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Análise do Conto 'As Mãos dos Pretos'


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LITERARTES, n. 5, 2016 – artigo – Proença
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ANÁLISE DO CONTO “AS MÃOS DOS PRETOS”, 
DE BERNARDO HONWANA, EM PERSPECTIVA 
DESCOLONIZADORA
ANALYSIS OF THE SHORT STORY “AS MÃOS 
DOS PRETOS”, BY BERNARDO HONWANA, IN A 
DECOLONIZATION PERSPECTIVE
ANÁLISIS DEL CUENTO “AS MÃOS DOS PRETOS”, 
DE BERNARDO HONWANA, EN PERSPECTIVA 
DESCOLONIZADORA
Paulo Sérgio de Proença1
RESUMO: Analisar o conto “As mãos dos pretos”, de Bernardo Honwana, 
em comparação com variantes e em perspectiva descolonizadora, é o ob-
jetivo deste trabalho. Observações sugeridas pelo conto serão enfatizadas: 
a curiosidade infanto-juvenil; o papel do riso e da piada e sua importância 
para a matéria narrada; o sofrimento dos pretos, vítimas de violência física e 
simbólica. A transmissão oral e escrita do conteúdo do conto, em amplitude 
geográfica e cronológica, testemunha o preconceito contra os negros.
ABSTRACT: The goal of this work is to analyze the short story “As mãos dos 
pretos” by Bernardo Honwana and to compare it in decolonization’s perspec-
tive variants. The observations suggested by the short story will be emphasi-
zed: the children’s and youth’s curiosity; the rule of laugh and joke and their 
importance to the narrated material; the suffering of black people, victims 
of physical and symbolic violence. The oral and written transmission of the 
short story content, in geographical and chronological dimension, testify 
prejudice against blacks.
1 Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira - 
Instituto de Humanidades e Letras. E-mail: pproenca@unilab.edu.br 
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RESUMEN: Analizar el cuento “As mãos dos pretos”, de Bernardo Honwana, 
en comparación con variantes y en perspectiva descolonizadora, es el obje-
tivo de este trabajo. Se destacan observaciones sugeridas por el cuento: la 
curiosidad infanto juvenil; el papel de la risa y del chiste y su importancia 
para la materia narrada; el sufrimiento de los negros, víctimas de violencia 
física y simbólica. La transmisión oral y escrita del contenido del cuento, 
en amplitud geográfica y cronológica, es testigo del prejuicio en contra los 
negros.
PALAVRAS-CHAVE: Bernardo Howana; preconceito; violência; 
descolonização. 
KEYWORDS: native brazilian literature; children and juvenile literature; plu-
ralism; multicultural literacy. 
PALABRAS CLAVE: Bernardo Howana; prejudice; violence; decolonization.
Nota introdutória
“As mãos dos pretos” compõe a obra Nós matamos o cão-tinhoso, do autor mo-
çambicano Bernardo Honwana. Essa obra, escrita nos anos 1960, ocupa singular 
importância na produção literária de resistência à colonização. Antes mesmo da 
conquista da independência política, os escritos de Honwana, embora parcos, con-
figuram-se em estratégica trincheira quanto ao enquadramento crítico da violência 
do processo de colonização. Refletem também sobre os desafios da descolonização 
e, em consequência, da afirmação de elementos que ajudem a construir a identi-
dade africana – ou identidades, como parece ser melhor.
O narrador do conto é um menino anônimo que procura respostas para um enigma: 
por que os pretos têm as palmas das mãos brancas? Muitas respostas são apre-
sentadas, de forma breve, por diversos interlocutores, até que a mãe apresenta a 
sua explicação, quando o conto atinge o clímax. 
O objetivo deste trabalho é analisar o conto moçambicano e, a partir da perspectiva 
descolonizadora sugerida, compará-lo a versões variantes; serão anotados ele-
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mentos que dizem respeito ao preconceito contra os negros e sua configuração 
nos textos analisados. Comparam-se variantes registradas por Câmara Cascudo e 
outra publicada pela Gazeta de Piracicaba, em 1895. Também se considera o papel 
da curiosidade infanto-juvenil, do riso e da associação da pele negra a castigo, dor 
e sofrimento, no conto africano e nas suas versões alternativas.
A curiosidade infanto-juvenil
O narrador é, tudo indica, adolescente que está à procura de respostas para 
uma pergunta que o angustia. É compreensível que crianças e adolescentes 
sejam curiosos; lamenta-se o fato de que essa curiosidade é domesticada e 
mitigada pela vida social em geral e pela vida da escola, em particular.
As crianças têm uma fase interessante em seu processo de desenvolvi-
mento, a dos por quês; em desdobramentos de maior amplitude, podemos 
assumir que essa pergunta foi e é, ainda, a grande mola propulsora das 
inovações do conhecimento humano. Os adolescentes, em fase de ajuste 
e transição, na tentativa de compreensão do mundo são, também, dotados 
dessa necessidade de descobertas e de explicações.
