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Capa Folha de Rosto Créditos Copyright © 2011 by Ana Beatriz Barbosa Silva Todos os direitos desta edio reservados Editora Objetiva Ltda. Rua Cosme Velho, 103 Rio de Janeiro — RJ — Cep: 22241-090 Tel.: (21) 2199-7824 — Fax: (21) 2199-7825 www.objetiva.com.br Capa Dupla Design | Ney Valle Imagem de capa iStockphoto/ © Viktor Pravdica Ilustrao de miolo Margareth Baldissara Reviso Rita Godoy Bruno Fiuza Tamara Sender Converso para e-book Abreu’s System Ltda. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S578m Silva, Ana Beatriz B. (Ana Beatriz Barbosa) Mentes ansiosas [recurso eletrônico] : medo e ansiedade alm dos limites / Ana Beatriz Barbosa Silva ; [ilustrao Margareth Baldissara]. - Rio de Janeiro : Objetiva, 2011. recurso digital : il. Formato: ePub Requisitos do sistema: Modo de acesso: 149p. ISBN 978-85-390-0302-0 (recurso eletrônico) 1. Ansiedade. 2. Transtornos da ansiedade. 3. Livros eletrônicos. I. Título. 11-6193. CDD: 616.8522306 CDU: 616.89-008.441-085 5/206 Dedicatória A Mirian Pirolo, minha amiga de ofício, de valores, de f e de corao. QUEM NUNCA SENTIU MEDO QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA — Tiiia, qual a diferena entre medo e ansiedade? — Onde que voc viu isso? — No papel com a sua letra no seu escritório. — Ah, bom! Ento vamos l: medo algo que a gente teme e tenta evitar, por exemplo, medo de altura, do escuro etc. J a an- siedade uma sensao ruim que aperta o peito da gente. — Hum, entendi. Ento, criana tem medo e adulto tem an- siedade, pois tem vergonha de dizer o que lhe causa medo. — Pode ser. — Tiiia, posso dormir com voc? — Por qu? — Porque tenho medo de escuro e de monstros. — T bom! Vem pra c pertinho. — Tiiia, se voc sentir ansiedade, pode apertar minha mo, t? — Pode deixar, meu anjo, eu j estou apertando a sua mo. Nesse dia, no auge dos seus 7 anos, meu sobrinho, Guiguinho, me ensinou que todo mundo tem medo e ansiedade, no import- ando a idade que se tenha. Medo e ansiedade so “primos-irmos” e sempre estaro juntos. As palavras maltraadas a seguir so pra voc, meu lindo! Nossas mos estaro sempre entrelaadas, nos dando coragem para enfrentar os desafios da vida. Beijos com amor. Tia Ana. Quer saber de uma coisa? Todo mundo tem medo, uns tm med- inhos, outros medões, mas no fundo tudo medo puro e simples. Sentimos medo de manh, s vezes tarde e muito mais noite, no necessariamente nessa ordem. Medo de no ver o pôr do sol, de no poder ir praia no domin- go, de jogar a bola para fora do gol, da areia quente, de que o chope esquente ou a onda se arrebente. Medo de cair, de sair, de se divertir, da felicidade, da fatalidade, da bala perdida, da fome, de ter e de perder, seja l o que for! 8/206 Medo de trair e ser traído, de perder o grande amor, de amar e no ser amado, de dizer adeus, de partir, de mudar, de renovar, de dizer eu te amo! Medo de bruxa, do escuro, do bicho-papo, do vento, da ventania, do relmpago e do trovo. Medo da morte: a sua, a do seu amigo, a do seu filho e a dos seus pais. Medo de esquecer o que foi bom, de enlouquecer, de no viver, do prazer, de querer sempre mais e nunca mais parar de querer. Medo do terror, dos terroristas, dos que manipulam os horrores humanos, dos que adoram o poder, de no poder com esse tipo de gente. Medo de envelhecer, das rugas, dos cabelos brancos, da osteo- porose, da menopausa, da calvície, de virar pó e da certeza de que a vida uma só. Medo de experimentar coisas novas, umas melhores e outras piores, mas o que vale o movimento, somente o que est morto no se move. Medo de olhar no espelho, do fracasso, da decadncia, da no reao, do marasmo, da acomodao. Medo de falar a verdade, de no ter verdades pelas quais lutar, de magoar, de brigar, de perdoar. Medo de no ter o filho desejado, de no v-lo crescer, de v-lo adoecer, de no v-lo feliz. Medo do chefe que grita, que no elogia, que no explica, que no brinca, que só xinga, que assedia. 9/206 Medo da solido, da rejeio, do telefone que no toca, da palav- ra no dita, do “mico” no pago, da alucinao da paixo, do beijo no roubado, da dor do amor no correspondido, das velas no apagadas, do grito no ecoado depois do sexo em perfeita comunho. Medo da diferena, da indiferena, da arrogncia, do desprezo, da ignorncia, do preconceito, do politicamente correto, do jeitinho brasileiro, da corrupo, da inflao, da humilhao, da falta de profissionalismo dos políticos, da inveja, da tristeza, das escolhas, do seu corpo, do passado, do presente e do futuro. Medo de gastrite, otite, sinusite, faringite, meningite, hepatite, celulite e tudo o que “ite”. Medo da responsabilidade, da liberdade, da igualdade, da fraternidade, do recomeo, de cantar, de danar, das crenas, das encrencas, de dar e receber opinio, de ter voz e voto, de no ter voz e voto, de aturar gente de m índole, de m vontade e sem educao. Medo de casar, de se divorciar, de casar de novo, de no poder mais voltar. Medo de se perder, de endurecer o corao, de no sonhar e de nunca mais se achar. Medo de errar, de no ter o que dizer, de falar demais, de se cal- ar diante da covardia, de engolir o choro da emoo, de no crer e no ter f em Deus, em si e na vida. Medo da enchente, de no gostar de gente, do ladro, de no ser o único e virar nenhum na multido. Medo de pensar “inho” e acabar tendo uma vidinha cercada de gentinha, de perder o emprego, de nunca mudar de emprego por puro medo da mudana, medo da mediocridade e da maldade. 10/206 Medo da ditadura, do neoliberalismo, do comunismo, do nazismo, do radicalismo, da guerra, da bomba de Hiroshima, de Na- gasaki, do tsunami, do Katrina, do terremoto, da chacina, da re- belio, do vandalismo, da escravido, da sofreguido, da falta de poesia, da realidade nua e crua. E, por fim, o medo de no ter coragem para enfrentar tudo isso, mesmo que isso no tenha fim... Ana Beatriz Barbosa Silva 11/206 INTRODUÇÃO Era junho de 1999 e ainda me lembro da situao como se fosse hoje, ou melhor, aqui e agora! Basta fechar os olhos que a fatídica cena se manifesta num telo virtual na minha mente. Sentados mesa de um agradvel caf de Ipanema, estvamos eu, meu mar- ido, minha cunhada e um casal de amigos muito querido. O final de tarde estava extremamente agradvel, com uma leve brisa e uma luminosidade avermelhada dos típicos dias de sol no outono carioca. Todos ríamos muito, embalados por algumas taas de excelente vinho indicado pelo casal amigo. Alm disso, havia uma bela trilha sonora ao fundo com o “fino” da bossa nova, adocicando nossos ouvidos e coraões. No pude deixar de citar a clebre história que Vinicius de Moraes contava para definir So Paulo. Após ser muito bem tratado em “Sampa” e curtir a boemia da maior cidade do país, perguntaram a Vinicius o que ele estava achando da cidade. O “po- etinha”, após refletir entre uma dose de uísque e trs tragadas de cigarro, respondeu: “Estou adorando So Paulo, tudo muito gran- dioso, organizado, boas pessoas, bons restaurantes, ótima vida noturna e cultural... mas tem um problema: a gente anda e anda e nunca chega em Ipanema!” Tudo estava mais do que perfeito! Era sexta-feira e todos davam muitas risadas com os “causos” engraados que cada um de nós contava. O local estava apinhado de gente que parecia tambm es- tar se divertindo bastante. Tudo realmente parecia perfeito! At ho- je no sou capaz de descrever, exatamente, como tudo comeou... De repente o garom se aproximou da mesa ao nosso lado, e minha amiga Lena, que estava de mos dadas com o marido Joo, arregalou os olhos, subiu na própria cadeira e, petrificada, plida e com as mos trmulas, tentava sufocar o grito que ameaava sair estrondoso por sua boca. Joo, que j tinha vasto conhecimento do pavor que sua mulher tinha por insetos, e totalmente aflito com a situao, perguntava insistentemente: “Cad, onde est? No estou vendo, me mostre...”Totalmente paralisada, Lena no conseguia juntar “a com b”, balbuciar qualquer sílaba ou palavra, e tampouco apontar para o ser aterrorizante. O garom nem se dera conta de estar carregando, em seu om- bro esquerdo, uma barata; diga-se de passagem, um exemplar bastante avantajado para a mdia da espcie. Quando ele acabou de servir a mesa ao lado e se virou em nossa direo, gentilmente querendo saber o que poderia fazer para nos ajudar, tudo piorou bastante. Nesse exato instante, o inseto resolveu fazer um voo social pelo ambiente, indo parar no cabelo de uma pobre senhora que tomava 13/206 um cappuccino numa mesa nossa frente. Quando a “senhorinha” se deu conta da personagem que abrigava em suas madeixas, en- trou em pnico: gritava, debatia-se e alvoroava os cabelos de forma frentica, tentando se livrar daquele bicho to invasivo e sem educao. A gritaria se generalizou, cadeiras caíam, gente corria, formando uma verdadeira clareira ao redor daquela senhora que, por um instante, lembrou-me uma vocalista de banda de rock. A maioria das pessoas foi parar na calada, em frente ao caf, inclusive nós. Mas, de repente, nos demos conta de que Lena e Joo no estavam conosco. Entramos novamente no caf, agora vazio, e l estava ela, em p na cadeira, toda encolhida, numa atit- ude reflexa de proteo. Joo sapateava para l e para c, fazendo, literalmente, a “dana da barata”. De súbito, uma pisada certeira e “pimba”: “t l o corpo estendido no cho” – ou melhor, a barata morta. Em segundos, o caf encheu novamente, e Joo recebeu uma salva de palmas, com direito a assobios e tapinhas nas costas. Nascia um herói em pleno caf de Ipanema! É claro que ao recordar ou contar essa história me pego dando boas e gostosas risadas. Por outro lado, fico perplexa e bastante in- trigada com o tamanho e a intensidade da reao que algumas pessoas tiveram naquele dia. No era um simples medo ou nojo daquele inseto: era pavor, terror mesmo, o que tomou conta da minha amiga, da “senhorinha” e de mais algumas pessoas que no pude observar com clareza, dada a velocidade e intensidade dos eventos ao meu redor. Reconheo que as baratas so verdadeiras pragas, insetos asquerosos e repugnantes para muita gente; no entanto, so in- capazes de nos devorar feito feras famintas. 