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Direito do Consumidor - Unidade 1 Ava

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Direito do Consumidor - Mussolline
Unidade 1 –Ava
A Revolução Industrial mudou os modos de produção e os padrões de consumo. O ato de consumir, mesmo que natural, possui particularidades. A massificação instalou um acentuado desequilíbrio entre produtores e distribuidores, de um lado, e consumidores do outro. Nesse contexto, o Código de Defesa do Consumidor é a concretização de uma evolução.
Na década de 1980, a necessidade de uma lei específica de defesa do consumidor era reconhecida ante a incapacidade do Código Civil de 1916 e as demais normas do regime privatista em lidar com as novas situações em massa, algo ressaltado nas páginas 10 e 11 do livro Programa de direito do consumidor, de Cavalieri Filho, lançado em 2008.
Princípios e normas constitucionais
O direito privado passou a sofrer influência direta da Constituição, fenômeno conhecido como publicização do direito privado, hoje direito civil constitucional. A defesa do consumidor, a partir da Constituição de 1988, se inclui na ordem econômica, o que legitima uma intervenção do Estado na atividade econômica privada. Os direitos fundamentais de 1, 2ª e 3ª gerações têm eficácia positiva, de modo que obrigam o Estado a efetivar medidas para proteção aos consumidores.
 
A promulgação do Código de Defesa do Consumidor se deve a mandamento constitucional expresso. Os direitos fundamentais são aqueles que encontram reconhecimento nas constituições, portanto, quando não há Constituição, não há direitos fundamentais. O artigo 5º da Constituição “impõe ao Estado o dever de promover, na forma da lei, o direito do consumidor”.
 
Como direito fundamental, ele se revela uma conquista em direção ao desenvolvimento econômico, à livre iniciativa com o objetivo de assegurar a todos uma existência digna, conforme preceitua o art. 170 c/c 218 CF/88. Em nível constitucional, a preocupação com os interesses e direitos do consumidor transparecem ainda no art. 150 que, em seu § 5°, diz que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”, bem como no art. 175 que dispõe sobre os direitos dos usuários na prestação de serviços públicos. 
Os princípios constitucionais de proteção ao consumidor
Os sistemas constitucionais contemporâneos, assim como o sistema jurídico brasileiro, são interpretáveis a partir de uma ideia de sistema hierarquicamente organizado. Desse modo, a intepretação de um texto infraconstitucional como o CDC é realizada a partir da Constituição, a fim de que o intérprete verifique a adequação e constitucionalidade das normas que analisa. É preciso ter a noção do sistema jurídico no qual, dentre os elementos, estão as normas jurídicas, com uma estrutura formada pela hierarquia, pela coesão e pela unidade, bem como salientado por Nunes, nas páginas 37 e 38 do livro Curso de direito do consumidor, editado em 2018.
 
O princípio republicano, positivado no art. 1° da Constituição, é o farol aos demais princípios constitucionais. A forma republicana de governo pressupõe um catálogo de liberdades em que se articulam as liberdades dos antigos – os direitos de participação política – e as liberdades modernas – os direitos de defesa individuais, apontados por Canotilho na página 227 de seu livro, Direito constitucional e teoria da Constituição, editado em 2003. A defesa ao consumidor enquadra-se na defesa da liberdade dos modernos, com a indispensável presença do Estado na tutela dos consumidores, os mais vulneráveis na relação.
 
A cidadania também é fundamento da República e está relacionada ao direito do consumidor quando se assenta na ideia de que as pessoas e a coletividade têm valores morais, costumes e direitos específicos, considerados direitos de cidadania aplicáveis a todos os indivíduos que, em outra vertente, se ligam aos consumidores quando exigem a ideia de igualdade em seu sentido formal, de acesso aos tribunais, legislaturas e burocracia. O próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 5°, prevê a assistência jurídica integral e gratuita aos consumidores carentes.
 
A dignidade humana é o reconhecimento de que o ser humano é o limite e o fundamento do domínio político não pode ser objeto de desconsideração em momento algum, posto que é atributo intrínseco de todo ser humano, como exaltado por Norberto Bobbio na página 24 do livro Igualdade e liberdade, de 1997. A proteção ao consumidor relaciona-se à dignidade humana com embasamento na redução das desigualdades entre o consumidor e o fornecedor, protegendo sua integridade física e constando como um dos objetivos da Política Nacional de Defesa do Consumidor, conforme se depreende da leitura do art. 4° da Lei 8078/90.
 
A construção de uma sociedade justa, livre e solidária é um dos objetivos da República e a proteção ao consumidor decorre dos valores democráticos. A necessidade de uma legislação protetiva propicia maior liberdade e igualdade diante de uma relação que nasce sem equilíbrio de forças. A liberdade é compreendida como a liberdade de escolha e de ação do consumidor e a liberdade de empreender do fornecedor.
 
A justiça identifica-se com a legalidade e um de seus clássicos significados também se liga à igualdade, condições para a instituição e conservação da ordem ou da harmonia como um todo. Como escrito na página 14 do livro de Bobbio, legalidade e igualdade são necessárias para realizar a justiça, contudo só são suficientes se pensadas em conjunto. Logo, as normas de proteção ao consumidor e os princípios de justiça estão conectados.
 
A solidariedade, que pode ser vista como um vínculo recíproco num grupo, significa que há uma consciência de pertencer ao mesmo fim, à mesma causa, ao mesmo interesse, ao mesmo grupo, a despeito das diferenças existentes. Nas relações de consumo, a solidariedade é fundamental para atingir a igualdade real ou reduzir o abismo existente entre os fornecedores e consumidores, em especial quando as relações envolvem grupos mais fragilizados, como crianças e idosos.
O Código de Defesa do Consumidor: uma lei principiológica
O Código de Defesa do Consumidor trouxe inovações que influenciaram o sistema jurídico brasileiro. Seus efeitos positivos, como o desempenho educativo e transformador, estão associados à técnica legislativa adotada, baseada em princípios gerais, o que permite considerá-lo uma lei principiológica, como relatado na página 24 do livro de Cavalieri Filho. Todavia, para uma melhor compreensão, vale relembrar os conceitos de princípios e regras.
 
