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Metodologia Científica Caso 3 Ensaio Clínico Randomizado Introdução Dentre os principais estudos prospectivos (aqueles que o desfecho ainda não aconteceu ou acontece durante o estudo), o ensaio clínico randomizado é o mais adequado para avaliar a eficácia (nem sempre significa a cura da doença) e a segurança de determinada droga ou intervenção. Sempre que se tem uma nova droga, uma nova vacina, novo protocolo profilático, de tratamento ou de diagnóstico, antes de disponibilizá-los para a população deve-se validar eles através de um ECR. Também chamado de ensaio controlado randomizado, é um experimento epidemiológico feito para estudar uma nova forma terapêutica, preventiva ou profilática, sendo que os pacientes devem ser alocados de maneira aleatória (processo que recebe o nome de randomização) no grupo controle ou no grupo experimental. Esse tipo de estudo permite a comparação de eficácia entre duas terapias e, com isso, permite ao pesquisador identificar o tratamento mais apropriado para determinada condição clínica. *Um ensaio não-randomizado geralmente é feito em estudos com doenças raras. Grupos do ECR O grupo não-exposto, também chamado de grupo controle, é o grupo de pacientes que vai receber um tratamento padrão, conservador ou um placebo. O grupo exposto, também chamado de grupo experimental, é aquele que vai receber o tratamento alternativo de interesse dos pesquisadores. Validades do ECR Sempre que se trabalha com um ECR deve-se considerar a validade interna e a validade externa dele. A validade interna do ECR se refere ao sucesso das etapas desse estudo, como o sucesso durante a randomização e o cegamento. A validade externa do ECR se refere a capacidade dele de permitir ao pesquisador extrapolar os dados obtidos para a população em geral. Fatores de Confusão Também chamados de fatores de confundimento, são todos os fatores que podem interferir na análise estatística dos dados do estudo por confundirem a verdadeira associação entre exposição e desfecho, com isso acabam determinando risco ou proteção maior aos participantes. Dentre os fatores de confusão intrínsecos (aqueles que pertencem ao indivíduo), os mais importantes são a idade e o sexo. Caso o grupo controle e o grupo experimental apresentem participantes com idades muito diferentes, é bem provável que isso interfira na comparação dos dados. O sexo é importante também pela questão hormonal (um exemplo é a ação anti-mutagênica da progesterona, o que vai interferir em pesquisas de mutagenicidade). *Para prevenir a confusão, um bom cegamento deve ser realizado O viés de informação é um erro na coleta de dados do estudo que geralmente acontece quando há métodos de coleta de dados diferentes entre os dois grupos. Ele é minimizado com o mascaramento e o cegamento. Questão ética do ECR O ECR deve oferecer garantia de que a relação risco- benefício do tratamento que será avaliado será favorável. O ECR só pode ser realizado com placebos na ausência de um tratamento convencional. Os pacientes devem conhecer os tipos de intervenção possíveis e eles devem assinar um termo de consentimento informado. Além disso tudo, a pesquisa deve ser submetida a um Comitê de Ética em Pesquisa Ocultamento É importante compreender o processo de ocultamento/ cegamento que pode ser realizado nesses estudos. Os ECR com cegamento geralmente são pelo menos do tipo duplo- cego, onde os indivíduos da amostra não sabem qual tratamento eles vão receber e os pesquisadores que coletam os dados dos pacientes durante o estudo também não sabem qual terapia cada paciente está recebendo. Geralmente, somente o estatista que fez a randomização sabe a qual grupo cada paciente pertence. . Mascaramento Para que o cegamento seja eficaz, é necessário um mascaramento, isto é, as drogas que serão administradas para ambos os grupos devem ser idênticas na forma de apresentação (mesma forma farmacêutica, cor, tamanho, etc.). O mascaramento é ainda mais importante em estudos com placebos (substância sem efeito farmacológico), para que realimente haja um cegamento dos pacientes em relação à sua intervenção/ exposição. Randomização Como já foi dito, a randomização é a alocação aleatória dos indivíduos da amostra nos dois grupos, o controle e o experimental, que geralmente é feita através de um sorteio ou uma tabela de números aleatórios. A randomização é importante pois garante a comparabilidade dos grupos, uma vez que todos os indivíduos tiveram a mesma probabilidade de estar no grupo controle ou no grupo experimental. Além disso, esse processo garante uma seleção não-enviesada dos participantes, por não existir auto-seleção nem interferência do pesquisador nela. *O viés de seleção é um erro na seleção dos participantes do estudo que pode ser minimizado com a randomização. O sucesso da randomização vai depender da geração adequada de uma sequência imprevisível e reprodutível, e também do tamanho da amostra, pois caso o tamanho dos grupos seja muito diferente será dificultada a capacidade de comparação e será necessário controlar vários fatores de confusão para que ela seja realizada, com isso o estudo perde sua validade externa. Desvantagens do ECR Esses estudos são caros (transporte dos pacientes e produção das drogas), tratam de uma questão clínica restrita, levam muito tempo