Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Aula - Ciência e comportamento alimentar INTRODUÇÃO Desde a última metade do século XX, em decorrência da urbanização e modernização, o mundo vem passando por um processo chamado transição nutricional. A transição nutricional é caracterizada pelo declínio marcante da subnutrição e aumento da prevalência de excesso de peso e obesidade. Essa mudança foi causada por questões econômicas, sociais e demográficas, que consequentemente influenciam no perfil de saúde dos indivíduos. Segundo dados apresentados pelo IBGE (2009), nos anos de 1974 a 1985, 18,5% dos homens e 28,7% das mulheres apresentavam excesso de peso e 2,8% dos homens e 8% das mulheres estavam obesos. Enquanto que nos anos de 2008 a 2009, 50,1% dos homens e 48% das mulheres apresentavam excesso de peso e 12,4% dos homens e 16,9% das mulheres estavam obesos, ou seja, a porcentagem de pessoas com excesso de peso e obesidade duplicou e até triplicou com o passar dos anos. Além do sobrepeso e da obesidade, a transição nutricional também é responsável por desencadear as denominadas doenças crônicas não transmissíveis, conhecidas como doenças cardiovasculares, diabetes e hipertensão arterial. De acordo com o ranking das 10 principais causas de morte no mundo da OMS (2012), elas ocupam a primeira, a oitava e a décima posição, respectivamente. Os altos índices de excesso de peso e obesidade da população brasileira são causados pelas mudanças nos padrões alimentares, tanto de consumo quanto de produção e comercialização dos alimentos. Essa situação é caracterizada pela substituição de alimentos tradicionais (carnes, ovos, cereais, raízes e tubérculos) por alimentos industrializados, ultraprocessados, ricos em gorduras e açúcares. O estilo de vida, a diminuição da prática de atividade física, bem como fatores ambientais também têm contribuído para essas alterações. No que diz respeito à nutrição, além de conhecer o estado nutricional do paciente, para melhor investigar e entender suas práticas alimentares, é importante primeiramente entender certos conceitos, suas particularidades e seus determinantes. O entendimento de conceitos, como hábito ou comportamento alimentar, é fundamental para saber como e onde interferir na motivação dos indivíduos, levando-os à adoção de uma alimentação saudável. O QUE É HÁBITO OU COMPORTAMENTO ALIMENTAR? 1 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 Antes de respondermos essa pergunta, é importante entender o significado das palavras que a compõem. Sendo assim, "hábito" pode ser definido como a disposição adquirida pela repetição frequente de um ato, uso ou costume, já “alimentar” significa dar alimento, nutrir, sustentar, munir, abastecer (AURÉLIO, 2008). Partindo dessa compreensão, alguns estudiosos do assunto trazem definições semelhantes e complementares que serão apresentadas a seguir, começando por Freitas, Minayo e Fontes (2011) que dizem que um hábito alimentar corresponde à adoção de uma prática relacionada a costumes estabelecidos tradicionalmente e que atravessam gerações, com as possibilidades reais de aquisição dos alimentos e com o que é compartilhado pelas outras dimensões da vida social. Sendo assim, a alimentação não está condicionada a nutrição. Essa é apenas parte do ato de se alimentar e ultrapassa a questão nutricional. Esse conceito é semelhante ao conceito de Pita (2010), que adota como definição de hábito alimentar os meios pelos quais os indivíduos, ou grupos de indivíduos, respondem a pressões sociais e culturais, selecionam, consomem e utilizam porções do conjunto de alimentos disponíveis, ou seja, é a atitude do indivíduo frente ao alimento. Já Carvalho et al. (2013) definem comportamento alimentar como todas as formas de convívio com o alimento, semelhante ao conceito de Garcia (1997), que diz que comportamento alimentar refere-se a atitudes relacionadas às práticas alimentares em associação a atributos socioculturais, como os aspectos