As normas jurídicas são divididas em duas categorias: regras e princípios. A sistematização de Ronald Dworkin, exposta das páginas 22 a 25 do livro Taking rights seriously, de 1978, prevê que as regras são aplicadas num sistema de tudo ou nada porque ainda que uma regra possua exceções que podem ser enumeradas, são mais completas e estariam no enunciado da regra. Por sua vez, os princípios são aplicados de maneira diversa, em primeiro lugar porque as consequências legais não ocorrem de maneira automática e podem ter que ceder mediante a força ou o peso que apresentem.
 
Robert Alexy, no livro Teoria dos direitos fundamentais, de 2006, apresenta uma teoria distinta, na qual os princípios se comportam como verdadeiros mandamentos de otimização, pois podem ser satisfeitos em graus variados e, no sentido de sua satisfação, dependem não apenas de condições fáticas, mas, também, de condições jurídicas. A doutrina brasileira tradicionalmente trata os princípios como “mandamentos nucleares” ou “disposições fundamentais” de um sistema “, segundo relatado por Silva na página 611 de artigo publicado em 2003 na Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais.
 
Mesmo que a nomenclatura apresente algumas variações, os princípios continuam a ser entendidos como as normas fundamentais do sistema. No ordenamento jurídico, as regras e os princípios possuem funções distintas. As primeiras têm a finalidade de estabelecer uma conduta adequada para hipóteses específicas, sob a forma de subsunção tudo ou nada.
 
Quanto aosprincípios, eles desempenham múltiplas funções, com destaque à função estruturante. No aspecto conceitual, os princípios são “verdades fundantes” de um sistema, segundo Miguel Reale na página 299 do livro Lições preliminares de direito, publicado em 1995. Assim, os princípios da vulnerabilidade, da boa-fé, da transparência, da informação, da segurança e outros são colunas de sustentação de todo o sistema do Código de Defesa do Consumidor, dando unidade, estabilidade e harmonia.
A relação jurídica de consumo
Quando adaptados esses conceitos à relação jurídica de consumo, se verifica a existência de uma relação entre um sujeito ativo, titular do direito, e um sujeito passivo, que tem um dever jurídico e se coaduna com os elementos que concebem o fornecedor de produtos e/ou prestador de serviços de um lado e o consumidor do outro.
Na maioria das vezes, entre os elementos estão direitos e deveres recíprocos, posto que as hipóteses em que há proporcionalidade das prestações prevalecem nas relações de consumo. Quanto aos elementos objetivos que formam a prestação na relação de consumo, nos termos do art. 3° do Código de Defesa do Consumidor, eles são definidos como o produto e o serviço. 
O fato capaz de gerar consequências para o plano jurídico, ou seja, aquele ao qual a norma jurídica dá a função de criar, modificar ou extinguir direitos, tem o condão de vincular os sujeitos e de submeter o objeto ao poder da pessoa concretizando a relação, com o negócio jurídico guiado pela autonomia privada, consoante com o dito nas páginas 515 a 517 do Compêndio de introdução à ciência do Direito, escrito por Diniz e cuja 21ª edição foi lançada em 2010.
Normas de defesa do consumidor frente ao consumidor por equiparação
O caput do art. 2° da Lei 8078/90 estabelece que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. A noção subjetiva de consumidor é aquela em que a proteção ao consumidor é pensada na proteção do não profissional que se relaciona com um profissional, comerciante, industrial ou profissional liberal. Sob essa noção estariam excluídos da proteção normativa os contratos concluídos entre dois profissionais.
 
No entanto, o Código de Defesa do Consumidor preferiu a adoção da definição objetiva em que a expressão “destinatário final” deve ser compreendida como aquele que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo, isto é, aquele que encerra a cadeia de produção ou não adquire o produto ou serviço para revenda, mas para uso pessoal, “porque o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu”, de acordo com o relatado no livro Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, escrito por Marques e cuja 8ª edição foi lançada em 2016.
 
Nesse contexto, o destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja uma pessoa física ou jurídica. Para os finalistas, o consumidor adquire ou utiliza um produto ou serviço para uso próprio e de sua família. A restrição à aplicação das normas de defesa do consumidor é justificada, da mesma forma, pela maior necessidade de proteção à parte mais fraca da relação de consumo. A essa inicial interpretação, mais restritiva, os finalistas acabaram por evoluir a uma posição mais branda reconhecendo a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor às pequenas empresas e profissionais que adquirem produtos e serviços fora de seu campo de especialidade.
 
Diferente da teoria finalista, a teoria maximalista amplia o conceito de consumidor e a própria construção da relação de consumo. Para os maximalistas, as normas do Código de Defesa do Consumidor devem ser aplicadas a um número cada vez maior de relações de consumo. Portanto, o destinatário final seria o destinatário fático, que retira o produto ou serviço do mercado e o consome. Esses embates tornaram necessária a construção de uma nova linha de interpretação.
 
A teoria finalista aprofundada se concentra na figura do destinatário final imediato e da vulnerabilidade, descrita no art. 4°, I, da Lei 8078/90. Trata-se de uma “teoria finalista mais aprofundada e madura”, segundo Marques. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a visão maximalista perde força e a tendência acentuada na jurisprudência é de reconhecimento do finalismo aprofundado. 
 
Na sistemática do Código de Defesa do Consumidor, a definição de consumidor se inicia no individual mais concreto – art. 2°, caput – e termina no art. 29, que indica o consumidor do tipo ideal, um ente abstrato e indeterminado. Entre as previsões, encontra-se o consumidor equiparado, que é, em verdade, uma “extensão do campo de aplicação”, de acordo com Marques, do Código de Defesa do Consumidor.
 
Pessoas que mesmo não sendo consumidores stricto sensu podem “ser atingidas pelas atividades dos fornecedores no mercado”. Ausentes as características do consumidor, a posição preponderante do fornecedor e a existência de vulnerabilidade sensibilizaram o legislador. São equiparados ao consumidor a coletividade de pessoas que, mesmo que não sejam identificadas, tenham participado de alguma maneira da relação de consumo e sejam por ela afetadas.
 
