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Imitação De Cristo - Tomás De Kempis (Ave-Maria)

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IMITAÇÃO DE CRISTO
Texto latino atribuído a Tomás de Kempis
REFLEXÕES: Pe. J. I. Roquette
IMPRIMATUR
Mechliniae, 26 Novembris 1928
J. Thys, can., lib. cens.
Sumário
Prólogo
LIVRO PRIMEIRO
Avisos úteis para a Vida Espiritual
Capítulo I – Da imitação de Cristo e do desapego das vaidades do
mundo
Capítulo II – Do humilde sentimento de si mesmo
Capítulo III – A doutrina da verdade
Capítulo IV – Da prudência nas ações
Capítulo V – Da lição das Sagradas Escrituras
Capítulo VI – Dos desejos desordenados
Capítulo VII – Como se deve fugir da vã esperança e da soberba
Capítulo VIII – Como se deve evitar a excessiva familiaridade
Capítulo IX – Da obediência e submissão
Capítulo X – Como se há de resistir às tentações das palavras
Capítulo XI – Como se deve adquirir a paz interior e do desejo de
fazer progressos na virtude
Capítulo XII – Utilidade das contrariedades
Capítulo XIII – A resistência às tentações
Capítulo XIV – É necessário evitar os juízos temerários
Capítulo XV – Das obras realizadas por caridade
Capítulo XVI – A tolerância dos defeitos do próximo
Capítulo XVII – Da vida religiosa
Capítulo XVIII – Do exemplo dos Santos Padres
Capítulo XIX – Dos exercícios do bom religioso
Capítulo XX – Do amor à solidão e ao silêncio
Capítulo XXI – Do remorso do coração
Capítulo XXII – Consideração das misérias humanas
Capítulo XXIII – Da meditação sobre a morte
Capítulo XXIV – Do juízo e penas dos pecadores
Capítulo XXV – Da fervorosa emenda de toda a nossa vida
LIVRO SEGUNDO
Conselhos para estimular o homem à Vida Interior
Capítulo I – Da conversão interior
Capítulo II – Da humilde submissão
Capítulo III – Do homem bom e pacífico
Capítulo IV – Da pureza e simplicidade do coração
Capítulo V – Da consideração de si mesmo
Capítulo VI – Da alegria da boa consciência
Capítulo VII – Do amor de Jesus sobre todas as coisas
Capítulo VIII – Da familiar amizade com Jesus
Capítulo IX – Da privação de toda a consolação
Capítulo X – A gratidão pela graça de Deus
Capítulo XI – São poucos os que amam a Cruz de Jesus Cristo
Capítulo XII – Do caminho real da Santa Cruz
LIVRO TERCEIRO
Da consolação interior
Capítulo I – Da conversação interior de Cristo com a alma fiel
Capítulo II – Como a verdade fala dentro da alma, sem ruído de
palavras
Capítulo III – Que as palavras de Deus devem ser ouvidas com
humildade e como muitos não as consideram
Capítulo IV – Devemos andar na presença de Deus em verdade e
humildade
Capítulo V – Dos admiráveis efeitos do divino amor
Capítulo VI – Da prova do verdadeiro amor
Capítulo VII – A necessidade de ocultar a graça sob a guarda da
humildade
Capítulo VIII – Da vil estima de si mesmo na presença de Deus
Capítulo IX – Todas as coisas se devem referir a Deus como a seu
último fim
Capítulo X – Desprezando-se o mundo, é suave servir a Deus
Capítulo XI – Que se devem examinar e moderar os desejos do
coração
Capítulo XII – Que é necessário exercer a paciência e lutar contra
as paixões
Capítulo XIII – Da obediência do súdito humilde conforme o exemplo
de Jesus Cristo
Capítulo XIV – Como se devem considerar os ocultos juízos de
Deus, para que não nos desvaneçamos com os nossos bens
Capítulo XV – Como deve cada um comportar-se e falar nas coisas
que deseja
Capítulo XVI – Só em Deus se há de buscar a verdadeira
consolação
Capítulo XVII – Que se deve confiar a Deus toda a solicitude
Capítulo XVIII – As misérias da vida devem ser sofridas com
serenidade de ânimo, a exemplo de Cristo
Capítulo XIX – Do sofrimento das injúrias e da verdadeira paciência
Capítulo XX – Da confissão da própria fraqueza e das misérias
desta vida
Capítulo XXI – Que se deve repousar em Deus acima de todos os
bens e dons
Capítulo XXII – Da lembrança dos inumeráveis benefícios de Deus
Capítulo XXIII – Quatro documentos importantes para conservar a
paz
Capítulo XXIV – É necessário evitar a curiosidade sobre a vida dos
outros
Capítulo XXV – Em que consiste a paz do coração e o verdadeiro
aproveitamento da alma
Capítulo XXVI – Da liberdade do coração, a qual se alcança mais
pela oração que pela leitura
Capítulo XXVII – O amor próprio é o maior obstáculo que impede o
homem de chegar ao sumo bem
Capítulo XXVIII – Contra as línguas dos murmuradores
Capítulo XXIX – Como devemos invocar a Deus no tempo da
tribulação
Capítulo XXX – Como se há de pedir o auxílio divino e da confiança
em recuperar a graça
Capítulo XXXI – É preciso deixar toda a criatura para poder
encontrar o Criador
Capítulo XXXII – Da abnegação de si mesmo e do desapego de
toda a cobiça
Capítulo XXXIII – Da inconstância do coração humano, que não
pode fixar-se senão em Deus
Capítulo XXXIV – Como é delicioso amar a Deus sobre todas as
coisas
Capítulo XXXV – Nesta vida ninguém está livre de tentações
Capítulo XXXVI – Contra os vãos juízos dos homens
Capítulo XXXVII – Da pura e inteira renúncia de 
si mesmo para alcançar a liberdade de espírito
Capítulo XXXVIII – Como nos havemos de governar nas coisas
exteriores e recorrer a Deus nos perigos
Capítulo XXXIX – Que o homem não deve ficar inquieto nas
dificuldades
Capítulo XL – Que o homem de si nada tem de bom, nem coisa
alguma de que se gloriar
Capítulo XLI – Do desprezo de toda a honra temporal
Capítulo XLII – Que a nossa paz não deve depender dos homens
Capítulo XLIII – Contra a ciência vã do mundo
Capítulo XLIV – Não se deve o homem embaraçar com as coisas
exteriores
Capítulo XLV – Que não se deve dar crédito a todos e quanto é
dificultoso guardar uma sábia medida nas palavras
Capítulo XLVI – Da confiança que devemos ter em Deus quando
nos disserem palavras afrontosas
Capítulo XLVII – Devem sofrer-se todos os 
males temporais, na esperança dos bens eternos
Capítulo XLVIII – Da eternidade feliz e das 
misérias desta vida
Capítulo XLIX – Do desejo da vida eterna e quantos bens estão
prometidos aos que valorosamente combatem
Capítulo L – Como se deve entregar nas mãos de Deus o homem
atribulado
Capítulo LI – Devemos ocupar-nos de obras 
humildes, quando nos faltam forças para as mais elevadas
Capítulo LII – O homem não deve julgar-se digno 
de consolação, mas sim de castigo
Capítulo LIII – Que a graça de Deus não frutifica 
nos que gostam das coisas terrenas
Capítulo LIV – Dos diversos movimentos da 
natureza e da graça
Capítulo LV – Da corrupção da natureza e da 
eficácia da graça divina
Capítulo LVI – Que devemos renunciar a nós 
mesmos e imitar a Cristo pela cruz?
Capítulo LVII – Não deve o homem desanimar quando cai em
alguma falta
Capítulo LVIII – Não se devem especular as coisas sublimes, nem
sondar os ocultos juízos de Deus
Capítulo LIX – Só em Deus se há de pôr toda a esperança e
confiança
LIVRO QUARTO
Do sacramento de Eucaristia Exortação devota à
sagrada comunhão
Capítulo I – Com quanta reverência se deve 
receber Jesus Cristo
Capítulo II – Deus manifesta ao homem sua 
bondade e seu amor no sacramento da Eucaristia
Capítulo III – A utilidade da comunhão 
frequente
Capítulo IV – Das graças abundantes que Deus concede aos que
comungam devotamente
Capítulo V – Da excelência do sacramento do altar 
e da dignidade do sacerdócio
Capítulo VI – Oração para antes da comunhão
Capítulo VII – Do exame de consciência e do 
propósito de emenda
Capítulo VIII – Do oferecimento de Cristo na 
cruz e da própria resignação
Capítulo IX – Oferecendo a Deus o santo sacrifício devemos orar
por nós e por todos
Capítulo X – Que não se deve deixar a sagrada 
comunhão sem causa legítima
Capítulo XI – Que o corpo de Jesus Cristo e a 
sagrada Escritura são de grande necessidade à alma fiel
Capítulo XII – Quem vai comungar o corpo de Jesus Cristo deve
preparar-se com grande diligência
Capítulo XIII – Como a alma devotada deve de 
todo coração unir-se a Cristo na comunhão
Capítulo XIV – Do ardente desejo que algumas almas devotas têm
de receber o corpo de Jesus Cristo
Capítulo XV – Que a graça da devoção se alcança 
com a humildade e a abnegação de si mesmo
Capítulo XVI – Que devemos manifestar a Cristo nossas
necessidades e pedir-lhe a sua graça
Capítulo XVII – Do grande e abrasado desejo de receber a Jesus
Cristo
Capítulo XVIII– Que o homem não deve perscrutar curiosamente
este Sacramento, mas humilde imitador de Cristo, sujeitar o seu
juízo à Fé
Leituras para cada interesse
Orações
Sobre a obra
© 2019 by Editora Ave-Maria. All rights reserved.
Rua Martim Francisco, 636 – CEP 01226-000 – São Paulo, SP – Brasil
Tel.: (11) 3823-1060 • Televendas: 0800 7730 456
editorial@avemaria.com.br • comercial@avemaria.com.br
www.avemaria.com.br
ISBN: 978-85-276-1648-5
Capa e Produção Digital: Isaias Silva Pinto
1ª edição digital – março de 2019
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19/02/1998. É expressamente proibida a
reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação e
outros), sem prévia autorização, por escrito, da Editora Ave-Maria.
Diretor-presidente: Luís Erlin Gomes Gordo, CMF
Diretor Administrativo: Rodrigo Godoi Fiorini, CMF
Gerente Editorial: Áliston Henrique Monte
Editor Assistente: Isaias Silva Pinto
Revisão: Gisele C. Prado e Rhodner Paiva
Projeto Gráfico: Ideia Impressa
S
Prólogo
Leitor amigo:
e o livro “Imitação de Cristo” lhe é familiar, antes de ler esta
nova tradução, preste atenção a estas palavras para melhor
apreciar tão valioso tesouro. Se, por descuido, ainda não gostar
desta santa leitura, não desdenhe do que por acaso aqui ler; e, se
bem refletir, conhecerá quanto tem perdido em não se aproveitar de
um meio tão seguro de santificação.