subjetivos intrínsecos do indivíduo e próprios de uma coletividade, que estejam envolvidos com o ato de se alimentar ou com o alimento em si. Para Matias e Fiore (2010) e Philippi et al. (1999), o comportamento alimentar é um conjunto de ações relacionadas ao alimento, que começa com a decisão, disponibilidade, modo de preparo, utensílios, horários e divisão das refeições e encerra com a ingestão. Entretanto, para Aitzingen (2011), comportamento alimentar trata-se de algo muito complexo, pois comer é um ato social que vai para além das necessidades básicas de alimentação. Além de estar associado com as relações sociais, escolhas inseridas em cada indivíduo através de gerações e sensações proporcionadas pelos sentidos, no momento da alimentação, o indivíduo busca atender suas necessidades fisiológicas e hedônicas (prazerosas). Ou seja, esse ato jamais pode ser definido a partir do indivíduo como algo único, mas sim a partir de suas relações com o meio. Existem alguns fatores que refletem e determinam as escolhas alimentares. Entre eles estão os determinantes descritos abaixo, que foram sistematizados e apresentados por Vaz e Bennemann (2014). 2 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 1) Escolaridade e renda: o nível de instrução tem relação positiva sobre o consumo de frutas e hortaliças, e a condição econômica é um fator delimitador das escolhas alimentares, pois produtos de melhor valor nutricional, ou seja, mais saudáveis são mais caros. Uma dieta caracterizada pelo consumo de frutas, hortaliças, grãos integrais, carnes magras e rica em diversos nutrientes tem o custo mais elevado do que as dietas ricas em doces, alimentos gordurosos e carboidratos simples. Quanto maior o poder aquisitivo, menor é a proporção de famílias cuja ingestão alimentar não satisfaz os requisitos energéticos. 2) Mídia: a mídia, de forma bastante incisiva e até agressiva, dita regras e muda comportamentos. Considerando que a televisão é o veículo de informação mais acessível para a população brasileira, ela tem sido apontada como um fator que influencia a alimentação, promovendo principalmente hábitos alimentares pouco saudáveis (RODRIGUES; FIATES, 2012). Complementando essa ideia, Toral (2006) afirma que a publicidade também tem forte influência no comportamento alimentar, pois assistir muita televisão promove um hábito sedentário. A grande maioria das propagandas relacionadas a produtos alimentícios são sobre alimentos prejudiciais à saúde, ricos em gorduras e açúcares. 3) Peso e imagem corporal: o peso e a imagem corporal também influenciam, pois a insatisfação com o próprio corpo pode motivar as restrições alimentares. De acordo com Bernardi et al. (2005), restrição alimentar é uma estratégia comportamental e cognitiva que as pessoas usam para controlar o peso corporal e uma tendência a restringir o consumo alimentar consciente, a fim de prevenir o ganho de peso ou promover a sua perda. 4) Cultura: preferências alimentares podem ser construídas de acordo com a sociedade, cultura, crenças e religião de cada povo. Sendo assim, para um melhor entendimento do comportamento alimentar dos indivíduos é necessário conhecer um pouco e considerar os diferentes usos e costumes socioculturais. 5) Ambiente familiar: nas últimas décadas, a família mudou muito, pois a mulher passou a fazer parte do mercado de trabalho e, consequentemente, precisou conciliar a vida profissional com as tarefas domésticas. Com isso, ocorreram mudanças no ambiente familiar, os filhos passaram a ser cuidados em berçários, creches e escolas de tempo integral, quando não por empregadas domésticas. Com isso, a alimentação também sofreu alterações, pois, em busca de comodidade e praticidade, os alimentos industrializados passaram a estar cada vez mais presentes na mesa. Sendo assim, as 3 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ gm ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 práticas alimentares estão relacionadas com a trajetória pessoal da família, pois as influências que determinam o comportamento alimentar de um indivíduo não ocorrem somente no jovem e no adulto, iniciam na infância, quando a alimentação da criança passa a ser igual a da família, sendo estimulada pela cultura na qual está inserida. 