A esses potenciais consumidores, o legislador conferiu os instrumentos jurídicos necessários, inclusive processuais, para reparação dos danos pelos responsáveis. O parágrafo único do art. 2° da Lei 8078/90 não trata daqueles que sofreram danos, previsão contida no art. 17, que equipara a consumidores todas as vítimas do evento danoso. Nesta seção, é regulada a responsabilidade do fornecedor por fato do produto ou serviço e ainda por danos à saúde, à integridade ou ao patrimônio do consumidor, os chamados acidentes de consumo. 
O conceito de fornecedor
O conceito de fornecedor está descrito no art. 3° da Lei 8078/90. O Código de Defesa do Consumidor não exclui nenhum tipo de pessoa jurídica, pois “busca todo e qualquer modelo”, de acordo com o exposto das páginas 93 a 95 do livro de Nunes, convencionando como fornecedores as pessoas jurídicas públicas ou privadas, nacionais e estrangeiras, com sede no País ou não, as sociedades anônimas, as por quota de responsabilidade limitada, as sociedades civis com ou sem fins lucrativos, as autarquias, as empresas públicas etc.
 
O legislador optou por considerar todos que atuam nas diversas etapas do processo produtivo, mesmo os desprovidos de personalidade jurídica, como fornecedores, de maneira que é reconhecido como fornecedor qualquer um que ofereça produtos ou serviços no mercado de consumo e atenda às necessidades dos consumidores, sem se indagar a que título.
O Código de Defesa do Consumidor não exige de maneira expressa que o fornecedor seja um profissional, mas a possibilidade de vincular o conceito descrito no art. 3° a uma certa habitualidade está presente. No entanto, ser fornecedor de determinado produto ou serviço com habitualidade tem conotação profissional, levando a concluir que a ausência desse conceito não significa sua dispensa.
Ser profissional está vinculado a uma especialidade, um conhecimento especial que abrange a atividade que se exerce ao mesmo tempo que denota a natureza econômica da atividade. Por ser atividade profissional, também é econômica, visto que o fornecedor a desenvolve com objetivo de obter vantagem econômica que não se confunde com lucro.
É possível, mesmo a entidades sem fins lucrativos, apresentarem o requisito da contraprestação de remuneração. Outro elemento descrito na norma é o mercado de consumo, em consonância com § 2° do art. 3°. O conceito de mercado de consumo é fluido e pode ser descrito como o ato de colocar em circulação produto ou serviço mediante o oferecimento a outrem. 
Na verdade, mercado é o lugar de desenvolvimento das atividades de trocas de produtos ou serviços mediante a oferta aos interessados, com objetivo de obtenção de vantagem econômica, bem como a satisfação de necessidades pela aquisição e utilização dos produtose serviços pelos consumidores.
Conceito de Serviço - Aos prestadores de serviços, a definição do Código de Defesa do Consumidor é aberta para uma maior interpretação. O critério é o desenvolvimento de atividades de prestação de serviços, o próprio § 2°, do art. 3°, que determina que serviço é “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração”, sem qualquer menção à habitualidade ou à necessidade de se tratar de um profissional.
 
A possibilidade de enquadrar algumas universalidades, como associações desportivas e condomínios em edificações, desperta algumas indagações nos fornecedores de serviço, em especial se tais entes despersonalizados são enquadrados como fornecedores de serviços aos associados e condôminos. A questão se coloca frente ao disposto no § 1° do art. 52 da Lei 8078/90, que declara que a multa nos casos de mora passa a ser de 2%.
 
Em relação às entidades associativas e aos condomínios em edificações, é preciso relembrar que seu fim e objetivo social é deliberado pelos próprios interessados, ou seja, sejam representados ou não por conselhos deliberativos, são órgãos deliberativos soberanos nas “sociedades contingentes”, relatadas por Grinover, de maneira que quem determina os destinos dessas sociedades são os próprios interessados, excluindo essas entidades da designação de fornecedor de serviços.
 
Se as despesas ou contribuições sociais são decididas pelos órgãos deliberativos das sociedades em geral, ou pelos condôminos, não se caracteriza a prestação de serviços por terceiros no caso de inadimplência, uma vez que é a própria entidade que os presta. O mesmo não se pode considerar nos casos de entidade associativa que tem como fim a prestação de serviços de assistência médica, e, por isso, cobra mensalidades ou contribuições.
 
Nesse caso, trata-se de fornecedor de serviços porque suas atividades não são de gestão da coisa comum, se revestem da mesma natureza das relações de consumo. Portanto, de um lado está a universalidade dos consumidores, cujo objeto é a prestação de serviço determinado por si ou por outrem e, do outro lado, aparece o fornecedor de serviços.
Os Serviços Públicos - O Código de Defesa de Consumidor faz menção expressa aos serviços públicos como objeto de relação jurídica de consumo, e, portanto, sob a égide da lei consumerista. No entanto, é preciso identificar, entre os serviços públicos, os que se encontram sob as normas de proteção ao consumidor. Qual recordado por Hely Lopes Meirelles na página 294 de Direito administrativo brasileiro, editado em 1995, embora tal conceito não seja unânime na doutrina nacional, serviço público pode ser conceituado como:
 
todo aquele prestado pela Administração Pública ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidade essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado (MEIRELLES, 1995).
 
Serviço público é a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas usufruído singularmente pelos administrados. O Estado as assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes. O Brasil, a partir de 1990, passou por uma reforma com programas de desestatização e a delegação de serviços públicos a pessoas jurídicas privadas, o que modificou a relação existente entre os usuários dos serviços e os prestadores.
 
