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Controle social penal e estado democrático de direito

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21/03/2024, 01:36 Controle social penal e estado democrático de direito
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/01208/index.html# 1/62
Controle social
penal e estado
democrático
de direito
Prof. Fabrício Veiga Costa
Descrição
Relação entre as missões e a seletividade normativa do direito penal
com a legitimidade do poder punitivo do Estado. Características e
análise comparativa do processo penal inquisitivo e acusatório.
Garantias constitucionais e processuais penais do acusado no Estado
democrático de direito. Leis penais simbólicas e os desafios quanto a
sua efetividade normativa.
Propósito
Analisar criticamente como o controle social penal no Estado
democrático de direito permite tratar adequadamente as garantias
constitucionais do acusado, os desafios da efetividade normativa das
leis penais simbólicas, bem como o papel e a missão do direito diante
do poder punitivo do Estado.
Preparação
Tenha em mãos o Código Penal brasileiro vigente (Decreto-lei nº 2.848,
de 7 de dezembro de 1940), o Código de Processo Penal (Decreto-lei nº
3.689, de 3 de outubro de 1941) e a Constituição brasileira de 1988,
legislações disponíveis no Portal de Legislação do Planalto.
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Objetivos
Módulo 1
A seletividade do direito penal
Relacionar as missões e a seletividade do direito penal com o poder
punitivo do Estado.
Módulo 2
Os sistemas processuais penais
Comparar os sistemas processuais penais.
Módulo 3
As leis penais simbólicas
Descrever as leis penais simbólicas.
Introdução
Neste material, você estudará os fundamentos teóricos e
conceituais que permitem o entendimento da missão, do papel,
da proposta e dos parâmetros críticos e constitucionais do direito
penal. Discutiremos se essa área da ciência do direito pode ser
considerada um instrumento de seletividade e controle social,

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fortalecendo o poder do Estado em detrimento da segregação e
marginalidade dos indivíduos. Você também analisará
criticamente a criminalização da homossexualidade como
ferramenta hábil a demonstrar o intervencionismo estatal na
criação de tipos penais, que objetivam fortalecer as estruturas
sociais de discriminação sexual, preconceito e marginalização de
homens e mulheres homossexuais.
Vamos verificar que o estudo comparativo dos sistemas
processuais penais, inquisitivo e acusatório demonstra que o
direito penal e o processo penal não podem ser vistos como
ferramentas de etiquetação de condutas que visam fortalecer a
segregação, a desigualdade, a marginalização e a exclusão de
pessoas. Por isso, veremos os princípios constitucionais da
presunção de inocência, do contraditório, da ampla defesa, do
devido processo legal, da individualização da pena e da
inadmissibilidade de provas ilícitas no entendimento crítico do
processo penal democrático, caracterizado pela ampla
dialogicidade das questões controversas, exaltando o dever do
poder estatal desconstituir o estado de inocência assegurado
constitucionalmente como critério da dignidade humana.
Ao final, vamos estudar as leis penais simbólicas, destacando os
desafios da sua efetividade normativa, além de evidenciar a
falência nas propostas legislativas que apresentam objetivos
quase sempre inalcançáveis, como é o caso da Lei Maria da
Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006).
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1 - A seletividade do direito penal
Ao �nal deste módulo, você será capaz de relacionar as missões e a
seletividade do direito penal com o poder punitivo do Estado.
Direito penal e o princípio
da legalidade
O direito penal é um ramo do direito público que pretende sistematizar
normas jurídicas que possuem o objetivo de tipificar condutas
consideradas penalmente relevantes, bem como suas sanções
correspondentes — penas e medidas de segurança. O Código Penal
brasileiro trouxe expressamente, em seu art. 1º, a literalidade de que não
há crime sem lei anterior que o defina, assim como não há pena sem
prévia cominação legal; esse mesmo conteúdo normativo-legal também
está estampado no inciso XXXIX, do art.º 5 da Constituição brasileira de
1988.
Assim, o princípio da legalidade é o fundamento
regente para a definição de quais condutas serão
consideradas crimes pelo Estado. Ou seja, tipificar uma
conduta se equipara à lógica da etiquetação estatal de
pessoas criminosas e comportamentos eleitos pelo
Estado como crime, sendo para isso necessário que o
legislador defina previamente quais são essas
questões estatais consideradas penalmente
relevantes.
Na realidade, a lei que institui o crime e sua respectiva pena deverá ser
anterior ao fato que se pretende punir, condição fundamental para
proteger a dignidade dos cidadãos. Estes não poderão ser
surpreendidos com proposições normativas que antes não eram
condutas ou ilícito penais, mas repentinamente se tornaram crimes.
Essa previsão legal do que se entende e define como crime é, além de
uma garantia que prima pela segurança jurídica, uma forma de
assegurar a todas as pessoas condições de se planejarem, no sentido
de agirem nos moldes das disposições expressamente previstas no
plano legislativo.
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O direito de o Estado punir penalmente uma pessoa, por determinada
conduta por ela praticada, exige obrigatoriamente a observância do
princípio da legalidade. O Estado tem o dever de vincular todas as
atividades de seus agentes aos ditames legais e o direito penal “impõe a
observância da estrita legalidade para a definição dos crimes e
aplicação das penas” (GALVÃO, 2011, p. 110); uma vez que “a vinculação
da atividade repressiva do Estado aos limites previamente estabelecidos
por lei constitui verdadeiro instrumento de contenção da tirania e do
despotismo” (GALVÃO, 2011, p. 110).
A tipicidade penal é um princípio que estabelece o dever de o legislador
descrever, minuciosamente e de forma prévia, quais são as condutas
humanas consideradas ilícitas e relevantes sob a perspectiva penal. Se
o Estado possui o interesse em punir e criminalizar determinada atitude,
primeiro deverá descrevê-la de forma clara, pontual, objetiva e
sistematizada, uma vez que isso é o que preveem os princípios da
legalidade e taxatividade. A legalidade é, assim, uma das mais
importantes conquistas do direito penal moderno.
Esse postulado trouxe, ainda, o debate e a importância de
sistematização jurídico-legal da anterioridade penal como requisito para
a punição de atitudes consideradas penalmente relevantes, a destacar:
A adequação de uma determinada conduta ao tipo penal exige
do aplicador do direito uma interpretação literal e restritiva: não
poderá o magistrado ou o órgão acusador interpretar de forma
analógica, ampla, valorativa ou metajurídica determinado
comportamento objetivando incriminar e punir penalmente seu
agente.
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Toda pessoa tem constitucionalmente assegurado o estado de
inocência, cabendo ao Estado desconstituir essa presunção de
inocência apenas quando a conduta humana se enquadrar,
literalmente, ao conteúdo descrito na lei como crime.
Havendo qualquer possibilidade de o Estado agir fora dos
limites estabelecidos pela lei, tal ação será reprimida pelo
direito penal; uma vez que o princípio da legalidade (reserva
legal), juntamente com a anterioridade penal, tipicidade penal,
segurança jurídica e dignidade humana, trouxeram maior
segurançae estabilidade jurídica aos cidadãos.
O Estado tem o dever de vincular todas as atividades de seus agentes
aos ditames legais e o direito penal:
[...] impõe a
observância da estrita
legalidade para a
de�nição dos crimes e
aplicação das penas
[uma vez que] a
vinculação da
atividade repressiva
do Estado aos limites
previamente
estabelecidos por lei
constitui verdadeiro
instrumento de
contenção da tirania e
do despotismo.
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(GALVÃO, 2011, p. 110)
Mas qual é a finalidade e a missão do direito penal no Estado moderno
de direito?
Vejamos na sequência!
Estado moderno
É possível considerar a modernidade o período histórico que se inicia no
século XVII, após o absolutismo monárquico, e que se estende até a
primeira metade do século XX.
Finalidade e missão do
direito penal
Originariamente, esse ramo da ciência do direito deixou claro seu
propósito de fortalecer o exercício legítimo do poder estatal, além de ser
instrumento de controle social.
Pois, no momento em que o Estado etiqueta e estabelece previamente
quais são as condutas humanas reprimidas penalmente e consideradas
crimes, deixa claro o seu interesse e legitimidade jurídica quanto à
punição dos sujeitos que violarem de forma dolosa ou culposa tais
determinações legais.
Por isso, o Estado foi colocado “à frente de um fenômeno originado pelo
desrespeito de alguns cidadãos aos direitos e garantias individuais de
outros, na medida em que bens jurídicos tutelados por escolhas da
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sociedade, através de seus legítimos representantes, eram ofendidos e
necessitavam de proteção” (ANDREUCCI, 2008, p. 3).