6) Psicológicos: observa-se que a autoconfiança que o indivíduo tem em si mesmo para realizar escolhas adequadas em determinadas situações influencia, por exemplo, na hora de escolher alimentos saudáveis quando fora de casa, e também ao comer de forma controlada quando na presença dos amigos. A quantidade de comida ingerida e as escolhas alimentares são influenciadas por fatores internos, como atitudes face aos alimentos, e por fatores externos, como o contexto social onde ocorre a refeição, ou simplesmente pelo fato de como o indivíduo reage frente ao alimento e as possíveis opções a ele apresentadas. Resumidamente, Hamilton, Mcllveen e Strugnell (2000) apresentam de forma detalhada alguns determinantes do comportamento alimentar que podem ser conferidos a seguir. ● Fatores intrínsecos: método de preparação, características organolépticas, aspecto, textura, temperatura, cor, odor, sabor e qualidade. ● Fatores pessoais: nível de expectativa, prioridade, familiaridade, influência dos outros, personalidade, humor, apetite, emoções, família e educação. ● Fatores culturais e religiosos: restrições religiosas, tradições e influências culturais. ● Fatores biológicos (sexo, idade), fisiológicos (mudanças, doenças) e psicológicos. ● Fatores extrínsecos: fatores ambientais, fatores situacionais, publicidade e variações sazonais. ● Fatores socioeconômicos: condições econômicas, custo dos alimentos, hábitos passados, convencionalidade e prestígio. De acordo com Proença (2010), por razões biológicas e também por abranger aspectos econômicos, psicológicos, sociais e culturais, por se tratar de algo complexo e multifatorial, a alimentação representa uma das atividades humanas de maior importância. Por isso, para a eficácia na intervenção dos profissionais da saúde, a alimentação precisa ser avaliada e estudada dentro de todas as suas faces. 4 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 Para concluir, o comportamento alimentar é um conjunto de ações relacionadas ao alimento, que envolve desde a escolha até a ingestão, bem como tudo que ele se relaciona. Já o hábito alimentar é a resposta do indivíduo frente ao alimento, ficando caracterizado pela repetição desse ato. Ou seja, que o comportamento alimentar promove o hábito alimentar. Portanto, por se tratar de conceitos tão interligados e complementares, o entendimento dos dois significados e de suas diferenças é fundamental para o sucesso em todos os tipos de tratamentos, intervenções e ações preventivas relacionadas aos indivíduos (pacientes). Mudar atitudes é uma tarefa bastante difícil e complexa, pois envolve, além de muito estudo e pesquisa, a própria formação do profissional. Nesse caso, fica nítido que estratégias diferenciadas são necessárias para que isso ocorra efetivamente. É nesse aspecto que se evidencia a necessidade de uma intervenção, não só no aspecto prático do que comer ou como comer, mas na questão cultural e até educacional, ou seja, começando sempre pelas crianças, pois essas formarão hábitos alimentares que determinarão seu comportamento. ALIMENTAÇÃO X NUTRIÇÃO No campo da alimentação e nutrição, hábitos alimentares estão relacionados à ideia de consumo alimentar ou, ainda, ingestão alimentar (ingestão energética e de nutrientes), enquanto o comportamento alimentar aparece, na maioria das vezes, relacionado aos aspectos psicológicos da ingestão de comida. Carvalho (2012), ao buscar estabelecer o uso do termo “hábito” no que concerne à alimentação, enxerga nítidas diferenças entre hábito e comportamento. Para a autora, os termos adquirem sentido dentro de um determinado contexto e são envolvidos por uma série de aspectos. Um deles é, sem dúvida, sua repetição no tempo e a possibilidade