 
pulseiras, anéis e dedais) nas mãos e nos pés, 
na sua maioria de ouro. 
No chamado “anexo”, foi encontrada uma 
mistura de objetos que variavam desde jarros 
de vinho a provisões funerárias (mantimentos) 
para alimentar o defunto na sua outra vida: 
óleos, pomadas, caixas, cadeiras, bancos e 
cabeceiras de cama, bem como muitos outros 
artigos destinados ao uso por parte do falecido 
no Além. 
PRONTO PARA UMA LONGA VIAGEM 
No Antigo Egito, a maior aspiração do indivíduo 
era renascer no Além. Para consegui-lo, não só 
G
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Réplica de alguns dos objetos 
encontrados na antecâmara 
do túmulo de Tutankamon.
Encontraram-se 
seis carros 
de combate;
antes, apenas 
se conheciam 
dois exemplares
167
se preocupavam com a preservação do corpo 
através do processo de mumificação, como 
também faziam um enxoval que supunham lhe 
iria ser útil na outra vida. Por isso lhe levavam 
os seus objetos favoritos ou, em alguns casos, 
réplicas encomendadas. A prática de incluir 
um enxoval no local do enterro terá estado 
presente durante toda a era faraónica, mas foi 
G
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G
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no Império Novo, precisamente a época em 
que Tutankamon viveu e morreu, que surgiu 
a maior quantidade e variedade deste tipo de 
enxovais. 
O enxoval funerário de Tutankamon era 
composto por mais de 5000 objetos de todo o 
tipo, que podem ser divididos em três grupos 
bem definidos: 
Não há tesouro do Antigo Egito comparável, em beleza 
e carga mística, à máscara funerária do faraó-menino.
168
• Elementos pertencentes ao âmbito da vida 
quotidiana. Aqui incluiríamos todos os objetos 
comuns do túmulo de Tutankamon, como 
roupas, artefactos de toucador, de escrita, 
jogos, bengalas, cetros, joias, carros, tronos, 
encostos, cadeiras, bancos, mesas, camas, 
baús, grinaldas, coroas... 
• Elementos relacionados com a passagem do 
defunto para o Além. Esta secção inclui os sar-
cófagos, a máscara funerária, amuletos prote-
tores, estátuas de divindades, shabtis e vasos 
canópicos. Todos estes elementos estavam 
dotados de uma característica mágica cujo 
propósito era proteger o falecido dos perigos 
que iria enfrentar na viagem até ao Além, para 
assim poder viver para toda a eternidade. 
• Alimentos e seus recipientes. Neste grupo, 
estão abrangidos todos os recipientes cerâmicos 
ou de cestaria com fruta, pão, cevada, cerveja, 
ânforas de vinho e tudo o que era necessário 
para abastecer o falecido na outra vida. 
Apesar de se terem encontrado mais de 5000 
objetos na sepultura de Tutankamon, quase 
todos ficam eclipsados pela impressionante 
máscara funerária de onze quilos de peso. Feita 
com ouro, lápis-lazúli, cornalina, amazonite, 
quartzo, obsidiana, faiança e vidro, cobria a 
cabeça do defunto até aos ombros. 
PARA O LAZER E PARA A GUERRA 
Os elementos mais marcantes (máscara e sar-
cófagos) que compunham o enxoval funerário 
de Tutankamon chamaram sempre a atenção, 
pelo que dos outros não se fala tanto. No 
AGE
Dois dos seis carros encontrados 
poderiam ter sido de uso cerimonial,
mas os outros eram destinados 
a atividades recreativas
Uma das pinturas murais do túmulo de Tutankamon.
169
entanto, pertenciam ao quotidiano do faraó. 
Quais eram? 
Entre os objetos da vida quotidiana, foram 
encontrados elementos relacionados com 
diferentes atividades de lazer, como a caça, e 
outras ocupações, como a guerra. Ligados a 
estas atividades, foram documentados seis 
carros desmontados no túmulo: quatro na 
parte sueste do antecâmara e dois na parte 
norte da sala do tesouro. O carro foi um ele-
mento introduzido no Egito pelos hicsos no 
século XVI a.C., e só se conheciam dois até à 
descoberta deste túmulo: um deles encontra-
va-se no túmulo de Yuya e Tuya e o outro está 
exposto no Museu Egípcio de Florença, desco-
nhecendo-se a quem pertenceu. 
A decoração da grande maioria inclui cenas 
de prisioneiros asiáticos, além do emblema da 
união das duas terras, conhecido pelo nome 
de sma-tawy, representações de divindades 
e motivos protetores, como o sinal ankh, o 
pilar djed ou o olho wdjat. A decoração incluía 
o nome de Tutankamon gravado num serekh
(uma representação da fachada do palácio). 
