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capítulo 5 Principais períodos da história da filosofia A partir do declínio do Império Romano e da conversão da maioria dos povos europeus ao cristianismo, a filosofia incorpora novas questões e enfrenta outros desafios. Desse período até os dias de hoje, ela continuou a se modificar: suas áreas de interesse se ampliaram, porém, parte de seus conhecimentos se tornaram disciplinas independentes e os problemas sobre os quais os filósofos se debruçam são outros, mais atuais. Essas mudanças são esperadas, dado que, como todas as criações e instituições humanas, a filosofia está na história e tem uma história. Vamos, então, conhecer as principais características de cada período da história da filosofia. Escola de Atenas (1509-1511), Palácio do Vaticano. Esta obra do pintor renascentista Rafael Sanzio retrata filósofos de diversas épocas ocupados numa discussão, tendo ao centro Platão e Aristóteles. Fratelli Alinari/Corbis/Latinstock 50 INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_050a056_U01_C05.indd 50 5/9/13 1:10 PM Principais períodos da história da filosofia ca pí t u lo 5 51 A filosofia na história Como vimos, a filosofia está na história e tem uma história. Está na história: a filosofia manifesta e exprime os problemas e as questões que, em cada época, os seres humanos colocam para si mesmos diante do que é novo e ainda não foi compreendido. A filosofia pro cura enfrentar essa novidade oferecendo caminhos, respostas e, sobretudo, propondo novas perguntas, num diálogo permanente com a sociedade e a cultura de seu tempo. Tem uma história: as respostas, soluções e novas per guntas que os filósofos de uma época oferecem ou tornamse saberes adquiridos que outros filósofos prosseguem, ou, frequentemente, tornamse novos problemas que outros filósofos tentam resolver. Nesses momentos, as gerações posteriores podem tanto apro veitar o passado filosófico como criticálo e refutálo. Além disso, as transformações nos modos de conhe cer podem ampliar os campos de investigação da filosofia, fazendo surgir novas disciplinas filosófi cas. Por outro lado, podem também diminuílos, por que alguns de seus conhecimentos podem formar dis ciplinas separadas. Os principais períodos da filosofia Por estar na história e ter uma história, a filosofia cos tuma ser apresentada em grandes períodos que acom panham, de modo mais geral, os períodos em que os historiadores dividem a história da sociedade ocidental. Filosofia antiga (do século VI a.C. ao século VI d.C.) Compreende os quatro grandes períodos da filoso fia grecoromana, indo do período présocrático ao helenístico, vistos no capítulo anterior. Filosofia patrística (do século I ao século VII) Iniciase com as Epístolas de Paulo e o Evangelho de João e termina no século VIII, quando teve início a filo sofia medieval. A filosofia desse período é conhecida com o nome de patrística, pois foi obra não só de dois apóstolos (Paulo e João), mas também dos chamados padres da Igreja católica, isto é, dos primeiros dirigentes espirituais e políticos do cristianismo, após a morte dos apóstolos. A patrística resultou do esforço feito pelos dois apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros padres para conciliar a nova religião – o cristianismo – com o pensamento filosófico dos gregos e romanos, pois somente com tal conciliação seria possível conven cer os pagãos da nova verdade e convertêlos a ela. A filosofia patrística ligase, portanto, à evangelização e à defesa da religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. Seus nomes mais im portantes foram Justino, Tertuliano, Orígenes, Clemen te, Eusébio, Santo Ambrósio, São Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo, Santo Agostinho e Boécio. campos de investigação da filosofia A filosofia teve seu campo de ativida de aumentado, no século XVIII, com a filosofia da ar te ou estética; no século XIX, a filosofia da história; no século XX, a filosofia da linguagem. Por outro la do, seu campo diminuiu quando as ciências que de la faziam parte passaram a constituir suas pró prias esferas