A curiosidade, sob o ponto de vista semiótico, é uma paixão; as paixões são 
“efeitos de sentido [...] que modificam o sujeito” (BARROS, 2002, p. 61). A 
curiosidade é uma paixão, paixão pelo saber; querer-saber é a motivação, 
a paixão que faz o sujeito procurar conjunção com o saber desejado. O que 
é desconhecido, aquilo para o que não temos explicação satisfatória é fonte 
de tensão e desequilíbrio. É a curiosidade indicadora de nossas carências 
cognitivas que se vinculam a outros tipos de carência, como afetivas e exis-
tenciais. (o que parece ser o caso do conto em discussão) A curiosidade 
é a força que nos move ao conhecimento necessário para entendermos o 
mundo e nele nos situarmos de forma adequada, enquanto seres humanos. 
A curiosidade, se procura explicação para o que é, para o que existe, deveria 
também nos motivar a descobrir o que ainda não existe: em outras palavras, 
a curiosidade por saber o que ainda não é, mas que pode vir a ser, é o que 
constrói mundos ainda não existentes. Curiosidade deveria ser sinônimo de 
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transformação.2
Personagem Respostas e explicações
O senhor Professor 
(saber, ciência)
Os avós deles [dos pretos] andavam com elas apoiadas ao chão, 
como os bichos do mato, sem as exporem ao sol, que lhes ia es-
curecendo o corpo
O Senhor Padre: 
religião
Eles [os pretos], às escondidas, andavam sempre de mãos postas, 
a rezar.
A Dona Dores 
(escravidão)
Deus fez-lhes as mãos assim mais claras para não sujarem a co-
mida que fazem para os seus patrões ou qualquer outra coisa que 
lhes mandem fazer e que não deva ficar senão limpa.
O Senhor Antunes da 
Coca-Cola (império 
econômico)
Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, Virgem Maria, São Pedro, mui-
tos outros santos, todos os anjos que nessa altura estavam no céu 
e algumas pessoas que tinham morrido e ido para o céu, fizeram 
uma reunião e resolveram fazer pretos. Sabes como? Pegaram 
em barro, enfiaram-no em moldes usados para cozer o barro 
das criaturas, levaram-nas para os fornos celestes; como tinham 
pressa e não houvesse lugar nenhum ao pé do brasido, pendura-
ram-nas nas chaminés. Fumo, fumo, fumo e aí os tens escurinhos 
como carvões. E tu agora queres saber por que é que as mãos 
deles ficaram brancas? Pois então se eles tiveram de se agarrar 
enquanto o barro deles cozia?!...”2.
2 Essa imagem da fabricação é desqualificadora para os negros, sobretudo 
pela menção a instrumentos de segunda mão; além disso, eles não são criados, 
de acordo com a tradição bíblica, mas fabricados, coisificados. Por outro lado, essa 
ideia pode se ajustar de forma interessante ao que diz a mãe do narrador, no final 
do conto;a vida humana, sobretudo em sua dimensão social, é fabricada por mãos 
humanas. Sobre a fabricação da realidade, Blikstein dá explicações teóricas con-
vincentes e em correspondência com o que Honwana faz em termos literários. A 
realidade é construída. As estruturas objetivas da realidade não passam de “estru-
turações impostas à realidade pela interpretação humana” (BLIKSTEIN, 1983, p. 
46). Com isso, o referente não é um dado objetivo, mas transformado pelo processo 
prévio e inevitável de semiotização do mundo.
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O SenhorFrias Deus acabava de fazer os homens e mandava-os tomar banho 
num lago do céu. Depois do banho as pessoas estavam branqui-
nhas. Os pretos, como foram feitos de madrugada e a essa hora a 
água do lago estivesse muito fria, só tinham molhado as palmas 
das mãos e as plantas dos pés, antes de se vestirem e virem para 
o mundo.
Um livro (saber 
autorizado)
Os pretos têm as mãos assim mais claras por viverem encurva-
dos, sempre a apanhar o algodão branco de Virgínia e de mais não 
sei onde.
Dona Estefânia Para ela é só pelo fato de as mãos desbotarem à força de tão 
lavadas.
Minha mãe Deus fez os pretos porque os tinha de haver. Tinha de os haver, 
meu filho, Ele pensou que realmente tinha de o haver… Depois 
arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam 
deles e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir como 
escravos ou pouco mais. Mas como Ele já os não pudesse fazer 
ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a vê-los 
pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficas-
sem exatamente como as palmas das mãos dos outros homens. E 
sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque 
muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o 
que os homens fazem é apenas obra dos homens. Deve ter sido 
a pensar assim que ele fez com que as mãos dos pretos fossem 
iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem 
pretos.