Nesse cenário sociojurídico, o Estado passou a utilizar o direito penal
como instrumento institucionalizado de controle social, deixando claro
o poder estatal de punir mediante previsões legais estabelecidas no
ordenamento jurídico brasileiro. A principal máxima utilizada pelo
Estado para justificar sua atuação punitiva é que:
[...] os bens protegidos
pelo Direito Penal não
interessam ao
indivíduo,
exclusivamente, mas à
coletividade como um
todo [pois] a relação
existente entre o autor
de um crime e a
vítima é de natureza
secundária, uma vez
que esta não tem o
direito de punir.
(BITENCOURT, 2002, p. 4)
A lógica jurídica estabelecida é que o poder punitivo do Estado tem as
seguintes vertentes:
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Retribuir ao agente a conduta ilícita por ele praticada, objetivando
sua ressocialização e mudança de postura diante do contexto
individual e coletivo.
Reforçar a legitimidade em proteger a coletividade mediante a
demonstração simbólica de segurança social.
A partir dessas premissas, fica bastante clara a missão inicial do direito
penal na modernidade:
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Punir agentes que praticam condutas
tipicamente consideradas crimes pela norma
legal, além do interesse de prevenir e
desestimular a sociedade civil em geral
quanto à prática dessas atitudes.
A retribuição justa ao agente — autor de um crime — está entre essas
missões do direito penal trazidas pela modernidade, pois sua tarefa
seria a “proteção dos elementares valores ético-sociais da ação e só por
extensão a proteção de bens jurídicos” (TOLEDO, 1994, p. 7). Na
realidade, a principal missão do direito penal com o advento da
modernidade foi fortalecer o poder do Estado, legitimando legalmente a
aplicação de penas a sujeitos que transgridam a norma penal, como
mecanismo simbólico de proteção da sociedade civil.
Protesto pela morte da vereadora Marielle Franco, que atuava fortemente nas causas de direitos
humanos e fim do racismo.
A missão do direito penal, nessa perspectiva teórica, é o controle social.
Acredita-se que a norma jurídica em si mesma, especialmente se vier
acompanhada de penas severas, é capaz por si só de desestimular o
agente à prática de ilícitos.
Na perspectiva trazida pela modernidade, no momento em que o Estado
pune alguém que comete um ilícito penal, estaria desestimulando outros
sujeitos a praticarem a mesma conduta, como se fosse uma lógica
matemática e quantitativa.
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A revisitação das respectivas premissas teóricas na sociedade
democrática é de fundamental importância para o entendimento crítico
sobre a própria missão democrata-constitucional do direito penal. A
norma jurídico-legal, na sua específica literalidade, não tem o condão de
desestimular de forma automática e vegetativa os seus destinatários de
deixarem de praticar determinada conduta reprimida penalmente.
Comentário
Se essa lógica fosse verdadeiramente real, seria apenas criar um amplo
arcabouço normativo, com penas severas e densas, o que seria
suficiente para garantir à sociedade civil sua ampla e integral proteção.
Vejamos agora a missão efetiva do direito penal no Estado democrático
de direito.
Plenário do Senado.
A democraticidade da atuação do Estado exige inicialmente que os
destinatários dos provimentos estatais tenham a oportunidade de
participar discursivamente de sua construção. Se determinada norma
jurídica é pensada para reprimir condutas, consideradas penalmente
relevantes, é importante que seus receptores participem dialogicamente
de sua construção e aplicabilidade, para que consigam enxergar e
dimensionar a importância desse conteúdo normativo, tanto na esfera
coletiva quanto na individual.
No momento em que o Estado constrói e elabora unilateralmente uma
lei penal, sem se preocupar em construir um debate, faz com que os
destinatários não se sintam partes integrantes e pertencentes à norma.
Quando isso acontece, a consequência automática é um déficit de
efetividade normativa, ou seja, se o receptor da norma não participou do
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debate construído no processo legislativo que culminou com sua
aprovação, qual é o sentido de visualizar a importância no que tange à
aderência ao conteúdo dessa norma? Se é incapaz de compreender a
sua importância jurídico-social, qual é o sentido de apoiar o seu
conteúdo?
Marcha pela democracia em São Paulo.
Um exemplo que ilustra bem o fato de que a norma jurídico-penal em si
seja incapaz de modificar estruturalmente a realidade social é a Lei
Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Se qualquer destinatário de uma
norma penal não consegue compreender a dimensão do seu conteúdo
simbólico, fica consequentemente comprometido o seu efetivo
propósito, que é reprimir e desestimular o agente de praticar a conduta
penalmente reprovada pelo Estado.
Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006)
Aprovada originariamente para coibir atos de violência doméstica, essa
norma objetiva punir o agente (homem) que pratica violência doméstica
contra a mulher (violência psicológica, moral, física e sexual).
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Maria da Penha, líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres.
Antes de o Estado aprovar uma norma penal repressora e punitiva, é
importante diagnosticar as razões e motivos que levam as pessoas a
praticarem determinadas condutas reprovadas penalmente, o que é
objeto da criminologia.
Quando se realiza um estudo preliminar das causas que levam à
delinquência,consegue-se diagnosticar outras estratégias interventivas,
que vão além da lei penal, no sentido de prevenir a prática de condutas
delituosas e lesivas aos interesses individuais e sociais.
Criminologia
A criminologia é uma ciência cuja “principal atividade centra-se no estudo
das causas do delito, ou seja, em explicá-lo – a perspectiva etiológica”
(SANTOS, 2020, p. 71). “Através de várias teorias se busca tentar entender
por que as pessoas acabam cometendo os crimes e qual o motivo que na
sociedade esses delitos ocorrem” (SANTOS, 2020, p. 71). A criminologia
crítica cumpre seu papel “retendo como material de interesse para o Direito
Penal apenas o que efetivamente mereça punição reclamada pelo
consenso social, e denunciando todos os expedientes destinados a
incriminar condutas que, apenas por serem contrárias aos interesses dos
poderosos do momento, política ou economicamente, venham a ser
transformadas em crime” (MIRABETE, 1998, p. 30). “A criminologia
moderna também se ocupa atualmente com as causas do fenômeno
É preciso deixar de enxergar o delinquente como um inimigo do Estado
e da sociedade civil, procurando-se entender a dimensão em que ele se
encontra inserido para, assim, compreender sistematicamente as razões
que o levam à prática delituosa. Nesse sentido, destaca-se o princípio
da intervenção mínima ou da última ratio, que implica a intervenção do
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direito penal restrita “ao mínimo necessário à manutenção da harmonia
social”(GALVÃO, 2011, p. 116).
A força punitiva de intervenção do Estado na esfera penal deve ser bem
orientada, pelo seguinte motivo:
A incriminação só se
justi�ca diante de
ataque a bem jurídico
considerado relevante,
e a apenação, além de
ser proporcional ao
dano social produzido,
deve ser a mínima
necessária à
realização dos �ns de
proteção almejados.
(GALVÃO, 2011, p. 117)
A intervenção mínima do Estado quanto à tipificação penal deixa claro
que o direito penal deve ser utilizado como instrumento subsidiário —
não principal — de controle social.
A criminalização somente se justifica democraticamente quando as
instituições — sociedade, Estado, família — comprovadamente
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demonstram sua insuficiente atuação no sentido de prevenir
comportamentos delituosos, não restando outra alternativa ao Estado a
não ser a incriminação dessas condutas.
A missão do direito penal democrata-constitucional é proteger
amplamente a dignidade humana, seja na esfera individual ou na
coletiva, o que justifica a imprescindibilidade de intervenção estatal
mínima, no que atine à criminalização e punição de pessoas. Antes de
ser instrumento de controle social e fortalecimento do poder punitivo do
Estado, a missão constitucionalizada e democratizante do direito penal
é permitir que cada cidadão seja amplamente protegido em sua
dignidade, quando se encontra diante das arbitrariedades
possivelmente praticadas pelo Estado.
Isso não foi sustentado pelos estudiosos da modernidade que,
contrariamente a essas premissas aqui expostas, defenderam a
aplicabilidade do principio do direito penal máximo. Os defensores deste
preceito insistem na ideia de eleger o criminoso como um inimigo do
Estado, em vez de procurar entender as razões que levam ao aumento
constante e significativo dos números da criminalidade no Brasil.
Mas quais seriam as razões para o constante crescimento da
criminalidade no Brasil? É o que entenderemos a seguir.
Fatores para o crescimento
de atos criminosos na
sociedade brasileira
São inúmeras as razões que explicam, na prática, o crescimento de atos
criminosos no Brasil. O déficit de eticidade e alteridade (valorização do
outro), o crescente abismo social, além de aspectos morais, sociais e
religiosos, são alguns fatores que podem elucidar inicialmente a
questão.