de investigação. É o que ocorre no s éculo XVIII, quando se desligam da filosofia a bi ologia, a física e a química; e, no século XX, as cha madas ciências humanas (psicologia, antropologia, história, etc.). Santo Basílio, São João Crisóstomo e São Gregório Nazianzo retratados em mosaico do século XIV na antiga Igreja de São Salvador, atual Museu Chora (Kariye Muzesi), em Istambul, Turquia. Muitos dos filósofos da patrística eram religiosos que buscavam conciliar as crenças cristãs com a herança filosófica de gregos e romanos. T ib o r B o g n a r/ P h o to n o n s to p /A g ê n c ia F ra n c e -P re s s e INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_050a056_U01_C05.indd 51 5/9/13 1:10 PM A filosofia u n id a d e I 52 A patrística introduziu ideias desconhecidas para os filósofos grecoromanos: a ideia de criação do mundo a partir do nada, de pecado original do homem, de Deus como trindade una, de encarnação e morte de Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição dos mortos, etc. Precisou também explicar como o mal pode existir no mundo, uma vez que tudo foi criado por Deus, que é pura perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com Santo Agostinho e Boécio, a ideia de “homem interior”, isto é, da consciência moral e do livrearbítrio da vontade, pelo qual o homem, por ser dotado de liberdade para escolher entre o bem e o mal, é o responsável pela existência do mal no mundo. Para impor as ideias cristãs, os padres da Igreja católica as transformaram em verdades reveladas por Deus (por meio da Bíblia e dos santos) que, por serem decretos divi nos, seriam dogmas, isto é, verdades irrefutáveis e in questionáveis. Com isso, criouse uma distinção entre verdades reveladas ou da fé e verdades da razão ou hu- manas, ou seja, entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, as primeiras introduzindo a noção de conhe cimento recebido por uma graça divina, superior ao simples conhecimento racional. Dessa forma, o grande tema da filosofia patrística é o da possibilidade ou im- possibilidade de conciliar a razão com a fé. A esse respeito, havia três posições principais: 1. os que julgavam fé e razão irreconciliáveis e a fé su perior à razão (diziam eles: “Creio porque absurdo”); 2. os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas subordina vam a razão à fé (diziam: “Creio para compreender”); 3. os que julgavam razão e fé irreconciliáveis, mas afir mavam que cada uma delas tem seu campo próprio de conhecimento e não devem se misturar (a razão se refere a tudo o que concerne à vida temporal dos homens no mundo; a fé, a tudo o que se refere à sal vação da alma e à vida eterna futura). Filosofia medieval (do século VIII ao século XIV) Abrange pensadores europeus, muçulmanos e ju deus. É o período em que a Igreja romana dominava a Europa, ungia e coroava reis, organizava Cruzadas à chamada Terra Santa e criava, à volta das catedrais, as primeiras universidades ou escolas. A partir do século XII, por ter sido ensinada nas escolas, a filosofia medie val também é conhecida com o nome de escolástica. A filosofia medieval teve como influências principais Platão e Aristóteles, embora o Platão conhecido pelos medievais fosse o neoplatônico (isto é, interpretado pelo filósofo Plotino, do século II d.C.), e o Aristóteles por eles conhecido fosse aquele conservado e traduzi do pelos pensadores muçulmanos, particularmente Avicena e Averróis. Conservando e discutindo os mesmos problemas que a patrística, a filosofia medieval acrescentou outros. Du rante esse período surge propriamente a filosofia cristã, que é, na verdade, uma teologia fundada na nova fé do minante no Ocidente. Alguns de seus grandes temas são: a diferença e separação entre infinito (Deus) e finito (ho mem, mundo); a diferençaentre razão e fé (a primeira O saber e a iluminação divina Nosso saber consta de coisas que vemos e coisas em que acreditamos; das primeiras, somos testemunhas diretas, das segundas, temos o testemunho idôneo de outros que nos fazem crer porque, por meio de palavras e escritos, nos oferecem sinais dessas coisas que não vemos. Podemos