Quem fala, no conto? Quem são os representados nas falas? Um profes-
sor, um padre, Dona Dores, Senhor Antunes Senhor Frias3, um livro, Dona 
3 Há motivação onomástica na nomeação de dois personagens, pelo menos: 
Dona Dores e Senhor Frias; os nomes respectivos se associam às explicações que 
seus personagens dão: a primeira está relacionada à escravidão; o segundo, a 
baixas temperaturas.
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Estefânia; por fim, a mãe. Esses locutores representam o saber e a ciên-
cia (professor, um livro), a religião (padre), o poder econômico (Coca-Cola); 
todas essas falas, digamos, são externas aos africanos, com exceção da 
mãe. Parecem ser os personagens todos estrangeiros, a julgar pelos nomes 
que têm; não há dúvidas quanto a motivações e efeitos dos discursos que 
produzem.
Efeitos intencionais agrupam todas as respostas; trata-se de tentativa de 
explicação da realidade como ela se dá, associada ao sofrimento dos ne-
gros; essas tentativas não somente explicam, mas tentam justificar as dife-
renças de cor de pele, das quais derivam os desníveis sociais, econômicos, 
espirituais, etc.
Pele negra: castigo, dor e sofrimento
As respostas (exceto a da mãe), dadas por diferentes pessoas, em dife-
rentes circunstâncias, são convergentes quanto aos efeitos que produ-
zem (e quanto a suas motivações preconceituosas); os efeitos, listados na 
tabela acima, dizem respeito à desqualificação generalizada dirigida aos 
pretos, que receberam essa cor para sua pele, principalmente, para efeito 
de punição divina, o que gera dor e sofrimentos diversos; pela explicação 
do livro, os pretos são bichos do mato, animais; conclui-se, a partir do 
que diz Dona Dores, que os pretos são impuros (no que há certa dimen-
são religiosa, também) e, por conseguinte, a pureza está do lado branco 
(isso é construção cultural); na explicação do Senhor Antunes (vinculada 
a interesses econômicos), há, por assim dizer, um processo industrial de 
fabricação dos pretos, em condições desfavoráveis, pois os moldes eram 
usados e não havia lugar ao pé do brasido, além da exposição ao fogo sem 
que houvesse apoio ou outro recurso para alívio, o que causava evidente 
sofrimento; a explicação do Senhor Frias também se vincula a sofrimen-
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to: os pretos, feitos de madrugada4, sofreram com a baixa temperatura 
da água do rio em que deviam mergulhar; um livro vincula a cor negra da 
pele à escravidão, ao cultivo de algodão, daí que os pretos vivem encurva-
dos (física e socialmente); a explicação de Dona Estefânia se aproxima de 
Dona Dores, pela evocação à pureza/impureza. Castigo, dor e sofrimento: 
o preto é errado, é castigado; o preto está fora da ordem: é inferiorizado, 
bestializado, descaracterizado como humano; os meios para possível re-
paro não estavam disponíveis, negados inexplicavelmente pela natureza. 
Assim, essas explicações todas são aparentadas, tendem à acomodação e 
ao reforço da desqualificação dos negros, o que contribui para o reforço à 
submissão social e econômica deles.
A explicação da mãe, apesar de ter alguns elementos em comum com as 
anteriores, é diferente. As semelhanças se devem à dimensão mítico-re-
ligiosa, pela menção a Deus e à fatalidade (impossibilidade de mudança 
da cor da pele); contudo, tais elementos não escondem as diferenças: em 
primeiro lugar, os pretos não são desqualificados; em segundo, não há 
ênfase a diferenças, mas a semelhanças; por fim, há reconhecimento do 
processo histórico consciente e convincente de desqualificação dos pretos, 
o que é obra de homens.
4 A madrugada também é negra e nisso há combinação; por outro lado, na 
madrugada não se trabalha e, pelo fato de os pretos terem sido feitos nesse pe-
ríodo, são de segunda mão, mais ainda pelo fato de os apetrechos utilizados no 
processo serem usados.
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A mãe opera uma sutileza metonímica: as mãos representam todo o corpo. 
Assim, como a mão opera o que fazemos, o arranjo social, a ordem criada é 
resultado das obras humanas. Essa avaliação é de fundamental importância 
porque invalida o argumento segundo o qual a escravidão é resultado da 
inferioridade do negro e o negro é inferior porque Deus assim quis. Além 
disso, como as mãos dos pretos são iguais às dos brancos, conforme enfa-
tiza a sabedoria da mulher africana, a ordem humana deveria corresponder 
a essa igualdade, mas, infelizmente, não é o que ocorre, porque os brancos 
são “homens que dão graças a Deus por não serem pretos”.
Bosi fala das possibilidades que está ao alcance das mãos:
Parece ser próprio do animal simbólico valer-se de uma só parte do seu 
organismo para exercer funções diversíssimas. A mão sirva de exemplo.