de um comportamento alimentar provisório ou ocasional se transformar em um hábito. Sendo assim, o comportamento alimentar implica uma ideia que pode ser profundamente específica de um modo de se alimentar, mas não tem uma preocupação com a duração da ação como a de hábito. Traduz uma prática sem a pretensão de situá-la no tempo, e dessa forma não expressa um processo contínuo, porque não tem a obrigação de relacionar um momento a outro - que se segue, o que não ocorre com a ideia de hábito alimentar (CARVALHO, 2012, p. 431 e 432). Pacheco (2008) entende que os hábitos são formados desde a infância e vão se modificando de acordo com o processo de socialização. Posteriormente, na adolescência, os hábitos alimentares se modificam na busca da identidade grupal e ao longo da vida sofrerão outras influências, mudanças e alterações. Dessa forma, 5 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 a criança cresce em um ambiente familiar que tem um comportamento alimentar definido, que se repete dia após dia e ao qual ela se adapta. Ao sair do convívio basicamente familiar e penetrar no contexto escolar, o indivíduo experimentará outros alimentos e preparações e terá oportunidade de promover alterações nos seus hábitos alimentares (PACHECO, 2008, p. 221). Dentro dessa perspectiva da ingestão alimentar, é possível, porém, encontrar também uma problematização dessa forma mais estrita de entender o comer, indicando a necessidade de ir além da ideia de ingestão de nutrientes e avançar nas discussões sobre as semelhanças e diferenças entre hábitos, práticas e comportamentos. Fischler (1995), por exemplo, considera que o termo “hábitos alimentares” implica comportamentos mecânicos e “comportamento alimentar” costuma encarar questões culturais por meio de aspectos deterministas. Assim, prefere o termo “práticas alimentares”, em vez de comportamentos ou hábitos alimentares. Poulain, Proença e Diez-Garcia (2012) criticam a visão de Fischler (1995) de evitar certas palavras devido ao uso que outros pesquisadores fazem delas. Para eles, por mais que algumas expressões sejam descritas simplificadamente, isso não é razão para não utilizá-las. Seria preciso, portanto, diferenciá-las melhor. MODIFICANDO O COMPORTAMENTO ALIMENTAR A obesidade Atualmente, a obesidade é considerada uma doença crônica e corresponde a uma epidemia global. No Brasil, estudos demonstram um aumento na velocidade de crescimento da obesidade, determinando grande impacto na saúde pública. Segundo Halpern (2006), a obesidade é definida como um excesso de tecido adiposo no organismo. Tal excesso dá-se, segundo conceito generalizado, por uma ingestão calórica que ultrapassa o gasto calórico. De acordo com Malheiros, Freitas Júnior e Wilson (2006), o sobrepeso e a obesidade têm uma tendência a aumentar em países ricos e em desenvolvimento. No Brasil, a prevalência de obesidade aumentou muito na última década, em especial para o sexo feminino, chegando a 13,3%; a taxa de ascensão da obesidade no Brasil é de 0,36 pontos percentuais ao ano para a população feminina e de 0,20 pontos percentuais ao ano para a população masculina. Segundo Mancini (2002), a obesidade acarreta um risco aumentado de inúmeras doenças crônicas, tais como: diabete melito, dislipidemia, doenças cardio e cerebrovascular, alterações da coagulação, doenças articulares degenerativas, neoplasias estrogênio-dependentes, neoplasias, esteatose hepática com ou sem cirrose, apnéia do sono etc. Pacientes com obesidade grau III têm esse risco 6 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 magnificado, com aumento expressivo da mortalidade (250% emrelação a pacientes não obesos). Geralmente, as pessoas obesas comem excessivamente quando se sentem mal emocionalmente, que é o que chamamos de comer emocional. No entanto, é importante salientar que pessoas não obesas também o fazem. De modo geral, os obesos têm uma autoestima baixa, tem problemas com autoimagem e sentem preconceito das outras