com razão dizer que há saber quando cremos em algo com certeza e dizemos que vemos com a mente essas coisas nas quais cremos, ainda que não estejam presentes aos nossos órgãos dos sentidos [...] Realmente, a fé se vê com a mente [...] Por isso o apóstolo Pedro diz: “Aquele em quem agora crês, não o vês”; e disse o Senhor: “Bem- -aventurados os que não viram e creram”. [...] Terás, assim, reconhecido a diferença entre ver com os olhos do corpo e com os olhos da mente [...] Crer se realiza com a mente e se vê com a mente e as coisas em que com essa fé cremos distam do olhar de nossos olhos. Por isso vejo a minha fé, mas não posso ver a tua, assim como tu vês a tua fé e não podes ver a minha, pois ninguém sabe o que se passa no espírito que está em cada homem até que venha o Senhor e ilumine os segredos das trevas e manifeste os pensamentos do coração para que cada um possa ver não somente os seus, mas também os alheios. SANTO AGOSTINHO. Carta a Paulina. In: FERNÁNDEZ, Clemente (Org.). Los filósofos medievales. Selección de textos. Madrid: Editorial Católica, 1979. p. 493-494. Texto traduzido. diálogos filosóficos INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_050a056_U01_C05.indd 52 5/9/13 1:10 PM Principais períodos da história da filosofia ca pí t u lo 5 53 deve subordinarse à segunda); a diferença e separação entre corpo (matéria) e alma (espírito); o Universo como uma hierarquia de seres, pela qual os superiores (Deus, serafins, querubins, arcanjos, anjos, alma) dominam e go vernam os inferiores (corpo, animais, vegetais, minerais); a subordinação do poder temporal dos reis e nobres ao poder espiritual de papas e bispos. Outra característica marcante da escolástica foi o método por ela inventado para expor as ideias filosófi cas, conhecido como disputa: apresentavase uma tese e esta devia ser ou refutada ou defendida com argu mentos tirados da Bíblia, de Aristóteles, de Platão ou de padres da Igreja, particularmente Pedro Lombardo. Assim, uma ideia era considerada uma tese verda deira ou falsa dependendo da força e da qualidade dos argumentos encontrados nos vários autores. Por causa desse método de disputa, costuma-se dizer que, na Idade Média, o pensamento estava subordinado ao princípio da autoridade, isto é, uma ideia é conside- rada verdadeira se tiver respaldo nos argumentos de uma autoridade reconhecida – Bíblia, Platão, Aristó- teles, um papa, um santo. recebem novas traduções, mais acuradas e fiéis. Nessa época, muitos também se dedicam a recuperar obras de autores e artistas gregos e romanos e a imitálos. São três as grandes linhas de pensamento que pre dominavam na Renascença: 1. Aquela proveniente da leitura de três diálogos de Platão (Banquete, Fédon, Fedro), das obras dos filóso fos neoplatônicos e da descoberta do conjunto dos livros de hermetismo ou de magia natural, que se supunha terem vindo do Egito, escritos séculos antes de Moisés e de Platão, ditados por deuses a seus fi lhos humanos. Essa linha de pensamento, surgida na cidade de Flo rença (na atual Itália), concebia a natureza como um grande ser vivo, dotado de uma alma universal (a Alma do Mundo) e feito de laços e vínculos secretos de simpatia e antipatia entre todas as coisas. O ho mem, como parte da natureza, poderia agir sobre o mundo por meio de conhecimentos e práticas que operam com essas ligações secretas, isto é, por meio da magia natural, da alquimia e da astrologia. 2. Aquela originária dos pensadores florentinos que va lorizavam a vida ativa (a política) e defendiam a liber dade das cidades italianas contra o poderio dos pa pas e dos imperadores. Na defesa da liberdade política, esses pensadores recuperaram a ideia de república presente nas obras dos grandes autores políticos da Roma antiga, como Cícero, Tito Lívio e Tácito, bem como nos escritos de historiadores e ju ristas clássicos. Sua proposta era a da “imitação dos antigos”, ou o renascimento da república livre. 