Alguns foram objeto de delegação em regime de monopólio, como a energia elétrica. Outros, do regime da concorrência, como a telefonia. De certo, não são todos os serviços públicos que se subordinam às regras do Código de Defesa do Consumidor, sendo ele aplicado aos serviços públicos em que haja a presença do consumidor e do agente de uma relação de aquisição remunerada do serviço, individualmente e de modo mensurável – uti singuli.
A relação jurídica de consumo
No Código de Defesa do Consumidor, não há qualquer definição de relação jurídica de consumo. Apesar da opção do legislador pelo conceito de consumidor e fornecedor como partes da relação jurídica, é preciso salientar que não há consumidor sem fornecedor, assim como não há fornecedor sem consumidor.
Definidas as figuras do consumidor e fornecedor, para caracterizar a relação jurídica de consumo falta analisar o objeto da relação, em especial o produto. É comum que algumas empresas afastem a incidência do Código de Defesa do Consumidor sob a alegação de que sua atividade econômica não se adequa nem ao conceito de serviço, nem ao conceito de produto. 
Esse é o caso das instituições bancárias que, mesmo com previsão expressa de aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às suas relações, propuseram ação direta de inconstitucionalidade, com vistas a declarar inconstitucional o art. 3°, § 2°.
Produto é definido pela Lei 8078/90 como bem móvel ou imóvel, material ou imaterial, de modo que é aplicável o Código de Defesa do Consumidor a contratos imobiliários e a eles conexos – financiamento ou empréstimos para a aquisição de imóveis. Nesses contratos, aplicam-se as normas do Código Civil quanto às solenidades, às regras de transmissão da propriedade e as concernentes ao direito das coisas ligado ao conjunto normativo do Código de Defesa do Consumidor.
Os princípios da Lei 8078/90 e os direitos básicos do consumidor
O direito do consumidor é a realização de um direito fundamental de proteção do Estado, conforme art. 5°, XXXII da CF/88. Os sete primeiros artigos da Lei 8078/90 refletem os princípios constitucionais de proteção ao consumidor, razão pela qual sua compreensão pelos intérpretes é crucial.
Dignidade
A dignidade humana é valor supremo da ordem jurídica, preenchido desde o início da vida porque todos os seres humanos têm direito à dignidade. Seu conceito é difícil, mas não resiste ao confronto com as violações, momento em que se torna clara sua ausência. A dignidade revela ainda que os seres humanos não podem ser coisificados, estando acima da mera precificação das coisas. É possível a substituição de uma coisa por outra, mas a dignidade não admite equivalentes.
 
O art. 4° é considerado norma-objetivo e é a norma guia de interpretação de todo o sistema de defesa do consumidor, de maneira que a tutela dos interesses dos consumidores é uma das faces da defesa da dignidade humana. A dignidade interage com os direitos da personalidade e sua violação configura os chamados danos extrapatrimoniais. 
Proteção à vida, saúde e segurança
Atrelados ao princípio da dignidade, os consumidores têm o direito de não serem expostos a perigos representados por práticas condenáveis no fornecimento de serviços e produtos que ameacem sua incolumidade física. Decorre desse direito a obrigatoriedade dos fornecedores de retirarem do mercado quaisquer produtos ou serviços que coloquem os consumidores e terceiros sob algum risco, independente do direito à reparação por eventuais danos causados.
 
O sistema do Código de Defesa do Consumidor tem como base a responsabilidade dos fornecedores, contratual e extracontratual, na teoria da qualidade. Isto significa que a lei impõe aos fornecedores um dever de qualidade dos produtos e serviços que prestam. No caso de descumprimento do dever, surgem os efeitos contratuais do inadimplemento ou do ônus de suportar os efeitos da garantia por vício e os efeitos extracontratuais da obrigação de substituição do bem viciado e a reparação dos danos causados pelos produtos ou serviços defeituosos. O sistema do Código de Defesa do Consumidor exige a qualidade-segurança e a qualidade-adequação, previstos nos artigos 12 a 17 no primeiro caso, e nos artigos 18 e seguintes no segundo.
Vulnerabilidade
A vulnerabilidade é descrita como o lado fraco, que pode ser atacado ou prejudicado, tanto que o Código de Defesa do Consumidor reconhece o desequilíbrio nas relações entre o consumidor e o fornecedor. Nas sociedades de consumo, é difícil afastar a posição desfavorável do consumidor, ainda mais quando se consideram as revoluções nas relações jurídicas e comerciais nos últimosanos.
 
É uma qualidade intrínseca, ingênita, peculiar, imanente e indissolúvel de todos aqueles que se colocam na posição de consumidor, como rememorado na página 49 do livro Difusos e coletivos: direito do consumidor, de autoria de Giancoli e Araújo Júnior e publicado em 2012. As desigualdades não acham respostas eficientes nos sistemas jurídicos de origem liberal porque os códigos se estruturaram baseados em uma noção de paridade inexistente no mundo atual.
 
A sociedade de consumo não reconhece o poder de barganha entre as partes negociais, cada vez mais escasso e raro, mesmo nas relações obrigacionais e que a doutrina identifique diferentes tipos de vulnerabilidade. A vulnerabilidade técnica tem lugar quando o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o produto e serviço que adquire, seja no tocante às características ou à utilização.
 
O termo “técnico” está relacionado aos conhecimentos aprofundados sobre um determinado assunto, objeto ou relação, que estão sob o poder do fornecedor, que detém o monopólio dos conhecimentos e dos processos de produção. Basta refletir sobre o nível de conhecimento exigido nos casos de defeitos de produtos ou serviços que se percebe o consumidor médio não tem como avaliar o que adquire nem ter o mesmo conhecimento do fabricante, nos casos de vícios.
 
A vulnerabilidade jurídica, em contrapartida, resulta da falta de informação do consumidor a respeito de seus direitos, da falta de assistência jurídica, da dificuldade de acesso à Justiça, da impossibilidade de aguardar o desfecho judicial de uma demanda, ou mesmo da deturpação de princípios processuais legítimos. Ela ocorre não apenas na fase processual, mas também nas pré e pós-processuais.
 
É possível observar a vulnerabilidade política ou legislativa decorrente da fraqueza política do consumidor no cenário brasileiro. A essas, ainda, se acrescentam a vulnerabilidade fática ou socioeconômica, consequência do julgamento de que o consumidor é “o elo mais fraco da corrente”, posto que o fornecedor está em posição de supremacia e é o detentor do poder econômico.
Não se confundem os conceitos de vulnerabilidade e hipossuficiência. A expressão consumidor vulnerável é pleonasmo, isso porque como condição intrínseca não se pode imaginar consumidor desprovido de vulnerabilidade ao passo que a hipossuficiência é conceito fático e não jurídico fundado em disparidade ou discrepância atrelada ao caso concreto.
Pode ser técnica pelo desconhecimento do produto ou serviço, mas fática à luz da situação socioeconômica do consumidor frente ao fornecedor. É preciso ter cuidado para não conceituar a hipossuficiência como pobreza ou ausência de recursos, como é de esperar na hipossuficiência processual. No campo consumerista, é mais ampla e reconhecida caso a caso.
Transparência e informação
A velocidade e o volume da informação característicos da mass consumption society são sem precedentes na história. A tecnologia a serviço da sedução de consumidores atrai a um ciclo de consumo de produtos e serviços, por vezes, desnecessários e fruto de ilusões. A informação, a despeito de sua abundância, não alcança de maneira uniforme as pessoas porque em poder de uma parcela de indivíduos, no âmbito jurídico é composta pelo dever de informar e o direito de ser informado.
 