pessoas que os encaram com desprezo e rejeição. A Terapia cognitivo comportamental (TCC) no tratamento da obesidade Na literatura há uma variabilidade nos componentes específicos da TCC que a apontam como o tratamento com maior evidência científica para trabalhar emagrecimento e obesidade (TEUFEL et al., 2011). A modificação do comportamento e o manejo dos pensamentos do paciente têm se mostrado essencial para um tratamento efetivo. Ao longo do processo, a terapia envolve uma reestruturação cognitiva, por meio da correção das crenças e distorções que os pacientes têm em relação ao peso e à forma corporal (NUNES; ABUCHAIM, 2008). No contexto do tratamento da obesidade, somente uma real mudança nos hábitos alimentares e nos comportamentos pode levar ao sucesso da terapia, como a manutenção do peso ideal, e, consequentemente, a uma melhor qualidade de vida. O tratamento por meio da TCC permite também que os indivíduos obesos possam resgatar uma convivência social saudável e sua autoestima, em decorrência dos benefícios advindos do tratamento. Mudança do comportamento alimentar A mudança de comportamento tem papel fundamental na promoção de hábitos saudáveis e na aderência aos tratamentos. Além disso, deve-se considerar também que uma série de fatores determina as escolhas alimentares e, portanto, compreender, avaliar e discutir como os indivíduos encaram a comida, o sabor, o prazer, as consequências da ingestão alimentar e em que se baseiam suas escolhas é fundamental para que as ações de promoção de práticas alimentares adequadas e saudáveis sejam bem-sucedidas e, consequentemente, a efetividade de intervenções (ALVARENGA; TARAGANO, 2019; NI MHURCHU et al., 1997). A psicoeducação conduz e capacita o paciente a entender o seu próprio comportamento e a promover uma mudança consciente. Desse modo, os profissionais e pacientes precisam visar uma mudança duradoura promovida através de um novo estilo de vida. É preciso motivar os pacientes obesos, que normalmente chegam após um longo processo de fracasso, impulsionando-os a agir. 7 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 Assim, podemos citar as motivações intrínseca e extrínseca para uma mudança de comportamento. A intrínseca é aquela que surge a partir das metas, desejos e necessidades do indivíduo, a fim de alcançar uma recompensa interna. O desejo de prevenir doenças, ter uma boa saúde ou perder peso são exemplos de motivações internas. Em contrapartida, a motivação extrínseca é gerada por fatores externos e esses podem atuar positiva ou negativamente nessa motivação. O suporte familiar, o prazer e as orientações médicas para o tratamento de uma doença são exemplos de motivação extrínseca. A efetivação da mudança do comportamento alimentar pode ser estimulada ou prejudicada de acordo com os tipos de motivação (ASSIS; NAHAS, 1999). A adesão a práticas alimentares mais saudáveis (dietas ricas em fibras, frutas e hortaliças e pobres em gorduras) e o estímulo de hábitos alimentares saudáveis são estratégias de intervenção dos profissionais de saúde frente à obesidade. Modelo transteórico e estágios de mudança de comportamento A teoria deste modelo é conhecida como modelo de estágios de mudança de comportamento, pois as alterações no comportamento relacionadas à saúde ocorrem por meio de cinco estágios distintos: pré-contemplação, contemplação, decisão, ação e manutenção (ALVARENGA; TARAGANO, 2019). Cada estágio representa em qual momento o indivíduo se encontra no processo de mudança de determinado comportamento, podendo ser o abuso de álcool e/ou substâncias, ansiedade, prevenção de AIDS, distúrbios alimentares e obesidade, dentre outros (PROCHASKA; VELICER, 1997). No âmbito alimentar, a identificação dos diferentes estágios de mudança de comportamento possibilita o desenvolvimento de estratégias de intervenção nutricional mais assertivas, viabilizando a adesão do paciente às práticas alimentares saudáveis, bem como promovendo uma qualidade de vida duradoura (TORAL; SLATER, 2007). As fases de mudança percorrem pelos cinco estágios previamente mencionados e as passagens entre elas acontecem a partir da intenção, atitude e comportamento do indivíduo (PROCHASKA; VELICER, 1997). A identificação de cada estágio de mudança é fundamental para o direcionamento dos profissionais quanto às intervenções realizadas com os pacientes. A tabela 1 resume os estágios, seus significados e estratégias possíveis em relação ao comportamento do indivíduo de acordo com o estágio de prontidão em que se encontra. 