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TEORIA E PRÁTICA DO CURRÍCULO AULA 2 Concepções ideológicas do currículo ABERTURA Olá! A escola, não é apenas um espaço social emancipatório ou libertador, mas também é um cenário de socialização da mudança. Sendo um ambiente social, tem um duplo currículo, o explícito e o formal, o oculto e informal. A prática do currículo é geralmente acentuada na vida dos alunos estando associada às mensagens de natureza afetiva e às atitudes e valores. O Currículo educativo representa a composição dos conhecimentos e valores que caracterizam um processo social. Ele é proposto pelo trabalho pedagógico nas escolas. Atualmente, o currículo é uma construção social, na acepção de estar inteiramente vinculado a um momento histórico, à determinada sociedade e às relações com o conhecimento. Nesse sentido, a educação e currículo são vistos intimamente envolvidos com o processo cultural, como construção de identidades locais e nacionais. Nesta aula, vamos discorrer sobre as principais teorias e correntes ideológicas que se manifestam nas diferentes propostas e elaborações de currículos. BONS ESTUDOS! REFERENCIAL TEÓRICO Ao pensarmos no homem como um ser histórico, também refletiremos em um currículo que atenderá, em épocas diferentes a interesses, em certo espaço e tempo histórico. Existe uma diferença conceitual entre currículo, que é o conjunto de ações pedagógicas e a matriz curricular, que é a lista de disciplinas e conteúdos do currículo. O Currículo, não é imparcial, é social e culturalmente definido, reflete uma concepção de mundo, de sociedade e de educação, implica relações de poder, sendo o centro da ação educativa. A visão do currículo está associada ao conjunto de atividades intencionalmente desenvolvidas para o processo formativo. Aprofunde seu saber e, ao final da leitura, você dominará os seguintes aprendizados: • Identificar as principais correntes ideológicas e teóricas que perpassam a construção do currículo. • Reconhecer as razões políticas e culturais nas formas como o currículo é proposto e implementado. • Analisar as conexões entre conhecimento, ensino e poder no campo da educação, entendendo o currículo como um produto da política e de grupos de interesse. BOA LEITURA! TEORIAS DO CURRÍCULO Eliane de Godoi Teixeira Fernandes O currículo e suas concepções ideológicas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar as principais correntes ideológicas e teóricas que perpassam a construção do currículo. Reconhecer as razões políticas e culturais nas formas como o currículo é proposto e implementado. Analisar as conexões entre conhecimento, ensino e poder no campo da educação, entendendo o currículo como um produto da política e de grupos de interesse. Introdução Para entender o currículo enquanto documento orientador, é preciso co- nhecer as bases que dão suporte para a sua elaboração, reconhecendo, primeiramente, que nenhum currículo consegue ser neutro, visto que variados componentes teóricos, políticos, culturais e ideológicos sempre influen- ciam sua construção. Também é preciso ter consciência de que o currículo representa os desejos da formação de um ideal de cidadão e de sociedade, adaptando-se e modificando-se de acordo com a transformação desse ideal. Por todas essas razões, podemos dizer que o currículo é “vivo”, acom- panhando e promovendo o desenvolvimento da sociedade na qual ele se apresenta. Dialeticamente, o currículo influencia e é também influenciado pelos desejos e necessidades da sociedade. Neste capítulo, você vai identificar as principais concepções ideológi- cas que amparam a construção de um currículo, diferenciando-o de uma simples listagem de conteúdos disciplinares ou de objetivos educacionais e conhecendo questões políticas e culturais que se relacionam com a sua proposição. Por fim, vai ver o currículo sob a perspectiva de um produto político e sua conexão com elementos como conhecimento, ensino e poder no campo da educação. 1 Ideologia, teoria e currículo De acordo com Silva (2017), etimologicamente, o termo “currículo” tem raiz no latim curriculum, derivado do verbo currere, que signifi ca cami- nho a percorrer ou já percorrido. Na organização da escola básica, esse caminho estará sempre ligado às expectativas sociais para a educação da população em cada etapa do ensino nas condições históricas do momento em que ele é elaborado. Assim, quando ocorrem grandes mudanças na vida em sociedade, o currículo também se modifi ca, espelhando os objetivos para a educação para cada novo contexto socioeconômico. São exemplos dessas mudanças o processo de industrialização, a democratização e a universalização do ensino. Resumidamente, podemos concluir que currículo é tudo o que a sociedade considera necessário que as novas gerações aprendam ao longo da escolarização para que se tornem integrantes ativos dela. O currículo define o que ensinar, para que ensinar, como ensinar e como avaliar o que foi aprendido. Chamamos “universalização e democratização do ensino” o movimento que insti- tucionalizou a escola obrigatória para toda a população a partir da década de 1960. Antes desse movimento, a escola era destinada apenas às classes economicamente mais abastadas. No Brasil, até 1971, o ensino obrigatório e gratuito era de apenas quatro anos (primário). Após 1971, passou a ser de oito anos e, em 2010, de nove, com a decisão de iniciar o ensino fundamental aos seis anos de idade. A partir de 2016, todas as crianças a partir dos quatro anos de idade deveriam obrigatoriamente estar na escola, que passou a oferecer quatorze anos de duração. A definição de currículo acontece em