Segundo Carter, dois dos seis carros encontra-
dos poderiam ser considerados de uso formal, 
ou seja, eram usados em desfiles e cerimónias. 
Os restantes, de estrutura mais leve, seriam 
usados para atividades de tipo recreativo, 
como a caça. 
A
G
E
A
G
E
Carros como esta réplica foram encontrados na antecâmara.
O Além 
não foi dotado 
apenas de carros, 
mas também 
de defesa com 
armas brancas, 
como estas adagas.
170
BENGALAS, ESPADAS,
BOOMERANGS
Outros objetos descobertos na sepultura do 
faraó-menino eram armas e bengalas. Segundo 
Carter, provavelmente algumas delas terão 
sido usadas por Tutankamon em vida. A lista 
de armamento encontrado na antecâmara e no 
anexo inclui armaduras, adagas, espadas, 
arcos e flechas, martelos, paus e fundas, 
além de exemplares daquilo a que hoje 
chamamos boomerang. Curiosamen-
te, não se encontraram machados de 
guerra entre todos estes objetos. 
Destaca-se a presença de duas 
espadas khepesh, cuja introdução 
também foi feita pelos hicsos 
no final do Segundo Período 
Inter médio (c. 1530 a.C.). Estas 
espadas caracterizam-se pela 
sua lâmina curva e acredita-se 
que seriam usadas mais para esma-
gar do que para cortar, dado que o fio 
da lâmina não estava totalmente desenvol-
vido. Uma das espadas contrasta com a outra 
pelo seu tamanho menor. Acredita-se que foi 
feita para Tutankamon quando era criança. 
Quanto aos boomerangs, é possível ver repre-
sentações em túmulos em que o falecido apa-
rece a caçar com este objeto, como nos frescos 
do túmulo de Nebamun, hoje no Museu Britâ-
nico (Londres). No caso de Tutankamon, con-
sidera-se igualmente que os terá usado para a 
caça, embora não haja representações do rei a 
caçar com eles. 
Por outro lado, na antecâmara, no anexo e na 
própria câmara funerária também se encon-
traram bastões e bengalas, paus para a luta e 
leques.Devido à grande quantidade de bastões 
e bengalas que foram encontrados no túmulo 
de Tutankamon, Carter concluiu que se tratava 
de uma coleção, uma vez que eram cerca de 
130 exemplares completos e mais uns quantos 
fragmentos. Alguns conservam evidências de 
terem sido usados, enquanto outros eram para 
A
G
E
A
G
E
A
G
E
A
G
E
Os mais de 5000 
objetos descobertos 
foram eclipsados 
pela beleza 
da impressionante 
máscara funerária: 
onze quilos de ouro
Representação 
de um escravo, 
provavelmente 
núbio, num 
dos cabos 
das bengalas 
pessoais do faraó.
Leque real entre 
os vários encontrados 
nos objetos do monarca, 
com as plumas 
em muito bom estado.
171171171
A
G
E
Lazer faraónico
Os jogos de mesa eram 
muito populares no Antigo 
Egito. Temos testemunho 
deste facto nos enxovais 
descobertos nas sepultu-
ras. Na de Tutankamon, 
foram encontrados quatro 
tabuleiros de Senet, um 
dos jogos mais conhecidos 
da sua época, e possíveis 
fragmentos de outros dois. 
Também havia seis conjun-
tos das peças para o jogo. 
Os tabuleiros de Senet
eram feitos com ébano e 
marfim. Um deles tinha uma 
pequena mesa com pés de 
leão sobre uma espécie de 
trenó, para se jogar mais 
confortavelmente. O jogo 
Senet desenrolava-se sobre 
um tabuleiro retangular 
com 30 quadrados. Alguns 
destes quadrados tinham 
muito significado, porque 
o jogo em si estava rela-
cionado com a viagem ao 
submundo. Por exemplo, 
nele podemos encontrar a 
casa que representava as 
águas do caos ou a casa de 
rejuvenescimento, a das três 
verdades, ou, inclusivamen-
te, algumas relacionados 
com divindades funerárias 
tão importantes como 
Amon-Rá e Rá-Horakhty. 
Outros objetos de lazer en-
contrados no túmulo foram 
instrumentos musicais: um 
par de sistros, dois aplaudi-
dores e duas trombetas. Os 
aplaudidores apresentavam 
a forma de uma mão com 
antebraço. Quando se en-
trechocavam, produziam um 
som. Eram feitos de marfim. 