Depois do Evangelho, que vem de Deus, de todos os livros que
saíram das mãos do homem, o mais admirável e o mais popular é a
“Imitação de Cristo”: nenhum outro mereceu maior estima entre os
homens, nem parece mais bem feito para cada um deles, quando o
leem. Este livro não é obra engenhosa do saber humano, no posto
que o seu autor conheça a fundo o nosso coração e saiba falar-lhe a
linguagem de suas aspirações íntimas; é a efusão de uma alma
iluminada do céu e penetrada do profundo sentimento das coisas
divinas. O estilo é simples, sem enfeite, e por vezes incorreto;
porém, a força e a majestade dos pensamentos imprimem-lhe uma
espécie de grandeza maravilhosa, que eleva a alma, derrama nela
celestial unção, e como que a encanta com os dons do Espírito
Santo.
Homens sábios e santos escreveram admiráveis tratados sobre a
vida espiritual, mas nenhum deles excedeu, nem ainda se igualou,
ao humilde autor da “Imitação de Cristo”. Na verdade, é um mestre
na sabedoria divina: ninguém, antes dele, soube melhor expor a
sublime e saudável filosofia da piedade cristã, nem depois dele
ninguém deu melhores regras para a perfeição evangélica.
Descreve-nos com vivas cores o lamentável estado a que o pecado
nos reduziu, e com suave eloquência nos impulsiona para que
saiamos dele; mostra-nos com afeto a necessidade que temos de
nos desapegarmos das coisas mundanas e cativa-nos com a beleza
dos bens celestiais; explica-nos como podemos chegar
venturosamente ao termo da vida, o que sem dificuldade
alcançaremos procurando o Criador pela oração e unindo-nos
intimamente a ele pelo amor, de sorte que venhamos a ser homens
endeusados, como Jesus Cristo é Deus encarnado.
Se ler com atenção este precioso livro, verá, leitor amigo, com que
sedutora verdade descreve o seu autor as misérias e as grandezas
do homem, a fragilidade de nossas alegrias terrestres e a riqueza de
nossas imortais esperanças! Sua mão, como a de um sábio médico,
sonda as chagas de nossa natureza, ferida pela culpa original e de
novo maltratada por nossos crimes. Assinala as enfermidades e
doenças de nossa alma, os desejos que nos agitam, a presunção
que nos cega, as incertezas e contradições em que nosso espírito
desmaia, as tempestades que o vento das paixões levanta em
nosso coração, a guerra, os quais, de contínuo, fazem nossos
instintos pervertidos. E ao mesmo passo que a sua ciência descobre
os males, o seu zelo indica o remédio: toma, como pela mão, o
homem pecador e imperfeito e o leva gradualmente ao subido ponto
das mais extremadas virtudes. Olha como ensina, com sua
linguagem persuasiva, a fugir de tudo que tira ou diminui a amizade
de Deus, a emendar as imperfeições e a falta de fervor pela oração
e vida mortificada, a buscar e descobrir nas pisadas de Jesus o
caminho da virtude, a luz que desperta e alimenta as resoluções
generosas, a fortaleza que nos sustenta no adiantamento da
piedade cristã!
Repara, leitor amigo, como o autor da “Imitação”, iluminado com o
clarão da fé, nos instrui por este modo na ciência dos santos e nos
traça a vereda luminosa pela qual podemos chegar à perfeição
evangélica. Abre diante de nós os horizontes do mundo sobrenatural
e as pers pectivas da eternidade, e convida-nos a percorrer com
ardor o caminho por onde a Providência nos chama. E, receando
não venha o orgulho intrometer-se em nossos progressos, para tudo
perverter, sua voz grave nos faz lembrar que o homem nada é por si
mesmo, e que só a oração humilde e fervorosa é capaz de inclinar o
coração de Deus a favor de nossa profunda miséria e de fazer-nos
merecer participar de seus dons celestiais. Então prega a
humildade, a abnegação, a vida laboriosa da cruz, o desapego dos
bens sem valor, a vida interior e oculta, finalmente tudo o que pode
comover a misericórdia de Deus e provocar a efusão de suas
graças. Então insiste com força sobre a obrigação que temos de
sofrer e perdoar mutuamente as injúrias, de manter paz sacrificando
ao bem geral o interesse particular e o amor próprio, de nos
resignarmos inteiramente em Deus, em todas as situações e
sucessos da vida, finalmente de reproduzirmos, em nós mesmos,
quanto seja possessível, a imagem augusta daquele que, sendo
sumamente perfeito, não se dignou de chamar-se nosso Pai e ser
nosso modelo.
Este alto ensino nos é dado por tão sábio mestre com uma
elevação acompanhada de candura, que encanta nossa alma e
docemente a cativa; suas palavras só respiram verdade ingênua,
revestida de suavidade, de graça e de força. Se ler com atenção tão
devoto autor, sentirá insensivelmente render-se ao seu pensamento
e arrebatar-se com ele, e descer a seu peito como um fogo sagrado
que o abrasa e dos olhos lhe brotam suaves lágrimas. Verá como
sabe penetrar nos mistérios do sentimento religioso, mostrando a
fonte de onde emana o arrependimento que purifica, a fé que salva,
a esperança que anima e a caridade que justifica e aperfeiçoa! Com
que acerto ele não reproduz todas as vozes da consciência humana!
A tristeza causada pelos desgostos da vida e pela aflição da morte,
as angústias do pecador que lava com abundantes lágrimas as
manchas de suas passadas culpas, os lamentos do cristão
desterrado neste vale de lágrimas que suspira pela pátria celestial,
os amorosos transportes do justo, provado com tentações e
trabalhos, que, na mesa Eucarística, busca o alimento de seu valor,
e se consola de seus sofrimentos pela grandeza de sua caridade!
Com que arte não sabe ele despertar e nutrir na alma o sentimento
das coisas divinas e da bem-aventurada eternidade! Como
transporta acima das realidades grosseiras e perecíveis! E,
semelhante à águia que ensina os seus filhinhos a voar, como a
arrebata, em seu poderoso voo, para as alturas celestes, para a
morada da luz eterna, para o castelo do amor sublime em que Deus
beatifica os seus escolhidos!
Se alguma vez ouvir criticar a nobre doutrina da “Imitação de
Cristo”, e duvida que sua leitura produza o saudável fruto de que lhe
falo, veja o que escreveu um filósofo, outrora alucinado com as
vaidades do mundo, mas em quem não se apagara de todo a luz da
fé:
“Estava preso”, diz La Harpe, “só, em um quarto sombrio e
profundamente triste.
“Havia já dias que tinha lido os Salmos, os Evangelhos e alguns
bons livros.
“Seu efeito foi rápido, posto que graduado. Estava já restituído à
fé; via uma luz nova; mas ela me causava espanto e me
consternava, mostrando-me um abismo, o de quarenta anos de
extravios! Via todo o mal, e nenhum remédio: nada em torno de mim
me oferecia os auxílios da religião. De um lado, minha vida estava
diante de meus olhos, qual eu a via com o fachoda verdade celeste;
e do outro, a morte, que todos os dias esperava, medonha e feia
como então se recebia. Sobre o cadafalso já não se via o ministro
de Deus para consolar o padecente; não subia ali senão para
morrer. Combatido o meu coração por estas tristes ideias, eleva-se
a Deus, a quem eu mal conhecia, e de meus lábios saíam a furto
estas meias palavras: Que devo eu fazer? Que será de mim? Tinha
eu em cima da mesa a ‘Imitação’, e tinham-me dito que neste
excelente livro eu acharia muitas vezes a resposta a meus
pensamentos. Abro-o, e deparo-me ao acaso com estas palavras:
Eis-me aqui, filho meu! Venho a ti porque me invocaste! Não li mais:
a impressão súbita que experimentei é acima de toda expressão, e
não me é mais possível exprimi-la que esquecê-la. Caí com o rosto
em terra, banhado em lágrimas, sufocado em soluços, dando
gemidos e vozes entrecortadas. Sentia meu coração consolado a
dilatar-se, mas ao mesmo tempo pronto a partir-se. Assaltado de um
tropel de ideias várias e de sentimentos os diversos, chorei largo
tempo, sem que me restasse outra lembrança desta situação a não
ser que meu coração não experimentou nunca impressão mais
violenta nem mais deliciosa, e que estas palavras Eis-me aqui, filho
meu! não cessavam: de retinir em minha alma e de comover
poderosamente todas as minhas faculdades.”
Não espere que te diga, leitor amigo, quem é o autor da “Imitação”,
pois há mais de um século que os sábios lidam por saber ao certo
quem é ele, mas até aqui suas pesquisas têm sido frustradas. Uns a
atribuem a Kempis, cônego regrante de Santo Agostinho; outros a
Gersen, abade do mosteiro de Vercelles, no Piemonte; outros a
Gerson, cancelário da Universidade de Paris. Críticos modernos
supõem, não sem algum fundamento, que a “Imitação”, qual hoje a
temos, não é obra de um só autor, mas de vários, e que fora
composta cada uma de suas partes em diferentes épocas. É
indubitável que os dois primeiros livros foram escritos por um abade
de monges para uso de seus religiosos, talvez Gersen; pode muito
bem ser que o terceiro, que tem por título Consolação Interior, seja
obra de Kempis; e que enfim Gerson compusesse o quarto, O
Sacramento do Altar. Deste modo, três insignes arquitetos tenham
parte neste admirável edifício.
Quanto a esta tradução, você mesmo julgará, comparando-a com
o texto latino e com as outras que correm impressas; só lhe direi
que fiz quanto pude para que fosse fiel, clara e concisa, sem outro
enfeite que não o que pede a elegância da nossa língua.
No fim dos capítulos, coloquei algumas piedosas reflexões,
coletadas de bons autores, em que achará úteis documentos e
algumas aplicações aos tempos em que vivemos, de fé morta, de
indiferença descuidada e de caridade sem fervor.
Achará no fim do índice uma tabela em que se indicam as leituras
e orações que deve fazer, segundo as situações em que se achar, e
particularmente para receber de maneira digna o sacramento da
Eucaristia.
Possam todas estas coisas contribuir para o adian tamento
espiritual de sua alma, o aperfeiçoamento de sua virtude e a
consumação de sua santidade.
J. I. Roquete
LIVRO PRIMEIRO
Avisos úteis para a Vida Espiritual
CAPÍTULO I
Da imitação de Cristo e do desapego 
das vaidades do mundo
1. “Quem me segue não anda em trevas” (Jo 8,12). São palavras de
Cristo, com as quais nos adverte que imitemos sua vida e costumes,
se quisermos verdadeiramente ser esclarecidos e livres de toda a
cegueira de coração.
Seja, pois, nosso principal desempenho meditar a vida de Jesus
Cristo.
2. A sua doutrina excede a de todos os santos; e quem possuir o
seu espírito, nela achará o maná escondido.
