Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
47 VO LU M E 2 L IN G UA G EN S, C Ó D IG O S e su as te cn ol og ia s Lindoia, José Medeiros Canto IV - Morte de Lindoia Entram enfim na mais remota e interna Parte de antigo bosque, escuro e negro, Onde ao pé de uma lapa cavernosa Cobre uma rouca fonte, que murmura, Curva latada de jasmins e rosas. Este lugar delicioso e triste, Cansada de viver, tinha escolhido Para morrer a mísera Lindóia. Lá reclinada, como que dormia, Na branda relva e nas mimosas flores, Tinha a face na mão e a mão no tronco De um fúnebre cipreste, que espalhava Melancólica sombra. Mais de perto Descobrem que se enrola no seu corpo Verde serpente, e lhe passeia, e cinge Pescoço e braços, e lhe lambe o seio. Porém o destro Caitutu, que treme Do perigo da irmã, sem mais demora Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes (...) (...) Soltar o tiro, e vacilou três vezes Entre a ira e o temor. Enfim sacode O arco e faz voar a aguda seta, Que toca o peito de Lindoia, e fere A serpente na testa, e a boca e os dentes Deixou cravados no vizinho tronco. Açouta o campo côa ligeira cauda O irado monstro, e em tortuosos giros Se enrosca no cipreste, e verte envolto Em negro sangue o lívido veneno. Leva nos braços a infeliz Lindoia O desgraçado irmão, que ao despertá-la Conhece, com que dor! no frio rosto Os sinais do veneno, e vê ferido Pelo dente sutil o brando peito. Os olhos, em que Amor reinava, um dia. Cheios de morte; e muda aquela língua Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes Contou a larga história de seus males. Nos olhos Caitutu não sofre o pranto, E rompe em profundíssimos suspiros, Lendo na testa da fronteira gruta De sua mão já trêmula gravado O alheio crime e a voluntária morte. E por todas as partes respeito O suspirado nome de Cacambo. Inda conserva o pálido semblante Um não sei quê de magoado e triste. Que os corações mais duros enternece. Tanto era bela no seu rosto a morte! in: cÂndido, antonio; castello, josé a. ob. cit., p. 150-151, v.1 4.2. Santa Rita Durão O frei Santa Rita Durão (1722-1784) nasceu em Mariana, Minas Gerais. Como Basílio da Gama, estudou no colégio dos jesuítas e completou seus estudos em Portugal. Lá, in- gressou na vida religiosa e tornou-se professor de Teologia. Afirmando que a razão do poema Caramuru era “o amor à pátria”, Santa Rita, embora tenha passado a maior parte de sua vida em Portugal, confirma a tendência nativista de seu poema. Aspectos Gerais de Caramuru § Temática: discorre sobre as aventuras de um náufrago chamado Diogo Álvares Correia, o Caramuru. As aventu- ras tem um tom histórico, mas a maior parte é lendário, conferindo uma espécie de mitologia para a narrativa. § Estrutura: são dez cantos, com estrofes em oitava-ri- ma, versos decassílabos e estrutura convencional. Como em Camões, recorre às mitologias cristã e pagã – repre- sentada por deuses indígenas, em vez de deuses greco- -latinos. § Resumo: após naufragar, Diogo é recolhido por indí- genas que, ao verem-no disparar uma arma de fogo, o entendem como homem-fogo. Passa, então, a ser tido como um deus entre os demais, vive na terra brasileira com eles até que um navio português passa e ele vai embora levando uma esposa. Trecho Os chefes indígenas oferecem as filhas a Diogo Álvares para se honrarem com seu parentesco. O lusitano aceita o paren- tesco, mas não as donzelas, por fidelidade a Paraguaçu. To- mado por saudades da Europa, embarca numa nau francesa. Moema, uma Índia apaixonada pelo português, desesperada de ver partir com Paraguaçu, tenta acompanhá-lo, nadando. – “Bárbaro (a bela diz) tigre e não homem... Porém o tigre, por cruel que brame, Acha forças amor, que enfim o domem; (...) (...) Só a ti não domou, por mais que eu te ame. Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem, Como não consumis aquele infame? Mas pagar tanto amor com tédio e asco... Ah! Que corisco és tu... raio... penhasco! Tão jura ingratidão menos sentira E esse fado cruel doce me fora. Se o meu despeito triunfar não vira Essa indígena, essa infame, essa traidora. Por serva, por escrava, te seguira. Se não temera de chamar senhora A vil Paraguaçu, que, sem que o creia, Sobre ser-me inferior, é néscia e feia. Enfim, tens coração de ver-me aflita, Flutuar, moribunda, entre estas ondas; Nem o passado amor teu peito incita 48 VO LU M E 2 L IN G UA G EN S, C Ó D IG O S e su as te cn ol og ia s A um ai somente, com que aos meus respondas. Bárbaro, se esta fé teu peito irrita, (Disse, vendo-o fugir) ah! Não te escondas Dispara sobre mim teu cruel raio...” E indo a dizer o mais, cai num desmaio. Perde o lume dos olhos, pasma e treme, Pálida a cor, o aspecto moribundo; Com mão já sem vigor, soltando o leme, Entre as salsas escumas desce ao fundo. Mas na onda do mar, que, irado, freme, Tornando a aparecer desde o profundo, – Ah! Diogo cruel! – disse com mágoa, – e sem mais vista ser, sorveu-se na água.” in: cidade, heRnÂni. santa Rita duRão. Rio de janeiRo: aGiR, 1957. p. 87-88. 4.3. Alvarenga Peixoto Autor de poemas líricos e laudatórios – em homenagem a alguém –, estes talvez sejam o melhor da produção de Alvarenga Peixoto (1749-1818). Veiculam ideias filosóficas e políticas em discussão na época. Abordou o pombalismo, a exploração colonialista, o nativo, a paz, a importância do saber e da razão. Ode ao marquês de Pombal Não os heróis, que o gume ensanguentado da cortadora espada, em alto pelo mundo levantado, trazem por estandarte dos furores de Marte; Ensanguentados rios, quantas vezes vistes os férteis vales semeados de laças e de arneses? Que importam os exércitos armados, no campo com respeito conservados, se lá do gabinete a guerra fazes e a teu arbítrio dás o tom às pazes? que, sendo por mão destra manejada, a política vence mais que a espada. Que importam tribunais e magistrados, asilos da inocência, se pudessem temer-se declarados patronos da insolência? De que servirão tantas tão saudáveis leis, sábias e santas, se, em vez de executadas, forem por mãos sacrílegas frustradas? Mas vives tu, que para o bem do mundo sobre tudo vigias, cansado teu espírito profundo, as noites e os dias. Ah! quantas vezes, sem descanso uma hora, vês recostar-se o sol, erguer-se a aurora, enquanto volves com cansado estudo as leis e a guerra, e o negócio, e tudo? Vale mais do que um reino um tal vassalo: graças ao grande rei que soube achá-lo. candido, antonio; castello, josé a. ob. cit., p. 172-174. 4.4. Silva Alvarenga Silva Alvarenga (1749-1814), autor de Glaura, destacou-se pelo cultivo de rondós e madrigais em que há forte musi- calidade e elementos da fauna e flora nacionais: beija-flor, pomba, cobra, onça, mangueiras, cajueiros, jambeiros. Em razão desses traços, sua poesia é considerada nativista com fortes indícios de transição para o Romantismo. O beija-flor Deixo, ó Glaura, a triste lida Submergida em doce calma; E a minha alma ao bem se entrega, Que lhe nega o teu rigor. Neste bosque alegre e rindo Sou amante afortunado, E desejo ser mudado No mais lindo Beija-flor. Todo o corpo num instante Se atenua, exala e perde: É já de oiro, prata e verde A brilhante e nova cor. Deixo, ó Glaura, a triste lida Submergida em doce calma; E a minha alma ao bem se entrega, Que lhe negar o teu vigor. Vejo as penas e a figura, Provo as asas, dando giros; Acompanham-me os suspiros, e a ternura do Pastor. E num voo feliz ave Chego intrépido até onde Riso e pérolas esconde O suave e puro Amor. Deixou, ó Glaura, a triste lida Submergida em doce calma; E a minha alma ao bem se entrega, Que lhe nega o teu rigor. Toco o néctar preciso, Que a mortais não se permite; É o insulto sem limite, Mas ditoso o meu ardor; Já me chamas atrevido, Já me prendes no regaço; Não me assusta o terno laço, É fingido o meu temor. Deixo, ó Glaura, a triste lida Submergida em doce calma; E a minha alma ao bem se entrega, Que lhe nega o teu rigor. Se disfarças os meus erros, E me soltas por piedade; Não estimo a liberdade, Busco os ferros por favor. Não me julgues inocente, Nem abrandes meu castigo;Que sou bárbaro inimigo, Insolente e roubador. Deixo, ó Glaura, a triste lida Submergida em doce alma; E a minha alma bem se entrega, Que lhe nega o teu rigor. candido, antonio; castello, josé a. ob. cit., p. 179-180.
Compartilhar