A mão arranca da terra a raiz e a serva, colhe da árvore o 
fruto, descasca-o, leva-o à boca [...] A mão puxa e empurra, 
junta e espalha, arrocha e afrouxa, contrai e distende, en-
rola e desenrola; roça, toca, apalpa, acaricia, belisca, unha, 
aperta, esbofeteia, esmurra; depois massageia o músculo 
dorido [...] com o nó dos dedos, bate [...] ensaboa a roupa, 
esfrega, torce, enxágua, estende-a ao sol, recolhe-a dos 
varais, desfaz-lhe as pregas, dobra-a, guarda-a [...] A mão 
prepara o alimento [...] A mão, portadora do sagrado. As 
mãos postas oram, palma contra palma ou entrançados os 
dedos. Com a mão o fiel se persigna. A mão, doadora do 
sagrado (BOSI, 1993, p. 53-55).
As mãos sintetizam, assim, as potencialidades humanas, para o bem ou 
para o mal e muito bem indicam que o ser humano, por meio delas, se re-
laciona com a natureza e com outros seres humanos, organizando a ordem 
social e histórica em que vivem.
Podem ser enquadradas, no conto, duas categorias de explicação: 1) exó-
genas: o preto impuro, animalizado, é inferior, por isso foi escravizado; 2) 
endógena: pela explicação da mãe, o preto é igual ao branco e as injustiças 
que sofreu são produzidas pela vontade humana. A isso voltaremos adiante. 
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Piada, riso e violência5
No começo do conto, o narrador confessa: “Eu achei um piadão tal a essa 
coisa de as mãos dos pretos serem mais claras que agora é ver-me a não 
largar seja quem for enquanto não me disser por que é que eles têm as pal-
mas das mãos assim mais claras”. Logo depois do que o Senhor Antunes 
diz, o narrador completa: “os outros Senhores que estavam à minha volta 
desataram a rir, todos satisfeitos”.
Essas duas sequências associam piada a riso, elementos quefazem parte 
de fenômeno frequente nas interações linguísticas, em contextos sociais 
específicos. A enunciação de piadas cria uma espécie de moldura pragmá-
tica que tem a finalidade de empenhar a cumplicidade do ouvinte, condi-
cionando reações com o propósito de desarmá-lo (principalmente no caso 
de uma piada preconceituosa ou agressiva). Podem elas ter função lúdica, 
mas também se prestam a veicular mecanismos de violência. Freud estuda 
o fenômeno na obra Os chistes e sua relação com o inconsciente, e dá nome 
de chiste a mecanismos linguísticos que provocam riso, prazer associado a 
descargas psíquicas, com gratificação de prazer6.
Um dos tipos de chiste que nos interessa aqui é o tendencioso, cujos efeitos 
de prazer são significativos. O elemento que produz prazer nesse tipo de 
chiste é aquele a cuja satisfação se opõe algum obstáculo externo, contor-
nado pelo recurso chistoso. O deleite provocado transpõe bloqueios, segun-
do Freud. Com isso, pode-se verbalizar, em situações socialmente progra-
madas e aceitas, aquilo que em circunstâncias normais não seria possível 
afirmar. O contexto social em que piadas são contadas desarma reações 
contrárias e torna cúmplices os interlocutores, sobretudo porque tendemos 
a não achar erro, ou não o considerar no que nos diverte. Os chistes, por 
isso, antepõem-se ao poder restritivo do julgamento crítico, sendo que os 
5 Este trecho tem apoio em Proença (2014).
6 FREUD, Sigmund. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago [edição eletrô-
nica, s/d.].
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chistes tendenciosos exibem a principal característica de sua elaboração — 
a de liberar prazer pela superação de inibições:
Admitamos que existe o impulso de insultar certa pessoa 
[...] o insulto não pode se consumar [...] Suponhamos, ago-
ra, entretanto, que se apresenta a possibilidade pela deri-
vação de um bom chiste a partir do material verbal e con-
ceptual usado para o insulto — ou seja, a possibilidade de 
liberar prazer de outras fontes não obstruídas pela mesma 
supressão [...]em tais circunstâncias o propósito suprimi-
do pode, com a colaboração do prazer derivado do chiste, 
ganhar força suficiente para superar a inibição [...] O insul-
to, portanto ocorre já que o chiste o tornou possível. Mas o 
prazer obtido não é apenas aquele produzido pelo chiste: 
é incomparavelmente maior. É tão superior ao prazer ori-
ginário do chiste que devemos supor que o propósito, até 
aqui suprimido, tenha conseguido esgueirar-se, talvez sem 
a mínima diminuição. Em tais circunstâncias é que o chiste 
é recebido com a melhor gargalhada (FREUD, s/d, p. 68).