O comportamento tipicamente individual e patrimonialista de muitos
sujeitos, além da incapacidade de conseguir se colocar no lugar do
outro (ausência de alteridade), influencia de forma direta na prática de
alguns ilícitos penais, como os crimes contra o patrimônio (tais como
furto, roubo e estelionato) e contra administração pública (peculato,
concussão, corrupção ativa e passiva, prevaricação).
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A desigualdade social e o grande número de pessoas vivendo ou
sobrevivendo abaixo da linha da pobreza, desempregadas e sem acesso
a direitos fundamentais básicos, também contribuem significativamente
para a prática de ilícitos penais, como é o caso do crime de tráfico de
drogas.
Razões morais explicam, por exemplo, a prática de crimes contra a
dignidade sexual (estupro de vulnerável), homicídios (feminicídio, ou
seja, reflexo do machismo estrutural), ressaltando-se que a dominação
masculina se reflete de forma direta em muitos crimes contra mulheres,
assim como há o interesse do Estado em criminalizar a sexualidade, ao
penalizar atos praticados contra a integridade sexual da vítima.
Re�exão
Mas será que essa atuação punitiva do Estado, no sentido de penalizar
essas e diversas outras condutas, assegura a modificação de estruturas
sociais que explicam muitos desses comportamentos?
Atuação punitiva do Estado
O direito penal é uma ciência normativa que institui como crime
condutas consideradas, em princípio, anormais no campo social. Em
contrapartida, a criminologia considera o crime (conduta típica,
antijurídica e culpável) um problema social, um fenômeno comunitário,
que possui quatro componentes:
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A criação de um tipo penal deve ser reflexo de uma decisão
amadurecida do Estado, após análise cuidadosa dos critérios aqui
expostos. O crime não pode ser visto como um instrumento normativo-
legal por meio do qual o Estado institucionaliza uma guerra contra quem
é por ele declarado como inimigo (criminoso ou delinquente).
Comentário
Definitivamente, essa não pode ser a missão do direito penal:
criminalizar condutas com o propósito de objetificar sujeitos,
 Incidência massiva na população
Não se pode tipificar como crime um fato isolado.
 Incidência a�itiva do fato
praticado
O crime deve causar dor à vítima e à comunidade.
 Persistência espaço-temporal do
fato delituoso
É preciso que o delito ocorra reiteradamente por um
período significativo de tempo no mesmo território.
 Consenso inequívoco acerca de
sua etiologia e técnicas de
intervenção e�cazes
A criminalização de condutas depende de uma
análise minuciosa desses elementos e sua
repercussão na sociedade.
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fortalecendo a marginalidade e a exclusão reproduzida naturalmente
pela sociedade civil.
Na perspectiva da Constituição de 1988, o direito penal tem a missão de
reprimir condutas comprovadamente danosas à coletividade, quando
não restar outra alternativa a não ser punir o agente mediante a
intervenção da norma jurídica. Ou seja, seguindo-se a lógica da
intervenção mínima, apenas quando as demais estruturas sociais
demonstrarem insuficiência em sua atuação, é que se deve criar um tipo
penal.
A missão democrata-constitucional do direito penal é punir o agente
(autor do ilícito penal) de forma a assegurar-lhe, tanto durante o
processo judicial quanto ao longo do cumprimento da pena, a proteção
ampla e efetiva de sua dignidade. Não se pode admitir a atuação
repressiva do Estado na sociedade democrática, ignorando-se os
direitosfundamentais constitucionalmente assegurados a todos os
sujeitos, especialmente àqueles que praticam ilícitos penais.
Sob a perspectiva crítica, qual a utilidade
prática e a importância teórica do direito
penal para o Estado?
Por meio da criação de figuras típicas (crimes), o Estado fortaleceu seu
poder na modernidade, explicitando sua autoridade de punir pessoas
que praticavam condutas por ele consideradas ilícitos penais. Além
disso, o direito penal era visto como um instrumento estatal para
marginalizar pessoas, tornar formalmente invisíveis aqueles sujeitos que
já o são socialmente.
É o caso do jovem negro e periférico, peça fundamental para o tráfico de
drogas, que se desenvolve naturalmente sob os olhos do Estado, sem
que este implemente políticas públicas de repressão efetiva ao negócio
de substâncias entorpecentes ilícitas. Em vez disso, o que o Estado faz?
Criminaliza a conduta do jovem negro periférico, objetificando-o e
reforçando a ação das estruturas sociais que naturalizam sua exclusão
e marginalidade.
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Protesto contra operação policial.
Agindo dessa forma, o Estado simbolicamente oferece à sociedade civil
— composta pelos ditos sujeitos de “bem” — uma situação de aparente
conforto e segurança jurídica, sem atacar o problema central que
permeia a respectiva temática: o combate ao tráfico de drogas
mediante o planejamento e a execução de políticas públicas. Estas
deveriam objetivar a geração de empregos, a punição dos chefes do
tráfico de drogas e o oferecimento de condições dignas para o jovem
negro periférico — emprego, educação, moradia.
No momento em que o Estado opta pela punição do jovem negro
periférico, em razão de seu envolvimento com o tráfico de drogas, deixa
claro que a missão do direito penal é meramente punitiva,
segregacionista e marginalizadora, contrariando os ditames
constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Em contrapartida,
no Estado democrático de direito, a missão do direito penal deve ir
muito além do seu caráter condenatório, de controle social e exercício
autocrático do poder punitivo estatal.
A missão democrática da norma penal deve ser
excepcionalmente punir o sujeito (intervenção
mínima), ressaltando-se que a tipificação de condutas
como ilícitos penais deve ser a última ratio, apenas
quando comprovada a insuficiência das demais
estruturas sociais (sociedade, família, Estado) em
garantir a dignidade, a inclusão e a igualdade,
especialmente das pessoas em absoluta condição de
vulnerabilidade social.
21/03/2024, 01:36 Controle social penal e estado democrático de direito
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/01208/index.html# 20/62
A missão do direito penal brasileiro não pode ser o encarceramento em
massa, mediante a criminalização da pobreza, com a punição
massificada e institucionalizada daqueles sujeitos categorizados
legalmente como os inimigos do Estado.
Mas quem seriam os inimigos do Estado? Vamos conhecê-los.
Missão do direito penal
Proteção da dignidade humana no tratamento igual das pessoas, mediante
a intervenção mínima do Estado na criminalização e na penalização de
condutas.
Os inimigos do Estado
Antes de identificar os efetivos inimigos do Estado, no campo penal, é
importante compreender o instituto do lawfare. O modelo do lawfare
contraria as premissas democráticas do processo penal e direito penal
constitucionalizado, que se fundem na presunção da inocência, além de
assegurarem amplamente aos sujeitos o direito de se defenderem,
mediante a implementação e a efetividade dos princípios
constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo
legal.
Políticos, traficantes de drogas, pedófilos, policiais, além dos sujeitos
negros e pardos de periferia, são considerados os inimigos legais do
Estado brasileiro. Quando essas pessoas são denunciadas pelo
Ministério Público, passam a conviver com o calvário da presunção da
culpabilidade, devendo provar perante o Estado a sua condição
constitucional de inocência — que deveria ser presumida. Nesse
contexto, temos decisões judiciais autocráticas, fundadas na
discricionariedade judicial, num modelo hermenêutico com forte carga
axiológica. Isso torna inviável a participação desses sujeitos na
construção discursiva e racional do provimento final de mérito, uma vez
que, quando são processados, assumem a obrigação de desconstituir a
presunção de culpabilidade suportada em razão de serem vistos como
inimigos expressos do Estado.
Quando o Estado legitima aprioristicamente a construção legal de um
inimigo, utilizando-se da norma penal para segregar tal sujeito, assume
um papel inquisidor e autocrático. O direito penal democrático tem a
missão de criminalizar condutas, não pessoas escolhidas previamente
pelo legislador. O direito penal, quando opta pela criminalização de
sujeitos específicos (pedófilos, jovens negros periféricos, políticos,
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policiais), assume uma missão inquisitiva e de certo modo belicosa, que
não se compatibiliza com as diretrizes normativas trazidas pelo texto da
Constituição brasileira de 1988.
Lawfare
O lawfare pode ser definido como “guerra a partir das leis”, haja vista que lei
é vista como mais um desses instrumentos e ferramentas ideologicamente
construídos para atacar aqueles sujeitos considerados inimigos do Estado
ou das instituições que conduzem as diretrizes do sistema jurídico vigente.