Segundo Carter, tratava-se 
mais de um objeto do tipo 
ritual do que de um instru-
mento musical destinado 
ao ócio. O sistro é, tal como 
o anterior, um instrumento 
musical para rituais. Este 
tipo de elementos não era 
comum nos enterros, pois 
utilizava-se em cerimónias. 
Acredita-se que aqueles 
que foram encontrados no 
túmulo devem ter sido ali 
abandonados depois de 
usados durante o enterro 
do monarca. A prova da sua 
utilização são as marcas 
de desgaste verificadas no 
interior do arco de metal. O 
caso das duas trombetas é 
especial. Foram descober-
tas na antecâmara, envolvi-
das em juncos. A primeira 
era de prata, com o bordo 
em forma de campânula 
e a boquilha envolvida em 
ouro. A decoração lotiforme 
apresenta dois cartuchos 
verticais com o nomen e 
o prenomen de Tutanka-
mon. Depois, tinha uma 
moldura retangular sobre 
a decoração com a flor de 
lótus, que continha cenas 
das divindades Amon-Rá e 
Rá-Horakhty perante Ptah, 
como uma representação 
de todo o panteão egíp-
cio. A segunda trombeta é 
composta por uma chapa 
de liga de cobre ou bronze e 
ouro (electro) e revestida de 
folha dourada em algumas 
partes. Tem a mesma forma 
de campânula da anterior e 
um desenho simples que re-
presenta Tutankamon com a 
coroa azul a receber o ankh, 
símbolo da vida, da mão de 
Amon-Rá, com Rá-Horakhty 
atrás dele. Nas costas de 
Tutankamon, encontra-se 
o deus Ptah. Esta trombeta 
é menor do que a anterior. 
Um dado interessante? Em 
1939, num evento transmiti-
do pela BBC, foram tocadas 
pelo trompetista James 
Tappern, após o que a trom-
beta de prata se partiu em 
pedaços.
A
G
EA música 
era algo 
quotidiano 
e, como tal, 
levavam-na 
para o Além.
172
rituais. O seu material era variado (do ébano 
ao marfim, alguns com incrustações de ouro 
ou prata) e as suas formas diversas. Entre eles, 
destaca-se uma bengala com o cabo encurvado 
e em que se veem representações dos inimigos 
do Egito: líbios, asiáticos e núbios. 
Outro elemento da vida quotidiana muito 
apreciado no Egito, devido ao calor, era o 
leque. Destes, conservam-se, pelo menos, oito 
exemplares. Entre todos, destaca-se o encon-
trado na câmara do tesouro. Este belo exemplar 
é um leque de mão, giratório, feito de marfim 
com plumas brancas que ainda estavam intactas 
no momento da sua descoberta.
JOGOS, MÚSICA E ESCRITA
O túmulo guardava igualmente objetos des-
tinados ao lazer, à música e à escrita, muito 
importantes no Antigo Egito. Neste âmbito, 
foram encontrados vários jogos destinados 
ao prazer lúdico do faraó no Além, tal como 
acontecia na sua vida terrena. Por exemplo, 
jogos como o Senet (encontraram-se quatro), 
o Mehen ou jogo da serpente, ou o dos sabujos 
e chacais que tanto davam para crianças como 
para adultos. Havia instrumentos musicais, 
como o sistro, e também duas trombetas, uma 
de prata, e aplaudidores, uma espécie de 
castanholas. 
O que se pode dizer sobre a escrita? Sabe-
-se que apenas uma percentagem ínfima da 
população, circunscrita a escribas, sacerdotes 
e, possivelmente, à família real, sabia escrever 
e ler. No entanto, no túmulo de Tutankamon, 
foram encontrados vários elementos de 
escrita, concretamente paletas, um apoio de 
pincéis e um brunidor de papiro, todos de 
excelente qualidade. 
Entre as paletas de escrita, uma apresentava, 
em vez de pigmentos naturais, incrustações de 
vidro e calcite, o que indica o seu caráter emi-
nentemente funerário (elaborada de propósito 
para fazer parte do enxoval); as outras eram 
de uso quotidiano, ou seja, elementos da vida 
diária que alguém decidiu incluir no enterro.
Y.T.R.
A
G
E
O jogo Senet
estava 
relacionado 
com a viagem 
ao submundo
Mesa e peças 
do jogo Senet, 
em madeira de ébano, 
com patas de leão.
A
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A
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173
G
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TT
Y
Carter 
a trabalhar 
no túmulo 
do faraó 
Horemheb.
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Y
Carter 
a trabalhar 
no túmulo 
do faraó 
Horemheb.
