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Medicalização na Educação: Concepções Sócio-Histórica e Neuropsicológica APRESENTAÇÃO Carolina dos Santos Jesuino da Natividade • Formação Acadêmica. Psicóloga pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS; • Níveis de Titulação. Mestre em psicologia pela UFMS; • Instituições Frequentadas. Especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo ITCC/MS; Especialista em Educação especial e inclusiva pela Fael. CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/9809627792228786 APRESENTAÇÃO DA APOSTILA Na unidade I vamos discutir o conceito e a história da medicalização, para que o fenômeno possa ser compreendido de modo amplo. Será diferenciada a noção de medicar do conceito de medicalização. Abordaremos o desenvolvimento histórico e social da família e sua relação com a escola na atualidade. Já na unidade II você irá saber mais sobre o importante movimento nacional intitulado Fórum sobre a medicalização da educação e da sociedade, marco e referência na luta pela divulgação dos efeitos nefastos da medicalização na escola. Outros movimentos internacionais também são comentados, assim como a interferência e impacto da indústria farmacêutica no desempenho neurológico de crianças e adolescentes diagnosticados principalmente com Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade-TDAH. Na sequência, na unidade III falaremos a respeito do fenômeno da medicalização da vida escolar, que envolve problemas sociais mais amplos e que devem ser levados em conta para a sua compreensão e enfrentamento. Observaremos a legislação não medicalizante quanto ao tratamento de alunos com dificuldades ou transtornos de aprendizagem. Em nossa unidade IV, vamos finalizar o conteúdo dessa disciplina com a apresentação dos transtornos de aprendizagem, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e também a dislexia, relacionando-os com o consumo de medicamentos. UNIDADE I O FENÔMENO DA MEDICALIZAÇÃO Professora Mestre Carolina dos Santos Jesuino da Natividade Plano de Estudo: • A história da medicalização e seu conceito; • A relação social entre a família e a escola. Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar e contextualizar a medicalização; • Compreender os impactos da medicalização; • Estabelecer a importância da visão histórica e social na educação. INTRODUÇÃO Questões sociais são complexas. A compreensão de fenômenos sociais que impactam a educação exigem estudo e reflexão, pois imperam explicações que naturalizam os problemas sociais e biologizam qualquer traço de dificuldade de aprendizagem. Educadores aprendem que relações formam o indivíduo, mas na prática, quando há indisciplina e desmotivação para a educação formal, a escola tende a recorrer às explicações biomédicas. Se há uma explicação de base orgânica, a escola não está errando, tudo pode ocorrer como antes. Contrapondo-se a esse quadro, os conceitos sócio-históricos possuem a capacidade de desvelar níveis profundos da nossa sociedade, articulando fatores que julgamos em um primeiro momento não se relacionarem com os processos de ensino- aprendizagem dentro das classes escolares. O olhar crítico nos mostra que não existe esse dentro e fora da escola, como se ela fosse impermeável à sociedade em que se encontra. As contradições e exigências sociais de consumo desenfreado leva os adultos ao esgotamento (com consequente medicalização) e as crianças que se relacionam com esses a serem enviadas para avaliação individual e posterior tratamento medicamentoso, embora suas condições de vida nunca tenham sido seriamente avaliadas. Nenhum ataque é feito à medicina e à medicação bem aplicada. O que é foco de análise nesse momento é como a medicalização faz apagar vestígios de fatores amplos que interferem em todos os setores da vida e na educação. Portanto, diferenciaremos a medicação da medicalização. Seguindo a orientação sócio- histórica, notaremos como historicamente se fortaleceu a medicalização e como as mesmas forças que levaram à fragilização nas relações familiares exige resposta rápida e local da família e da escola, com ações focadas quase exclusivamente em tratamentos medicamentosos para questões de comportamento. 