O lawfare é uma proposição teórica que possui relação direta com o
modelo de processo penal e direito penal inquisitivo. O Estado se utiliza da
lei como instrumento de guerra, construindo aprioristicamente os sujeitos
que são considerados inimigos do Estado. Trata-se de proposições que
dialogam diretamente com o “direito penal do inimigo”, ressaltando-se que
seu surgimento se deu inicialmente na China, robustecendo-se as
proposições teóricas apresentadas nos Estados Unidos da América,
especialmente após o atentado de 11 de setembro de 2001. A partir desse
Outro ponto importante a ser abordado é o papel higienista assumido
como missão do direito penal moderno. A norma penal é vista como
instrumento de limpeza e higienização social, sendo utilizada como
ferramenta para eliminar, objetificar, marginalizar, segregar e robustecer
a exclusão daqueles “ditos” inimigos do Estado, que já são natural e
socialmente excluídos pelas estruturas de poder vigentes. Quando se
faz essa afirmação, pretende-se demonstrar que, sob a ótica do senso
comum, os problemas sociais existem como um dado da realidade,
como algo natural.
É frequente a reverberação do discurso de que a vida em sociedade é
naturalmente conflituosa por si só, visando justificar a intervenção
normativo-penal, cujo objetivo é regular a própria vida em sociedade. A
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complexidade de fatores que envolvem tal análise é tamanha que nos
leva a afirmar que o problema da criminalidade social não pode ser
reduzido a soluções mágicas propostas pelo direito penal.
Exemplo
A política criminal de combate às drogas, por exemplo, objetiva
criminalizar condutas de agentes que comercializam e consomem
substâncias categorizadas juridicamente como ilícitas, ignorando-se as
razões que explicam a existência de tal fenômeno social.
Quando as estruturas sociais (sociedade, Estado, família, mercado
financeiro e de consumo) naturalizam o consumo de tabaco e bebidas
alcoólicas, responsável pela movimentação direta da economia,
estimula-se consequentemente, de forma indireta, o consumo de outras
substâncias químicas, como cocaína, maconha e drogas sintéticas.
Visando manter seu poder inato,o Estado criminaliza muitas dessas
condutas, categorizando como ilícito o consumo de apenas algumas
substâncias químicas. A partir dessas premissas, aquele que consome
ou comercializa as ditas substâncias entorpecentes ilícitas será punido
criminalmente.
O que se verifica nesse contexto é que o objetivo do
Estado, ao criminalizar o uso e o consumo de drogas
ilícitas, não é especificamente reprimir o comércio
ilegal dessas substâncias, mas sim eleger um inimigo
(traficante ou usuário) como forma de demonstrar seu
poder de controle social.
O problema da criminalização do consumo e do uso de substâncias
proibidas é, além do fortalecimento do poder estatal, a objetificação dos
sujeitos eleitos como pessoas delituosas, justificando a existência e a
atuação do Estado punitivista. A criminalização do consumo e da
comercialização de drogas no Brasil representa uma estratégia de poder
muito articulada e pensada pelo Estado.
Não se pretende, por meio da norma jurídica, reprimir efetivamente o
consumo de substâncias químicas pela sociedade civil. Objetiva-se, na
verdade, o fortalecimento jurídico dos mecanismos de controle social
mediante a solidificação do poder autocrático-inquisitivo do Estado.
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No momento em que o Estado cria legalmente um inimigo, utiliza-se da
norma penal para punir pessoas específicas e institucionaliza um
sistema de seletividade normativo-punitivista, como estratégia
simbólica para responder às demandas de uma sociedade que muitas
vezes busca a vingança, não a aplicabilidade de penas nos moldes
democrata-constitucional e garantista.
Pode o direito penal ser visto como uma estrutura de
dominação e geração de violência praticada e
legitimada pressupostamente pelo próprio Estado?
Tem ficado claro que o direito penal, quando utilizado como mecanismo
punitivista de seleção de condutas e pessoas determinadas, é
considerado uma estratégia que visa fortalecer a atuação do poder
autocrático do Estado. Em vez de ser visto como forma de controle
social, dominação e segregação de pessoas, o direito penal garantista
deve primar pela proteção ampla, efetiva, sistemática e inclusiva das
pessoas, de forma indistinta. Quando o direito penal assume o papel
exclusivamente punitivista, gera violência simbólica contra as pessoas,
especialmente com relação aos sujeitos categorizados como inimigos
ou indignos pelo Estado que, por isso, deverão ser penalizados.
O verdadeiro papel do
direito penal
A partir dos conceitos discutidos neste módulo, vamos agora refletir
com o professor doutor Fabrício Veiga Costa o verdadeiro papel do

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direito penal e suas respectivas premissas.
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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Assinale a alternativa que apresenta uma afirmativa correta a partir
da relação entre os princípios da legalidade e da tipicidade penal e
os propósitos e objetivos do direito penal no Brasil.
A
O direito penal brasileiro autoriza excepcionalmente
a punição de condutas praticadas anteriormente à
tipificação penal prevista em lei.
B
A legalidade é fundamento do princípio da tipicidade
penal, por isso uma conduta somente poderá ser
punida pelo direito se estiver prevista em lei.
C
A tipicidade penal é um princípio que autoriza a
descrição legal de condutas penalmente
reprováveis, ressaltando-se que tais condutas
poderão ser descritas de forma genérica ou
específica.
D
A norma penal que tipifica determinada conduta
poderá ser interpretada de forma restritiva ou
ampliativa pelo magistrado, quando do julgamento
do mérito da pretensão deduzida em juízo.
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Parabéns! A alternativa B está correta.
No ordenamento jurídico brasileiro vigente, somente é punível a
conduta do agente praticada posteriormente à aprovação de uma
lei que tipifique penalmente determinado comportamento, em
homenagem ao princípio da anterioridade penal. O princípio da
legalidade prevê expressamente que toda conduta penalmente
reprimida deve estar previamente tipificada em lei, de forma
específica, não se admitindo interpretação extensiva por parte do
magistrado, quando da aplicação da norma penal incriminadora.
Questão 2
Considerando o instituto do lawfare e a política criminal brasileira
de combate e repressão do uso e da comercialização de drogas no
Brasil, assinale a alternativa correta.
E
Em observância ao princípio da legalidade, a lei
penal, na modalidade estrita, permite a analogia em
in malam partem.
A
A criminalização do uso e da comercialização de
drogas ilícitas no Brasil tem o objetivo específico de
proteger a sociedade civil.
B
A atual política criminal brasileira de combate do
uso e da comercialização de drogas objetiva
especificamente punir penalmente o usuário e o
traficante, considerados inimigos do Estado.
C
O instituto do lawfare tem como propósito
criminalizar o uso e o comércio de drogas no Brasil
para garantir a proteção jurídica da sociedade.
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Parabéns! A alternativa B está correta.
O lawfare é uma proposição teórica utilizada pelo Estado com o
objetivo de penalizar os sujeitos por ele considerados inimigos. O
traficante e os usuários de substâncias entorpecentes ilícitas são
considerados inimigos do Estado e, por esse motivo, suas condutas
são criminalizadas pelo direito penal brasileiro.
2 - Os sistemas processuais penais
Ao �nal deste módulo, você será capaz de comparar os sistemas
processuais penais.
D
O lawfare é um instituto jurídico compatível com o
Estado democrático de direito, pois tem como eixo
central a proteção jurídica da dignidade da pessoa
do usuário e do traficante.
E
As principais características do lawfare são a não
escolha de jurisdição e a observância ao princípio da
igualdade, sendo vedada a criação de tribunais de
exceção, bem como o tratamento desigual entre
réus, independentemente do tipo penal imputado.
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Sistema inquisitivo
O Código de Processo Penal, em sua redação primitiva, adotou o
sistema de processo inquisitivo, fundado na presunção de culpabilidade
do acusado. Uma das principais características do sistema inquisitivo
do processo penal é a desigualdade jurídica em relação ao tratamento
conferido ao acusado. O sujeito acusado de praticar uma determinada
infração penal, na perspectiva inquisitiva, carrega em si a presunção de
culpa — não o estado de inocência ou presunção de não culpabilidade,
tal como proposto pelo texto da Constituição brasileira de 1988.
Perspectiva inquisitiva
Na realidade, o processo inquisitivo pode ser considerado uma antítese do
sistema acusatório, já que não há o contraditório e “as regras da igualdade
e da liberdade processuais” (TOURINHO FILHO, 1998, p. 92).
No modelo inquisitivo de processo penal, fica
claramente comprometida a imparcialidade do
magistrado, pois “é ele quem inicia, de ofício, o
processo, quem recolhe as provas e quem, afinal,
profere a decisão, podendo, no curso do processo,
submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha
das provas: a confissão” (TOURINHO FILHO, 1998, p.