G
E
TT
Y
Segundo os Textos das 
Pirâmides, o rei, ao morrer, 
tornava-se o escriba do 
deus-Sol. Daí a grande 
quantidade de elementos 
relacionados com a escrita 
que foram encontrados no 
túmulo: paletas, uma caixa 
para “lápis” (na verdade, 
canas e juncos eram os 
instrumentos usados para 
escrever), dois chifres, 
um brunidor de papiro e 
pigmentos em recipientes 
de concha, bem como um 
fragmento de pedra are-
nosa que provavel mente 
serviria como borracha 
para apagar. As paletas 
estavam emolduradas por 
um retângulo de madeira 
com um espaço na parte 
superior para os pincéis e 
as plumas. Ainda na parte 
superior, havia dois peque-
nos recipientes circulares 
destinados aos pigmentos. 
Embora algumas das pale-
tas do enxoval funerário de 
Tutankamon sejam clara-
mente objetos simbólicos, 
e não para serem usados, 
outras fariam parte dos 
pertences mais pessoais 
do jovem rei. Estas peças 
foram encontradas na 
câmara do tesouro e 
incluíam uma pequena 
paleta com o nome de 
Tutankaton, designação 
usada durante o seu 
período de Amarna, bem 
como outra de dimensões 
semelhantes, de marfim, já 
com o nome de Tutanka-
mon. Ambas as paletas 
possuem evidências de 
terem sido utilizadas. O 
conjunto de escrita incluía 
um estojo de madeira 
dourada com incrustações, 
um brunidor de papiro de 
marfim e ouro, e um prato 
de marfim destinado à 
água para a elaboração 
dos pigmentos. Tudo isto 
acompanhado de um belo 
baú ou caixa retangular 
de papiros, decorado com 
cenas já conhecidas por 
aparecerem em outros 
objetos funerários: o rei 
na presença de Amon-Rá 
e Rá-Horakhty, e também 
perante Ptah e Sekhmet. 
Presumivelmente, esta 
caixa estaria destinada 
a conter rolos de papiro, 
mas foi encontrada vazia.
Escrita para a eternidade
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H
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TO
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Madeira, 
o luxo 
dos faraós
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Desenhos 
e hieróglifos 
numa caixa 
de madeira 
dourada 
encontrada 
no sarcófago 
de Tutankamon.
175
Madeira, 
o luxo 
dos faraós
176
A
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C
Pormenor 
do túmulo 
de Tutankamon, 
feito com 
talha dourada 
e colorida.
177
N ão são só os objetos preciosos que importam. Devido à sua diver-sidade e amplitude,a coleção de madeiras descoberta no túmulo 
de Tutankamon em 1922 é a mais importante 
coleção arqueobotânica encontrada em todo 
o Egito. Este tesouro botânico, composto 
por colares de grinaldas vegetais e peças de 
mobiliário funerário feitas com madeira local e 
importada, foi um dos primeiros a submeter-
-se a análises anatómicas para identificação 
de espécies vegetais do Antigo Egito.
O túmulo real, cujo mobiliário foi preservado 
do ar e da luz durante milhares de anos, 
destaca-se pela variedade e pela qualidade 
dos produtos locais e importados a que o rei 
tinha acesso. No entanto, embora a coleção 
de plantas e leguminosas descoberta tenha 
sido alvo de múltiplos estudos, a maioria das 
madeiras do mobiliário funerário ainda está 
por identificar.
ESTUDOS DE PRECISÃO
O botânico inglês Percy Newberry (1869–1949), 
contratado por Howard Carter, enviou 
algumas amostras para o Laboratório Jodrell 
dos Reais Jardins Botânicos de Kew, em 
Londres, para serem estudadas, tendo sido o 
botânico Leonard Alfred Boodle (1865–1941) 
quem analisou primeiro ao microscópio esses 
fragmentos de madeira. Após a sua morte, os 
botânicos Charles Russell Metcalfe (1904–1991) 
e L. Chalk continuaram os seus trabalhos 
na Universidade de Oxford, e depois foi 
A. Lucas, um químico londrino que havia 
colaborado com Carter durante nove mis-
sões arqueológicas, quem analisou diferentes 
pedaços de madeira do túmulo real, em parti-
cular cavilhas e tacos usados para a montagem 
de vários objetos.
Carter usou um código de cores para descre-
ver a madeira do túmulo (objeto de “madeira 
branca”, de “madeira vermelha”), que ainda 
A
S
C
Os objetos de uso quotidiano
ajudam a estabelecer como se vivia 
na época de Tutankamon
Uma das cadeiras 
de rodas que o faraó 
costumava utilizar, 
devido aos seus 
graves problemas 
nos pés.