14/206 Confesso que sempre me interessei pelo comportamento hu- mano e, por isso mesmo, o medo, as fobias e a ansiedade sempre me despertaram, alm de curiosidade, muitos questionamentos ex- istenciais. Em funo disso, h muitos anos venho dedicando parte do meu tempo a me aprofundar nesse universo to intrigante. At que ponto o medo necessrio para a nossa sobrevivncia? Qual a dose de medo saudvel, se que ela existe? O medo sempre algo que nos protege? Quando que ele vira uma doena? Segundo o professor Isaac Marks, da Universidade de Londres, praticamente impossível para nós, seres humanos, vivermos sem medo. E, para provar isso, ele cita situaões cotidianas, presentes na vida de todos nós, como o simples ato de atravessar uma rua. O medo de ser acidentado ou atropelado por um automóvel faz com que olhemos de um lado para o outro da rua, antes de nos lanar- mos travessia. Dessa forma, o medo, em uma medida certa, deve ser entendido como uma funo do comportamento humano saudvel, necessria e imprescindível para a proteo do ser hu- mano diante dos perigos que o rodeiam. Por isso, absolutamente normal que tenhamos medo de ser as- saltados ou atingidos por uma bala perdida; sofrer algum tipo de vi- olncia, injustia ou de perder algum muito querido. Nessas situ- aões, natural e provvel que todos sintam medo em determinada “dose” (ou intensidade). “Dose” exata para evitar qualquer tipo de ao que venha a aumentar o perigo e a exposio s situaões de ameaa (como bancar o valento durante um assalto) ou, ainda, para tomar uma atitude coerente, visando reduzir os riscos da situ- ao de perigo (como abrigar-se em local seguro ou deitar-se no cho durante um tiroteio). Como tudo na vida, o medo tambm re- quer uma dose ideal de equilíbrio: nem demais, nem de menos; apenas adequado para a preveno de perigos iminentes. 15/206 Todos j ouvimos o velho ditado popular: “Aonde vai a corda, vai a caamba” – quando algum quer se referir a pessoas ou objetos que vivem juntos, de forma quase inseparvel. Expressões semel- hantes – tal como “feijo com arroz”, “futebol e bola”, “Piu-Piu e Frajola”, “Batman e Robin” – surgiram sempre com a inteno de destacar a íntima relao entre ideias, conceitos ou sentimentos. Nesse aspecto, o medo e a ansiedade formam uma parceria to ín- tima que no h possibilidade de imaginarmos ou sentirmos um sem o outro – como anunciam as expressões populares. Para que o leitor entenda melhor, encontramos no dicionrio a seguinte definio para a palavra medo: “Sentimento de grande in- quietao ante a noo de um perigo real ou imaginrio.” De forma muito semelhante, a palavra ansiedade definida como “sensao de receio e de apreenso, sem causa evidente”; sinônimo de nsia, aflio: “perturbao de espírito causada pela incerteza ou pelo receio”. Embora sejam definiões tcnicas, so importantes para perce- bermos a impossibilidade de distino entre as duas palavras. Sendo assim, sempre que o medo est presente, a ansiedade se revela em plenitude, seja em evidentes sinais físicos, seja em sinto- mas psíquicos. O grande problema quando essa duplinha inseparvel (medo-ansiedade) foge de um padro equilibrado e se torna incontrolvel. Como tudo em medicina recebe nomes específicos, com direito a sobrenomes, foram denominados transtornos de ansiedade quando o medo excessivo e, consequentemente, a sua fiel companheira an- siedade passam a trazer prejuízos expressivos para a vida da pessoa. 16/206 Os transtornos de ansiedade possuem diversos espectros que variam em grau, intensidade e na forma como se apresentam. Podemos perceb-los em diversas situaões, tais como nas lem- branas que insistem em nos perseguir após uma experincia traumtica (morte de um parente muito próximo, por exemplo); nas fobias ou no medo intenso de falar em público ou participar de eventos sociais; no temor exacerbado de determinados objetos ou animais (elevador, avio, insetos, como vimos com a minha amiga Lena). Tambm so perceptíveis no terror (pnico) que surge do “nada” e nos d a sensao de que podemos morrer a qualquer mo- mento; nas preocupaões excessivas com os fatos mais corriqueiros e triviais; nos pensamentos obsessivos e comportamentos repetit- ivos, mais conhecidos como manias, entre outros. Cada um desses transtornos tem características e manifestaões distintas, mas to- dos esto intrinsecamente relacionados ao medo e ansiedade. Em graus variados, quando os transtornos de ansiedade j esto instalados, inevitavelmente traro prejuízos significativos para os setores vitais de suas vítimas (vida social, familiar, profissional, acadmica etc.). Contudo, somente após muito tempo de sofri- mento, de peregrinaões em vo – entre as mais variadas especial- idades mdicas e no mdicas –, ou quando suas vidas j esto re- viradas pelo avesso, que os pacientes procuram ajuda especializada. A demora para buscar o tratamento adequado se deve a muitos fatores, mas tambm posso afirmar, sem nenhum receio de incorrer em erros estatísticos, que a maioria o faz por falta de conhecimento sobre o assunto, pelo sentimento de vergonha em expor tudo o que o aflige ou pela crena errônea de que se trata de mera fraqueza. A ideia de escrever este livro surgiu exatamente em funo disso: oferecer informaões sobre os transtornos deflagrados pelo 17/206 sentimento de medo excessivo, visando facilitar a autoidentificao ou o reconhecimento em pessoas próximas e queridas, no sentido de abreviar seus sofrimentos. Felizmente, possível reverter esses quadros to dolorosos ou, no mínimo, atenu-los de forma expressiva, com orientaões e tratamentos adequados. Isso significa muito mais doque enfrentar o inimigo que aparentemente parea invencível. É restaurar as perdas nos seus diversos setores vitais, libertar- se, renascer e, quem sabe, projetar um futuro próximo de mais confiana e esperana, para que seja possível desfrutar a vida em sua plenitude. 18/206 Quando est escuro E ninguém te ouve Quando chega a noite E você pode chorar H uma luz no túnel Dos desesperados H um cais de porto Pra quem precisa chegar Eu tô na Lanterna Dos Afogados Eu tô te esperando Vê se no vai demorar HERBERT VIANNA — Lanterna dos Afogados CAPÍTULO 1 ANSIEDADE E MEDO: DUAS FACES DA MESMA MOEDA Desde pequena possuo um sonho. Para ser mais precisa, um pesadelo, que se repete de tempos em tempos, principalmente quando atravesso períodos mais estressantes. Nesse sonho chego escola, e uma amiga me informa que dentro de 5 minutos a prova vai comear. Fao um sinal positivo com a cabea, que demonstra minha tranquilidade em realizar a prova de História, minha matria predileta. Em poucos minutos, estamos todos sentados em nossas carteiras e aí inicia o pesadelo: a prova de Matemtica e no de História! Em total despreparo diante do inimigo, olho ao redor e tudo me parece estranho. Meu corao dispara, a respirao torna- se entrecortada, a face banha-se de suor, sinto tontura e de re- pente... acordo atordoada, olho em volta e constato, com imensa felicidade, que estou em território seguro: meu quarto, o marido ao meu lado e a cachorrinha em sua cama. O ar condicionado se en- carrega de secar o suor e, aos poucos, tudo volta ao normal. Foi apenas um sonho ruim, nada mais, daqueles que costumava ter s vsperas de provas. Muitos anos j se passaram desde ento; no entanto, impres- sionante perceber a preciso com que meu crebro arquivou essa reao, que foi uma das primeiras situaões de medo consciente que vivenciei ainda pequena. A cada fase da vida, quando os de- safios e compromissos me obrigam a lidar com prazos restritos, l est meu crebro – esse operrio incansvel –, sinalizando que a minha ansiedade est no limite mximo. É hora de tomar decisões que dissolvam os “nós” existenciais ou ignorar o sinal de alarme e esperar que a ansiedade cresa um pouco mais e me paralise de al- guma forma. Afinal, a ansiedade possui diversas facetas, e todas, a partir de determinada “quantidade”, mostram-se disfuncionais, modificando negativamente nosso cotidiano, transtornando nossa vida e, at mesmo, nos paralisando diante de tudo e de todos. É claro que, como boa aluna, tento captar rapidamente a mensagem do mestre crebro: dou uma parada, fao um flashback bsico dos últimos meses e logo identifico o que est me aprision- ando. Monto um microprojeto, de curto e mdio prazo, com as aões necessrias para que o sonho (aviso) no se transforme em pesadelo real. Hoje constato, com bastante frequncia, que sonhos com ex- ames escolares so muito comuns entre as pessoas. Diria at que esses so um dos casos mais comuns de situaões que provocam ansiedade. No h dúvida de que muitas pessoas j enfrentaram esse tipo de situao, seja em sonho, seja na vida real, em que provas escolares ou entrevistas de emprego estejam envolvidas. A maioria delas relata que j acordou na vspera de um exame im- portante com a respirao acelerada, o corpo suado e que passou o resto da noite se revirando na cama. E mais: muitas ainda sali- entam o fato de que chegaram ao local do exame ou entrevista convictas de no saberem mais nada sobre o que estudaram dur- ante todo o processo preparatório. Sentem que todos os seus es- foros, por dias, semanas ou meses, sero perdidos com o ir- remedivel e inexplicvel “branco total” do conteúdo estudado. O pior que, ainda que tudo venha a dar certo, ou seja, obtenham a pontuao necessria e/ou desejada nas provas ou entrevistas, ser muito difícil esquecerem o lado “ameaador” dessa experincia. Isso ocorre em funo de o nosso organismo ser dotado de um mecanismo pr-programado de proteo, conhecido como “reao do