92).
No sistema tipicamente inquisitivo, tanto na fase de investigação quanto
na fase de julgamento e instruçãoprobatória, o acusado é colocado em
posição de absoluta subserviência à autoridade judicial, sendo-lhe
cerceado o direito de defesa em virtude da absoluta concepção teórica
que preconiza a presunção de culpabilidade.
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Embora o Brasil não adote mais o modelo tipicamente inquisitivo de
processo penal, sabe-se que ainda temos vestígios desse modelo no
inquérito policial.
O Brasil adota, na realidade, o sistema misto de processo penal, visto
que ainda possui raízes desse modelo, pois “há uma fase inquisitiva, na
qual se procede a uma investigação preliminar e uma instrução
preparatória, e uma fase final, em que se procede ao julgamento com
todas as garantias do processo acusatório” (CAPEZ, 199, p. 39).
O inquérito policial ainda é considerado um resquício do sistema
inquisitivo. Nele o Estado produz provas unilaterais, que serão utilizadas
na fase processual, ressaltando-se que, no atual ordenamento jurídico
brasileiro, o contraditório é dispensável. Adota-se o entendimento por
meio do qual os defensores do sistema misto sustentam: o
contraditório é dispensável no inquérito policial, porque tal
possibilidade se torna real na fase processual.
A principal crítica realizada a esse modelo de processo penal diz
respeito às provas irrepetíveis produzidas no âmbito do inquérito
policial, sem assegurar ao acusado o direito de defesa, veja:
Inquérito policial
Fase investigativa que antecede a denúncia ou queixa crime.
Exame de corpo de delito 
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O exame de corpo de delito é uma prova técnica e irrepetível
produzida no inquérito policial; na fase processual, mesmo que
seja oportunizado o direito do acusado de se manifestar sobre o
conteúdo da respectiva prova, sabe-se que o contraditório seria
meramente formal, haja vista a impossibilidade de repetir a
produção da prova, outrora gerada autocraticamente e de forma
unilateral na fase investigativa.
Tal possibilidade deixa evidente o cerceamento de defesa e a
desigualdade processual em que o acusado se vê obrigado a
suportar, submetendo-se ao cerceamento de defesa
estruturalmente naturalizado em nosso sistema jurídico. Se a
fase investigativa fosse vista e compreendida como processo
garantista e democrático, seria possível assegurar o direito de
defesa quanto à produção de provas utilizadas, como parâmetro,
para o julgamento do mérito da pretensão deduzida,
especialmente no que tange às provas irrepetíveis.
Sistema acusatório e o
garantismo penal
A Constituição brasileira de 1988 ressignificou a forma de estudar e
entender o processo penal. Inaugurou-se o sistema acusatório fundado
no garantismo penal, visto que o direito de defesa e de produção de
provas deve ser ampla e efetivamente assegurado a todo acusado.
Privilegia-se, dentro dessa lógica, o estado de inocência
constitucionalmente assegurado a todo cidadão, cabendo ao Estado
desconstruir a presunção de não culpabilidade como condição para o
jus puniendi.
Signi�ca dizer que, havendo indícios de
inocência do acusado, deverá o Estado
priorizar a absolvição.
O sistema acusatório possui duas características importantes:
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Separação das funções de acusação e
julgamento
É atribuição do Ministério Público o oferecimento da denúncia,
enquanto é de competência do Poder Judiciário o recebimento
ou não dela.
Imparcialidade do julgador
O julgador deverá ser isento e fundamentar racionalmente suas
decisões a partir das provas produzidas nos autos do
processo. Deverá garantir igualdade de condições ao acusado
e ao órgão acusador no que diz respeito à produção de provas
e ao debate processual dos pontos controversos da demanda.
O sistema acusatório inaugurou estudos sobre o processo penal no
Estado democrático de direito. A teoria do direito democrático é uma
proposição jusfilosófica, que passa pela superação do entendimento
clássico de que a ciência do direito é mero instrumento de controle
social e exercício do poder. Considera-se que essas novas proposições
teóricas são hábeis a legitimar o entendimento de que o processo
constitucional democrático deve ser visto como lugar de inclusão e
implementação dos direitos fundamentais previstos no plano
constitucional e infraconstitucional.
Democratizar o entendimento do direito, a partir das proposições
teóricas trazidas pela visão do processo enquanto lugar de ampla
discursividade racional dos pontos controversos da demanda, constitui
um meio de resistência da autocracia jurisdicional, decorrente do poder
inato e oracular dos julgadores de decidirem, conforme suas percepções
valorativas e sensitivas do caso concreto. O processo constitucional
democrático rompe com a dogmática concepção de que a jurisdição é
um recinto de reprodução vegetativo-sensitiva das percepções
valorativas do julgador diante do caso concreto.
Estado democrático de direito
“O Estado democrático de direito trouxe para o direito processual
substanciais alterações paradigmáticas, especialmente no sentido de
compreender o processo, a jurisdição e a ação sob o enfoque
constitucional” (COSTA, 2012, p. 192). Nesse sentido, “o processo
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democrático tem, assim, no âmbito jurisdicional, a tarefa primordial de
resgatar e oportunizar a discussão de todos os interessados” (PAOLINELLI,
2014, p. 25), haja vista que através dele se garante “a construção de um
espaço procedimentalizado em contraditório, a fim de afastar o
protagonismo e a busca solitária pela aplicação do direito como justiça”
(PAOLINELLI, 2014, p. 25).
Pensar o processo e a jurisdição sob o viés da
democraticidade constitucional é reconhecer que o
julgador não poderá substituir a racionalidade crítica
pelos seus desejos de decidir conforme suas
concepções subjetivas e senso inato de justiça.
A construção do direito democrático pressupõe a ruptura com os
estigmas da autocracia jurisdicional, trazidos por proposições
dogmáticas que priorizam o protagonismo judicial, em detrimento do
debate racional das questões trazidas para o processo. Sempre que o
julgador se utiliza do processo como um espaço para reprodução de
suas percepções sensitivas, fica comprometida a legitimidade
democrática do provimento.
No âmbito da processualidade democrática, deve prevalecer o debate
racional, em detrimento da midiatização de juízes e da
espetacularização da vingança mascarada processualmente.
Quando se afasta a participação dos interessados no debate racional
dos pontos controversos, enaltecendo-se a autoridade do julgador,
mantém-se a dogmática concepção de que o processo ainda continua
sendo um recinto de autocracia, perpetuação do poder, exclusão e
marginalização de pessoas e violação de direitos fundamentais.
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Construir reflexões jurídicas na perspectiva democrática pressupõe,
inicialmente, observar as seguintes premissas:
 Ciência do direito
A ciência do direito é uma proposição que deve ser
vista como um recinto de implementação dos
direitos fundamentais, expressamente previstos no
plano constitucional.
 Participação
A participação do titular dos bens jurídicos da vida
é fundamental na construção dos provimentos
estatais.
 Estado
O Estado deixa de ser soberano e absoluto,
passando a legitimar o diálogo com todos os
titulares dos direitos fundamentais.
 Igualdade
A igualdade material entre os sujeitos de direitoé
fundamental para a superação do modelo histórico-
social, preconizado pelo liberalismo, que prioriza a
proteção dos direitos individuais.
 Diálogo
Toda deliberação coletiva ou individual será
legitimada com a possibilidade de os interessados
t í di i t é it d
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O fenômeno da democratização e constitucionalização do processo
penal busca proteger amplamente o acusado perante o direito do
Estado de puni-lo e, diante desse contexto, a presunção de inocência
tem um papel determinante como princípio informador de todo o
processo penal democrático. O princípio da presunção de inocência
deve ser visto como fundamento regente e informador de todo o modelo
de processo penal democrático e garantista.
O acusado goza constitucionalmente dessa condição, cabendo ao
Estado o dever de desconstituir essa presunção de inocência, mediante
provas suficientemente lícitas e legítimas para tornar viável sua punição.
A presunção de inocência certamente representa uma das mais
importantes conquistas do processo penal garantista e humanizado da
sociedade contemporânea, tendo em conta que o acusado deixa de ser
visto como sujeito presumidamente culpado, passando a ser enxergado
pelo direito brasileiro vigente como alguém que goza do pressuposto da
condição em questão.
Presunção de inocência
O art. 8.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida
como Pacto de São José da Costa Rica, estabelece que: “toda pessoa
acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto
não for legalmente comprovada sua culpa” (BELTRAN, 2018, p. 151). No
mesmo sentido “o artigo 6.2 do Convênio Europeu para a Proteção dos
Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais de 1950, regula que
qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a
sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada” (BELTRAN, 2018, p.
