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DIREITO PENAL III Maytê Ribeiro Tamura Meleto Barboza Lesão corporal Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Explicar a lesão corporal dolosa de natureza leve, grave e gravíssima. Definir lesão corporal culposa. Analisar a violência doméstica e as suas peculiaridades. Introdução Entre os bens tutelados pelo Código Penal, encontram-se a integridade física e a saúde do indivíduo. Apesar de a integridade física inserir-se no conceito de saúde, este é muito mais abrangente, englobando outros diferentes fatores, a exemplo da integridade psíquica. Neste capítulo, você vai ler sobre lesão corporal, que pode ser dolosa e culposa. Por fim, você lerá sobre violência doméstica e suas características. Classificação da lesão corporal dolosa O crime de lesão corporal visa proteger, isto é, tem como objeto jurídico não apenas a integridade física do ser humano, mas também a sua saúde. De acordo com Cunha (2016b, p. 110), o objetivo é proteger o indivíduo em sua saúde corporal, fi siológica e mental, o que envolve sua capacidade intelectual, volitiva e também sentimental. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de lesão corporal, tratando- -se, portanto, de um crime comum. No que se refere ao sujeito passivo, pode ser qualquer ser humano, mas devemos atentar para o fato de que — nas hipóteses previstas no art. 129, § 1º, IV, e § 2º, V do Código Penal, que se referem, respectivamente, à aceleração do parto e do aborto — a vítima deve ser uma mulher gestante. A lesão corporal, de acordo com o Código Penal, pode ser dolosa ou culposa (BRASIL, 1940). A diferença entre dolo e culpa requer uma análise bem mais aprofundada, mas, basicamente, de acordo com Correia (2017), dolo e culpa são elementos subjetivos implícitos do tipo penal. Assim, no dolo, o agente deseja o resultado ou ainda assume o risco de sua produção, enquanto que, na culpa, o resultado ocorre em decorrência de imprudência, negligência ou imperícia, ou seja, quando o agente deixa de observar o dever de cuidado. A forma dolosa de lesão corporal possui três níveis — leve, grave ou gravíssima —, previstos, respectivamente, no caput e nos §§ 2º e 3º do art. 129 do Código Penal (BRASIL, 1940). O art. 129, caput, do Código Penal dispõe sobre lesão corporal: “Art. 129 Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena — detenção, de três meses a um ano (BRASIL, 1940, documento on-line). Apesar de o Código Penal não dizer expressamente, o caput do art. 129 diz respeito à lesão corporal de natureza leve, o que podemos deduzir até mesmo pela pena mais branda que o legislador estabeleceu em relação aos demais tipos de lesão corporal, previstos nos parágrafos seguintes. Já o § 1º do art. 129 afirma que se trata de lesão corporal de natureza grave, cuja pena é de 1 a 5 anos de reclusão e ocorre quando se resulta em: Art. 129 [...] § 1º [...] I — Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II — perigo de vida; III — debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV — aceleração de parto (BRASIL, 1940 documento on-line): A incapacidade para ocupações habituais não se refere necessariamente a uma ocupação profissional. Pode ser qualquer ocupação habitual da pessoa, como, por exemplo, jogar videogame. Se a pessoa que tem esse costume ficar impossibilitada de fazê-lo por um período maior do que 30 dias — e aqui ressaltamos que deve ser mais de 30 dias, pois 30 dias exatos já não caracteriza —, ela terá sofrido, sim, uma lesão corporal de natureza grave. Lesão corporal2 Quanto à hipótese de perigo de vida, é importante salientar que esse perigo deve ser real, atestado por peritos, assim, não pode ser uma mera conjectura. Ademais, só é admitida na modalidade preterdolosa, isto é, dolo na conduta praticada e culpa no resultado. Afinal, se houver dolo no resultado, não se trata de uma lesão corporal, mas sim de uma tentativa de homicídio (CUNHA, 2016b). Com relação à terceira hipótese, que se refere à debilidade permanente de membro, sentido ou função, precisamos ter