1 A HISTÓRIA DA MEDICALIZAÇÃO E SEU CONCEITO Fonte: Pixabay.com. 2016. Disponível em: https://pixabay.com/pt/illustrations/mundo-mapa- comprimidos-terra-1185076/ . Acesso em: 02 dez. 2021. O modo de vida contemporâneo no mundo ocidental tem chamado atenção para o aspecto de como os seres humanos têm sido orientados a lidar com as dores emocionais. Como a ciência levou a muitos avanços na diminuição da dor física, generalizar o procedimento da medicação para vários campos da vida pode parecer razoável e útil. Contudo, os efeitos individuais e sociais do excesso de tratamento medicamentoso para dores não físicas tem levantado suspeitas de que esse caminho impacta de modo perverso principalmente nas crianças, seres cujos cérebros são bastante sensíveis pelo momento do desenvolvimento tão favorável às aprendizagens. A medicalização da vida e da escolarização é foco de análise de psicólogos sócio- históricos e de neuropsicólogos preocupados com esse fenômeno e em suas amplas https://pixabay.com/pt/illustrations/mundo-mapa-comprimidos-terra-1185076/ https://pixabay.com/pt/illustrations/mundo-mapa-comprimidos-terra-1185076/ implicações no desenvolvimento. Para iniciar esse percurso, é necessário ter clareza sobre o conceito, compreender seu surgimento e como isso afeta as relações familiares. Iniciaremos com a explicação de Almeida e Gomes (2014, p. 157) que descrevem a medicalização como: “[...] processo de apropriação e normatização de crescentes aspectos da vida social pela medicina”. Enquanto Barroco, Facci e Moraes (2017, p. 23) revelam mais detalhes do fenômeno quando nos falam sobre a medicalização, que: “[...] é entendida como a entrada, em todas as esferas da vida, de explicações e intervenções de cunho biológico, a partir de uma avalanche de exames, diagnósticos e receituários para controlar e predizer os problemas sociais e psicológicos [...]”. Ao pontuar o efeito danoso da medicalização, é preciso ter clara a diferenciação entre ela e a medicação, pois são situações bem diferentes, sendo a primeira ineficaz e prejudicial, enquanto a segunda é desejável dentro do escopo a que se propõe. Caldas (2017) ressalta a diferença entre medicação e medicalização. Para a autora, a medicação está no âmbito dos benefícios dos avanços das ciências, como recursos fundamentais para a compreensão e solução para doenças reais. Já a medicalização, como aplicada no campo da educação, visa pautar processos educacionais unicamente em questões biológicas e utilizar de diagnósticos desconsiderando as relações constituídas nos meios de aprendizagem. Também ajudam na diferenciação entre medicação e medicalização Eidt, Tuleski e Franco (2014, p. 79, grifo do autor): [...] a medicação é uma prática importante no âmbito da saúde quando se diagnostica a existência de uma doença orgânica, para a qual não haveria outra forma de cura ou tratamento. Já em relação ao termo medicalização, o significado é outro. O conceito de medicalização foi utilizado em diversos estudos, especialmente a partir da década de 1970 do século XX. Sua utilização refere-se tanto a uma prática específica dada às vicissitudes do processo de aprendizado, quanto à reflexão sobre os acontecimentos no interior das instituições escolares ocorridos quando da higienização das práticas escolares. A medicalização na educação pode ser definida, conforme Caldas (2017, p. 08): [...] a medicalização caracteriza-se quando a doença é tomada como elemento explicativo das dificuldades escolares, quando se biologizam questões sociais.Tal fenômeno parece obedecer a duas vertentes de uma mesma lógica. Em primeiro lugar, o foco na individualização e responsabilização de cada pessoa por sua própria vida, gerando a culpabilização daqueles que não se encaixam nas expectativas do que é considerado normal. Crianças e jovens definidos por suas impossibilidades, pelo que lhes falta, pelos nãos [...]. Barroco, Facci e Moraes (2017) resumem que, embora haja vários sentidos do termo medicalização, há em comum a noção de que tratam problemas que são de diversas ordens, mas não orgânicas. Os transtornos de aprendizagem englobam vários aspectos que não somente de causas orgânicas (como serão discutidos no módulo 4). Figura 1 - Desejáveis avanços da medicina ID da foto stock livre de direitos: 1696588519 (shutterstock) O olhar sobre o aluno, quando o medicam apenas, sem considerar seu meio social e sua história e de sua comunidade, é de que é apenas um corpo problemático. Suas relações com várias instituições não são tidas como parte do processo educativo. A escola age como se estivesse diante apenas de um problema biológico, sem se implicar no processo ensino-aprendizagem. Embora haja vasta literatura sobre a educação apontando o papel da escola na formação do aluno, no cotidiano esta se põe como alheia ao processo, pautando a capacidade de aprendizagem unicamente no aspecto biológico, bastando à escola indicar a busca pelo tratamento. Além da limitação sobre a compreensão do não aprender de um aluno, há a limitação de entendimento de que todo problema de base orgânica tem como único tratamento a medicação, ou seja, há