178
hoje é usado nas investigações. Estas defi-
nições de cor, como o vermelho, podem 
corresponder a várias espécies de conífe-
ras, como o cipreste (Cupressus 
sempervirens) ou o zimbro 
(Juniperus sp.), o que dificul-
ta que se conheça verdadei-
ramente os tipos de madeira 
usados no fabrico de objetos.
Porque é que a madeira é tão 
importante? O Egito, um país 
desértico, era desprovido de florestas 
e, portanto, de madeira, pelo que 
esta era uma mercadoria preciosa, 
um objeto de luxo que chegou ao vale 
do Nilo ao longo da história do Egito 
graças às diferentes rotas comerciais.
CORRENTES E PRECIOSOS
O que podemos observar? As prin-
cipais madeiras locais usadas são a 
A
S
C
As diferentes peças de madeira do enxoval
mostram a riqueza das redes comerciais
e a destreza técnica e artística dos artesãos
Entre o seu mobiliário, 
destaca-se este baú, 
no qual se pode 
observar madeira 
vermelha, 
que provavelmente 
serviu para armazenar 
as roupas que o faraó 
usava ou queria 
levar para o Além.
A
S
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179179
figueira-sicômoro (Ficus sycomorus L.), a 
acácia (Acacia sp.), o tamarindo (Tamarix 
aphylla, T. nilotica) e o azufaifo (Ziziphus 
spina christi), principalmente utilizado no 
fabrico de cavilhas e mobiliário secundário. 
As madeiras preciosas, como o zimbro (Dal-
bergia melanoxylon) e o cedro do Líbano 
(Cedrus libani), estavam reservadas para 
o fabrico de artigos de luxo: cofres, tronos, 
camas, apoios para a cabeça, cetros, sarcó-
fagos, etc. 
A madeira de ébano, também chamada 
“ébano dos faraós”, proveniente do Corno 
de África, e o cedro do Líbano foram identi-
ficados em vários cofres e móveis do túmulo 
de Tutankamon. Da mesma forma, as madei-
ras do Médio Oriente foram identificadas 
como olmo (Ulmus minor), usado nos carros 
do rei, e casca de bétula (Betula pendula) 
e madeira de amendoeira (Prunus dulcis), 
estas últimas utilizadas para o fabrico dos 
cetros do faraó.
As espécies locais e importadas localizadas no 
túmulo de Tutankamon ilustram a variedade 
de rotas económicas criadas pelos artesãos 
da madeira. O estudo do mobiliário funerário 
devolve-nos uma imagem fantástica das 
diferentes redes económicas e comerciais 
durante a XVIII Dinastia. Quando se exa-
minam estes objetos, fica-se absolutamente 
espantado com o incrível conhecimento dos 
artesãos, a sua destreza técnica e estética. 
Este foi o requinte artístico colocado ao serviço 
do jovem rei para a sua viagem ao Além.
G.E.D.
A
S
C
As diferentes peças de madeira do enxoval
mostram a riqueza das redes comerciais
e a destreza técnica e artística dos artesãos
Na página 
oposta e aqui, 
exemplos 
de camas 
luxuosas 
decoradas 
com formas
de animais 
e talhas 
douradas 
de diferentes 
madeiras.
180
Glossário 
AARU: o paraíso onde Osíris 
governava e onde jaziam 
os defuntos. É descrito como 
uma região muito luminosa 
que poderia ser o destino 
da “alma” do falecido depois 
de passadas todas as provas 
e o julgamento de Osíris. 
ALABASTRO OU CALCITE: tipo 
de rocha amarelada translúcida 
ou castanha-clara que se 
extraía de diferentes minas, 
como Hatnub, no Médio Egito, 
no deserto ocidental. Usava-se 
para fabricar elementos 
de enxoval, como vasos, 
esculturas e até elementos 
decorativos arquitetónicos. 
ALTO EGITO: território 
compreendido entre 
a primeira catarata do Nilo, 
atual Assuão, até à região 
de El-Ayait, atual Cairo. 
AMDUAT: texto que descreve 
as 12 horas da passagem do Sol 
através da noite no submundo. 
AMULETOS: acreditava-se que 
tinham propriedades mágicas, 
protetoras e regenerativas. 
Usavam-se tanto no dia-a-dia 
como nos rituais fúnebres. 
Dependendo do tipo (forma, 
decoração, cor e material), 
cada um tinha uma fi nalidade. 
Muitos eram perfurados 
e usavam-se como pendentes, 
mas também podiam 
fazer parte de anéis ou, 
simplesmente, transportar-se. 
Durante a mumifi cação, 
colocavam-se sobre a múmia 
ou entre as ligaduras para 
proteger o falecido. 