3. Aquela que propunha o ideal do homem como artí fice de seu próprio destino, tanto por meio dos co nhecimentos (astrologia, magia, alquimia) como por meio da política (o ideal republicano), das técnicas (medicina, arquitetura, engenharia, navegação) e das artes (pintura, escultura, poesia, teatro). Essas três linhas de pensamento explicam por que se costuma falar no humanismo como traço predomi- nante da Renascença, uma vez que nelas o homem é colocado como centro do Universo, defendido em sua liberdade e em seu poder criador e transformador. A intensa atividade teórica e prática dessa época foi alimentada com as grandes viagens marítimas, que leva vam os europeus a conhecer novos mares, novos céus, novas terras e novas gentes, permitindolhes ter uma visão crítica de sua própria sociedade. Essa efervescên cia cultural e política levou a críticas profundas à Igreja romana, que culminaram na Reforma protestante. R e p ro d u ç ã o /P in a c o te c a N a c io n a l d e S ie n a , T o s c a n a , It á li a . Catarina de Siena (1347-1380), filósofa e teóloga escolástica, retratada por Domenico Beccafumi no século XVI. Pinacoteca Nacional de Siena, na Itália. Filosofia da Renascença (séculos XIV e XV) É marcada pela descoberta, na Europa ocidental, das obras de Platão e de outras obras de Aristóteles, desco nhecidas na Idade Média. Essas obras, lidas em grego, INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_050a056_U01_C05.indd 53 5/9/13 1:10 PM A filosofia u n id a d e I 54 Filosofia moderna (do século XVII a meados do século XVIII) Nesse período, conhecido como o Grande Raciona- lismo Clássico, foi preciso enfrentar um ambiente de pessimismo teórico, reinante desde o fim do século XVI. Dominava o ceticismo, a atitude filosófica que duvida da capacidade da razão humana para conhecer a reali- dade exterior e o homem. As guerras de religião, os encontros dos europeus com povos que desconheciam, as disputas filosóficas e teológicas criaram um ambiente em que o sábio já não podia admitir que a razão humana é capaz de conheci- mento verdadeiro e que a verdade é universal e neces- sária. Ao contrário, diante da multiplicidade de opiniões em luta, o sábio tornou-se cético. Para restaurar o ideal filosófico da possibilidade do conhecimento racional verdadeiro e universal, a filoso- fia moderna propõe três mudanças teóricas principais: 1. O surgimento do sujeito do conhecimento: a filosofia, em lugar de começar por conhecer a natureza (como na filosofia antiga) ou Deus (como na patrística e na escolástica), começa indagando qual é a capacidade da razão humana para conhecer e demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em outras palavras, em vez de co- meçar pelas coisas a serem conhecidas, sobre as quais só cabem dúvidas e desconfianças, a filosofia começa pela reflexão. Assim, aquele que conhece (o sujeito do conhecimento) volta-se para si mesmo para saber se é capaz de conhecimento verdadeiro e, se o for, sob quais condições ele é capaz disso. Somente depois de conhecer-se a si mesmo como capaz de conhecimento verdadeiro é que o sujeito se volta para as coisas a co- nhecer ou para os objetos do conhecimento. O ponto de partida é, portanto, o sujeito do conhe- cimento como consciência de si reflexiva, isto é, como consciência que conhece sua capacidade de conhecer. O sujeito do conhecimento é o intelecto ou a inteligência que, com a vontade, existe no interior de uma substância espiritual, a alma. A natu- reza da alma é completamente diferente da nature- za de outra substância, a corpórea, que constitui a natureza do nossocorpo e dos corpos exteriores. Por isso, para vencer o ceticismo, a filosofia precisa responder às perguntas: “Como o intelecto pode conhecer o que é diferente dele?”; “Como o espírito pode conhecer a matéria?”; “Como o sujeito espiri- tual pode conhecer os objetos corporais, o seu pró- prio corpo e os demais corpos da natureza?”. 