medo”, que acompanha a espcie humana desde os tempos mais primitivos. A REAÇO DO MEDO: REAÇO DE LUTA OU FUGA O corpo humano talvez seja a mais criativa e surpreendente in- veno de todo o universo. Nosso corpo parece ter sido planejado 22/206 para nos salvar e nos ajudar a lidar com todo tipo de perigo. Em pequenos fatos do cotidiano podemos ver o quanto essa mquina programada para nos manter em equilíbrio. Tomemos como exemplo um corte no brao. Em poucos minutos, o corpo reconhece que h um ferimento e aciona uma srie de reaões mecnicas e bioquímicas que fazem o corte parar de sangrar. Quando o sangue entra em contato com o ar, reage de maneira diferente e comea a coagular. O sangue fica cada vez mais espesso e, em pouco tempo, uma crosta est formada, tam- ponando totalmente o sangramento provocado pelo ferimento. De- pois de alguns dias, essa crosta cai, e toda a rea que estava abaixo dela se encontra sadia novamente. O mesmo mecanismo de proteo acionado quando nos engas- gamos com algum tipo de comida ou bebida. O engasgo sinaliza que algo sólido ou líquido entrou no local errado. No caso, esse loc- al a traqueia, que um tubo capacitado para levar o ar inspirado pelo nariz ou pela boca em direo aos pulmões. A traqueia no transporta outro tipo de substncia que no seja gasosa. Assim, quando engasgamos, automaticamente tossimos e regurgitamos, e a comida ou a bebida lanada para fora da traqueia com grande velocidade. Continuamos a tossir, at que os visitantes indesejados (comida e/ou bebida) estejam totalmente fora da nossa traqueia. Tanto no caso do ferimento como no caso do engasgo, tudo ocorre de forma automtica, como uma mquina perfeita. No importa se estamos dormindo ou acordados, se somos ricos ou pobres, geniais ou de inteligncia limitada: nosso corpo far tudo para nos socor- rer, automaticamente. Um tipo de proteo automtica do corpo a reao do medo. Imagine-se andando por uma rua estreita e, de repente, avanam em sua direo dois cachorros da raa bull terrier, que rosnam, ex- pondo seus dentes brilhantes entre a saliva que escorre por suas mandíbulas. Se voc, por um acaso, quisesse racionalizar o que 23/206 fazer, provavelmente processaria os seguintes pensamentos: Eles so cachorros; so ferozes; estou em perigo! O que devo fazer? Acho que devo correr! Bem, se voc pensasse tudo isso antes de correr, possivelmente j estaria morto e dilacerado, antes mesmo de concluir seus pensamentos. Mas fique tranquilo, pois, nessa situao, seu corpo reagiria automaticamente, de maneira ultrarrpida, e voc j estar- ia correndo h muito tempo. Provavelmente j teria se abrigado em algum lugar seguro. Sem voc se dar conta, uma overdose de adrenalina injetada na corrente sanguínea e, a partir daí, toda uma reao se processa naturalmente: o corao dispara, o suor toma conta da pele, os músculos se contraem para entrar em ao, a respirao se torna mais acelerada e, sem que tenha tempo de pensar, em fraões de segundos, voc estar correndo como um leopardo ou lutando com os cachorros como uma fera enlouquecida. Esta a reao do medo que existe para nos salvar de todos os perigos. Em princípio, o instinto nos leva a correr como o vento para fu- girmos dos cachorros. Após muitos metros de corrida, encontramos um local seguro e ali permanecemos at termos certeza de que os animais no esto mais nos seguindo. Paramos, sentamos no cho e percebemos que nosso corpo est totalmente alterado: o corao bate forte e rpido; a respirao est acelerada e profunda; tre- memos e suamos por todo o corpo; a boca est seca como uma pedra; estamos tontos; nossas mos e ps esto formigando; es- tamos tensos, alertas e vigilantes contra novos perigos. É curioso observar que o medo daquelas feras foi capaz de des- encadear em nosso organismo todas essas mudanas e, em mo- mento algum, tivemos medo dessas reaões em nosso corpo. Os próprios sentimentos no nos incomodam porque sabemos exata- mente a razodisso tudo. Eles fazem parte de nossa reao ao medo. 24/206 A reao do medo, tambm chamada de “luta ou fuga”, est no centro de vrios transtornos do comportamento (ou mentais), con- hecidos como transtornos de ansiedade. As sensaões envolvidas na reao do medo normal (como instinto de defesa) ou no ataque de pnico (sensao de medo intenso, súbito e anormal) so exata- mente as mesmas: taquicardia, sudorese, acelerao da respirao, tremores, boca seca, formigamentos, calafrios etc. A única difer- ena – e esta a grande diferena – que, no caso dos cachorros, nós sabemos exatamente por que reagimos daquela maneira (por medo das feras). J no pnico, por exemplo, nós no conseguimos identificar um fator desencadeante ou um estímulo óbvio para causar sentimentos to fortes. AS FORMAS DA ANSIEDADE PATOLÓGICA: TRANSTORNOS DE ANSIEDADE O medo um sentimento universal: todos sentem, e diversos estudos demonstram ser uma emoo primria (inata) do ser hu- mano, necessria para proteo e perpetuao da espcie. Est in- crustada em nosso DNA e faz parte da nossa existncia. Sua abrangncia vai desde a deciso de lutar ou fugir at o acúmulo traioeiro que desgua no estresse e na ansiedade, levando ao es- gotamento físico e mental. Como visto, um estímulo que desperte o medo capaz de, em fraões de segundos, munir o corpo inteiro de adrenalina e prepar-lo para uma rpida reao física. As respostas físicas e mentais ao medo eram to essenciais para a sobrevivncia de nossos antepassados primitivos que per- manecem de forma intensa e muito poderosa at os dias atuais. In- felizmente a manuteno dessa resposta adaptativa, com tamanha intensidade, quase sempre se torna inapropriada no mundo 25/206 moderno. Afinal, ao evoluirmos, como espcie e civilizao, dever- íamos ter deixado para trs a necessidade de uma reao to ex- cessiva. No entanto, nossa reao ao medo continua a se manifest- ar de forma quase idntica quela vivenciada pelos nossos ances- trais mais longínquos. Ao reagirmos, frequentemente de forma exacerbada, aos con- tratempos e s dificuldades do dia a dia, acabamos por adoecer, uma vez que o excesso de hormônios de estresse (cortisol e adren- alina) pode ocasionar aumento da presso arterial, doenas cardíacas, enxaquecas, alergias, úlceras, pnico, fobias, entre out- ros. O que, nos tempos primitivos, era um supersistema de pro- teo, essencial para o homem da poca, transformou-se em uma poderosa arma, cuja potncia o homem moderno tem de aprender a desativar ou, pelo menos, a reduzir seu poder de fogo. Sendo as- sim, existem casos nos quais essa reao perde sua funo protet- ora e ganha fora e status de uma situao definitivamente ameaadora dentro da mente. Se observarmos as pessoas, de modo geral, podemos perceber que o nível de ansiedade um trao que caracteriza a personalid- ade de cada um. Desta forma, vemos pessoas com atitudes mais tranquilas diante de situaões de perigo ou ameaadoras. Em con- trapartida, percebemos, em outras, atitudes exacerbadas diante das mesmas situaões ou, no mínimo, bastante similares. O mo- mento exato em que manifestamos ansiedade (o chamado estado de ansiedade) pode ser considerado um momento de ruptura ou quebra em relao nossa condio emocional bsica. Esta quebra nos faz cair em uma espcie de abismo, no qual experimentamos desconforto emocional intenso. É possível estabelecer a velha dialtica entre o ser e o estar. Ser ansioso possuir sensao de tenso, apreenso e inquietao, dominando todos os demais aspectos de nossa personalidade. Estar ansioso tudo isso acompanhado por manifestaões orgnicas tais 26/206 como palpitaões (taquicardia), suor intenso (sudorese), tonturas, nuseas, dificuldade respiratória, extremidades frias etc. Assim, os transtornos de ansiedade correspondem aos estados de ansiedade (estar ansioso) em indivíduos que possuem uma per- sonalidade ansiosa de fundo ou base (ser ansioso). Logo, fisiolo- gicamente pensando, quando o ser se une ao estar em uma person- alidade j ansiosa, estados severos de desconforto e sofrimento so gerados. Os transtornos de ansiedade so os rebentos, no desejados, de um casamento que sempre ter de evoluir para um divórcio, s vezes doloroso, mas sempre libertador. Eles podem assumir múlti- plas formas, porm todos possuem uma matriz comum, que a personalidade ansiosa. Esta constatao que, primeira vista, parece relativamente óbvia só teve seu reconhecimento pela cincia mdica h muito pouco tempo, quando se criou o termo espectro da ansiedade, que agrupou os diferentes transtornos sob um mesmo teto. Segundo a Associao de Psiquiatria Americana (APA), os tran- stornos de ansiedade1 so vrios, e a principal característica deles, alm da presena de ansiedade, o comportamento de esquiva, ou seja, a pessoa tende a evitar determinadas situaões nas quais a ansiedade exacerbada pode deflagrar. Dentro desse leque, o medo patológico pode se manifestar de diversas formas e em graus de in- tensidade diferentes, tais como: • Súbitos ataques de pnico, que podem evoluir para o tran- storno do pnico. • Fobia social ou timidez patológica, na qual as pessoas perce- bem ameaas potenciais em situaões sociais e em exposio em público. 