151). A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, da
Organização das Nações Unidas (ONU), em seu art. 11, estabelece
expressamente que todo ser humano acusado de ato delituoso tem o
direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido
construírem discursivamente o mérito do
provimento estatal, retirando-se dos agentes o
protagonismo e a unilateralidade típicos dos
estados totalitários e antidemocráticos.
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O entendimento do princípio da presunção de inocência objetiva
sistematizar um modelo de processo penal que rompa com os
parâmetros inquisitivos de presunção de culpa do acusado. Conferindo-
lhe o estado de inocência, cabe ao Estado o dever de demonstrar com
clareza e objetividade a culpabilidade do agente para, assim, legitimar
seu poder punitivo. Por isso, o órgão acusador deve ser distinto do
órgão julgador, cabendo ao magistrado, responsável pela análise do
mérito da pretensão penal deduzida em juízo, fundamentar
racionalmente suas decisões no sentido de demonstrar a
desconstituição desse estado de inocência do acusado, requisito esse
considerado fundamental para legitimar o poder punitivo do Judiciário.
Princípios do processo penal
constitucionalizado
Para sistematizar o estudo do processo acusatório garantista, vamos
abordar os princípios regentes do processo penal constitucionalizado. A
partir deles, vamos identificar parâmetros racionais utilizados como
referenciais interpretativos do modo de entender, compreender e
analisar o direito a ser aplicado diante de um determinado caso
concreto.
A seguir, estudaremos os princípios do contraditório, da ampla defesa,
do devido processo legal, da individualização da pena e da
inadmissibilidade de provas ilícitas. Esses princípios são essenciais
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para o entendimento do modelo de processo acusatório que privilegia
amplamente a proteção da dignidade humana do acusado.
Princípios regentes
Os “princípios são proposições normativas de caráter genérico, utilizados
como referenciais de interpretação, aplicabilidade e efetividade do direito,
além de viabilizar a integração, compreensão e unidade do ordenamento
jurídico-constitucional vigente” (COSTA, 2019, p. 59).
Contraditório
O contraditório é um princípio constitucional explicitamente previsto no
art. 5º, inciso LV, da CF. Estabelece que aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles
inerentes. Trata-se de princípio que objetiva assegurar igualdade entre
as partes quanto à dialogicidade dos pontos controversos que integram
a demanda judicial.
Em outras palavras, por meio desse princípio, as partes terão
oportunidade de debater as questões controversas da demanda e,
assim, poder influenciar no julgamento do mérito da pretensão
deduzida.
Não basta apenas a oportunização do contraditório, é
essencial que ele se efetive, ressaltando-se que esse
processo ocorrerá no momento em que o magistrado
analisar, na sua decisão de mérito, todas as questões
controversas suscitadas pelas partes.
É dever constitucional de cada magistrado analisar racionalmente cada
questão controvertida alegada pela parte no âmbito processual,
devendo justificar juridicamente, em sua decisão de mérito, se acolherá
ou não o que foi alegado e provado nos autos.
Atenção!
No âmbito do processo penal democrático e garantista, o acusado terá
direito a uma decisão racional, que não seja reflexo de concepções
valorativas e metajurídicas do julgador, ou seja, o magistrado não pode
utilizar suas crenças e percepções subjetivas como critério para
fundamentar as decisões judiciais. O art. 93, inciso IX, da CF, trouxe o
princípio da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais,
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destacando-se que a ausência de justificação racional tem como
consequência a nulidade da decisão.
O contraditório é um princípio que, quando implementado, assegura a
legitimidade democrática do provimento final, pois “faz parte das
garantias abrangidas pelo devido processo legal e consiste no principal
elemento estruturador do procedimento democrático, uma vez que
garante que o provimento jurisdicional seja resultado da participação
dos interessados” (FREITAS, 2014, p. 22).
Alguns dos desdobramentos da intepretação extensiva do princípio do
contraditório no Estado democrático de direito são:
1. O direito à ampla dialeticidade dos pontos controversos da
demanda.
2. O direito de resistir às decisões arbitrárias de um julgador que
ignora as alegações das partes.
3. O direito conferido às partes de participarem da construção
dialética do provimento final.
4. O direito de revisão judicial de decisões contrárias aos direitos
fundamentais.
5. O direito de se calar em juízo, permanecendo em silêncio.
6. O direito de nomeação de assistente técnico em caso de produção
de prova técnica (prova pericial).
7. O direito de tornar controversos os fatos alegados pela parte
contrária.
8. O direito de se opor à homologação de acordo judicial que
comprovadamente causa lesão a direitos e bens juridicamente
tutelados.
9. O direito de fala e debate assegurado nas audiências judiciais.
10. O direito de informação de qualquer alegação suscitada no
âmbito do processo judicial.
Ampla defesa
Assim como o contraditório, a ampla defesa é um princípio
constitucional explícito e previsto no art. 5º, inciso LV, da CF. Tais
princípios caminham em uma via de mão dupla, mas não podem ser
confundidos.
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O princípio de ampla defesa legitima todos os sujeitos do processo a
reconhecerem como devem agir, atuar e conduzir o procedimento legal
de esclarecimento objetivo dos pontos controversos da demanda,
mediante a exauriência probatória. A ampla defesa garante a
possibilidade à exauriência probatória, ou seja, o magistrado deverá
zelar pela igualdade processual, para que o acusado tenha as mesmas
oportunidades de debate e de produção de provas conferidas ao órgão
acusador (Ministério Público). Já o contraditório assegura ao acusado a
ampla exauriência argumentativa.
Ler e compreender o referido princípio, a partir dessas colocações
teóricas inicialmente expostas, é uma forma de tornar o processo penal
democrático um espaço dialógico. Nele, todos os sujeitos envolvidos na
lide colaboram para tornar possível e viável o julgamento do mérito, da
forma mais próxima como os fatos alegados ocorreram na realidade.
Eventual sentença condenatória proferida em processo judicial, no qual
o acusado não teve a mesma oportunidade de debate e produção de
prova, será considerada nula de pleno direito, haja vista a existência de
error error in procedendo.
Desse princípio, depreende-se a premissa de que a ordem na prática de
atos no processo penal exige que a defesa se manifeste sempre em
último lugar. Em outras palavras:
Error in procedendo
Considera-se error in procedendo um ou mais vícios processuais que
colocam o acusado em posição de desigualdade processual perante o
Ministério Público, configurando-se evidente cerceamento de defesa.
[...] qualquer que seja a
situação que dê ensejo
a que, no processo
penal, o Ministério
Público se manifeste
depois da defesa [...],
obriga, sempre, seja
aberta vista dos autos
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à defensoria do
acusado, para que
possa exercer seu
direito de defesa na
amplitude que a lei
consagra.
(CAPEZ, 1999, p. 20)
Existe uma exceção na lei processual, no caso o art. 468 do CPP:
quando da realização de sorteio dos jurados para o conselho de
sentença, primeiro fala a defesa e depois a acusação (MP), não
existindo, no caso, qualquer irregularidade na manifestação da defesa
antes da acusação. O artigo em comento conceitua as chamadas
recusas peremptórias e que a defesa se manifeste sempre em último
lugar.
“Art. 468. À medida que as cédulas forem sendo
retiradas da urna, o juiz presidente as lerá, e a defesa e,
depois dela, o Ministério Público poderão recusar os
jurados sorteados, até 3 (três) cada parte, sem motivar
a recusa.” (Decreto Lei nº 3.689/1941).
Um outro viés, utilizado como parâmetro para o entendimento
constitucionalizado da ampla defesa no âmbito do processo penal, diz
respeito ao direito que o acusado tem quanto à defesa técnica, que
torne controversos os fatos a ele imputados. Haverá cerceamento de
defesa e ofensa ao respectivo princípio quando o procurador, nomeado
pelo acusado, deixa de enfrentar todas as questões fáticas que poderão
desconstituir seu estado de inocência, omitindo-se quanto à produção
daquelas provas, consideradas essenciais ao esclarecimento e à
desconstituição dos fatos alegados pelo órgão acusador (Ministério
Público).
Na realidade, a ampla defesa deve ser vista como a garantia
isonomicamente assegurada a cada acusado de ter condições reais e
efetivas de rebater e desconstituir toda imputação ou alegação a ele
dirigida que possa acarretar a sua punição.
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A natureza principiológica conferida à ampla defesa se
justifica em razão do interesse do legislador brasileiro
procedimentalizar o processo, como um espaço
dialógico de iguais oportunidades de provas e
alegações pertinentes com os fatos inicialmente
levados a juízo.