8 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 Estágio de mudança Significado Estratégia de ação Pré-contemplação Não está pronto para mudar, negação sobre a necessidade de mudar. Pode ser resistente/defensivo para reconhecer ou modificar seus comportamentos e minimizar o problema. Estabelecer vínculo, envolver e acolher. Evitar confrontos. Avaliar e estimular a motivação (intrínseca e extrínseca). Incentivar maior consciência sobre a decisão de mudar. Ampliar o foco. Aumentar a percepção do paciente sobre os riscos e problemas do comportamento atual. Contemplação Sabe que precisa fazer mudanças, mas tem sentimentos ambivalentes sobre como mudar. Identificar os problemas, começar a pensar em pequenas metas, empoderamento, encorajamento. Reduzir os “contras” da mudança. Aconselhamento baseado nas vantagens e desvantagens de mudar e no encorajamento. Conectar os pacientes com seus pontos positivos, explorar as melhores experiências com mudanças no passado. Encorajar a pensar na pessoa que quer ser. 9 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 Decisão Paciente expressa o desejo de mudar no período próximo e está comprometido/decidido e confiante com essa mudança (“cliente ideal”). Construir e reforçar a autoeficácia do paciente. Estruturar um plano para mudança, considerar adequação, viabilidade e dificuldades do planejamento, explorar dificuldades em assumir novos comportamentos. Oferecer ajuda para que a pessoa encontre uma estratégia de mudança ou um objetivo que seja aceitável, apropriado e realizável - proporcionar treino e assistência, administrar expectativas. Identificar passos e habilidades necessárias para mudança gradual; discutir situações que podem ser problemáticas. Ação Tem alterações de comportamento – de entusiasmo e mudança. Requer mais comprometimento do paciente para colocar em ação o que planejou (pode ter impulso de voltar a antigos comportamentos). Prática do plano de ação e compromisso de mudança: assistir, reforçar, encorajar, trabalhar a solução de problemas. Provocar uma mudança na área do problema. Se necessário, revisar o planejamento. Consolidar ganhos e aumentar a autoeficácia. Ter plano de enfrentamento para os momentos difíceis; estabelecer rede de suporte e compartilhar suas mudanças com os outros, planos de continuidade, suporte e fortalecimento, criar novos desafios. 10 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 Manutenção Mantém as mudanças por tempo considerável. Evitar recaídas e consolidar ganhos obtidos durante a fase de ação. Reforçar o novo comportamento. Esclarecer que lapsos e recaídas são normais, reforçar os benefícios e conquistas, manter o desafio, não julgar (especialmente na recaída - identificar o que o fez retomar os comportamentosde risco). Propor um plano de seguimento, suporte e fortalecimento. Explorar estratégias de superação. Fonte: Adaptado de DUNKER et al. (2019). É importante ressaltar que os estágios de mudança de comportamento não seguem necessariamente uma sequência linear e estática, o que nos permite observar que durante o processo é comum idas e vindas, tornando-o como uma espiral dinâmica. Recaídas são comuns de ocorrer, dado que indivíduos em ação não mantêm suas técnicas por um longo período na primeira tentativa, reclassificando-os em estágios anteriores, como pode ser visto na figura 1 (PROCHASKA; DICLEMENTE; NORCROSS, 1992; TORAL; SLATER, 2007). Figura 1 - Modelo em espiral dos estágios de mudança Fonte: Prochaska; Diclemente; Norcross (1992) 11 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVARENGA, M.; TARAGANO, R. Fundamentos teóricos sobre mudança comportamental. In: ALVARENGA, M. et al. Nutrição Comportamental. 