dois níveis: o macroeducacional, formado por documentos que regulam e normatizam oficialmente a sistema- tização e os conteúdos mínimos para a educação básica brasileira (BRASIL, 2010), e o microeducacional, que é formado por cada escola, ano escolar, turma e aula em si. O currículo e suas concepções ideológicas2 Segundo Gimeno Sacristán (2013), o currículo: [...] [tem] se mostrado uma invenção reguladora do conteúdo e das práticas envolvidas nos processos de ensino e aprendizagem; ou seja; ele se comporta como um instrumento que tem a capacidade de estruturar a escolarização, a vida nos centros educacionais e práticas pedagógicas, pois dispõe, transmite e impõe regras, normas e uma ordem que são determinantes. Esse instru- mento e sua potencialidade se mostram por meio de seus usos e hábitos, do funcionamento da instituição escolar, na divisão do tempo, na especialização de professores e, fundamentalmente, na ordem da aprendizagem (GIMENO SACRISTÁN, 2013, p. 20). Apesar da aparente simplicidade da definição, diferentes autores formaram linhas distintas de classificação do currículo de acordo com sua pesquisa e entendimento. Portanto, você encontrará diversas possibilidades para classi- ficar o currículo quanto a ideologia, concepção, teoria e tipo. Aqui, usaremos a concepção mais usual nos estudos brasileiros sobre a educação, defendida por Silva (2017), Saviani (2011), Gimeno Sacristán (2013) e Libâneo (2013). Para esses estudiosos, há três grupos de teorias curriculares das quais derivam todas as demais: teorias tradicionais, críticas e pós-críticas. Essas teorias procuram explicar as concepções de currículo que influenciam a formação da sociedade. Segundo os estudiosos do currículo, a escola pode influenciar as relações sociais porque escolhe determinados conteúdos, tempos, espaços, estratégias e metodologias, elegendo-os como mais importantes e válidos em comparação com outros. Dessa forma, o currículo faz mais do que ensinar os conhecimentos acumulados pela humanidade por meio do tempo porque ensina também valores. Segundo Libâneo (2013), é na década de 1970 que as pesquisas sobre o currículo se intensificaram, em oposição ao padrão tradicional que dominava o mundo ocidental. A partir de então, destacam-se as pesquisasque procuram entender qual é o papel da escola na organização, conservação ou modificação das relações sociais, visto que por meio dela são promovidos determinados valores e conteúdos. Michel Apple, estudioso do currículo, afirma que “[...] a escola, como agente bastante significativo da reprodução cultural e econô- mica, torna-se, obviamente, uma instituição importante (afinal de contas toda criança frequenta a escola e a escola tem efeitos importantes como instituição de referência e socialização)” (APPLE, 2016, p. 66). 3O currículo e suas concepções ideológicas Em um artigo para a Fundação Getúlio Vargas denominado As duas fases da história e as fases do capitalismo, Luiz Carlos Bresser-Pereira faz um resumo interessante sobre as principais características do capitalismo e do pensamento de Marx sobre o socialismo. Para nós, que nascemos em um mundo organizado da maneira como está, pode ser difícil perceber o quanto a ascensão do sistema capitalista influenciou o modo de vida humana; por isso, essa visão do antes e do depois do surgimento desse sistema é necessária para compreendermos o papel da educação (e dos professores) na organização social. De acordo com Bresser-Pereira (2011, documento on-line): A revolução capitalista é a transformação fundamental da história hu- mana depois do surgimento da agricultura e da passagem das sociedades nômades para as sedentárias e a formação das primeiras civilizações ou impérios. No plano econômico, a revolução capitalista deu origem ao capital e às demais instituições econômicas fundamentais do sistema – o mercado, o trabalho assalariado, os lucros, e o desenvolvimento econô- mico. No plano científico e tecnológico, é o tempo da transformação de uma sociedade agrícola letrada em uma sociedade industrial. No plano social, é o momento de duas novas classes sociais: a burguesia e a classe trabalhadora. No plano político, a revolução capitalista deu origem às nações e ao Estado moderno, e, somando a esses dois fenômenos um território, ao Estado nação. Você deve ter em mente que essas teorias do currículo tratam de questões sociais nas relações humanas. Portanto, ao estudar o currículo educacional das sociedades ocidentais, não se esqueça das características sociopolíticas, econômicas e culturais que as caracterizam, ou seja, são capitalistas, apre- sentam grande desigualdade social e econômica, destacam a cultura clássica como majoritária e oferecem oportunidades diferenciadas de acesso à educação aos seus cidadãos — e são exatamente essas marcantes desigualdades criadas pelo sistema capitalista que as teorias do currículo vão analisar. O currículo e suas concepções ideológicas4 É importante que você perceba que, embora as teorias sobre o currículo tenham se- guido um caminho cronológico em seu surgimento, com uma teoria aparecendo como um julgamento sobre a proposta anterior, isso não significa que as mais novas tenham eliminado as anteriores. Atualmente, as três principais concepções têm adeptos em todo o mundo, com diferentes possibilidades de interpretação sobre cada uma delas. Teoria tradicional Esta teoria foi a primeira a dominar o Ocidente e parte de um currículo cien- tífi co, objetivo e hipoteticamente neutro. Seu conteúdo comporta a cultura geral de maneira descontextualizada e mecânica, fragmentada em disciplinas apartadas entre si. Sua organização é rígida e metódica, para formar os futuros cidadãos como trabalhadores especializados e efi cientes. Para isso, planeja e elabora mecanismos de avaliação e mensuração precisos e comparativos. O aprendizado é mensurado por meio de avaliações que exigem dos alunos a capacidade de reprodução sobre o que lhes foi ensinado, e o professor é centro da autoridade e do saber — o ato do ensino é a prioridade. Essa teoria do currículo pretende ser neutra porque não questiona os pro- blemas e as desigualdades que o sistema econômico capitalista promove na sociedade. Como ponto positivo, fruto de seu contexto histórico, foi o movi- mento responsável por promover a escola pública, universal, laica, gratuita e obrigatória para todos (SAVIANI, 2011). Alguns dos autores que se destacam nessa teoria são: John Dewey (1976), Franklin Bobbit (2004) e Ralph Tyler (1983). 