Acontece, porém, que muitos, ainda aqueles que frequentemente
ouvem o Evangelho, sentem nele pouco gosto e tiram pouco
proveito, porque não têm o espírito de Cristo.
Quem quiser compreender com satisfação e proveito as palavras de
Jesus Cristo deve conformar sua vida com a dele.
3. Que te aproveita discorrer com sabedoria sobre a Trindade, se
não é humilde, e por isso lhe desagrada?
A verdade é que não são palavras sábias que fazem o homem santo
ou justo, mas sim é a vida virtuosa que o faz agradável a Deus.
É preferível sentir o remorso do que saber defini-lo.
Ainda que soubesse de cor toda a Bíblia e os ditos de todos os
filósofos, que te aproveitaria tudo isto sem o amor e a graça de
Deus?
Vaidade das vaidades, tudo vaidade, exceto amar a Deus e só a ele
servir (Ecl 1,2).
A essência da sabedoria é, pelo desprezo do mundo, caminhar para
o reino dos céus.
4. É vaidade, pois, buscar riquezas mortais, e colocar nelas a
esperança.
Vaidade é também desejar honras e extinguir-se com elas.
Vaidade é seguir os apetites da carne e desejar aquilo pelo que
depois há de ser gravemente castigado.
Vaidade é desejar vida longa, sem cuidar de que seja boa.
Vaidade é também olhar somente a esta presente vida e não prever
o que virá depois.
Vaidade é amar o que tão depressa passa e não buscar com fervor
a felicidade que sempre dura.
5. Lembre-se sempre daquele provérbio: “A vista não se farta de ver,
o ouvido nunca se sacia de ouvir” (Ec1 1,8).
Procura, pois, desapegar seu coração das coisas visíveis e afeiçoá-
lo às invisíveis, porque os que seguem os atrativos dos sentidos
mancham sua consciência e perdem a graça de Deus.
Reflexões
Não temos neste mundo senão um só interesse: o da nossa salvação, e
ninguém pode salvar-se senão em Jesus Cristo e por Jesus Cristo; a fé em sua
palavra, obediência a seus mandamentos, à imitação de suas virtudes, eis a
vida do verdadeiro Cristão; não há outra; o mais é vaidade. “Que proveito tira o
homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol?” (Ecl 1,3)
Riquezas, prazeres, honras, que é tudo isso, quando se lança o corpo na
sepultura e a alma vai para a sua eternidade?
Pense nisto seriamente desde hoje, porque amanhã talvez já seja tarde!
Trabalhe enquanto é dia, antes que chegue a noite eterna! Acumule riquezas
que não perecem, nem os ladrões roubam.
Estéreis desejos não o salvarão: Deus só quer obras. Imite, pois, a Jesus, se
quer fazer obras que agradem a Deus e te mereçam viver eternamente com
Jesus. No estudo de sua vida, aprenderá de que pouca valia são palavras e
doutrinas bem ditas sem a prática de boas obras.
Dai-me, Deus meu, o santo propósito de imitar vosso divino Filho e meu Senhor
Jesus Cristo; purificai minha intenção conforme o desejo que me dais, de
maneira que todo eu, de dentro e de fora, só a vós olhe, a vós contemple, a vós
ame, por vós suspire e em vós descanse.
CAPÍTULO II
Do humilde sentimento de si mesmo
1. Todos os homens naturalmente desejam saber. Mas, para que
serve a ciência sem o temor de Deus?
Sem dúvida que é preferível o humilde camponês que serve a Deus;
ao orgulhoso filósofo que observa os movimentos dos céus.
Aquele que bem se conhece tem-se por vil e não se satisfaz nos
louvores humanos.
Se eu soubesse de tudo quanto há no mundo, mas não tivesse
caridade, de nada me valeria diante de Deus, que me há de julgar
segundo as minhas obras!
2. Não tenha demasiado desejo de saber, porque nele achará
grande distração e engano.
Os sábios gostam de ser tidos e aplaudidos por tais.
Muitas coisas há cujo conhecimento pouco ou nada aproveita à
alma, e muito insensato é quem se aplica exageradamente às
coisas que não conduzem à salvação.
As muitas palavras não satisfazem a alma; mas a boa vida lhe dá
bem-estar, e a consciência pura causa grande confiança em Deus.
3. Quanto mais e melhor souber, com tanto maior rigor será julgado
se não viver santamente.
Por isso não se desvaneça por alguma arte ou ciência, mas tema
antes o conhecimento que dela adquiriu.
Se lhe parece que sabe muito e o entende muito bem, tem por certo
que é muito mais o que ignora.
“Não te ensoberbeças” (Rm 11,20), mas, pelo contrário, confesse a
sua ignorância.
Por que quer ter mais que os outros, quando há muitos mais cultos
e sábios na lei de Deus que você?
Se quer saber e aprender alguma coisa proveitosamente, deseja
que não o conheçam nem o estimem.
4. O verdadeiro conhecimento e desprezo desi mesmo é altíssimo e
utilíssimo.
Grande sabedoria e perfeição é pensar cada um sempre bem e
favoravelmente dos outros, e ter-se e reputar-se em nada.
Se vir alguém pecar publicamente, ou cometer culpa grave, não
deve julgar; porque não sabe quanto tempo poderá perseverar no
bem.
Todos somos fracos; mas não considere ninguém mais fraco do que
você.
Reflexões
A soberba derrubou o homem. Só a humildade pôde levantá-lo e restabelecê-lo
em graça com Deus. Seu mérito não está no que ele sabe, senão no que ele
faz. A ciência sem as obras não o justifica no tribunal supremo, antes agravará
sua sentença.
Não deixa a ciência de ter suas vantagens, pois vem de Deus; mas esconde um
grande laço e uma grande tentação: “A ciência incha”, diz São Paulo; ela
alimenta a soberba, inspira uma secreta preferência de si própria, preferência
criminosa e, ao mesmo tempo, louca, porque a mais vasta ciência não é mais
que outro gênero de ignorância, e a verdadeira perfeição consiste unicamente
nas disposições do coração.
Não esqueçamos nunca de que somos nada e nada possuímos de próprio
senão o pecado, que a justiça quer nos abaixemos entre todas as criaturas, e
que no reino de Jesus Cristo, “os primeiros são os últimos e os últimos serão os
primeiros” (Mt 19,30).
Oh! Meu Deus, quantas vezes amigo de mim e esquecido de vós, esvaeço-me
como os fumos do mundo! Dai-me, Senhor, o verdadeiro espírito de humildade,
a fim de que, sendo no mundo o último dos homens, possa entrar com os
primeiros no reino de vosso divino Filho no Céu. Amém.
CAPÍTULO III
A doutrina da verdade
1. Feliz aquele a quem a verdade ensina, não por figuras e palavras
que passam, mas como é em si.
Nossa razão e nossos sentidos frequentemente nos enganam e é
bem pouco o que conhecem. De que serve a especulação sutil
sobre coisas ocultas e obscuras, se, por ignorá-las, não seremos
acusados no dia do juízo?
Grande loucura é desprezarmos as coisas úteis e necessárias, para
nos aplicarmos com gosto às curiosas e nocivas. Tendo olhos, não
vemos!
2. Que nos importa o que se diz sobre os gêneros e as espécies?
Aquele a quem fala o verbo eterno é libertado de muitas incertezas.
Deste verbo único procedem todas as coisas, e tudo nos fala desse
verbo único, e ele é também o princípio que nos fala interiormente
(Jo 8,25).
Sem ele ninguém entende ou julga retamente.
Aquele para quem Deus é tudo, que tudo a Deus refere e nele vê
tudo, pode estar firme em seu coração e permanecer em paz no
seio de Deus.
Oh, Deus de verdade! Fazei-me um só convosco em caridade
perpétua!
Aborrece-me muitas vezes ouvir e ler muitas coisas: em vós acho
tudo quanto quero e desejo.
Calem-se todos os doutores: emudeçam as criaturas todas em
vossa presença: falai-me vós somente.
3. Quanto maior for o recolhimento e a simplicidade do coração,
mais e maiores coisas entenderá sem esforço; porque de cima
recebe a luz da inteligência.
O espírito puro, singelo e constante não se distrai, ainda que se
ocupe em muitas coisas; porque tudo faz para honra de Deus e em
nada procura o próprio interesse.
Que mais te impede e perturba que a afeição de seu coração não
mortificada?
O homem bom e fiel a Deus regula no seu interior o que há de fazer
exteriormente.
Assim, não se deixa em suas ações arrastar por alguma inclinação
viciosa; mas ele as submete ao arbítrio da reta razão.
Quem tem maior combate que aquele que se esforça por vencer-se
a si mesmo?
Este deveria ser nosso principal empenho: vencer a nós mesmos, e
tornarmo-nos cada dia mais fortes e melhores.
4. Toda a perfeição, nesta vida, é misturada de imperfeição; como
todas as luzes são mescladas de sombras.
O humilde conhecimento de você mesmo é um caminho mais certo
para ir a Deus que o esquadrinhar à profundidade da ciência.
Não se deve condenar a ciência, nem qualquer conhecimento,
porque, considerados em si, são bons e ordenados por Deus; mas
sempre lhes há de antepor a boa consciência e a vida virtuosa.
Muitos, porém, estudam mais para saber bem viver, por isso erram a
cada passo, ou nenhum fruto colhem de seus estudos.
5. Oh! Se eles pusessem tanto cuidado em arrancar os vícios e
plantar as virtudes como põem em mover questões, não se veriam
tantos males e escândalos no povo, nem haveria tanto
desregramento nos mosteiros.
Certamente, no dia do juízo, não será perguntado a nós o que
lemos, mas o que fizemos; nem quanto bem temos falado, mas
quanto honestamente temos vivido.
Diga-me, onde estão agora aqueles senhores e mestres que
conheceu quando viviam e floresciam nos estudos?
Outros ocupam seus lugares e talvez não haja quem se lembre
deles. Em suas vidas pareciam alguma coisa; e hoje já ninguém fala
deles.
6. Oh! Como passa depressa a glória do mundo! Quisera Deus que
suas vidas estivessem de acordo com sua ciência! Então teriam lido
e estudado bem.
Quantos se perdem neste mundo por sua vã ciência, pouco se
importando com o serviço de Deus?
E por quererem ser grandes em vez de humildes, fazem-se vãos em
seus pensamentos.
Verdadeiramente grande é aquele que tem um grande amor.
Verdadeiramente grande é o que a seus olhos é pequeno e avalia
em nada a maior honra.
Verdadeiramente prudente é aquele “que tem por imundície todas as
coisas terrenas para ganhar a Jesus Cristo” (Fl 3,8).
Verdadeiramente sábio é aquele que faz a vontade de Deus e
renuncia à sua própria.