bastante atenção. A palavra utili- zada pelo legislador é debilidade, isto é, o membro, sentido, função continua funcionando, porém, com debilidade, não em sua plenitude. A perda definitiva de membro, sentido ou função é uma hipótese do próximo parágrafo a ser analisado, englobando as lesões corporais de natureza gravíssima. A aceleração do parto, prevista no inciso IV, pode ser vista como uma antecipação. A mãe e o bebê devem estar bem após o parto, o qual não ocorreu no momento em que deveria, pois foi acelerado. É muito importante que o feto tenha nascido com vida e que tenha condições de viver após o parto. O agente provocador dessa aceleração deve, ainda, ter conhecimento do fato de que a mulher estava grávida (SALIM; AZEVEDO, 2017). Por sua vez, o § 2º do art. 129 traz as hipóteses de lesão corporal de natureza gravíssima, cuja pena é a de reclusão, de 2 a 8 anos. As hipóteses são as seguintes: Art. 129 [...] § 2º [...] I — Incapacidade permanente para o trabalho; II — enfermidade incurável; III — perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV — deformidade permanente; V — aborto (BRASIL, 1940, documento on-line): O inciso I traz a hipótese de incapacidade permanente para o trabalho em virtude da lesão sofrida. A doutrina não é unânime quanto ao tipo de trabalho. Alguns doutrinadores acreditam que a incapacidade permanente deve ser para todos os trabalhos para que seja caracterizada a lesão de natureza gravíssima. Já outros entendem que basta que a pessoa fique incapacitada de exercer o trabalho que fazia antes. O inciso II, a seu turno, refere-se à enfermidade incurável. Ou seja, deve ter tido uma alteração no estado de saúde da vítima. Incurável, nesse caso, é a enfermidade permanente. Por mais que haja cirurgias para corrigi-la, a vítima não possui a obrigação de submeter-se a elas (SALIM; AZEVEDO, 2017). 3Lesão corporal O inciso III trata da perda ou inutilização de membro, sentido ou função. A perda seria a mutilação ou mesmo a amputação do membro. Já a inutilização é configurada pela perda da função. Segundo Salim e Azevedo (2017), caso haja a mutilação de um braço, será a perda do membro. Se ocorrer, porém, sua paralisia, restará configurada a sua inutilização. No que diz respeito à deformidade permanente, esta “[...] é a alteração duradoura de parte do corpo. Predomina que deve haver um dano estético irreparável, visível (não precisa ser no rosto) e capaz de causar transtorno ou impressão vexatória. Ex: deformidade em razão de queimaduras causadas por lançamento voluntário de ácido [...]” (SALIM; AZEVEDO, 2017, p. 111). Aqui, do mesmo modo que no caso da enfermidade incurável, mesmo que haja cirurgia reparatória, a vítima não tem qualquer obrigação de se submeter a ela. Por fim, o inciso V traz a última hipótese de lesão corporal gravíssima, que é o aborto. Trata-se, também, de crime preterdoloso, uma vez que, se houver dolo em relação ao aborto, o agente responderá, além da lesão do art. 129 do Código Penal, ao crime correspondente ao aborto criminoso, do art. 125 do Código Penal. Aqui, do mesmo modo, é imprescindível que o agente tenha conhecimento da gravidez (SALIM; AZEVEDO, 2017). O Código Penal traz especificamente quais são as formas de lesão corporal de natureza grave e gravíssima. Como, então, saber quais lesões são de natureza leve, se as demais são expressamente previstas no diploma legal? Tudo o que não for lesão de natureza grave e gravíssima será, por exclusão, considerada lesão corporal de natureza leve. Nas palavras de Cunha (2016b, p. 111): A lesão corporal dolosa leve e a culposa (não importando se leve, grave ou gravíssima) são infrações penais de menor potencial ofensivo, sendo cabível a transação penal. No caso da lesão corporal qualificada de natureza grave (§ 1º), cuja pena é de reclusão de um a cinco anos, admite-se somente a suspensãocondicional do feito. Quando o crime (não culposo) for praticado no ambiente doméstico e familiar (§§ 9º, 10 e 11), tratando-se de ofendida mulher, não se aplica qualquer das benesses previstas na Lei 9.099/95 (art. 41 da Lei 11.340/06). Lesão corporal4 A lesão corporal considerada de natureza leve e a lesão culposa, portanto, são infrações penais de menor potencial ofensivo, uma vez que as penas a elas aplicadas não ultrapassam o período de 2 anos de pena máxima. De acordo com o art. 61 da Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo “[...] as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa” (BRASIL, 1995, documento on-line). Um outro tipo de lesão prevista pelo Código Penal é a lesão corporal seguida de morte. Vejamos: Art. 129 [...] § 3º Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena — reclusão, de quatro a doze anos (BRASIL, 1940, documento on-line). Cunha (2016b) ensina que tal hipótese também é prevista na doutrina como homicídio preterdoloso. Isto é, a intenção era apenas ofender a integridade corporal e/ou a saúde de outrem, porém fatalmente acaba matando-o, de forma culposa. Falta ao autor do crime o animus necandi, que seria a vontade de matar. O § 4º do art. 129 trata a respeito da lesão corporal dolosa privilegiada, com redação idêntica à do § 1º do art. 121: Art. 129 [...] § 4º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço (BRASIL, 1940, documento on-line). Ou seja, se o agente comete o crime impelido por um dos motivos descritos, poderá o juiz diminuir sua pena. A substituição da pena de detenção pela de multa também é possível, quando se verifica o seguinte: Art. 129 [...] § 5º O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis: I — se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior; II — se as lesões são recíprocas (BRASIL, 1940, documento on-line). 5Lesão corporal Ou seja, se as lesões não forem graves, se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida, ocorre a injusta provocação da vítima e se as lesões forem recíprocas, o juiz poderá fazer tal substituição. O valor da multa será monetariamente atualizado, uma vez que o Código Penal data de 1940. Lesão corporal culposa Vejamos o que dispõe o Código Penal acerca da lesão corporal culposa “Art. 129 [...] § 6º Se a lesão é culposa: Pena — detenção, de dois meses a um ano” (BRAIL, 1940, documento on-line). A lesão corporal culposa é aquela decorrente, como vimos, da negligência, imprudência ou imperícia. O agente não teve a intenção de ocasionar uma lesão, mas, em razão de um desses três motivos, ela aconteceu. Cunha (2016-b, p. 122) afirma que o grau das lesões não interfere no tipo do crime, mas tão somente na fixação da pena-base, conforme art. 59 do Código Penal. “Art. 129 [...] § 7º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4º e 6º do art. 121 deste Código” (BRAIL, 1940, documento on-line). O § 7º trata a respeito da lesão corporal culposa majorada, em que se aumenta a pena de um terço caso ocorram as hipóteses previstas nos §§ 4º e 6º do art. 121 do Código Penal, que se refere ao crime de homicídio. A primeira parte do § 4º do art. 121 do Código Penal tem a seguinte redação (BRAIL, 1940, documento on-line): Art. 121 [...] § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. [...] Já o § 6º do art. 121 do Código Penal dispõe que no “Art. 121 [...] § 6º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio” (BRAIL, 1940, documento on-line). Conforme art. 129 do Código Penal “Art. 129 [...] § 8º Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121” (BRAIL, 1940, documento on-line). Lesão corporal6 Já o § 8º do art. 129 do Código Penal refere-se ao perdão judicial, que é aplicado a exemplo do § 5º do art. 121, retromencionado. Vejamos o que diz esse dispositivo (BRASIL, 1940, documento on-line): Art. 121 [...] § 5º Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. O perdão judicial, segundo Cunha (2016b), é o instituto pelo qual o juiz não aplica, nas hipóteses previstas taxativamente na legislação, a sanção corres- pondente à ação praticada pelo agente, por entender que as consequências da infração também o atingiram de tal modo que a pena se torna desnecessária. É como se o Estado perdesse o interesse na punição dessa pessoa. Cunha (2016b) cita como