A exauriência argumentativo-probatória constitui um dos pilares do
processo penal democrático e garantista, representando claramente
uma forma legítima de resistir à discricionariedade e ao protagonismo
judicial a partir da efetividade do princípio da ampla defesa.
Devido processo legal
Trata-se de princípio constitucional explícito previsto no art. 5º, inciso
LVI, da CF, que estabelece que ninguém será privado de sua liberdade
ou de seus bens sem o devido processo legal. Esse é um princípio que
dialoga com todo o sistema processual vigente, tanto no plano
constitucional quanto no infraconstitucional, uma vez que a ideia trazida
pelo princípio em questão se funda na obrigatoriedade de
procedimentalizar a resolução de conflitos. Assim, garante-se aos
sujeitos do processo a exauriência argumentativa e a amplitude quanto
à produção das provas necessárias ao esclarecimento dos fatos
controversos.
Especificamente no âmbito do processo penal, sabemos que observar o
devido processo legal é seguir uma ritualística que oportuniza igualdade
argumentativa às partes, legitimando o direito de participar
dialogicamente na construção do provimento final. São elas:
Observar todas as etapas processuais previstas em lei.
Exigir do julgador a fundamentação racional da decisão judicial.
Garantir que todas as provas produzidas e argumentos trazidos
aos autos sejam apreciados pelo magistrado como meio de
viabilizar a racionalidade discursiva do provimento final.
Oportunizar aos sujeitos do processo o direito de sanar vícios
processuais, priorizando-se o julgamento do mérito da
pretensão deduzida.
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Legitimar a criação de técnicas processuais e procedimentais
voltadas a maior efetividade processual são alguns dos
desdobramentos interpretativos do devido processo legal.
Observar o devido processo legal é uma forma de proteger
constitucionalmente o estado de inocência do acusado, impedindo que
o Estado-juiz o puna sem que lhe sejam assegurados todos os meios de
defesa e produção de provas. A privação da liberdade ou dos bens do
acusado somente se tornará viável mediante a desconstituição do seu
estado e inocência, após ter assegurado o amplo direito de
argumentação e produção de provas, nos moldes igualitários ao que
fora assegurado ao órgão acusador. No momento em que alguém é
condenado, sem antes ter a legítima oportunidade de resistir
constitucionalmente aos argumentos apresentados em seu desfavor,
temos o cerceamento de defesa como reflexo direto da violação do
princípio do devido processo legal.
O princípio do estado ou situação jurídica de inocência “impõe ao Poder
Público a observância de duas regras específicas em relação ao
acusado: uma de tratamento, segundo o qual o réu, em nenhum
momento do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas
exclusivamente na possibilidade de condenação; e outra de fundo
probatório, a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à
existência do fato e à sua autoria devem recair exclusivamente sobre a
acusação” (OLIVEIRA, 2006, p. 32).
Garantir o devido processo legal ao acusado é assegurar-lhe o direito ao
silêncio (direito de ficar calado), até porque é dever do Estado-acusador
comprovar de forma efetiva a materialidade do crime e a autoria do
acusado. Havendo qualquer dúvida sobre a ocorrência do crime
(materialidade) ou sobre sua autoria, deve-se absolver o acusado,
aplicando, no julgamento do mérito da pretensão penal, o princípio da
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presunção de inocência ou não-culpabilidade, requisitos esses
essenciais para a efetividade do modelo constitucional de processo
penal democrático e garantista.
Individualizaçãoda pena
O direito de o Estado aplicar determinada pena ao acusado exige que o
órgão acusador (Ministério Público) desconstitua enfaticamente seu
estado constitucional de inocência. Nenhuma pena poderá ultrapassar a
pessoa do condenado (art. 5º, inciso LV, da CF), ressaltando-se que ela
não poderá ser estendida aos seus sucessores e nem contra eles
executada. O princípio da individualização da pena (previsto no inciso
XLVI, do art. 5º da CF) objetiva estabelecer que a pena aplicada ao
condenado deverá ser proporcional e equivalente a sua culpabilidade,
bem como ao que foi alegado e provado nos autos do processo pelo
órgão acusador.
O fato praticado e provado pelo órgão acusador é que será o
fundamento balizador para a quantificação, a extensão e a dimensão da
pena a ser aplicada ao condenado.
Saiba mais
Não será a raça, a condição social do acusado ou qualquer outro fato
pessoal ou social que deverá ser utilizado como referencial para a
quantificação da pena a ele aplicada. O magistrado não poderá se
utilizar de critérios subjetivos, pessoais, morais, midiáticos e religiosos
para justificar eventual pena aplicada ao acusado. Se isso fosse
possível, teríamos expressa ofensa ao princípio da segurança jurídica,
além da violação do princípio da obrigatoriedade de fundamentação de
decisões judiciais, já que o art. 93, inciso IX do texto da Constituição
brasileira de 1988 prevê que todos os julgamentos proferidos pelo Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena
de nulidade.
Sempre que o magistrado se utilizar de critérios metajurídicos ou
axiológicos (valorativos) para justificar a aplicabilidade de uma pena a
determinado condenado, sua decisão judicial será considerada
constitucionalmente nula de pleno direito, por constituir evidente ofensa
ao devido processo legal, à presunção de não culpabilidade (inocência),
ao contraditório e à ampla defesa.
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Inadmissibilidade de provas
ilícitas
O art. 5º, inciso LVI, da CF estabelece expressamente que são
inadmissíveis provas ilícitas e aquelas obtidas por meios ilegais no
processo. No âmbito do processo penal, a vedação das provas ilícitas
atua no controle e na regularidade procedimental (e processual) da
atividade estatal persecutória, objetivando inibir toda e qualquer
atividade probatória e ilegal por parte do órgão acusatório. Vigora, no
direito processual penal brasileiro, a premissa de que as provas devem
ser produzidas e obtidas por meios lícitos.
É importante esclarecer a distinção existente entre provas ilícitas e meio
ilícito de obtenção da prova.
Considera-se ilícita a prova quando a ilicitude se encontra presente na
sua produção, como é o caso, por exemplo, da falsificação ou
adulteração de documentos ou depoimento de testemunhas obtido
mediante coação — a prova já nasce ilícita, uma vez que a ilicitude
integra o elemento estrutural de sua constituição.
A prova pode ser originariamente lícita, entretanto, se o meio de sua
obtenção decorrer de uma conduta ilícita, haverá a configuração da
ilicitude da respectiva prova.
Exemplo
O e-mail, que é uma prova considerada genuinamente lícita, se for obtida
mediante violação de senha de seu titular, tornar-se-á ilícita, não se
admitindo sua utilização no âmbito processual penal.
Antes de ser um princípio que zela pela regularidade processual e
procedimental, a inadmissibilidade de provas ilícitas, no processo penal,
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estabelece regramentos pontuais para o órgão acusador. Este não
poderá praticar qualquer conduta ilícita objetivando a desconstituição
do estado de inocência do acusado, limitando-se a agir nos ditames
preconizados pelo devido processo legal.
Os três sistemas penais
Entenda mais detalhadamente os sistemas penais — inquisitivo,
acusatório e misto — e as suas respectivas particulariedades.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Levando em conta a comparação entre o sistema inquisitivo e o
sistema acusatório no entendimento do processo penal brasileiro,
assinale a alternativa correta.
A
No sistema inquisitivo, vigora a presunção de
culpabilidade do acusado, embora o órgão acusador
seja distinto do órgão julgador.
B
O ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema
misto de processo penal, haja vista a inexistência do
contraditório quanto às provas irrepetíveis,
produzidas no inquérito policial.
C
O direito processual penal brasileiro adota o sistema
acusatório, expressamente previsto no texto da
Constituição brasileira de 1988, tendo em conta a
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Parabéns! A alternativa B está correta.
No ordenamento jurídico brasileiro vigente, não se adota
plenamente o sistema acusatório, pois na fase de inquérito policial
é dispensável a observância do principio do contraditório e da
ampla defesa. Assim, eventuais provas irrepetíveis produzidas no
inquérito policial ocasionarão, nesse contexto propositivo, o
cerceamento de defesa do acusado.
Questão 2
Marque a opção correta considerando os princípios constitucionais
que asseguram a democraticidade do processo penal garantista
brasileiro.
indispensabilidade do contraditório no âmbito do
inquérito policial.
D
No sistema acusatório brasileiro, o órgão acusador
atua conjuntamente com o órgão julgador,
assegurando-se amplamente o direito de defesa e
de produção de provas ao acusado.
E
No sistema acusatório, a gestão da prova é exercida
pelo juiz, protagonista da instrução processual.