Reflexões
Há duas doutrinas, mas não há 
senão uma só verdade
Há duas doutrinas, uma de Deus, imutável como ele, outra do homem, mutável
como ele. A sabedoria incriada, o verbo divino espalha a primeira nas almas
preparadas para recebê-la; e a luz que lhe comunica é uma parte dele mesmo,
de sua verdade substancial e sempre viva. A todos se oferece, mas com mais
abundância se comunica ao humilde de coração; e como dele não vem, nem de
seu entendimento depende, possui sem ser tentado de vã complacência em
possuí-la.
A doutrina do homem, pelo contrário, adula seu orgulho, pois ele é seu autor:
“Esta ideia é minha; eu fui o primeiro que disse isto; nada se sabia a este
respeito antes de mim”. Espírito soberbo, eis aqui sua linguagem. Mas bem
depressa contestarão a essa poderosa razão, que faz sua alegria; rirão de suas
ideias falsas que ele tinha por verdadeiras, de suas descobertas imaginárias; no
dia seguinte, já ninguém pensa em tal, e o tempo leva consigo até o nome do
insensato que não viveu senão para ser imortal na Terra.
Oh, Jesus, dignai-vos inspirar em mim a vossa verdade santa; preservai-a para
sempre dos extravios da minha razão.
CAPÍTULO IV
Da prudência nas ações
1. Não se deve dar crédito a qualquer palavra, nem obedecer a todo
o movimento interior; mas com prudência e vagar se deve, segundo
Deus, examinar as coisas.
Mas, infelizmente, muitas vezes cremos e dizemos mais facilmente
dos outros o mal que o bem. Tão fracos somos!
Porém, os homens perfeitos não creem facilmente em qualquer
coisa que se lhes conte, porque conhecem a fraqueza do homem,
inclinado ao mal e leviano em suas palavras.
2. Grande sabedoria é não ser o homem precipitado em suas
decisões, nem demasiado apegado ao seu próprio parecer.
A esta sabedoria também pertence não crer indistintamente em tudo
o que os homens dizem, nem dizer logo a outros no que cremos e o
que ouvimos.
Toma conselho com o homem sábio e de boa consciência; e deseja
antes ser ensinado por alguém melhor que você, que seguia seu
próprio parecer.
A vida virtuosa faz o homem sábio segundo Deus e experimentado
em muitas coisas.
Quanto mais humilde for cada um em si, e mais submisso a Deus,
será mais sábio e pacífico em tudo.
Reflexões
Sendo Deus o último fim de nossas ações, como de nossos desejos, é
necessário, quando agimos, que evitemos abandonar os movimentos
precipitados da natureza, cuja inclinação é tudo referir a si. E como ninguém
conhece a si mesmo, não pode desde logo ser seu próprio guia; pede a
sabedoria que não empreendamos coisa alguma de importância sem pedir
conselho, e espírito de submissão e de humildade. Esta justa desconfiança de
si próprio previne as quedas e purifica o coração: “O conselho te guardará,diz o
sábio, e te tirará do mau caminho” (Pr 11,12).
Se quiser ser bom discípulo de Jesus Cristo, procure a conversação com os
servos de Deus, busque seu conhecimento e pratique com eles coisas divinas.
CAPÍTULO V
Da lição das Sagradas Escrituras
1. Nas Sagradas Escrituras deve-se buscar a verdade e não a
eloquência.
Toda a Escritura deve ser lida com o mesmo espírito com que foi
ditada.
Devemos procurar na Escritura a utilidade, e não a sutileza da
linguagem!
Devemos ler com igual boa vontade tanto os livros singelos e
devotos como os sublimes e profundos.
Não se atenha à autoridade de quem os escreveu, nem procure
saber se tinha muita ou pouca erudição; mas convide-se a ler o
amor da pura verdade.
Considere o que lhe dizem, sem se importar com quem o diz.
2. Os homens passam, mas a verdade do Senhor permanece para
sempre (Sl 38,7; 116,2).
Deus fala-nos de diversas maneiras e por diferentes pessoas.
Muitas vezes somos perturbados pela nossa curiosidade, ao ler as
Escrituras, por querermos esquadrinhar e discutir onde se deveria
com simplicidade passar além.
Se quiser aproveitar, leia com humildade, com simplicidade e com
fé, e não deseje nunca o nome de letrado.
Pergunte de boa vontade e ouça em silêncio as palavras dos
santos; e não despreze as sentenças dos velhos, porque não as
dizem sem causa.
Reflexões
Que é o que a razão compreende? Quase nada; mas a fé abraça o infinito. O
que crê está muito acima do que discorre, e a simplicidade do coração é
preferível à ciência que alimenta a soberba.
O desejo de saber foi quem perdeu o primeiro homem: buscava a ciência,
achou a morte.
Deus, que nos fala na Escritura, não quis satisfazer nossa curiosidade vazia,
mas iluminar-nos acerca de nossos deveres, exercer nossa fé, purificar e nutrir
nossa alma com o amor dos verdadeiros bens, que todos estão encerrados
nele.
A humildade de espírito é, pois, a disposição mais necessária para ler com fruto
os livros santos; e já não é pouco compreender quanto eles são superiores à
nossa razão fraca e limitada.
Apareceu, luz divina, à gente que estava como em trevas pecados; aparece
também ao meu espírito, quando leio e medito vossa palavra na Sagrada
Escritura. Oh, luz divina que nunca escureça, oh, resplendor celeste que nunca
se tenda às trevas, oh, dia formoso que nunca anoiteça, oh, sol brilhante que
não se tenda ao anoitecer, caminhai com vossa formosura e entrai nesta alma
que está desejosa de vossa claridade; enchei-a de vosso clarão divino para que
em vós entenda a verdade, por vós a pratique e goze de vós, que sois a eterna
verdade.
CAPÍTULO VI
Dos desejos desordenados
1. Todas as vezes que o homem deseja desordenadamente alguma
coisa, perde o sossego.
O soberbo e o avarento nunca estão sossegados; o pobre, o
humilde de espírito vivem em muita paz.
O homem que não é perfeitamente mortificado em si bem depressa
é tentado e vencido em coisas pequenas e vis.
O fraco de espírito e que ainda está inclinado ao que é sensual, com
dificuldade pode desapegar-se totalmente dos desejos terrenos.
E quando deles se abstém, recebe muitas vezes tristezas e até se
enfada caso alguém o contradiga.
2. Porém, se alcança o que deseja, sente logo pesar sobre o
remorso da consciência, porque seguiu o seu apetite, o qual de
nada lhe aproveitou para alcançar a paz que buscava.
É, portanto, na resistência às paixões que se acha a verdadeira paz
do coração, e não as seguir. Não há paz no coração do homem
sensual, nem no do que se entrega às coisas exteriores, mas no do
que é fervoroso e espiritual.
Reflexões
Um pesado jugo oprime os filhos de Adão, continuamente fatigados pelos
apetites da natureza corrupta. Se porventura sucumbem, para logo a tristeza, a
inquietação, o dissabor, o remorso se apoderam de sua alma. “Soberbo ainda
no abismo da ignomínia, inquieto e cansado de mim mesmo, diz Santo
Agostinho, contando as desordens da sua mocidade, apartava-me para longe
de vós, oh, Deus meu! em caminhos semeados todos estéreis dores”
(Confissões 11,12).
Mais custa ao homem ceder às suas inclinações do que as vencer; e se o
combate contra as paixões é renhido, dele resulta uma paz indescritível.
Neste combate, chamemos o Senhor em nosso auxílio, não temamos o
trabalho, cobremos ânimos, perseveramos firmes na fé e na esperança. O que
é um dia, um ano, a vida toda em comparação ao bem-aventurado repouso da
vida eterna?
Como já era tarde quando vos conheci, formosura tão antiga e tão nova. Como
já era tarde quando vos conheci e amei! Vinde em meu auxílio, Deus meu, dai-
vos pressa em socorrer-me; sois a minha fortaleza nos combates e o meu
refúgio no dia da tribulação. “Espere no Senhor e seja forte! Fortifique o seu
coração e espere no Senhor” (Sl 26,14).
CAPÍTULO VII
Como se deve fugir da vã 
esperança e da soberba
1. É insensato o que põe sua esperança nos homens ou nas
criaturas.
Não se envergonhe de servir aos outros e pa recer pobre neste
mundo por amor de Jesus Cristo.
Não confie em si mesmo, mas ponha em Deus a sua esperança.
Não confie na sua ciência nem na astúcia de nenhum vivente, mas
só na graça de Deus, que ajuda os humildes e abate os
presunçosos.
2. Se tem riquezas, não se vanglorie delas nem dos amigos, ainda
que sejam poderosos, mas em Deus que dá tudo, e sobretudo
deseja dar-se a si mesmo.
Não se orgulhe da forma ou beleza do seu corpo, que a mais leve
enfermidade o deforma e corrompe.
Não se desvaneça da sua habilidade e do seu talento, para que não
desagrade a Deus, de quem procede tudo o que, naturalmente, tiver
de bom.
3. Não se julgue melhor que os outros para que não seja talvez tido
por pior diante de Deus, que sabe o que há no homem.
Não se ensoberbeça com as suas boas obras, porque muito
diferentes são os juízos de Deus dos homens e a ele muitas vezes
desagrada o que a estes contenta.
Se tiver algo de bom, pense que há muitos melhores que você, e
assim conservará a humildade.
Não há nenhum mal que se reconheça inferior a todos; mas muito
danoso é se preferires a um só.
De contínua paz goza o humilde; e no coração do soberbo reinam a
inveja e a ira frequentes.
Reflexões
Considerando a fraqueza do homem, a fragilidade da vida, os sofrimentos que
de toda a parte o cercam, as trevas de sua razão, as incertezas de sua vontade
sempre propensa ao mal, é para admirar que um só movimento de soberba
possa elevar-se em uma criatura tão miserável; e, todavia, a soberba é o
mesmo fundo da nossa natureza degradada!
“A soberba, diz Santo Agostinho, separa-nos da sabedoria, faz com que
queiramos ser nós mesmos nosso bem, como Deus é seu próprio bem; a tanto
chega a loucura do crime!” (De Libero Arbitrio III, 24).
Busca-se, então, o homem a si mesmo, e admira-se em tudo que o distingue
dos outros e o engrandece a seus próprios olhos nas vantagens do corpo, do
espírito, do nascimento, da riqueza e até da graça, abusando assim ao mesmo
tempo dos dons do Criador e dos benefícios do Redentor.
Oh, quanto devemos temer em nós o menor indício de vaidade e o louco desejo
de nos preferirmos a um de nossos irmãos! Esqueçamos o fariseu do
Evangelho, que desprezava o publicano, e digamos com este: “Meu Deus,
tende compaixão de mim que sou um pobre pecador” (Lc 17,13).
CAPÍTULO VIII
Como se deve evitar a 
excessiva familiaridade
1. Não abra o seu coração a qualquer homem, mas trate seus
problemas pessoais com um homem sábio e temente a Deus (Ecl
8,22).
Seja reservado com os jovens e estranhos. Com os ricos não seja
lisonjeiro; nem busque aparecer muito na presença dos grandes.