5O currículo e suas concepções ideológicas Veja, a seguir, em quais escolas essa teoria está presente. Escola tradicional: tem como base o conteúdo humanista formado pelas clássicas obras literárias e artísticas gregas e latinas, chamadas de cultura geral. Considera-os como conteúdos importantes por si mes- mos e imprescindíveis para o desenvolvimento intelectual dos alunos. Esses conteúdos são ensinados pelos professores, depois aprendidos/ memorizados e reproduzidos sem questionamentos pelos alunos. Escola nova: critica o modelo clássico humanista que prevalecia. Utiliza o método de ensino reflexivo e experimental, no qual as crianças vão à escola para cozinhar, costurar, trabalhar a madeira e, assim, descobrir e aprender de maneira indireta os conhecimentos necessários para a vida social adulta. Entretanto, não propõe análise sobre o sistema econômico e sobre como as oportunidades de experimentação e os recursos podem ser muito diferentes para cada aluno dependendo da classe social à qual ele pertença. Escola tecnicista: voltada para a formação técnica e científica, con- siderando valores essenciais para o desenvolvimento da sociedade capitalista. Seu objetivo é a preparação para a vida profissional e, por isso, preconiza que a escola funcione como uma fábrica, especificando claramente sua organização, suas metas e seus planos para avaliação e mensuração de resultados. Divide o conhecimento em blocos que funcionam uns como pré-requisitos de outros. Os alunos podem avançar se alcançarem a pontuação satisfatória nas avaliações. Cabe ao professor dominar técnicas, métodos e estratégias para transmitir o conteúdo aos alunos, que serão treinados sistematicamente para aprendê-lo. Teoria crítica Elabora várias críticas às teorias anteriores, mas não propõe ações que pro- movam uma reorganização educacional para o sucesso escolar. Proclama que o currículo não é neutro, já que toda teoria está baseada em relações de poder econômico e cultural. Esse poder está inculcado na escolha dos temas, tempos e lugares para a educação formal, que acabam reproduzindo as desigualdades do sistema capitalista. A teoria crítica possui bases sociológicas, fi losófi cas e antropológicas, com destaque para as ideias marxistas. A partir dessas ideias, o currículo foi entendido como um espaço de poder, um meio pelo qual a ideologia dominante é reproduzida ou refutada, promovendo a subserviência ou a autonomia e liberdade dos cidadãos. O currículo e suas concepções ideológicas6 Alguns dos autores que se destacam nessa perspectiva são: Pierre Bourdieu (1998), Louis Althusser (1987), Paulo Freire (2005), Michel Apple (2015), Dermeval Saviani (2008) e José Carlos Libâneo (2013). Ideias marxistas se referem às ideias formuladas e propagadas por Karl Marx (1818-1883), alemão, filósofo, político, economista, sociólogo e jornalista, filho de judeus da classe média que estudou profundamente a oposição entre as classes dentro do sistema capitalista. Marx dedicou-se a tentar observar na história humana como ocorreram as diferentes mudanças sociais nas sociedades europeias anteriores ao capitalismo. Sua teoria tem como objeto de estudo a sociedade burguesa de sua época, mas do ponto de vista do trabalho e dos trabalhadores. Conheça um pouco de seu legado para a educação no artigo disponível no link a seguir. https://qrgo.page.link/tDXoL Veja, a seguir, proposições nas quais a ideologia da teoria crítica está presente. Sistema de ensino como violência simbólica: percebe a educação como um instrumento de discriminação social, na medida em que reforça e legitima a marginalização de um tipo de cultural e alguns grupos sociais. Um exemplo dessa marginalização está no fato deo Estado priorizar historicamente o ensino primário e profissionalizante para as classes trabalhadoras e o ensino secundário e superior para as classes mais abastadas. Esse sistema coloca em debate o conceito de “violência simbólica”, no qual os grupos de classes dominantes controlam a cultura considerada legítima e valorizada pela escola. Esse conjunto de conte- údos é chamado de “capital cultural” por Bourdieu (1998). Apesar das críticas aos sistemas educacionais da época, não oferece sugestões de como transformar essa realidade e, por isso, é classificada por alguns autores como crítico-reprodutivista (SAVIANI, 2011). 