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Povo, Cultura e Religião Professor Paulino Augusto Peres de Souza Professora Nathalia Barbosa Limeira Professor Marcos Roberto Mantovani AUTORES Paulino Augusto Peres de Souza: Possui graduação em História, pela FAFIPA (Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras do Paraná). É especialista em Di- dática e Tecnologia na Educação pela FATECIE (Faculdade de Tecnologia e Ciências do Norte do Paraná). É mestrando na UNESPAR de Campo Mourão (Universidade Estadual do Paraná) do programa de Pós-Graduação ProfHist. Atualmente é tutor do Núcleo de Educação à Distância na UNIFATECIE (Centro Universitário de Tecnologia e Educação do Norte do Paraná) e professor na Escola Fatecie Max e Colégio Fatecie Premium, desde 2015, ministrando as disciplinas de História e Sociologia. Pesquisador nas áreas de Educa- ção, Ensino, Tecnologia e Religião. INFORMAÇÕES IMPORTANTES • Graduação em História pela Fafipa (Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras do Paraná) de Paranavaí. • Pós-graduação em Didática e Tecnologia na Educação pela FATECIE (Faculdade de Tecnologia e Ciência do Norte do Paraná). • Mestrando em Ensino de História pela UNESPAR de Campo Mourão. • Link do Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0165285728983866 Nathalia Barbosa Limeira: Possui graduação em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá (2004), graduação em Pedagogia pelo Centro de Ensino Superior de Maringá (2015) e mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2011). Possui especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, pelo Centro Universitário de Maringá (2007) e EAD e as Novas Tecnologias, pela mesma instituição (2015). Atuou entre 2006 e 2007 como diretora do centro de educação infantil Paidéia. Atuou como professora da rede estadual de educação (SEED) ministrando aulas de Filosofia para o ensino médio, entre 2008 a 2013. Entre os anos de 2009 a 2011 atuou no Programa Mais Educação, realizado em Maringá, em parceria com o Sesi (Serviço Social da Indústria) e a prefeitura de Maringá, ministrando aulas para os anos iniciais do ensino fundamental. Nessa mesma época, atuou como tutora do curso de Pedagogia a distância, oferecido pela Universidade Estadual de Maringá, em parceria com a Universidade Aberta do Brasil. Entre 2012 a 2015, foi professora mediadora do curso de Pedagogia, pelo Centro Universitário de Maringá. Na ocasião, atuou ministrando aulas para os cursos de EAD na graduação e na pós-graduação. Atuou ainda nesse período no Programa de Excelência na Educação Básica, programa desenvolvido pela UniCesumar, que atende, em média, 24 cidades. Entre os anos de 2013 a 2015 atuou como professora tutora no curso de Pedagogia, modalidade EAD, pela Sociedade Educacional Leonardo Da Vinci (atualmente incorporada a Króton). É embaixadora, desde 2014, da Khan Academy no Brasil, através do Instituto Lemann. Atuou como professora do curso presencial de Pedagogia na UNIFAMMA (União de Faculdades Metropolitanas de Maringá), entre os anos de 2015 e 2016. Nessa mesma época, assumiu a coordenação pedagógica da educação infantil do colégio Criarte. Em 2017 foi professora formadora do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), promovido pela Universidade Estadual de Maringá. Atualmente é professora da rede Marista de Solidarieda- de, professora dos cursos de pós-graduação no UniCesumar e bolsista pela Universidade Estadual de Maringá, retornando à atuação de tutora do curso de Pedagogia a distância, desde 2017. Marcos Roberto Mantovani: Técnico em Hospitalidade pelo SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) desde 1988. Docente no SENAC entre 1989 e 2000. Graduado em História (1997), Mestre em Educação (2005), ambos pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Atuou como docente e coordenador do Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia da UniCesumar, de 2004 a 2013. Nessa mesma instituição coordenou também duas pós-graduações - Docência em Gastronomia e Gestão em Gastronomia. Atualmente é coordenador do Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia da Fadep, na cidade de Pato Branco, Paraná, onde leciona nas áreas de Tecnologia de Produção de Alimentos e Bebidas, História, Antropologia, Sociologia, Filosofia e Educação no Ensino Superior. APRESENTAÇÃO DO MATERIAL O homus religiosus existe? A religião é o ópio do povo? Deus está morto? É possível compreender as formas elementares da vida religiosa? Aqui tentaremos responder essas perguntas. Nesta disciplina você encontrará: Na Unidade I vamos estudar, primeiramente, o que é religião e sobre seus vários conceitos e como, através dela, o ser humano se abriu ao transcendente. Já na Unidade II você irá conhecer os conceitos fundamentais do fenômeno re- ligioso, compreender como é a dinâmica das estruturas religiosas e discutir as correntes teóricas da religião. Na sequência, na Unidade III, falaremos a respeito das manifestações históricas e contemporâneas através das religiões históricas orientais e ocidentais e discutir as tendên- cias atuais sobre os novos movimentos religiosos. Em nossa Unidade IV vamos finalizar o conteúdo dessa disciplina com o tema Pluralismo, tolerância e diálogo inter-religioso por meio da compreensão do processo do pluralismo religioso e discutir a importância e urgência da tolerância. Aproveitamos para reforçar o convite a você, para, junto conosco, percorrer esta jornada de conhecimento e multiplicar os conhecimentos sobre tantos assuntos abordados em nosso material. Esperamos contribuir para seu crescimento pessoal e profissional! SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 7 Conceito de Religião UNIDADE II ................................................................................................... 22 Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso UNIDADE III .................................................................................................. 40 Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas UNIDADE IV .................................................................................................. 59 Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 6 Plano de Estudo: ● Religião: conceituação ● Mas o que é religião? ● Abertura do ser humano ao transcendente Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender o amplo sentido de religião ● Discutir a religião como um fenômeno cultural ● Compreender a existência da diversidade religiosa UNIDADE I Conceito de Religião Professor Paulino Augusto Peres de Souza Professora Nathalia Barbosa Limeira Professor Marcos Roberto Mantovani 7UNIDADE I Conceito de Religião INTRODUÇÃO O fenômeno da religiosidade e da transcendência é algo que sempre instigou estu- diosos das mais diversas áreas; compreender o incompreensível, o que não é metafísico. As mais remotas civilizações já cultuavam esse fenômeno e, no decorrer de toda a epopeia humana, até os dias atuais, a religião está associada às obras, conquistas, guerras e or- ganizações sociais. Enfim, esse fenômeno em toda sua diversidade, constituiu e, muitas vezes, designou os rumos de diferentes povos. Sobre um prisma antropológico para as relações humanas e, dentre elas a religião, é possível se aprofundar nessas relações como elas se dão nas suas diferenças culturais, históricas, econômicas, políticas e psicológicas. Neste sentido, é necessário um esvaziamento dos valores pré-concebidos pelo pesquisador ou estudioso das religiões. Esses valores construídos na sua própria formação cultural e do saber antropológico, antes de ser um conjunto de conceitos, fundamenta a intervenção do pesquisador, e deve ser entendido como um exercício de buscar uma com- preensão do novo. Para Leenhardt (1987), o perigo desse processo é a perda da identidade do próprio antropólogo, ou seja, o pesquisador perder-se no referencial do outro pesquisado. Evitando isso,o pesquisador vive um dilema de se prender em seus valores éticos, o que, no caso, acaba por provocar uma situação de conflito interno, tendo como desafio se entregar a uma realidade diferente da sua, sem, contudo, que isso ameace seus valores pessoais. No entanto, esse processo pode ser convertido na capacidade que lhe permita desenvolver seu próprio processo de reflexão, tendo por meio deste um desafio paradig- mático imposto pela linha de pesquisa ou pela ciência escolhida para trilhar esse caminho investigativo. Vencido esses desafios, nossa proposta nesta unidade é chegar à busca da signifi- cação religiosa como parte da construção humana que busca um sentido para sua existên- cia, uma significação que atravessa outras dimensões do ser, seja no universo cultural, da afetividade ou mesmo espiritual. 8UNIDADE I Conceito de Religião 1. RELIGIÃO: CONCEITUAÇÃO Verificamos a religião dentro de um aspecto universal da cultura humana, ele está associado a outro fenômeno muito próximo, que é a magia. Basicamente todas as popula- ções mundiais demonstram ter um conjunto de crenças e poderes sobrenaturais de alguma espécie. Se as sociedades comumente desenvolvem normas de comportamento para ga- rantir o bom funcionamento social, precavendo-se de problemas, estabelecendo controle sobre as relações humanas, verificamos que nas normas religiosas, a base está na incer- teza da vida e, se tornam mais evidentes nos momentos de crise, enfermidades, morte, nascimento etc. Utilizando dos cultos, rituais, sejam públicos ou privados, os homens, por meio de oferendas, cantos, sacrifícios e danças, tentam dominar ou mesmo conquistar coisas que fazem parte do universo, mas que não estão sujeitas a tecnologia. Lembramos aqui também que, de acordo com Marconi e Presotto (2001), a religião é tão antiga quanto a humanidade, sendo observada já no Período Paleolítico Superior, com o homem de Neandertal, que enterrava seus mortos, com oferendas, demonstrando, assim, a crença no sobrenatural. Para Mello (2008), quanto ao conceito de religião, muitas têm sido as definições apresentadas, muitos foram os estudos até agora, no entanto está longe de se chegar a um consenso. 9UNIDADE I Conceito de Religião A Antropologia cultural já detém um bom lastro, conseguindo relacionar uma série de outros tópicos que se coadunam com a religião. No entanto é preciso tomar cuidado para que não ocorra um isolamento da religião, isso deve ocorrer somente como recurso metodológico e didático. Para Mello (2008, p. 390): Não é fácil separar o parentesco da vida política nem econômica dos povos de pequena escala. Nas sociedades modernas torna-se bem mais fácil isolar as atividades, mas mesmo assim, sabe-se que no casamento, por exemplo, encontram-se aspectos jurídicos (contrato celebrado entre os cônjuges), aspectos religiosos (o matrimônio como casamento) e políticos, só para citar três setores da cultura. Essa inter-relação é mais evidente ainda entre os povos segmentares ou de pequena escala. Significa entender que mesmo que o padrão religioso seja um fenômeno universal, existe, sem sombra de dúvida, uma grande variante no padrão comportamental. De acordo com Marconi e Presotto (2001, p. 162), Frazer, Durkheim, Marett, Mauss, Spencer, Lowie, Malinowski, Lévi-Strauss, Evans-Pritchard entre outros realizaram estudos analíticos e comparativos sobre religião. Os dados acumulados sobre as crenças e práticas são inúme- ros de enfoques variados. Uns preocupando-se com o sobrenatural, com os sistemas de relação e ação, com função e origem da religião; outros, dando maior importância ora às crenças, ora às práticas. Assim como Mello (2008) havia apontado anteriormente, muito longe está de se chegar a um consenso, no entanto, como vimos, vários enfoques acabam criando uma variedade de tópicos que podem ser estudados, aprimorando e ampliando, assim, o enten- dimento desse fenômeno. Existem alguns teóricos que diferenciam a religião e a magia, já para outros os comportamentos são mágicos religiosos, em outros termos: fundem magia e religião, como apontam Beals e Hoijer (1969, p. 589), “a religião é uma crença em seres sobrenaturais, cujas as ações relativas ao homem podem ser influenciadas a até dirigidas”. Já Hoebel e Frost (1981), consideram a religião como a crença em seres sobrena- turais e os consequentes modo e comportamento em virtude dessa crença. Sendo assim, as crenças em poderes sobrenaturais ou misteriosos associam-se à veneração e sentimentos de respeito que são expostos em atividades públicas, também podendo ser reservados. Chamamos a atenção para a consideração de Evans-Pritchard (1978, p. 153): os fatos da religião primitiva devem ser explicados não em si mesmos, mas em relação com outros fatores, ou seja, com “aqueles que com ele formam um sistema de ideias e práticas e outros fenômenos sociais que se associam”. Não é, portanto, um fato isolado, dentro da cultura. Liga-se à organização social, política, econômica, atividades de lazer, estéticas, etc. Sendo assim, notamos que a religião, de fato, é formada por um complexo sistema de crenças e práticas, na qual todas as sociedades detêm a sua visão de universo. 10UNIDADE I Conceito de Religião 2. MAS O QUE É RELIGIÃO? O que é Religião? Religião é uma fé, uma devoção a tudo que é considerado sagra- do. É um culto que aproxima o homem das entidades a quem são atribuídos poderes so- brenaturais. É uma crença em que as pessoas buscam a satisfação nas práticas religiosas ou na fé para superar o sofrimento e alcançar a felicidade. Religião é também um conjunto de princípios, crenças e práticas de doutrinas religiosas, baseadas em livros sagrados, que unem seus seguidores numa mesma comunidade moral, chamada Igreja. Todos os tipos de religião têm seus fundamentos. Algumas se baseiam em diversas análises filosóficas, que explicam o que somos e porque viemos ao mundo. Outras se so- bressaem pela fé e outras em extensos ensinamentos éticos. Religião, no sentido figurado, significa qualquer atividade realizada com rígida frequência. Exemplo: ir para a academia todos os dias, para ele é uma religião. Cristianismo: vem da palavra Cristo, que significa Messias, pessoa esperada, o redentor. É uma doutrina que acredita que Deus é o criador do universo e de toda a vida do planeta. O Cristianismo é um desdobramento do Judaísmo. Todas as formas de cris- tianismo obedecem às mesmas escrituras, veneram o Deus de Israel e consideram Jesus como o Cristo, Filho de Deus e Salvador da humanidade. O cristianismo tem na Bíblia o livro sagrado dos cristãos e na Igreja o local da pregação dos ensinamentos de Cristo, por meio de seus Sacerdotes. As principais religiões ligadas ao Cristianismo são o Catolicismo, a Ortodoxa e o Protestantismo. 11UNIDADE I Conceito de Religião Catolicismo: é a religião dos cristãos, uma vertente do cristianismo, formado pela Igreja Católica Apostólica Romana, que tem seu centro no Vaticano e reconhece a autori- dade suprema do Papa. O catolicismo é uma doutrina que, além do culto a Jesus, enfatiza o culto à Virgem Maria e a diversos Santos. A religião católica ou catolicismo tem a Bíblia como seu Livro Sagrado, e por meio dela transmite os ensinamentos do Evangelho de Cris- to. O crucifixo é o símbolo maior do catolicismo, pois simboliza a cruz na qual Jesus Cristo morreu. O catolicismo é uma doutrina que acredita na preparação dos fiéis para a salvação de sua alma, que, após a morte, subirá ao paraíso, onde gozará o descanso eterno. Religião ortodoxa: é uma doutrina que teve sua origem no cristianismo, com a divi- são da Igreja Católica em Católica do Ocidente e Ortodoxa do Oriente. A Igreja Ortodoxa é, portanto, um ramo da Igreja Católica com pequenas diferenças em seus dogmas. A religião ortodoxa ou Igreja Católica Ortodoxa se define como a correta e verdadeira Igreja criada por Jesus Cristo, e que se manteve fiel à verdade, transmitidadesde os Apóstolos até os dias de hoje. A Igreja Ortodoxa é formada por várias igrejas autônomas e Patriarcados auto- céfalos, em que a autoridade suprema é uma junta governante, o Santo Sínodo Ecumênico. A unidade tem origem na doutrina, na fé, nos cultos e sacramentos. Protestantismo: é uma religião que adotou as doutrinas desenvolvidas na Europa, no século XVI, como resultado dos movimentos para reformar a Igreja Católica. O protes- tantismo é um dos ramos do cristianismo que surgiu do movimento que rejeitou a autoridade romana e estabeleceu reformas nacionais em vários países do norte da Europa, como o Luteranismo, na Suécia e parte da Alemanha, o Calvinismo, na Escócia e em Genebra, e o Anglicanismo, na Inglaterra. Protestantes seriam, então, aquelas igrejas oriundas da Reforma, que, apesar de surgirem posteriormente, obedecem aos princípios gerais do movimento reformista. Judaísmo: é a religião dos judeus. É a mais antiga das religiões monoteístas do mundo. O judaísmo acredita na existência de um único Deus, que criou o universo. De acordo com algumas correntes do Judaísmo, Jesus Cristo foi um bom professor e para outros foi um falso profeta. Ao contrário do Cristianismo, o Judaísmo não vê Jesus como Filho de Deus, enviado para salvar o ser humano. Por esse motivo, os crentes no Judaísmo esperam até hoje pelo enviado de Deus para salvação do povo. O judaísmo é um modo de vida, associando a uma combinação de fé e convicções religiosas. O judaísmo é uma religião da família e grande parte da fé judaica é baseada nos ensinamentos recebidos no lar. O Torá ou Pentateuco é considerado o livro sagrado dos judeus. Os cultos judaicos são realizados nas sinagogas e são comandados por um rabino. 