uma gama de profissionais da saúde, de diversas áreas da saúde que são ignorados e cujos conhecimentos não chegam até o aluno. Contrário ao processo individualizador da responsabilidade sobre o não aprender, a abordagem sócio-histórica preconiza que é necessário compreender historicamente como se deu e consolidou o fenômeno da medicalização da vida. Como nos aponta Caldas (2017, p. 08) a teoria histórico-cultural (também chamada de sócio- https://www.shutterstock.com/pt/photos histórica): “[...] ilumina e amplifica a compreensão dos fenômenos presentes na educação escolar, em especial em processos de grande complexidade, como a aquisição da leitura e escrita”. Amparados com os conceitos da abordagem sócio-histórica, podemos construir uma visão crítica sobre a realidade em que estamos inseridos, analisando o que ocorre na escola de modo articulado com questões econômicas, sociais e históricas. Entendendo o processo ensino-aprendizagem em sua globalidade, sem descrever o aluno de modo abstrato, mas em suas relações concretas que determinam suas capacidades. Na busca de tal empreendimento, devemos nos debruçar sobre o caminhar histórico que levou à medicalização tão intensa. Podemos situar o fenômeno da medicalização ao século XIX (CALDAS, 2017). Barroco, Facci e Moraes (2017) revelam que, com o desenvolvimento da ciência norteada por preceitos neoliberais, passou-se a atribuir às questões escolares caráter individualista, orgânico e passível de controle químico. Antes de haver o controle químico por meio da medicação, havia tentativas de controlar o comportamento dos alunos com objetivos supostamente patrióticos, porém em cuja base se alinhavam ideais preconceituosos, como no movimento higienista. Sanches et al. (2019) localiza o início da medicalização na escola a partir do movimento higienista, cujas características são a parceria da educação, psicologia e medicina em que saberes médicos e psicológicos serviram para buscar promover a ‘regeneração da raça’ e a preparação de mão de obra que sustentasse o início do desenvolvimento industrial, em curso no Brasil, no século XIX. Eidt e Martins (2019) também defendem que a medicalização tem relações com o higienismo e a eugenia. Sobre o ideal eugenista na educação, as autoras revelam que se acreditava em um determinismo genético que definiria a capacidade de adaptação ou não do indivíduo ao meio. Não se questionava mais a causa do desvio social, o foco estava em medir a incapacidade do aluno. A causa do fracasso escolar seria genética, cuja condição a escola não poderia intervir. Entre 1914 a 1945, ampliou-se o uso de testes psicológicos e físicos, como de medida do crânio. Mensurar a personalidade e as aptidões pelas formas do crânio caiu em desuso, diferente dos testes psicológicos. A ciência respaldou a área que estuda as diferenças individuais (a psicometria), esta passou a justificar as desigualdades sociais. O conhecimento científico auxiliou na individualização da causa do fracasso escolar. No movimento do higienismo havia a Liga Brasileira de Hygiene Mental, formada principalmente por médicos cujos objetivos eugenistas se expressam por preocupações como querer: “[...] evitar o rebaixamento da ‘raça brasileira’, impedindo que as ‘classes fracas’ ‘contaminassem’ os alunos das ‘classes fortes’ (WANDERBROOCK JUNIOR, 2009, p. 131). O fator selecionista, excludente e autoritário (pautado em uma pretensa autoridade científica biomédica) do higienismo na educação é expresso por (WANDERBROOCK JR, 2009, p. 149): O individualismo também estava relacionado ao momento histórico, quando então começava a se consolidar o cidadão num modelo de natureza jurídica que pretendia universalizar o homem segundo os modelos burgueses. Nessa perspectiva, não são as classes, mas os cidadãos que compõem a sociedade. Os homens, com isso, são destituídos de sua capacidade de agentes transformadores, já que não são os interesses históricos que predominam, porém os do cidadão devidamente educado, devidamente selecionado e higienizado para a educação nas escolas. Uma grande contradição é demonstrada por Barroco, Facci e Moraes (2017, p. 18), para quem: No atual desenvolvimento da sociedade burguesa, que nega a história e a historicidade dos homens, essas contradições se encarnam nos sujeitos como se fossem problemas individuais que, por isso mesmo, devam ser resolvidos de modo pessoal. Por exemplo, podemos considerar que uma criança é ‘agitada’ por sua ‘natureza’, e por isso deva tomar remédios que a ajudem a se acalmar, não levando em conta que os seres humanos dessas últimas décadas estão cada vez mais agitados e sobrecarregados, porque precisam lutar para