7O currículo e suas concepções ideológicas Escola como aparelho ideológico do Estado: destaca que algumas instituições sociais auxiliam o Estado a manter a classe trabalhadora sob pressão e controle por meio de regras e valores diferentes daqueles que a classe dominante precisa seguir. Por isso, entende essas institui- ções como aparelho repressivo do Estado (a polícia, os tribunais e as prisões) e como aparelhos ideológicos do Estado (a igreja, a mídia e a escola). Essa corrente ideológica também faz suas críticas à situação da escola, mas não apresenta sugestões para mudanças efetivas ao sistema educacional, sendo também considerada uma teoria crítico- -reprodutivista (SAVIANI, 2011) Pedagogia libertária: com origem no movimento anarquista moderno, faz oposição a qualquer forma de governo que levante a bandeira da liberdade e igualdade para todos, partindo do pressuposto de que o povo deve autogerir-se a partir de suas próprias vontades e necessidades. Propõe uma nova organização social, em que a prática educativa fica identificada como prática social de formação do novo homem, preparado para a autogestão. Pedagogia libertadora: procede dos estudos de Paulo Freire (2005) a partir da análise das condições marginalizantes da sociedade brasileira e da alienação produzida por ela. Descreve e critica o modo de educação bancária e propõe a conscientização crítica da população pobre por meio da interpretação dos problemas sociais que a cercam e consomem. Pedagogia histórico-crítica ou crítico-social: propõe um currículo que favoreça o entendimento sobre a cultura universal, criado e incorporado pela humanidade ao longo do tempo. Entretanto, preocupa-se que esse conteúdo seja apresentado, contextualizado e debatido, de maneira a propiciar a autonomia e a liberdade das classes dominadas e oprimidas. O conhecimento científico deve ser trabalhado criticamente, de modo que os alunos compreendam como esse conhecimento é produzido, como organiza a sociedade e a quem interessa. Destacam-se também os debates sobre o currículo oculto, manifestado pelas relações sociais na escola, em que o poder é hierarquicamente concretizado entre professor- -aluno, entre disciplinas e entre séries escolares. O currículo e suas concepções ideológicas8 Conheça um pouco mais sobre as três vertentes de pesquisa de Dermeval Saviani no campo educacional em sua entrevista para o programa Leituras Brasileiras acessando o link a seguir. https://qrgo.page.link/1jNR1 Teoria pós-crítica Para esta teoria, a subjetividade dos estudantes e dos professores é predo- minante e, portanto, seu foco está nos sujeitos e nas diferenças. Para isso, engloba estudos de diferentes áreas do saber, como os culturais, fi losófi cos, antropologia, de gênero, entre outros, para explicar o que o sujeito é e poderá ser. Nessa teoria, as ideias fi xas e absolutas não têm espaço porque partem do pressuposto de que as relações humanas as modifi cam a cada instante. Por isso, não representa uma teoria concisa e unifi cada, mas um conjunto de várias perspectivas sobre diversos campos do saber. Essa teoria debate as relações de gênero, raça, etnia, orientação religiosa e as desigualdades de classes sociais, apresentando um currículo multiculturalista no qual se destaca a diversidade das formas culturais do mundo contemporâneo. Segundo Silva (2017), o multiculturalismo não pode ser separado das relações de poder, pois é uma reivindicação dos grupos culturais minoritários que são obrigados as viver em um mesmo espaço e tempo com diferentes culturas, raças, etnias e nacionalidades, representando um importante instrumento de luta política (SILVA, 2017). O currículo deve promover nos alunos a compreensão de que o significado das coisas está nas relações de poder que lhe conferem valores positivos ou negativos, e não nas coisas em si. 9O currículo e suas concepções ideológicas Autores em destaque na teoria pós-crítica são: Michel Foucault (2009), Jean-François Lyotard (1986), Jean Baudrilhard (2005), Jacques Derrida (1991), Richard Rorty (1988) e Tomaz Tadeu da Silva (2017). Veja, no Quadro 1, os principais termos veiculados pelas teorias curriculares. Fonte: Adaptado de Silva (2017). Tradicionais Ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência, objetivos, ajuste, resultados, reprodução. Críticas Ideologia, reprodução cultural social, poder, classe social, relações de produção, capitalismo, conscientização, emancipação, currículo oculto, resistência, libertação. Pós-críticas Identidadade, alteridade, diferença, subjetividade, significação do discurso, saber-poder, representação cultural, gênero, raça, sexualidade, multiculturalismo. Quadro 1. Palavras-chaves das teorias curriculares Obviamente, nenhuma dessas teorias é infalível, exatamente pela própria simplificação que cada uma tende a usar para explicar as relações huma- nas. Fazendo a leitura sobre essas teorias com o conhecimento que temos atualmente, é possível perceber pontos positivos e equivocados (ou não concretizados) em cada uma delas. No Brasil, as tendências curriculares que se sobressaem são a tradicional tecnicista (voltadas para a aprovação nos exames vestibulares e ENEM) e a críticas do currículo libertário e histórico-crítica (SAVIANI, 2011). O currículo e suas concepções ideológicas10 2 Cultura e política curriculares Sendo o currículo um documento complexo e cheio de intencionalidade, elementos como cultura e política fazem parte de sua elaboração de maneira inseparável. Embora seja algo comum e corriqueiro em todas as instituições educacionais, o currículo educacional guarda em si variados signifi cados e objetivos que podem ser observados quando avaliamos seu processo de elaboração. Para Libâneo (2013), o currículo “o elemento nuclear do projeto pedagógico, é ele que viabiliza o processo de ensino e aprendizagem, [...] materializando intenções e orientações previstas no projeto em objetivos e conteúdos” que serão trabalhados durante o período escolar (LIBÂNEO, 2013, p. 169). Entretanto, esse conjunto complexo não é convertido dos documentos norteadores para as aulas na escola de maneira direta, mas