2. A resposta a essas perguntas constituiu a segunda grande mudança teórica, que diz respeito ao objeto do conhecimento. Para os modernos, as coisas exte- riores (a natureza, as instituições sociais e políticas) são conhecidas quando o sujeito do conhecimento as re- presenta intelectualmente, ou seja, quando as apreen- de como ideias que dependem apenas das operações cognitivas realizadas pelo próprio sujeito. Isso significa, por um lado, que tudo o que pode ser conhecido deve poder ser representado por um conceito ou por uma ideia clara e distinta, demons- trável e necessária, formulada pelo intelecto; e, por Vista da Galleria degli Uffizi, em Florença, Itália, em 2012. Construída a mando da dinastia dos Médici, no século XVI, a edificação expressa os valores renascentistas em sua arquitetura (como a valorização da perspectiva) e em seu uso (foi sede de escritórios da administração da antiga República de Florença e, até hoje, abriga importantes obras de arte). S y lv a in S o n n e t/ C o rb is /L a ti n s to c k cognitivo Palavra originada do latim cog noscere, ‘conhecer’. No caso, trata-se dos process os mentais que permitem o conhecimento. INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_050a056_U01_C05.indd 54 6/20/14 10:09 AM Principais períodos da história da filosofia ca pí t u lo 5 55 outro lado, que a natureza, a sociedade e a política podem ser inteiramente conhecidas pelo sujeito do conhecimento, porque são racionais em si mesmas e propensas a serem representadas pelas ideias do su jeito do conhecimento. 3. Essa concepção da realidade como racional e plena mente captável pelas ideias e conceitos preparou a terceira grande mudança teórica moderna. A natu reza, a partir de Galileu, é concebida como um siste ma ordenado de causas e efeitos cuja estrutura pro funda e invisível é matemática. O “livro do mundo”, diz Galileu, “está escrito em caracteres matemáticos, e para lêlo é preciso conhecer matemática”. Essa ideia deu origem à ciência clássica, na qual pre valece o ponto de vista da mecânica, isto é, o de que nas relações de causa e efeito entre as coisas a causa é sempre o movimento, e este segue leis uni versais necessárias que podem ser explicadas e re presentadas matematicamente. Todos os fatos da realidade podem ser conhecidos pelas relações ne cessárias de causa e efeito que os produzem, os conservam ou os destroem. A realidade é um sistema de causalidades racionais rigorosas que podem ser conhecidas e transforma das pelo homem. Nascem, assim, a ideia de experi mentação científica (são criados os laboratórios) e o ideal tecnológico, ou seja, a expectativa de que o ho mem poderá dominar tecnicamente a natureza e a sociedade, graças à invenção de máquinas. Existe também a convicção de que a razão huma na é capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões e das emoções e, pela vontade orientada pela razão, é capaz de governálas e dominálas, de sorte que a vida ética pode ser ple namente racional. A mesma convicção orienta o racionalismo político, isto é, a ideia de que a razão é capaz de definir para cada sociedade qual o melhor regime político e como mantêlo racionalmente. Os principais pensadores desse período foram: Francis Bacon, Descartes, Galileu, Pascal, Hobbes, Leibniz, Espinosa, Malebranche, Locke, Berkeley, Newton, Gassendi. Filosofia da Ilustração ou Iluminismo (meados do século XVIII ao início do século XIX) Esse período também crê nos poderes da razão, cha mada de As Luzes (por isso o nome Iluminismo). O Ilu minismo afirma que: E pela razão, o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade social e política (as ideias do Iluminismo foram decisivas para a Revolução Francesa de 1789); E a razão é capaz de aperfeiçoamento e progresso, e o homem é um ser perfectível. A perfectibilidade con siste em libertarse dos preconceitos religiosos, sociais e morais, em libertarse da superstição e do medo, graças ao avanço das ciências, das artes e da moral; E o aperfeiçoamento da razão se realiza pelo progres so das civilizações, que vão das mais atrasadas (tam bém chamadas de “primitivas” ou “selvagens”) às mais adiantadas e perfeitas (na visão da maioria de seus filósofos, as da Europa ocidental); E há diferença entre natureza e civilização: a nature za é o reino das leis naturais universais e imutáveis, enquanto a civilização é o reino da liberdade e da finalidade proposta pela vontade livre dos pró prios homens em seu aperfeiçoamento moral, téc nico e