12UNIDADE I Conceito de Religião O símbolo sagrado é o Menorá, um candelabro com sete braços, que representa a luz e inspiração divina que se propagam no mundo. Islamismo: Islã é uma palavra árabe que significa submissão, aqueles que obede- cem a Alá. Seus seguidores são chamados de islâmicos (aqueles que se submetem) ou ainda de muçulmanos (aqueles que seguem). O islamismo foi fundado pelo profeta Maomé, nascido em Meca, por volta de 570, na Arábia Ocidental. O que aceita a fé do islamismo é chamado de muçulmano. O livro sagrado é o Corão (Recitação), onde a palavra de Deus foi revelada ao profeta Maomé. Seus templos são chamados de mesquitas. 13UNIDADE I Conceito de Religião 3. A ABERTURA DO SER HUMANO AO TRANSCENDENTE Para compreendermos esse processo, é necessário que compreendamos a con- dição humana na natureza, sua forma de ver e de agir, primeiramente como parte dela (a natureza) e, posteriormente, de sua ação sobre ela (cultura). São dois momentos distintos, no primeiro, o homem natural tem uma condição muito próxima a de outros animais, sendo ele nada mais que um elemento da natureza em que está contido como elemento integrado. No segundo momento é que se criaram todas as condições de transformação que esse mesmo homem acaba por impor na natureza. Nesse momento, ele deixa de ser parte inte- grada e se transforma em elemento que impõe ações, inclusive de compreensão e domínio dessa natureza. De acordo com Pannenberg (2008), o entorno caracteriza a sua alteridade. Ele converte a natureza bruta em cultura e substitui no processo da história, criações culturais por outras. Pode-se dizer que a linguagem e a razão expõem o sentido da realidade, marcando a peculiari- dade biológica do ser humano, como também da cultura de um modo geral. Linguagem e razão orientam o ser humano a transcender o estado de natu- reza, logo elas estão em estreita relação com a cultura no seu sentido mais profundo, mostrando-se fundamentais para todos os domínios da cultura (PANNENBERG, 2008, p. 11). Conforme visto, é possível dizer que a vida em grupo, por si só, não explica o traço humano, mas sim o conceito de cultura, considerando, assim, os hábitos, sistemas de aprendizagem, os materiais, entre outros elementos produzidos no contexto cultural. 14UNIDADE I Conceito de Religião Para Pannenberg (2008), a cultura transcende a si mesma em um movimento espiritual, abrindo espaço para o dado religioso. Nesse caso, a “transcendência da cultura” ocorre a partir do momento em que o ser humano tem a possibilidade ou a capacidade de participar de realidades que irão extrapolar o mundo concreto, tendo acesso a um universo do simbólico, caracterizado pelo inexprimível. Pannenberg (2008) considera importantes a história e a questão simbólica quando se fala de cultura. Segundo esse autor, é o espaço em que a religião passa ter seu lugar na formação da cultura. Seria importante analisarmos o papel da linguagem na formação da cultura: essa forma, a linguagem, o mito, a arte e a religião constituem partes do universo simbólico do ser humano. Ao indivíduo cabe ir contribuindo para a atualização dos dados da cultura, mas mesmo assim, ele não tem um domí- nio completo do acontecer cultural, uma vez que as instituições já são dadas como valores de antepassados (MIRANDA, 2012, p. 68). Como percebemos, segundo esse contexto, é possível identificar a superioridade da sociedade agindo sobre o indivíduo, ou seja, unitariamente somos resultados dos pro- cessos da memória e sua reprodução do coletivo. Nesse processo, cito o mito como gênero que detém uma grande influência no processo de formulação cultural, levando em conta que ele traz embutido em si uma racio- nalidade própria e alicerça o sentido para uma ordem social cósmica. Segundo Pannenberg (2008), a cultura é, assim, criada e criadora, ela possui uma força supraindividual que transcende o ser humano como indivíduo. Então, como expõe o autor, o acervo histórico da cultura seria o elemento chave para a compreensão do homem sobre a realidade. O indivíduo chega à realidade, a lê e a interpreta. Dessa forma a experiência efetiva da realidade, feita na comunidade e nos confrontos com os dados passados, possibilita a atualização da cultura. É um contexto em que se pode falar de jogo cultural, funda-se o espaço onde os indivíduos fazem a inter- pretação do mundo comum e, ao mesmo tempo constroem a sua identidade pessoal (PANNENBERG, 2008, p. 26). Compreendemos que a representação simbólica contextualizaria a superação dos limites, das angústias, dos males e outros elementos que causam sofrimento presente na natureza. Isso gera uma espécie de “ordem” para as coisas, ou melhor dizendo, funda a ordem do mundo, tendo como pano de fundo o pleno sentido de tudo. Quando o homem funda a cultura, ele tem por finalidade o domínio da natureza que o rodeia. Faz isso para superar os limites que os atingia. Quando a cultura transcende, abre espaço para o pensamento religioso. Este, por sua vez, traz embutido em si a necessidade humana da superação da sua finitude, ou seja, do seu relacionamento com a morte. 15UNIDADE I Conceito de Religião De acordo com Pannenberg (2008), a dimensão religiosa entra na cultura quando o ser humano não mais se contenta com sua vida meramente física e mortal. É o momento em que ele se vê como ser religioso e como ser espiritual. Nessas condições, esse homem se sente dotado de liberdade e vontade, sendo ele capaz de se lançar livremente em busca de respostas muito mais profundas acerca de sua existência. Reafirmamos aqui, como ponto fundamental, a experiência e a tomada de cons- ciência da realidade em que o homem vive. Para Pedrosa de Pádua (2010), dentro dessa consciência, o homem, ao tratar da “realidade simbólica”, não se conforma com um mero “estar” no mundo, mas se preocupa também em dominar e melhorar o seu entorno. Logo, a ação humana é um exercício de interpretação, por meio da qual dá sentido às coisas existentes ao seu redor. Esse processo interpretativo tem por origem a imaginação, ação que dá condições capazes de transformar a realidade física e (re)significá-la, dando a ela um sentido mais vivencial.De acordo com Pedrosa de Pádua (2010), a partir da imaginação uma pedra deixa de ser pedra para se transformar, com a técnica, num machado, que, por sua vez, pode ser imaginado como capaz de cortar árvores, que, por sua vez, podem ser utilizadas para construir canoas, casas, represas, arcos e flechas e tantos outros utensílios para os grupos humanos. Assim, a imaginação consegue desenvolver sempre novas realidades, partindo de algo já existente. Vejamos um exemplo disso na fundamentação de Lévi-Strauss (2010), que acrescenta a ideia de uma ordenação de elementos básicos que podem ser percebidos na forma de oposições binárias (o cru e o cozido, o dia e a noite, o bem e o mal). Nessa ideia de Lévi-Straussiana, observamos que a lógica de tal princípio é univer- salista, partindo da ideia de que a representação da realidade é independente, seja qual a forma que venha a tomar, pois tem sempre a mesma fundamentação. O real é imutável e o que aparece como particular e próprio de uma cultura é fruto da interpretação desse real (LÉVI-STRAUSS, 2010). Portanto, tal ideia, que não tem muita ligação ou a mesma configuração do estruturalismo de Lévi-Strauss, pode também ser vista e interpretada pela Fenomenologia da Religião na sua concepção de uma essência própria da religiosidade, que atravessa, inclusive, o processo histórico e cultural. 16UNIDADE I Conceito de Religião CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade pudemos verificar quão difícil e amplo pode ser o significado de religião. Sobre um prisma antropológico para as relações humanas e, dentre elas a religião, é poder aprofundar nessas relações como elas se dão nas suas diferenças culturais, histó- ricas, econômicas, políticas e psicológicas. Nesse sentido, é necessário um esvaziamento dos valores pré-concebidos pelo pesquisador ou estudioso das religiões. Esses valores construídos na sua própria formação cultural e do saber antropológico, antes de ser um conjunto de conceitos que fundamenta a intervenção do pesquisador, deve ser entendido como um exercício de buscar uma com- preensão do novo. Verificamos a religião dentro de um aspecto universal da cultura humana, ele está associado a outro fenômeno muito próximo que é a magia. Basicamente, todas as populações mundiais demonstram ter um conjunto de crenças e poderes sobrenaturais de alguma espécie. Para compreendermos esse processo, é necessário que compreendamos a con- dição humana na natureza, sua forma de ver e de agir, primeiramente como parte dela (a natureza) e, posteriormente, de sua ação sobre ela (cultura). Verificamos que a “transcendência da cultura” ocorre a partir do momento em que o ser humano tem a possibilidade ou a capacidade de participar de realidades que irão extrapolar o mundo concreto, tendo acesso a um universo do simbólico, caracterizado pelo inexprimível. Compreendemos que quando o homem funda a cultura ele tem por finalidade o do- mínio da natureza que o rodeia. Faz isso para superar os limites que o atingia. É justamente quando a cultura transcende, que abre espaço para o pensamento religioso. Este, por sua vez traz, embutido em si a necessidade humana da superação da sua finitude, ou seja, do seu relacionamento com a morte. Esse processo interpretativo tem por origem a imaginação, ação que dá condições capazes de transformar a realidade física e (re)significá-la, um sentido mais vivencial. Sendo assim, notamos que a religião, de fato, é formada por um complexo sistema de crenças e práticas, em que todas as sociedades detêm a sua visão de universo. 17UNIDADE I Conceito de Religião SAIBA MAIS Os povos islâmicos espalhados pelo mundo são confundidos com os árabes, mas árabe é uma etnia, um povo que surgiu na península arábica, já o islamismo é uma religião, que surgiu no meio do povo árabe, no século VII d.C. Portanto, é possível ser islâmico sem, necessariamente, ser árabe. Fonte: os autores. REFLITA “Sempre que a moralidade se baseia na teologia, sempre que o correto se torna de- pendente da autoridade divina, as coisas mais imorais, injustas e infames podem ser justificadas e estabelecidas” (Ludwig Feuerbach). 18UNIDADE I Conceito de Religião MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO 1 Título: Introdução ao Estudo Comparado das Religiões Autor: Aldo Natale Terrin Editora: Paulinas Sinopse: Faltava, na bibliografia brasileira, um livro de introdução amplo, objetivo e sério sobre a diversidade religiosa que hoje se observa no mundo globalizado, encarando não apenas os fatos religiosos em si, por meio da história e na pluralidade de suas expressões culturais, mas procurando analisar a significação que possa ter cada uma das manifestações religiosas do passado e do presente, numa perspectiva humanista e cristã é o que nos proporciona essa introdução ao estudo comparado das religiões. LIVRO 2 Título: O que é religião? A visão das ciências sociais Autor: Donizete Rodrigues Editora: Santuário Sinopse: O livro foi articulado de forma a ser uma espécie de manual sobre os principais conceitos de religião oferecidos pelas ciências humanas e sociais. A obra traz, de forma objetiva, as respostas para a pergunta: o que é religião? Alia a simplicidade à erudição, citando obras de pensadores clássicos e contemporâ- neos que, de forma notável, vão esclarecendo o texto, tornando-o didático, de fácil e prazerosa leitura. LIVRO 3 Título: Religiosidade no Brasil Autor: João Baptista Borges Pereira Editora: Edusp Sinopse: Os artigos que compõem este livro versam sobre a diver- sidade religiosa brasileira, que expressa a realidade sociocultural brasileira. Os ensaios foram publicados na Revista USP, integran- do o dossiê Religiosidade no Brasil, que se esgotou rapidamente, número temático que reuniu estudiosos de várias partes do país. Esta coletânea reproduz integralmente o dossiê da Revista, acres- cida de artigos que não constaram na edição original por vários motivos, como os textos de Augustin Vernet, Suzana Ramos Cou- tinho Bornholdt e de João Baptista Borges Pereira. O organizador do livro aponta que esse painel inclui desde religiões étnicas até as autoproclamadas religiões universais, passando pelas rotuladas religiões etnicizadas, características de um país de imigração. 19UNIDADE I Conceito de Religião LIVRO 4 Título: Protestantismo Tupiniquim Autor: Gedeon de Freire Alencar Editora: Recriar Sinopse: Dez anos depois da primeira edição muita coisa mudou. Mas muitas permaneceram iguais. Ou piores. O campo religio- so protestante é cada vez mais plural e emblemático. Cada dia mais difícil estabelecer algum padrão de avaliação, uma tipologia minimamente razoável que dê conta das idiossincrasias internas do grupo. Na atualidade são quantitativamente fortes, qualitativa- mente diversos, teologicamente misturados e sociologicamente difusos. Bem tupiniquins, aliás. Um século atrás era fácil delimitar o mundo protestante, porque era pequeno e homogêneo. Agora, não mais. Conquanto, continuo convencido que minha tipologia do Protestantismo Tupiniquim ainda é válida. Continuo firme em minhas hipóteses, por isso mesmo: hipóteses. FILME/VÍDEO Título: Lutero: gênio, rebelde, liberador Ano: 2003 Sinopse: Após quase ser atingido por um raio, Martim Lutero (Jo- seph Fiennes) acredita ter recebido um chamado. Ele se junta ao monastério, mas logo fica atormentado com as práticas adotadas pela Igreja Católica na época. Após pregar em uma igreja suas 95 teses, Lutero passa a ser perseguido. Pressionado para que se redima publicamente, Lutero se recusa a negar suas teses e desafia a Igreja Católica a provar que elas estejam erradas e con- tradigam o que prega a Bíblia. Excomungado, Lutero foge e inicia sua batalha para mostrar que seus ideais estão corretos e que eles permitem o acesso de todas as pessoas a Deus. Link: https://www.youtube.com/watch?v=PlP-Xt4LLNg FILME 2 Título: O Nome da Rosa Ano: 1986 Sinopse: Em 1327, William de Baskerville (Sean Connery), um monge franciscano, eAdso von Melk (Christian Slater), um novi- ço, chegam a um remoto mosteiro no norte da Itália. William de Baskerville pretende participar de um conclave para decidir se a Igreja deve doar parte de suas riquezas, mas a atenção é desviada por vários assassinatos que acontecem no mosteiro. William de Baskerville começa a investigar o caso, que se mostra bastante intrincado, além dos mais religiosos acreditarem que é obra do Demônio. William de Baskerville não partilha dessa opinião, mas antes que ele conclua as investigações, Bernardo Gui (F. Murray Abraham), o Grão-Inquisidor, chega no local e está pronto para torturar qualquer suspeito de heresia que tenha cometido assas- sinatos em nome do Diabo. Como não gosta de Baskerville, ele é inclinado a colocá-lo no topo da lista dos que são diabolicamente influenciados. Ests batalha, junto com uma guerra ideológica entre franciscanos e dominicanos, é travada enquanto o motivo dos assassinatos é lentamente solucionado. Link: https://www.youtube.com/watch?v=uqL7gn13JoQ 20UNIDADE I Conceito de Religião FILME 3 Título: As Aventuras de Pi Ano: 2001 Sinopse: Se você não assistiu este filme cheio de efeitos espe- ciais incríveis e que foi super premiado, talvez não faça ideia de que ele fala de religiões sim. Na história, o garoto Pi é em muitos momentos exposto a três religiões e decide abraçar todas elas: o cristianismo, o islamismo e o hinduísmo. A primeira surge por con- ta de uma brincadeira feita na igreja; a segunda por curiosidade; e a terceira por sua herança indiana, e o menino decide ter todas porque vê coisas interessantes nas três. FILME 4 Título: Homens e Deuses Ano: 2010 Sinopse: Se você busca um filme sobre a religião muçulmana, essa é uma boa pedida. O filme Homens e Deuses conta a história de um grupo de monges trapistas que vivem entre a população muçulmana na Argélia. Eles passam por uma guerra civil e pre- cisam decidir entre permanecer com a comunidade ou fugir dos terroristas. WEB Link: https://www.youtube.com/user/canalcaiofabio/videos Canal do Youtube: Caio Fábio Apresentação: se você está atrás de um canal que trata a religião de forma crítica, esse canal é de Caio Fábio, destaque na religiosidade brasileira desde a década de 1980. Durante essas décadas vem gerando surpresa por suas opiniões que, muitas vezes, diver- gem dos líderes religiosos tradicionais. 21 Plano de Estudo: ● Elementos constitutivos do fenômeno ● Teorias da religião Objetivos da Aprendizagem: ● Conhecer os principais fundamentos do fenômeno religioso ● Compreender como é a dinâmica das estruturas religiosas ● Discutir as correntes teóricas da religião UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso Professor Paulino Augusto Peres de Souza Professora Nathalia Barbosa Limeira Professor Marcos Roberto Mantovani 22UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso INTRODUÇÃO O que constitui a religião? Para uns a religião é fé, outros afirmam ser algo que o religa ao divino, há aqueles estudiosos que dizem ser totem e tabu. Diante tantas formas de pensar a religião não sabemos se podemos ser considerados um homus religiosus, mas sabemos que somos construídos pela religiosidade Responder o que é religião é um tanto quanto complexo pela abrangência do tema. No entanto, nesta unidade, nossa meta é trazer para você como é constituída uma religião, suas normas, seus cultos, objetos e locais sagrados. Também que são os responsáveis pelos cultos religiosos e a função da religião. Em seguida discutiremos um tema fundamen- tal para compreender a religiosidade. As teorias da religião vão nos fornecer dados para compreendermos de maneira psicológica e sociológica o fenômeno em si. 23UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 1. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO FENÔMENO Quando analisamos o fenômeno religioso, é mister observar dois elementos, a crença e o ritual. Um deve complementar o outro, ou seja, a crença, na verdade, precisa ser complementada com a prática. Vejamos o significado de cada um desses dois elementos. Comecemos pela cren- ça ou fé. Tal ato consiste em um sentimento de respeito, confiança, reverência, submissão frente ao sobrenatural, ao desconhecido. Como expõem Marconi e Presotto (2001, p. 193): Pode-se dizer que é o desejo de aceitar qualquer coisa, provocada por algo misterioso, mas sem demonstração ou prova tangível. Seria a aceitação vo- luntária de uma ordem e coisas que não pode ser provada pela lógica ou pelos sentidos. O indivíduo reconhece e aceita a superioridade do sobrenatural. Podemos afirmar que as crenças religiosas se baseiam na existência de seres supremos, de algo superior, algo que seja sobre-humano, o que é de suma importância para o apelo emocional, mas também intelectual. O outro elemento que nos referimos no início se trata do ritual ou da prática. É uma manifestação dos sentimentos comungados por um ou vários indivíduos, seja em qualquer meio, através de uma ação: Embora de caráter religioso ou mágico, não é tão persistente quanto o culto. Consiste em um tipo de atividade padronizada, em que todos agem mais ou menos do mesmo modo, e que se volta para um ou vários deuses, para seres espirituais ou forças sobrenaturais, com uma finalidade qualquer (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 163). 24UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso Dessa maneira, verifica-se um comportamento tradicional em que podemos notar, de maneira explícita ou implícita, ideias, crenças, sentimentos e atitudes comungadas pelos praticantes. Para Mair (1972), em todas as sociedades ágrafas ou de tecnologia simples há sempre um conjunto de crenças relacionadas a diferentes práticas, rituais que variam de uma cultura para outra. II - Povo cultura e religião O importante em se ressaltar e discutir nos dois elementos apontados, é que am- bos se ligam ao sobrenatural, ou seja, tudo aquilo que foge aos sentidos concretos da humanidade, que escapa à compreensão do homem, à sua possibilidade de observação é compreendido como “sobrenatural”. Dessa maneira, tal manifestação não obedece às leis naturais ou da física, portanto se posicionando em uma outra dimensão. Para Geertz (1989), o sobrenatural pode ser considerado o cerne da religião, a base dos sistemas religiosos. Não há como comprová-los cientificamente ou por meios mecânicos. Os seres imaginados pelo homem são muitos, como exemplo: A. Seres – deuses, anjos, santos, demônios, fadas etc.; B. Entidades – espíritos, almas; C. Forças – Espírito Santo, mana; D. Almas dos mortos ou espectros. De acordo com Mair (1972), os seres espirituais são considerados bons (anjos), maus (demônios), neutros (duendes). Residem nos mais diferentes lugares: céu, inferno, montanhas, florestas etc. No caso das forças ou poderes sobrenaturais, de maneira geral, não pessoal, estão no universo, sendo invisíveis e independentes de seres sobrenaturais determinados. Já a questão das almas dos mortos ou espectros, são Liberadas do corpo após a morte, interessam-se pelos vivos e continuam sendo membros da sociedade. Podem ser benéficas ou maléficas e possuí- rem muitas funções e característica dos espíritos, mas diferem deles quanto à origem e afinidade com os seres vivos e, assemelham- se a estes nos sentimentos, emoções, apetites e comportamentos (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 164). Se nos atentarmos, muitas das ações praticadas e a forma como ocorrem se apro- ximam da maneira como os seres vivos efetuam em seu dia a dia, nos parecendo uma repetição em outro plano. 25UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso O Sobrenatural, em geral, está associado ao Culto. Esse ato, na verdade uma série de atos, está contido na comunicação ou na veneração dos seres sobrenaturais. O culto em si consiste em um conjunto de rituais, de crenças e divindades, associados a objetos, lugares específicos, oficiantes e crentes. O culto podevariar em sua organização, em sua estrutura e na realização, no tempo e espaço. Em geral, cultuam-se espíritos antepassa- dos. Dentro dos cultos podemos identificar objetos sagrados que fazem parte do ato; os objetos, por sua vez, podem ser adorados, venerados ou utilizados no processo ritual, compreendendo imagens, objetos rituais, máscaras etc. Como apontam Marconi e Presotto (2001, p. 165), eles podem ser: A. Objetos – são representações de uma divindade, um espírito, um deus, através da escultura, da pintura, do desenho, etc. Podem ser antropomórficas (forma humana), zoomórficas (forma animal), antropozoomórficas (forma humana e animal) ou amorfas, ou seja sem forma determinada. Ex: deuses egípcios, orixás de Candomblé, ídolos de sociedades tribais, etc. B. Objetos rituais – englobam tanto objetos de uso comum (armas, uten- sílios, roupas) utilizados nos cultos, quando especialmente confeccionados para determinados rituais (tambores, bastões, vasos, etc.). Ex: atabaques, colares, trajes de Umbanda, indumentárias, etc. C. Máscaras - incluem tanto as de cabeça quanto as de todo corpo, usadas como disfarce nos mais diversos rituais. Simbolizam autoridade, prestígio ou tem efeitos medicinais. Podem ser simples ou artisticamente ornamentadas, tomar diferentes formas e representar homens, animais ou seres sobrenatu- rais. Ex: dança do cervo (México), palhaços de Folia de Reis (Brasil). Tais imagens ou mesmo os objetos dos rituais podem ser compreendidos como morada temporária das entidades sobrenaturais, logo, recebem o tratamento cerimonial específico. Verificamos também nos cultos diferentes forma de rituais, estes são atos religiosos e podemos defini-los como o canto, a dança, a reza, a oferenda de coisas, sacrifícios. Esses atos podem aparecer em três formas principais: oração, oferenda e manifestações: A. Oração ou prece – invocação oral dirigida a seres sobrenaturais, feita pelos adeptos do culto, guiada ou não pelos oficiantes. Pode ser de louvação, petição, súplica, agradecimento ou propiciatória (para apaziguar a ira dos deuses). É uma técnica básica de relacionamento com o sobrenatural: atitude de subordinação. Realiza-se em determinado momento, sendo acompanhada de prostrações, posturas específicas (ajoelhada, sentado, de pé, curvado), de movimentos (danças, palmas, sapateados) e de música. Pode ser simples ou elaborada, curta ou longa, casual ou formalizada, específica ou geral. As canções podem substituir as orações faladas. B. Oferenda – consiste em ofertar alguma coisa aos seres sobrenaturais: fruto de colheitas, parte da caça, da pesca ou da coleta; objetos de valor (jóias, armas, utensílios), flores, comidas, bebidas, etc. Animais e até seres humanos, são muitas vezes, sacrificados seus corpos oferecidos às divinda- des. No caso de animais, pode se oferecer: apenas o sangue e a gordura; 26UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso toda carne; preparada e cozida, colocada em um lugar especial; o animal totalmente queimado em um altar; o animal vivo. C. Manifestações – consistem em uma série de atos ou movimentos rítmicos (danças, mímicas, dramatizações), procissões, geralmente acompanhadas de cantos e música (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 166). Frisamos que nem todas as vezes a comunidade geral pode participar dos cultos, nesses momentos somente os oficiantes é que participam, em outros é aberto a todos os membros. Outros elementos podem ser sujeitos a regras específicas, ligados a idade ou ao sexo. Como no caso de mulheres ou crianças não poderem participar ou mesmo estar no local do culto. Essas regras variam e se fundamentam dentro de cada dogma em específico. Pode ter a ver com proibições justificadas, mas também pode ter ligação com o tipo de rito. Os ritos são cerimônias com determinadas funções e podem ser propiciatórios, de passagem ou transição e de iniciação. Os ritos propiciatórios estão ligados à súplica e à benevolência dos seres espiri- tuais. De acordo com Mair (1972), realiza-se uma cerimônia no sentido de levar as forças sobrenaturais a atender às necessidades de dada população. Por esse rito podemos citar como exemplo o sucesso na colheita, abastecimento de alimentos em geral, questões ligadas à saúde e sobrevivência, a chuva em períodos de estiagem, início de atividades coletivas, como a pesca etc. Um outro rito muito importante e que tem grande impacto na vida dos crentes é o de passagem ou transição. Segundo Geertz (1989), se trata de um complexo de rituais e é realizado por ocasião da passagem dos indivíduos de um estado social para outro. Tra- duzindo, quando ocorre uma importante mudança no status social. Relacionamos quatro tipos, expostos no quadro a seguir: Quadro 1 - Passagem e/ou transição • Nascimento – ritual realizado quando a criança nasce, a fim de purificar a mãe e o filho, tornando-o forte, rico e para obter proteção dos espíritos; receber um nome. • Puberdade – prática dedicada aos jovens que atingem a fase da puberdade, ou seja, quando estão aptos à procriação. O ritual pode incluir danças, isolamento, proibições, jejuns, missões (caça). Há ritos de passagem para ambos os sexos. • Matrimônio – atividade socialmente aprovada, relativa ao casamento. Inclua sua promulgação e todas as festividades próprias do casamento. 27UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso • Morte – ritual realizado por ocasião da morte de alguém. Quanto mais elevado o status de uma pessoa mais demorada e prolongada será a cerimônia ou funeral. Há choros, danças, cantos, lamentações, escarificações no corpo (para ressusci- tar o morto), comida, bebidas etc. Fonte: Geertz (1989, p. 122). Um outro rito também, não menos importante, é o de iniciação, nesse tipo de ceri- mônia vários são os motivos, desde a passagem de idade para a vida adulta, quando são promovidas festividades que podem durar dias ou semanas, incluindo atividades variadas, comidas etc. Nele o homenageado deve mostrar destreza, maturidade, capacidade etc. Existem, ainda, outros motivos, como mudança de status dentro do grupo. Um tema que devemos citar aqui dentro dos ritos é sobre os métodos utilizados no culto, dentre eles podemos citar o Ordálio e a adivinhação. Ordálio é um método ritual que comprova um testemunho. Segundo Mair (1972, p. 198), o mestre religioso recorre a poderes sobrenaturais a fim de saber se uma acusação é verdadeira ou falsa: Para obter uma resposta ele submete o litigante a testes físicos (veneno, fogo), muitas vezes perigosos, que podem ferir ou matar o trapaceiro. Se ele sair ileso, está comprovada sua inocência. O teste, às vezes, é administrado em um animal, em vez de em um ser humano. Já no método da adivinhação, o chefe religioso utiliza a adivinhação para conseguir um veredicto ou juízo, um conhecimento prévio sobre o futuro ou o desconhecido. Como apontam Marconi e Presotto (2001), o adivinho estuda as evidências (incompletas) apre- sentadas em várias manifestações ou sinais. Segundo os autores são dois os métodos utilizados: 1. Quando o adivinho manipula diferentes objetos como ossos, couros, bú- zios, conchas, vísceras de animais ou de pessoas mortas; 2. Quando ele se transforma em veículo do ser espiritual, falando e seu nome. Ex.: interpretação dos sonhos entre os índios Xavantes (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 168). Esses métodos apresentados são praticados exclusivamente pelos oficiantes, estes são, na verdade, como se fossem profissionais de determinado conhecimento sobre- natural, aptos para falar em nome de ou invocar os espíritos e todos os rituais que sejam necessários. São eles: sacerdotes, chefes religiosos, especialistas, oráculos (peritos) etc. Para melhor compreender o perfil de cada um dos oficiantes, preparamos o quadro resumo das funções: 28UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso Quadro 2 - Funções na religião A. Sacerdote – indivíduo preparado e consagrado desde a infância. Oscargos que ocupa são hereditários ou acidentais. Nesse caso, um incidente qualquer, por exem- plo, uma doença pode ser um indicativo de que o indivíduo foi escolhido pelos espí- ritos. A função do sacerdote requer longos anos de aprendizagem e de experiência para conhecer ao máximo crenças, rituais e adquirir certo grau de aptidão. Todos po- dem exercer, assim, essa função de ministro religioso, cuja autoridade sobrenatural lhe foi conferida através do culto. B. Reis adivinhos – pessoas que não só realizam cultos, mas também são objetos de culto, por serem considerados semideuses. Sua vida, alimentação, sono e outras atividades pessoais são reguladas por diferentes rituais, sendo que, muitas vezes, nem a morte pode ser natural. C. Chefes ou ministros religiosos – indivíduos com qualificações para lidar com o sobre- natural, recebendo bom preparo sobre rituais e crenças, mas que não são sacerdotes. Precisam ter aptidão e habilidades especiais e isolar-se, durante certo tempo, das ati- vidades de produção alimentícia. D. Especialistas – são os peritos em algumas atividades (caça, pesca, horticultura, agri- cultura, construções de canoas, habitações, guerra etc.) e responsáveis pelos rituais necessários ao bom empreendimento delas. E. Oráculos – são pessoas capacitadas para obter o conhecimento de agentes sobre- naturais. Frequentemente são associados a determinado culto, mas são consultados inclusive por indivíduos de outros cultos. Fonte: Marconi e Presotto (2001) Esses oficiantes, em geral, permanecem em lugares específicos e podem, em grande parte dos casos, permanecer nos santuários, onde também é sua moradia. Os santuários são construções consideradas sagradas, onde se realizam cultos, rituais e ceri- mônias. Esses locais tanto podem ser vazios ou comportar elementos constitutivos, desde mobiliário específico, objetos de culto, constituindo morada fixa ou temporária dos deuses e dos espíritos. Além dos santuários podemos também destacar os lugares sagrados, que podem compreender acidentes geográficos, vistos como morada dos espíritos ou deuses, e servem de peregrinação para os crentes. Como exemplos podemos citar: rios, lagos, picos, montanhas etc. Esses lugares são visitados em ocasiões especiais, na celebração de cerimônias, rituais, orações etc. 29UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso Raymond Firth (1974, p. 258) complementa nossa compreensão da função social da religião afirmando que consistem em: a. em elemento forte e positivo na composição e organização da vida social; b. No estabelecimento da autoridade para a crença e para a ação; c. Na provisão de significação para a ação social, fornecendo padrões e ordem [...] e permitindo a interpretação em termo de fins últimos; d. A expressão de conceitos e criação estética e de imaginação; e. Em força e ajustamento social. Quando observamos o fenômeno religioso de forma geral, podemos afirmar que ele reforça e mantém os valores culturais, ressaltando que esses mesmos valores estão ligados ao comportamento ético e moral. De acordo com Marconi e Presotto (2001), sustenta e incute normas particulares de comportamento culturalmente aprovadas, exercendo, até certo ponto, poder coercitivo. Além disso, podemos dizer também que auxilia na conservação de conhecimentos a serem transmitidos, através das cerimônias, levando em conta os procedimentos e nor- mas de conduta de uma sociedade, que são fundamentais em determinadas culturas. 30UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 2. TEORIAS DA RELIGIÃO Nossa intenção neste tópico não é a de discutir todas as teorias apresentadas até os dias atuais sobre o fenômeno religioso. No entanto apresentaremos um breve esboço do que consideramos mais substancial. Trataremos de duas linhas teóricas, a psicológica e a sociológica. As teorias psicológicas, segundo Mello (2008), de alguma forma procuram explicar o fenômeno religioso a partir dos sentimentos. Em geral, tem um caráter mais intelectualista e sofrem a influência da psicologia associacionista, como na maneira como explicita Evans-Pritchard (1978). Para Mello (2008, p. 395) “Figuram na relação apresentada das teorias psicológicas apresentadas por Evans-Pritchard, entre outras as seguintes: a escola do mito natural de tradição alemã, a crença em fantasma de Spencer, o animismo de Marret e a contribuição de Lowie”. Desta maneira, para quem pretende se aprofundar nessa corrente teórica, os autores citados, são hoje o que temos de mais importante na compreensão do fenômeno religioso na atualidade. Preparamos um quadro em que estão reunidas as essências das teorias de cada autor: 31UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso Quadro 3 - Teorias psicológicas A. Mito natural – Criada por Müller, cronologicamente, a primeira a ser anunciada. Sustenta que o homem primitivo possuía uma tendência para personificar e venerar fe- nômenos naturais: sol, lua, estrelas, rios, estações do ano, aurora, raio, trovão, chuva etc. O homem não teria criado religião, mas a beleza e a magnitude dos fenômenos da natureza despertaram nele sentimentos em relação ao infinito, à crença em divindades com poderes de dirigir a natureza. A gênese da crença seria o medo do sobrenatural. B. Animismo (alma) – desenvolvida por Tylor, significa a crença em seres espirituais ou espíritos pessoais que animam a natureza. A necessidade de compreender sonhos, alucinações, sono, vida e morte, levou o homem a acreditar na existência de um “eu” com propriedades espirituais e dotado de poderes sobrenaturais. Esses seres, essen- cialmente etéreos, são conhecidos como almas, fantasmas, assombrações, espíritos de plantas e animais, gênios, espectros, fadas, demônios, anjos, deuses etc. Trans- cendem a matéria. A base do animismo é o conceito de alma que, embora intangível, significa a força vital que anima o corpo. Quando o homem dorme, a alma vagueia; quando ela não volta, ele morre. C. Animatismo (mana, poder) – Marret e outros entenderam que havia crenças na exis- tência de um poder impessoal ou “força espiritual”, não oriunda de qualquer forma de ser. Essas forças (semelhantes ao maná dos povos da Oceania) são atributos essen- ciais de objetos vegetais, animais e de pessoas, e conferem-lhes capacidade e proprie- dade superiores aos demais de sua espécie. Não consiste em uma força vital e nem na obra dos espíritos, mas no poder de fazer coisas excepcionais, incomuns. O maná transcende o natural; está acima do âmbito das coisas ordinárias, comuns. É, portanto, sobrenatural. D. Manismo (manes, espírito dos mortos) – Para Spencer, o culto aos mortos (fantas- mas, sombras) e a veneração de seus espíritos é que deram origem à religião. E. Magia – Frazer entendeu que o homem, não sendo capaz de controlar o modo má- gico do mundo ao seu redor, acreditou na existência de forças desconhecidas, com poderes acima dos seus. Através do culto, aproximou-se delas. F. Totemismo (totem) – Frazer, Goldenweiser e outros interpretaram o totemismo como a adoração da natureza. Eram atribuídas aos animais, plantas e objetos qualidades espirituais. A crença de que alguns grupos descendem de um antepassado comum – animal, vegetal ou mineral – deu origem a uma atitude de reverência para seus repre- sentantes. Fonte: Marconi e Presoto (2001, p. 171-172). Com base no Quadro 3, pontuamos que as teorias de Tylor e Spencer são se- melhantes, pois admitem que o homem primitivo é racional, mesmo que seu estágio de 32UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso desenvolvimento não se aproxime ao nosso quanto ao processo de raciocínio. Mello (2008, p. 396) reforça que: Spencer acreditava que a primeira ou as primeiras ações religiosas conheci- das pelo homem tenham sido as de fantasmas, enquanto para Tylor acredita- va que teria sido a noção de almas. Para ambos, tais noções teriam nascido da própria consciência humana, frente aos fenômenos do sonho, da morte,da vida, das transformações naturais, todo esse conjunto teria despertado aos sentimentos do sagrado e da outra dimensão da vida. Se atentarmos para a teoria de Frazer, ela é muito semelhante ao que pregava Auguste Comte, apontando para o progresso da humanidade em três estágios, sendo: estado teológico, metafísico e positivo ou científico, daí reforçando a teoria positivista de Comte. Segundo Mello (2008), Frazer acredita que a humanidade universalmente passou por três estágios diversos: o primeiro dominado pela magia, o segundo, pela religião e finalmente, a ciência. Se por um lado Frazer não traz novos elementos, por outro ele discute algo que torna o entendimento entre magia, religião e ciência, em um nível de discussão da qual ele afirma que tanto a magia quanto a ciência realizam operações técnicas, ao contrário da re- ligião, que tem por fundamento um mundo que vai mais além e não obedece determinados critérios, ou seja, a religião exige de seus cultores uma atitude de medo e temor, respeito e dedicação. Já no caso da magia e ciência, os preceitos ou as leis são invariáveis. Uma das teorias do quadro que nos chama a atenção é a de Marret, invertendo a ordem da explicação do fato religioso, como expõe Mello (2008, p. 398): Para Marret a religião primitiva tivera início não na doutrina ou na crença, mas a doutrina teria nascido da ação. A religião selvagem não é tão pensada quanto dançada, como se percebe, Marret deu a prioridade do rito sobre o mito, exatamente ao contrário que se tinha feito até então. Logo, por essa teoria, o estado animístico existiu em um momento ou estado an- terior, mesmo antes de as pessoas interpretarem que ali existia um poder oculto. Por sua vez, a percepção desse magnetismo é que levou ao sentimento de sagrado, delegado às pessoas ou às coisas. 2.1 Teorias Sociológicas As teorias sociológicas são, na verdade, uma metodologia explicativa que divergem das teorias psicológicas, pelo fato de que a religião é entendida e vista como um fenômeno social. Segundo Mello (2008), entre os principais teóricos dessa linha estão Durkheim, Fustel de Coulanges e R. Smith, e seus seguidores são Marcel Mauss e Radcliffe-Brown. 33UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso O que caracteriza estas teorias são as interpretações sociais, de acordo com o que observa Evans-Pritchard (1978, p. 389): Notemos que Durkheim não está dizendo aqui, como fazem os autores emo- cionalistas, que os ritos são levados a efeito para liberar estados emocionais exaltados. São os ritos que produzem tais estados. Eles podem, portanto, neste aspecto, ser comparados aos ritos expiatórios como os de luto, nos quais as pessoas procuram afirmar a sua fé e cumprir um dever para com a sociedade sem que estejam sob qualquer tensão emocional; está, enfim, pode estar completamente ausente da ocasião. Verificamos a posição durkheimiana, apontada por Evans-Pritchard, mas é preciso esclarecer que essa postura, na verdade, vem de Fustel de Coulanges, mestre de Durkheim. Baseado nisso, Mello (2008) revela que Coulanges procura mostrar que a antiguidade clás- sica teve como amálgama o culto de ancestrais. Dessa maneira, podemos compreender que esses antepassados se assemelhavam a deidades que traziam unido o grupo familiar ou da linhagem de descendência. Mello (2008) indica que, para Coulanges, esse culto é que explicava a normas e cerimônias de casamento, o incesto, a monogamia, a proibição do divórcio etc. Comple- mentando essa linha de pensamento: O princípio da família antiga não é apenas a geração. Isso pode ser provado pelo fato de a irmã não ser na família o mesmo que o irmão; também o filho emancipado ou a filha casada deixam de fazer parte da família por comple- to; enfim, muitas disposições importantes nas leis gregas e romanas, que teremos ocasião de examinar mais adiante, nos induzem a pensar assim. (COULANGES, 1961, p. 54 apud MELLO, 2008, p. 34 ). Como pudemos analisar, Coulanges demonstra o papel importante que é dirigido pelo pensamento e ação religiosa dentro do dia a dia na vida social. Basicamente o autor demonstra que, apesar de racional, o homem é guiado por questões ligadas a determinados valores. Para Mello (2008), Coulanges, Robertson Smith e Durkheim tiveram um ponto em comum: acreditavam que a religião surgiu da natureza mesma, da sociedade, Smith chegou a afirmar que os ritos estavam conectados com os mitos; mas os mitos não explicavam os ritos, e sim o oposto. Ver a religião como um fato social, como propunham esses autores, pé vê-la independente das mentes individuais, é reconhecer-lhes uma existência ou preexistência aos indivíduos (MELLO, 2008, p. 400). Traduzindo, os sujeitos, ou melhor, os indivíduos, quando nascem, encontram uma religião já pronta, juntamente com seus dogmas, sua cosmovisão, seus rituais, seus cultos. Dessa maneira, a religião se impõe ao indivíduo, sendo parte importante de uma realidade social posta. Fica mais evidente ainda se observarmos o seu peso em sociedades menores, ela passa a ter um caráter muito mais abrangente. 34UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso Em resumo, se nos concentrarmos nas discussões das teorias sociológicas de Coulanges, Durkheim, R. Smith, Marcel Mauss e Radcliffe-Brown, elas se firmam entre o sagrado e o profano: R. Smith e depois Durkheim refutam o argumento de que a religião teria se originado das crenças em seres sobrenaturais. Para eles a religião iniciou-se a partir dos ritos e cerimônias (cantos e danças) que, intensificando as emo- ções, levaram os participantes ao êxtase. Essas emoções, difundidas entre os presentes, fizeram com que eles acreditassem estar tomados por poderes sobrenaturais (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 173). Portanto, sobre essa visão, a religião consiste em sentimento de solidariedade de expressão na crença coletiva, e age como uma maneira muito eficiente de fortalecer os la- ços sociais. Mello (2008) aponta que crenças e rituais simbolizam a sociedade e distinguem o sagrado do profano. Para complementar esse entendimento entre sagrado e profano, Marconi e Presotto (2001, p. 173) lembram que, para Durkheim, Sagrado – refere-se ao incomum, ao extraordinário, ao sobrenatural; gera atitudes de medo, de circunspecção, de sensação do desconhecido; Profa- no – significa o cotidiano, o natural, o comum; implica atitude de aceitação, familiaridade, do conhecido. Na verdade, atualmente os estudiosos, principalmente os antropólogos, tentam aproximar as duas correntes, psicológicas e sociológicas, no intuito de encontrar uma teoria central que agregue as duas contribuições. SAIBA MAIS A Filosofia da Religião é um ramo filosófico que investiga a esfera espiritual inerente ao homem, do ponto de vista da metafísica, da antropologia e da ética. Ela levanta questio- namentos fundamentais, tais como: o que é a religião? Deus existe? Há vida depois da morte? Como se explica o mal? Estas e outras perguntas, ideias e postulados religiosos são estudados por esta disciplina. Há uma infinidade de religiões, compostas de distin- tas modalidades de adoração, mitologias e experiências espirituais, mas geralmente os estudiosos se concentram na pesquisa das principais vertentes espirituais, como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, pois elas oferecem um sistema lógico e ela- borado sobre o comportamento do planeta e de todo o Universo, enquanto as orientais normalmente se centram em uma determinada filosofia de vida. Os filósofos têm como objetivo descobrir se o olhar espiritual sobre o Cosmos é real- mente verdadeiro. Em suas pesquisas o filósofo da religião adota como instrumentos teóricos a metodologia histórico-crítica comparativa, que contrapõe as mais diversas 35UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso religiões, espacial e temporalmente, para perceber suas semelhanças e o que as dis- tingue, logrando assim visualizar o núcleo central doseventos religiosos; a filológica, que realiza a investigação dos vários idiomas, comparando-os e buscando expressões usadas para se referir ao sagrado, estabelecendo assim o que elas têm em comum; e a antropológica, que resgata o passado espiritual dos povos ancestrais e dos contempo- râneos, seus institutos, suas convicções, seus ritos e seus valores. Cabe à Filosofia da Religião realizar uma correta associação destes distintos métodos, para assim perceber claramente o que é essencial nas religiões. Em todas as religiões vigentes no Ocidente há algo em comum, a fé em Deus. A Divin- dade é vista como um Ser sem corpo e eterno, criador de tudo que há, extremamente generoso e perfeito, todo-poderoso, ou seja, onipotente, conhecedor de tudo, portanto onisciente, presente em toda parte, melhor dizendo, onipresente. Esta é a imagem teísta de Deus, aquela que proclama sua existência. São Tomás de Aquino defende pelo menos cinco argumentos a favor da presença de Deus no Univer- so, entre eles o ontológico, o cosmológico e o do desígnio. Estas ideias foram renovadas pelos pensadores modernos Alvin Plantinga e Richard Swinburne, que tornaram estes conceitos mais complexos. A compreensão de Deus pode ser racional, portanto do âm- bito da Teologia Natural, ou percebida do ponto de vista da fé, constituindo a Teologia Revelada. Anteriormente ao século XX, a trajetória filosófica ocidental procurava explicar alguns ângulos das tradições pagãs, do judaísmo e do Cristianismo, ao passo que no Oriente, em práticas espirituais como o hinduísmo, o budismo e o taoísmo, não é fácil perceber até que ponto uma pesquisa é de natureza religiosa ou filosófica. Não é fácil para esta disciplina delimitar um objeto de estudo adequado, do ponto de vista religioso. Segundo estes filósofos, mesmo que se alcance uma caracterização correta de Deus, ainda resta encontrar uma razão para se pretender sua existência. Embora na Idade Média tenham surgido muitas teorias que se pretendem capazes de provar que Deus existe, a partir do século XVIII houve uma guinada na mentalidade humana, e muitos dos argumentos defendidos na era medieval perderam sua validade. Assim, muitos filósofos religiosos têm suas próprias prevenções contra a cultura religiosa popular, como Kant e Feuer- bach, o qual estimulou o estudo das religiões do ângulo social e antropológico destas convicções espirituais, caminho seguido até hoje por grande parte dos filósofos desta disciplina. Fonte: Santana (2016, on-line). 36UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso REFLITA “Deus não tem nenhuma religião” (Mahatma Gandhi). “Deus nos deu asas, mas as religiões inventaram gaiolas” (Ruben Alves). “Não se pode ofender, ou fazer guerra, ou assassinar em nome da própria religião ou em nome de Deus” (Papa Francisco). 37UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso CONSIDERAÇÕES FINAIS Como vimos nesta unidade, podemos compreender que as crenças religiosas se baseiam na existência de seres supremos, de algo superior, algo que seja sobre-humano, isso é de suma importância para o apelo emocional, mas também intelectual. O fenômeno da religião na verdade está associado ao sobrenatural, ou seja, tudo aquilo que foge aos sentidos concretos da humanidade, que escapa à compreensão do homem, à sua possibilidade de observação é compreendido como “sobrenatural”. Desta maneira, tal manifestação não obedece às leis naturais ou da física, portanto se posicionan- do em uma outra dimensão. O Sobrenatural, em geral, está associado ao Culto. Esse ato, na verdade, uma série de atos, estão contidos na comunicação ou na veneração com os seres sobrenaturais. O culto em si consiste em um conjunto de rituais, de crenças e divindades, associados a objetos, lugares específicos, oficiantes e crentes. O culto pode variar em sua organização, em sua estrutura e na realização, no tempo e espaço. Em geral cultuam-se espíritos ante- passados. Verificamos também nesta unidade a respeito das teorias da religião, em que existem duas correntes: a teoria psicológica e a sociológica. A primeira compreende a religião, tomando por base os sentimentos, levando em conta que esse fenômeno impreg- na o pensamento e as emoções das pessoas. Na segunda corrente, a sociológica, seus fundamentos divergem do pensamento psicológico, tomando por referencial o fato de que a religião é vista e compreendida como um fenômeno tipicamente social. O fato é que, na atualidade, as duas correntes se coadunam para formular uma teoria mais centralizada. 38UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Dossel Sagrado: Elementos para uma teoria sociológica da religião Autor: Peter L. Berger Editora: Paulus Sinopse: Este livro traz uma análise que mostra como esclarecer a frequente relação irônica entre religião e sociedade. É uma im- portante contribuição à sociologia da religião. LIVRO 2 Título: Religião e Repressão Autor: Rubem Alves Editora: Edições Loyola Sinopse: A maravilha do “sentimento religioso” – a possibilidade de admirar-se genuinamente diante do mistério da vida – só é possível ser alcançada quando são deixadas para trás as grades opressoras dos discursos dogmáticos das religiões. É especifi- camente sobre essas prisões ideológicas que trata esta obra de Rubem Alves. FILME/VÍDEO Título: Dois papas Ano: 2019 Sinopse: Buenos Aires, 2012. O cardeal argentino Jorge Bergoglio (Jonathan Pryce) está decidido a pedir sua aposentadoria, devido a divergências sobre a forma como o papa Bento XVI (Anthony Hopkins) tem conduzido a Igreja. Com a passagem já comprada para Roma, ele é surpreendido com o convite do próprio papa para visitá-lo. Ao chegar, eles iniciam uma longa conversa, debatendo não só os rumos do catolicismo, mas também afeições e peculiari- dades da personalidade de cada um. 39 Pl Plano de Estudo: ● Manifestações religiosas históricas ● As religiões Orientais e Ocidentais ● Novas religiões sobre uma nova perspectiva Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender as divisões das religiões historicamente importantes e abrangentes. ● Discutir as tendências atuais sobre os novos movimentos religiosos. UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas Professor Paulino Augusto Peres de Souza Professora Nathalia Barbosa Limeira Professor Marcos Roberto Mantovani 40UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas INTRODUÇÃO Como verificamos até o momento, as manifestações religiosas estão presentes desde os primórdios, já com os homens das cavernas. Nossa discussão nesta unidade vem apresentar as principais manifestações religiosas universais e suas estruturas básicas. Veremos as religiões Ocidentais e Orientais. Compreenderemos também as religiões divi- didas em três categorias: as religiões primais, religiões nacionais e religiões mundiais Em seguida faremos uma discussão sobre os dias atuais e as tendências religiosas que estão em ascensão. 41UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 1. MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS HISTÓRICAS Ao abordarmos esse tema, se torna muito difícil resumir as manifestações históri- cas pela grande quantidade e influência que tiveram em sua sociedade à época e traços culturais que nos influenciam até os dias atuais. De qualquer forma, vamos tentar organizar nossa atenção em grandes correntes religiosas mundiais que consideramos fundamentais. É preciso compreender, em primeiro lugar, as religiões, juntamente com o tipo de sociedade. Para Geertz (1989), as ciências da religião tentam dividir as religiões em três categorias, que, de certa forma, coincidem com três tipos distintos de sociedade. São elas: as religiões primais, religiões nacionais e religiões mundiais. A primais são aquelas que os estudiosos costumam chamar de religiões primitivas, verificadas em culturas ágrafas, como ocorre com povos tribais na América,na Ásia, África, Polinésia. Sua marca mais característica, segundo Mello (2008), é a crença numa miríade de forças, deuses e espíritos que controlam a vida cotidiana. Também o culto dos antepassados e ritos de passagem desempenham um papel importante. Em geral, de acordo com Gaarder, Hellern e Notaker (2005), a comunidade religiosa não se separa a vida social e o sacerdócio normalmente é sinônimo de liderança política da tribo. No caso das religiões nacionais, encontramos uma grande quantidade de religiões, inclusive, já extintas em alguns casos, que historicamente fizeram ou fazem parte do contexto social e cultural dessas nações, como exemplo: egípcia, grega, assírio-libanesa, germânica etc. De acordo com Geertz (1989, p. 112), 42UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas É típico das religiões nacionais adotar o politeísmo, uma série de deuses organizados em um sistema de hierarquia e funções especializadas. Elas têm um sacerdócio permanente, encarregado dos deveres rituais em templos construídos para esse fim. Há sempre uma mitologia bem desenvolvida, o culto sacrificial é básico, e os deuses é que escolhem o líder da nação. Pelos traços apresentados, podemos nos recordar imediatamente o que aprende- mos na escola sobre a civilização grega, ou mesmo egípcia, sua mitologia, política. Toda a organização social e todo perfil cultural daquelas civilizações estavam diretamente ligadas à religião. Percebe-se que somos influenciados, até hoje, pela tradição da cultura Clássica. Por fim, as religiões mundiais, que pretendem ter uma validade global, ou seja, uma validade para todas as pessoas. Podem ser chamadas também de religiões univer- sais. Conforme Mello (2008), a principal característica das religiões universais, surgidas no Oriente Médio, é o monoteísmo: elas têm somente um Deus. Nesse modelo de religião há como ponto principal a relação do indivíduo com Deus, ao que se refere inclusive, além da obediência aos preceitos filosóficos, à possibilidade de salvação. Gaarder, Heellern e Notaker (2005) explicam que o papel do sacrifício é bem menos proeminente nelas do que nas religiões nacionais, ao passo que o da oração e meditação é mais importante. Essas religiões têm um grande peso e tradição histórica e foram fundadas por profetas, como Buda, Moisés, Lao-Tsé, Jesus, Maomé. Para Gaarder, Heellern e Notaker (2005, p. 41), Devemos ressaltar que os limites entre esses tipos de religião são fluidos. As religiões nacionais muitas vezes constituem evoluções que acompanharam o desenvolvimento geral da sociedade (ao passar de uma sociedade tribal para Estado Nacional). Assim também certas religiões mundiais emergiram das religiões nacionais, como um protesto contra determinados aspectos de seu culto e de suas concepções religiosas. Como exemplo podemos citar o Catolicismo, uma religião universal, que surgiu dos protestos contra o culto religioso romano, tendo por seu mártir Jesus, que, na verdade era Judeu, mas que funda o início de uma nova religião da qual se congregam elementos do judaísmo e do nacionalismo romano. Há várias formas de religião e são muitos os modos que vários estudiosos utilizam para classificá-las. Porém há características comuns às religiões que aparecem com maior ou menor destaque em praticamente todas as divisões. A primeira dessas características é cronológica, pois as formas religiosas predominantes evoluem através dos tempos, nos sucessivos estágios culturais de qualquer sociedade. Outro modo é classificá-las de acordo com sua solidez de princípios e sua profundidade filosófica, o que irá separá-las em religiões com e sem Livros Sagrados. 43UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas Pessoalmente, como estudiosos do assunto, preferimos uma classificação que leva em conta essas duas características, e divide as religiões nos seguintes quatro grandes grupos: PANTEÍSTAS MONOTEÍSTAS POLITEÍSTAS ATEÍSTAS Nessa divisão há uma ordem cronológica. As religiões Panteístas são as mais antigas, dominando em sociedades menores e mais “primitivas”. Tanto nos primórdios da civilização mesopotâmica, europeia e asiática, quanto nas culturas das Américas, África e Oceania. As religiões Politeístas por vezes se confundem com as Panteístas, mas surgem num estágio posterior do desenvolvimento de uma cultura. Quanto mais a sociedade se torna complexa, mais o Panteísmo vai se tornando Politeísmo. Já as Monoteístas são mais recentes e, atualmente, as mais disseminadas. O Monoteísmo, quantitativamente, ainda domina mais de metade da humanidade. Embora possa parecer estranho, existem religiões Ateístas, que negam a existên- cia de um ser supremo central, embora possam admitir a existência de entidades espirituais diversas. Essas religiões geralmente surgem como uma reação a um sistema religioso Monoteísta ou pelo menos Politeísta, e em muitos aspectos se confunde com o Panteísmo, embora possua características exclusivas. Essa divisão também traça uma hierarquia de rebuscamento filosófico nas reli- giões As Panteístas, por serem as mais antigas, não têm Livros Sagrados ou qualquer estabelecimento mais sólido do que a tradição oral, embora, na atualidade, o renascimento panteísta esteja mudando isso. Já as politeístas, muitas vezes, possuem registros de suas lendas e mitos em versão escrita, mas nenhuma possui uma revelação propriamente dita. Isto é um privilégio do Monoteísmo. Todas as grandes religiões monoteístas possuem sua Revelação Divina em forma de Livro Sagrado. As Ateístas também possuem seus livros guias, mas, por não acreditarem num Deus pessoal, não têm o peso dogmático de uma revelação divina, sendo vistas, em geral, como tratados filosóficos. Vejamos alguns quadros comparativos: 44UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas Quadro 1 - Épocas de surgimento e predomínio PANTEÍSMO: As mais antigas, remontando à pré-história, em que tinham predomi- nância absoluta. Também presentes em muitos dos povos silvícolas das Américas, África e Oceania. POLITEÍSMO: Surgem num estágio posterior de desenvolvimento social, tendo sido predominantes na Idade Antiga em todo o velho mundo, mesmo nas civilizações mais avançadas das Américas pré-colombianas. MONOTEÍSMO: Mais recentes, surgindo a partir do último milênio a.C. e predominan- do da Idade Média até a atualidade. ATEÍSMO: Surgem a partir do século V a.C., tendo vingado somente no Oriente. No Ocidente ressurge somente após a renascença, numa forma mais filosófica que religiosa. Neo PANTEÍSMO: Embora possuam representantes em todos os períodos históricos, popularizam-se ou surgem a partir do século XVIII. Fonte: XR (s.d.). Quadro 2 - Base literária PANTEÍSMO: Próprias de culturas ágrafas, não possuem, em geral, qualquer forma de base escrita, sendo transmitidas por tradição oral. POLITEÍSMO: Nas sociedades letradas, possuem, frequentemente, registros lite- rários sobre seus mitos e, mesmo nas ágrafas, possuem tradições icônicas mais elaboradas. MONOTEÍSMO: Possuem Livros Sagrados definidos e que padronizam as formas de crença, servindo como referência obrigatória e trazendo códigos de leis. São tidos como detentores de verdades absolutas. ATEÍSMO: Possuem textos básicos de conteúdo predominantemente filosófico, não possuindo, entretanto, força dogmática arbitrária, ainda que sen- do também revelado por sábios ou seres iluminados. Neo PANTEÍSMO: Seus textos são, em geral filosóficos, embora possuam mais força doutrinária, não incorrendo, porém, em dogmas arbitrários. Fonte: XR (s.d.). 45UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas Quadro 3 - Mitologia PANTEÍSMO: Deus é o próprio mundo, tudo está interligado num equilíbrio ecossistê- mico e místico. Crê-se em espíritos e, geralmente, em reencarnação. É comum também o culto aos antepassados.Procura-se manter a harmo- nia com a natureza e o mundo comumente é tido como eterno. POLITEÍSMO: Diversos deuses criaram, regem e destroem o mundo. Se relacionam de forma tensa com os seres humanos, não raro hostil. As lendas dos deuses se assemelham a dramas humanos, havendo contos dos mais diversos tipos. MONOTEÍSMO: Um Ser transcendente criou o mundo e o ser humano, há uma relação paternal entre criador e criaturas. Na maioria dos casos, um semideus se rebela contra o criador, trazendo males sobre todos os seres. Messias são enviados para conduzir os povos, profetiza-se um evento renovador violento no final dos tempos, quando a ordem será restaurada pela di- vindade. ATEÍSMO: O Universo é uma emanação de um princípio primordial “vazio”, um Não-Ser. Crê-se na possibilidade de evolução espiritual por meio de um trabalho íntimo. Crê-se em diversos seres conscientes, dos mais varia- dos níveis e, geralmente, em reencarnação. Neo PANTEÍSMO: Acredita-se, em geral, no Monismo, uma substância única que permeia todo o Universo em um Ser único. São, em geral, reencarnacionistas e evolutivas. A desatribuição de qualidades do Ser supremo por vezes as confunde com o Ateísmo. Fonte: XR (s.d.). Quadro 4 - Símbolos PANTEÍSMO: Utilizam, no máximo, totens e alguns outros fetiches, é comum o uso de vegetais, ossos ou animais vivos ou mortos. POLITEÍSMO: Surgem os ídolos zoo ou antropomórficos na forma de pinturas e es- culturas em larga escala. A simbologia icônica se torna complexa em alguns casos, resultando em formas de escrita ideográfica. MONOTEÍSMO: O Deus supremo geralmente não possui representação visual, mas os secundários sim. Utilizam símbolos mais abstratos e de significados complexos. ATEÍSMO: O Não-Ser supremo não pode ser representado, mas há muitas retra- tações dos seres iluminados. Há vários símbolos representativos da natureza e metafísica do Universo. 46UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas Neo PANTEÍSMO: Diversos símbolos e mitos de diversas outras religiões são resgata- dos e reinterpretados, também não há representação específica do Ser Supremo, mas pode haver de outros seres elevados. Fonte: XR (s.d.). Quadro 5 - Rituais PANTEÍSMO: Geralmente ligados à natureza e ocorrendo em contato com esta. É co- mum o uso de infusões de ervas, danças, oráculos e cerimônias ao ar livre. POLITEÍSMO: Passam a surgir os templos, embora, em geral, não abandonem total- mente os rituais ao ar livre. Em muitos casos ocorrem os sacrifícios hu- manos, oráculos e as feitiçarias de controle ambiental. MONOTEÍSMO: Geralmente restritas aos templos, as hierarquias ritualistas são mais rí- gidas, não há oráculos pessoais, mas sim profecias generalizadas com base no livro sagrado. Não há rituais de controle ambiental. ATEÍSMO: Embora ainda comuns nos templos, são também frequentes fora des- tes. Desenvolvem-se técnicas de concentração, meditação e purificação mais específicas, baseadas, antes de tudo, no controle dos impulsos e emoções. Neo PANTEÍSMO: Em geral baseados no uso de “energias” da natureza. Não mais têm in- fluência nos processos civis, sendo restritos a curas, proteção contra ameaças físicas e extrafísicas. Fonte: XR (s.d.). Quadro 6 - Exemplos PANTEÍSMO: Religiões silvícolas, xamanismo, religiões célticas, druidismo, amazô- nicas, indígenas norte americanas, africanas etc. POLITEÍSMO: Religião Grega, Egípcia, Xintoísmo, Mitologia Nórdica, Religião Azte- ca, Maia etc. MONOTEÍSMO: Bhramanismo, Zoroastrismo, Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, Sikhismo. ATEÍSMO: Orientais: Taoísmo, Confucionismo, Budismo, Jainismo. Ocidentais: Filosofias Neo Plantônicas, Ateísmo Filosófico (Não Reli- gioso) Neo PANTEÍSMO: Espiritismo Kardecista, Racionalismo Cristão, Neo Gnosticismo, Teo- sofia, Wicca, “Esotéricas” etc. Fonte: XR (s.d.). 47UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 2. AS RELIGIÕES ORIENTAIS E OCIDENTAIS Antropólogos, principalmente, e outros estudiosos das religiões tentaram classificar as religiões mundiais em dois tipos: orientais e ocidentais. Nessa tentativa, consideraram ocidentais: o judaísmo, o islã e o cristianismo. No caso das religiões orientais, seriam consideradas: o hinduísmo, o budismo e o taoísmo. Vejamos no Quadro 7 algumas carac- terísticas: Quadro 7 - Características religiosas orientais e ocidentais OCIDENTAL ORIENTAL Visão histórica Visão linear da história, isto é, a história tem um começo e um fim; o mundo foi criado num certo ponto e um dia irá terminar. Visão cíclica da história, isto é, a história se repete num ciclo eter- no e o mundo dura de eternidade a eternidade. Conceito de Deus Deus é criador; Ele é todo-pode- roso e é único. O monoteísmo é tipicamente ocidental. O divino está presente em tudo. Ele se manifesta em muitas divin- dades (politeísmo) ou como uma força impessoal que permeia tudo e a todos (panteísmo) Noção de humanidade Há um abismo entre Deus e o ser humano, entre o criador e a cria- tura. O grande pecado é o homem desejar se transformar em Deus em vez de se sujeitar à vontade de Deus. O homem pode alcançar a união com o divino mediante a ilumina- ção súbita e o conhecimento. 48UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas Salvação Deus redime o ser humano do pe- cado, julga e dá a punição. Existe a noção de vida após a morte, no céu ou no inferno. A salvação é se libertar do eterno ciclo da reencarnação da alma e do curso da ação. A graça vem por meio de atos de sacrifício ou do conhecimento místico Ética O fiel é um instrumento da ação divina e deve obedecer à vontade de Deus, abandonando o pecado e a passividade diante do mal. Os ideais são passividade e a fuga do mundo. Culto Orar, pregar, louvar Meditação, sacrifício Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 42). Apesar de classificados e identificados seus principais fundamentos, as religiões mais tradicionais e universais são fruto da própria dinâmica que tiveram origem, deram sentido e espaço para mudanças. Nelas vemos uma adequação com o meio de vida nas sociedades mais complexas e urbanas. Essas são respostas práticas de que o papel da religião nas sociedades acompa- nha e sofre com os processos de mudança cultural e nela está envolvida uma nova visão sobre valores, regras, normas que vêm de encontro com a visão de mundo das pessoas. Neste sentido, percebe-se que mesmo tais religiões históricas, mantendo-se em seus principais fundamentos, na atualidade, dividem com as novas religiões seus mem- bros, que fortalecem um movimento contínuo da renovação do fenômeno religioso. Vamos debater este tema a seguir. 