sofre influências e se transforma enquanto segue de documento formal (com as diretrizes legais expedidas pelo Ministério da Educação) até o planejamento real do professor, guardando em si características ocultas durante a prática docente efetiva. Confira, no Quadro 2, os três níveis de currículo destacados por Libâneo (2013). Fonte: Adaptado de Libâneo (2013). Currículo formal Currículo real Currículo oculto Estabelecido pelas instituições de ensino, expresso nas diretrizes e normas prescritas pelas escolas, pelos municípios, estados e governo federal. É a efetivação do que foi planejado pelas instituições por meio da prática do professor na sala de aula. Expresso pelos valores culturais presentes nas relações que se estabelecem entre professor-aluno, escola- família, aluno-aluno, etc. Quadro 2. Níveis de currículo 11O currículo e suas concepções ideológicas Sobre o currículo formal, Libâneo (2013) alerta que: Primeiramente é razoável supor que o currículo tem sempre uma dimensão externa, ou seja, ele segue uma sequência que começa quase sempre na esfera política e administrativa do sistemaescolar, passa pelas crenças, significa- dos, valores, comportamentos existentes na cultura, é retrabalhado pelos professores, até chegar aos alunos. Isso significa que ele está impregnado de influências sociais, econômicas, políticas, que precisam ser detectadas pelos professores, inclusive para que compreendam que estas influências limitam o poder de intervenção da escola (LIBÂNEO, 2013, p. 172-173). Quanto ao currículo real, Libâneo (2013) destaca que a cultura particular de cada escola interfere na sua concretização, já que as relações entre gestão, professores, alunos e comunidade escolar sobre os valores propostos pelo currículo formal serão interpretadas e reescritas de acordo com as crenças e valores locais. Nessa oportunidade, a escola poderá exercer sua autonomia, reorganizando o currículo formal (ampliando, reduzindo ou mesmo o distor- cendo), ou, então, trabalhá-lo exatamente de acordo com as determinações administrativas superiores (Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Estadual de Educação, Ministério da Educação). Há, ainda, o aprendizado não regulamentado, fora da intencionalidade proposta pelo currículo formal, que acontece por meio da “linguagem dos professores, as atitudes que tomam em relação às diferenças individuais dos alunos, o modo como os alunos se relacionam entre si, suas atitudes nas brincadeiras, e jogos, a higiene e limpeza das dependências da escola, etc.” (LIBÂNEO, 2013, p. 173). Esse é o chamado currículo oculto, que apresenta características intencionais ou não, às vezes conscientes, outras não. A seguir, você vai conhecer as características mais detalhadas de cada concepção curricular. Tenha em mente as teorias ideológicas que perpassam a construção do currículo e a transformação que esse documento sofre desde sua elaboração formal até chegar às práticas em sala de aula. Concepções de organização curricular Seguindo as diretrizes teóricas e ideológicas curriculares, Libâneo (2013) lista possibilidades de concepção curricular. Como você confere a seguir, algumas concepções são bem marcadas por uma teoria específi ca, enquanto outras aparecem com características mescladas. O currículo e suas concepções ideológicas12 Currículo tradicional: seu viés religioso foi o modelo inicial de educa- ção disseminado no Brasil pela Companhia de Jesus, desde a colonização até 1760, quando foi expulsa do país. Nele, o professor, o conteúdo e a disciplina recebem destaque, enquanto o aluno é considerado incapaz moral e intelectualmente, devendo armazenar, memorizar e reproduzir o conteúdo que lhe é apresentado de maneira fragmentada e descontextu- alizada. Não são consideradas as diferenças e necessidades individuais dos alunos, já que o produto é mais importante que o processo, e isso se reflete na preferência pelas avaliações somativas. Currículo racional-tecnológico (ou tecnicista): define-se pela metodologia técnica e objetiva, que procura desenvolver nos alunos habilidades impor- tantes para o sistema de produção. O currículo é prescrito por especialistas, com conteúdos, objetivos e padrões de desempenho determinados — por isso a participação dos professores em sua elaboração é menor. A questão é “como” ensinar, com foco no desenvolvimento do saber-fazer. Uma das derivações dessa concepção é o currículo por competências, quando não engloba em suas metas o desenvolvimento atitudinal e cognitivo. Currículo escola novista (ou progressista): baseado nas ideias de John Dewey, este currículo é centrado no aluno e coloca a educação como um processo interno de desenvolvimento e de constante adaptação ao meio. Assim, os conteúdos são organizados e apresentados por meio de experiências, como um elo entre a escola e a vida. O professor trabalha como facilitador da aprendizagem, observando e adequando as expe- riências às necessidades, interesses e ritmo dos alunos. “Valoriza-se a atividade de pesquisa do aluno e o clima psicológico e social da escola e da sala de aula” (LIBÂNEO, 2013, p. 176). Currículo construtivista: está diretamente associado aos estudos de Jean Piaget, que privilegia a participação ativa do aluno em seu processo de aprendizagem. Para tanto, o currículo deve oportunizar atividades que estimulem a capacidade cognitiva e social dos alunos. O professor atua como organizador e facilitador da aprendizagem, que é subordinada ao processo de desenvolvimento cognitivo. Currículo sociocultural ou sócio-histórico: com base nos estudos de Vygotsky, destaca o papel da cultura na formação e no desenvolvimento dos alunos. A aprendizagem resulta na interação ente sujeito e objeto, mediada pelas relações sociais. Assim, as funções psicológicas superiores (linguagem, atenção, memória, abstração, percepção, capacidade de dife- renciar e comparar, etc.) são internalizadas por meio das relações sociais. 