O dever de informar está relacionado com os fornecedores de produtos e serviços, da mesma forma que o direito do consumidor, ser informado. Para cumprir o dever imposto, a informação precisa ser adequada e compatível com os riscos do produto ou serviço e o seu destinatário: suficiente, completa, integral, verdadeira e real.
 
O consumidor precisa ter o conhecimento necessário para o uso satisfatório dos produtos e serviços que adquire. Se há perigos, o consumidor deve receber as instruções adequadas para evitá-los, e ser informado a fim de que o dever de informação repercuta sobre todo o percurso contratual, com transparência e protagonismo no momento de conclusão do contrato, como destrinchado por Aparicio a partir da página 50 de seu livro Contratos: parte general, de 2016.
 
Apenas a manifestação de “vontade qualificada”, segundo descrito na página 84, por Cavalieri Filho, é capaz de operar os efeitos vinculantes ao consumidor. A informação adequada e clara sobre os produtos e serviços constitui um direito básico do consumidor, incluindo, por força da Lei 12.741/12, o detalhamento dos impostos pagos pelos consumidores. Em respeito ao Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15), as informações prestadas aos consumidores devem ser acessíveis às pessoas com deficiência.
 
O comportamento proativo do fornecedor também é exigível e a informação deve atentar aos graus previstos, que vão desde o dever de esclarecer, passa pelo de aconselhar e pode chegar ao de advertir. É o que se depreende da leitura do texto legal, conforme previsto no inciso III, do art. 6°, e nos arts. 8° e 9° da Lei 8078/90. O dever de informar está presente tanto nas relações individualizadas, em qualquer uma das fases, seja durante as tratativas, na oferta e no contrato, quanto nas relações com pessoas indeterminadas, em que a publicidade é conceito chave.
 
A transparência está ligada ao princípio da boa-fé e não importa apenas ao dever negativo, mas a uma série de deveres procedimentais a serem cumpridos pelos fornecedores de produtos e serviços. Nessa dimensão, a transparência se coliga à informação a ser prestada ao consumidor. Com vistas à valorização da transparência, o Código de Defesa do Consumidor tem regime próprio quanto aos meios de propagação da informação.
 
O objetivo é assegurar que “a comunicação do fornecedor e a do produto ou serviço se façam de acordo com regras preestabelecidas, adequadas a ditames éticos e jurídicos”, como apontado na página 47 do livro Manual de direito do consumidor: direito material e processual, publicado em 2016 e escrito por Tartuce e Neves. Muitas relações contratuais têm como base uma publicidade, que se torna assim parte importante para a concretização desse princípio, dela derivando a proteção contra a publicidade enganosa ou abusiva, razão pela qual o art. 30 da Lei 8078/90 determina que o meio da oferta vincula o conteúdo do contrato. 
Liberdade de contratar e liberdade contratual
A liberdade de contratar e a liberdade contratual são manifestações da autonomia privada. A liberdade de contratar é a possibilidade de um indivíduo realizar ou não determinado contrato, e a liberdade de escolha da parte contrária integra esse conceito. A liberdade contratual está na fixação ou modelação do conteúdo contratual e as situações descritas nessas dimensões são sucessivas. Em primeiro lugar, figura a liberdade de contratar e da escolha da parte contrária, para passar à escolha do conteúdo contratual desejado.
 
Os contratos são essenciais para a manutenção da ordem e da vida na sociedade contemporânea. A liberdade de contratar é garantida aos cidadãos, mas, apesar da garantia, a legislação impõe algumas restrições ao seu exercício. Em geral, os contratos modernos, em especial os contratos de consumo, são classificados como de adesão. Eles devem, portanto, ser analisados com maior moderação tendo em vista que suas cláusulas são estabelecidas unilateralmente, podendo conter inúmeras previsões consideradas como cláusulas abusivas pelo Código de Defesa do Consumidor. O conceito de contrato de adesão está disposto no art. 54 da Lei 8078/90.
 
A autonomia da vontade ditava as regras dos pactos realizados e seus dispositivos tinham força de lei entre as partes. Com os contratos de adesão, ou contratos de massa, não há mais discussões acerca do conteúdo das cláusulas contratuais. A relativização do pacta sunt servanda decorre da consideração de que outros requisitos para a formação do contrato estejam presentes, tais como a livre manifestação de vontade, a boa-fé objetiva, a justiça e outros.
 
Os contratos, quando apresentam cláusulas abusivas, não se enquadram nos preceitos do pacta sunt servanda. A preocupação do legislador em manter o equilíbrionas relações de consumo justifica a repressão aberta às cláusulas abusivas como forma de intervenção do Estado, com o objetivo de controlar o poder econômico e evitar o desequilíbrio contratual.
Do dever governamental
Transcorre da necessidade de atuação do Estado na proteção ao consumidor. Como visto, a Constituição de 1988 consagrou o direito do consumidor como fundamental, fruto de uma nova concepção de Estado, afastada da concepção liberal em que o papel do Estado se limitava a árbitro de conflitos individuais. Dentre os princípios da ordem econômica, estão a defesa do consumidor, princípio constitucional impositivo com dupla função: a de instrumento como objetivo de assegurar a todos uma existência digna e a de diretriz, ou norma-objetivo, com caráter constitucional conformador.
 
A defesa do consumidor tem aspectos da modernidade, a ideologia do consumo, imposta pela regra “acumulai”, que impõe o “consumo” sob a proteção jurídica. É importante refletir que todos, inclusive o próprio Estado, são, a rigor, consumidores, o que torna a dialética produtor versus consumidor mais complexa do que a dialética capital versus trabalho.
 
Muitos consumidores se inserem nos mecanismos de produção, direta ou indiretamente, razão pela qual, em um conflito, a distinção entre “fracos” e “poderosos” como que em campos opostos não é nítida. Os mercados têm forma assimétrica, e o consumidor se vê numa posição de debilidade e subordinação estrutural em relação ao produtor do bem ou fornecedor do serviço.
 