Procure o convívio dos humildes e dos sim ples, das pessoas
devotas e de bons costumes, e trate com eles coisas de edificação.
Não tenha familiaridade com mulher alguma; mas em geral
encomende a Deus todas as que forem virtuosas.
Deseje ser familiar só com Deus e seus anjos; e fuja de ser
conhecido dos homens.
2. É necessário ter caridade com todos; mas não familiaridade.
Algumas vezes sucede que uma pessoa desconhecida goza de boa
fama; mas, quando presente, ofende os olhos daqueles que a
contemplam.
Pensamos algumas vezes agradar aos outroscom nossa
convivência; porém mais lhes desagradamos pelos defeitos que em
nós vão descobrindo.
Reflexões
Havemos de prestar-nos aos homens, e só darmos a Deus.
Se no mundo a familiaridade é coisa de menos preço, nas coisas de Deus o
demasiado trato com a criatura divide a alma e a enfraquece.
Não foi ela criada para a terra, senão para viver em mais alma morada. “Nossa
conversação é no céu”, diz São Paulo (Fl 3,20).
Enquanto, porém, vivemos com os homens, o melhor é ter geral afabilidade
para com todos, e, com ninguém, particular familiaridade.
CAPÍTULO IX
Da obediência e submissão
1. Grande coisa é viver em obediência, sujeito a um superior, e não
ter vontade própria.
Muito mais seguro é obedecer que mandar.
Muitos estão em obediência mais por necessidade que por amor, os
quais têm fadiga e facilmente murmuram e nunca terão liberdade de
ânimo enquanto não se submeterem a Deus de todo o coração. Por
mais que ande de uma parte para a outra, não achará descanso
senão na humilde submissão a um superior. A imaginação de que
mudando de lugar se melhora a muitos tem enganado.
2. Verdade é que a cada um agrada seu próprio parecer e de bom
grado se inclina para os que pensam como ele.
Mas, se Deus está entre nós, é necessário que deixemos algumas
vezes nosso parecer, pelo bem da paz.
Quem é tão sábio que tudo saiba? Não confie demasiadamente em
seu próprio parecer; ouve antes de boa mente o sentir dos outros.
Se o seu parecer for bom e o deixar por amor a Deus para seguir o
alheio, terá nisto mais merecimento.
3. Muitas vezes ouvi dizer que é mais seguro ouvir e tomar conselho
que o dar.
Bem pode também acontecer que seja bom o parecer de um, mas
não querer ceder aos outros quando a razão ou a ocasião o pede é
sinal de soberba ou de teimosia.
Reflexões
Se o Filho de Deus se fez obediente até a morte, e morte de Cruz, que homem
há a que recuse obedecer? No mundo não há ordem nem vida senão pela
obediência: ela é o laço dos homens entre si e seu autor, o fundamento da paz,
e o princípio da harmonia universal. A família, a cidade, a Igreja, não subsistem
senão pela obediência; a mais alta perfeição das criaturas não é mais que uma
perfeita obediência: só ela nos preserva do erro e do pecado.
Quando obedecemos a um homem revestido de autoridade, obedecemos a
Deus; ele é o único monarca, e todo o poder legítimo é uma emanação de sua
onipotência eterna e infinita. “Todo o poder vem de Deus”, diz o Apóstolo, e está
sujeito a uma regra divina, tanto na ordem temporal como na espiritual; de sorte
que, obedecendo ao pontífice, ao príncipe, ao pai, a quem é realmente “ministro
de Deus para o bem”, só a Deus obedecemos.
Feliz aquele que compreende esta celeste doutrina: livre da escravidão do erro
e das paixões, dócil à voz de Deus e da consciência, goza “da verdadeira
liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8,21).
Deus e Senhor meu, contra cujos conselhos nada pode a humana malícia, dai-
me aquele espírito de obediência e sujeição que tanto distingue vossos servos,
pelo qual me assemelharei a vosso divino Filho que por minha salvação se fez
obediente até a morte, e assim terei parte nos merecimentos do seu sangue
preciosíssimo.
CAPÍTULO X
Como se há de resistir às 
tentações das palavras
1. Evita, quanto puder, a agitação do mundo; porque o comércio do
mundo causa muitos embaraços ainda quando se trata com
intenção sincera.
Bem depressa somos manchados e cativos da vaidade.
Muitas vezes quisera ter-me calado e não ter estado entre os
homens.
Porém, qual é a causa por que de tão bom grado falamos e
praticamos uns com os outros, vendo quão poucas vezes voltamos
ao silêncio sem dano da consciência?
A razão disto é porque pretendemos ser consolados uns pelos
outros com semelhantes conversações e desejamos aliviar o
coração cansado de sensações diversas.
E de boa vontade nos detemos em falar das coisas ou pensar nas
que amamos ou desejamos, ou das adversas que sentimos.
2. Mas, pobres de nós! Tudo é em vão e inútil, porque a consolação
exterior é dos maiores obstáculos para a consolação íntima
proporcionada por Deus.
Por esta causa, vigiemos e oremos, para que não se passe o tempo
ociosamente.
Se lhe for lícito e conveniente falar, diga coisas que edifiquem.
O mau costume e o descuido de nosso aproveitamento são causas
do pouco cuidado com que guardamos a nossa língua.
No entanto, ajudam muito o progresso interior e os piedosos
colóquios sobre coisas espirituais, de modo especial quando entre
pessoas de um mesmo espírito e coração que se encontram unidos
em Deus.
Reflexões
Está escrito que no dia do juízo Deus nos há de pedir contas, até de uma
palavra ociosa. Não nos admiremos de tanto rigor: tudo é sério na vida humana,
cujo menor momento pode ter tão formidáveis consequências.
Esse tempo que desperdiça em diversões inúteis foi dado a você para ganhar o
céu. Compare o fim para que o receba com o uso que dele faz; e todavia sabe
porventura se lhe será concedida uma hora a mais?
Calar e sofrer é a mais geral virtude com que a vida passa sem culpa entre a
gente, e sem esta virtude não é possível ter quitação na alma.
Dê-me, Senhor, esta santa virtude para que, imitando o silêncio de meu divino
Mestre, aprenda a meditar em seus trabalhos e mereça por este modo
associar-me a seus sofrimentos e por eles alcançar a paz da vida eterna.
CAPÍTULO XI
Como se deve adquirir a paz interior, 
e do desejo de fazer progressos na virtude
1. Muita paz teríamos se não nos importássemos com o que os
outros fazem, e que não nos dizem respeito.
Como pode estar em paz muito tempo aquele que se intromete em
cuidados alheios, busca ocasiões exteriores e recolhe?
Bem-aventurados os simples, porque terão muita paz.
2. Qual é a causa porque muitos santos foram tão perfeitos e
contemplativos?
Porque trataram de se mortificar inteiramente em todos os desejos
terrenos, e por isso puderam unir-se a Deus no íntimo do coração, e
ocupar-se livremente de si mesmos.
Ocupamo-nos muito com nossas pai xões e temos demasiado
cuidado com o que é transitório.
E também poucas vezes vencemos um vício perfeitamente, nem
nos inflamamos no desejo de adiantar cada dia o nosso
aproveitamento, e por isso ficamos sempre fracos, sempre frouxos.
3. Se estivéssemos perfeitamente mortos para nós mesmos e no
interior desembaraçados, então poderíamos gostar das coisas
divinas e adquirir alguma experiência da contemplação celestial.
O que unicamente nos impede é não estarmos ainda livres de
nossas inclinações e desejos, e não fazemos nenhum esforço para
entrar no caminho da perfeição trilhado pelos santos.
Quando uma leve contrariedade nos bate à porta, imediatamente
nos deixamos abater, e procuramos logo consolações humanas.
4. Se nos esforçássemos na batalha, em pelejar como homens
fortes, veríamos sem dú vida o auxílio do Senhor descer do Céu
sobre nós.
Porque Deus está pronto a socorrer os que pelejam e esperam em
sua graça, proporcionando-nos ocasiões de combate para que
alcancemos a vitória.
Se colocamos unicamente o progresso da vida religiosa nas
observâncias exteriores, bem depressa nos acabará a devoção que
tínhamos.
Ponhamos, pois, o machado à raiz da árvore, para que, livres das
paixões, possamos pacificar nossas almas.
5. Se cada ano desarraigássemos um vício, não tardaríamos a ser
perfeitos.
Mas, pelo contrário, muitas vezes experimentamos que éramos
melhores e nossa vida mais pura no princípio da nossa conversão
que depois de muitos anos de profissão.
Nosso fervor e aproveitamento deviam ir crescendo todos os dias,
mas agora parece muito alguém conservar parte do primitivo fervor.
Se no princípio fizéssemos algum esforço, poderíamos depois fazer
tudo com facilidade e alegria.
6. Custoso é deixar os costumes antigos; porém mais custoso ainda
é ir contra a própria vontade.
Mas se não venceres as coisas pequenas e fáceis, como vencerás
as difíceis?
Resista no princípio à sua inclinação e deixe quanto antes o mau
costume, para que não o leve pouco a pouco a maiores dificuldades.
Oh! Se soubesse quanta paz teria e quanta alegria daria aos outrostendo boa vida, creio que seria mais solícito no seu aproveitamento
espiritual!
Reflexões
“Deixo-vos a minha paz, dou-vos a minha paz, não como a dá o mundo” (Jo
14,27). Que amável brandura, que terno amor nestas palavras do Salvador, e,
ao mesmo tempo, que profundo documento! Todos os homens desejam a paz,
mas há duas pazes: a de Jesus Cristo e a do mundo.
O mundo diz ao ambicioso: Perturba-lhe, agita-lhe o desejo das grandezas?
Suba, eleve-se. Ao avarento diz: Devora-lhe a cobiça das riquezas? Ajunte,
acumule sem nunca parar. Ao licencioso, atormentado de seus apetites, repete-
lhe a cada instante: Embriague-se de delícias, desafogue suas paixões, goze
dos prazeres mundanos e terá a paz. Enganadora promessa! Cuidados,
inquietações, desgostos, enfados, aborrecimentos, tristezas, cruéis pesares,
devoradores remorsos, eis a paz do mundo!
Jesus Cristo diz: Vença a si mesmo, combata os seus desejos, resista às suas
inclinações, enfreie a cobiça, quebrante as paixões; e a alma, dócil a seus
preceitos, goze de inefável descanso. Os trabalhos da vida, os sofrimentos, as
injustiças, as perseguições, nada pode alterar a sua paz, e esta paz celestial,
que excede todo sentimento, a acompanha em seu trânsito e a segue até o
céu, onde se consumará sua bem-aventurança.
Dai-me, oh Deus pacífico, a perfeita paz do coração, o desprezo de mim
mesmo, o vosso puro amor e o desejo constante de só a vós contentar, por vós
sofrer, e por vós merecer a paz e o descanso eterno.
CAPÍTULO XII
Utilidade das contrariedades
1. É vantajoso suportar, de quando em quando, algumas penas e
contrariedades, porque elas chamam o homem à compreensão de si
mesmo, fazendo-o reconhecer que está exilado neste mundo e que
não deve colocar a sua esperança em alguma coisa da terra.