sobreviver/viver e para fazer frente aos padrões elevados de consumo. Assim, quando não pomos em perspectiva o contexto societário dos sujeitos e suas aflições, tendemos a conceber ambos (os sujeitos e suas demandas) pelo viés da patologização e da biologização do que é, antes de tudo, histórico e social. Embora a lógica burguesa e neoliberal exponha o remédio como algo efetivo para a resolução de conflitos sociais e educacionais, como se fossem de ordem meramente individual e biológica, a medicalização é fenômeno coletivo que expressa como os homens estão sendo formados. Já em 1975, o sociólogo Peter Conrad identificou e denunciou a medicalização. Em Zorzanelli, Ortega e Bezerra Junior (2014, p. 1860) lemos o conceito mais atual do sociólogo, expondo que medicalização: “[...] descreve um processo pelo qual problemas não médicos passam a ser definidos e tratados como problemas médicos, frequentemente em termos de doenças ou transtornos”. A medicalização reflete no campo biomédico preceitos neoliberais, como a responsabilização de indivíduos por aquilo que se produziu socialmente. Embora os educadores culpabilizem o aluno, informações sobre o crescente uso de medicamentos, em especial o metilfenidato, são alarmantes, como se pode observar na figura 2 (conforme será aprofundado na unidade 2). Figura 2 - Gráfico de vendas de metilfenidato no Brasil Fonte: Forúm sobre a medicalização da educação e da sociedade (2015, p. 06). Os dados trazidos indicam que é necessário um olhar amplo sobre a educação, fabricaçãode medicamentos e consumo no Brasil. Compreender como o ideal neoliberal de responsabilizar apenas o indivíduo por seu sucesso/fracasso aliado a interesses de grandes indústrias farmacêuticas colaboram para a enorme quantidade de crianças utilizando a medicação, muitas vezes, como tratamento único para dificuldades escolares e de aprendizagem. Além dos aspectos históricos é preciso compreender questões sociais que entrelaçam a família, escola e infância na construção e manutenção do processo de medicalizar a vida e a escola. Para tanto, focaremos agora no desenvolvimento do modelo de família da atualidade, passando pelo modo como ele se constituiu. 2 A RELAÇÃO SOCIAL ENTRE A FAMÍLIA E A ESCOLA D da foto stock livre de direitos: 383235532 www.shutterstock.com/ A família para Furtado et al. (2009) é um sistema que envolve o sistema sociocultural em que está inserida, o ciclo vital da família (que passa por vários estágios) e o crescimento e desenvolvimento biopsicossocial de seus membros. Tozoni Reis (1994), calcado no materialismo histórico, aponta a família como uma instituição que sob alguns aspectos se manteve inalterada e que contraditoriamente é palco de muitas mudanças. Em sua obra destacando a relação entre família e ideologia (p. 99), expõe que: No entanto, o que não pode ser negado é a importância da família tanto ao nível das relações sociais, nas quais ela se inscreve, quanto ao nível da vida emocional de seus membros. É na família, mediadora entre o indivíduo e a sociedade, que aprendemos a perceber o mundo e a nos situarmos nele. É a formadora da nossa primeira identidade social. Ela é o primeiro ‘nós’ a quem aprendemos a nos referir. Dentro do ideário sócio-histórico, explicitado por Tozoni Reis (1994, p. 102), a compreensão sobre a família exige aceitar que: Assim, vê-se que embora a família tenha um nível de autonomia em relação à economia, o que faz, em alguns casos, com que suas mudanças não acompanhem imediatamente e no mesmo sentido as mudanças econômicas, a estratégia familiar é sempre traçada fora dela. É portanto impossível entender o grupo familiar sem considerá-lo dentro da complexa trama social e histórica que o envolve. Refletindo sobre o imperativo de conhecer o desenvolvimento histórico e social da família como atualmente a vemos, opta-se por apresentar o panorama dado pelo historiador Philippe Ariès (2017), no qual empreende um esforço para demonstrar que nas sociedades industriais um novo lugar é assumido pela criança dentro das famílias. O http://www.shutterstock.com/ historiador comparou documentos e fontes das sociedades ocidentais tradicionais com as atuais e verificou que pouco se prestava atenção à criança na Europa durante a Idade Média. A proteção e maior cuidado dispensado à infância se restringia ao seu período mais frágil, quando os adultos lhe atribuíam algo de engraçado e frágil. Logo que a criança desenvolvia maior habilidade física, era posta junto aos adultos para aprender a trabalhar. De criança pequena, rapidamente era vista como um homem jovem. A transmissão de conhecimentos, valores e socialização não eram função da família. Era na vida