É forçoso apontar que as medidas voltadas à defesa do consumidor não podem ser taxadas como meras expressões da ordem pública. Em verdade, elas são impetradas com base na implementação de normatividade e medidas interventivas. O art. 4° da Lei 8078/90 descreve como a ação governamental na defesa do consumidor é feita. O Estado pode atuar por iniciativa direta, por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas, pela presença no mercado de consumo, ou pela garantia de produtos e serviços com adequados padrões de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.
 
O art. 5° menciona que a atuação do Estado é pela manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita do consumidor carente, pela instituição de promotorias de defesa do consumidor no âmbito do Ministério Público, pela criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo, pela criação de juizados especiais de pequenas causas ou varas especializadas para a solução de litígios de consumo e pela concessão de estímulos à criação e desenvolvimento de associações de defesa do consumidor. 
A intervenção do Estado é sentida quando da limitação da eficácia jurídica da declaração de vontade do consumidor, nos casos em que, considerando sua vulnerabilidade, busca evitar o seu comprometimento com normas contratuais prejudiciais, ou que não foram devidamente informadas. 
A atuação de instituições como o Ministério Público e de órgãos administrativos de defesa dos interesses dos consumidores para sua proteção é também dever fundamental previsto no texto constitucional.
Boa-fé-objetiva - O termo boa-fé não é recente na ordem jurídica e aparece já em 1850 no Código Comercial, como cânone hermenêutico nos contratos com feições de letra morta e em outros dispositivos do Código Civil de 1916. O desenvolvimento dogmático da boa-fé se deve a autores como Couto e Silva, para quem a obrigação é um processo que se desenvolve no tempo e, em sucessivas fases, sendo imanente nessas relações de deveres secundários ou anexos à obrigação principal.
 
A boa-fé objetiva assume o papel de fonte autônoma de direitos e obrigações, transformando a relação obrigacional e apresentando os elementos cooperativos necessários ao cumprimento da obrigação. Sua moderna significação passa a ser conhecida com o Código de Defesa do Consumidor, assumindo a feição de valores éticos que “estão a base da sociedade organizada e desempenham função de sistematização da ordem jurídica”, conforme escrito por Giancoli e Araújo Júnior.
 
As intenções subjetivas do sujeito são desvinculadas e indicam um comportamento a ser seguido, adequado a padrões de lealdade, ética, honestidade e colaboração exigidos em quaisquer relações de consumo. Ela otimiza o comportamento contratual ao impor os deveres de cooperação e de proteção dos recíprocos interesses – os deveres instrumentais de conduta – e ao atuar como cânone de interpretação e integração dos contratos. O dever de lealdade é o mais imediato dos deveres criados pela boa-fé objetiva. O art. 4° da Lei 8078/90 adota, de maneira implícita, a cláusula geral da boa-fé em suas três funções.
 
Em razão de sua função criadora ou integrativa, ela é fonte de novos deveres anexos ou acessórios. O dever de cooperar, de cuidado, de lealdade e de informar, conforme se depreende da leitura do art. 422 do Código Civil, deve estar presente em todas as relações contratuais. A boa-fé tem ainda função interpretativa, em que funciona como critério hermenêutico ou interpretativo destinado ao juiz. Por fim, a função de controle, que limita o exercício dos direitos subjetivos ao reduzir a liberdade dos parceiros contratuais, definir algumas condutas como abusivas ou controlar a transferência dos riscos dos profissionais e liberar o consumidor ante a falta de razoabilidade de outra conduta, em conformidade com o disposto no art. 51, Inciso IV da Lei 8078/90.
Acesso à justiça - Não basta reconhecer os direitos subjetivos aos consumidores. É importante assegurar a efetividade da proteção. Esta é a necessidade de possibilitar uma real defesa dos direitos previstos no Código consubstanciada no art. 6°, VII da Lei 8078/90.
O Estado deve assegurar o acesso à justiça por uma estrutura de órgãos estatais destinados a esse fim e observar os demais deveres a ele impostos pela norma. Nas relações jurídicas de consumo, a Constituição consagra o direito fundamental de acesso à justiça em seu art. 5°, Inciso XXXV.
Práticas abusivas
As práticas abusivas são interpretadas de maneira genérica para que nada escape, englobando as condutas que afrontem a principiologia e a finalidade do sistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor, bem como aquelas que se enquadrem na figura do abuso de direito disposto no art. 187 do Código Civil de 2002, o que é lembrado na página 88 do livro de Cavalieri Filho. É preciso ressaltar que os comportamentos, pela sua simples existência no mundo das coisas, são considerados como atos ilícitos. Portanto, é dispensada a necessidade de lesão ao consumidor para sua caracterização.
As práticas abusivas são uma desconformidade com os padrões de boa conduta em relação ao consumidor. A concorrência desleal, mesmo que tenha reflexos indiretos na proteção ao consumidor, não é considerada prática abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor, que apenas considera aquelas que, de modo direto, afetam o bem-estar do consumidor, segundo exposto nas páginas 515 e 516 do livro de Grinover.
O Código de Defesa do Consumidor de forma ilustrativa descreve, nos artigos 39, 40 e 41, algumas dessas práticas abusivas que podem ter natureza contratual ou extracontratual, antes, durante o processo de formação, na execução do contrato ou mesmo após o seu término. Contudo, Cavalieri Filho salienta que tal entendimento está pacificado após alteração no art. 39 da Lei 8078/90 pela Lei 8.884/98, que incluiu na redação do artigo em comento a expressão “dentre outras”.
As práticas abusivas são objetos de sanções administrativas, de acordo com o disposto no Decreto 2181/97, que organiza o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e estabelece as normas gerais para aplicação dessas sanções de natureza administrativa. A publicidade é a forma para chamar o consumidor a participar do mercado de consumo e acompanhar a evolução da tecnologia.
O Código de Defesa do Consumidor disciplina a publicidade com princípios norteadores que visam evitar a exposição do consumidor a lesões. O princípio da identificação dapublicidade está previsto no art. 36, caput, da Lei 8078/90, e seu objetivo é garantir que o consumidor saiba ser alvo de um evento publicitário. 
Toda publicidade deve ser notória e, dentre os princípios da publicidade, estão os princípios da vinculação contratual da publicidade, da transparência da fundamentação, da correção do desvio publicitário e da boa-fé objetiva que, mesmo não sendo específico da publicidade, norteia todo o sistema de defesa do consumidor.
Proteção contra publicidade enganosa ou abusiva
O princípio da veracidade da publicidade é consagrado pela proibição da veiculação de informações não verdadeiras ou que levem o consumidor a erro, conforme disposto no art. 37, §1°, da Lei 8078/90. Ligado ao princípio da veracidade, está o princípio da não abusividade da publicidade, já que, enquanto a propaganda enganosa não é verdadeira e induz o consumidor a erro, a propaganda abusiva viola os valores da sociedade, como a moral e os costumes, conforme o art. 37, §2°.
Proibição de cláusulas abusivas
Nos termos do art. 51, as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito. A equidade presente no art. 4° impõe o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, com uma função integradora e corretiva. Em sua primeira função, ela é usada para que o juiz use a equidade para solucionar o caso, na presença de lacuna na lei. Nesse caso, a solução do caso corresponde a uma ideia de justiça na consciência média. Já a função corretiva permite uma relação de igualdade e equilíbrio entre as partes
Princípio da conservação
Não se nega a importância da relação contratual. Em alguns casos, é possível conservá-lo mesmo com vícios, defeitos, ineficácia, descumprimento ou alteração econômica que prejudique o contrato estabelecido. Parte da doutrina identifica o princípio da conservação como uma maneira de concretizar a função social do contrato, enquanto outros o correlacionam ao princípio da boa-fé e seus deveres correlatos.
 