13O currículo e suas concepções ideológicas Currículo sociocrítico (ou histórico-social): conta com mais de uma vertente, porém, todas convergem para a concepção de ensino como compreensão da realidade e das relações políticas adjacentes a ela, como forma de capacitar os alunos para transformar as relações de desigualdade social. Destaca especial atenção para os efeitos do currí- culo oculto na formação social dos alunos. Metodologicamente, utiliza a problematização como meio de colocar o aluno como centro de seu processo de aprendizagem e desenvolvimento de autonomia. Currículo integrado (ou globalizado): destaca a interdisciplinaridade como forma de concretizar a inter-relação entre as disciplinas, promovendo a integração dos conhecimentos. Propõe experiências que facilitem a compreensão crítica e reflexiva sobre a realidade e se preocupa em de- senvolver o aprender a aprender, como forma de compreensão sobre como se produzem, elaboram e transformam os conhecimentos. Metodologica- mente, utiliza a pedagogia de projetos para oportunizar essa experiência globalizadora aos alunos, envolvendo muitas experimentações fora do ambiente da sala de aula. Enfatiza os processos de aprendizagem, mas sem ignorar a importância dos conceitos, das teorias e dos conteúdos culturais. Currículo como produção cultural: opõe-se às teorias do consenso, criticando a maneira como os conteúdos escolares são construídos. Defende que os conflitos e as discordâncias com a realidade são a chave e as condições para a mudança social. A cultura é vista como produção política e cultural, que ocorre a todo momento, de modo que a diversidade cultural e as diferenças devem participar ativamente. Por isso, desacredita os currículos disciplinares prontos utilizados atualmente, propondo uma transição da ênfase no social para o cultual. Seu discurso promove o multiculturalismo e as políticas de integração das minorias sociais, étnicas e cultuais ao processo de escolarização. Além disso, denuncia a escola como reprodutora da estrutura social. Vale lembrar que a Resolução nº. 4 de 13/07/2010, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, aponta em seu artigo 9º, inciso II, que: [...] a escola de qualidade social adota como centralidade o estudante e a apren- dizagem, o que pressupõe atendimento a, [...] consideração sobre a inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural, resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade (BRASIL, 2010, documento on-line). O currículo e suas concepções ideológicas14 Apesar disso, ainda é possível perceber como o ensino da suposta su- premacia de uma cultura sobre outra ainda esta presente no ideário popular. A cultura viking engloba em sua religião várias divindades, como Thor, Odin e Loki, entre outros. Além disso, a mitologia desse povo também cita anões, duendes e elfos e é alvo de curiosidade e homenagens na indústria cinematográfica. Entretanto, a cultura africana, que também conta com diversas divindades, denominadas orixás, normalmente tem um statusmenor, sendo alvo de intolerância e até mesmo de violência. A diferença na aceitação entre os dois grupos de divindades fica ainda mais constrangedora quando encaramos o fato de que o povo africano faz parte da formação do povo brasileiro de uma maneira muito mais intensa do que a nórdica, que representa os vikings. Portanto, era de se esperar que a cultura africana e sua religião fossem incorporadas à nossa identidade de maneira mais natural e efetiva. Tipos de currículo Para entender os tipos de currículo, é preciso destacar o posicionamento teórico sobre o papel da educação e do ensino na sociedade e para os indivíduos, como se percebe a relação entre currículo e prática, qual é a crença sobre conhecimento e ensino, entre outras características que se referem ao ensino formal. A partir da análise desses valores, podemos listar os tipos de currículo de acordo com as características mais proeminentes em dois grandes grupos: currículos abertos e currículos fechados. Currículo fechado: ■ disciplinas isoladas, grade escolar; ■ professores devem seguir os objetivos e conteúdos prescritos; ■ não se consideram os saberes e competências docentes, que não participam da elaboração do currículo. Currículo aberto: ■ integração entre as disciplinas; ■ flexibilidade na definição de objetivos e conteúdos; ■ participação ativa dos professores na elaboração das propostas. 15O currículo e suas concepções ideológicas 3 Conhecimento, ensino e poder Antes de qualquer coisa, você precisa ter em mente que as teorias curriculares refl etem a ideologia dominante, o surgimento do que podemos chamar de escolarização, ou seja, a ideologia liberal burguesa da sociedade capitalista europeia. Assim, essas teorias refl etem o pensamento e os interesses da classe dominante nas relações que desenvolvem com os demais participantes da sociedade. O surgimento das teorias pedagógicas e curriculares também está ligado a um contexto histórico específico, no qual um determinado grupo social tinha um papel revolucionário, que modifica a história geral da humanidade. As diferentes concepções sobre como se desenvolve o currículo e os objetivos para os quais a educação deve servir partem de diferentes concepções de homem e de sociedade desse contexto histórico. As teorias sobre o currículo se diferenciam pela visão que têm sobre a