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13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 1/66 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder Prof. Fernando Luz Brancoli false Descrição Relação das dimensões de poder e principais correntes teóricas das Relações Internacionais. Propósito Compreender as diferentes conceituações de poder das Relações Internacionais é central para a reflexão crítica sobre quais ferramentas analíticas são necessárias para entender o cenário global. Objetivos Módulo 1 O poder como elemento em disputa Identificar os principais elementos das teorias de poder e suas modificações ao longo do tempo. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 2/66 Módulo 2 Escola Liberal e as possibilidades da globalização Analisar o papel de Estados e instituições internacionais nas teorias de poder das Relações Internacionais. Módulo 3 O poder das ideias e das identidades por meio do construtivismo Listar as narrativas sobre os interesses estatais e o papel das nações em temas sensíveis transnacionais. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 3/66 Introdução Vamos tratar das formas de poder e da compreensão de que uma dinâmica internacional é viva para todos aqueles que necessitam de seu olhar. Sendo assim, é fundamental um exercício de compreensão do Estado e do poder na sociedade atual. Para isso, primeiramente, abordaremos os principais elementos das teorias de poder e suas transformações ao longo do tempo. Em seguida, analisaremos o papel de Estados e instituições internacionais nas teorias de poder das RIs. Por fim, trataremos das narrativas sobre os interesses estatais e o papel das nações em temas sensíveis transnacionais. 1 - O poder como elemento em disputa Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car os principais elementos das teorias de poder e suas modi�cações ao longo do tempo. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 4/66 Realismo e in�uência na política internacional Poder nas dinâmicas internacionais Acompanhe um bate-papo sobre o poder nas dinâmicas internacionais. A estreita relação que existe entre a escola realista e o conceito de poder decorre de sua percepção básica: conflito e competição são intrínsecos à prática da política internacional. Assim, a aquisição e gestão do poder é a característica central da política entre as nações. Embora os realistas estejam de acordo quanto a isso, há uma variação em como entendem o conceito: Para os realistas clássicos, a luta permanente pelo poder decorre de impulso humano fundamental (Morgenthau, 1948). Para os estruturais ou neorrealistas, é a arquitetura do sistema internacional que força os Estados a buscar o poder e maximizar sua posição de força (Mearsheimer; Glenn, 2001). 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 5/66 Além disso, há divergências sobre como o poder deve ser concebido e medido. A primeira expressão analítica sobre o poder e o realismo se encontra nas considerações sobre o “equilíbrio de poder”, expressão identificada nas reflexões do filósofo grego Tucídides, em V a.C., para explicar o início da Guerra do Peloponeso. A reflexão reforça que a política de poder funciona como uma espécie de lei do comportamento humano. Guerra do Peloponeso: Esparta e a Liga do Peloponeso em rosa, Atenas e seus aliados em amarelo. O comportamento do Estado como um ator egoísta é entendido como um reflexo das características das pessoas que compõem o Estado. De acordo com os realistas clássicos, a natureza humana explica por que a política internacional é necessariamente uma política de poder. Essa redução da força motriz por trás da política internacional a uma condição de natureza humana é uma das características definidoras do realismo clássico e é mais famosamente representada em Morgenthau (1948). Morgenthau sustentou que a política é governada por leis objetivas que têm suas raízes na natureza humana. Era importante para Morgenthau reconhecer que essas leis existem e elaborar políticas consistentes com o fato de que os seres humanos possuem uma vontade de poder inerente. Tanto para Tucídides quanto para Morgenthau, a continuidade essencial do comportamento dos Estados é sua busca pelo poder, que está enraizada nos impulsos biológicos dos seres humanos. Essas discussões são relevantes ao pensarmos nas dimensões de Balança de Poder. O termo implica que mudanças no poder político relativo podem ser observadas e medidas, principalmente ao analisar como diferentes potências lidam com rivais. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 6/66 A dinâmica de Balança de Poder está pautada em duas considerações: O sistema internacional é considerado anárquico, sem que nenhuma autoridade de todo o sistema seja formalmente imposta a seus agentes. As grandes potências têm vários mecanismos para restaurar o equilíbrio, incluindo o acúmulo militar interno, sendo a riqueza econômica convertida em poder militar e formação de alianças. Como não existe um “governo mundial” para proteger os Estados uns dos outros, cada um tem que confiar em seus próprios recursos e estratégias para evitar ser conquistado, coagido ou ameaçado de outra forma. Ao enfrentar uma nação poderosa, um país pode mobilizar mais recursos próprios ou buscar uma aliança com outros Estados que enfrentam o mesmo perigo, a fim de mudar a balança mais a seu favor. Aqui, o poder é um elemento que confere liberdade ao Estado para buscar sua sobrevivência – o objetivo final de qualquer país. Elementos morais e direitos humanos podem ser considerações importantes, mas são subsidiárias da busca por poder e sobrevivência. Em casos extremos, formar uma coalizão de equilíbrio pode exigir que um Estado lute ao lado de outro país que antes considerava inimigo ou entendesse que seria rival no futuro. Assim, os Estados Unidos e a Grã- Bretanha se aliaram à União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial, porque derrotar a Alemanha nazista tinha precedência sobre suas preocupações de longo prazo com o comunismo. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 7/66 Alianças dos países aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Considerações clássicas sobre poder no realismo Um dos principais obstáculos na tentativa de fazer do poder o foco em relações internacionais (RI) é a dificuldade de consenso sobre a forma mais adequada de definir e mensurar um conceito tão evasivo. Poder significa coisas bem diferentes para pessoas diferentes. Segundo Baldwin (2012), existem duas tradições dominantes de análise de poder em RI: A abordagem de poder nacional, que retrata o poder como propriedade dos Estados. A abordagem de poder relacional, que retrata o poder como uma relação real ou potencial. Poder nacional Os proponentes dos elementos da abordagem do poder nacional associam o poder à posse de recursos específicos. Todos os recursos 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 8/66 importantes que um Estado possui são normalmente combinados para determinar seu poder agregado geral. Recursos indicadores do poder nacional são o nível de gastos militares, o tamanho das forças armadas, o produto nacional bruto, o tamanho do território e a população, por exemplo. Dados acercada população brasileira, segundo o IBGE e Global Fire Uma das dificuldades com os elementos da abordagem do poder nacional é a questão da conversão, que é: A capacidade de transformar o poder potencial, medido pelos recursos, em poder realizado, medido pela mudança de comportamento dos outros. (NYE, 2002, p. 31) Não é a mera posse de recursos de poder que importa, mas a capacidade de convertê-los em influência real. Pode-se argumentar que com a abordagem de controle sobre recursos: 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 9/66 Poder relacional A abordagem de poder relacional foi defendida como alternativa à abordagem do poder nacional. É fundamental para a concepção relacional de poder a capacidade de demonstrar uma mudança nos resultados dependendo dos atores que estão envolvidos. Nesse sentido, mais importante que o acúmulo de poder – por exemplo, quantos soldados determinado país possui disponível – é a relação desse número com outras nações. Dados acerca da população brasileira e portuguesa, segundo o IBGE e Global Fire. Nem sempre é certo que os atores serão capazes de usar elementos que estão nominalmente sob seu controle. Alguns tipos de recursos são extremamente difíceis de medir. O foco no poder nacional exclui a consideração do papel dos atores não estatais e as questões de interdependência, coalizões e ação coletiva. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 10/66 A abordagem de poder relacional provavelmente parecerá muito efêmera para políticos e líderes. A ideia de poder como posse de recursos tem mais apelo para os formuladores de políticas porque faz o poder parecer mais concreto, mensurável e previsível do que a definição relacional. Tais questões reforçam que a política internacional para realistas clássicos é essencialmente uma luta interminável por poder. Morgenthau (1948) proclamou que a política internacional é uma luta pelo poder, e o poder é sempre o objetivo imediato. Ele parece ter endossado tanto a abordagem relacional quanto os elementos da abordagem do poder nacional. Além disso, define o poder político como uma relação psicológica entre aqueles que o exercem e aqueles sobre quem é exercido. Morgenthau (1948) se compromete a demonstrar como um ator político, seja um indivíduo ou um Estado, é capaz de induzir uma mudança de resultado favorável àquele que exerce o poder. No entanto, distingue poder político e força física, argumentando que há uma diferença fundamental entre ameaçar o uso da violência para alcançar determinado resultado e seu uso real; o último, para ele, representa uma abdicação do poder político em favor do poder militar. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 11/66 Morgenthau transfere a suposição fundamental do desejo inerente do homem pelo poder para descrever o comportamento dos Estados. Morgenthau comparou os três padrões básicos da luta pelo poder entre os Estados ao desejo do homem pelo poder que se manifesta no “desejo de manter o alcance do poder”. Os três padrões básicos da luta pelo poder entre os Estados são: Conforme essa visão, a política internacional é uma luta contínua entre o status quo e os poderes revisionistas. Deixados por conta própria, cada Estado tende a estender poder sobre uma esfera tão ampla quanto possível. Mas a busca pelo poder não ocorre no vácuo. A tentativa de cada estado de agir em termos de interesse definido como poder influencia diretamente as ações de outros estados. Embora reconhecendo a importância do instrumento militar, Morgenthau (1948) advertiu contra a tendência de se concentrar em um único componente do poder em detrimento de todos os outros. Sustentou que uma das tarefas mais complicadas da política externa era avaliar como os elementos individuais do poder contribuíam para o poder geral da própria nação. Manter o poder Status quo Aumentar o poder Imperialismo Demonstrar o poder Prestígio 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 12/66 De acordo com Morgenthau, a capacidade de diferenciar entre um status quo e uma política imperialista, bem como a busca bem-sucedida do equilíbrio de poder, depende de uma avaliação precisa do poder nacional. De fato, o sistema de poder só atinge um estado de equilíbrio quando o poder de cada Estado está em seu nível ótimo. Re�exões contemporâneas Os chamados realistas estruturais concordam com os realistas clássicos que o domínio da política internacional é uma luta contínua pelo poder, mas não endossam a suposição clássica de que isso é atribuível a certas propensões encontradas na natureza do homem. Para Waltz: A política internacional é o reino do poder, da luta e da acomodação (WALTZ. 2010, p. 23) Em vez de explicar a busca contínua pelo poder no âmbito internacional com base na natureza humana, os realistas estruturais substituem o mal pela tragédia. Os realistas estruturais deslocam o lócus da luta pelo poder da natureza humana para o ambiente anárquico que os Estados habitam. Waltz explica que: 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 13/66 Do ponto de vista da teoria neorrealista, a competição e o conflito entre Estados derivam diretamente dos fatos duplos da vida sob condições de anarquia: Estados em uma ordem anárquica devem prover sua própria segurança, e ameaças ou aparentes ameaças à sua segurança são abundantes. (WALTZ. 2010, p. 155) Na ausência de uma autoridade superior, os realistas estruturais argumentam que a autoajuda é necessariamente o princípio da ação. Em uma sociedade internacional anárquica, cada Estado individual continua a depender apenas de si para sua própria existência, tanto quanto para o gozo de seus direitos e a proteção de seus interesses. Devido à possibilidade de que a força possa a qualquer momento ser usada por um Estado contra outro, todos os Estados devem tomar as medidas apropriadas para garantir sua própria sobrevivência. Os realistas estruturais argumentam que a medida mais importante que um Estado pode tomar nesse sentido é acumular uma quantidade suficiente de poder. O realismo ofensivo, uma subdivisão do realismo estrutural, diferencia- se tanto do realismo de Morgenthau quanto do neorrealismo de Waltz. Morgenthau e Mearsheimer retratam os Estados se esforçando para 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 14/66 maximizar seu poder, mas o primeiro atribui isso a um “desejo de poder”, enquanto o segundo a uma consequência necessária do sistema internacional anárquico. Para Mearsheimer (2001, p. 17), os cálculos sobre poder estão no cerne de como os Estados pensam sobre o mundo ao seu redor: “o poder é a moeda da política das grandes potências, e os Estados competem por ele entre si. O que o dinheiro é para a economia, o poder é para as relações internacionais”. Como outros realistas, Mearsheimer vê o poder principalmente em termos militares. Ao contrário deles, porém, sua ênfase na força militar é bastante explícita: Na política internacional, o poder efetivo de um Estado é, em última análise, uma função de suas forças militares. O equilíbrio de poder é amplamente sinônimo de equilíbrio de poder militar. Eu defino o poder em grande parte em termos militares porque o realismo ofensivo enfatiza que a força é a última racionalidade da política internacional. (MEARSHEIMER, 2001, p. 55-56) Nessa lógica, não é apenas o poder militar que importa para o realismo ofensivo, é o “poder terrestre”.Os exércitos importam mais do que as marinhas ou as forças aéreas por sua capacidade superior de conquistar e controlar a terra, que é o objetivo político supremo em um mundo de estados territoriais. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 15/66 Nessa teoria, a estrutura do sistema internacional obriga os Estados a maximizarem sua posição de poder relativo. O ambiente que os Estados habitam é responsável pela competição onipresente pelo poder, que leva os Estados a buscar oportunidades para aumentar seu poder graças aos rivais. Mearsheimer (2001) articula cinco suposições básicas sobre o sistema internacional: É anárquico. Todas as grandes potências possuem alguma capacidade militar ofensiva. Os Estados nunca podem ter certeza sobre as intenções de outros Estados. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 16/66 Apreensivos sobre as intenções finais de outros Estados e cientes de que operam em um sistema de autoajuda, os países rapidamente entendem que a melhor maneira de garantir sua sobrevivência é ser o Estado mais poderoso do sistema. O poder é o conceito-chave do realismo ofensivo de Mearsheimer, que considera que somente definindo claramente o poder podemos entender o comportamento das grandes potências. Mearsheimer endossa os elementos da abordagem do poder nacional e define o poder como bens específicos ou recursos materiais que estão disponíveis para um Estado. Vivências do século XXI A atual guerra entre Rússia e Ucrânia é exemplo de como elementos de poder se configuram nas RI atuais. A violência entre os dois países, na modernidade, pode ser rastreada até 2014 e até bem antes da virada do século XXI. Conflito Ucrânia e Rússia. A sobrevivência é o objetivo principal dos Estados. Os Estados são atores racionais. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 17/66 A invasão da Ucrânia sob a liderança do presidente russo, Vladimir Putin, colocou a Europa Oriental no centro do cenário geopolítico. Líderes de todo o mundo são forçados a seguir estratégias distintas e continuamente a alterar seu apoio entre a independência da Ucrânia e o reconhecimento dos desejos e motivações que impulsionam a agressiva campanha russa para o oeste. Mearsheimer e Walt estudaram e apoiam uma perspectiva realista no contexto geopolítico moderno, que será aplicada ao conflito que se desenrola na Ucrânia. Kyivan Rus. Ano 1054. O realismo na política tenta resolver crises e conflitos internacionais implementando contramedidas que protejam suas fronteiras e a “esfera de influência” geral nos países vizinhos. Ucrânia e Rússia têm uma história complexa e extremamente entrelaçada, que existe há centenas de anos, aos conquistadores nórdicos vikings e Kyivan Rus durante as eras medievais antes de finalmente se fundir com o povo eslavo. A Ucrânia luta para manter sua independência por séculos, conseguindo plena soberania após o colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1991. Levou apenas alguns anos até que o governo norte-americano de Bill Clinton começasse a expandir a administração da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e de seus Estados-membros. Esse conceito liberal de “alargamento” era muito popular há 25 anos e continua a ser um ideal fundamental embutido nas democracias 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 18/66 ocidentais. No entanto, colide com a perspectiva realista preferida por Putin, que tem se manifestado contra a expansão da União Europeia (UE) e a ampliação da OTAN desde que chegou ao poder em 1999. Otan x Rússia Mearsheimer é um dos mais famosos críticos da política externa americana desde o fim da Guerra Fria, sendo um proponente da política de grandes potências – uma escola de RI realistas que assume que, em uma tentativa egoísta de