27/206 • Medos diversos ou fobias simples, cuja ameaa provm de es- tímulos bem específicos (animais, lugares fechados, chuvas, avio etc.). • Transtorno de estresse pós-traumtico (TEPT), quando vive- mos experincias traumticas significativas (sequestros, perdas de entes queridos, acidentes etc.). • Transtorno de ansiedade generalizada (TAG), que se caracter- iza por um estado permanente de ansiedade, sem qualquer asso- ciao direta com situaões ou objetos específicos. • Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), no qual a mente in- vadida por pensamentos intrusivos e sempre de conteúdo ruim (ob- sessões), que desencadeiam rituais repetitivos e exaustivos (com- pulsões), na tentativa de exorcizar tais ideias. Todos eles tm em comum a presena de sintomas físicos (ta- quicardia, sudorese, tontura, cólica, nusea, falta de ar) e sintomas psíquicos (inquietao, irritabilidade, sobressalto, insegurana, in- sônia, dificuldade de concentrao, sensao de estranheza). Alm dos transtornos anteriormente citados, outras patologias tambm so descritas em manuais específicos de classificao de doenas mentais e fazem parte dos transtornos de ansiedade. Con- tudo, no sero objetos deste livro, uma vez que me propus a des- vendar ao leitor somente aqueles com os quais me deparo com mais frequncia na prtica clínica e que considero de maior relevncia. Os transtornos de ansiedade ocorrem com uma frequncia muito alta na populao em geral. Recentes estudos norte-americanos, de abrangncia significativa, revelaram que 25% das pessoas ap- resentam algum tipo de transtorno de ansiedade ao longo de suas vidas. A primeira reao diante dessa estatística assustadora; afi- nal, trocando em miúdos, o que eles evidenciaram que um quarto da populao mundial sofre ou sofrer algum tipo de transtorno 28/206 ansioso durante toda a sua existncia. Mas, infelizmente, esses da- dos refletem e atestam a mais absoluta realidade. O que pode deixar as pessoas com a “pulga atrs da orelha” em relao a um percentual to grande assim o fato de que grande parte dos indivíduos que apresentam transtorno de ansiedade no procura tratamento, alm de tentar esconder seus sintomas das outras pessoas. Isso no muito difícil de explicar, uma vez que os transtornos de ansiedade mais comuns so as fobias simples, tam- bm chamadas de específicas (medo de insetos, animais etc.) e a fobia social (medo de falar e de se expor em público). Se consider- armos que muitos eventos sociais e o contato com animais podem ser evitados, provvel que um número razovel de pessoas que sofram de tais transtornos jamais procurar tratamento. Somente quando o medo anormal (patológico) passa a interferir de forma acentuada no cotidianodo indivíduo, com prejuízos concretos nos setores social, afetivo e profissional, que ele sente a necessidade de procurar ajuda especializada. DENTRO DESSE TÚNEL TEM LUZ É preciso ter em mente que todos os transtornos de ansiedade geram desconfortos ao indivíduo, em maior ou menor grau. Sendo assim, muito importante que ele procure um especialista para es- tabelecer o diagnóstico e as possibilidades teraputicas adequadas. Somente o diagnóstico preciso do transtorno (ou patologia) pode assegurar a terapia eficaz. At porque a ausncia de resultados sat- isfatórios afasta o paciente. Como “bom” ansioso, ele tem pressa, necessidades exacerbadas e muita ansiedade para utilizar pílulas milagrosas. 29/206 Tanto os mdicos quanto os psicoterapeutas precisam de muito empenho e dedicao, pois, em alguns casos, ocorre uma grande dificuldade em se estabelecer o tratamento mais adequado para cada forma específica de ansiedade e para cada paciente. Casos mais complexos so aqueles em que o transtorno de ansiedade est associado a outros quadros patológicos, como a depresso ou o consumo abusivo de lcool e/ou outras substncias causadoras de dependncia física e psicológica. Em relao ao lcool, de certa maneira, fcil entender a razo dessa parceria: a bebida alcoólica capaz de atenuar o estado de tenso contínua, proporcionando alívio momentneo e aparente para essas pessoas. No entanto, esse alívio imediato tem um preo. medida que o tempo passa, pode se tornar “caro demais”, pois o lcool, a curto, mdio e longo prazos, capaz de cobrar juros na forma de insônia, ansiedade mais intensa (especificamente na res- saca), depresso, doenas físicas, e inflacionar nossa vida com uma dependncia química difícil de ser vencida. At pouco tempo atrs, os transtornos de ansiedade possuíam poucas opões teraputicas realmente eficazes. Um dos grandes avanos ocorreu com a utilizao dos benzodiazepínicos – popular- mente conhecidos como calmantes, e que apresentam tarja preta. Todavia, eles no so eficazes em todas as formas de transtorno de ansiedade e tambm agem apenas na supresso dos sintomas, no exercendo influncia sobre as causas do transtorno. Assim, se nos restringirmos utilizao desses medicamentos, teremos a de- sagradvel surpresa de ver os sintomas indesejveis retornarem, to logo o uso deles seja suspenso. Felizmente, nos últimos anos, tivemos boas e animadoras notí- cias em relao ao tratamento dos transtornos de ansiedade, e hoje dispomos de um leque de possibilidades medicamentosas. De mais a mais, o progresso ocorrido no campo das terapias psicológicas de apoio foi significativo. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) 30/206 provou ser capaz de mudar os esquemas de pensamento que apri- sionam essas pessoas aos seus próprios medos, alm de alterar o seu comportamento (atitudes) diante dos fatores de ansiedade que desencadeiam. Em relao s novas medicaões, algo curioso aconteceu: a con- statao da frequente associao entre ansiedade e depresso fez com que os pesquisadores estudassem o uso de substncias origin- almente utilizadas como antidepressivos tambm para os casos de transtornos de ansiedade. A boa surpresa foi que algumas dessas substncias se mostraram realmente eficazes em determinadas formas de ansiedade patológica. Atualmente podemos afirmar que em 80% dos casos de tran- stornos de ansiedade possível melhorar muito a qualidade de vida das pessoas, e isso pode ser atestado pela satisfao que os próprios pacientes demonstram. Após a conquista desse bem-estar, muito importante que o paciente prossiga em sua terapia de ma- nuteno, pois essa prtica bastante eficaz na preveno de recaídas. E, como “em time que est ganhando no se mexe” e “canja de galinha no faz mal a ningum”, “melhor prevenir do que remediar”! 1 Descritos no DSM-IV-TR. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª edio. Texto revisto. 31/206 O meu medo é uma coisa assim, que corre por fora entra, vai e volta sem sair DALTO E CLUDIO RABELLO — Pessoa CAPÍTULO 2 TRANSTORNO DO PNICO: TERROR SEM AVISO PRVIO Sentimento súbito de terror, sensao de morte iminente, corao disparado, suor intenso, dores no peito, falta de ar, tontura, por vezes acompanhados de sensao de despersonalizao ou irrealid- ade ou de que alguma catstrofe vai acontecer! A descrio acima se encaixa perfeitamente na descrio de um ataque cardíaco, mas no . Trata-se de um ataque de pnico! De fato, vrias pessoas que sofrem de transtorno de pnico so atendi- das na sala de emergncia de um pronto-socorro, para onde so levadas com forte suspeita, ou quase certeza, de estarem tendo um enfarte, e l recebem o diagnóstico de que o corao se encontra em perfeito estado. O carter aterrorizante do ataque de pnico, em funo de seus sintomas, ainda agravado pelo seu aspecto de improviso; ou seja, ele chega sem sinais premonitórios e passa a dominar a vida das pessoas, que at aquele fatídico momento se consideravam criaturas detentoras da mais perfeita sanidade men- tal. A sensao vivida pelas pessoas que sofreram seu primeiro ataque de pnico algo como a fbula da Cinderela. De um in- stante para o outro perdem todo o glamour do luxo, da realeza, do amor, da música e se deparam com um balde de gua suja, um trapo de pano, uma vassoura velha quase careca. É dormir rico e acordar pobre. Esta a sensao após o primeiro ataque de pnico: perder toda a sanidade numa mesa de pôquer. Muitas pessoas apresentam um único ataque de pnico, que no se repete com o passar do tempo. No entanto, quando esses ataques so frequentes, passam a caracterizar o transtorno do pnico, gerando um círculo vicioso de sensaões e comportamentos que acabam por limitar de forma relevante a vida cotidiana dos portadores. O fato de a pessoa no poder prever a hora ou o mo- mento de um novo ataque de pnico faz com que ela desenvolva uma ansiedade crescente quanto situao e ao local onde o próx- imo ataque poder acontecer. A partir daí, instala-se uma sensao muito peculiar aos portadores de transtorno do pnico, conhecida como “o medo do medo”. Alm disso, eles tendem a evitar locais ou situaões onde outros ataques j ocorreram, como, por exemplo, banco, carro, cinema, teatro, feiras etc. De uma forma bem sucinta: o nome pnico foi adaptado do grego panikon e derivado do nome do deus P, figura mitológica grega, divindade das montanhas e das florestas, protetor de pequenos animais, pastores e caadores. Apesar de ser travesso, galanteador e de sempre empunhar uma flauta feita de canios do brejo, era rejeitado pela sua feiura. Metade homem e metade anim- al, com chifres, patas e pelos de bode, P aterrorizava as pessoas com suas apariões inesperadas. Desta forma surgiu a palavra “pnico”, o terror infundado ou repentino. Atravs dos sculos, observamos que as pessoas tm sofrido de ataques de pnico h muito tempo. No sculo XVI, na Frana, eram denominados terreur panique. Em 1603 (sculo XVII), um mdico ingls descreveu assim um ataque de pnico: “Tolos tremores re- pentinos, sem qualquer causa precisa, aos quais eles chamam de terrores de pnico.” Sigmund Freud (o pai da psicanlise) foi um dos primeiros a fazer uma descrio minuciosa e apurada dos ataques de pnico; em 1884 ele os chamava de “ataques de an- siedade” em vez de ataque de pnico. Entre o final do sculo XIX e a dcada de 1980, tanto a medicina quanto a psicologia pratica- mente ignoraram os ataques de pnico. Finalmente, a partir de 1980, a Associao de Psiquiatria Americana (APA) incluiu os ataques de pnico na terceira edio do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), uma espcie de bíblia dos psiquiatras para diagnosticar os problemas relacionados ao comportamento. Segundo o DSM-IV-TR,2 um ataque de pnico um período in- confundível, de imenso medo ou temor, no qual quatro ou mais dos sintomas listados abaixo se desenvolvem de forma abrupta. O 35/206 ataque atinge o pice(pico) em 10 minutos e costuma se estender por