O que Freud nomeia chiste compreende o que de forma geral chamamos 
piada, fenômeno do dia a dia que pode ser estudado sob diversos aspec-
tos. Se Freud os analisou a partir Psicanálise, no Brasil, Sírio Possenti se 
dedica ao estudo linguístico de piadas (não se faz aqui diferença entre os 
termos e os fenômenos a que eles se referem; algumas características dos 
chistes apontadas por Freud se fazem presentes no que Possenti chama 
simplesmente de piadas, termo já consagrado entre nós).O livro Os humo-
res da língua (1998) reúne vários ensaios sobre o tema. As piadas (chistes) 
são fenômenos dotados de razoável complexidade e concentram aspectos 
elásticos, relacionados a diversas dimensões da vida, podendo ser objeto 
de estudo de diferentes perspectivas teóricas, inclusive sob o novo foco da 
Linguística, ciência que progrediu muito depois de Freud.
Possenti reconhece poderoso elemento das piadas contido na ambiguida-
de, no que concorda com Freud. Mas aponta outras características: o valor 
pragmático em que se enunciam; a intertextualidade e a interdiscursividade; 
os mecanismos de leitura presentes no processo de interpretação de piadas; 
elementos de linguística textual (coerência e seus mecanismos); a ideologia 
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presente na enunciação delas. Percebe-se que, por esses aspectos, de fato, 
trata-se de um fenômeno complexo e amplo.
Pode-se assumir que piadas sobre negros são comuns no Brasil; têm forte 
apoio no senso comum, que se fundamenta nas representações sociais já 
sedimentadas, nas quais se encontra o repertório privilegiado de elementos 
culturais que dirigem nossas ações cotidianas, há representação negativa 
dos negros. Representação é “fenômeno dinâmico, num processo perma-
nente de reorganização, sendo simultaneamente condição e produto social 
[...] As representações não só enriquecem ideias previamente formadas, 
mas contribuem para formá-las” (SODRÉ, 2011, p. 78).
As piadas, de fato, constituem-se recurso alternativo para canalizar violên-
cia contra os negros, de forma socialmente aceitável, com ganhos psíquicos 
de prazer. Elas dão continuidade e reforço ao processo histórico de que os 
negros são vítimas; se a violência física não é mais tolerada (pelo menos no 
discurso legal), as piadas canalizam a agressividade para o campo da violên-
cia simbólica, com diluição e abrandamento de eventual responsabilização 
jurídica. 
O riso é mencionado em outras partes do conto, na versão da mãe; Deus, 
por exemplo, arrependeu-se de ter criado os pretos, porque os demais ho-
mens deles se riam. Há no parágrafo final contraste flagrante entre riso 
emoldurado pelo conto e o choro da mãe, sentido e dramático, depois que 
ela beija as mãos do narrador: “Quando fugi para o quintal, para jogar à 
bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que 
ninguém lhe tivesse batido”.
Uma versão da Gazeta de Piracicaba, de 1895
Uma versão sobre a origem dos negros, publicada na Gazeta de Piracicaba, 
em 1895, é variante próxima de uma das explicações apresentadas no conto 
de Honwana. Loiola (2013) estuda a forma com que segmentos protestan-
tes, por ocasião de sua implantação no Brasil, trataram os negros e lidaram 
com a escravidão e com a pós-abolição, no final do século XIX e começo do 
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XX. Nessa senda, esse autor se ocupa da imigração metodista na região de 
Piracicaba. Segundo Loiola, o jornal de Piracicaba se servia de linguagem 
estereotipada desqualificadora para retratar ciganos, ex-escravos, seus 
descendentes, e imigrantes pobres em geral. Envolvidos em casos de vio-
lência eram tratados pelo jornal com adjetivos pejorativos como preto, turco, 
italiano, etc. Essas pessoas viviam em situação de penúria social e principal-
mente os negros tinham dificuldade de emprego.
Nas notícias em que os negros eram associados a casos de violência – fos-
sem eles vítimas ou não – quase sempre se reforçava o estigma da cor da 
pele, qualificando-os enfaticamente como pretos. Também esse termo era 
muito frequentemente combinado com imundo, ousado, malvado, dentre 
outros adjetivos depreciativos.
Interessa-nos mais de perto uma versão aparentada ao conto “As mãos 
dos pretos”. A Gazeta de Piracicaba publica o seguinte, em 1895:
A origem dos negros. No Brasil, alguns negros acreditam 
ter sido esta a sua origem: Quando Deus formou o primeiro 
homem, Satanás movido de inveja quis também formar um 
homem de barro. Porém, como tudo que ele toca se faz ne-
gro, resolveu Satanás ir lavar o seu homem no Jordão para 
branquear; mas à sua chegada o rio horrorizado retirou as 
suas águas e o espírito maligno não teve mais tempo que 
depor o seu homem sobre a areia ainda molhada e é por 
isso que as palmas das mãos as únicas partes com que a 
criatura de Satanás tocou na água, se fizeram brancas. O 
demónio irritado com isto, deu tão grande punhada no ros-
to do seu homem, que lhe esborrachou o nariz, d’ahi vem 
terem os negros o nariz achatado. Agarrou-o depois pelos 
cabelos para o arrastar após de si; e o calor das suas mãos 
ardentes encrespou-lhe de tal modo o cabelo, que lhe ficou 
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encarrapichado (LOIOLA, 2013, p. 84-85)7.