neutralidade da organização escolar e dos conteúdos escolhidos para o ensino, sobre a natureza humana, a aprendizagem, o conhecimento, a cultura, o sistema econômico, as de- sigualdades sociais e a formação da própria sociedade. Por isso, essas concepções norteiam as diretrizes de formação docente e interferem na prática cotidiana de todos os professores, estejam eles conscientes disso ou não (GIMENO SACRISTÁN, 2013; SAVIANI, 2011; SILVA, 2017). Para saber mais sobre a sociologia do currículo, acesse o link a seguir. https://qrgo.page.link/FC5s7 Questões como a razão para que se educam formalmente as novas gerações ou qual a concepção de homem que norteia a teoria curricular trazem em si significados e sentidos locais e globais, movimentando continuamente “dúvi- das” e “certezas” sobre as respostas obtidas. O desconforto causado por esses questionamentos leva ao movimento constante de observação, investigação, análise, discussão e pesquisas na área da educação. Mesmo que a escola não seja de fato uma reprodutora das desigualdades da sociedade, não se deve O currículo e suas concepções ideológicas16 ignorar o poder que esse sistema certamente tem a seu favor para que estratégias possam ser mais elaboradas e colocadas à disposição para experimentação. Cabe destacar que cada uma das teorias curriculares retratadas têm pontos positivos e negativos, levados pela intencionalidade de formação humana que guardam em si. Assim, cada uma dessas teorias espera formar um tipo diferente de cidadão e de sociedade, com maior ou menor aproximação com a que já temos. É importante ressaltar que nenhuma teoria pedagógica ou do currículo é neutra e apartada de sua perspectiva histórica e cultural. Por isso, todas as teo- rias estão ligadas a uma ideologia, e é imprescindível que todo educador saiba disso, para que desenvolva a consciência de que o trabalho docente também sempre está em uma luta ideológica no campo da educação. Compreendendo isso, o educador poderá fazer escolhas coerentes com sua pretensão sobre a educação e sua prática efetiva. A pedagogia tradicional foi a primeira a influenciar de modo decisivo os primeiros sistemas nacionais de ensino público na Europa e na América do Norte no começo do século XIX. Nesse contexto, a escola pública, laica, universal, gratuita e obrigatória foi eleita como possível instrumento de conso- lidação do sistema capitalista e também do caráter nacional pretendido naquela época. Na escola, o papel do professor é direcionado para sanar a ignorância da população por meio da transmissão dos conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. Segundo Saviani (2008), nessa proposta, o conhecimento é fundamental para (re)introduzir o sujeito na so- ciedade capitalista e no projeto liberal da construção da democracia. O movimento de resistência a esse modelo, segundo Saviani (2008), é denominado pedagogia da Escola Nova. Nessa proposta de ensino, a escola procura articular o ensino com o desenvolvimento da ciência, de modo que o aprender a aprender se torna o norteador das práticas pedagógicas, sistemati- zando o aprender como uma técnica científica (SAVIANI, 2008). Pouco tempo depois, o tecnicismo no Brasil aparece como um movimento com forte influência dos EUA e ganha força após golpe militar de 1964. Partindo da crença na neutralidade científica, na eficácia da técnica, na efici- ência e na produtividade, o movimento busca transformar a educação em um processo objetivo e operacional (SAVIANI, 2011). No contexto escolar, essa caracterização se faz presente na ampliação da burocratização, na comparti- mentalização de cada disciplina, na disseminação dos estudos dirigidos e no modelo dos questionários para a memorização dos conteúdos pelos alunos. Veja, no Quadro 3, alguns dos desdobramentos das teorias pedagógicas. 17O currículo e suas concepções ideológicas Pedagogia tradicional Pedagogia da Escola Nova Tecnicismo Racionalização do trabalho pedagógico: preparação, apresentação, assimilação e comparação, generalização e aplicação. Levantamento de problemas, hipóteses e experiência para confirmar ou refutar as hipóteses e aprender. Domínio da técnica, prática pedagógica altamente controlada e dirigida pelo professor com atividades mecânicas para aprender a fazer. Quadro 3. Desdobramentos das teorias pedagógicas As teorias críticas ganham espaço com o fracasso das anteriores em pro- mover uma educação de qualidade. A teoria crítico-reprodutivista, embora não tenha uma proposta para acabar com o fracasso escolar produzido pelas teorias anteriores, faz duras críticas a elas e coloca o fracasso do aluno como o verdadeiro sucesso da escola transformada em aparelho reprodutor das desigualdades sociais fomentadas pelo sistema capitalista. Dessa maneira, as práticas de dominação e exploração repetidas pela escola têm sua gênese na desigualdade social e na supremacia da classe dominante sobre as demais (SAVIANI, 2008). Assim, as características principais dessas teorias são a teoria do sistema de ensino como violência simbólica e a teoria da escola como aparelho ideológico do Estado. A partir das contribuições dessas teorias, surgem as críticas ao sistema capitalista, mas sem as proposições de alternativas para desmontar a situação educacional imposta. Ao contrário, segundo Saviani (2008), o que ocorreu foi a desmotivação diante da sensação de incapacidade da escola em modificar a sociedade. No entanto, apesar do caráter reprodutivista, essas teorias permi- tiram o surgimento de outras proposições comprometidas com o rompimento do papel daescola dentro do sistema capitalista, como a pedagogia libertária, a pedagogia libertadora