preservar segurança nacional, os Estados agirão preventivamente em antecipação aos adversários. Nessa concepção, os EUA, ao pressionarem para expandir a Otan para o leste e estabelecerem relações amistosas com a Ucrânia, aumentaram a probabilidade de guerra entre potências com armas nucleares e lançaram as bases para a posição agressiva de Putin em relação à Ucrânia. Em 2014, depois que a Rússia anexou a Crimeia, Mearsheimer escreveu que “os Estados Unidos e seus aliados europeus compartilham a maior parte da responsabilidade por esta crise” (MEARSHEIMER, 2014, n. p.). O realismo aponta, nessa lógica, que as raízes da crise atual têm suas origens em 2008, quando a Otan concordou em admitir a Geórgia e a Ucrânia. Os russos deixaram claro que viam isso como uma ameaça existencial. No mesmo ano, a Rússia invadiu a Geórgia e ocupou as regiões da Abkhazia e da Ossétia do Sul. Os esforços da União Europeia (UE) para integrar a Ucrânia em seu coletivo perturbaram a Rússia, que 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 19/66 vê a perspectiva de uma “democracia liberal pró-americana” à sua porta como uma grave ameaça à segurança. Guerra Russo-Gorgiana em 2008. A Ucrânia não tem uma economia forte e possui índices de corrupção e administração pública bastante ruins. Outros países têm interesse no território por sua localização, mas nenhum se sente mais forte do que a Rússia. Putin não quer que as democracias ocidentais absorvam a Ucrânia pela OTAN ou UE por várias razões: Putin vê isso como uma questão de segurança e defesa nacional. A Ucrânia tem áreas separatistas pró-Rússia, que Putin já usou como justificativa para iniciar a invasão em um esforço para reunir os territórios da antiga União Soviética. O forte nacionalismo justifica a preservação da cultura, dos valores e dos costumes de uma Rússia imperial nos próximos anos. Kiev foi uma das três grandes cidades do antigo Império Russo do século XIX ao lado de Moscou e Petersburgo. Defender fronteiras e alarmar com a invasão de países estrangeiros é a mesma prática espelhada pelos EUA. Para ser o país mais poderoso do mundo, uma perspectiva realista é necessária para formar estratégias de defesa militar bem-sucedidas. No entanto, a ampliação da OTAN e a 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 20/66 retórica cada vez mais inflamatória dos EUA e de outras nações da Europa Ocidental estão apenas provocando discursos bélicos em Moscou. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky (esquerda) e o presidente russo Vladimir Putin no Palácio do Eliseu, em Paris. Apesar de toda a cobertura em torno das ações agressivas tomadas por Putin e os militares russos na Ucrânia, há conversas em andamento entre o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e Putin para chegar a um acordo de cessar-fogo e parar o bombardeio de artilharia e o cerco de cidades ucranianas. Novas alegações de russos perdendo cidades menores e ficando sem combustível e comida também começaram a circular. Putin pode ter subestimado a força dos batalhões militares da Ucrânia e sua vontade de lutar por sua soberania. O financiamento da OTAN para países vizinhos, como a Polônia, também reforça a confiança da Ucrânia. Do ponto de vista das dimensões de poder, uma possível solução para o conflito precisa ser gradual e incorporar a Rússia em um novo tipo de pacto ou “ordem de segurança” ao lado da OTAN e da UE, reconhecendo a soberania ucraniana, aumentando a estabilidade econômica europeia e, mais importante, impedindo que a China use sua influência cada vez mais poderosa para apoiar Putin. ARússia está em um nível nitidamente mais baixo do que os EUA no cenário mundial. Sua economia é frágil e sua população está envelhecendo. As duas forças mais dominantes na geopolítica atualmente são China e Estados Unidos. Estudiosos realistas argumentam que optar por investir em um conflito de séculos na Europa Oriental enfraquecerá os EUA e fortalecerá a China como a superpotência proeminente do mundo nos próximos anos. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 21/66 Abandonar as estratégias de alargamento e incluir a Rússia em uma reconstrução alternativa da economia europeia será um desafio, mas o caminho atual é muito mais perigoso. Ao atender a esse aviso, o mundo pode reduzir drasticamente suas chances de suportar uma guerra termonuclear no século XXI. Vamos entender melhor? Ouça as principais provocações sobre o realismo e as formas do poder. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 22/66 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 O realismo ofensivo se concentra no poder militar como elemento de influência dos Estados modernos. Porém, essa escola analítica também enfatiza A o poder terrestre, já que reforça a necessidade de se ocupar espaços e territórios para garantir influência. B o poder cultural, já que a influência sutil teria efeitos duradouros para além da força de exércitos. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 23/66 Parabéns! A alternativa A está correta. Não é apenas o poder militar que importa para o realismo ofensivo, é o “poder terrestre”. O objetivo político supremo em um mundo de estados territoriais é conquistar e controlar a terra, e os exércitos têm mais essa capacidade que as marinhas ou as forças aéreas. Questão 2 Existem duas tradições de análise de poder das Relações Internacionais com foco no realismo, C a estrutura internacional, ou seja, o fato de existirem normas e regras transnacionais que moldam o comportamento das lideranças faz mandatários serem impelidos a tomar decisões semelhantes. D a cooperação, de forma racional, promove a integração dos Estados, fazendo as nações se comportarem de forma semelhante ao longo do tempo. E o poder marítimo, já que é necessário projetar poder através da capacidade naval no século XXI. A o poder nacional e o poder militar. B os elementos de poder econômico e cultural. C o poder marítimo e o poder terrestre. D o poder militar e o poder econômico. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 24/66 Parabéns! A alternativa E está correta. A abordagem de poder nacional retrata o poder como propriedade dos Estados, e a abordagem de poder relacional retrata o poder como uma relação real ou potencial. 2 - Escola Liberal e as possibilidades da globalização Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar o papel de Estados e instituições internacionais nas teorias de poder das Relações Internacionais. O liberalismo como elemento de poder O liberalismo, como uma coleção de conceitos, deriva das ideias de filósofos como Immanuel Kant, John Locke e Jeremy Bentham nos séculos XVII e XVIII. E o poder nacional e o poder relacional. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 25/66 Immanuel Kant. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 26/66 John Locke. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 27/66 Jeremy Bentham. No século XX, foi desenvolvido pelos chamados idealistas (como Woodrow Wilson), que, após a Primeira Guerra Mundial, estavam determinados a mudar o sistema internacional para evitar que tal devastação acontecesse novamente no futuro. Apesar de ter sido muito difamado durante os anos da Guerra Fria, o liberalismo recentemente recebeu um impulso do fim da Guerra Fria, e foi suplementado pelo "neoliberalismo" (DOYLE, 2018). Um tema central do liberalismo é que os indivíduos são livres para fazer suas próprias escolhas. Portanto, as ações de pessoas e dos Estados não são necessariamente ditadas por um sistema anárquico, mas podem cooperar cuidando dos interesses uns dos outros para trazer segurança para todos. Na questão específica do poder, liberalistas tendem a se concentrar no indivíduo e nos atores que não o Estado-nação em suas análises do sistema internacional. Um corolário disso é que eles não consideram o poder militar necessariamente a fonte mais importante de influência. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 28/66 No mundo contemporâneo, os liberalistas se concentram no: O poder econômico é exercido por atores que possuem ou controlam recursos financeiros. Se essa visão de poder for focalizada, o poder do Estado é imediatamente reduzido em comparação à visão realista. Embora o Estado-nação possa controlar nominalmente mais poder econômico do que qualquer outra instituição, a maioria de seus recursos está vinculada a compromissos de longo prazo com seus cidadãos, na forma de pagamentos de dívidas, bem-estar e outras funções sociais legítimas. Portanto, a quantidade de recursos econômicos disponível para mobilizar e usar para influenciar o sistema internacional de várias maneiras é comparável a grandes empresas transnacionais, instituições internacionais e outros atores internacionais não estatais. Essa visão das RI é, no entanto, altamente enviesada para democracias industrializadas e economicamente desenvolvidas, entre as quais alguma liberdade de comércio e movimento foi alcançada. Portanto, é Poder econômico Poder consensual (que leva à cooperação) Poder institucional 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 29/66 difícil considerar as teorias liberais aplicáveis a todas as áreas ao redor do mundo. Com base nas circunstâncias de seus próprios tempos e países. Nesse sentido, as dimensões sobre “correto” e “evoluído” estão baseadas em interpretações específicas e devem ser entendidas nesse contexto. Continuando, o liberalismo também reforça as questões envolvendo o poder do consenso, que é baseado na livre escolha dos indivíduos para cooperar uns com os outros. É interessante apontar que isso não é incompatível com a ideia de competição: todo poder deriva do consenso de um grupo; mesmo em um Estado totalitário, o ditador detentor do poder só pode controlar esse poder com a cooperação de sua administração e seus militares (ARENDT, 1986). Organização Mundial do Comércio, Suíça. O liberalismo também foca suas análises no poder das instituições internacionais, baseando essa visão na prerrogativa de que tais organizações têm influência significativa no sistema internacional. Elas podem incluir órgãos como as Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional e outros organismos que são formados basicamente devido à colaboração entre governos nacionais. No entanto, eles também incluem organismos internacionais que podem ter sido formados por empresas globais, ou mesmo grupos de indivíduos interessados. Exemplos disso incluem órgãos de padrões técnicos, como Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), que administra sistemas que determinam como os nomes de domínio são indexados na internet,ou consórcios de empresas que decidem sobre protocolos de telefonia móvel. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 30/66 A capacidade dos atores de controlar ou influenciar as ações desses órgãos é vista como poder institucional. Mais uma vez, no entanto, esta fonte de poder pode não estar disponível onde há poucas instituições internacionais estáveis operando, como na África Subsaariana e em outras regiões pobres do mundo – áreas que os liberalistas, muitas vezes, não levam em conta nas suas análises. A última prerrogativa de poder na visão liberal é a interdependência. As interações entre indivíduos, atores subestatais, Estados e organizações internacionais no sistema internacional podem ser, dentro dessa lógica, uma fonte de poder. União Europeia Outros atores além dos Estados têm crescido em importância, levando a uma rede de interações entre atores acima e abaixo do nível estadual. São organizações não governamentais, empresas transnacionais, outras organizações internacionais ou supranacionais, como a União Europeia, e também autoridades subnacionais ou regionais, que, em muitos casos, começaram a atuar internacionalmente, como governos estaduais e prefeituras. Essa visão dos atores internacionais parte da ideia de que o indivíduo e outros atores subestatais têm poder político no sistema internacional e a ideia de poder da interdependência prevê que Estados, instituições e outros atores estejam ligados por suas relações e transações. Essas 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 31/66 transações incluem fluxos de dinheiro, pessoas, informações e outros bens e serviços. O valor dessas transações cresceu a um ponto em que atores e Estados são mutuamente dependentes; isso significa que essa interdependência se tornou uma fonte potencial de poder, em particular para atores que são menos dependentes de uma transação do que outros. Exemplo Durante a pandemia de covid-19, pudemos observar como a China ganhou influência ao ser um dos centros de insumos de vacinas para todo o mundo. Ao depender de Pequim para a produção de medicamentos em meio a uma crise sanitária, o país asiático se posicionou como uma potência que estabelece ajuda e auxilia a todos. Conforme explicado, um ator internacional, como um Estado, ganhará poder institucional em virtude de sua posição dentro de uma instituição. Ele ganha essa posição negociando com os outros Estados do sistema, de modo a manobrar-se gradualmente para uma posição mais forte. Isso pode ser feito por meio de contribuições econômicas para a instituição e dedicando atenção a ser politicamente proativo e, assim, aumentar seu perfil dentro do organismo. Fundação da União Europeia e adesão de novos Estados-membros É provável que um país tenha uma posição mais forte por ser um membro-fundador da instituição, do que se aderir mais tarde. Isso pode ser visto no caso da União Europeia, onde os membros-fundadores mantiveram um poder político desproporcional na burocracia da UE muito depois de outros membros terem entrado, em parte devido à inércia causada pela natureza de mudança das grandes burocracias, mas também devido aos representantes dos Estados-membros originais 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 32/66 na burocracia inclinarem-se para a seleção de seus próprios candidatos preferidos para posições. Nessa lógica, um ator pode usar essa posição para afetar o resultado das negociações internacionais. Se um Estado-nação se engajar em negociações que levarão ao estabelecimento de um tratado internacional ou outro conjunto de regras, ele pode exercer seu poder institucional para garantir que as regras lhe sejam favoráveis. Da mesma forma, uma empresa pode usar sua posição dentro de um consórcio internacional para garantir que suas necessidades sejam atendidas quando o coletivo decidir sobre um padrão internacional. Os liberais acreditam que os Estados podem, por meio de instituições, engajar-se na cooperação para benefício mútuo. A essência de órgãos internacionais, como as Nações Unidas, é que a segurança internacional é melhor salvaguardada por alguma forma de cooperação e consenso internacional, em vez de ações unilaterais. Consequências das perspectivas de poder na lógica liberal e neoliberal As ideias dos liberalistas sobre as relações de poder levam à crença de que os Estados podem cooperar no sistema internacional e que a anarquia não é a situação básica. As teorias liberais baseadas na visão individualista das relações de poder esboçadas acima, mas também baseadas na ideia de cooperação, levam logicamente à formação de instituições internacionais. As ideias de Kant são frequentemente evocadas em representações do liberalismo (ONUF; JOHNSON 1995). Kant acreditava que, apesar das dificuldades que levam a guerras, revoluções e assim por diante, no final, a natureza incentiva as pessoas a cooperar para garantir sua sobrevivência, à medida que aprendem as lições da guerra e do conflito. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 33/66 Países europeus que receberam ajuda do Plano Marshall. Os regimes liberais não travavam uma guerra entre si desde o �nal do século XVIII. À medida que adquiriram governos amplamente representativos, esses Estados evitaram a guerra como meio de resolver disputas entre si em favor da negociação. Essas observações fornecem evidências poderosas em apoio ao liberalismo kantiano e, portanto, à ideia de que o poder coercitivo não é necessariamente a fonte de poder mais importante, como sugerem os realistas. As teorias e ideias de Kant incorporam a visão liberalista das relações de poder explicada anteriormente. Há forte ênfase no poder político do indivíduo sendo a base de um estado republicano. A ideia de que os indivíduos podem negociar livremente com outros, mesmo com estrangeiros, vem da ênfase na importância do poder econômico do indivíduo (e de outros atores não estatais). Finalmente, as ideias da zona liberal de paz refletem as visões dos liberalistas sobre cooperação e o poder das instituições internacionais, como tratados e organizações. A zona de paz liberal é uma ideia que foi adotada por muitos liberalistas que tentam contrariar os argumentos realistas da anarquia universal. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 34/66 Pode-se dizer que essa zona de paz surgiu devido à realização do liberalismo kantiano. Nas democracias liberais, os indivíduos são livres para expressar seu poder político e econômico e, pelo menos em relação a outras democracias, o fizeram optando pela paz. A competição econômica ainda prospera, mas o elemento do poder consensual pode ser visto no fato de que a verdadeira competição econômica só pode ocorrer em um sistema com certas regras básicas, como leis ou práticas internacionais. A visão liberalista das RI de poder atingiu um ponto alto de influência após a Primeira Guerra Mundial, quando líderes e outros políticos começaram a ver que um sistema de cooperação internacional abrangente e forte era a única maneira de evitar mais desastres. Proeminente entre os defensores de tal sistema foi Woodrow Wilson, presidente dos Estados Unidos entre os anos 1913-1921. Sua ideia se materializou na Liga das Nações, um sistema baseado no poder institucional e no poder de consenso, que promoveria ideias liberalistas de RI. Sessão plenária da Comissão Internacional de Cooperação Intelectual, com a presença de figuras conhecidas da cultura e da ciência, entre elas Albert Einstein. Genebra,na década de 1920. A organização, infelizmente, estava condenada desde o início, com a recusa do Congresso em ratificar o acordo e a ascensão de líderes autoritários na Europa, como Hitler, Stalin e Mussolini. Os liberais daquela época foram rotulados como idealistas, que não foram capazes de ver as realidades de como o poder estava sendo usado no sistema internacional na época. No entanto, os ideais de Wilson sobreviveram com o desenvolvimento das Nações Unidas, especialmente após o fim da Guerra Fria, e o desenvolvimento de teorias do institucionalismo liberal. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 35/66 Fundação das Nações Unidas. Essa era uma linha de pensamento perseguida por pesquisadores que acreditavam que a única maneira de garantir a paz e difundir a democracia liberal era por meio do uso de instituições internacionais fortes. No período após a Segunda Guerra Mundial, teóricos liberalistas argumentaram que as instituições poderiam ser desenvolvidas inicialmente incentivando os governos a cooperar em certas esferas da política, como o comércio. Isso influenciou o desenvolvimento de agrupamentos continentais e regionais, como: UE União Europeia. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 36/66 NAFTA Acordo de livre-comércio da América do Norte. ASEAN Associação das Nações do Sudeste Asiático. Esse novo liberalismo, ou neoliberalismo, toma ideias de Kant, Wilson e seus contemporâneos, mas também responde aos argumentos dos realistas, enfatizando o poder institucional internacional como meio de controlar um sistema internacional anárquico. Economia política internacional A noção liberal da importância do poder econômico, do poder do consenso e do poder institucional, que incentiva o comércio e os vínculos econômicos entre Estados e países, voltou gradualmente à tona, com o advento da crescente globalização. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 37/66 A pesquisa dessa rede de vínculos entre Estados e organizações não estatais passou a ser conhecida como economia política internacional (EPI). A EPI tradicionalmente consiste em teorias que são dependentes de uma visão liberal do mundo, embora em tempos mais recentes alguns realistas tenham tentado desenvolver teorias que combinam o desejo de poder dos Estados com suas políticas econômicas. É difícil existir uma economia política internacional sem, até certo ponto, ter relações militares estáveis entre os países que dela participam. Portanto, um Estado de anarquia internacional não seria propício para a formação de tal EPI. Por outro lado, o crescimento da importância dessa forma de poder é justamente levar a um mundo mais liberal. O processo de globalização, o desenvolvimento de estruturas internacionais e a crescente interdependência aumentaram a importância da ideia de poder econômico. Embora tal conceito tenha sido muito relevante nos séculos XVIII e XIX, com os grandes volumes de comércio global da época, tornou-se quase irrelevante pelo sistema global bipolar que surgiu após a Segunda Guerra Mundial. Durante a Guerra Fria, as relações comerciais foram regidas em grande parte pelas necessidades de segurança, com o mundo dividido em esferas de influência dominadas pelos EUA e União Soviética. O eventual fim da Guerra Fria permitiu que uma infinidade de vínculos e padrões comerciais ressurgissem. Esse desenvolvimento foi muito amplificado 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 38/66 pela explosão de novas tecnologias de comunicação que permitiram que a informação e o capital cruzassem o globo em segundos. A teoria da EPI enfatiza a relação entre política e economia ao considerar a interação do Estado. À medida que aumenta o volume de comércio e fluxos de capital entre os países economicamente liberais, também aumenta a importância do comércio na política internacional. A ideia de que as relações entre os Estados são impulsionadas pelo comércio (poder econômico) e não pelo poder militar é um desafio ao realismo clássico. Um desafio igualmente importante para as visões realistas das relações de poder é o fato de que o aumento da importância do comércio internacional também aumentou a importância dos atores não estatais (STRANGE, 1996). Um ponto importante levantado pelas teorias por trás da EPI e da visão liberalista das relações de poder é que os Estados não são necessariamente os atores mais importantes no sistema internacional. Em particular, as empresas transnacionais são consideradas importantes detentoras de poder econômico e institucional dentro do sistema internacional. Outro conceito derivado das visões liberalistas de poder é mostrado na ideia de interdependência no sistema global, entre Estados e atores não estatais. Keohane e Nye (2001, p. 8), os proponentes originais dessas ideias, distinguem interdependência de interconexão: “onde há efeitos dispendiosos recíprocos (embora não necessariamente simétricos) das transações, há interdependência. Onde as interações não têm efeitos custosos significativos, há simplesmente interconexão”. De acordo com Keohane e Nye (2001): a dependência é mensurável considerando a sensibilidade e a vulnerabilidade de um país às mudanças políticas de outros países. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 39/66 Eles usam o exemplo das relações de poder entre os EUA e o Canadá, pois não há chance de entrarem em guerra, devido a seus laços militares seguros, o que, portanto, anula a vasta superioridade militar dos EUA sobre o Canadá. O volume de comércio e a quantidade de outras transações entre os dois países também é muito alto. Portanto, questões de interdependência tornam-se muito importantes quando se considera como esses países tomam decisões sobre o uso do poder entre eles. Strange (1996) também comentou vários aspectos das visões liberais do poder, como a divisão entre poder relacional e poder estrutural. O poder relacional é o poder usado por um Estado sobre outro, por meios como ação militar, pressão econômica ou diplomática. Em outras palavras, o poder relacional é usado diretamente entre Estados ou grupos de Estados. Por exemplo, geralmente a forma de os governos dos EUA e da Coreia do Norte lidarem um com o outro é direta, usando formas de poder relacional que cada um pudesse exercer: Washington com sanções econômicas e presenças militares na região, e a Coreia do Norte com sua suposta defesa nuclear e outras ameaças militares. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 40/66 O poder estrutural é mais indireto, usado por um país para manipular e controlar estruturas internacionais que surgiram da interdependência, incluindo regimes financeiros e comerciais e arranjos políticos internacionais. Strange (1996) cita o exemplo do US Oil Pollution Act, aprovado após o derramamento de óleo do Exxon Valdez em 1992. Superfície da água em Prince William Sound após o derramamento de óleo do Exxon Valdez. A lei estipulava que todos os navios-tanque que entrassem nos portos americanos deveriam fornecer garantias financeiras de que poderiam aceitar responsabilidade ilimitada pelos custos dos derramamentos de óleo. Isso, portanto, aumentou o preço da importação de petróleo para os EUA e impediu os operadores menores que não podiam arcar com a despesa. Assim, a estrutura do sistema de comércio de petróleo foi afetada por um movimento unilateral dos EUA, mostrando o poderestrutural americano. Comentário Esse tipo de poder, uma vez estabelecido, pode ser mais duradouro do que o uso de poder relacional pontual. Um tipo de poder estrutural é aquele incorporado pelas instituições internacionais. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 41/66 As instituições internacionais criadas originalmente após a Segunda Guerra Mundial são exemplo disso, refletindo o poder relacional dos Estados naquele período. O Reino Unido mantém um poder estrutural muito maior do que seu atual poder relacional reduzido sugeriria. Sua presença permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e a forte posição nas instituições financeiras de Bretton Woods, que resultaram de estar do lado vitorioso na Segunda Guerra Mundial, ainda lhe permitem influenciar os acontecimentos mundiais de forma desproporcional ao seu tamanho econômico e população. Pelas mesmas razões, a França mantém um poder estrutural igualmente desproporcional no sistema internacional. Possessões do império britânico, em vermelho, e francês, em azul. Em contraste, os países derrotados da Segunda Guerra Mundial tiveram muito mais dificuldade em tentar influenciar os regimes internacionais incorporados nessas instituições. Japão e Alemanha tiveram que passar muitas décadas tentando aumentar sua influência dentro do FMI e do Banco Mundial, até que estivessem no mesmo nível de seu tamanho econômico. Esses países ainda não têm influência proporcional nas estruturas de segurança das Nações Unidas, quando se considera sua importância política e econômica. O mesmo vale para potências econômicas emergentes, como Brasil e Índia. O poder “brando” O poder brando ou soft power é, muitas vezes, considerado um conceito evasivo. O uso da palavra soft para descrever uma forma de poder parece ser uma contradição em termos. No entanto, a ideia abrange uma ampla gama de atividades influentes no âmbito da política e economia internacionais. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 42/66 Soft power Assista ao vídeo e entenda melhor o que é soft power. Soft power é o poder que tem o consentimento de todas as partes que o efetuam ou são afetadas por ele. Portanto, fundamenta-se na ideia de cooperação nas relações entre as partes. Outra forma de o definir seria contrastá-lo com seu corolário natural: hard power, que consiste em atividades coercitivas, sendo as mais óbvias, as atividades militares. O uso da força ou coerção para obter um resultado é a base tradicional da ideia de poder; a ideia de poder foi assumida como coercitiva pelos realistas ao longo dos tempos e não foi feita uma distinção entre soft power e hard power. Militares em posição coercitiva. O hard power coercitivo pode ser caracterizado pelo uso ou ameaça de uso de soldados, armas e outros equipamentos militares para forçar um oponente a se comportar de determinada maneira por meio da subjugação. Mesmo que a força militar não seja utilizada diretamente, o posicionamento de meios militares perto de um país, ou o direcionamento de sistemas de armas sobre ele, força o país-alvo a se comportar de maneira diferente. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 43/66 O comportamento dos países com capacidade nuclear (em particular, EUA e União Soviética) durante os anos da Guerra Fria foi um excelente exemplo disso; o medo de ser exposto a uma potencial coerção militar levou ao acúmulo de vastas reservas de armas nucleares em ambos os lados, a fim de impedir seu uso. Pode-se entender de forma mais qualificada o emprego do soft power pela chamada “Grande estratégia” da China no continente africano. O objetivo primordial da Grande Estratégia da China é restaurar-se como uma grande potência, buscando desenvolver e expandir seu alcance financeiro além de suas fronteiras, por meio de maiores investimentos de entidades públicas e privadas. A iniciativa multibilionária “A Nova Rota da Seda”, que visa fortalecer as ligações de infraestrutura, comércio e desenvolvimento entre China, África, países do Golfo, Ásia e Europa, é central para esse esforço. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 44/66 A China vê a África desempenhando um papel fundamental na realização desses objetivos. O continente é reconhecido como um mercado emergente com altos dividendos, apesar dos altos riscos. A China, além disso, vê a África como um parceiro disposto, em sua capacidade de influenciar e moldar a tomada de decisões internacionais. A África fornece o maior bloco de votos na Assembleia Geral da ONU, e os membros de suas organizações regionais participam de uma variedade de instituições internacionais que a China procura influenciar no avanço de sua agenda internacional. Ganhar uma vantagem competitiva em ambientes políticos e econômicos menos seguros permite que diplomatas e industriais apoiados pelo Estado chinês cultivem laços pessoais e negociem acordos fora das instituições formais. Essa é uma ideia central na cultura chinesa que é conhecida como guanxi. Refere-se a um sistema de redes sociais e relacionamentos influentes que facilitam negócios comerciais e negócios políticos por meio de laços pessoais, favores e hierarquias. Sede da União Africana em Addis Ababa, Etiópia. O crescente papel da China na África foi amplamente bem recebido pelos africanos. Em 2008, a União Africana (UA) estabeleceu o diálogo estratégico China-UA para fortalecer os laços. Três anos depois, a UA inaugurou sua sede na Etiópia, totalmente financiada pela China como um “presente”. A pesquisa Afrobarometer, de 2016, realizada em 36 países africanos, descobriu que 63% dos 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 45/66 entrevistados achavam que a influência econômica e política da China era positiva. Pequim não hesitou em ultrapassar os limites na identificação de novas áreas de engajamento para informar e influenciar debates políticos relevantes para a política externa chinesa, como seus investimentos no Novo Banco de Desenvolvimento com sede em Xangai, que foi criado como um mecanismo de financiamento alternativo ao Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. Em 2011, após anos de deliberação com governos africanos, o Fórum de Centros de Pesquisa China-África (CATTF) foi estabelecido. Financiado pelo Banco de Desenvolvimento da China, o fórum promove pesquisa política conjunta e treinamento entre os principais think tanks privados e governamentais chineses e africanos. Think tanks São instituições que desempenham um papel de advocacia para políticas públicas. Além disso, a Academia Chinesa de Ciências Sociais supervisiona vários acordos institucionais entre centros de pesquisa chineses e africanos como parte de um esforço maior para gerar amplo apoio africano para as posições políticas chinesas. Essas parcerias de pesquisa cobrem tópicos como cooperação de segurança chinesa, relações comerciais, reforma das Nações Unidas e governança. Edifício da Academia Chinesa de Ciências Sociais A pesquisa é usada para formular políticas governamentais chinesas e influenciar as africanas. Em 2019, a China aumentou o número de bolsas anuais concedidas a líderes governamentais africanos de 200 para 1.000. Seu treinamento de liderança agora inclui 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 46/66 parlamentos, governos locais, grupos politicamente neutros e até partidos da oposição. Organizado pela Escola Central do PartidoComunista Chinês, os treinamentos abrangem a teoria e a prática da construção do partido, técnicas de propaganda, treinamento e desenvolvimento de quadros e gerenciamento de interações entre o partido, o governo e os militares. Mentorias em instituições chinesas fazem parte desses programas, e os participantes fazem viagens de campo para obter conhecimento em primeira mão de como os quadros do partido resolvem os problemas locais. Líderes de alto escalão são normalmente treinados em Pequim, enquanto funcionários de nível médio e subalternos são enviados para escritórios provinciais e locais do partido. O apoio à Nyerere Academy, na Tanzânia, pode representar uma nova abordagem para esse treinamento de liderança. Os programas são replicados para as ligas juvenis do partido no poder por meio do Fórum de Jovens Líderes China-África. Em 2018, foi realizado na província de Guangdong para 70 jovens líderes africanos de mais de 40 partidos do governo. O Festival da Juventude China-África, a versão de Pequim da Iniciativa de Jovens Líderes Africanos dos Estados Unidos, inclui jovens líderes da sociedade civil, empresas, mídia e estudantes. Seu terceiro fórum foi realizado em Pequim, em junho de 2018. Vamos entender melhor? Ouça e ligue os pontos do que você aprendeu neste módulo. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 47/66 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 48/66 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Sobre as definições de poder institucional (PI) e poder de consenso (PC), centrais para as dinâmicas de influência na lógica liberal, podemos definir: Parabéns! A alternativa B está correta. A capacidade dos atores de controlar ou influenciar as ações em órgãos internacionais pode ser entendida como poder institucional. Por outro lado, questões envolvendo o poder do consenso se A PI como o poder de expulsar países rivais de instituições, enquanto PC está centrado nas premissas de livre escolha dos indivíduos. B PI como a capacidade de estabelecer agenda para os objetivos de instituições, enquanto PC como a aglutinação de objetivos por meio da livre escolha. C PI e PC como práticas idênticas, usadas para descrever como Estados controlam instituições para garantir seus próprios interesses. D PI com dinâmicas de poder brando, enquanto PC foca lógicas culturais e econômicas. E PI como a capacidade de estabelecer agenda aos objetivos de instituições e PC como dinâmicas de poder militar. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 49/66 materializam na conformação de objetivos, que são baseados na livre escolha dos indivíduos para cooperar uns com os outros. Questão 2 Qual a melhor forma de definir a teoria de poder relacionada à Economia Política Internacional? Parabéns! A alternativa A está correta. A noção liberal da importância do poder econômico, do poder do consenso e do poder institucional, que incentiva o comércio e os vínculos econômicos entre Estados e países, voltou gradualmente à tona, com o advento da crescente globalização. A pesquisa dessa rede de vínculos entre Estados e organizações não estatais passou a ser conhecida como economia política internacional (EPI). A Uma teoria que enfatiza a relação entre política e economia ao considerar a interação do Estado com esses elementos. B Uma perspectiva teórica que enfatiza a primazia do poder econômico sobre o poder cultural e militar. C Uma teoria que reforça que o crescimento de países do Norte global passa necessariamente pela exploração de países do chamado Sul global. D Uma teoria que assinala exclusivamente que países democráticos, por terem liberdade econômica, não realizam guerras uns com os outros. E Uma teoria que reforça o papel do poder militar e econômico no desenvolvimento de nações do Sul global. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 50/66 3 - O poder das ideias e das identidades por meio do construtivismo Ao �nal deste módulo, você será capaz de listar as narrativas sobre os interesses estatais e o papel das nações em temas sensíveis transnacionais. Construtivismo e o poder Construtivismo O construtivismo é um conceito relativamente recente, que tenta introduzir perspectivas da filosofia, sociologia e psicologia sobre como ideias, interesses e identidades das pessoas afetam as RI de poder (WENDT, 1999). Essa escola sugere que o sistema de RI não é inerentemente anárquico, como supõem realistas, neorrealistas e neoliberalistas. De fato, o sistema internacional, assim como os sistemas domésticos, são definidos pelas ideias e formas de pensar dos atores neles envolvidos. Portanto, se os atores-chaves dentro de um sistema acreditam fortemente que ele é anárquico, então ele será. Os Estados são constituídos por pessoas e, portanto, os próprios Estados são construídos a partir de ideias e modos de pensar. A teoria do construtivismo social está centrada na produção de ferramentas analíticas para entender as RI de poder de forma mais difusa. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 51/66 Questões decoloniais em uma provocação construtivista em RI Acompanhe um debate sobre as questões decoloniais em uma provocação construtivista em RI. O poder como elemento elusivo A fonte mais importante de poder, de acordo com os construtivistas, deriva de identidades, ideias e interesses das pessoas (WENDT, 1999). Portanto, se um Estado estiver inclinado ao expansionismo territorial, o poder militar será importante para ele, enquanto se um Estado estiver inclinado à construção de riqueza, o poder econômico terá precedência. Portanto, fontes de poder também podem ser consideradas forças que moldam essas ideias e normas. Essas forças controlam a disseminação da informação e do conhecimento; especificamente, incluem estruturas e agentes como o sistema educacional, a mídia de massa e, em certa medida, agências nos governos estaduais que as regulam, entre muitos outros atores. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 52/66 No entanto, além dessa ênfase em identidades, interesses, a maioria dos construtivistas também reforçam a importância de fontes de poder que foram identificadas por realistas e liberalistas, como poder coercitivo, poder institucional e poder estrutural. Essas formas de poder são frequentemente consideradas em relatos construtivistas, mas explicadas e definidas em termos de linguagem própria. Esse caráter abrangente do construtivismo o torna um conjunto de ferramentas mais prático do que o realismo ou o liberalismo. O construtivismo vê a capacidade de afetar ou mudar as ideias e interesses das pessoas como uma das faces modernas do emprego do poder. A ideias das pessoas podem ser alteradas por fatores coercitivos ou consensuais. O uso da força ou sanções por um Estado contra outro mudaria as ideias de ambos os países um sobre o outro. Mudanças no currículo educacional de um país para influenciar o conhecimento de seu cidadão sobre outro país constituem o uso do poder; esse tipo de uso de poder é visto em todo o mundo, em que as nações desejam promover o nacionalismo entre seus povos, ou certas visões preconcebidas de outros países. O fato de os Estados terem políticas diferentes entre si, dependendo de suas crenças sobre outros países, mostra que o realismo não se aplica a todas as situações. Por exemplo, França e Alemanha dentro da UE nãoesperam entrar em guerra entre si no futuro previsível; não houve acúmulo de poder militar dirigido um ao outro desde a Segunda Guerra Mundial. O poder das identidades e dos princípios 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 53/66 Como observa Reus-Smit: O fim da Guerra Fria minou as pretensões explicativas dos neorrealistas e neoliberais, nenhum dos quais havia previsto, nem poderia compreender adequadamente, as transformações sistemáticas que remodelam a ordem global. (REUS-SMIT, 2001, p. 216) Parecia que o estudo dos Estados e dos interesses dos Estados não podia mais explicar adequadamente a política internacional. Em vez disso, o foco mudou de identidades fixas e interesses materiais estreitos para um que enfatizava o poder das normas e ideias. Para o construtivismo, não apenas a distribuição do poder era importante, mas também a “distribuição do conhecimento”, os entendimentos intersubjetivos que constituem a concepção do Estado sobre si mesmo e seus interesses. Exemplo Ter um vizinho poderoso como os Estados Unidos significa algo diferente para Canadá e para Cuba. Em vez de poder material, as concepções subjetivas que eram importantes, portanto, Estados Unidos e União Soviética decidindo que não são mais inimigos finaliza a Guerra Fria (WENDT, 1999). De uma perspectiva construtivista, o fim da Guerra Fria poderia ser visto como um produto da mudança de identidade, interesses e interesses soviéticos. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 54/66 Malabarismo no muro em 16 de novembro de 1989. Em um contexto fluido, no qual identidades e interesses não são mais limitados por divisões materiais, as ideias se tornam mais importantes. Se as identidades não são mais vistas como fixas ou dadas, então, há muito menos barreira para uma perspectiva moral global. Se as ideias são mais importantes do que o poder militar ou econômico, então, agências e atores morais, como ONGs internacionais, serão capazes de ter uma grande influência meramente por meio do “poder de persuasão” (KOREY 1999). Enquanto as teorias materialistas enfatizam as condições ou os interesses econômicos ou militares como determinantes do impacto das ideias na política internacional e doméstica, os construtivistas enfatizam que ideias e processos comunicativos definem quais fatores materiais são percebidos como relevantes e como eles influenciam a compreensão dos interesses. Nessa dinâmica, a teoria construtivista do poder foi estendida para dar um papel central aos atores não estatais. É nesse ponto que entra o conceito de relações transnacionais ou globais, em distinção às RI, ou seja, relações entre Estados. A esfera internacional não é mais vista como aquela em que os Estados projetam seus interesses nacionais, mas o processo se inverte, pela participação nas relações internacionais e transnacionais, os interesses nacionais dos Estados são constituídos. O crescimento das normas internacionais de direitos humanos na última década é considerado o principal exemplo que demonstra a força das 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 55/66 abordagens construtivistas. A suposição de que as normas de direitos humanos desafiam os interesses do Estado-nação implica, portanto, que as mudanças de normas devem derivar principalmente da influência de atores não estatais transnacionais. Exemplo Na política externa dos EUA, o governo de Ronald Reagan, na década de 1980, assumiu uma posição de princípios em favor da democratização, mas empregou essa ideia de forma instrumental como um veículo para uma afirmação agressiva dos interesses dos EUA contra regimes de esquerda, como URSS, Nicarágua e Cuba. No entanto, o poder estabelecido dos EUA não podia usar a questão de princípios puramente dessa forma, porque era obrigado a uma consistência mínima, e acabou incentivando ativamente a democracia em regimes autoritários que eram aliados leais dos EUA, como Chile e Uruguai. Os interesses dos EUA mudaram à medida que a “questão de princípios” venceu a tentativa do Estado de usar a questão instrumentalmente. Dessa forma, os teóricos construtivistas escrevem sobre o “poder dos princípios” para superar os propósitos instrumentalistas por trás de sua adoção inicial. No mundo globalizado de hoje, com o surgimento de ligações transnacionais, ativistas transnacionais são considerados capazes de mudar a identidade e, portanto, os interesses dos Estados. O que é crucial para essa tese é a identidade socialmente construída do ator estatal, e não as supostas restrições estruturais, nas quais as ideias são entendidas como meramente um reflexo de interesses materiais pré-dados. A constituição de uma comunidade internacional capaz de estabelecer normas internacionais de princípios não depende de ideias flutuantes, mas do impacto de atores não estatais, que operam transnacionalmente e difundem ideias. O “poder dos princípios” seria resultado do crescimento de uma esfera internacional com forte influência da sociedade civil, na qual a criação de identidade é impulsionada pelo desenvolvimento de normas e valores internacionais. Os teóricos construtivistas postulam a existência de um círculo virtuoso pelo qual a interconexão global estabelece uma nova esfera ou novo espaço para políticas não instrumentais, que potencialmente transformam os atores engajados nela. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 56/66 Organizações internacionais não governamentais A legitimidade é um ativo fundamental para os atores da política global, especialmente para as organizações internacionais não governamentais (OINGs), que ainda estão amplamente baseadas em nações mais ricas do Norte global. Em comparação com corporações ou Estados, as OINGs têm menos meios coercitivos (sem recursos militares ou financeiros significativos) e, como geralmente não têm status formal em assuntos globais, raramente podem afirmar autoridade sem alguma forma de legitimação conferida a elas por outros (KOPPELL, 2008). As OINGs normalmente obtêm autoridade convencendo vários públicos de que agem adequadamente, promovem o interesse do público e são guiadas por princípios morais. O navio Arctic Sunrise. Embora muitas OINGs, como a Anistia Internacional ou o Greenpeace, tenham se tornado grandes marcas ao longo do tempo, elas também enfrentam desafios crescentes, individualmente e como setor, à sua legitimidade. Alguns desses desafios surgiram externamente, incluindo mudanças tecnológicas (mídias sociais, inteligência artificial) ou a ascensão de governos populistas, restringindo os espaços da sociedade civil. Por várias razões, as ONGs tradicionais não são mais os intermediários inquestionáveis entre doadores ricos e receptores de ajuda pobres. A primeira dinâmica subjacente aos recentes debates sobre a legitimidade das OINGs é impulsionada pela evolução dos objetivos e estratégias do setor. Para as OINGs, uma importante fonte de legitimidade tem sido tradicionalmente seu papel único na caridade 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 57/66 destinada a lidar com o sofrimento humano. Embora a caridade continue sendo um curso de ação importante, as OINGs se envolveram em décadas de inovação tática e estratégica para demonstrar sua capacidade de resolver, não apenas trazer alívio temporário para a pobreza, violações dos direitos humanos e destruição ambiental. Exemplo A Anistia Internacional (AI) mudou na década de 1990 de uma ênfase na redação de cartas para prisioneiros de consciênciaindividuais para uma abordagem mais abrangente para erradicar a tortura, desaparecimentos e outras violações dentro de seu mandato em expansão. A AI não é a única OING que passa por profundas mudanças organizacionais e estratégicas regularmente. Muitas ONGs de desenvolvimento, incluindo ActionAid, Oxfam e Plan International, começaram na década de 1990 a adotar uma abordagem baseada em direitos humanos para suas atividades. À medida que os direitos humanos legitimam o trabalho das OINGs de desenvolvimento, vinculando-o aos direitos humanos universalmente reconhecidos, também muda fundamentalmente o que as ONGs internacionais fazem, gerando uma ênfase maior na defesa e organização da comunidade. Mudanças estratégicas adotadas por muitas OINGs mudaram os fundamentos sobre os quais as partes interessadas são solicitadas a avaliar pragmaticamente sua satisfação com o setor. Como resultado, novos públicos podem aparecer, enquanto os já existentes (por exemplo, doadores) podem reconsiderar o que essas mudanças significam para eles. Com mandatos e ambições cada vez maiores, as OINGs mudaram a estrutura moral de suas ações e aumentaram o número de públicos com os quais se envolvem. Em vez de prestar contas apenas aos 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 58/66 doadores e ao público em seus países de origem, hoje aspiram ouvir quem elas servem e atuar por diferentes tradições culturais. Além disso, as mudanças tecnológicas multiplicam as oportunidades para diferentes públicos desafiarem mais diretamente as OINGs e suas práticas. Como parte da inovação estratégica contínua, essas organizações dão cada vez mais controle dos serviços e campanhas aos apoiadores. Esses esforços podem ser projetados para ampliar a participação alcançando novos públicos, ou podem se concentrar no aprofundamento da participação, aproximando os apoiadores existentes da organização. Isso muda as expectativas normativas de legitimidade para OINGs porque a natureza da participação dos apoiadores se expande de ser um doador para se engajar em atividades mais significativas, como identificar tópicos de campanha, contribuir com narrativas ou liderar um esforço específico de defesa. Outra grande mudança no poder moral ocorre quando as OINGs transferem suas atividades do Sul global para seus países de origem. Quando trabalhavam principalmente no exterior, a maioria de seus doadores ficava satisfeita ao saber regularmente o que foi feito. Os relatórios anuais eram brilhantes e cheios de histórias comoventes que justificavam mais doações. Porém, cada vez mais, elas são mais ativas “em casa”, porque seguem as causas básicas dos principais problemas globais para os países ricos. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 59/66 Campo de refugiados na ilha de Samos, Grécia. À medida que as OINGs se envolvem mais diretamente na política de seus países de origem, sua legitimidade normativa está sujeita a um maior escrutínio. Embora no passado operassem longe daqueles capazes de examinar seu trabalho, agora correm muito risco de serem percebidas como operando fora do quadro normativo e regulatório estabelecido pelas expectativas públicas, bem como pelas leis e regulamentos sem fins lucrativos. Mudanças profundas na forma como as OINGs operam e estruturam suas ações transformaram fundamentalmente as percepções de sua legitimidade. Para alguns críticos, mudaram demais e não fazem mais o que era seu propósito original. Para outros, não se moveram rápido o suficiente para adotar novas estratégias e funções. Como resultado, as OINGs enfrentam a perda do tipo de certeza que fornece a base mais básica para sua legitimidade. Para muitos doadores, concorrentes digitais como change.org ou GiveDirectly tornaram-se alternativas credíveis para ONGs físicas, especialmente porque prometem um uso mais eficiente de recursos e cortar os intermediários. O desafio que muitas ONGs enfrentam é que sua atitude de princípios expressa em missões grandiosas regularmente colide com as pressões internas e externas em jogo quando a organização tenta implementar sua missão. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 60/66 (OSSEWAARDE; NIJHOF; HEYSE, 2008) Embora no passado as ONGs humanitárias e de direitos humanos tenham sido principalmente reativas na resposta a necessidades, crises ou violações, suas ambições de eliminar proativamente as causas básicas agora evoluíram além das expectativas públicas de longa data de enfrentar o que ninguém mais quer ver ou endereçar. O que definiu o sucesso das OINGs no passado foi, muitas vezes, o simples compromisso de enfrentar grandes questões globais sem necessariamente resolvê-las. Vários críticos do setor querem que as OINGs voltem a um foco de caridade e se tornem autênticas novamente e menos corporativas. Tal movimento resolveria muitos dos atuais desafios de legitimidade, mas também exigiria que as organizações diminuíssem suas ambições e ficassem muito aquém de qualquer capacidade de lidar com problemas globais com credibilidade. Vamos entender um pouco sobre as formas construtivistas e as relações de poder. Ouça e ligue os pontos do que você aprendeu neste módulo. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 61/66 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Os construtivistas apontam que a realidade está sempre em construção, o que abre a perspectiva de mudança. Sobre essa afirmação, podemos apontar que A os significados das dinâmicas internacionais não são fixos, podendo mudar ao longo do tempo, dependendo das ideias e crenças dos atores. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 62/66 Parabéns! A alternativa A está correta. O construtivismo, apesar de ser um guarda-chuva de múltiplas interpretações sobre o cenário internacional, tem como elemento essencial a mudança das dinâmicas internacionais – além do foco em como as ideias podem ser exploradas e produzidas por uma miríade de atores. Questão 2 Como o construtivismo ofereceu uma nova visão para o estudo das relações internacionais? B o Direito Internacional é praticamente inútil, pois não existem valores compartilhados por todos os Estados no mundo. C as mudanças apontadas pelos construtivistas acontecem, principalmente, pelo uso da força e pelo emprego do poderio militar. D a construção da realidade apontada pelos construtivistas é uma mera abstração analítica, não tendo, portanto, impacto na política real. E o construtivismo está intimamente ligado às instituições internacionais, já que elas exclusivamente são capazes de promover a mudança de ideologias. A Concentrou-se nos tomadores de decisão e em suas origens. B Examinou como são construídas as instituições diplomáticas. 13/03/2024, 16:54 Territórios políticos: taxionomia das relações de poder https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04609/index.html# 63/66 Parabéns! A alternativa C está correta. O construtivismo reforça o papel das ideias como elemento central para a compreensão de como as práticas de poder são constituídas no Sistema Internacional. Além disso, aponta como essas dimensões podem ser alteradas ao longo do tempo. Considerações �nais O poder é um conceito amplo e relevante para o estudo das Relações Internacionais. Diferentes escolas teóricas apresentam as distintas ferramentas que nos auxiliam a compreender fatos contemporâneos sobre o poder e as capacidades dos atores internacionais. Sempre olhamos para o mundo, conscientemente
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