aproximadamente 40 minutos: • palpitaões ou taquicardia (ritmo cardíaco acelerado); • sudorese intensa (suor, principalmente na face ou cabea); • tremores ou abalos musculares; • sensao de falta de ar ou sufocamento; • sensao de asfixia ou “nó” na garganta (aperto); • dor ou desconforto no peito; • nuseas (enjoos) ou desconforto abdominal (similar cólica); • sensao de tontura, vertigem ou desmaio; • sensao de irrealidade (estranheza com o ambiente) ou de despersonalizao (estranheza consigo mesmo); • medo de perder o controle de seus atos ou de enlouquecer; • medo de morrer; • sensao de anestesia ou de formigamento (parestesias); • calafrios ou ondas de calor. É interessante observar que, em relao aos demais transtornos de ansiedade, o transtorno do pnico apresenta uma frequncia re- lativamente baixa, principalmente se compararmos com as fobias (medos exagerados). No entanto, o transtorno de pnico campeo entre as pessoas que procuram ajuda e tratamento mdico. Isso d a dimenso exata do sofrimento e do desespero vivenciados por um indivíduo durante um ataque de pnico. A partir desse momento, inicia-se um longo período de temor, insegurana e mudana. A poca mais comum para ocorrerem os primeiros ataques de pnico entre 15 e 30 anos de idade, o que no exclui a ocorrncia em qualquer outra faixa etria. A recorrncia dos ataques faz com que muitas pessoas sintam que no podem con- tinuar trabalhando ou tendo a mesma vida ativa de antes, por isso 36/206 no raro o abandono de carreiras profissionais absolutamente promissoras. Um dado sobre o pnico, que contraria o senso comum, o fato de ele ocorrer com igual frequncia tanto nos grandes centros urb- anos quanto nas regiões agrícolas (campo). Assim, cai por terra a ideia preconcebida de que a vida agitada das cidades grandes, como Rio de Janeiro, So Paulo e Belo Horizonte, cause mais pnico em seus habitantes. Isso no passa de um mito que comea a ser desfeito. A queda desse mito nos faz pensar que o estresse afetivo talvez seja, de fato, o grande vilo nesse filme de terror chamado pnico. Os ataques de pnico so relativamente frequentes em nosso meio, podendo apresentar entre 1,5% e 3,5% de prevalncia vital, ou seja, qualquer um de nós tem a probabilidade de ser acometido por um ataque de pnico em algum momento de nossa existncia. As mulheres so mais acometidas que os homens, e a causa exata dessa diferena at hoje no satisfatoriamente compreendida. No entanto, os estudos revelam que elas possuem duas a quatro vezes mais chances de apresentarem o transtorno. Alm disso, importante destacar a significativa presena de uma propenso gentica ao transtorno, uma vez que existe maior incidncia do problema entre pessoas cujas famílias possuem descriões de casos semelhantes. Cabe salientar que sofrer um ataque de pnico isolado, sem maiores consequncias, no significa que uma pessoa seja porta- dora do transtorno do pnico. Afinal, vrias condiões dirias como estresse familiar, no trabalho e uso de substncias como lcool, an- fetaminas, cigarro, cafeína, cocaína e at maconha podem, es- poradicamente, desencadear crises de pnico. Por outro lado, se esses ataques forem frequentes e a pessoa passar a se preocupar permanentemente com a iminncia de uma nova crise, ou mesmo com as possíveis consequncias catastróficas 37/206 (enfarte cardíaco, derrame cerebral, enlouquecimento etc.), o dia- gnóstico de transtorno do pnico dever ser feito. Obviamente que se deve excluir qualquer outra doena física que justifique o quadro clínico, pois muitas podem apresentar sintomas parecidos. Diferentemente das fobias (medos exacerbados), os ataques de pnico costumam ser espontneos, ou seja, “aparecem do nada”, e no esto relacionados a objetos/animais ou situaões específicas, sempre presentes nos quadros fóbicos. Como visto at aqui, diagnosticar o transtorno do pnico no to simples como se pensa. Mesmo que uma pessoa preencha os critrios para ataques de pnico, e estes se apresentem de maneira repetida e inesperada, ainda assim preciso executar uma srie de rotinas diagnósticas, uma vez que h a necessidade de afastar a possibilidade de que tais crises sejam provocadas por uma doena física ou mesmo por outro transtorno de ansiedade, especialmente as fobias. Daí a necessidade de que o diagnóstico de transtorno do pnico seja realizado por mdicos, de preferncia com larga exper- incia no trato com pessoas portadoras de transtornos ansiosos, e tambm possuidores de vasto conhecimento das patologias clínicas em geral. Podemos constatar o sofrimento vivenciado por Viviane, 31 anos, comerciria, diante desse terrível desconforto: H seis anos, durante um almoço com um colega de trabalho, vivenciei uma das piores coisas do mundo. Tudo estava na mais perfeita harmonia e tranquilid- ade quando, de repente, sem mais nem menos, uma sensaço horrível e angustiante tomou conta de mim. Começou com uma tontura, depois tudo ao meu redor estava estranho (as pessoas, o ambiente), e pensei 38/206 que estivesse enlouquecendo. Minha vontade era fugir dali, mas perdi o controle e desabei num choro com- pulsivo. Eu tive absoluta certeza de que iria enfartar, morrer. Um mal-estar indescritível, tudo era muito intenso! Meu corpo suava por inteiro, sentia enjoo, dormên- cia na nuca, meu coraço disparava e me sentia sufo- cada. Medo! Ninguém conseguia fazer aquele deses- pero parar, e os meus pensamentos eram os mais terríveis possíveis. No fazia a menor ideia do que po- deria estar acontecendo e jamais me esqueci dessas cenas de horror. Tempos depois, as crises voltaram e cada vez mais frequentes. Meus pais se desesper- avam junto comigo, percorríamos os prontos-socorros e as clínicas cardiológicas. Fiz todos os exames que me pediram e o diagnóstico era sempre o mesmo: es- tresse. Convivi com isso por cinco anos, o que me im- pediu de trabalhar, sair sozinha e dirigir. Passei a me informar sobre o assunto e procurei um psiquiatra. Fui diagnosticada com transtorno do pnico e iniciei o tratamento. Hoje j me sinto muito mais segura e levo uma vida praticamente normal. Infelizmente, o portador do transtorno do pnico pode levar muito tempo at receber diagnóstico e tratamento adequados. A grande maioria dos pacientes ainda hoje faz verdadeiras peregrin- aões por diversos especialistas mdicos e consultórios de psicolo- gia. Tais pacientes so submetidos a vrios exames e, ao final, re- cebem o desolador diagnóstico do nada, que costuma ser seguido por tapinhas nos ombros e frases profticas do tipo: “Voc est 39/206 ótimo, no tem nada, seus exames so espetaculares!”; “Isso tudo da sua cabea, relaxe”; “Viaje um final de semana e tudo voltar ao normal”. Quem tem pnico sabe muito bem que o tal nada, que muitos mdicos e psicólogos afirmam com veemncia, pode ser re- sponsvel por todo o sofrimento do mundo em um curto espao de tempo: os minutos que duram a crise de pnico. Alm disso, o nada, ao se repetir, muda de forma dramtica toda uma vida de planos, sonhos e realizaões. O fato de apresentar exames físicos e complementares (laborat- oriais) dentro dos padrões da normalidade no significa, em abso- luto, que a pessoa no tenha nada. A meu ver, a prevalncia desse suposto binômio doente/sadio reflete a nossa momentnea, mas real, incapacidade de dispormos de mtodos laboratoriais ou de im- agens suficientemente sofisticadas que nos possibilitem ver como funciona o crebro de algum portador de transtorno do pnico. E mais: coloca de frente para o espelho a grande dificuldade que os profissionais de saúde tm de exercer a empatia (capacidade de se colocar no lugar do outro) na relao mdico–paciente. Parte dessa deficincia tem sua origem na própria formao mdica. Ela totalmente voltada para a produo de mdicos oni- potentes, que se protegem de uma relao mais humana com seus pacientes por meio de tcnicas e condutas previamente estabeleci-das. Sendo assim, esses profissionais apresentam grande di- ficuldade em aceitar e compreender o sofrimento do outro. O que mais agrava isso o fato de que, tal qual a misria, o sofrimento humano existe em qualquer canto e pode se manifestar em qualquer pessoa. O mdico de hoje pode ser o paciente de amanh e vice-versa. 40/206 COMO PENSAM AS PESSOAS QUE TM TRANSTORNO DO PNICO Os portadores do transtorno do pnico, em sua maioria, costumam apresentar ansiedade antecipatória em relao possibilidade de terem um novo ataque de pnico e a respeito de sofrerem as mais diversas consequncias advindas desses ataques (enfarte, derrame, morte etc.). Essa ansiedade antecipatória se manifesta especial- mente na forma de pensamentos propriamente ditos ou na forma de imagens (histórias fantasiadas). Ambos, pensamentos e im- agens, povoam a mente dos portadores do transtorno do pnico, tal qual uma sequncia rpida de sons e imagens vistos em um video- clipe de música eletrônica. É comum o paciente no ter muita per- cepo do conteúdo desses pensamentos, devido grande velocid- ade com que eles so processados no crebro. Em funo dessa rapidez, tais pensamentos so denominados “pensamentos automticos” e, infelizmente, so aceitos como fatos ou verdades absolutas por esses pacientes. Os pensamentos ou imagens mais comuns so: • Vou ter um ataque cardíaco. • Vou ficar louco. • Vou morrer. • Vou ter um derrame. • Vou ser tomado como algum fraco. • Vou desmaiar e vo rir de mim. • No posso ficar sozinho, pois preciso de algum para me socorrer. • No consigo controlar minha vida. • Preciso ser capaz de controlar tudo. • No posso dirigir, pois vou perder o controle do carro e bater. 