Se há pequenas divergências, há também muitas aproximações entre as 
versões. As divergências devemser creditadas a adaptações específicas re-
clamadas por circunstâncias diversas; elas não apagam o parentesco entre 
as peças nem as motivações desqualificadoras dirigidas contra os negros. 
Esse texto piracicabano é carregado de muito mais perversidade, pois afir-
ma que os próprios negros acreditam na versão apresentada; mas não só 
isso: diz que os negros têm origem satânica, pois tudo o que Satanás toca 
fica negro. Vemos consumado o odioso processo de demonização do negro, 
considerado mau, infame, inferior. Satanás, depois de formar homem de 
barro, querendo branqueá-lo, o mergulhou no rio Jordão que, incontinenti, 
retirou suas águas; com isso, o homem negro só pôde mergulhar as mãos 
na areia molhada. A continuação da narrativa indica que o demônio ficou 
furioso e, por isso, golpeou sua criatura, achatando o nariz e o agarrou pelos 
cabelos, tornando-os crespos. Essa é uma expansão que amplia ainda mais 
a perversidade, pois indica que a forma achatada do nariz e o cabelo crespo 
dos negros são obra do demônio, além da pele escura. 
7 Pode-se ver como é antigo o discurso desqualificador do negro, ainda hoje 
vivo. O jornal de Piracicaba testemunha que os negros sempre estiveram sob cruel 
discriminação, mesmo depois da Abolição. Nessa cidade foi criada a Sociedade 
Antonio Bento, que defendeu escravos e participou desde jovem do movimento 
abolicionista; os membros daquela sociedade eram conhecidos como os caifazes, 
que promoviam fuga de escravos no período pré-abolição. Antonio Bento fundou o 
jornal A redempção, no qual conclamava o povo a combater a escravidão. Os cai-
fazes coletavam dinheiro para alforrias, perseguiam capitães do mato, sabotavam 
ação policial, denunciavam abusos cometidos por senhores, protegiam os escravos 
fugitivos e procuravam manter a população mobilizada; encaminhavam escravos 
para o Quilombo Jabaquara, perto de Santos, lá reunindo mais de 10 mil escravos 
fugidos (COSTA, 2010, p. 111-112).
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“Porque o negro é preto”, registrado por Câmara Cascudo
Luís da Câmara Cascudo, famoso folclorista brasileiro, compilador de histó-
rias do povo, registra, na obra Contos populares do Brasil, o conto intitulado 
“Porque o negro é preto”, mais uma variante que nos interessa de perto; 
tendo circulado no Brasil, atesta o documento a amplitude da tradição, cuja 
representação dos pretos é convergente em todas as formulações literárias 
alternativas.
Cascudo situa “Por que o negro é preto” na seção referente a contos etio-
lógicos8, cuja intenção é explicar as origens de pessoas e de fenômenos 
da natureza e das sociedades humanas; por isso, tende a retroagir aos co-
meços míticos do mundo e essa volta tem efeito retórico de persuasão da 
verdade contida nesse material: se a matéria narrada tem estatuto de ver-
dade, é porque se trata de algo muito antigo e porque remonta às origens 
míticas (divinas) que ordenaram o mundo. Aliás, o próprio Câmara Cascudo, 
no prefácio de sua obra, aponta estas características do conto popular9: 1. 
Antiguidade; 2. Anonimato; 3. Divulgação; 4. Persistência. Todos esses ele-
mentos potencializam os efeitos negativos do conto “Por que o negro é pre-
to”; sendo antigo, tende a se perenizar, daí sua validade e importância, pois 
se os antigos já acreditavam nisso, é porque é verdade; o anonimato, além 
de ser característica popular, poupa eventual autor ou autora de ser pena-
lizado como fonte de preconceito, assumido ou presumido.
Ainda no prefácio, Cascudo amplia sua avaliação do conto popular, que “re-
vela informação histórica, etnográfica, sociológica, jurídica, social; é um 
documento vivo, que registra costumes, ideias, mentalidades, decisões e 
julgamentos”. Essa avaliação se ajusta perfeitamente aos desdobramentos 
perversos do conto “Por que o negro é preto” que, como “documento vivo”, 
8 Não discutimos aqui o alcance técnico do termo conto, quanto às especifi-
cidades do gênero literário. 