comunitária que ela aprendia e era educada. Ao ajudar os adultos, a criança estaria aprendendo seu ofício e a como sobreviver. De acordo com o historiador, a função da família estava muito mais na conservação dos bens, o segredo e transmissão das práticas de um ofício e ajuda mútua cotidiana para a subsistência. A vida afetiva entre os membros de uma família não era entendida como algo obrigatório. Tanto que a perda de uma criança não gerava grande comoção, como norma geral. As trocas afetivas e as comunicações sociais se davam fora da família, na comunidade. Ariès (2017) destaca o papel da escola na nova conformação social em que a família se viu envolvida, desde o século XVII, pois a escola a substituiu, passando a aprendizagem para o meio da educação formal. A criança já não era mantida junto aos adultos para aprender diretamente no contato com as coisas da vida, conforme o correr dos acontecimentos fortuitos. A escolarização seria uma forma de educar mantendo a criança afastada do adulto. Com a importância que passou-se a atribuir à educação, a família tornou-se o lugar de uma afeição necessária entre si, entre marido e mulher e entre pais e filhos. Os filhos deixaram de existir em função da proteção dos bens e da honra. Para o historiador, novos sentimentos dentro da família se intensificaram, o de interesse e o de solicitude diante da criação e educação dos filhos, resultado dos grandes movimentos de moralização promovidos por reformadores católicos e protestantes. Entre os séculos XIX e XX, a família passa a se organizar em torno da criança. Se antes ela estava quase em anonimato e gozando de pouca relevância no ninho familiar, ganhou grande importância no lar. Houve verdadeira revolução escolar e sentimental, cujo enfoque favoreceu melhores cuidados com a criança. Fortalecendo os laços internos da família e solidificando a imagem de família nuclear (ARIÈS, 2017). Figura 3 - Ideal atual de família nuclear D da foto stock livre de direitos: 383235532 (shutterstock) Uma forma atual de descrever a família é subdividindo-a em dois tipos, a família nuclear e a família extensa. Para Papalia; Olds; Feldman (2009) a família nuclear é uma unidade econômica e doméstica que abarca laços de parentesco entre, no mínimo, duas gerações, como, por exemplo, genitores e filhos biológicos, adotados e/ou enteados. Já a família extensa envolve uma rede de parentesco com muitas gerações formadas por pais, filhos e outros parentes, muitas vezes, no mesmo lar. Tal diferenciação só faz sentido na sociedade atual, cuja preocupação central está em classificar fenômenos sociais, algo que não era muito forte há séculos. Observando a instituição familiar em seu atual contexto econômico, político, histórico e social, a família na atualidade é entendida por Barroco, Facci e Moraes (2017, p. 22) como: Essas transformações impactam os trabalhadores nos âmbitos pessoal e familiar: pais e mães, dedicados aos seus empregos e por estes levados à roda-viva do produtivismo, passam a ter menos tempo para si mesmos e para a educação de seus filhos. Podemos dizer que a intensificação da exploração do trabalho dos adultos amplia os processos de sofrimento deles e dos seus filhos. Embora nem sempre o ambiente familiar seja o melhor espaço, é preocupante o fato de as crianças estarem sendo levadas cada vez mais precocemente para ambientes sociais secundários - como, por exemplo, as creches - e atendidas por profissionais também formados cada vez mais aligeradamente. De modo resumido, temos hoje lares com mais produtos sendo consumidos e com mais pessoas sendo também consumidas, portanto, não é de estranharmos que as crianças chorem por seus pais e que estes cada vez mais negligenciem a si mesmos e aos filhos e, bombardeados por propagandas que referendam a ideologia de que ‘ter equivale a ser’, comprem produtos e serviços para educá-los, acalmá-los e agradá-los. De modo geral, resta-lhes pouco tempo para investirem nos vínculos e nas relações afetivas. Embora a ética de criação dos filhos hoje preceitua trocas afetivas além dos cuidados materiais, as condições de produção da vida obriga a intensa vida laboral dos adultos que interferem no tempo livre dedicado às demonstrações afetivas às crianças. https://www.shutterstock.com/pt/photos O sentimento de culpa pelo pouco tempo despendido aos filhos é recorrente e facilmente sanado com presentes, impulsionando o consumismo, em vez de reflexão sobre as condições de vida. As relações humanas dentro das famílias, se não cuidadas, podem ficar fragilizadas. Também as relações entre criança e escola e família e escolapodem sofrer abalos e devem ser foco de atenção de todos os envolvidos, para