41/206 • No posso praticar esporte, pois posso morrer. • No posso fazer sexo, pois posso enfartar. • Se eu no dormir, posso enlouquecer ou ter uma síncope (colapso nervoso). • No posso me emocionar nem chorar, seno perco totalmente o controle das minhas emoões. Naturalmente, existem muitas combinaões e, at mesmo, difer- entes pensamentos e imagens que podem ocorrer em cada indiví- duo portador do transtorno do pnico. Afinal, os sintomas so os mesmos. No entanto, cada pessoa traz consigo uma história pró- pria, que acaba por facilitar a ocorrncia de determinados tipos de pensamentos e imagens que povoam suas mentes. Na minha prtica clínica, observo, porm, que determinados pensamentos ocorrem com tanta frequncia entre as pessoas com pnico, que praticamente so unnimes ou universais. Entre eles destaco trs que, sob meu ponto de vista, respondem por grande parte do sofrimento desses pacientes e transformam suas vidas em verdadeiros martírios antes, durante e após a ocorrncia de uma crise: MORTE Sem sombra de dúvida, a ideia de morrer a que mais aterroriza quem sofre de transtorno do pnico (TP). É claro que o assunto “morte” costuma incomodar quase 100% da populao humana, afinal somos os únicos animais que tm conscincia de sua inev- itvel ocorrncia. Mas o que chama ateno entre os pacientes com pnico o fato de eles associarem diretamente esse medo a alguns sintomas que ocorrem durante o ataque de pnico, em especial a taquicardia e a falta de ar (ou dispneia). 42/206 Por outro lado, se pensarmos bem, veremos que essas mesmas sensaões esto presentes, de forma absolutamente normal, em nosso cotidiano. Quem j no teve taquicardia e ligeira falta de ar ao ter uma maravilhosa relao sexual, após a prtica de um es- porte de lazer, após a subida rpida de uma escadaria ou mesmo durante uma forte emoo de alegria? Essas sensaões so, de certa forma, corriqueiras e totalmente normais em nossa vida. O que as torna anormais no pnico a forma catastrófica como elas so interpretadas. Para um paciente com transtorno do pnico, a taquicardia e a falta de ar so sempre indicadores certeiros de morte iminente. Se lembrarmos quantas vezes fizemos exercícios físicos e bom sexo, notaremos que, alm de no termos morrido disso, experimentamos sentimentos revigor- antes que nos deram a certeza de que estvamos vivos e felizes. LOUCURA Excetuando alguns filósofos e poetas, que viam algo de romntico e revolucionrio na loucura, todos nós temos muito receio de en- louquecer, at porque isso significa romper a fronteira do conhecido e quebrar a estrutura mais íntima de nosso ser. No caso dos porta- dores de transtorno do pnico, esse medo intenso e muito fre- quente. Ele est profundamente relacionado com os sintomas de despersonalizao (deixar de se sentir a própria pessoa) e irrealid- ade (estranheza em relao aos fatos e pessoas que fazem parte de sua vida). Ao forar a respirao em funo da falta de ar, o paciente com pnico acaba promovendo uma hiperventilao, ou seja, respirao curta e rpida com reduo dos níveis sanguíneos de oxignio (O2) e gs carbônico (CO2), resultando em uma respirao de baixa qualidade. A reduo de oxignio (O2) no sangue provoca um fun- cionamento alterado no crebro, que passa a coordenar mal as 43/206 ideias e os pensamentos, dando a sensao de despersonalizao e irrealidade, que toma conta das pessoas durante o ataque de pnico. J a diminuio de gs carbônico (CO2), alm da sensao de estar fora da realidade, causa sintomas de formigamento nos l- bios e no rosto, tonturas e espasmos musculares (tremores e contraões). Essa mesma impresso pode ser provocada quando, voluntaria- mente, respiramos rpida e profundamente com a boca aberta de 30 a 60 segundos. Faa o teste e voc ver que um pouco de ton- tura e confuso mental no capaz de enlouquecer ningum. Loucura outra coisa, bem diferente por sinal. Nela existe a presena de alucinaões e delírios, que so alteraões graves da percepo (ver coisas, ouvir vozes) e do julgamento (achar que es- t sendo perseguido). E isso no tem nada a ver com o transtorno do pnico em si. DESCONTROLE Se pensarmos bem, viver um exercício dirio, cheio de imprevis- tos positivos e, s vezes, negativos. No existe viver sem essas condiões. Apesar de sabermos que controlar os acontecimentos de nossas vidas e das pessoas que nos cercam uma tarefa impos- sível, sempre tentamos manter sob domínio os fatos, os sentimen- tos e as circunstncias que ocorrem. A maioria das pessoas no consegue lidar muito bem com essa impossibilidade. É como se o ato de controlar coisas e pessoas conferisse uma espcie de poder ilusório de segurana, fora e equilíbrio ao controlador. Para quem sofre de pnico, perder o controle sobre seus atos algo pensado e imaginado com tamanha riqueza de detalhes, e com uma frequncia to intensa, que o seu universo mental funciona como um filme de suspense e ao, no qual acontecimentos trgi- cos ocorrem a todo instante. E pior: muitos desses pacientes 44/206 chegam a imaginar essas cenas trgicas com detalhes mórbidos e trilhas sonoras fúnebres ao fundo. Eles veem tudo o que ouvem e ouvem tudo o que veem. Dessa forma, perder o controle de um veículo e atropelar algum ou mesmo cometer um ato desvairado so ideias que inundam a mente dos portadores de pnico, mantendo-os como nufragos deriva dentro de si mesmos. Os portadores de pnico, envoltos em seus pensamentos trgi- cos ou catastróficos, no se do conta de um fato bastante simples e acalentador: um ataque de pnico tem uma durao limitada. Como j dito, os sintomas se instalam de forma súbita, atingem um pico mximo de intensidade, por volta de 10 minutos, iniciam uma curva descendente e passam. Sem esse entendimento, mesmo com todos os sintomas desagradveis e o descontrole que as pessoas com ataque de pnico vivenciam, muitas acabam por pedir ajuda a algum ou mesmo dirigem-se sozinhas a um hospital ou a um local onde possam ser encaminhadas ao atendimento mdico. Conven- hamos que, se essas pessoas no tivessem um mínimo de controle sobre as situaões, elas sequer seriam capazes de se articular para solicitar ou buscar ajuda. Sendo assim, o descontrole, to temido pelos portadores de transtornodo pnico, mais uma sensao subjetiva do que um fato de repercussões to trgicas como eles imaginam. O MEDO DE FICAR DESAMPARADO (AGORAFOBIA) Tinha medo de sair de casa, de estar sozinha, de tra- balhar, de ir ao teatro, cinema ou shows. Logo eu, que sempre gostei tanto de tudo isso. 45/206 Uma situao que frequentemente acompanha o transtorno do pnico a agorafobia. A origem desta palavra, aparentemente es- tranha e de difícil pronúncia, tambm advm da mitologia grega. gora era o nome de praas onde se realizavam trocas de mer- cadorias ou reuniões do povo para discutir os problemas da cidade. Sendo assim, a agorafobia trata de um tipo de fobia generalizada, na qual o indivíduo apresenta um medo intenso e injustificvel de estar em lugares amplos ou com um contingente significativo de pessoas. Nesses casos, o receio apresentado por essas pessoas deve-se dificuldade de terem acesso a qualquer tipo de socorro, caso haja a necessidade de um atendimento mdico ou qualquer outro tipo de ajuda. Contrariando algumas pessoas, que tendem a citar o pnico e/ou a agorafobia como um problema dos tempos modernos, a agorafo- bia foi descrita h mais de um sculo como “impossibilidade de an- dar nas ruas ou praas ou faz-lo somente com medo ou sofrimento acentuado”. A agorafobia se caracteriza por ansiedade extrema de estar em locais ou circunstncias cuja saída seja difícil ou, ento, o auxílio possa no estar disponível se houver ocorrncia de um ataque ou de sintomas de pnico. A agorafobia leva as pessoas a evitar situ- aões cotidianas diversas, como ficar sozinhas em casa, estar em meio multido, sair de casa, andar de ônibus, carro, elevador, avio, trem, metrô, ou ainda atravessar pontes, viadutos ou pas- sarelas. Quase sempre as pessoas que sofrem de agorafobia neces- sitam da presena de outras pessoas de confiana para enfrentar essas situaões. Diante da relao frequente entre pnico e agorafobia, o DSM- IV-TR descreve a agorafobia em duas situaões: 1. Transtorno do pnico com agorafobia. 2. Agorafobia sem história de transtorno do pnico. 46/206 Pela minha experincia clínica diria, observo que a ocorrncia de agorafobia sem história de transtorno do pnico um dia- gnóstico raro. Na grande maioria dos casos, encontro a agorafobia como parte ou consequncia do próprio transtorno do pnico. É importante que o leitor entenda que a agorafobia no um simples temor ou evitao de lugares abertos ou fechados, ela eng- loba diversas circunstncias que podem apresentar diferenas sutis de pessoa para pessoa. No entanto, todas tm em comum o medo de estar longe de casa ou longe de pessoas que lhes deem segur- ana. Fora dessas situaões, tidas como seguras, os pacientes com agorafobia possuem intenso temor de apresentarem sensaões físicas e psíquicas de ansiedade e desencadear crises ou ataques de pnico. O medo de ter medo define de forma precisa a essncia desse quadro. Nos pacientes que apresentam o transtorno do pnico com agorafobia, os sintomas de ansiedade costumam ser bastante vari- veis, tanto na frequncia quanto na intensidade, ou seja, desde um leve desconforto at uma esquiva generalizada (de situaões, pess- oas, locais). O transtorno do pnico costuma apresentar ótima resposta teraputica a determinados tipos de antidepressivos, porque esses remdios so bastante eficazes no controle dos ataques. Porm, eles agem de maneira bem menos perceptível na esquiva fóbica (evitar situaões ou locais onde os ataques de pnico tenham ocor- rido anteriormente), sobretudo se esta for acentuada e duradoura. É claro que o controle das crises de pnico gera, em muitas pess- oas, maior segurana e predisposio para que elas enfrentem as situaões ou os locais que anteriormente eram evitados com afinco. Entretanto, grande parte dos pacientes com pnico e que apresent- aram agorafobia intensa por longo período tende a manter o com- portamento de evitao devido ao medo de ter outro ataque de pnico. 