A eficácia atribuída a certos contratos, apesar das irregularidades, demonstra que o direito procura evitar a declaração de nulidade quando possível. Não se ignora o respeito aos limites impostos à autonomia privada, porém, se aproveita o negócio jurídico celebrado e se atenta à intenção negocial manifestada pelas partes. Assim, o princípio da conservação é a consequência necessária do fato do ordenamento jurídico, pois, ao admitir a categoria de negócio jurídico, está implicitamente reconhecendo a utilidade de cada negócio concreto, segundo Azevedo escreveu na página 65 do livro Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, de 2000.
 
A intenção manifestada pelas partes é elemento central, todavia, deve estar aliada à ideia de que a manutenção do vínculo contratual é socialmente útil e atende aos critérios de função social do contrato, bem como aos princípios e garantias constitucionais correlatos. A aplicação prática desse princípio perpassa por tornar mais difícil a anulação do negócio ou até a própria adaptação e revisão do contrato.
 
A intepretação clássica do princípio da conservação é como uma construção interpretativa, vista como alternativa à anulação do negócio, como quando os contratantes confirmam um negócio jurídico expressa ou tacitamente anulável, a chamada ratificação. Outra hipótese é a redução, em que a nulidade ou anulabilidade de parte do negócio jurídico não desvirtua as demais.
 
A garantia, descrita no art. 6°, inciso V, da Lei 8078/90, inclui o princípio da conservação do contrato, ainda que implícito. É o que se depreende de uma interpretação sistemática do Código, posto que há permissão, no art. 51, §2°, para a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais e do direito de revisão de cláusulas em virtude de fatos supervenientes que as tornem onerosas. Ambas as previsões corroboram o intuito na conservação do negócio jurídico firmado entre as partes.
 
Outro ponto importante é a reflexão sobre os termos escolhidos pelo legislador. A opção pela palavra “modificar”, no inciso V, art. 6°, parece adequada à ideia de “salvar”, “sanar”, reconstruir o que pode ser sanado. A desproporção do contrato não é presumida de maneira absoluta como abusiva. É, porém, de acordo com registrado na página 1052 do livro de Marques:
 
imperativamente e presumidamente controlável pelo magistrado, que a pedido do consumidor ou de um de seus legitimados, e a critério do magistrado, se houver exagero ou vantagem exagerada, a controlará (MARQUES, 2016).
 
A declaração de nulidade guarda conexão ao direito básico da efetiva e integral reparação dos danos na sociedade de consumo.
Modificação das cláusulas com prestações desproporcionais
A modificação das cláusulas previstas no art. 6°, Inciso V, é uma exceção ao sistema de nulidade absoluta de cláusulas e permite ao juiz a modificação ou revisão das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais ou que sejam excessivamente onerosas em razão de fatos supervenientes nos negócios jurídicos a pedido do consumidor.
 
Ao Poder Judiciário é facultada a modificação de cláusulas, inclusive as alusivas aos preços ou qualquer outra que se caracterize pela desproporcionalidade, isto é, que acarretem algum desequilíbrio de direitos e obrigações entre as partes do negócio jurídico. Essa modificação significa uma interferência na vontade das partes pelo Estado com o objetivo de impor um equilíbrio contratual, de acordo com a página 1053 do livro de Marques.
 
Modificar uma cláusula contratual por considerá-la abusiva ou substituir o seu conteúdo pelo previsto no texto legal é integrá-lo aos princípios da boa-fé e equilíbrio contratual. É interessante ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor permite a alteração mesmo nas cláusulas relacionadas ao preço. A sanção da nulidade absoluta em relação ao preço torna necessário que o juiz atue de maneira excepcional, porque não há nenhuma regra supletiva apta a preencher essa lacuna.
 
A revisão do preço se dá em razão de fato superveniente, quando uma cláusula que era equitativa se torna onerosa. A revisão é unilateral porque é admitida somente para o consumidor, tendo em vista que está disposta em artigo que disciplina os direitos básicos do consumidor. O art. 6°, inciso V, da Lei 8078/90, não exige que o fato superveniente seja imprevisível ou irresistível, exigindo somente a quebra da base objetiva do negócio jurídico.
 
Ou seja, conforme relatado por Marques, “a quebra de seu equilíbrio intrínseco, a destruição da relação de equivalência, o desparecimento do fim social do contrato”. Não se trata da cláusula rebus sic stantibus, cujo pressuposto consiste no fato de que as partes não tinham condições de prever, no momento da assinatura do negócio jurídico, os acontecimentos que causaram o desequilíbrio. A alteração do contrato no futuro tem como base a impossibilidade de, no passado, prever tais acontecimentos.
 