para serem concluídos e podem expor os pacientes a potenciais danos quando se utilizam de novas drogas. Vantagens do ECR O ECR permite grande chance de comparação entre os dois grupos, a cronologia dos acontecimentos é de fácil determinação, a qualidade dos dados sobre a intervenção é muito boa e os resultados obtidos permitem o cálculo de medidas de associação entre exposição e desfecho. Além disso, esses estudos permitem a investigação de vários desfechos ao mesmo tempo, permitem a avaliação de risco e incidência (essas avaliações são possíveis por ser um estudo prospectivo), e ainda têm um nível de evidência científica bem grande. Desenho do estudo Para um ECR ser eficaz, deve-se escolher a população com maior chance de aderir à intervenção, as consultas devem sempre ser éticas e agradáveis, as medições do estudo devem ser interessantes, os pacientes devem ser encorajados a permanecer no estudo e, sempre que necessário, deve-se localizar pacientes que se perderam durante o acompanhamento. Identificar a população alvo De início, deve-se identificar a população alvo do estudo a partir de critérios de inclusão e exclusão. Esses critérios têm como objetivos identificar uma população relevante estatisticamente para o estudo e otimizar a taxa do desfecho primário, de modo que o desfecho estudado seja possível e provável. É importante ter em mente que critérios de inclusão e exclusão da população alvo muito restritos geralmente diminuem a amostra e isso pode comprometer tanto a validade interna quanto a externa do estudo. Seleção do tamanho e recrutamento da amostra O segundo passo do ECR deve ser identificar o tamanho da amostra adequado para o estudo e planejar as formas de recrutamento. Nesse momento deve-se considerar uma população acessível e de bom tamanho, além de prever o tempo e os recursos que serão usados para obter essa amostra. É recomendado começar um ECR com um número grande de participantes por conta da perda de seguimento, que é a diminuição da amostra por morte, desistência ou outros motivos. Sempre que houver a perda, o pesquisador deve procurar saber qual o motivo que afastou o participante da pesquisa para poder justificar no artigo que será escrito. Randomização, intervenção, coleta e análise dos dados Após a seleção da amostra o pesquisador realiza a alocação randomizada dela no grupo controle e no grupo experimental. Após isso, deve realizar a intervenção e só depois o pesquisador vai avaliar a presença ou ausência do desfecho esperado. Possíveis desfechos de um ECR O pesquisador que realiza o ECR deve avaliar o desfecho primário,que é o evento de maior interesse na pesquisa, desfechos secundários, que são outros eventos que podem acontecer após a intervenção, e os efeitos adversos, que são eventos desfavoráveis causados pelo tratamento e que devem ser dimensionados para se ter uma noção de risco- benefício. Os desfechos devem ser estabelecidos antes da pesquisa para que, após a intervenção, o pesquisador saiba o que avaliar nos pacientes. . Fases do ECR Segundo o FDA, para que um ECR seja realizado deve-se seguir 5 fases, uma fase pré-ECR, três fases de desenvolvimento do ECR e uma fase pós-ECR. Fase 0 A Fase 0 é a fase que precede o ECR propriamente dito e nela será realizada a triagem da terapia por meio de ensaios in vitro e ensaios in vivo em animais como ratos por exemplo. A função dessa etapa é avaliar a segurança da droga em células e em animais antes de oferecer ela a seres humanos. Fase 1 A fase 1 é aquela em que se oferece a droga a um grupo de indivíduos saudáveis. A função dessa etapa é avaliar a segurança da droga em humanos saudáveis antes de oferecer ela aos pacientes doentes. Além disso, é nessa etapa que se estuda toda a farmacocinética e farmacodinâmica da droga em um organismo humano saudável, o que permite ao pesquisador conhecer os efeitos adversos mais frequentes e mais graves da droga. É importante observar que nessa fase não é possível avaliar a eficácia da droga, uma vez que ela foi testada somente em indivíduos saudáveis Fase 2 Quando a droga é considerada segura na fase 1, o ECR segue para a fase 2. Nessa fase serão recrutados cerca de 100 indivíduos com a doença de interesse, e a função dessa fase é avaliar a eficácia da droga. O pesquisador continua avaliando a segurança da droga, porém o foco dessa fase está na avaliação da eficácia. Fase 3 Nesta fase serão realizados estudos em diversas regiões (por isso é chamada de etapa de estudos multicêntricos) com milhares de participantes para continuar avaliando a eficácia e a segurança da droga A fase 3 é a fase mais cara do ECR e é aquela em que os pesquisadores avaliam as diferentes doses da droga que são eficazes, realizam combinações da droga testada com várias outras para identificar possíveis interações medicamentosas. Fase 4 Se na fase 3 a droga continua sendo considerada segura e eficaz, a fase 4 pode ser realizada. Essa fase é chamada de fase pós-marketing e ela acontece após a liberação da droga para a população. Cabe aos pesquisadores, nesta etapa, avaliarem o efeito da droga na população em geral (identificando novos efeitos colaterais por exemplo) para que se tenha certeza de que ela é segura e eficaz. Forest Plot Introdução Desde o início do estudo da metodologia científica se sabe que as revisões sistemáticas com metanálise são