47/206 Evitar situaões, locais ou pessoas diminui momentaneamente o medo, reforando um círculo vicioso de falsa segurana e controle. Por isso, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) to import- ante no tratamento do transtorno do pnico com agorafobia, uma vez que esse tipo de abordagem psicoterpica prepara o paciente para enfrentar e romper essa “corrente” de medo, insegurana e incapacitao. Os locais e as situaões evitados por pacientes que apresentam transtorno do pnico com agorafobia so bastante diversos, pois dependem da vivncia subjetiva e/ou objetiva de cada pessoa. Mesmo assim, na prtica diria, observo que alguns deles so evita- dos com frequncia significativa pela maioria dos pacientes, tais como: • sair ou ficar em casa sozinho; • permanecer em locais fechados e cheios como teatros, cinemas, restaurantes, shoppings, supermercados, shows, estdios de futebol, festas em clubes, congestionamentos de trnsito etc.; • andar de carro, ônibus, metrô e avio; • enfrentar filas de banco; • atravessar túneis, passarelas, pontes, elevados; • entrar em elevadores; • permanecer em consultórios mdicos e de dentistas, escritórios em geral; • frequentar lugares muito amplos e abertos, onde a ajuda no possa estar vista; • realizar viagens e passeios mais distantes. COMPREENDENDO O TRANSTORNO 48/206 Dizem que o primeiro beijo a gente nunca esquece, assim como o primeiro suti, o primeiro bombom oferecido como declarao de amor, a primeira paixo, o primeiro amor. So momentos mgicos, que povoam nossas lembranas e superlotam o escaninho de nossas almas, como diria Fernando Pessoa, ao se referir s cartas de amor. De forma inversa, porm no menos intensa, o mesmo acontece com o primeiro ataque de pnico. Por razões diametral- mente opostas, o pavor vivenciado naqueles 5 a 40 minutos em que a morte mostra a sua cara mais abusada jamais abandona a memória de quem j teve ou tem ataques de pnico. Para que se compreenda, pelo menos parcialmente, a tempest- ade indesejada que acomete nosso organismo durante uma crise de pnico, preciso considerar que o nosso crebro detentor de um sistema de alarme. Tal sistema detecta e sinaliza ameaas e o perigo e nos prepara para situaões nas quais precisaríamos correr, fugir ou mesmo tomar decisões de forma reflexa e imediata. Por circunstncias ainda no completamente esclarecidas, esse sistema pode se “desregular” e desencadear alarmes falsos em situaões que habitualmente no representam qualquer tipo de ameaa ou perigo para nós. Todos nós j passamos por momentos de risco ou perigo em que sentimos nosso corao bater mais rpido e forte. Percebemos a respirao mais intensa, os músculos tensos, o corpo quente e a pele suada. E foi graas a essas alteraões do organismo que con- seguimos tomar atitudes que sequer imaginvamos ser capazes. Tal qual uma arma, nosso sistema de defesa cerebral possui um gatilho que, ao ser acionado por determinada situao de risco, capaz de desencadear no crebro uma verdadeira “exploso” de reaões químicas, liberando neurotransmissores3 como noradrenalina, dopamina e endorfinas, que deixam nosso corpo pronto para en- frentar ameaas concretas. 49/206 Algo bastante semelhante ocorre em uma crise de pnico. Tudo funciona como se houvesse de fato um perigo real, as mesmas al- teraões bioquímicas, as mesmas sensaões e at as aões reflexas e imediatas de medo e insegurana. No entanto, a ameaa real no existe! É como se o sistema de alarme do detector de perigo tivesse sofrido um desajuste, e sua programao de disparo, para situaões específicas e necessrias, passasse a funcionar em horas erradas e inapropriadas. Sem qualquer lógica aparente ou necessidade real e controle algum, esse alarme dispara de forma repentina, tomando- nos de assalto e deflagrando uma srie de sintomas que, ao se re- petirem ao longo do tempo, transtornaro toda a nossa vida. Situao anloga ocorreria se nosso despertador, que progra- mado para nos fazer acordar todos os dias s seteda manh, pas- sasse, de um momento para o outro, a disparar s duas, trs ou quatro horas da madrugada, em noites sucessivas. É claro que esses despertares indesejados, com barulhos irritantes e estress- antes, seriam responsveis por sensaões e consequncias bastante desagradveis. Desta forma, o ataque de pnico tem sua origem no aparelho cerebral do medo que, por diversos fatores, passa a apresentar sua sensibilidade alterada. Diversas estruturas do crebro fazem parte desse sistema complexo que envolve o medo, a ameaa, o risco ou o perigo: o córtex pr-frontal, a ínsula, o tlamo, a amígdala e o tronco cerebral (ver ilustrao no capítulo 9). Tais estruturas so responsveis pelo disparo e pela conduo dessas reaões, interme- diadas, claro, pelos citados neurotransmissores. O transtorno do pnico est classificado dentro dos transtornos de ansiedade, isto , quando a ansiedade se exacerba e assume status de patologia, limitando a vida de diversas pessoas, fazendo- as sofrer de forma intensa e, s vezes, duradoura. Sem nenhuma dúvida, dentre esses transtornos de ansiedade, o transtorno do pnico o que pode atingir as dimensões mais catastróficas, uma 50/206 vez que os ataques se constituem de crises agudas de ansiedade, de proporões quantitativas imensurveis em um curto espao de tempo. CAUSAS: O FIO INVISÍVEL DO PNICO As pessoas que sofrem de transtorno do pnico no costumam rela- cionar algum fato ou motivo óbvio que justifique a ocorrncia dos primeiros ataques de pnico. No entanto, o que se constata na prtica clínica que, na grande maioria dos casos, existe, sim, uma ligao com os eventos da vida dessas pessoas, responsveis pelo desencadeamento das primeiras crises. Em uma investigao mais acurada, pode-se observar que esses eventos ou circunstncias no ocorreram nas últimas horas, últimos dias ou semanas, mas entre seis e 18 meses antes. Em geral, as pessoas com pnico ignoram totalmente essa lig- ao retrógrada, por isso resolvi denomin-la fio invisível. Todavia, a conexo existe, e os pacientes normalmente fracassam em cor- relacionar os acontecimentos, o que demonstra estarem procurando no lugar ou no tempo errado. Eles, raramente, olham para um per- íodo de tempo que seja superior ao dia anterior, na tentativa de ex- plicar seus ataques de pnico. Essa a razo pela qual os pacientes no conseguem estabelecer a ligao correta, uma vez que enquad- ram os fatos com um enfoque temporal totalmente distorcido. É preciso olhar a meia distncia quando se quer desvendar os fa- tos reais que desencadearam os primeiros ataques de pnico. Os pacientes, em sua maioria, respondem “no” quando pergunto se houve algum acontecimento significativo em suas vidas na ocasio da primeira crise de pnico. No entanto, conforme vo descrevendo os meses anteriores ao primeiro ataque, acabam por revelar os 51/206 mais diversos tipos de eventos: ruptura de casamento, cirurgia de emergncia, um grave acidente, a morte de um ente querido (pai, me, irmo). É óbvio que, naquela ocasio, essas pessoas est- iveram sob um estresse intenso e prolongado e, por conta disso, o organismo preparou toda uma reao, visando muni-las de fora e coragem para enfrentarem os acontecimentos traumticos. As demandas aumentadas de desempenho físico e mental, a que as pessoas esto sujeitas quando so expostas a eventos traumti- cos, so suportadas pelo organismo por um determinado período de tempo (varivel de pessoa para pessoa). Porm, existe um mo- mento em que esse frgil equilíbrio quebrado e a “reao do medo”, acionada pelo organismo, passa a ser disparada sem qualquer motivo imediato. Surgem, ento, os recorrentes ataques de pnico que transtornam de forma abrupta a vida das pessoas. SEPARANDO O JOIO DO TRIGO Fazendo uma analogia com o ditado popular “nem tudo o que reluz ouro”, podemos encontrar pacientes que apresentam crises ou ataques de pnico, mas que no apresentam transtorno do pnico. Isso ocorre porque essas crises foram originadas por outros motivos e no pelo fato de o paciente apresentar, efetivamente, o tran- storno do pnico. Observo, com relativa frequncia, ataques de pnico como consequncia do uso de drogas como cocaína, ecstasy, anfetaminas (remdios para reduo do apetite), lcool, maconha etc. Nesses casos, as crises de pnico costumam ocorrer no período de abstinncia ou na intoxicao aguda, como o caso das sub- stncias estimulantes (cocaína, anfetaminas ou mesmo excesso de cafeína e/ou nicotina). 52/206 Na prtica clínica, constato que certos pacientes só procuraram o consultório por terem apresentado ataques de pnico em plena segunda-feira. Após uma investigao criteriosa, identifico que tais crises ocorreram após um final de semana de intensas badalaões, associadas a abusos de substncias, companhias fiis dessas noitadas. O exposto assemelha-se muito ao relato de Maurício, 25 anos, universitrio e bancrio: Sei que sou um cara agitado e ansioso, mas nunca tive maiores problemas com isso. Tenho uma namor- ada que adoro, trabalho e estudo normalmente, sem problemas na faculdade. No sou santo, sempre gostei de ir a festas e bares nos finais de semana, onde costumo beber, fumar muito e usar algumas “bolas” pra curtir e ficar mais solto e “ligado”. Porém, de uns tempos pra c vem acontecendo algo meio es- tranho. Estou tendo um tipo de “ressaca” diferente e muito ruim. Sinto falta de ar, dor no peito, meu queixo começa a tremer sozinho, os braços ficam dormentes e a sensaço é de que vou morrer. Na minha cabeça passa um monto de coisas ao mesmo tempo e me d a impresso de que posso fazer mal a alguém a qualquer momento. Nunca contei nada pra minha namorada e pros meus amigos, pois fico com vergonha de eles acharem que é frescura ou que sou fraco. J estou evitando sair com minha turma, pois é uma coisa que no consigo controlar, vem de repente e é um mal-estar horroroso. 