exemplo de perdão judicial o caso de uma pessoa que, apesar de ter ferido a vítima, tornou-se paraplégico. Outro exemplo é o do pai que, ao retirar seu carro da garagem, acaba atingindo e lesionando acidentalmente seu filho, pois não havia percebido que este estava atrás do veículo. Violência doméstica e suas peculiaridades O § 9º do art. 129 do Código Penal qualifi ca as lesões corporais leves nas situ- ações que envolvam violência familiar. A vítima pode ser tanto homem quanto mulher, pois aqui não há diferenciação (BRASIL, 1940, documento on-line): Art. 129 [...] § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevale- cendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena — detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 7Lesão corporal Se a lesão de natureza leve for cometida contra qualquer uma das pessoas descritas no § 9º do art. 129 do Código Penal, incidirá a qualificadora. A lesão deve ser de natureza leve, pois, se for grave ou gravíssima, incidirão estas (BRASIL, 1940). Portanto, de acordo com o § 9º, se as lesões forem praticadas contra as- cendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, com quem conviva ou tenha convivido, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, está configurada a lesão corporal leve quali- ficada pela violência doméstica. Salim e Azevedo (2017, p. 116) fazem uma observação em relação à parte que diz “[...] com quem conviva ou tenha convivido”, pois não se sabe ao certo se está se referindo a ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro com quem conviva ou tenha convivido ou a todas as pessoas com as quais o agressor conviva ou tenha convivido. Os autores apresentam duas posições: a primeira é que a expressão “[...] com quem conviva ou tenha convivido” se refere a qualquer pessoa (SALIM; AZEVEDO, 2017, p. 116). A segunda é que se refere às pessoas mencionadas (ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro), necessariamente. Assim, se um irmão agride o outro e nunca conviveram juntos, não incidirá a qualificadora. Os §§ 1º a 3º do art. 129 possuem forma majorada, isto é, se a lesão corporal grave ou seguida de morte for cometida nas circunstâncias do § 9º, a pena é aumentada em um terço. O § 11 também prevê um aumento de um terço na pena do agente que cometer lesão corporal contra pessoa portadora de deficiência (BRASIL, 1940). Está clara a preocupação do legislador em proteger não apenas a incolumi- dade física individual da vítima (homem ou mulher), como tambémtutelar a tranquilidade e harmonia dentro do âmbito familiar. Manifesta o agente nesses casos clara insensibilidade moral, violando sentimentos de estima, solidariedade e apoio mútuo que deve nutrir em relação aos parentes próximos ou às pessoas com quem convive (ou já conviveu) (CUNHA, 2016a, p. 386). Lesão corporal8 Por fim, dispõe o § 12 do art. 129 do Código Penal: Art. 129 [...] § 12 Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até ter- ceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços (BRASIL, 1940, documento on-line). Ou seja, trata-se de mais uma majorante. Percebemos nitidamente a in- tenção do legislador em proteger os membros da família, bem como a ordem e o bem-estar familiar. BRASIL. Decreto-Lei no. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Brasília, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- -lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 31 maio 2019. BRASIL. Lei no. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1995. Dispo- nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm. Acesso em: 1 maio 2019. CORREIA, M. Direito penal em tabelas: parte geral. Salvador: JusPodivm, 2017. CUNHA, R. S. Código penal para concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2016b. CUNHA, R. S. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016a. SALIM, A.; AZEVEDO, M. A. Direito penal parte especial: dos crimes contra a pessoa aos crimes contra a família. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. 9Lesão corporal
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