político. A natureza é o reino da necessidade, isto é, das coi- sas e acontecimentos que não podem ser diferen- tes do que são; a civilização é o reino da liberdade, isto é, onde os fatos e acontecimentos podem ser diferentes do que são porque a vontade humana pode escolher entre alternativas. Nesse período há grande interesse pelas ciências que operam com a ideia de transformação progressiva. Por isso, a biologia terá um lugar central no pensamento ilustrado, pertencendo ao campo da filosofia da vida. Há igualmente grande interesse e preocupação com as artes, na medida em que elas seriam a expressão por excelência do grau de progresso de uma civilização. Ilustração para a edição inglesa de 1889 da obra A origem das espécies, do naturalista inglês Charles Darwin. A ideia de transformação progressiva, presente em ciências como a biologia, também podia ser percebida na filosofia iluminista. D r. J e re m y B u rg e s s /S P L /L a ti n s to c k INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_050a056_U01_C05.indd 55 5/9/13 1:10 PM A filosofia u n id a d e I 56 Data também desse período o interesse pelas bases econômicas da vida social e política. Surge uma refle xão sobre a origem e a forma das riquezas das nações, com uma controvérsia sobre qual é a fonte de maior importância: a agricultura (corrente fisiocrata) ou o comércio (corrente mercantilista). Os principais pensadores do período foram: Hume, Voltaire, D’Alembert, Diderot, Rousseau, Kant, Fichte e Schelling. atividades 1. A filosofia está à margem da história ou intimamente li- gada a ela? Por quê? 2. A patrística tentou conciliar a teologia cristã com ideias da filosofia greco-romana, em especial nas relações entre fé e razão. Para você, essa proposta era coerente? Por quê? 3. Quais eram os grandes temas da filosofia medieval? 4. Resuma as três grandes linhas da filosofia da Renascença e explique por que exprimem o humanismo renascentista. 5. Por que o surgimento do sujeito do conhecimento foi importante para que se superasse o ceticismo na filoso- fia moderna? 6. De acordo com o texto, como era concebida a nature- za na filosofia moderna? Por que essa concepção leva às ideias de experimentação científica e de tecnologia? 7. Consulte a linha do tempo, no final do livro, e identifique os temas abordados por filósofos do período moderno que se relacionem com o que você leu sobre o racionalismo. O homem vitruviano , de Leonardo da Vinci sintetiza o ideário renascentista: humanista e clássico. Galeria da Academia, em Veneza, na Itália. Uma das linhas de pensamento da Renascença propunha o ideal do homem como artífice de seu próprio destino, tan- to por meio dos conhecimentos como por meio da política, das técnicas e das artes. Esse ideal tinha como base a razão, cuja in- fluência chegou até os dias atuais. e Em grupo ou individualmente, escolha(m) uma atividade do mundo contemporâneo em que você(s) identifique(m) a presença da razão. Em seguida,elabore(m) um breve comentário sobre ela e sobre como a razão a influencia. a filosofia nas e ntrelinhas R e p ro d u ç ã o /G a le ri a d a A c a d e m ia , V e n e za , It á li a . O ator francês Gérard Dépardieu como o personagem-título de Danton. P h o to 1 2 /A g ê n c ia F ra n c e -P re s s e InDIcAção De fIlme Danton Direção de Andrzej Wajda. França/Polônia, 1983. Pouco tempo após a deflagra- ção da Revolução Francesa, dois de seus líderes entram em rota de colisão: Georges Danton e Maximilien Robespierre. No pe- ríodo chamado Terror, os ideais da revolução acabam sendo postos em xeque por seus pró- prios idealizadores. Filosofia contemporânea Abrange o pensamento que vai de meados do sé culo XIX aos nossos dias. Este período, por ser o mais próximo de nós, parece o mais complexo de definir: as diferenças entre as várias posições filosóficas nos parecem muito grandes, pois as estamos vendo surgir diante de nós. Para facilitar uma visão mais geral do período, fare mos, no próximo capítulo, uma contraposição entre as principais ideias do século XIX e as do século XX. INI.FILOSOFIA_FILOS_VU_PNLD15_050a056_U01_C05.indd 56 5/9/13 1:10 PM