É bom padecermos de contradições algumas vezes e que os
homens pensem mal ou pouco favoravelmente de nós, ainda que
atuemos bem e tenhamos boa intenção. Estas coisas, muitas vezes,
ajudam-nos a sermos humildes e nos defendem da presunção.
Com efeito, procuramos mais a Deus como testemunha de nossa
consciência, quando somos desprezados pelos homens ou pensam
mal de nós.
Por isso, deveria o homem confiar de tal modo em Deus, que não
fosse necessário buscar muitas consolações humanas.
Quando o homem de boa vida é atribulado, ou tentado, ou
combatido por maus pensamentos, então conhece ter de Deus
maior necessidade, experimentando que sem ele não pode fazer
coisa boa.
Então se entristece, geme, e pede ao Senhor que o livre dos males
de que padece.
Então sente tédio pela vida que se prolonga e suspira pela morte a
fim de se libertar do corpo e estar com Cristo (Fl 1,23).
Então, compreende que não há, nem pode haver no mundo, perfeita
segurança nem paz completa.
Reflexões
Na adversidade é que cada um de nós começa a conhecer o que na verdade é:
“Que sabe aquele que nunca foi provado?” (Ecl 34,9).
O homem na prosperidade a quem tudo corre à medida de seus desejos anda
exposto a grandes perigos; muito é para recear que sua alma adormeça em
pesado sono e que, ao acordar, ouça aquela palavra que nunca deveria ter
esquecido: “Lembre-se de que recebeste os bens da terra” (Lc 16,25).
Enquanto somos peregrinos, devemos olhar os trabalhos como uma graça de
predileção; eles nos exercem na virtude, procuram-nos novas ocasiões de
merecimento e fazem-nos conformes ao divino modelo, de quem está escrito:
“Convinha que Cristo sofresse, e que assim entrasse na sua glória” (At 17,3).
Tudo com Deus muda de forma satisfatória que nem olho vê, nem ouvido ouve;
mas só o amor experimenta. Dai-me, Senhor, a graça de viver do
contentamento dos justos no meio de seus trabalhos e tribulações para depois
gozar com eles da glória do Paraíso.
CAPÍTULO XIII
A resistência às tentações
1. Enquanto vivemos no mundo, não podemos estar sem trabalhos
e tentações.
Por isso está escrito no livro de Jó: “A vida do homem sobre a terra
é uma contínua tentação” (Jó 7,1).
Cada qual, pois, deve ser muito cuidadoso nas tentações,
procurando, vigilante na oração, não dar lugar às ilusões do
demônio, “que nunca dorme nem cessa de andar à roda das almas
para as devorar” (1Pd 5,8).
Ninguém é tão santo e tão perfeito que não tenha algumas vezes
tentações; e não podemos viver sem elas.
2. Se bem que inoportunas e penosas, as tentações são muitas
vezes utilíssimas ao homem, porque por meio delas se humilha, se
instrui e se purifica.
Todos os santos passaram por muitas tentações e trabalhos, e foi
assim que progrediram na santidade.
E os que não quiseram suportá-los falharam e condenaram-se.
Não há ordem tão santa nem lugar tão retirado onde não haja
tentações e adversidades.
3. Nenhum homem está inteiramente livre de tentações enquanto
vive; porque em nós mesmos está a causa de onde elas vêm, pois
nascemos com inclinação ao pecado.
Passada uma tentação ou tribulação, sobrevém outra, e sempre
teremos que sofrer, porque se perdeu o bem de nossa primeira
felicidade.
Muitos querem fugir às tentações e caem nelas mais gravemente.
Mas não é fugindo que podemos vencê-las, porém, é com paciência
e verdadeira humildade que nos fazemos mais fortes que todos os
nossos inimigos.
4. Quem somente evita as ocasiões exteriores e não arranca o mal
pela raiz pouco aproveitará; antes lhe tornarão mais depressa as
tentações e se achará pior que antes.
Com a ajuda de Deus, mais facilmente vencerá, com paciência e
perseverança, do que com seu próprio esforço e fadiga.
Tome muitas vezes conselho na tentação, e não seja rude e áspero
com o que está tentado, antes procure consolá-lo como quer ser
consolado.
5. O princípio de toda a tentação é a inconstância de ânimo e a
pouca confiança em Deus.
Como um navio sem leme é levado pelas ondas em todas as
direções, assim o homem negligente e inconstante em seus
propósitos é tentado de todas as maneiras.
O fogo prova o ferro; e a tentação, o justo.
Muitas vezes não sabemos o que podemos; mas a tentação mostra-
nos o que somos.
Devemos, pois, vigiar principalmente no princípio da tentação,
porque mais facilmente se vence o inimigo quando não o deixamos
passar da porta da alma, e lhe saímos ao encontro, logo que bate.
Como citou um poeta (Ovídio, De Remediis Amoris 2,91):
Resiste no princípio,
Tarde chega o remédio
Se já, por largo tempo,
O mal lançou raízes.
Porque, primeiramente, se oferece à alma um simples pensamento,
depois, a importuna imaginação, logo o prazer, o movimento
desordenado e o consentimento da vontade.
E assim, pouco a pouco, entra o inimigo e se apodera de tudo,
porque não se resistiu a ele no princípio.
E quanto mais preguiçoso for o homem em resistir-lhe, cada dia
ficará mais fraco, e o inimigo contra ele, mais poderoso.
6. Alguns padecem graves tentações no princípio de sua conversão;
outros, no fim; muitos por toda a vida.
Alguns são tentados brandamente, segundo a sabedoria e a
equidade da Divina Providência, que pondera o estado e os méritos
dos homens, e tudo ordena para a salvação de seus escolhidos.
7. Por isso, não devemos desconfiar quando formos tentados; mas
antes rogar a Deus com maior fervor para que se digne ajudar-nos
em toda a atribuição; porque, segundo o dito de São Paulo, “nos
dará o auxílio junto com a tentação para que lhe possamos resistir”
(1Cor 10,13).
“Humilhemos, pois, nossas almas debaixo da mão de Deus em toda
a tribulação e tentação, porque ele há de salvar e engrandecer os
humildes de espírito” (Sl 33,19).
8. É nas tentações e nos reveses que o homem verifica quanto
progrediu; por elas maior se toma o mérito, e melhor se revelam as
virtudes.
Nada custa ser devoto e fervoroso quando o sacrifício não é grande,
mas, se no tempo da adversidade se mantém com paciência,
haverá esperança de grande progresso.
Existem alguns que vencem as grandes tentações, mas muitas
vezes são vencidos pelas pequenas de cada dia, para que,
humilhando-se, não confiem em si mesmos nas coisas grandes,
pois são fracos nas pequenas.
Reflexões
Nenhum homem está isento de tentações. Permite-as Deus para que nos
provem, nos purifiquem, nos instruam e nos humilhem.Não é só pela fuga ou por uma resistência violenta que venceremos, senão
também por uma paciência sossegada, por uma inteira confiança em Deus.
“Vigiemos, contudo, segundo o preceito do divino Mestre: Vigiemos e oremos
para não cairmos em tentação.”
Facilmente se vence a tentação quando nasce, mas se a deixarmos crescer e
fortificar-se, não teremos força o bastante para resistir-lhe, e sucumbindo,
seremos punidos por nossa negligência ou nossa presunção. Assim sucumbiu
São Pedro, porque teve demasiada confiança em si mesmo, e se expôs ao
perigo sem se fortificar com a vigília e a oração.
Se, como São Pedro, formos descuidados ou presunçosos, sejamos como ele
pesarosos e arrependidos. Reconheçamos a nossa fraqueza e pouco préstimo,
e humilhemo-nos cada vez mais. A humildade será o fundamento da nossa
segurança, do nosso aproveitamento, da nossa paz e de toda a perfeição.
Bem sei, Senhor, que aos que vos amam e temem tudo se lhes converte em
bem; não vos peço, Deus meu, ser isento de tentações, mas luz para conhecê-
las, fortaleza para resistir-lhes, humildade para não confiar em mim, conforto
para não desfalecer e vitória no combate; permite, Senhor, desarmem em vão
todas as cidadas do inimigo e, vencedor dele, eu posso colher os saudáveis
frutos da santa humildade, que são a paz interior neste mundo e a glória na
pátria dos bem-aventurados.
CAPÍTULO XIV
É necessário evitar os juízos temerários
1. Ponha os olhos em você mesmo e guarde-se de julgar as obras
dos outros.
Julgar os outros é ocupação vã para o homem, que de ordinário se
engana e facilmente peca; mas, julgando-se e examinando-se,
trabalha sempre com fruto.
Ordinariamente julgamos as coisas segundo a inclinação do nosso
coração, porque o amor próprio altera facilmente em nós o
verdadeiro juízo delas.
Se procurássemos sempre Deus com pureza de intenção, não nos
perturbaria tão facilmente a contradição da nossa sensualidade.
2. Muitas vezes, porém, existe alguma razão oculta ou algum motivo
externo que igualmente nos atrai.
Muitos, sem o saber, buscam secretamente a si mesmos nas obras
que fazem, e não percebem isto.
Também lhes parece estarem em perfeita paz quando as coisas
correm à medida de seus desejos; mas de outra maneira sucedem,
logo se inquietam e entristecem.
A diversidade de opiniões e sentimentos produz, muitas vezes,
discórdias entre amigos e vizinhos, entre religiosos e devotos.
3. Dificilmente se abandona um velho hábito e ninguém deixa de
bom grado seu próprio parecer.
Se confia mais na sua razão e habilidade que na virtude e na
submissão de que Jesus Cristo nos deu o exemplo, dificilmente e só
muito tarde poderá ser um homem esclarecido, porque é vontade de
Deus que lhe sejamos perfeitamente submissos, e que
prescindamos de toda a humana razão, inflamados no seu amor.
Reflexões
Há em nós uma secreta malícia que se contenta em descobrir as imperfeições
de nossos irmãos, e eis aqui porque somos tão propensos a julgá-los,
esquecendo que só a Deus pertence julgar os corações.
Em lugar de pesquisar tão curiosamente a consciência alheia, metamos a mão
na nossa: ali acharemos bastantes motivos para sermos indulgentes com o
próximo e não menos inquietações a nosso respeito.
Quem não é superior ou prelado, nenhum encargo tem de vigiar seu
semelhante; cada um só se responde: “Não julgues, portanto, para que não
sejas julgado” (Mt 7,2).
Não cuida o malicioso que se fazem as coisas com santa intenção, e julga o
bem que vê pelo mal que se lhe entreolha.
Livrai-me, meu Deus, desta propensão maligna; enfreai minha língua para que
nunca fale contra o meu próximo, moderai os meus pensamentos para que tudo
seja conforme a lei santa de vosso amor e dilatai meu coração com os ardores
da caridade para que sempre siga o vosso divino Filho, que na agonia do
Calvário vos pediu perdão para os que o crucificavam.