As características da relação de consumo e de contratos demandam a inexigibilidade de que o fato superveniente é imprevisível ou irresistível. O fornecedor assume o risco de seu negócio e detém o conhecimento técnico para ofertá-lo ao mercado. Nas páginas 131 e 132 de seu livro, Nunes acrescenta que os contratos nas relações de consumo são de adesão. 
 
A aplicação da teoria da quebra da base objetiva do negócio foi e é objeto de muitas demandas judiciais. Em 1999, com a liberação do câmbio, muitos contratos antes corrigidos por moeda estrangeira sofreram acréscimos que tornaram as prestações onerosas aos consumidores, acarretando na necessidade de revisão. Os contratos bancários são outro exemplo em que a revisão das cláusulas contratuais passa pelo crivo judicial.
Prevenção e reparação de danos materiais e morais
O Código de Defesa do Consumidor prevê como regra fundamental a reparação integral dos danos, assegurando aos consumidores a efetiva prevenção e reparação dos danos suportados, sejam materiais, morais, individuais ou coletivos. A efetividade do Código de Defesa do Consumidor consubstanciada no art. 6°, inciso VI, encontraem primeiro lugar a prevenção.
 
A prevenção aos danos é realizada por políticas de conscientização e medidas para evitar propagação de lesões e prejuízos aos consumidores, se iniciando com atitudes próprias dos fornecedores, como o recall. O poder público exerce papel fundamental na prevenção aos danos, conforme demonstra o art. 55 da Lei 8078/90. 
 
A prevenção depende também de educação, orientação e informação aos consumidores e fornecedores. Também podem ter esse papel a criação de deveres aos fornecedores, a restrição à autonomia da vontade ou a intervenção, sempre que necessária, para restabelecer o equilíbrio da relação jurídica, sem esquecer da reponsabilidade dos fornecedores pelo descumprimento dos preceitos legais. A prevenção é mais eficaz se realizada através de tutela administrativa, mas as medidas judiciais não estão de todo excluídas.
 
A garantia da plena reparação dos danos perpassa pela impossibilidade de indenização tarifada. A rigor, o enunciado n. 550 do CJF/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil em 2013, prevê que “a quantificação da reparação dos danos extrapatrimoniais não deve estar sujeita a tabelamento ou a valores fixos”. Cláusulas contratuais que estabeleçam limites para as indenizações por danos morais ou materiais são consideradas nulas, como determina o art. 6°, VI, bem como o art. 51, I, da Lei 8078/90.
 
A reparação pelos danos materiais é tarefa relativamente fácil, de acordo com a página 92 do livro de Cavalieri Filho. Basta a comprovação da ocorrência e extensão, o que não se pode afirmar quanto à reparação pelos danos morais. Porém, o Código de Defesa do Consumidor, no intuito de tornar seus preceitos eficazes, dota os consumidores, sobretudo os organizados, com os instrumentos processuais modernos para que se dê a prevenção e a reparação dos danos, segundo Grinover. A existência das tutelas dos chamados “interesses difusos” dos consumidores, dos “interesses coletivos” propriamente ditos e dos “individuais homogêneos de origem comum” são um exemplo dessa modernidade e preocupação com a eficácia.
Adequada e eficaz prestação de serviços públicos
O poder público, quando produtor de bens ou prestador de serviços remunerados – não mediante atividade tributária – por tarifas ou preços públicos, está sob o âmbito de incidência do Código de Defesa do Consumidor, conforme determina o art. 22 da Lei 8078/90.  O regime de concessão ou permissão, previstos no art. 175 da Constituição, é disciplinado pela Lei 8987/95, que em seu capítulo II trata dos “serviços adequados”.
 
O art. 6° da Lei 8987/95 estabelece que toda a concessão ou permissão pressupõe o atendimento adequado do usuário e caracteriza o serviço adequado como aquele que satisfaça as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. A atualidade é a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações, sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.
 
A lei traz ainda a previsão de que não se caracteriza como descontinuidade do serviço a interrupção em situação de emergência, após prévio aviso nos casos de razões de ordem técnica ou de segurança das instalações ou por inadimplência do usuário, considerado o interesse da coletividade. O capítulo III da Lei 8987/95 orienta os direitos e deveres dos usuários, dentre os quais destaca-se o de receber serviço adequado. A eficiência na prestação do serviço não é um adicional, mas sim um dever.
 
Além de adequado aos fins que se destina, deve ser de fato eficiente e funcionar a contento. A doutrina e a jurisprudência têm enfrentado o tema de corte de fornecimento de serviços essenciais em caso de inadimplência com alguma frequência. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.270.339, entendeu ser legítima a interrupção do fornecimento de energia elétrica por questões de ordem técnica, de segurança das instalações ou por falta de pagamento por parte do usuário, desde que o devido aviso prévio tenha sido realizado. A jurisprudência do Tribunal prevê três cenários para o corte de energia por falta de pagamento:
 
· O consumo regular, a simples mora do consumidor;
 
· A recuperação de consumo por responsabilidade atribuível à concessionária;
 
· A recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor, fraude no medidor de energia. 
 
Em relação à última hipótese, o Superior Tribunal de Justiça veda o corte no fornecimento de energia se a fraude for detectada unilateralmente pela concessionária, mas se o débito anterior decorrente da fraude for apurado, com o respeito ao contraditório e à ampla defesa, é possível a suspensão.
Responsabilidade solidária
O § único do art. 7° da Lei 8078/90 estabeleceu o princípio da solidariedade legal quanto à responsabilidade pelos danos causados ao consumidor, que é de todos os partícipes pelos danos causados. A consequência prática dessa previsão legal é que o consumidor que sofre dano moral ou material pode escolher a quem acionar, se a um ou a todos. A solidariedade impõe a qualquer um dos responsáveis o pagamento pelo todo do dano.
 
A regra da responsabilidade solidária é objeto de disciplina expressa do Código de Defesa do Consumidor nos art. 18 no caput do art. 19, nos § 1° e § 2° do art. 25, no § 3° do art. 28 e ainda no art. 34, o que denota que a responsabilidade solidária, seja por vício ou por defeitos, sempre se dá no sistema do Código de Defesa do Consumidor

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