A
O contraditório é um princípio que garante a todo
acusado o direito constitucional de debater os
pontos controversos da demanda e produzir todas
as provas legitimamente admitidas em direito, como
forma de ratificar o estado de inocência
constitucionalmente garantido.
B
A ampla defesa garante a ampla exauriência
probatória e a dialeticidade dos pontos controversos
da demanda, instrumento esse essencial para
resistir às alegações apresentadas pelo órgão
acusador.
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Parabéns! A alternativa C está correta.
O contraditório e a ampla defesa, embora sejam princípios que
caminham numa via de mão dupla, não podem ser confundidos sob
o ponto de vista teórico. Enquanto o contraditório assegura o direito
ao debate dos pontos controversos da demanda, a ampla defesa
garante a igualdade jurídica no que tange ao direito de produção de
provas, para que o acusado desconstitua as alegações do órgão
acusador. No mesmo sentido, o devido processo legal propõe a
observância de todo procedimento legal de defesa e produção de
provas pelo acusado antes que ele seja privado de seus bens ou de
sua liberdade. É importante, ainda, esclarecer que o contraditório, a
ampla defesa e o devido processo legal são dispensáveis no âmbito
do inquérito policial.
C
O devido processo legal é princípio constitucional
explícito que estabelece que a privação de bens e da
liberdade do acusado se condiciona à observância
do direito que ele tem de produzir todas as provas e
apresentar todas as alegações possíveis, para
ratificar seu estado e inocência.
D
O inquérito policial é uma fase investigativa em que
é obrigatória a observância dos princípios
constitucionais do contraditório, da ampla defesa e
do devido processo legal, requisitos essenciais para
a concretização do modelo constitucionale
democrático de processo penal garantista.
E
Aos litigantes em procedimento administrativo e aos
acusados em geral, não são assegurados o
contraditório e a ampla defesa.
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3 - As leis penais simbólicas
Ao �nal deste módulo, você será capaz de descrever as leis penais
simbólicas.
Leis penais simbólicas
Leis simbólicas são proposições normativas que objetivam sistematizar,
regulamentar, instituir e regular padrões de conduta, relações e
situações jurídicas cotidianas, mas que, em razão de seu conteúdo,
esbarram no desafio de sua efetividade. Considera-se efetiva uma
norma jurídica quando alcança, no campo prático, os objetivos por ela
propostos.
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O Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo, ao instituir a
obrigatoriedade quanto ao uso do cinto de segurança, pode ser
considerado uma norma jurídica efetiva, visto que os objetivos
estabelecidos pelo legislador — o uso obrigatório do acessório — se
concretizaram em termos práticos, considerando-se que essa é a
realidade vivenciada pela maioria de brasileiros.
Quando o destinatário da norma jurídica introjeta e adere ao seu
conteúdo normativo, pode-se considerá-la como uma proposta
legislativa, cujas premissas instituídas se consolidaram em termos
práticos.
Compreender a efetividade normativa como um dos
objetivos práticos do direito brasileiro vigente é
reconhecer que os efeitos buscados pela norma
jurídica se realizaram no campo e na perspectiva das
relações humanas, ultrapassando as questões
meramente formais para, assim, reconhecer que o que
foi idealizado pelo legislador foi concretamente
alcançado.
Em contrapartida, verifica-se no ordenamento jurídico brasileiro vigente
uma quantidade significativa de normas jurídicas cujos objetivos
planejados pelo legislador estão longe de serem alcançados.
É nesse cenário que surge o debate referente ao conceito de leis
simbólicas: são normas jurídicas cujo conteúdo propositivo, idealizado
pelo legislador, não alcança os resultados e os efeitos práticos
esperados.
Há inúmeros exemplos de leis brasileiras que esbarram no déficit ou na
limitação de efetividade normativa, visto que os objetivos desenhados
pelo legislador estão longe de serem concretizados. Um exemplo inicial
para ilustrar tal afirmação é a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006),
cujo objetivo do legislador foi combater e reduzir os números de casos
de violência doméstica praticados contra a mulher. Após vários anos de
vigência da respectiva norma jurídica, verificou-se um aumento
significativo dos casos de violência doméstica praticada contra a
mulher.
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O que explica esse fenômeno social?
É importante esclarecer que o combate à violência doméstica contra a
mulher não será efetivado apenas com a aprovação de uma lei que
criminaliza tais condutas. Diz-se isso porque, antes de reprimir
penalmente tais condutas, é relevante saber por que motivos ocorrem.
O machismo estrutural, reflexo do processo histórico-patriarcal
brasileiro, é uma das explicações cientificas da naturalização da
dominação masculina, responsável por simbolicamente despertar nos
homens o sentimento de estarem hierarquicamente em posição de
superioridade em relação à mulher.
Exemplo
Quando sua esposa, companheira ou namorada tenta subverter essa
lógica patriarcal, buscando a igualdade de gênero, muitos homens
reagem no sentido de praticar os mais diversos tipos de violência.
As estruturas sociais de poder reforçam tais práticas, no momento em
que legitimam a dominação masculina institucionalizada historicamente
na tradição brasileira. Não será a letra fria da norma jurídica o
instrumento hábil a desconstituir essas estruturas que naturalizam a
dominação masculina, ressaltando-se a importância dos destinatários
dessa norma participarem de sua construção e sistematização jurídica.
No momento em que o homem entende a importância da norma penal
incriminadora, introjetando seu conceito de normatividade, torna-se
mais efetiva sua aplicabilidade. A Lei Maria da Penha, então, é exemplo
de claro fracasso da própria ciência do direito, que mais uma vez
esbarra no desafio referente à efetividade normativa: concretização e
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aplicabilidade prática dos objetivos propostos e planejados pelo
legislador.
Um importante debate é levantado quando se discute a efetividade
normativa da legislação penal brasileira vigente. Por isso, podemos
perguntar:
O direito penal consegue atingir concretamente os fins
propostos e estabelecidos pelo legislador? Qual seria a
finalidade buscada hoje pelo legislador no momento
em que aprova uma norma penal incriminadora?
A criação de tipos penais, conforme anteriormente exposto, objetiva
fortalecer o poder punitivo exercido pelo Estado, além da busca
incessante de instrumentos de controle social. O objetivo estabelecido
pelo legislador, por meio da institucionalização da sanção penal, é
reprimir e prevenir condutas ilícitas praticadas por agentes, quando
agem no sentido de atentar contra bens jurídicos considerados
penalmente relevantes.
Busca-se, ainda, por meio da norma penal, desestimular que seu
destinatário a descumpra para, então, alcançar o fim previamente
estabelecido. O objetivo do legislador no momento em que aprovou, por
exemplo, a Lei Maria da Penha foi, além de punir o agressor,
desestimulá-lo quanto à prática de atos de violência doméstica contra a
mulher.
Sempre que uma norma penal atinge simultaneamente suas funções
punitivas e preventivas, pode-se dizer que ela é efetiva. Em
contrapartida, se uma norma penal, quando aplicada, atinge apenas sua
função punitiva, pode-se dizer que deixou de ser efetiva, uma vez que
não é suficientemente hábil a desestimular seus destinatários quanto ao
fim preventivo definido por ela mesma.
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Assim, a legislação penal simbólica é aquela que deixa de alcançar a
prevenção do ilícito penal nela contido visando apenas a punição do
agente com a capacidade de retroalimentar o falso sentimento de
estabilidade social, sem, contudo, resolver com efetividade as razões
que geraram o conflito penal levado ao Poder Judiciário.
Dito de outra forma, a função simbólica não tem como objetivo resolver
efetivamente os conflitos de interesse sociais por meio dos recursos
punitivos do Estado. Na perspectiva simbólica, o objetivo da pena e do
direito penal é tão somente produzir, na opinião pública, uma impressão
de tranquilidade, provocada pela diligência de um legislador que
alegadamente tem consciência dos problemas que a criminalidade gera
(ANJOS, 2006).
O que se verifica no Brasil, diante da crise de segurança pública que se
arrasta no tempo, é a adoção por parte do legislador de medidas
legislativas simbólicas que não resolvem efetivamente o problema.
Assim, a norma penal é simbólica porque traz para a sociedade uma
aparente sensação de proteção e de segurança, sem conseguir
solucionar, com efetividade, a raiz que desencadeou concretamente o
ilícito penal. E com a norma penal simbólica não é possível reduzir o
número de casos envolvendo o ilícito penal, ora tipificado.
Exemplos de legislações
simbólicas
No Brasil, temos diversos exemplos de legislações penais simbólicas,
como as seguintes:
Trata-se da lei de crimes hediondos, aprovada no ano de 1990,
com o objetivo de punir com rigor os autores.

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