ANHK: termo egípcio para 
designar “vida”. O hieróglifo 
é o laço de uma sandália com 
forma de T encabeçada por 
um círculo. Era um símbolo 
importante entre os egípcios e 
aparece muito frequentemente 
representado na iconografi a. 
Os coptas adotaram-no 
como a cruz ansata. 
APOTROPAICO: quando algo tem 
um caráter mágico para afastar 
ou prevenir o mal e propiciar o 
bem. 
ATON: deus egípcio que 
representava o deus-Sol 
no fi rmamento, sendo 
também conhecido por deus Rá. 
Tomou a forma do disco solar, 
personifi cação simbólica 
do deus imperial e fonte 
de toda a vida durante 
o período de Amarna.
BAIXO EGITO: era o território 
compreendido entre o sul de 
Mênfi s, perto da atual cidade 
do Cairo, até ao delta do Nilo. 
Denominava-se TA-mehu, 
literalmente, “terra do papiro”. 
Chamava-se Baixo Egito 
porque era onde desembocava 
e corria o Nilo. 
CAIXÃO: devido à necessidade 
de proteger o corpo do defunto, 
os egípcios colocavam 
os restos mortais mumifi cados 
em caixões, que eram 
considerados a habitação eterna 
do falecido. Tinham funções 
religiosas e simbólicas, 
além de serem um elemento 
essencial do enxoval funerário. 
Usaram-se a partir do período 
pré-dinástico até ao greco-
-romano. Inicialmente, eram 
retangulares, mas, no fi nal 
do Império Médio, começaram 
a ser substituídos por caixões 
antropomórfi cos, ou seja, 
com forma humana. 
DUAT: o reino dos mortos ou o 
submundo na mitologia egípcia, 
para onde a alma dos defuntos 
viajava para ser julgada 
no tribunal de Osíris, além 
de ser a morada deste e de 
outros deuses. Nesta região, 
Rá viajava de oeste para leste 
todas as noites e durante 
a sua jornada lutava contra 
Apófi s, que encarnava o caos 
primordial que tinha de superar 
para se levantar todas as manhãs 
e devolver a ordem à Terra. 
CARTONAGEM: material 
composto por várias camadas 
de linho (estucado) ou papiro 
endurecido com gesso, e que 
se decorava com tinta ou ouro. 
Empregava-se para fazer 
máscaras funerárias que se 
colocavam sobre a múmia 
do defunto, mas também para 
caixões e carcaças de múmia. 
Começou a utilizar-se 
no Primeiro Período Intermédio, 
tendo-se generalizado 
durante a XXII Dinastia. 
CARTUCHO: provém do francês 
cartouche.Representa-se 
esquematicamente como o laço 
de corda do hieróglifo shen
mas de forma alongada. 
Usava-se para escrever 
dentro dele o nome dos faraós. 
COPTA: egípcio que professa 
o cristianismo. Usa-se também 
para designar uma fase da 
história do Egito que vai desde 
o fi m do período romano até 
à conquista islâmica (ano 641) 
e para se referir à língua copta, 
descendente direta do demótico 
que era falado no Egito 
da Antiguidade Tardia. 
COROA BRANCA: simbolizava 
o controlo do faraó sobre 
o Alto Egito. Era usada 
nas ocasiões que envolviam 
apenas este território. 
COROA VERMELHA: simbolizava 
o controlo do faraó sobre 
o Baixo Egito. Era usada 
nas ocasiões que envolviam 
apenas este território. 
COROA DUPLA: era a usada 
pelos faraós. Trata-se de uma 
combinação da Coroa Vermelha 
do Baixo Egito e da Coroa 
Branca do Alto Egito. A união 
de ambas representava o poder 
e o controlo do faraó sobre 
todo o Egito unifi cado, além 
da união das Duas Terras. 
DELTA: Baixo Egito, o norte do 
país. Nesta zona, havia cinco 
ramais do Nilo na Antiguidade; 
atualmente, só restam dois. 
DEMÓTICO: escrita cursiva; 
é também uma etapa 
181
da linguagem egípcia escrita. 
Foi inicialmente adotado em 
documentos administrativos 
e comerciais. Substituiu 
a escrita hierática e, durante 
o período ptolemaico, também 
foi usado para textos religiosos, 
científi cos e literários. 
DYED: sinal de escrita 
hieroglífi ca que simboliza 
estabilidade. Embora 
o seu signifi cado exato seja 
controverso, pensa-se que 
representa um pilar de plantas 
entrelaçadas ou um conjunto 
de caules. Está associado 
à coluna vertebral de Osíris, 
deus do submundo. 