CAPÍTULO XV
Das obras realizadas por caridade
1. Por nenhuma coisa do mundo, nem por amor de pessoa alguma,
se há de fazer o menor mal; mas, para proveito de algum
necessitado, se pode alguma vez interromper a boa obra, ou trocá-
la por outra melhor.
Com isto não se destrói a boa obra, mas se muda em outra melhor.
A obra exterior, sem caridade, de nada vale, mas tudo o que se faz
com caridade, por pouco e desprezível que seja, produz abundantes
frutos, porque Deus olha mais para a intenção do que para a ação.
2. Muito faz quem muito ama.
Faz muito quem faz bem aquilo que faz.
Bem faz quem serve mais ao bem comum que à sua vontade
própria.
Muitas vezes parece caridade o que é amor próprio; porque a
propensão de nossa natureza, a própria vontade, a esperança de
recompensa, o gosto da comodidade raras vezes nos deixam.
3. Quem tem verdadeira e perfeita caridade em nenhuma coisa se
busca a si mesmo, mas deseja que em todas Deus seja glorificado.
De ninguém tem inveja, porque não ama particularmente nenhum
prazer, mas deseja sobre todas as coisas ter alegria e felicidade em
Deus.
A ninguém atribui bem algum, mas refere tudo a Deus, do qual,
como de fonte eterna, brotam todas as coisas, no qual, como em fim
último, descansam em plena satisfação todos os santos.
Oh! Quem tivera uma centelha de verdadeira caridade! Por certo
avaliaria por vaidade todas as coisas da terra!
Reflexões
Quase todas as ações dos homens nascem de um princípio viciado, daquela
tríplice cobiça de que fala São João (11,16), e contra a qual a vida cristã está
em contínuo combate. O demasiado amor próprio, tão difícil de vencer
inteiramente, corrompe de ordinário as mesmas obras que mais puras parecem.
Quantos trabalhos, quantas esmolas, quantas penitências, em que os homens
põem grande confiança, serão talvez estéreis para o céu! Deus não se dá
senão àqueles que o amam: ele é o prêmio da caridade, daquele amor inefável,
sem limites e sem medida, o qual, enquanto tudo o mais passa, permanece
eternamente, diz São Paulo (Cor 13,8).
“Oh, amor divino, único que fazeis os Santos, Amor que sois Deus”, penetrai,
possuí, transformai em vós todas as potências de minha alma, sede a minha
vida, a minha única vida, agora e sempre nos séculos dos séculos. Assim seja!
(Jo 4,16).
CAPÍTULO XVI
A tolerância dos defeitos do próximo
1. O que o homem não pode emendar em si ou nos outros deve
padecê-lo com paciência, até que Deus ordene de outro modo.
Pensa que talvez seja melhor ser assim, para colocares à prova a
sua paciência, sem a qual não são dignos de muita estimação os
nossos merecimentos.
Deves, porém, pedir a Deus que te ajude para que possas vencer
estes obstáculos ou sofrê-los com resignação.
2. Se alguém, censurado uma ou duas vezes, não se emendar, não
discuta com ele; mas encomende tudo a Deus, que sabe tirar bem
do mal para que se faça sua vontade, e ele seja honrado em todos
os seus servos.
Esforce-se por sofrer com paciência quaisquer defeitos e fraquezas
alheias, pois há muito em você que os outros têm que suportar.
Se não consegue ser o que deseja, como poderá transformar os
outros segundo seus desejos?
Desejamos que os outros sejam perfeitos, e não somos capazes de
corrigir nossos próprios defeitos.
Desagrada-nos que aos outros sejam dadas amplas liberdades, mas
não suportamos que nos neguem seja o que for.
3. Queremos que os outros sejam apertados por regulamentos, mas
de modo nenhum suportamos que nos reprimam.
De onde claramente se mostra quanto pouco amamos o próximo
como a nós mesmos.
Se todos fôssemos perfeitos, que teríamos então que suportar dos
outros por amor de Deus?
4. Porém, Deus assim o permitiu para que aprendamos a suportar
as faltas dos outros, porque cada um tem o seu fardo e as suas
faltas e ninguém se basta a si mesmo nem é suficientemente sábio
só por si; por isso temos de nos suportar uns aos outros, de nos
consolar mutuamente, de nos prestar mútuo auxílio de nos instruir e
censurar.
É na hora da adversidade que se revelam melhor as virtudes de
cada um.
Porque as ocasiões não fazem o homem fraco, porém descobrem o
que ele é.
Não pode sofrer, diz você, tais e tais defeitos, poderoso motivo este
de se humilhar. Porque Deus, queé a mesma perfeição, os sofre, e
muito maiores ainda. O que o faz melindroso não é o zelo do
próximo, mas um amor próprio, difícil, irritável, suspeitoso.
Volte os olhos para você mesmo e veja se seus irmãos não têm
nada que receber de você! A verdadeira piedade é branda e
sofredora, porque ela nos faz ver o que somos.
O que se sente fraco, e sua fraqueza deplora, não se ofende
facilmente das fraquezas dos outros; muito bem sabe que todos nós
temos necessidade de conforto, de indulgência e de misericórdia;
desculpe, compadeça-se, perdoe, e conserve assim a paz interior e
dê mostras exteriores de verdadeira caridade.
CAPÍTULO XVII
Da vida religiosa
1. Convém que aprenda a quebrantar-se em muitas coisas, se quer
ter a paz e concórdia com os outros.
Não é fácil morar nos mosteiros e congregações, e ali viver sem
queixas e perseverar fielmente até a morte.
Bem-aventurado aquele que ali vive bem e, ditosamente, acaba!
Se quiser perseverar e progredir na virtude, considere-se como
exilado e peregrino sobre a terra.
Convém fazer-se simples por Jesus Cristo, se queres seguir a vida
religiosa.
2. De pouco valem o hábito e o cilício. A mudança dos costumes e a
inteira mortificação das paixões é que fazem o verdadeiro religioso.
Quem outra coisa busca mais que a Deus e a salvação de sua alma
não achará senão tribulação e dor.
Não pode estar muito tempo em paz quem não procura ser o menor
e o mais submisso de todos.
3. Vieste para servir, não para mandar; convença-se de que foi
chamado para trabalhar e sofrer; e não para folgar e divertir-se.
Aqui, pois, se provam os homens como o ouro na fornalha.
Aqui não pode estar senão quem quiser de todo o coração humilhar-
se por amor de Deus.
Reflexões
O que é um bom religioso? É um verdadeiro cristão ocupado sempre a fazer-se
perfeito, tomando como dever rigoroso o que o Evangelho só indica como
conselho. A vida monástica não é, pois, outra coisa mais do que uma vida, por
assim dizer, mais cristã; e a abnegação de si mesmo é o compêndio de todos
os deveres que ela impõe. Ora, estes deveres são também os nossos, pois não
a alguns, mas a todos, disse Jesus Cristo; “Sede perfeitos como vosso Pai
celestial é perfeito” (Mt 5,48).
Para preencher esta grande vocação, renunciemos a nós mesmos, unamo-nos
plenamente ao sacrifício de nosso divino modelo; amemos sobre tudo a
submissão, a dependência e as humilhações. A salvação é um edifício que
levanta sobre as ruínas da soberba.
Deus e Senhor meu, ainda que não siga rigorosamente a vida religiosa, dai-me
luzes para compreender quanto mais monta curta vida bem ocupada que a
larga, ociosa; quanto pouco tempo basta para grandes virtudes e valiosos
merecimentos, quando sabemos empregar o tempo em vosso serviço; dai-me,
Senhor, o espírito de humildade, fundamento único das virtudes todas.
CAPÍTULO XVIII
Do exemplo dos Santos Padres
1. Considere bem os heroicos exemplos dos Santos Padres, nos
quais resplandece a verdadeira perfeição da vida religiosa, e verá
como pouco ou quase nada é o que fazemos.
Ai de nós! Que é a nossa vida, comparada com a deles?
Os santos e amigos de Cristo serviram ao Senhor em fome, sede,
frio, nudez, trabalhos, fadigas, vigílias, jejuns, rezas, santas
meditações, perseguições e muitos vexames.
2. Oh! De quantas e quão graves tribulações padeceram os
apóstolos, os mártires, os confessores, as virgens, e todos os
demais que quiseram seguir as pisadas de Cristo! “Pois
aborreceram neste mundo suas vidas para as possuírem na
eternidade” (Jo 12,25).
Que vida de renúncia e austeridade foi a dos Santos Padres no
deserto! De que longas e graves tentações padeceram! Quantas
vezes foram atormentados pelo inimigo! Quão fervorosas e
contínuas orações ofereceram a Deus! Quão rigorosas abstinências
praticaram! Que zelo, que ardor em seu aproveitamento espiritual!
Que forte guerra contra suas paixões! Que intenção pura e reta
sempre dirigida para Deus!
De dia trabalhavam e passavam as noites em larga oração; ainda
que trabalhando, não interrompiam a sua oração mental.
3. Todo o tempo gastavam santamente: as horas lhes pareciam
curtas para se darem a Deus; e pela grande doçura da
contemplação se esqueciam da necessária refeição do corpo.
Renunciavam todas as riquezas, honras, dignidades, parentes e
amigos: nada queriam do mundo; apenas tomavam o necessário
para a vida, e lhes era pesado servir ao corpo ainda nas coisas
necessárias.
De modo que eram pobres das coisas da terra, porém riquíssimos
de graça e virtudes.
No exterior tudo lhes faltava; mas interiormente Deus os fortificava
com sua graça e recreava com suas consolações.
4. Eram estranhos ao mundo; mas íntimos e particulares amigos de
Deus.
Tinham-se por nada a si mesmos, e o mundo os tratava com
desprezo, mas aos olhos de Deus eram preciosos e amados.
Estavam em verdadeira humildade, viviam em singela obediência;
por isso a cada dia cresciam em espírito e alcançavam muita graça
diante de Deus.
Foram dados como exemplo a todos os religiosos; e mais nos
devem mover para nos aproximarmos do bem, que a multidão dos
fracos, para nos desanimarmos em nossas atividades.
5. Oh! Como foi grande o fervor de todos os religiosos no princípio
dos seus sagrados institutos!
Quanto ardor na oração! Quanto zelo na virtude! Que severidade de
disciplina! Como florescia a submissão e obediência à regra do
santo fundador!
O que ainda nos resta deles nos atesta a santidade e perfeição
daqueles homens insignes que, pelejando esforçadamente, pisaram
aos pés o mundo. Agora já se estima em muito aquele que não
transgride a regra, e com paciência pode sofrer algum dissabor.
6. Oh! Fraqueza e negligência de nosso estado, que tão depressa
declinamos do fervor primitivo, e já nos é molesto o viver em
consequência da frouxidão e debilidade!
Agrade a Deus que, tendo visto tantos exemplos de santos homens,
de todo se não acabe em você o desejo de aproveitar nas virtudes!