2. ed. Barueri: Manole, 2019. p. 19-22. ASSIS, M. A. A.; NAHAS, M. V. Aspectos motivacionais em programas de mudança de comportamento alimentar. Revista de Nutrição. Campinas, v. 12, n. 1, p. 33-41, 1999. ATZINGEN, M. C. B. C. Sensibilidade gustativa de adultos de uma instituição universitária do município de São Paulo. Tese (Programa de pós-graduação em Nutrição e Saúde Pública). Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. BERNARDI, F.; CICHELERO, C.; VITOLO, M. R. Comportamento de restrição alimentar e obesidade. Revista de Nutrição [online], v. 18, n. 1, pp. 85-93. 2005. Disponível em: https://abrir.link/LQ8zZ. Acesso em: 9 ago. 2022. CARVALHO, M. C. V. S. Práticas e saberes na alimentação: natural, racional ou social? In: LUZ, M. T.; BARROS, N. F. Racionalidades médicas e práticas integrativas em saúde, estudos teóricos e empíricos Rio de Janeiro: Cepesc, 2012. p.425-442. CARVALHO, P. H. B et al. Checagem corporal, atitude alimentar inadequada, insatisfação com a imagem corporal de jovens universitários. Jornal Brasileiro de Psiquiatria [online], v. 62, n. 2, p. 108-114. 2013. Disponível em: https://abrir.link/YAxVT. Acesso em: 9 ago. 2022. DUNKER, K. et al. Fundamentos e técnica da entrevista motivacional para Nutrição. In: ALVARENGA, M. et al. Nutrição Comportamental. 2. ed. Barueri: Manole, 2019. p. 206-208. FERREIRA, A. B. H. Mini Aurélio: dicionário da língua portuguesa. 6ª ed. Curitiba: Positivo, 2008. FISCHLER, C. El (H)omnívoro: el gusto, la cocina y el cuerpo. Barcelona: Anagrama, 1995. FREITAS, M. C. S.; MINAYO, M. C. S; FONTES, G. A. V. Sobre o campo da alimentação e nutrição na perspectiva das teorias compreensivas. Ciência & Saúde Coletiva [online], 2011, v. 16, n. 1, p. 31-38, dez. 2010. Disponível em: https://abrir.link/Muai4. Acesso em: 9 ago. 2022. GARCIA, R. W. D. Representações sociais da alimentação e saúde e suas repercussões no comportamento alimentar. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online], v. 7, n. 2, p. 51-68. 1997. Disponível em: https://abrir.link/UD4YD. Acesso em: 9 ago. 2022. 12 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 https://doi.org/10.1590/S1415-52732005000100008 https://abrir.link/LQ8zZ https://doi.org/10.1590/S0047-20852013000200003 https://abrir.link/YAxVT https://abrir.link/Muai4 https://doi.org/10.1590/S0103-73311997000200004 https://abrir.link/UD4YD HALPERN, A. Fisiopatologia da Obesidade. In: GARRIDO, J. Cirurgia da Obesidade. São Paulo: Atheneu, 2006. HAMILTON, J.; MCILVEEN, H.; STRUGNELL, C. Educating young consumers: a food choice model. Journal Of Consumer Studies and Home Economics, [S.L.], v. 24, n. 2, p. 113-123, jun. 2000. Disponível em: https://abrir.link/t1BeW. Acesso em: 9 ago. 2022. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA-IBGE. Evolução de indicadores antropométricos na população de 1974 a 2009. Disponível em: https://abrir.link/BM42w. Acesso em: 15 fev. 2013. LUZ, F. Q; OLIVEIRA, M. S. Terapia cognitivo-comportamental da obesidade: uma revisão da literatura. Aletheia, Canoas , n. 40, p. 159-173, abr. 2013 . Disponível em: https://abrir.link/7khsz. Acesso: em 18 ago. 2022. MALHEIROS, C. A.; FREITAS, J.; WILSON, R. Obesidade no Brasil e no Mundo. In: GARRIDO JÚNIOR, A. B. Cirurgia da Obesidade. São Paulo: Atheneu, 2006. MANCINI, H. C. Noções Fundamentais: diagnóstico e classificação da obesidade. In: GARRIDO JÚNIOR, A. B. Cirurgia da obesidade. São Paulo: Atheneu, 2002. p.1-7. MATIAS, C. T.; FIORE, E. G. Mudanças no comportamento alimentar de estudantes do curso de nutrição em uma instituição particular de ensino superior. Revista Nutrire, v. 35, n. 2, p. 53-66. 