e a pedagogia histórico-crítica. A pedagogia libertária surge da oposição do movimento anarquista moderno a toda forma de governo que pretenda promover a liberdade e a igualdade para todos. Isso porque o anarquismo parte do princípio de que o povo deve O currículo e suas concepções ideológicas18 estar consciente de suas necessidades para se autogerir e que a educação deve garantir ao povo essa capacidade de autogestão. A pedagogia libertadora é concebida pela análise de Paulo Freire (2005) sobre as condições sociais brasileiras que marginalizam a classe trabalhadora e de baixo poder aquisitivo. Freire (2005) cria o termo educação bancária para caracterizar o ensino que tem como objetivo depositar informações na cabeça dos alunos para depois sacá-las nas avaliações, sem que esses conhecimentos tenham feito alguma diferença no empoderamento desses alunos. Assim, o autor propõe o uso da interpretação dos problemas sociais como meio para a conscientização crítica da população pobre. A pedagogia histórico-crítica parte da análise dos problemas da educação brasileira ao longo da história do país a partir da década de 1970 e discute as possibilidades de a escola romper com o sistema vigente, partindo da filosofia marxista e dos conceitos da teoria psicológica histórico-cultural de Vigotski. De acordo com Saviani (2011), a produção humana capitalista se divide em duas vertentes: a material, baseada no marxismo, que trata da fabricação de produtos físicos e palpáveis, e a não material, ligada à produção do mundo das ideias e valores e na qual a escola se encontra. Para a pedagogia histórico-crítica, a educação tem o dever de garantir a apropriação do conhecimento sistematizado historicamente pela humanidade pelas novas gerações. O professor precisa conhecer o que o aluno já sabe para ensinar aquilo que ele ainda não sabe, ampliando suas possibilidades de conhecimento e de ação. Precisa, além disso, saber qual é a dimensão de seu trabalho para a formação das novas gerações e as consequências dessa educação na formação da sociedade. Concluindo, fica muito claro como a escola tem a capacidade de influenciar as práticas culturais e as relações sociais vigentes, influenciando inclusive a organização econômica. O currículo tem a função de mostrar aos estudantes os conhecimentos já elaborados e acumulados pela humanidade, mas também acaba naturalizando algumas relações, crenças e valores. Dessa forma, ao acompanhar determinados conteúdos por tantos anos de escolarização, os estudantes absorvem maneiras específicas de pensar que podem fazê-los aceitar a organização social tal qual se mostra atualmente, como uma realidade imutável e natural. Em outra hipótese, os assuntos apresentados pelo currículo podem dar aos estudantes o poder de analisar os sistemas de desigualdades que temos na sociedade atual, promovendo sua reorganização de maneira mais justa e equitativa. 19O currículo e suas concepções ideológicas Todo esse poder de transformação social ou de manutenção do que já se tem faz da escola uma instituição que merece que seus currículos e objetivos sejam debatidos pela sociedade em prol de um bem-estar de maior amplitude social. Afinal, a própria sociedade deve ter o direito e a responsabilidade para decidir qual currículo formará as novas gerações. ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1987. APPLE, M. W. Ideologia e currículo. 3. ed. Porto Alegre: Penso, 2006. BAUDRILLARD, J. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 2005. BOBBITT, J. F. O currículo. Lisboa: Didática, 2004. BOURDIEU, P. Os três estados do capital cultural. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998. BRASIL. Resolução CNE/CEB n. 4, de 13 de julho de 2010. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 de ju- lho de 2010, Seção 1, p. 824. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/ rceb004_10.pdf. Acesso em 18 jan. 2020. BRESSER-PEREIRA, L. C. As duas fases da história e as fases do capitalismo. Textos para discussão, São Paulo, n. 278, mai. 2011. 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Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. O currículo e suas concepções ideológicas22 PORTFÓLIO ATIVIDADE No intuito de se obter uma melhor compreensão do que seja currículo educacional, faz-se necessário compreender o percurso percorrido para sua execução. Portanto, enfoca-se aqui as teorias e principais ideologias que influenciam a construção de um currículo, suas principais questões e como as mesmas interferem em nossa prática. Percebemos que a educação pode ser visualizada sob várias perspectivas, entendendo que o currículo é repleto de intenções e significados, que abarca relações de poder, tempo e espaço,que exerce ação direta ou indireta na formação e desenvolvimento do aluno e que é determinante no resultado educacional que se produzirá. Com base no exposto, faça um relato e descreva sua opinião sobre a importância do currículo. OBS: Para redigir sua resposta, use uma linguagem acadêmica. Faça um texto com no mínimo 20 linhas e máximo 25 linhas. Lembre-se de não escrever em primeira pessoa do singular, não usar gírias, usar as normas da ABNT: texto com fonte tamanho 12, fonte arial ou times, espaçamento 1,5 entre linhas, texto justificado. PESQUISA AUTOESTUDO O modelo dominante de currículo em diversas partes do mundo tem sido um estilo "técnico" e gerencial de planejamento racional fins-meios que busca por objetivos comportamentais- instrucionais. Com base no descrito acima, responda: A qual currículo o texto se refere? Dê exemplos de sua aplicação na atualidade. N
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