que diante de possíveis dificuldades da criança (financeira, emocional, motivacional etc.) ela não seja tratada como portadora de um transtorno biológico sem antes considerar suas condições concretas de vida. SAIBA MAIS O que muito tem chamado a atenção, quando se volta o olhar para o problema do fracasso escolar e, mais especificamente, para o índice elevado de estudantes com dificuldades na aprendizagem, é a constatação de como igualmente se evidencia a iniciativa da escola em promover o encaminhamento desses estudantes para avaliação e tratamento na área de saúde. Nesses casos, psicólogos e médicos são os especialistas mais procurados. Segundo Souza (1994, citado por Dias, 2008), no Brasil, 50% dos encaminhamentos para atendimento psicológico são feitos pela escola, enquanto 26% são feitos pela família e 23% pelos médicos. Esses encaminhamentos traduzem demandas relativas às dificuldades e problemas dos alunos no processo de escolarização. Dificuldades na aprendizagem e problemas na convivência com colegas e professores são identificados, ganham explicações diagnósticas e seguem para a área de saúde. Fonte: Santos, Cazzani e Zucoloto (2019, p. 02). #SAIBA MAIS# REFLITA O único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento. Fonte: Vygotsky. #REFLITA# CONSIDERAÇÕES FINAIS Como vimos, não é possível entender as relações que se dão na família e na escola sem compreender as relações econômicas e políticas que orientam o estilo de vida, condições de trabalho, de tempo com os filhos, enfim, as condições concretas de construção e manutenção da vida. A abordagem sócio-histórica acata o desafio de enxergar o homem em suas relações históricas e sociais, sem cair no automatismo de analisar um ser humano abstrato como muitas vezes a psicologia das diferenças individuais o fez. Taxar comportamentos de corretos/incorretos, adequados/inadequados ou saudáveis/ não saudáveis com base em relatos de profissionais da saúde sem o devido olhar para questões educacionais, econômicas e sociais tem feito muitas vítimas na escola. A abordagem sócio-histórica contribui para tomarmos consciência de que no que se refere ao fracasso escolar, não vemos a floresta, não vemos nem mesmo a árvore, posto que só enxergamos poucos galhos da árvore. Com rigor e muito tecnicismo avaliamos aspectos biológicos dos alunos irrequietos, irreverentes e questionadores desconsiderando todas as relações e processos que tornam um ser em um humano. A família e a escola perdem seu sentido quando vistas despidas da sociedade em que se encontram. Ambas promovem educação e cuidado da criança e têm seus objetivos e meios definidos socialmente. A história da expansão da escola se mescla com a história da intensificação do cuidado e afeto despendido pela família à criança. Os últimos séculos no mundo ocidental levou a grandes transformações sobre as quais a escola ainda busca definir seu papel. E embora tal empreendimento da escola não possa ser facilmente descrito em poucas linhas, temos clareza que sua função não é a de servir à indústria farmacêutica. Cada profissional que atua na escola deve ter por finalidade aumentar a compreensão e articular saberes, não a redução do ser humano em ser taxado como um mero organismo com ou sem defeito. LEITURA COMPLEMENTAR Disbicicléticos Dani é uma criança que não sabe andar de bicicleta. Todas as outras crianças do seu bairro já andam de bicicleta; os da sua escola já andam de bicicleta; os da sua idade já andam de bicicleta. Foi chamado um psicólogo para que estude seu caso. Fez uma investigação, realizou alguns testes (coordenação motora, força, equilíbrio e muitos outros; falou com seus pais, com seus professores, com seus vizinhos e com seus colegas de classe) e chegou a uma conclusão: esta criança tem um problema, tem dificuldades para andar de bicicleta. Dani é disbiciclético. Agora podemos ficar tranquilos, pois já temos um diagnóstico. Agora temos a explicação: o garoto não anda de bicicleta porque é disbiciclético e é disbiciclético porque não anda de bicicleta. Um círculo vicioso tranquilizador. Pesquisando no dicionário, diríamos que estamos diante de uma tautologia, uma definição circular. “Por qué la adormidera duerme? La adormidera duerme porque tiene poder dormitivo”. Pouco importa, porque o diagnóstico, a classificação, exime de responsabilidade aqueles que rodeiam Dani. Todo o peso passa para as costas da criança. Pouco podemos fazer. O garoto é disbiciclético! O problema é dele. A culpa é dele. Nasceu assim. O que podemos fazer? Pouco importa se na casa de Dani seus pais não tivessem tempo para compartilhar com ele, ensinando-o a andar de bicicleta. Porque para aprender