2010. Disponível em: https://abrir.link/PC3DP. Acesso em: 9 ago. 2022. NI MHURCHU, C. et al. Applying The stages-of-change model to dietary change. Nutrition Reviews. v. 55, n. 1, p. 10-16, jan. 1997. NUNES, M. A.; ABUCHAIM, A. L. Abordagens Psicoterápicas nos Transtornos Alimentares. In: CORDIOLI, A. Psicoterapias: abordagens atuais. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008. PACHECO, S. S. M. O hábito alimentar enquanto um comportamento culturalmente produzido. In: FREITAS, M. C. S.; FONTES, G. A. V.; OLIVEIRA, N. (Org.). Escritas e Narrativas sobre Alimentação e Cultura. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 217-238. PHILIPPI, S.T et al. Pirâmide alimentar adaptada: guia para escolhas de alimentos. Revista de Nutrição [online], v. 12, n. 1, pp. 65-80. 1999. Disponível em: https://abrir.link/P0f7R. Acesso em: 9 ago. 2022. PITA, A. M. C. S. Atuação do nutricionista em saúde pública na promoção da alimentação saudável. Dissertação. Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. POULAIN, J. P.; PROENÇA, R. P. C; DIEZ-GARCIA, R. W. Diagnóstico das práticas e comportamento alimentares: aspectos metodológicos. In: DIEZ-GARCIA, R. W; CERVATO-MANCUSO, A. M. Mudanças alimentares e educação nutricional. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. p. 149-163. 13 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 http://dx.doi.org/10.1046/j.1365-2737.2000.00151.x https://abrir.link/t1BeW http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza. https://abrir.link/BM42w https://abrir.link/7khsz http://sban.cloudpainel.com.br/files/revistas_publicacoes/284.pdf https://abrir.link/PC3DP https://doi.org/10.1590/S1415-52731999000100006 https://abrir.link/P0f7R PROCHASKA, J. O.; DICLEMENTE, C. C.; NORCROSS, J. C. In search of how people change: applications to addictive behaviors. American Psychologist, [S.L.], v. 47, n. 9, p. 1102-1114, 1992. Disponível em: https://abrir.link/T63xi. Acesso em: 9 ago. 2022. PROCHASKA, J. O.; VELICER, W. F. The transtheoretical model of health behavior change. American journal of health promotion, v. 12, n. 1, p. 38-48, set./out. 1997. PROENÇA, R. P. C. Alimentação e globalização: algumas reflexões. Cienc. Cult., São Paulo, v. 62, n. 4, p. 43-47, Out. 2010. Disponível em: https://abrir.link/Yk7aD. Acesso em: 9 ago. 2022. RODRIGUES, V.M.; FIATES, G.M.R. Hábitos alimentares e comportamento de consumo infantil: influência da renda familiar e do hábito de assistir à televisão. Revista de Nutrição [online], v. 25, n. 3, p. 353-362. 2012. Disponível em: https://abrir.link/XnBA9. Acesso em: 9 ago. 2022. TEUFEL, M. et al. Psychotherapy and obesity: strategies, challenges and possibilities. Der Nervenartz, v. 82, n. 9, p. 1133-1139, 2011. TORAL N. Estágios de mudanças do comportamento e sua relação com o consumo alimentar de adolescentes. Dissertação. (Programa de pós-graduação em Saúde Pública). Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. TORAL, N.; SLATER, B. Abordagem do modelo transteórico no comportamento alimentar. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 6, p. 1641-1650, dez. 2007. Disponível em: https://abrir.link/odZ1J.Acesso em: 9 ago. 2022. VAZ, D. S. S.; BENNEMANN, R. M. Comportamento alimentar e hábito alimentar: uma revisão. Uningá Review, [S. l.], v. 20, n. 1, 2014. Disponível em: https://abrir.link/ykQ1o. Acesso em: 9 ago. 2022. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. The 10 leading causes of death in the world, 2000 and 2012. 2012. Disponível em: https://abrir.link/CpmfS. Acesso em: 9 ago. 2022. 14 L ic en se d t o N at ál ia d e O liv ei ra K u h n - p si co n at al ia k@ g m ai l.c o m - 0 36 .5 82 .4 20 -8 6 https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/1329589/ https://abrir.link/T63xi http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252010000400014&lng=en&nrm=iso https://abrir.link/Yk7aD https://abrir.link/XnBA9 https://abrir.link/odZ1J https://abrir.link/ykQ1o http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs310/en/ https://abrir.link/CpmfS
Compartilhar