2.1 Novas Religiões sobre uma Nova Perspectiva Se nos atentarmos aos processos avançados da industrialização e da tecnologia, ao avanço da ciência na atualidade, notamos novas tendências e novas explicações religiosas. Mesmo que as religiões se mantenham vivas, percebemos cada vez mais, principalmente nos meios urbanos e sociedades complexas, áreas cada vez maiores da vida social e cultural escapando às influências religiosas. Para Gaarder, Hellern e Notaker (2005), além dos princípios religiosos terem per- dido influência na vida social, também os conceitos éticos ensinados pelas religiões não afetam mais as questões sociais. Esse processo é conhecido por secularização. Notamos no nosso dia a dia que esses fatos têm favorecido novos comportamentos e efeitos diversos sobre as pessoas. Alguns ainda mantêm sua crença religiosa, no entanto, é visível que há uma linha divisória entre a religião e a ciência. Alguns mantém a fé e 49UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas ao mesmo tempo a consciência científica, outros ainda podem se revelar como ateus ou agnósticos: Será que somos menos religiosos hoje do que éramos cinquenta anos atrás? Não é fácil responder. Na Europa, durante muito tempoa religião pareceu de- sempenhar um papel menos influente na vida das pessoas. Porém, na esteira da descristianização, apareceram novos movimentos religiosos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 272). Fica claro que estão ocorrendo mudanças profundas e inevitáveis, e que, portanto, mesmo que a religião ainda seja um fenômeno muito presente, ela também passa por um processo de mudanças, inclusive estruturais. Percebe-se que, atualmente, a luta não é somente pelo processo de descristianização, mas também contra uma série de diferentes tendências religiosas, algumas muito em voga, como o esoterismo. “Tornou-se comum falar de uma ‘nova espiritualidade’. Por exemplo, na Dinamarca há mais líderes em tempo integral dentro de vários movimentos religiosos novos do que padres na Igreja cristã dinamarquesa” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 272). A nova espiritualidade engloba tendências e reestabelece uma nova roupagem, muitas vezes a antigas religiões, como novas companhias missionárias do hinduísmo e do budismo. A cada dia verificamos novas seitas cristãs e também seitas que não são cristãs, mas que adotam, para si, um conjunto de conceitos de várias religiões, inclusive de religiões de muita tradição, como o próprio judaísmo. Em outros casos ainda um novo modelo de esoterismo muito parecido com antigas religiões que misturam rituais de magia, mas ao mesmo tempo conceitos de ciência moderna. Porém é mister que não nos apeguemos às denominações, mas sim no cerne central de novas tendências religiosas, as tendências esotéricas e os movimentos alterna- tivos. De acordo com Gaarder, Hellern e Notaker (2005), parte do contexto histórico desses novos movimentos foi a revolução da juventude da década de 1960, quando foram lançadas bases para novos grupos religiosos, também um renovado interesse pelo esoterismo e os movimentos hoje conhecidos por alternativos. Vejamos no Quadro 8 alguns elementos que aparecem nos novos movimentos religiosos: 50UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas Quadro 8 - Tendências religiosas/esotéricas Normalmente foram fundados por alguém com forte personalidade, que teve uma re- velação da divindade e se sente chamado a liderar a Igreja. Pode ser uma “figura mes- siânica” a quem as pessoas recorrem em épocas de crise espiritual, cultural ou políti- ca. Também podem ser como em vários elementos inspirados no hinduísmo, um guru (mestre religioso) que exige a completa obediência e devoção aos seus discípulos. O guru não é necessariamente divino, mas representa o divino. Os novos movimentos religiosos afirmam que são universais e aplicáveis a todos, e veem em si como a “religião das religiões”. Costumam afirmar que é na verdade a síntese de todas as grandes religiões do mundo – e transformaram Moisés, Jesus, Maomé, Krishna e Buda em seus precursores. Com frequência, a ideia é de que as velhas religiões já esgotaram seus papéis, pois cada uma em si só, contém somente uma fração da verdade. Dá-se realce à experiência interior, considerada mais importante que o dogma ou as formalidades externas. Usualmente há nesses movimentos um elemento de revolta contra o status quo religioso ou contra a liderança religiosa. Eles desafiam as normas correntes e as práticas religiosas estabelecidas, e em casos extremos chegam até a infringir a lei. A experiência interior, segundo eles, propicia uma libertação total, que promove a tranquilidade, a harmonia e a felicidade. O indivíduo pode encontrar a si mesmo. É justamente isso que a moderna sociedade precisa; é a solução para todos os problemas internos e externos. Alguns grupos res- saltam que não se trata de religião, mas de uma forma de conhecimento e compreen- são total e repentina. É uma questão de alcançar a experiência interior correta. Os membros do movimento costumam manifestar um fervor na fé e um zelo religioso tais que são levados a devotar todas as suas energias à seita ou movimento. O indiví- duo pode deixar sua casa – para viver em uma pequena comuna – assumir um novo nome ou abandonar seu emprego, seus estudos etc. Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 275). Como vimos no quadro, as novas religiões mantêm, de certa forma, uma seme- lhança com as grandes e tradicionais religiões mundiais, expondo seus conceitos, cultos e organização. Ainda é importante compreender que as religiões podem experimentar trocas e a essas trocas chamamos sincretismo. Historicamente é conhecido o surgimento de novas religiões no decorrer dos tempos, se levarmos em conta que as grandes religiões mundiais sofreram mudanças profundas, divisões, tendo como resultado, em muitas delas, o sur- gimento de novas religiões totalmente distintas de sua raiz de origem. Em outros casos, 51UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas somente houve o surgimento de novas igrejas, novas comunidades, mantendo-se o dogma central. O fato que nos chama a atenção, no entanto, é o sincretismo religioso. Gaarder, Hellern e Notaker (2005, 274) nos revelam que “Uma característica típica das diversas orientações religiosas novas que vem surgindo é o que se conhece por sincretismo: a seita ou comunidade religiosa contém elementos de várias religiões diferentes”. Se formos buscar na história, veremos que não há nada de muito novo. Como exemplo podemos citar a época do Império Romano que, em função sua expansão, acabou colocando em contato várias culturas diferentes que fizeram surgir novas religiões que tinham o mesmo procedimento, citado anteriormente, portanto, sincretismo também. Mas uma coisa que nos chama a atenção é justamente a característica dos novos grupos – a exigência de que o indivíduo se entregue por inteiro, rompendo qualquer laço com sua vida anterior. Para Mello (2008), a pessoa morre em sua antiga vida e renasce dentro da nova seita. Não basta ser simpatizante. Segundo Gaarder, Hellern e Notaker (2005), com fre- quência o indivíduo deve doar tudo que possui e muitos já se viram destituídos de tudo depois de um encontro com um desses novos movimentos religiosos. A seita inicia apresentando questões existenciais bastante conhecidas, principal- mente as que afetam as pessoas em um limiar da vida adulta, e o diagnóstico é quase sempre certeiro. Essas seitas anunciam e apontam as coisas erradas nessa sociedade moderna e que, portanto, não se vive uma vida autêntica. Para alcançar a plenitude é preciso preencher o vazio e a falta de sentido para a existência. Numerosos membros, dizem eles, estavam desestruturados pelo álcool ou pelas drogas quando foram recrutados. Mas há algo capaz de trazer uma renovação de tudo: a nova religião. Basta apenas aderir a ela e se comprometer. Se depois disso o novato tenta voltar para sua vida anterior, seus “padrinhos” na seita podem dificultar extremamente as coisas para ele (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 276). Note que se lembrarmos das discussões da Unidade II, veremos uma condição em que a teoria psicológica e sociológica se coadunam para poder explicar o processo de crença e de fé, como ocorre nesse indivíduo. Logo, uma teoria central seria emergencial para a compreensão desses novos grupos religiosos. Outra expressão religiosa se expressa em tendências esotéricas. Se formos buscar na raiz da palavra e o que ela engloba, perceberemos que esoterismo é tão abrangente quanto o termo religião. Nela concentra-se astrologia, espiritismo, ufologia, parapsicologia, variadas formas de magia, clarividência, teosofia e antroposofia. 52UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas Esse fenômeno vem crescendo substancialmente desde as últimas décadas do século passado, no mundo todo, explicando, em partes, a generalização da secularização. Mesmo que essas tendências esotéricas não levem necessariamente à criação de novos organismos religiosos, a crença em ideias ocultistas exercem grande poder sobre o com- portamento humano, tomando, muitasvezes, uma grande parte de sua filosofia de vida. Como sabemos, o esoterismo não é um fenômeno novo, pelo contrário, foi uma das primeiras formas, juntamente com a religião propriamente dita, observada nos primeiros grupos humanos. Ela se manterá quase que em um paralelo e convivendo com as religiões desde a Antiguidade, passando pela Idade Média e chegando renovada até os dias atuais. Dentre as tendências esotéricas, podemos citar três mais evidentes: astrologia, espiritismo e a ufologia. Vejamos a seguir cada uma delas no quadro resumo: Quadro 9 - Expressões esotéricas Astrologia – tradição esotérica mais significativa na história europeia. Também a mais difundida das tendências ocultistas de hoje. Suas raízes se encontram na Mesopotâmia de 2000 a.C. Foi refinada depois dentro das culturas babilônica, grega e romana, e teve sua idade de ouro no início da época moderna, do século XIV ao XVI. Sua crença se resume no fato de que há uma correlação entre a posição dos astros e a vida humana individual. Hoje, assim como no período medieval, muitas pessoas acreditam que sua vida e personalidade – até mesmo o curso dos acontecimentos mundiais – são influen- ciadas pelas posições relativas das estrelas e planetas no céu. De particular relevância é o mapa astral, isto é, aspecto celestial no momento do nascimento. Espiritismo – é a crença num mundo dos espíritos e na possibilidade de os vivos entra- rem em contato com os espíritos dos mortos. Realizam-se sessões durante as quais os chamados médiuns afirmam transmitir mensagens de um espírito. Isto também pode ser feito por meio da chamada “escrita automática” ou “psicografia”, em que um espírito controla a caneta do médium e dessa forma se comunica com os vivos. A ideia de que os mortos continuam a viver e que se pode estabelecer contato com eles é bastante an- tiga, e teve representação especialmente clara nas religiões que chamamos de primais. 53UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas Ufologia – uma tendência mais moderna dentro do esoterismo é a crença na existência de seres inteligentes em outros sistemas solares. Esses seres visitariam continuamen- te nosso planeta em discos voadores ou OVINIs (Objetos Voadores não Identificados, expressão do jargão dos pilotos americanos; em inglês a sigla é UFOs, Unidentied Flying Objects). Muitas pessoas dizem que já viram seres do espaço – ou seja, que tiveram um encontro imediato de terceiro grau. Outras relatam que entraram em conta- to com seres do espaço sideral durantes sessões espíritas. Essa crença se tornou tão forte, em especial nos Estados Unidos, que deve ser considerada um novo movimento religioso. Existem igrejas dirigidas aos OVINIs também em outras partes do mundo. George Adamski é um profeta que viaja pelo mundo contando suas conversas com seres de Vênus. Ele crê que o mundo esteja à beira de uma guerra atômica e que al- gumas pessoas serão salvas e levadas para uma outra estrela do universo, em uma visão moderna da história da Arca de Noé. Os livros de Erich von Däniken se concen- tram mais no passado e, segundo sua teoria diversos enigmas históricos só podem ser explicados se aceitarmos que a Terra foi visitada por astronautas de civilizações mais adiantadas vindas do espaço sideral. Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 277-280). Outra categoria trata-se dos movimentos alternativos. Muito profuso desde meados dos anos 60 do século passado, muitos movimentos podem ser considerados neste rol, e ele surge como uma reação às igrejas estabelecidas, à ciência oficial e ao status quo. O ponto de vista que pregam muitas vezes é deveras impactante e apresentamos no Quadro 10 algumas das características mais evidentes: Quadro 10 - Expressões religiosas alternativas Profunda desconfiança do materialismo – uma reação ao ponto de vista materialista e também à ciência aplicada, que levou ao acúmulo de armas atômicas e a ameaça am- biental na Terra. O materialismo é prejudicial ao corpo e à mente, ano nosso ambiente físico e a nossa cultura como um todo. Dá-se ênfase a valores espirituais mais profundos, muitos inspirados pela filosofia orien- tal. Mais e mais pessoas estão se voltando para o carma e a reencarnação, ou para a interação entre o yin e yang, de maneira totalmente independente. Da mesma forma, o interesse pela meditação e pela ioga cresceu bastante nas últimas décadas – mais ou menos isolado de seu contexto religioso. Os astrólogos creem que estamos rumando para uma “nova era” (a Era de Aquário), a qual se caracterizará por uma orientação muito mais espiritual. Tais ideias, originalmente enraizadas num contexto religioso, per- mitem-nos falar de uma nova “espiritualidade universal”. 54UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas Muitas pessoas estimuladas também por um novo conhecimento. Várias ciências tradi- cionais entraram em crise neste século, entre elas a física clássica e a física materialis- ta. Contudo, em geral as conclusões que as pessoas tiram desse “novo conhecimento” vão muito além do que os especialistas achariam aceitável. O movimento da “Nova Era”, que surgiu na Califórnia, acredita que todo nosso processo científico de pensa- mento está prestes a passar por uma “mudança de paradigma”, isto é, uma mudança fundamental para a própria natureza do pensamento científico. Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 280-281). Além dos citados, muitas outras tentativas são observadas para se encontrar novas alternativas ou novos canais para o pensamento da saúde e da medicina. De acordo com o que é observado na mídia atual, a medicina tradicional ou acadêmica pode ser substituída pela homeopatia ou ainda a naturopatia. Como exemplos concretos verificamos o grande grau de procura e de interesse pela acupuntura, análise da aura, curas espirituais, entre outros. Também muito comum dentro dos movimentos alternativos é o interesse pela pa- rapsicologia, área que se dedica ao estudo dos fenômenos extrassensoriais, dentre elas a telepatia. De acordo com Gaarder, Hellern e Notaker (2005), em várias regiões do mundo a parapsicologia é hoje uma disciplina científica séria, mas também é ponto pacífico para muita fraude. Outros movimentos alternativos buscam no holismo (do grego Holos, “total”, “intei- ro”), se crê que essa será uma nova visão científica, em que o todo afeta as partes. Cada órgão dentro do indivíduo é parte de um sistema ecológico, e nosso planeta tem uma relação orgânica com o resto do universo (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Frisamos que essa também não é uma tendência totalmente nova, pois já existia de certa maneira na Antiguidade. O que fica claro em todos esses modelos apresentados é que os movimentos alter- nativos têm foco central baseado na mudança, na forma de pensar. Principalmente buscam uma nova forma ou um novo estilo de vida, compreendendo que os modelos de vida na atualidade estão errados e em desacordo com o que deveria ser. 55UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas SAIBA MAIS Aprender sobre religião nos desmascara os preconceitos religiosos. Muitos líderes re- ligiosos no Brasil, por exemplo, criticam as religiões de matriz africana, acusando-as de serem demoníacas. Esses mesmos líderes parecem não atribuir o mesmo caráter demonificado ao personagem Thor dos filmes da Marvel. Ora, tanto os orixás da um- banda e candomblé quanto Thor, que foi inspirado na mitologia nórdica, são e/ou foram expressões religiosas. Entretanto, Thor, um personagem europeu, nórdico e loiro, não sofre um processo de demonização sofrido pelos orixás negros da umbanda. Aqueles que demonizam Ogum e Iemanjá desprezam o fato que essas divindades exigiam de seus seguidores sacrifícios animais, enquanto Thor exigia sacrifícios humanos. Fonte: os autores. REFLITA “A Religião é um sentimento ou uma sensação de absoluta dependência” (Friedrich Schleiermacher). 56UNIDADE III Manifestações ReligiosasHistóricas e Contemporâneas CONSIDERAÇÕES FINAIS Nessa unidade foi possível verificar que as ciências da religião tentam dividir as religiões em três categorias e, de certa forma, coincidem com três tipos distintos de socie- dade, as religiões primais, religiões nacionais e religiões mundiais. A primais são aquelas que os estudiosos costumam chamar de religiões primitivas. Em seguida estudamos as religiões nacionais, das quais encontramos uma grande quantidade de religiões, inclusive já extintas em alguns casos, que historicamente fizeram ou fazem parte do contexto social e cultural dessas nações. Por fim, as religiões mundiais, que pretendem ter uma validade global, ou seja, uma validade para todas as pessoas. Podem ser chamadas também de religiões universais. Notamos também no decorrer da unidade que a modernidade tem favorecido novos comportamentos e efeitos diversos sobre as pessoas. Alguns ainda mantêm sua crença religiosa, no entanto é possível observar uma linha divisória entre a religião e a ciência. Assim, percebemos uma nova tendência para os fenômenos religiosos, dos quais dividimos em três categorias: o sincretismo, o esoterismo e movimentos alternativos. Compreendemos que parte do contexto histórico desses novos movimentos foi a revolução da juventude da década de 1960, quando foram lançadas bases para novos grupos religiosos, também um renovado interesse pelo esoterismo e os movimentos hoje conhecidos por alternativos. Essas abordagens nos abrem espaço para, na próxima unidade, debatermos sobre o pluralismo religioso. Vamos aos estudos então. 57UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: O futuro da religião na sociedade Global Autor: Alberto Silva Moreira, Irene Dias de Oliveira (Orgs.) Editora: Paulus. Sinopse: O tema gerador deste livro é a necessidade de um olhar multicultural para o futuro que a sociedade global reserva à religião. O debate sobre o presente e as tendências que se prospectam para o fenômeno religioso, no acelerado processo de globalização em que vivemos, envolve pesquisadores do mundo inteiro que, desde as especificidades de cada ciência e de cada país ou região, procuram compreender um fenômeno de alcance global. LIVRO 2 Título: Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente Autor: Edward W. Said Editora: Cia das Letras Sinopse: Neste livro, de 1978, um clássico dos estudos culturais, Edward W. Said mostra que o “Oriente” não é um nome geográfico entre outros, mas uma invenção cultural e política do “Ocidente” que reúne as várias civilizações a leste da Europa sob o mesmo signo do exotismo e da inferioridade. FILME/VÍDEO Título: A Cruzada Ano: 2005 Sinopse: Balian (Orlando Bloom) é um jovem ferreiro francês, que guarda luto pela morte de sua esposa e filho. Ele recebe a visita de Godfrey de Ibelin (Liam Neeson), seu pai, que é também um conceituado barão do rei de Jerusalém e dedica sua vida a manter a paz na Terra Santa. Balian decide se dedicar também à essa meta, mas após a morte de Godfrey ele herda terras e um título de nobreza em Jerusalém. Determinado a manter seu juramento, Balian decide permanecer no local e servir a um rei amaldiçoado como cavaleiro. Paralelamente ele se apaixona pela princesa Si- bylla (Eva Green), a irmã do rei. 58 Plano de Estudo: ● A pluralidade no contexto religioso ● O diálogo inter-religioso ● Tolerância e Ética Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender o processo do pluralismo religioso ● Discutir a tolerância e o diálogo inter-religioso UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso Professor Paulino Augusto Peres de Souza Professora Nathalia Barbosa Limeira Professor Marcos Roberto Mantovani 59UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso INTRODUÇÃO Desde o iluminismo, vemos uma sociedade que busca pela liberdade de expressão, por um estado laico e que foge cada vez mais aos dogmas religiosos. Por outro lado, essa mesma sociedade não abandona a espiritualidade, pelo contrário, com o pluralismo vieram novas ideias e novos ideais, dentre eles a derrubada do monopólio religioso em prol de novas tendências religiosas. Nesta unidade iremos discutir esse tema e também sobre os desafios do diálogo inter-religioso, a posição dos direitos humanos frente às perspectivas das grandes religiões e também sobre a tolerância religiosa, na busca de uma ética universal nesse sentido. 60UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 1. A PLURALIDADE NO CONTEXTO RELIGIOSO Nossa sociedade está em constantes transformações sociais. Já no fim da idade média e início da modernidade o mundo vinha passando por grandes mudanças que afeta- ram nossas vidas, fazendo com que nossa história seja escrita com novos episódios, dentre eles o pluralismo religioso, uma vez que vivemos em uma grande diversidade religiosa. Podemos afirmar que a modernidade nos encaminhou para um fenômeno social que desencadeou o processo de pluralidade, transformando o comportamento dos homens na sociedade. Historicamente, desde o advento do iluminismo cultural europeu do século XVIII, a sociedade ocidental recebeu novas compreensões e esclarecimentos para tratar os proble- mas sociais fora dos vieses da igreja. Com a razão dominando o cenário, novas perspectivas surgem em diversos setores da sociedade que iniciam o processo de secularização: O movimento iluminista depositava uma imensa fé na capacidade de a huma- nidade utilizar-se da razão e assim progredir. Advogar que, utilizando-se da razão, os seres humanos podiam melhorar sua condição levou ao surgimento de um grande interesse por parte de certos setores da sociedade na divul- gação de conhecimentos científicos e práticos (QUINTANEIRO; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2003, p. 15). No processo do iluminismo percebemos os primeiros sinais do pluralismo, uma vez que se pregava a diversidade do conhecimento, englobando os temas, educacionais, políticos, filosóficos etc. Nesse termo, a liberdade toma os sentimentos dos indivíduos, inclusive de questionar os argumentos e os principais dogmas religiosos. Para Sanches (2010, p. 39), 61UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso [...] na sociedade moderna o grande passo para o pluralismo em geral foi jus- tamente o processo de secularização entendido como ruptura do monopólio de interpretação possuído pela Igreja católica romana.” A pluralidade passou a ser uma das características do homem moderno. Na modernidade cada pessoa faz uso da visão que melhor convém diante de problemas existentes no mundo. A pluralidade é a manifestação da riqueza do pensamento huma- no. É a aceitação da multiplicidade do pensar de pessoas ou grupo social que por sua vez tem a liberdade de expressar o que pensa. Sanches (2010, p. 41) compreende de tal forma esse processo de transformação social que afirma: A ruptura do monopólio religioso não traz apenas mudanças para o campo religioso, mas, sobretudo, altera as representações da realidade. O ser hu- mano moderno, ao olhar o mundo, já não absolutiza a dimensão religiosa e, portanto, observa a realidade fora dos limites impostos pelo modelo religioso medieval. Se antes o seu olhar era unívoco, agora ele é plural. Uma vez que a razão se coloca em evidência, vai aos poucos substituindo o pensa- mento mítico. Da mesma maneira, o clero vai, aos poucos, recuar com o que considerava até então como heresia. Assim, no processo de avanço da modernidade, a pluralidade segue o caminho oposto da doutrina, ou seja, passa a agregar e englobar vários conceitos, sejam eles científicos ou não. No decorrer da modernidade, verificamos a expansão do pluralismo religioso, uma vez que o estado está sendo secularizado e se tornando laico. Por assim dizer, se o estado é laico, também é possível a abertura para novas posturas, inclusive religiosas, ou seja, uma sociedade sem restrições, aberta para suas escolhas. Emoutras palavras, um estado laico visa, em última instância, um órgão governamental democrático e livre, derrubando, inclusive, o monopólio religioso. Todo esse processo leva indelevelmente a um novo para- digma social que tem por objetivo a pluralidade religiosa e a liberdade do indivíduo. Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 283) afirmam que: o Brasil vive no momento um apogeu de liberdade religiosa, ou seja, as reli- giões nunca foram tão livres como agora.” [...] tal liberdade conduz o processo de pluralização religiosa a ser independente de qualquer monopólio religioso. No cenário de uma sociedade plural, os indivíduos são livres para manifestar suas crenças sem precisar esconder sua identidade religiosa. Analisemos que, se por um lado a secularização se separa do mundo sagrado, não quer dizer que exista a ausência da religião. Pelo contrário, ela é manifestada como resultado próprio da liberdade do indivíduo, provinda de uma natureza humana. Em última análise, o pluralismo religioso é uma manifestação do homem que, em sua dinâmica social, busca um sentido para vida. Como confirma Panasiewicz (2010, p. 113): A religião é a busca de construir um mundo com sentido transcendental independente do sentido dado pela racionalidade. Ela brota de onde emer- gem os desejos, as fantasias, os sonhos e as utopias. Ela é a expressão da religiosidade do ser humano. 62UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso Portanto, estamos falando de um paradigma social muito atual, visto que o plura- lismo religioso corrobora para os preceitos de liberdade humana e também corresponde às necessidades espirituais do homem moderno. Uma das vertentes atuais do pluralismo religioso é o trânsito religioso: que desencadeou um posicionamento focado numa mentalidade secular, revelando uma transição na busca do sagrado e a satisfação pessoal. Por não haver uma solidez na composição religiosa do indivíduo, ele migra-se para outra religião consequentemente mudando seus rituais e a maneira de conceber o sagrado. Na visão de Vilhena (2005) “Conforme as circunstâncias e as necessidades sociais, novos ritos podem ser criados ou resignificados” (GOMES; SOUZA, 2013, p. 5). Podemos citar que, no Brasil, já há algumas décadas está ocorrendo de forma linear o trânsito religioso. Vejamos o que nos mostram os dados do recenseamento do IBGE de 2010: Censo Demográfico 2000 mostrou acentuada redução do percentual de pes- soas da religião católica romana, o qual passou a ser de 73,6%, o aumento do total de pessoas que se declararam evangélicas, 15,4% da população, e sem religião, 7,4% dos residentes. Observou-se, ainda, o ligeiro crescimento dos que se declararam espíritas (de 1,1%, em 1991, para 1,3% em 2000) e do conjunto de outras religiosidades que se elevou de 1,4%, em 1991, para 1,8% em 2000. Fontes: Diretoria Geral de Estatística, Recenseamento do Brasil 1872/1890; e IBGE, Censo Demográfico 1940/1991 (IBGE, 2010, p. 89-90). É possível, portanto, observar, nesse contexto da globalização, pautado na se- cularização, novos grupos religiosos buscando se apresentar nos mais diversos meios midiáticos, o que incentiva no indivíduo a busca por se engajar em um novo grupo religioso, sempre com propostas inovadoras, atraentes e que vem de encontro com os anseios, as angústias e os problemas existenciais deste homem contemporâneo. De acordo com o que afirma Sanches (2010, p. 64), “A melhor religião é aquela que te faz melhor”. A viabilidade do trânsito religioso é decorrente das transformações nas religiões para se adequarem às necessidades do homem moderno. Ou seja, as pessoas em um mundo individualista, secular, pluralista, buscam cada vez mais se identificar com uma religiosidade que as satisfaça, deixando, muitas vezes, as religiões de seus antepassados, gerando uma renovação, inclusive na compreensão da estrutura das religiões. Se, por um lado, verificamos essa migração, por outro, nossa análise se mantém inalterada quanto as teorias da religião que explicam tanto o fenômeno quanto os motivos sociais e psicológicos que levam às pessoas a manterem viva a necessidade da religiosi- dade. 63UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 1.1 O Diálogo Inter-Religioso Ao mesmo tempo em que vivemos um mundo plural, temos, por outro lado, o grande desafio da humanidade que é a compreensão, o respeito, o entendimento e a convivência com seres tão diferentes em suas mais diversas concepções culturais e, consequentemen- te, religiosas também. Como apontam Gomes e Souza (2013, p. 6): São muitas as maneiras onde a intolerância e o preconceito se resultam em prática egoísta e etnocêntrica. A falta do diálogo inter-religioso faz com que os indivíduos de uma religião vivam de maneira a pensar que somente sua reli- gião deve ser aceita na sociedade e a do outro deve ser negada. O resultado não é outro se não uma barreira que obstrui a interlocução. A importância do diálogo inter-religioso nos sugere a construção de uma sociedade que, pelo fato de ter sua liberdade de escolha ilimitada, tenha justeza e que, ao mesmo tempo, valorize a diversidade, inclusive religiosa, e o direito à preservação da identidade das religiões. Como expõe Tillich (1968 apud TEIXEIRA, 2012, p. 173), O diálogo verdadeiro não se dá através do abandono da tradição religiosa, mas de seu aprofundamento mediante a oração, o pensamento e a ação.” No diálogo inter-religioso não é preciso esconder a identidade religiosa para se aproximar do outro. Não é necessário negar a tradição religiosa para se dialogar, pois esse diálogo tem como princípio a alteridade. Uma sociedade que está apta ao pluralismo deve se mostrar pronta a dar suporte a novos caminhos, proporcionando ambientes preparados para a tolerância e que haja um ambiente de respeito recíproco. Conforme afirma Pontifício (apud TEIXEIRA, 2012): “O verdadeiro diálogo inter-religioso acontece quando se respeita em profundidade o ‘enigma’ da pluralidade religiosa em sua diferença irredutível e irrevogável”. Na verdade, mitos são os desafios da pluralidade religiosa, manter, nesse sentido, o diálogo inter-religioso pode levar a algumas deliberações que se concentram em fatores importantes para um movimento ecumênico, solidificando, assim, ações e o compromisso da igreja com a justiça social e como meio de tentar resgatar a ética no meio social, bus- cando, inclusive, a superação da violência. Importante frisar também que nesse processo do diálogo inter-religioso, como as religiões são muito heterogêneas, a participação da maioria, seja originalmente ou representada por associações, devem discutir ações no qual não podem faltar os fundamentos de liberdade, e respeito em uma sociedade laica. Esse contexto, a respeito de uma sociedade laica, traz à tona a discussão sobre os direitos humanos fundamentais. Onde reside o fundamento dos direitos humanos fundamentais? Em outras pala- vras: qual a base que sustenta a existência e indispensabilidade desses direitos? Existe um 64UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso pressuposto, universalmente válido, capaz de levar-nos à conclusão de que toda e qualquer pessoa é titular de direitos humanos fundamentais? A resposta é de difícil elaboração e deve colher as mais diversas contribuições históricas. Antes de apontarmos qual o fundamento dos direitos humanos fundamentais, veja- mos, em breve síntese, a contribuição religiosa a respeito. As maiores religiões e sistemas filosóficos da Humanidade parecem corroborar as ideias difundidas, ao menos em parte, pelo sistema internacional de Direitos Humanos. Assim acontece com o Cristianismo, o Judaísmo, o Islamismo, o Budismo, as religiões e tradições Afro- Brasileiras. No Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, prega-se a fraternidade, a universalida- de do gênero humano, a solidariedade com os órfãos, os pobres, os viajantes, os mendigos, os homens fracos,as mulheres e as crianças. Condena-se a opressão e estatui-se o direito de rebelar-se contra ela. Aliás, existe uma Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem, de origem não-governamental, cuja introdução afirma que o Islã deu à humanida- de, há 14 séculos, um código ideal dos direitos humanos. De certa forma, há uma semelhança entre a visão do islamismo sobre o ser humano e as visões cristã e judaica. É verdade, no entanto, que a ausência de laicidade no siste- ma islâmico não combina com a ideia de democracia, do contrário, assemelha-se muito mais a uma concepção totalitária, que não separa religião de política. Entretanto, se há contribuições desse segmento religioso, elas não podem ser desconsideradas, sobretudo porque a noção de dignidade da pessoa humana, assim como um sistema universal eficaz de proteção dos direitos humanos, somente pode ser alcançada mediante a participação de todos os grupos sociais existentes. Já no cerne do judaísmo/cristianismo, percebe-se que o homem e a mulher recebe- ram uma posição de destaque na ordem da criação, ficando incumbidos de dominar sobre todas as demais criaturas, justamente por terem sido criados à imagem e à semelhança divina. Após a criação do céu, terra e água e também de todos os animais irracionais, Deus criou um ser capaz de admirar sua criação de maneira racional, concedendo-lhe o privilégio de governar sobre as demais criaturas. Ao homem restou a incumbência de nomear os ani- mais, soando perfeitamente nítida a superioridade que lhe foi atribuída por Deus. Tal relevo foi apontado pelo salmista (Salmo 8), que chegou a mencionar que o homem seria “pouco menos do que um deus”. Tais fatores, aliados à figura da fé monoteísta, ou seja, a crença em um Deus único e transcendente, superior ao homem, imortal, não sujeito às paixões humanas, anterior a tudo, foi, conforme constata o ilustre jurista Fábio Konder Comparato 65UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso (2006), a maior contribuição do povo da Bíblia à humanidade: a justificativa religiosa da preeminência do ser humano no mundo surgiu com a afirmação da fé monoteísta. A grande contribuição do povo da Bíblia à humanidade, uma das maiores, aliás, de toda a história, foi a ideia da criação do mundo por um Deus único e transcendente. Os deu- ses antigos, de certa forma, faziam parte do mundo, como super-homens, com as mesmas paixões e defeitos do ser humano. Lahweh, muito ao contrário, como criador de tudo o que existe, é anterior e superior ao mundo. O conhecimento de ser criado à imagem de Deus e possuir muitas de suas características motivaram a projeção de uma imagem própria, em permanente construção e evolução, no sentido de que: todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza (COMPARATO, 2006). Uma vez que todos, sem qualquer exceção, foram criados à imagem e semelhança divina, nenhum indivíduo pode se afirmar superior aos demais, seja por critérios de gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação, de modo que é essa igualdade de essência da pessoa que forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos (COMPARATO, 2010). O Jurista João Baptista Herkenhoff (2002) esclarece que o traço de união indisso- ciável entre Cristianismo e Direitos Humanos resulta de que o valor do homem diante de Deus não está nem na cor de sua pele, nem no seu sexo, nem no seu estatuto social, nem muito menos na sua riqueza, mas no fato de que, em Cristo, ele é aceito como filho de um mesmo Deus. A partir dessa constatação, o jurista Ingo Wolfgang Sarlet (2009) sustenta que a criação do ser humano, à imagem e semelhança divina, foi um passo para que o valor próprio intrínseco de cada pessoa constituísse o pressuposto pelo qual ninguém poderia ser transformado em mero objeto ou instrumento, tese profundamente trabalhada por Immanuel Kant. Entretanto, concordamos com a advertência do jurista no sentido de não parecer correto reivindicar – no contexto das religiões professadas pelo ser humano ao longo dos tempos – para a religião cristã a exclusividade de uma concepção de dignidade da pessoa humana (SARLET, 2009). Nesse sentido, a semente dos Direitos Humanos tam- bém pode ser sentida no Budismo, que pregou a igualdade essencial de todos os homens e a prevalência dos atos de virtude, visando a plena realização da natureza humana e a formulação de uma sociedade perfeita e pacífica. 66UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso O Taoísmo, fundado por Lao-Tseu, que morreu cerca de 5 séculos antes de Jesus Cristo, alicerça sua base na existência de um ser que é o princípio de todas as coisas, um Ser inominado, designado como “Tao”, ou, “mãe de todas as coisas”, diferentemente de outras religiões e filosofias, que designam o princípio ou Deus do gênero masculino (HERKENHOFF, 2002). Em síntese, essa religião prega que o mundo é instável e está em permanente evolução, e as pessoas devem seguir seu curso em liberdade, buscando afastar-se do tumulto, aproximando-se do chamado ritmo universal, valorizando, sobretudo, o respeito às pessoas e a liberdade de cada um (HERKENHOFF, 2002). Os povos africanos, por seu turno, conseguiram o milagre de manter até hoje sua identidade, superando a violência e a brutalidade de sua transposição forçada para o Continente Americano, até hoje sentida, seja pelo racismo institucionalizado, seja pelo gradual genocídio, pela mortandade dos jovens, vítimas, quase sempre, da intolerância e preconceito racial de que padecem. O povo negro transformou o grito de sofrimento em grito de resistência. As religiões africanas expressam o sentido de respeito à dignidade da pessoa humana, a ideia de uma transmissão cultural de geração a geração, fatores intimamente ligados à cultura de existência dos Direitos Humanos. A igualdade apregoada em todas as religiões expostas forma o núcleo essencial dos direitos humanos fundamentais, mas não é exatamente o seu fundamento. Demonstrar a contribuição religiosa a respeito da igualdade teve, no entanto, uma finalidade: esclarecer que, embora a dogmática religiosa tenha especial relevância, o fundamento de validade do direito em geral e, em especial, dos direitos humanos, segundo a tendência moderna, não deve ser procurado na esfera sobrenatural da revelação religiosa, como antes já aconteceu. Segundo os ensinamentos do Professor Fábio Konder Comparato (2006), “se o direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem”. Isso não significa que as contribuições religiosas sejam meros dados históricos. Elas indicam o caminho para encontrarmos o correto fundamento dos direitos humanos. Uma das mais importantes declarações históricas sobre os direitos humanos, redigida em 1948 e certamente influen- ciada por todos os documentos que a precederam, também influenciados pelas raízes filosóficas e religiosas de tempos passados, tem início com a assertiva de que “todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos” (art. 1º), espírito absorvido pela Constituição Federal de 1988 (2008), que elegeu a dignidade da pessoa humana com um dos fundamentos do Estado Brasileiro (art. 1º, inciso III). 67UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso Essa tal dignidade, que será estudada de maneira mais detalhada na próxima Seção, consiste, em apertada síntese propositalmente incompleta, na “qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade” (SARLET, 2009, p. 67). Vale dizer, em miúdas palavras, que é em razão de possuir dignidade que cada pessoa é titular de direitoshumanos fundamentais. Cada um de nós distingue-se do outro por sua personalidade, mas todos os homens, sem exceção, são dotados de dignidade. A dignidade irradia efeitos como a capacidade inventiva do homem. Discorrendo sobre ela com absoluta maestria, Fábio Konder Comparato (2006) explica que: os pássaros constroem seus ninhos, desde a primeira fase de sua evolução como espécie, com uma técnica basicamente sempre igual a si mesma. Na espécie humana, ao contrário, não há técnicas imutáveis nem tampouco limitadas em numerus clausus: a evolução é constante- mente dirigida pela aptidão inventiva do ser humano, que põe livremente os fins e inventa os meios mais aptos a alcançá-los. O chimpanzé serve-se habitualmente de seixos como instrumento ou ferramenta; mas nunca ninguém viu esse primata fabricar um instrumento por ele especialmente inventado, a fim de conseguir certo resultado na vida pacífica ou em combate com outros animais. A razão humana, como reflexo da dignidade, “não se limita, apenas, à racionalidade lógica ou geométrica” (COMPARATO: 2006). Somos seres emotivos, sensíveis, e isso está intimamente ligado à nossa capacidade expressional, que também é um desdobramento da racionalidade. O homem contém uma característica essencial chamada razão axiológica. Tal razão axiológica consiste na capacidade que cada ser humano tem de valorar as coisas, apreciando valores na esfera ética, estética e religiosa, o que foge, obviamente, de uma percepção puramente lógica, mas, pelo contrário, é predominantemente emotiva (COMPA- RATO: 2006). Isso permite que o homem valore as normas e julgue-as segundo sua racionalida- de. É por este caminho que, percebendo a dignidade de cada ser humano e sua necessária proteção, os direitos humanos fundamentais são identificados e defendidos. Mas, afinal, no que consiste a dignidade da pessoa humana? Com efeito, dizer simplesmente que a dignidade é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano, que o faz merecedor de respeito por parte do Estado, não nos leva muito longe. Fica difícil, sem um estudo aprofundado, manusear esse conceito na esfera do direito e das realizações jurídicas. É primordial, portanto, que passemos ao estudo, ainda que pontual, do que é a dignidade da pessoa humana e qual sua importância na defesa dos direitos humanos fundamentais. 68UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 2. TOLERÂNCIA E ÉTICA Duas questões são importantes dentro do processo do pluralismo e do diálogo inter-religioso, uma delas é a tolerância e a outra é aquilo que se prega dentro de todo dogma religioso, que é um comportamento ético. Sem esses dois elementos, no mundo atual, fica difícil pensar em pluralismo religioso, tampouco em diálogo inter-religioso. A tolerância, ou seja, o respeito pelas pessoas que têm pontos de vista diferentes, deveria ser o tema recorrente e o foco principal dentro de qualquer estudo que se faça sobre manifestações culturais, inclusive e sobretudo a religiosidade. Como expõem Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 17), Não significa necessariamente o desaparecimento das diferenças e das contradições, ou que não importa no que você acredita, se é que acredita em alguma coisa. Uma atitude tolerante pode perfeitamente coexistir com uma sólida fé de converter os outros. Porém, a tolerância não compatível com atitudes como zombar das opiniões alheias ou se utilizar da força e de ameaças. A tolerância, portanto, não limita o direito de fazer a pregação dos conceitos que cada um acredita, no entanto que ela não infrinja os limites de respeito pelas outras formas religião, o que fere a liberdade de escolha de cada um, e também da coexistência pacífica. Os registros históricos têm uma longa lista de muitos exemplos de fanatismo e intolerância, basta nos lembrarmos de casos bem recentes, como o antissemitismo nazista ou mesmo do Estado islâmico, que jorram notícias todos os dias na mídia. 69UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso Já houve na história religiões em guerra umas contra outras, basta nos lembrar- mos das cruzadas na Idade Média, milhares de pessoas já foram também perseguidas no mundo em nome da religião e, infelizmente, mesmo com todos os avanços do mundo contemporâneo, não conseguimos de todo superar isso. A tolerância não significa aceitar tudo como se fosse comum ou correto, no entanto devemos compreender que cada um tem direito de defender seus pontos de vista, e estes não podem, por sua vez, violar os direitos humanos básicos. Neste ponto tocamos em uma questão delicada, mas importante, que é a Ética. Lembrando que dentro das religiões pode estar a resposta para o desafio de pessoas mais éticas e que pratiquem a tolerância. Como aponta Mello (2008), as religiões, com frequência, não fazem distinção entre o plano ético e o plano religioso. Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 34), mais além, nos explicam que: Os costumes da tribo, as regras ou princípios morais da casta são tão religiosos quanto os sacrifícios e orações. Entre os dez mandamentos de que Moisés deu aos judeus havia os que tratavam de religião – “Não terás outros deuses diante de mim” – e os relativos a ética – “Não matarás”. Incluem-se cinco pilares dos muçulmanos tanto o orar a Deus como o de dar esmola aos pobres. Portanto, não há distinção entre ética e religião, se, dentro do conceito do sagrado, o homem é uma criação divina, significa dizer que o homem é responsável perante Deus por todos os seus atos, sejam eles políticos, morais, sociais ou rituais. De acordo com Geertz (1989), nas sociedades em que coexistem várias religiões e vários pontos de vista, consideram vincular a ética exclusivamente à religião. Ou seja, fora isso, a própria sociedade deve ter sua linha de conduta ética bem clara, sendo que algumas precisam ser reforçadas juridicamente. No entanto a religião tem o poder de tornar mais brando o comportamento do ser humano, uma vez que serve também como forma de controle social em várias sociedades e em geral das pessoas que são engajadas dentro de suas seitas. Podemos citar como pioneira a sociedade Romana, que, de forma sistemática, criou um arcabouço legal que pudesse ser usado por todos os povos, independente de qual religião fosse o cidadão. Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 35) nos explicam que: O direito romano se tornou a base para todos os sistemas legais subse- quentes nos Estados seculares modernos [...] Hoje muitos países aceitam a Declaração dos Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas, como uma afirmação ética comum, seja qual for a religião ou perspectiva geral do país. 70UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso Mesmo tendo essas bases legais, afirmamos que dentro de cada movimento, de cada seita, se encontra o início para a discussão de um pluralismo mais pleno em de- terminados lugares que não conquistaram isso, e também para um tão sonhado diálogo inter-religioso que pode levar a humanidade a um estado de paz mas duradouro. SAIBA MAIS As cinco religiões mais praticadas no mundo são o cristianismo, o islamismo, o hin- duísmo, as religiões chinesas — taoísmo e confucionismo — e o budismo. Todas elas nasceram na Ásia. Fonte: os autores. REFLITA “Religião significa a relação entre o homem e o poder sobre-humano no qual ele acre- dita ou do qual se sente dependente. Essa relação se expressa em emoções especiais (confiança, medo), conceitos (crença) e ações (culto e ética)” (C. P. Tiele). 71UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegamos ao fim desta unidade e foi possível compreender que o pluralismo re- ligioso é um fenômeno que surgiu na modernidade, responsável pela desestruturação de algumas bases religiosas, até então historicamente fechadas, que abriram precedentes para as transformações não somente religiosas, mas também em um contextosocial. Por- tanto o pluralismo religioso, historicamente, desbanca o monopólio e valoriza a pluralidade, seja ela religiosa, científica ou filosófica. O fato é que esse fenômeno mudou a forma das pessoas conhecerem o mundo em que viviam, tendo a liberdade de escolha como princípio básico. Verificamos que a pluralidade e a modernidade abrem espaço ao novo e nos convi- da a um desafio cada vez maior, mediante toda a dinâmica social que se percebe por meio das revoluções tecnológicas e a maneira de viver das pessoas. Essas mudanças, por fim, deixam claro que é preciso rever nossos conceitos, a nossa cosmovisão religiosa e, assim, fazer uma nova releitura do mundo, sem, contudo, perder as referências da nossa identidade. O que o(a) espera, portanto, é uma complexida- de da qual não temos como fugir. 72 MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Pluralismo Religioso Contemporâneo Autor: Roberlei Panasiewicz Editora: Paulus Sinopse: À luz da reflexão teológica de Claude Geffré, o autor in- vestiga a identidade cristã e particularmente a católica, em diálogo com as tradições religiosas. LIVRO 2 Título: As formas elementares da vida religiosa Autor: Émile Durkheim Editora: Paulus Sinopse: O presente texto compõe-se de três livros: questões pre- liminares: definição do fenômeno religioso e da religião elementar o totemismo como religião elementar as crenças elementares: as crenças propriamente totêmicas a origem das crenças totêmicas a noção de alma a noção de espíritos e de deuses as principais atitudes rituais: o culto negativo e suas funções o culto positivo os ritos piaculares e a ambiguidade da noção de sagrado. FILME/VÍDEO Título: A paixão de Cristo Ano: 2004 Sinopse: As últimas 12 horas da vida de Jesus de Nazaré (James Caviezel). No meio da noite, Jesus é traído por Judas (Luca Lionello) e é preso por soldados no Monte das Oliveiras, sob o comando de religiosos hebreus, que eram liderados por Caifás (Matti Sbragia). Após ser severamente espancado pelos seus captores, Jesus é entregue para o governador romano na Judeia, Poncio Pilatos (Hristo Shopov), pois só ele poderia ordenar a pena de morte para Jesus. Pilatos não entende o que aquele homem pode ter feito de tão horrível para pedirem a pena máxima e eram os hebreus que pediam isto. Pilatos tenta passar a decisão para Herodes (Luca de Domenicis), governador da Galileia, pois Jesus era de lá. Herodes também não encontra nada que incrimine Jesus e o assunto volta para Pilatos, que vai perdendo o controle da situação enquanto boa parte da população pede que Jesus seja crucificado. Tentando acalmar o povo e a província, que detesta, Pilatos vai cedendo sob os olhares incriminadores de Claudia (Claudia Gerini), sua mulher, que considera Jesus um santo. 73 REFERÊNCIAS BEALS, R. L., HOIJER, H. Introdução à Antropologia. Madri: Aguilar, 1969. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 2008. COMPARATO, F. K. Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno. São Paulo: Com- panhia das Letras, 2006. COULANGES, F. A Cidade Antiga. São Paulo: Edameris, 1961. DURKHEIM, E. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. EVANS-PRITCHARD, E.E., The Nuer: A Description of the Modes of Livelihood and Political Institutions of a Nilotic People. Oxford University Press, 1978. FIRTH, R. Elementos da organização social. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. FRAZER, J. O Ramo de Ouro. Rio de Janeiro: Guanabara, 1991. GAARDER, J.; HELLERN, V.; NOTAKER, H. O Livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. GEERTZ, C. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara/Koogan, 1989. GOMES, F. F.; SOUZA, W. R. Modernidade e Pluralismo Religioso. São Paulo: Semana acadêmica PUC, 2013. HOEBEL, E. A.; FROST, E. L. Antropologia cultural e social. São Paulo: Cultrix, 1981. IBGE. Censo Demográfico 2010: características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. 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Disponível em: http://www.xr.pro.br/ religiao.html. Acesso em: 02 set. 2018. 75 CONCLUSÃO GERAL Prezado(a) aluno(a), chegamos ao fim de uma discussão que perpassou os limites da fé e da religiosidade. Verificamos que o ser humano é necessariamente um ser que sensitivamente se conecta com a natureza de maneira diferente de outros animais, ou seja, ele pode interpre- tar e sentir fenômenos naturais e traduzi-los em fenômenos simbolicamente considerados sobrenaturais, sagrados. Enfim, a discussão se a religião é mesmo uma necessidade humana, se é uma condição de existência do homem, um fator de domínio e controle social, vai muito além do que discutimos, aliás é somente o início de discussões muito mais aprofundadas. Verificamos a abertura do ser humano ao transcendente, também discutimos o que fundamenta a religiosidade. Na sequência verificamos como se dá o fenômeno religioso em seus diversos modelos catalogados por estudiosos. Compreendemos como cada religião se fundamenta, seus ritos, enfim, como se processa no interior de cada religião a dinâmica da transcendência, do divino, do sagrado. Verificamos as principais religiões do mundo, no contexto histórico, e percebemos que na atualidade novas tendências religiosas aparecem, sendo que muitas delas trazendo de volta antigas religiões, muitas vezes unidas em uma só denominação. O fator substan- cialmente importante foi perceber que mesmo com a modernidade e a mudança no dia a dia das pessoas, a tecnologia, o individualismo, enfim, não diminuiu a necessidade das pessoas pela busca espiritual. Pelo contrário, vimos que o ser humano continua, assim como em um passado distante, na busca de respostas interiores, místicas, como era com seus antigos antepassados. Por fim, compreendemos que toda essa revolução, provocada pelo pluralismo religioso, lança as bases para um estado laico, mas que, por outro lado, aponta para um grande desafio que é a tolerância, mesmo em tempos modernos, e que indica a neces- sidade constante para umdiálogo inter-religioso. Espero que este material possa ter lhe ajudado a compreender melhor essa temática e que sirva de base para novos estudos e aprofundamento de novas pesquisas. Até uma próxima oportunidade. Muito obrigado!