ÉPOCA BAIXA: período histórico 
que abrange várias dinastias: 
a XXVI ou Saíta (664 a.C.) e as 
dinastias XXVII a XXI. Perdura 
até à conquista de Alexandre, 
o Grande, em 332 a.C. 
ESCARAVELHO: amuleto 
muito popular, frequentemente 
com inscrições. Usou-se 
principalmente como 
pequeno amuleto de pedra, 
mas também para a criação 
de grandes esculturas 
de pedra para os templos. 
O comportamento do 
escaravelho que rola bolas 
de estrume estava associado 
a Rá e à sua viagem pelo céu. 
ESFINGE: a palavra provém 
do grego antigo. É uma besta 
mítica normalmente retratada 
como um leão deitado com uma 
cabeça humana e que, muitas 
vezes, usa o toucado real nemes. 
Era um símbolo da realeza, 
já que representava a força 
e o poder do faraó, além 
de servir de guardiã 
às entradas dos templos. 
ESTELA: lousa de pedra ou 
madeira, inscrita, talhada 
ou pintada. Era construída 
como um monumento para 
fi ns funerários, de marcação 
territorial ou comemorativos.
FAIANÇA: material com o qual 
se faziam tanto amuletos como 
joias, shabtis e recipientes. Era 
composta por quartzo moído, 
lodo e cinzas vegetais ou natrão. 
Era introduzida numa panela 
e cozida a alta temperatura, 
dando origem a uma pasta vítrea.
FILHOS DE HÓRUS: grupo de 
quatro deuses, Imsety, Hapy, 
Qebeshnuef e Duamutef. 
Eram os fi lhos de Hórus e Ísis 
e protegiam os órgãos do 
falecido no embalsamamento. 
Cada um deles está associado 
a um vaso canópico com o seu 
conteúdo e um ponto cardeal. 
HICSOS: pessoas de origem 
sírio-palestiniana que emigraram 
para o Egito no fi m do Império 
Médio e se instalaram no delta. 
Controlaram a metade norte 
do Egito no Segundo Período 
Intermédio. Literalmente, 
poderia traduzir-se o termo 
como “soberanos de países 
estrangeiros” ou “governantes 
de países montanhosos”. 
HIERÁTICO: tipo de escrita 
cursiva usado pelos antigos 
egípcios no início do período 
dinástico. Escrevia-se da direita 
para esquerda e era uma forma 
simplifi cada de hieróglifos 
que permitia que os escribas 
escrevessem mais depressa 
em papiro ou óstracos. 
HIPOGEU: túmulo subterrâneo 
e escavado na rocha. 
HIERÓGLIFOS: sistema 
de escrita usado para transmitir 
a língua do Antigo Egito. 
Trata-se de pictogramas usados 
desde a era pré-dinástica 
até ao século IV. Representam 
seres vivos, animais, plantas, 
pessoas e objetos. Havia três 
tipos de sinais: fonogramas, 
logogramas e determinantes. 
JULGAMENTO OU TRIBUNAL 
DE OSÍRIS: todos os defuntos 
tinham de submeter-se 
a um juízo perante Osíris, 
no qual o coração daqueles 
era pesado numa balança 
contra uma pena da deusa Maat. 
KA: a força vital do indivíduo, 
isto é, o seu caráter particular, 
natureza e temperamento. 
Nascia com cada pessoa e podia 
unir-se ao ba, formando o akh. 
É retratado como um par 
de mãos levantadas. Podia 
sobreviver após a morte do 
sujeito; para isso, era necessária 
a realização de cultos funerários 
e oferendas de alimentos. 
A sepultura era a sua casa. 
KEMET: antigo termo egípcio 
para o país. A tradução literal 
é “terra negra” e refere-se 
aos solos férteis compostos 
pelos lodos depositados após 
as inundações anuais do Nilo 
no vale e no delta. O termo 
oposto a kemet era deshret
(literalmente, “terra vermelha”), 
que denominava o deserto 
e as terras áridas fora do vale do 
Nilo. Na Antiguidade, o Egito 
estava dividido em Alto e Baixo 
Egito, e estes, por sua vez, 
em 22 distritos, os nomos. 
KOHL: cosmético usado tanto 
por homens como mulheres. 
Era composto por estibina 
moída e usava-se para delinear 
os olhos; protegia de doenças 
oculares e dos raios solares. 
LÁPIS-LAZÚLI: rocha 
azul-escura muito importante 
e apreciada, importada 
do norte do Afeganistão 
e usada para decorar 
máscaras funerárias 
e em joias e amuletos. 