53/206 Alm de averiguar as situaões de abuso de drogas, o mdico tambm deve realizar uma cuidadosa avaliao clínica para que outras patologias clínicas, que costumam provocar sintomas semel- hantes a uma crise de pnico, possam ser descartadas. As prin- cipais situaões clínicas que devem ser eliminadas, antes de firmar o diagnóstico de certeza do transtorno do pnico, so: • Hipertireoidismo: conjunto de sinais e sintomas decorrentes do excesso de hormônios da tireoide; • Hipotireoidismo: diminuio do funcionamento da tireoide; • Hiperparatireoidismo: caracterizado pelo excesso de funciona- mento das glndulas paratireoides; • Prolapso da vlvula mitral: anormalidade cardíaca valvar mais comum, que pode ocasionar fadiga e palpitaões; • Arritmias cardíacas: alteraões do ritmo cardíaco normal; • Insuficiência coronariana: deficincia da artria coronria, re- sponsvel pela irrigao do corao; • Crises epilépticas (especialmente as do lobo temporal); • Feocromocitoma: tumor benigno localizado nas glndulas suprarrenais (85% dos casos), com flutuao da presso arterial, cefaleia, sudorese, palpitaões; • Hipoglicemia: baixo nível de glicose no sangue. O PROBLEMA NO VEM SOZINHO É muito comum que o transtorno do pnico venha acompanhado de outras alteraões comportamentais, denominadas comorbidades ou transtornos secundrios. Na realidade so problemas que, com o passar do tempo, o transtorno do pnico acaba carregando “de- baixo do brao”, transtornando ainda mais a vida do indivíduo. 54/206 Outros transtornos de ansiedade (como as fobias), a depresso e a hipocondria so frequentemente encontrados nos pacientes com TP. A hipocondria pode ser justificada pela excessiva preocupao com a saúde, que faz com que o indivíduo utilize muitos medica- mentos, se submeta a consultas mdicas constantes e realizao de uma bateria de exames em curto espao de tempo. A hipocon- dria at esperada nos portadores de transtorno do pnico, j que estes se preocupam muito com o seu corpo, seu funcionamento e a sua reao nas diversas ocasiões da vida. O sofrimentovivenciado por um portador do transtorno do pnico tambm pode ser deflagrador de grandes prejuízos nos di- versos segmentos de sua vida: FINANCEIRO/PROFISSIONAL So expressivos os gastos financeiros com mdicos e exames labor- atoriais, alm de faltas e afastamentos no trabalho com auxílio- doena e, s vezes, internaões em UTI, clínicas e hospitais psiquitricos, sem nenhum benefício. É tambm muito comum ocor- rerem recusas de promoões por falta de segurana e desmoraliza- o ou pedido de demisso e dispensa em funo da agorafobia. SOCIAL Com a ocorrncia sucessiva das crises, o paciente se “recolhe” como um bichinho acuado e se restringe ao seu convívio familiar. As recusas dos convites sociais tornam-se cada vez mais fre- quentes, devido ao receio de que uma crise ocorra a qualquer mo- mento, o que leva automaticamente ao afastamento dos amigos e conhecidos. De mais a mais, as pessoas de seu convívio social no conseguem entender, de fato, o que se passa com esse paciente, a 55/206 no ser que ele seja muito amigo ou que j tenha passado ou visto algo semelhante. FAMILIAR Após vrias consultas mdicas e exames, que demonstram que o indivíduo no apresenta “nada”, pelo menos aparentemente, os fa- miliares podem supor que todo o sofrimento no passa de falta de fora de vontade e acabam por imprimir uma responsabilidade muito grande para que ele supere seus desconfortos sozinho. Alm do mais, no raro que o paciente necessite de companhia para sair ou ficar em casa, o que acaba por tolher a liberdade das pess- oas de seu convívio e trazer aborrecimentos conjugais e/ou familiares. O ALÍVIO DO DIAGNÓSTICO... E FINALMENTE O TRATAMENTO Nunca pensei que um diagnóstico pudesse soar de forma to generosa em meus ouvidos. Após uma longa jornada, sem rumo e sem esperança, com- preendi o que eu tinha. Descobri que poderia melhor- ar e ter de volta a minha vida. Indubitavelmente, os pacientes, em sua maioria, sentem um ex- tremo alívio com o diagnóstico correto, pois encontram justificativas para os seus sofrimentos e descobrem que podem ser tratados. Nesse aspecto, a empatia do mdico e/ou terapeuta, ao se colocar 56/206 no lugar do paciente e identificar suas angústias, de fundamental importncia. Nos tempos atuais, no cabe mais a figura de profissionais frios e insensíveis, com a postura de quem olha de cima, sem um mín- imo envolvimento. É necessrio que os pacientes se sintam acol- hidos e respeitados, com uma conduta que se diferencie dos in- úmeros contatos anteriores. Muitos deles j chegam ao consultório desesperanados e fragilizados, uma vez que em inúmeras situ- aões foram avaliados e julgados como indivíduos que tm tantas queixas, mas que no apresentam “nada”. J passou a hora de os profissionais de saúde reverem seus conceitos e entender o “algo mais” que cada paciente carrega consigo. Um indivíduo com pnico no est, definitivamente, diante de uma ameaa real, mas seu so- frimento existe e muito expressivo! Alm disso, deveria ser da es- sncia de quem cuida de pessoas ouvi-las com a alma e o corao, j que cada uma delas detentora de todo um histórico de vida, emoões, cultura, hbitos e de toda a riqueza de uma experincia humana. No meio de tantas informaões, algumas corretas e outras sem o menor fundamento, o mdico e/ou terapeuta modernos precisam ser tambm professores, ensinando, de forma simples, clara e con- fiante, tudo o que se passa com esse indivíduo: a evoluo do seu quadro clínico, a conduta teraputica a ser adotada, o tempo de tratamento e a sua real necessidade. A maioria desses pacientes j viveu situaões constrangedoras e humilhantes no seu dia a dia, e o sofrimento no foi pequeno. É comum que eles parem no meio do trnsito, sejam socorridos em pleno voo, interrompam suas compras e passeios, assustem seus familiares e preocupem a todos. Muitos perderam a esperana e a confiana em si mesmos; foram mal compreendidos e j consul- taram inúmeros especialistas, sem qualquer explicao ou ajuda eficaz. 57/206 A esperana reina com o diagnóstico e tratamento adequados. Para tanto, necessrio que o mdico esteja familiarizado com o assunto e que haja uma boa relao mdico–paciente. A partir daí, a conduta teraputica poder ser estabelecida, com todas as chances de grande xito. TRATAMENTO MEDICAMENTOSO No tratamento so usadas medicaões que atuam de forma sub- stancial nas crises de ansiedade e na preveno de novas crises. Desde o início das pesquisas, pôde-se observar que alguns antide- pressivos teriam seu mrito no tratamento do transtorno do pnico, como demonstraram experimentos com a imipramina, um antigo antidepressivo tricíclico. Atualmente temos a opo do uso dos ISRS (Inibidores Seletivos da Recaptao da Serotonina), que atuam com eficincia comprovada e com menos efeitos colaterais. Porm, destaco dois pontos importantes no que tange a esses medicamentos: 1. As substncias conhecidas como antidepressivos tm sua ao reconhecida e segura em uma srie de transtornos comportamen- tais alm da depresso. Esse conceito importante porque muitos pacientes perguntam o motivo de usarem uma medicao dessa categoria, se no se sentem deprimidos. A atuao desses medica- mentos no equilíbrio da serotonina (neurotransmissor que traz bem-estar ao indivíduo) tem efeitos extremamente positivos no quadro do transtorno do pnico e outros quadros ansiosos. Diminuem sensivelmente a ansiedade e, reconhecidamente, posso citar a fluoxetina, a paroxetina e a sertralina, alm de outros mais modernos como o citalopram e o escitalopram. 58/206 2. A outra questo se refere ao tempo de ao teraputica, que normalmente no inferior a 20-30 dias, chegando em alguns casos a 45-60 dias, antes de se obterem resultados satisfatórios. Sendo assim, imprescindível que o mdico oriente seu paciente, advertindo-o, inclusive, de que no início do tratamento certos efei- tos indesejveis, porm passageiros, podem estar presentes. Essa informao fundamental, pois alguns pacientes acabam por desi- stir do tratamento, ainda na fase inicial, por total falta de conhecimento. Quando, no início da administrao da medicao, os efeitos ad- versos surgirem, os pacientes podem ter a falsa impresso de pi- ora, caso no sejam orientados pelo mdico que os assistiu. De mais a mais, so de extrema relevncia avaliaões mdicas per- iódicas, j que o vínculo e a perfeita sintonia entre mdico e pa- ciente tornam possíveis os ajustes, as trocas ou associaões medic- amentosas para o melhor conforto do paciente. Outro tipo de medicao muito utilizada no transtorno do pnico pertence classe dos benzodiazepínicos (tranquilizantes). De efeito notadamente ansiolítico (diminui a ansiedade), esses medicamentos possuem a vantagem de ter ao mais rpida, o que traz import- ante alívio das crises j no início do tratamento. Alm disso, eles tambm so usados em situaões de emergncia e em circunstn- cias inesperadas (do tipo SOS), o que garante maior segurana aos que sofrem do transtorno. Atualmente os mais usados so o al- prazolam e o clonazepam, sendo este último de efeito mais satis- fatório na prtica clínica. A experincia demonstra que a associao das duas classes de medicamentos no início do tratamento (antidepressivos e ansiolíti- cos) bastante adequada. Aos poucos, procuro suspender o uso dos tranquilizantes, reservando-os somente para emergncias, e mantenho apenas os antidepressivos. No entanto, diversas opões de tratamento so vlidas, j que outros medicamentos podem ser 59/206 usados no transtorno do pnico, ou j foram objeto de estudos e pesquisas, tais como os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), os betabloqueadores, a mirtazapina, a venlafaxina. No entanto, sempre importante observar a mxima de que “cada caso um caso”. Frequentemente os pacientes tm dúvidas em relao ao tempo necessrio para o tratamento. Tudo depende das características de cada um e das respostas medicao. Normalmente re- comendado um ano
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