os estudos com maior nível de evidência científica, principalmente quando feitas com ensaios clínicos randomizados por eles serem os estudos primários com maior nível de evidência. Quando se observa uma metanálise percebe-se um gráfico específico presente nela que é chamado de Forest Plot, ou gráfico de floresta Forest Plot O Forest Plot é um gráfico que apresenta diversas informações importantes para a interpretação dos resultados de uma metanálise, como as estimativas de efeito do estudo (como o risco relativo e razão de prevalência), os intervalos de confiança das estimativas de efeito, o peso de cada estudo na metanálise além de informações textuais consideradas importantes (como o ano de cada estudo). *Em ECR a melhor medida de efeito é o risco relativo, por isso nas metanálises desses estudos se apresentam os resultados por RR. Para compreender melhor, é importante se basear em um exemplo. O Forest Plot a seguir foi retirado de um estudo cujo objetivo era avaliar se o corticosteroide diminui o risco de desenvolvimento de síndrome da embolia gordurosa em pacientes que sofreram fratura de osso longo de membro inferior e/ou de pélvis. Havia um grupo controle que seria tratado com o tratamento convencional e um grupo a ser tratado com corticosteroide. Informações gerais sobre o Forest Plot De início, percebe-se a coluna com os estudos usados para a metanálise, a coluna com os riscos relativos considerando um intervalo de confiança de 95% e a coluna com o peso do estudo na metanálise em porcentagem. A linha vertical no gráfico é a linha da ausência de efeito, pois se refere ao risco relativo igual a 1. Cada linha horizontal se refere a um estudo. . Coluna dos estudos Geralmente ela é apresentada com o sobrenome do autor principal e a citação, podendo conter também o ano do estudo quando for relevante. Coluna da estimativa de efeito Como essa metanálise se baseou em ECR, a estimativa de efeito usada será o risco relativo. A coluna de risco relativo já foi estudada em aulas anteriores, e nela deve ser apresentado numericamente o intervalo de confiança e o risco relativo pontuado por cada estudo. É importante lembrar que RR maior que 1 significa que existem fatores de risco para o desfecho, RR menor que 1 significa que existem fatores de proteção para o desfecho, RR igual a 1 significa ausência de efeito protetor ou de risco. Com base no exemplo, o RR menor do que 1 significa que o uso de corticosteroide é a exposição que teve efeito protetor para o desfecho síndrome da embolia gordurosa. Gráfico A posição do quadrado negro do gráfico representa a estimativa de efeito (que no exemplo é o risco relativo) que deve ficar alinhada com o seu valor. O tamanho da linha que cruza o quadrado representa o intervalo de confiança da estimativa de efeito. O tamanho do quadrado se refere ao peso do estudo. Posição do quadrado Quanto a posição do quadrado, é esperado sempre que uma terapia fique com seu quadrado do lado esquerdo da linha vertical, pois caso ele se encontre do lado direito a terapia apresenta fatores de risco para o desfecho estudado. Estando do lado esquerdo da linha vertical, a terapia tem um efeito protetor sobre o desfecho. Linhas horizontais Quanto maior o tamanho da linha que corta o quadrado, maior é o intervalo de confiança daquela estimativa de efeito, menos confiável e relevante é aquele estudo. Quanto menor o tamanho da linha que corta o quadrado, menor é o intervalo de confiança daquela estimativa de efeito, mais confiável e relevante é aquele estudo. Além do tamanho da linha, é importante observar se ela cruza com a linha vertical. Caso isso aconteça, para aquele estudo não houve diferenças estatisticamente relevantes entre o grupo experimental e o grupo controle. Tamanho do quadrado Quanto menor o quadrado, maior o intervalo de confiança e menor o peso daquele estudo. Quanto maior o quadrado, maior o peso do estudo e menor o intervalo de confiança consequentemente. Um estudo com maior peso é aquele que teve o maior tamanho amostral pois quanto maior o número de participantes, menores os erros do estudo e mais confiável ele é. Metanálise O resumo de todas as informações obtidas nos estudos é a metanálise, que é representada pelo diamante (losango) no gráfico. O ponto central do diamante está alinhado com o risco relativo obtido na metanálise, já as duas pontas horizontais do diamante vão representar o intervalo de confiança daquela estimativa de efeito. Quanto mais largo o diamante, menos confiáveis foram os estudos usados naquela metanálise. Observe que, mesmo a maioria dos estudos da metanálise do exemplo tendo IC que cruza a linha vertical, o diamante não cruza. Isso acontece porque os estudos de maior peso na análise não cruzaram a linha de ausência de efeito. Tomada de decisão Olhando apenas para o diamante do gráfico já é possível tomar decisões clínicas. Quando o diamante está do lado esquerdo do gráfico e tem um intervalo de confiança pequeno, a terapia avaliada naquela metanálise se mostrou um fator de proteção para o desfecho quando comparada com o tratamento padrão, podendo assim ser utilizada na prática clínica. A conclusãopara o exemplo é que a terapia com corticosteroide foi favorável, pois apresentou um RR de 0,16 com Intervalo de Confiança entre 0,08 e 0,35.
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