LIVRO DOS MORTOS: coleção 
de feitiços mágicos, alguns 
novos e outros retirados dos 
Textos dos Caixões. Data do 
Segundo Período Intermédio. 
Era colocado no caixão ou na 
câmara funerária do falecido 
para ajudá-lo na sua viagem 
através do submundo. 
Inicialmente, foi usado 
nos enterros reais e privados. 
MAAT: deusa que personifi cava 
a verdade, a justiça, a harmonia, 
a ordem natural e o equilíbrio. 
Representava-se sentada 
com uma pena de avestruz. 
MASTABA: túmulo retangular, 
de paredes baixas em altura 
e inclinadas. O nome vem 
do árabe e signifi ca “banco, 
assento”, devido à semelhança 
182
com estes elementos de adobe 
das casas árabes. As pirâmides 
substituíram-nos na III Dinastia 
e deixaram de ser utilizados 
no fi nal do Império Médio. 
MÉDIO EGITO: compreende 
a área entre Sohag e El-Ayait.
NATRÃO: mineral composto por 
carbonato de sódio e bicarbonato 
de sódio. Usava-se em rituais 
de purifi cação, especialmente 
para embalsamar e mumifi car. 
NECRÓPOLE: palavra do grego 
antigo que signifi ca “cidade 
dos mortos”. Usava-se 
com referência a cemitério 
ou lugar destinado a enterros. 
NEMES: toucado plissado usado 
pelos faraós. Era um pedaço 
de pano que tapava a testa e se 
apertava numa espécie de cauda 
atrás, enquanto de cada lado do 
rosto pendiam dois triângulos. 
Simbolizava o poder do faraó. 
NÓ DE ÍSIS: amuleto de 
signifi cado desconhecido. 
No Império Novo, foi associado 
à deusa Ísis e ao seu sangue. 
OBELISCO: monumento de pedra, 
em forma de pilar muito alto, 
com quatro lados ligeiramente 
convergentes mas iguais 
e cuja ponta era esculpida 
em forma de pirâmide. 
Era um símbolo solar. 
OLHO DE HÓRUS OU UDJAT:
um dos amuletos mais 
comuns do Antigo Egito. 
Tinha poderes curativos, 
regenerativos e protetores. 
ÓSTRACO: fragmento de 
cerâmica ou pedra utilizado 
como suporte para a escrita. 
O custo do papiro fez com que 
fosse muito usado, especialmente 
para assuntos não ofi ciais. 
PAPIRO: era obtido a partir 
da planta Cyperus papyrus. 
Assemelhava-se a um papel 
grosso que se fazia com tiras 
unidas do caule daquela planta. 
Também foi usado para fabricar 
vários objetos do quotidiano, 
como sandálias, ramos, etc. 
PORTA FALSA: elemento 
arquitetónico de pedra ou 
madeira que imitava uma porta 
orientada a oeste. Encontra-se 
em muitos túmulos egípcios 
e templos mortuários, sobretudo 
do Império Antigo. As oferendas 
funerárias eram colocadas 
à frente destas portas que 
serviam de ligação entre o mundo 
dos mortos e o dos vivos. 
RITUAL DA ABERTURA DA 
BOCA: cerimónia atravésda 
qual a múmia do defunto 
ou a sua estátua funerária eram 
trazidas de novo à vida (de forma 
simbólica), devolvendo-lhe 
o uso da boca e dos olhos. 
O ritual encontra-se descrito 
no Livro dos Mortos e em 
algumas pinturas dos túmulos. 
No Império Novo, tinha 75 passos. 
SARCÓFAGO: trata-se 
de um caixão comummente 
esculpido em pedra. 
SHABTI OU USHEBTI:
literalmente, “aqueles que 
respondem”; no entanto, 
desconhece-se a sua etimologia. 
Eram servos em forma de 
pequenas fi guras, equipadas com 
enxadas e outras ferramentas. 
Encarregavam-se de servir 
os defuntos no aaru, através 
de atividades agrícolas 
para produzir os alimentos, 
libertando assim os mortos 
da realização de tais tarefas. 
TEXTOS DAS PIRÂMIDES: 
os primeiros textos funerários 
egípcios. Sequência de 
“feitiços” esculpidos ou 
escritos em colunas nas paredes 
dos corredores e das câmaras 
funerárias de algumas pirâmides 
do Império Antigo. 
TEXTOS DOS CAIXÕES: conjunto 
de “feitiços” escritos nos caixões 
do Império Médio. Ajudavam 
o defunto na sua viagem 
para o submundo e garantiam 
a sobrevivência no Além. Muitos 
derivam dos Textos das Pirâmides.
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