9 O prefácio da obra de Cãmara Cascudo está disponível em: http://luzecalor.
blogspot.com.br/2012/08/contos-tradicionais-do-brasil.html. Acesso em 19 ago. 
2015.
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denuncia, sim, “mentalidades, decisões e julgamentos”. Nesse sentido, con-
tos populares são, também, receptáculos conservadores – e até garantido-
res – dos preconceitos sociais.
Cardoso (2013) faz interessantes contrastes entre Câmara Cascudo, 
Bernardo Honwana e Mário de Andrade, comparando aspectos instigantes 
entre esses três autores. Para este trabalho, o interesse recai mais nas ver-
sões, ainda que variadas, das explicações contidas no conto de Honwana, a 
partir de perspectiva descolonizadora. No entanto, nos serviremos do traba-
lho de Cardoso, no que couber, para o atingimento de nosso objetivo.
A pergunta “Por que o negro tem a sola dos pés e a palma das mãos inteira-
mente brancas?” é a motivação do conto registrado por Câmara Cascudo10. 
“Mestre Alípio, vaqueiro conceituado, administrador do Engenho Itaipu” tem 
a resposta, desde menino: Cristo, quando andou na Paraíba, fazia visitas de 
inspeção. Uma mulher muito jovem que já possuía 16 filhos ficou muito en-
vergonhada e escondeu alguns num quarto. Quando Jesus perguntou o que 
havia no cômodo, ela disse que era um depósito de carvão. Depois que Jesus 
foi embora, a mulher ficou surpresa: os filhos estavam pretos. A explicação 
dada foi esta: “Por causa de uma mentira se tornara mãe de oito filhos ne-
gros”. Pedro, o apóstolo orientou-a a banhar os filhos pretos nas águas de 
Jordão11. A mulher encontrou o rio “quase seco, com um fiozinho de nada” 
e as crianças nele mal puderam molhar a sola dos pés e a palma das mãos. 
Como as crianças beberam um pouco de água para matar a sede; os lábios 
ficaram arroxeados. Mestre Alípio disse que a água “foi pouquinha, dando 
10 A fonte usada para o conto de Cascudo é esta: http://thalynekeila.blogspot.
com.br/2010/05/por-que-o-negro-e-preto.html.Acesso em 21 set. 2015
11 As águas (do Jordão) aparecem em algumas variantes. Não se pode negar a 
forte motivação religiosa, sobretudo da simbologia do batismo, que se torna eficaz 
pelo uso da água, elemento fundamental para religião, associada à purificação, 
usada em muitos rituais, em diversas religiões. Isso radicaliza os efeitos negativos 
que provoca o rio Jordão, que se nega purificar os negros; eles são tão malditos 
que nem dos elementos sagrados da natureza podem se beneficiar.
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apenas para clarear, puxando mais para roxo”.
É possível reconhecer algumas semelhanças com as outras versões: a evo-
cação da religião (Jesus e os apóstolos), pelo fato de alguns aspectos míti-
cos serem mencionados, relativos à criação; outro elemento importante é a 
ideia de que a cor preta é resultado de justa punição por um erro cometido, 
sendo que no caso foi uma mentira; assim, a cor preta é castigo divino que 
os pretos bem merecem; por fim, há a ausência de meios para reparo, pois 
as águas do Jordão se negam a isso: a água foi pouquinha.
O conto afirma, da mãe, que “seu desgosto não podia ser senão enorme” por 
causa do ocorrido (alguns de seus filhos terem se tornado negros), o que se 
configura em mais um reforço à ideia de que a cor preta é fonte de desgosto 
e de tristeza. 
Assim, percebe-se na variante a mesma apreciação negativa da pele negra; 
o negro é visto de forma restritiva e desqualificadora, como resultado de 
merecido castigo divino, por algo de errado que resultou nessa maldição. 
O parentesco dessa versão com o conto de Honwana é muito evidente. Um 
ou outro detalhe secundário pode ser divergente, mas o efeito resulta da 
mesma intenção.
Câmara Cascudo registra que há mais versões, com circulação em outras 
culturas e línguas: uma em alemão, outra em inglês, intitulada Why the ne-
gro is black, cuja tradução é o exato título do conto compilado por Câmara 
Cascudo, que menciona, ainda, a existência de outra versão brasileira, re-
gistradapor Medeiros e Albuquerque, segundo a qual todos os homens, in-
clusive Adão, eram pretos. Deus, contudo, fez aparecer um lago com águas 
claras e, quem mergulhasse nessas águas ficaria branco. A continuação já é 
conhecida: quem primeiro nelas se banhasse ficava branco; a água foi fican-
do suja e produziu homens nem totalmente pretos nem totalmente brancos; 
quando só restou um restinho de água, só foi possível molhar as palmas das 
mãos e as solas dos pés. Essa menção ao conto de Medeiros e Albuquerque 
é reforço à amplitude de circulação geográfica e cronológica desse material.