a andar de bicicleta é necessário tempo e auxílio de outras pessoas. Pouco importa que não tenham colocado rodinhas auxiliares ao começar a andar de bicicleta. Porque é preciso ajuda e adaptações quando se está começando. Pouco importa que não haja, nas redondezas de sua casa, clubes esportivos com ciclistas com quem ele pudesse se relacionar, ou amigos ciclistas no bairro que o motivassem. Porque, para aprender a andar de bicicleta não pode faltar motivação e vontade de aprender. E pessoas que incentivem! Pouco importa, enfim, que o garoto não tivesse bicicleta porque seus pais não puderam comprá-la. Porque para aprender a andar de bicicleta é preciso uma bicicleta. (Felizmente, os pais de Dani, prevendo a possibilidade de seu filho ser disbiciclético, preferiram não comprar uma bicicleta até consultar um psicólogo.) Transportando este exemplo para o campo da síndrome de Down, o processo é semelhante. Desde quando a criança é muito pequena, apenas um recém-nascido, é feito um diagnóstico – trissomia do cromossomo 21 – por um médico especialista, e verificado, com uma prova científica, o cariótipo. A partir disso, entramos em um círculo vicioso no qual os problemas justificam o diagnóstico, o qual, por sua vez, é justificado pelos problemas. Por que a criança não cumprimenta, não diz bom-dia quando chega, nem adeus quando vai embora? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Achei que era mal-educada. Por que a criança não se veste sozinha, e sua mãe a veste e despe todos os dias, se já tem oito anos? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Pensei que não lhe tinham ensinado. Por que continua a tomar mamadeiras se já tem seis anos? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Imaginei que era comodismo de seus pais. Por que a criança não sabe ler? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Pensei que não lhe haviam ensinado. Por que não anda de ônibus ? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Pensei que não lhe permitiam fazer isso. E, assim, uma lista interminável de supostas dificuldades que, por estarem justificadas pela síndrome de Down, não necessitam de nenhuma intervenção, além da resignação. Todas as suas dificuldades se devem à síndrome de Down. Podemos estender a qualquer outra deficiência em que o diagnóstico médico ou psicológico possa ser utilizado como desculpa para nos eximirmos de responsabilidades. Se classificamos a criança como disfásica, disléxica, discalcúlica, disgráfica, deficiente visual ou auditiva, mental ou motora, disártrica ou simplesmente disbiciclética, estamos fazendo algo mais do que “colocar um nome” no que pode acontecer com uma criança. Estamos criando expectativas naqueles que a cercam. Por isso, eu sugiro que antes de comprar uma bicicleta para seu filho ou sua filha, comprove que não sejam disbicicléticos. Não vá que aconteça imediatamente após a compra dar-se conta de que se jogou dinheiro fora. Por Emilio Ruiz Rodriguez* * Psicólogo da Fundação Down Cantabria Fonte: zerohora.com Publicado origanalmenteem espanhol em http://www.downcantabria.com/revistapdf/85/73-74.pdf http://www.inclusive.org.br/arquivos/zerohora.com http://www.inclusive.org.br/arquivos/zerohora.com http://www.inclusive.org.br/arquivos/zerohora.com http://www.downcantabria.com/revistapdf/85/73-74.pdf LIVRO • Título: O desaparecimento da infância. • Autor: Neil Postman • Editora: Graphia. • Sinopse: Em ´O desaparecimento da infância´, o crítico social Neil Postman afirma que não só é possível que a infância desapareça, mas isso vem acontecendo na velocidade da luz. A erotização precoce e a crescente participação infanto-juvenil nos índices de criminalidade são apenas alguns sinais alarmantes disso. Trata-se de uma consequência da revolução ocorrida na existência humana no século XX com a troca da informação impressa pela informação eletrônica como forma dominante de comunicação social. O novo mundo já está gerando dois tipos de pessoa - a criança-adulto e o adulto-criança. E ambos, muito em breve, se tornarão idênticos, com diferenças marcantes apenas na primeira infância e na senectude. FILME/VÍDEO • Título: Medicalização - Mentes em Pauta | Ana Beatriz • Ano: 2019. • Sinopse: Dra Ana Beatriz Barbosa Silva e Dr Alex Rocha debatem sobre medicalização. • Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=TVMBOdUkEhQ&t=314s REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. R. ; GOMES, R. M. Medicalização social e educação: contribuições da teoria da determinação social do processo saúde-doença. Nuances: estudos sobre educação. 25 (1), 155- 175, 2014. ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2017. BARROCO, S. M. S.; FACCI, M. G. D.; MORAES, R. J. S. 