Reflexões
Baseados nos admiráveis exemplos que nos deixaram tantos fervorosos
discípulos de Jesus Cristo, envergonhemo-nos de nossa negligência e
tomemos ânimo para seguir decididamente suas pisadas. Repitamos com
frequência aquelas palavras de Santo Agostinho: “Que! Não poderei eu o que
tantos outros puderam?!”. E acrescentemos como o Apóstolo: “Eu por mim
nada posso, mas posso tudo naquele que me fortifica” (Fl 4,13).
Toda a nossa força consiste em sentir nossa fraqueza e em conhecer-lhe o
remédio, que é a graça do divino Mediador.
Dai-nos, Senhor, a graça especial de amar vossos divinos conselhos, dai-nos
fortaleza para guardá-los como mandamentos vossos e fazei não tenhamos
maior destino do que sermos sempre fiéis e zelosos em imitar os exemplos dos
que, em vosso nome, nos ensinam o caminho da santidade.
CAPÍTULO XIX
Dos exercícios do bom religioso
1. A vida do bom religioso deve resplandecer em todas as virtudes,
para que seja tal no interior, qual parece fora aos homens.
E com muita razão deve ser ainda mais perfeito interiormente do
que por fora parece, porque Deus está nos vendo e devemos, onde
quer que estejamos, venerar profundamente sua majestade, e andar
em sua presença tão puros como os anjos.
Cada dia devemos renovar nosso propósito, exercitar-nos no fervor,
como se hoje fosse o primeiro dia de nossa conversão, e dizer:
Ajudai-me, Deus e Senhor meu, em meu bom propósito e em vosso
santo serviço, e dai-me graça para que comece hoje perfeitamente,
porque nada é quanto até aqui tenho feito.
2. A firmeza das nossas resoluções é a medida do nosso progresso
e uma grande urgência é necessária para quem deseja progredir.
Se o que propõe firmemente muitas vezes falha, que será do que
tarde ou nunca propõe?
De diferentes maneiras abandonamos nossas resoluções, e a
menor omissão em nossos exercícios traz sempre consigo algum
triste resultado.
O propósito dos homens justos se funda mais na graça de Deus que
no seu próprio saber; e nele confiam sempre em qualquer obra que
empreendem.
“Porque o homem propõe e Deus dispõe; e não está na mão do
homem o seu caminho” (Jr 10,23).
3. Se omitimos os nossos exercíciosordinários por algum motivo
piedoso ou por causa da caridade fraterna, será fácil retomá-los em
seguida.
Mas se os abandonamos por tédio ou negligência e sem qualquer
motivo sério, cometemos então uma falta que nos há de ser fatal.
Mesmo fazendo todos os esforços possíveis cairemos facilmente,
em muitas ocasiões.
Devemos, contudo, propor-nos sempre alguma coisa determinada,
sobretudo a respeito do que forma o principal obstáculo a nosso
progresso.
É necessário examinar e ordenar todas as nossas coisas exteriores
e interiores, porque tudo é útil ao nosso aproveitamento.
4. Se não pode recolher-se continuamente, recolha-se de quando
em quando; e pelo menos uma vez ao dia, a saber: pela manhã ou à
noite.
Pela manhã, propõe; à noite, examina tuas ações: como proferiu
hoje suas palavras, obras e pensamentos, porque pode ser que
tenha ofendido muitas vezes a Deus e ao próximo.
Arme-se como homem forte contra as malícias do demônio: refreie a
gula: e facilmente refrearás toda a inclinação da carne.
Nunca esteja de todo ocioso, mas leia ou escreva ou reze ou medite
ou trabalhe em alguma coisa de utilidade para os olhos.
Porém, os exercícios corporais devem ser feitos com discrição,
porque não são igualmente convenientes para todos.
5. Os exercícios particulares não devem ser feitos publicamente,
porque é mais seguro praticá-los privativamente.
Tome cuidado, no entanto, em não abandonar os exercícios da
comunidade pelos que são de sua preferência. Mas, satisfeitas
inteira e fielmente as coisas de obrigação e preceito, se tiver algum
tempo, emprega-o em particular, como pedir a sua devoção.
Nem todos podem ocupar-se do mesmo exercício: um convém mais
a este, outro àquele.
Também, conforme a variedade do tempo, assim agradam os
diversos exercícios, porque uns são mais apropriados para os finais
de semana, outros para os dias de semana.
Necessitamos de uns para o tempo da tentação, e de outros para o
de paz e sossego.
Gostamos de meditar em umas coisas, quando estamos tristes, e
em outras quando alegres no Senhor.
6. Nas festas principais, devemos renovar nossos bons exercícios e
invocar com mais fervor a intercessão dos santos.
De uma festa para outra devemos formar algum santo propósito,
como se então houvéssemos de sair deste mundo e chegar à eterna
festividade.
Por isso, devemos prevenir-nos com cuidados nos tempos devotos,
andar com mais atenção e guardar mais estreitamente toda a
observância, como quem há de breve receber de Deus o prêmio de
seus trabalhos.
7. E se este momento for adiado, tenhamos por certo que não
estamos ainda bem preparados, e que não somos dignos de tanta
glória como a que se há de manifestar em nós acabado o tempo
desta vida; redobremos nossos esforços a fim de nos dispormos
melhor para partir.
“Bem-aventurado o servo, diz São Lucas, a quem o Senhor achar
vigiando, quando vier; em verdade vos digo que o constituirá sobre
todos os seus bens” (12,37).
Reflexões
“A vida do homem sobre a terra é um combate contínuo” (Jo 7,1) contra o
demônio, contra o mundo, e contra si mesmo. Uns retiram-se aos claustros
para mais facilmente resistirem, outros ficam no meio do século, mas todos não
podem vencer senão pelo exercício de uma contínua vigilância.
“O hábito de recolher-se em si mesmo, o amor do retiro, uma atenção constante
em pensamentos, palavras e sentimentos; a fidelidade aos mais leves deveres
e às mais humildes práticas preservam das grandes tentações, e chamam
sobre nós as graças do Céu.” “O que despreza as coisas pequenas cairá pouco
a pouco”, diz o Espírito Santo (Ecl 19,1).
Senhor, tomai à vossa conta a fraqueza desta miserável criatura; tratai-me
como quiserdes; tende-me da vossa mão em tudo, e; se vós me guiardes,
evitarei até as faltas ligeiras, e, fortalecido por vossa graça, chegarei à
perfeição de vossos fiéis servos.
CAPÍTULO XX
Do amor à solidão e 
ao silêncio
1. Busque tempo oportuno para atender a si e pense com frequência
nos benefícios de Deus.
Deixe as coisas curiosas e leia matérias que te deem mais
compunção que ocupação.
Caso se afaste de conversações supérfluas e passeios ociosos,
como também de ouvir novidades e murmurações, achará tempo
bastante e oportuno para se entregar a santas meditações.
Os maiores santos evitaram quanto podiam a companhia dos
homens, e preferiram viver para Deus em seu retiro.
2. Disse um sábio: “Quantas vezes estive entre os homens, voltei
menos homem”.1 Isto experimentamos muitas vezes quando
falamos muito.
Mais fácil é calar de todo que falar sempre com acerto.
Mais fácil é encerrar-se em uma casa que guardar-se como convém
fora dela.
Aquele, pois, que pretende chegar às coisas interiores e espirituais
deve afastar-se da multidão com Jesus (Jo 5,13).
Ninguém aparece com segurança em público, senão quem gosta de
viver oculto.
Ninguém fala com acerto, senão quem sabe calar a propósito.
Ninguém dignamente preside, senão o que perfeitamente aprendeu
a obedecer.
3. Ninguém seguramente se alegra, senão o que possui em si
mesmo o testemunho de boa consciência.
Sempre, contudo, a segurança dos cantos esteve cheia do temor de
Deus e, ainda que resplandecessem em grandes virtudes e graças,
nem por isso seriam menos cuidadosos e humildes em si mesmos.
Porém, a segurança dos malvados nasce da soberba e presunção,
e, finalmente, transforma-se em desilusão.
Nunca se ache totalmente seguro nesta vida, embora pareça bom
religioso e devoto eremita.
4. Muitas vezes os mais estimados no conceito dos homens têm
caído em grandes perigos, por causa de sua excessiva confiança
em si.
Por isso é de grande utilidade, para muitos, serem combatidos por
tentações, para que não confiem demasiado em si próprios, nem se
exaltem com soberba, nem tampouco busquem com ânsia as
consolações exteriores.
Oh! Quem não tenha procurado as alegrias passageiras, quem
nunca tenha se ocupado com o mundo – como conservar uma
consciência pura?
Oh! Quem tenha deixado de lado toda a falsa boa vontade apenas
medite na sua salvação e nas realidades divinas e em Deus confie –
de quanta paz e sossego não desfrutará!
5. Ninguém é digno das consolações celestes, senão quem se
exercitar com zelo no santo remorso.
Se quer arrepender-se de coração, entre em seu quarto e tire de si
todo o cuidado do mundo segundo está escrito: “Refleti em vossos
corações, quando estiverdes em vossos leitos e calai” (Sl 4,5). Nele
acharás o que muitas vezes perdes por fora.
O retiro frequentado causa doçura, e o pouco frequentado gera
enfado. Se no princípio de sua conversão se acostumar a ele, e o
guardar bem, será a você depois companheiro amoroso e suave
consolação.
6. É no silêncio e sossego que a alma piedosa progride e penetra
nos segredos da Escritura.
Eles lhe farão derramar lágrimas em que, todas as noites, se lavará
e purificará, para que possa unir-se ao seu Criador tanto mais
familiarmente quanto mais longe viver do tumulto do mundo.
Aquele, pois, que mais se afasta de seus amigos e conhecidos mais
consegue que Deus se chegue a ele com seus anjos.
É melhor viver oculto e ter cuidado consigo do que fazer milagres e
esquecer-se de si mesmo.
Louvável é no homem religioso sair fora poucas vezes, e não buscar
ver os homens nem ser visto por eles.
7. Para que queres ver o que te não é lícito possuir? – Passa o
mundo e sua cobiça!
Os desejos sensuais nos arrastam a passatempos; mas, passada
aquela hora, o que fica senão peso na consciência e distração no
coração?
A saída alegre faz muitas vezes a volta triste, e a noite de prazeres
prepara triste manhã.
Assim, todo o prazer dos sentidos entra brandamente, mas por fim
atormenta e mata.
Que pode ver em outra parte que aqui não veja? Aqui vê o céu e a
terra e todos os elementos, e destes foram feitas todas as coisas.
8. Que pode ver em algum lugar que permaneça muito tempo
debaixo do sol? Pensa acaso satisfazer o seu apetite? Pois não o
conseguirá.
Se visse diante de você todas as coisas, que seria isto senão uma
visão fantástica?
Levante seus olhos a Deus nas alturas e peça-lhe perdão por seus
pecados e negligências.
Deixe aos vãos as coisas

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