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Observações em perspectiva descolonizadora 
O narrador de Bernardo Honwana, em sua curiosidade, ouviu diversas ex-
plicações até conhecer a versão da sua mãe, que está em rota de polêmica 
com as anteriores. Isso pode ser percebido na perspectiva da colonização/
descolonização: a visão dos de fora e a visão dos de dentro. Em outros ter-
mos, poderíamos situar nisso o grande desafio a que chegamos a partir da 
proposta do conto: o que os outros dizem dos pretos (mais precisamente 
dos pretos africanos) é resultado de construção discursivo-cultural, externa, 
que tem o efeito de desqualificá-lo, o que, na prática, explica e justifica a 
violência física e simbólica de que os pretos têm sido vítimas. 
Não se pode negar que “muitos africanos compartilham a ideia colonizado-
ra de que branco é bom e preto é mau/demonizado” (Ezeogu, 2012, p. 280). 
Essa observação pode se combinar bem com as versões apresentadas no 
conto, para explicar porque as mãos dos pretos são brancas.
Esses princípios podem ser enquadrados na moldura que relaciona lin-
guagem e ideologia, que condiciona vítimas de determinada ordem social 
a reconhecer a realidade como arranjo justo, a ela se adaptando de forma 
resignada. Fiorin esclarece que a ideologia é representação da realidade (e 
não a realidade mesma), formulada pelo grupo social dominante, que pro-
cura “justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem 
e as relações que mantém com os outros homens”(FIORIN, 2002, p. 28). As 
variantes que procuram explicar porque a pele dos negros é preta têm apoio 
ideológico considerável, ao reforçar a inferioridade deles.
Esse condicionamento simbólico está a serviço de interesses econômicos 
que beneficiam ex-potências coloniais, na atual ordem econômica mundial: 
“a economia neoliberal conhecida como globalização é a luta de ex-potên-
cias coloniais, ao lado de poderes globais novos, para livre acesso a merca-
dos globais e mão-de-obra barata, sem garantia de direitos para todos os 
países” (DUBE, 2012, p. 4).
Nessa perspectiva, é urgente haver iniciativas conscientes de descoloniza-
ção, que é, por assim dizer, ênfase da obra de Bernardo Honwana em geral e 
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do conto “As mãos dos pretos”, em particular. A versão da mãe se apresenta 
a nós como dramática apresentação da sabedoria africana, a única que pode 
discorrer sobre si mesma a partir de dentro, com conhecimento de causa, 
sem a contaminação ideológica de ex-potências coloniais brancas, que veem 
a África como território de rapina e os negros como seres inferiores.
Os africanos, os de dentro, não precisam da explicação dos de fora, pois, 
como a própria mãe do narrador diz: “muitos não sabem”. O que muitos não 
sabem ou não querem saber é que os pretos não são inferiores, mas iguais. 
Essa é a sabedoria tradicional africana. As diferenças não nos tornam infe-
riores; elas nos tornam humanos12.
Algumas considerações
A curiosidade motivou o narrador do conto africano a buscar respostas para 
suas inquietações. Com exceção de uma, as respostas foram insatisfatórias. 
As explicações se apoiaram, sobretudo, na religião e na ciência, sendo que 
algumas delas provocaram o riso. As diversas versões atestam a difusão do 
conteúdo em diferentes culturas, com ampla distribuição espacial e tem-
poral dessa recorrência depreciativa do negro, o que denuncia a amplitude 
do preconceito e da violência. Câmara Cascudo atesta a presença de contos 
similares, com trânsito nas camadas populares e cultas, como testemunha 
a Gazeta de Piracicaba, que veicula preconceito em forma de ataque perverso 
com apoio religioso com características míticas que se situam no princípio 
dos tempos, o que projeta ao conjunto persuasivo efeito de verdade.
Foi observado que há duas categorias de explicação em Honwana: as exó-
genas, que pintam o preto como impuro, animalizado, inferior, escravizado; 
12 A mãe tem dimensão pedagógica, no conto; é a doadora de conhecimento, a 
detentora de sabedoria; além disso, como mãe, é depositária de inegável dimensão 
afetiva, que dirige o processo de conhecimento de mundo. Ocorre a convergên-
cia de dois elementos que dinamizam o processo educacional: vínculos afetivos e 
conhecimento
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a endógena, assumida pela mãe, no conto moçambicano, pela qual pretos e 
brancos são iguais, irmanados pela cor das mãos. 
Se a história é obra de mãos humanas, fica evidente o equívoco da petição de 
princípio que perpetua a violência contra negros; a explicação não deveria se 
reportar às diferenças que organizam o nosso mundo. Deveria, ao contrário, 
se perguntar: por que o mundo não poderia ser diferente do que é, já que 
são as mãos humanas que o fazem? 
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