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Objetivos de Aprendizagem: • Contextualizar os movimentos sociais na luta contra a medicalização; • Compreender os efeitos da medicalização; • Estabelecer a importância dos movimentos sociais no enfrentamento da medicalização. INTRODUÇÃO A medicalização da sociedade é uma triste realidade. Dentro da escola, profissionais e alunos têm seus corpos e vidas marcados por essa forma de lidar com suas dificuldades, por meio de medicalização das dores de base afetivas e sociais. Diante de tal quadro, com números progressivamente maiores e escandalosos de crianças medicalizadas, em que a indústria farmacêutica apenas vê um mercado consumidor, muitas instituições de classe profissional e coletivos compostos por várias profissões ligadas à educação e à saúde, posicionam-se. É necessário conhecer mais a fundo os efeitos da medicação dada em larga escala aos alunos e desvelar as políticas públicas que precisam ser fortalecidas para que se respeite o desenvolvimento e o direito à educação das crianças. Da união de vários setores da sociedade criou-se o Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, cujo objetivo é articular pessoas e instituições para a superação da medicalização da aprendizagem e do comportamento. O Fórum tem favorecido que se conheça os números que a indústria farmacêutica move para que se tenha consciência do problema social da medicalização da infância. Ao relacionarmos os dados de vendas dos remédios, tidos como soluções milagrosas para questões complexas, com sua distribuição anual e por semestre letivo, podemos ficar menos ingênuos e reconhecer o quanto a escolarização tem utilizado a medicação como muleta para grandes problemas. Muitos profissionais da educação fecham os olhos para aspectos históricos e sociais que se dão na escola, havendo baixo empenho em consolidar as políticas públicas e leis que garantem a educação de qualidade. Os saberes gerados pela sociedade, além de serem partilhados com as gerações mais novas, devem pautar as ações educativas. O conhecimento sobre questões culturais e sociais já foi formulado, de modo que reduzir as capacidades humanas a um dado biológico é um retrocesso que afeta a saúde e aprendizagens que as novas gerações terão. 1 O FÓRUM SOBRE A MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE Imagem do Tópico: www.shutterstock.com/ D do vetor stock livre de direitos: 1513393337 Trazendo o entendimento de medicalização como um processo que transforma, artificialmente, situações não médicas em problemas médicos e apresentados como transtornos e distúrbios, o Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015a) desvela uma realidade em que questões políticas, sociais, culturais, afetivas da vida são tomadas como individuais, são tornados meramente biológicos. Diante de um contexto opressor e excludente, criou-se o Fórum. São características do Fórum sobre medicalização da educação e da sociedade (2015) ter caráter político, ter atuação permanente, com decisões tomadas por consenso. A história do referido movimento data de 11 de novembro de 2010, quando profissionais das áreas de Saúde e Educação e representantesde entidades participaram do I Seminário Internacional “A Educação Medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos”, em São Paulo. Nessa data foi lançado o Fórum. O Fórum reuniu muitas pessoas e instituições na causa contra a medicalização. Figura 1 - União necessária para lutar contra a medicalização Fonte: ID da foto stock livre de direitos: 2025420521 shutterstock No Fórum sobre medicalização da educação e da sociedade (2015a) encontramos que a crítica e o enfrentamento à medicalização no Brasil ainda está em um estágio inicial. Portanto, os objetivos do Fórum são articular grupos, pessoas e entidades para a superação da medicalização da aprendizagem e comportamento. No documento do Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015b), temos que o Fórum reafirma seu papel de movimento social ao intervir, questionar e subsidiar as políticas públicas, pressionando no debate sobre o tema. No mesmo documento, (p. 24) obtemos a descrição de que: O Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade é movimento social criado em 2010 com o objetivo de questionar o crescente aumento dos https://www.shutterstock.com/pt/photos diagnósticos como o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), Dislexia e TOD (Transtorno Opositor Desafiador). Esses diagnósticos são uma das formas de expressão do fenômeno da medicalização da educação e da sociedade. Para compreensão do escopo do Fórum, cabe destacar partes do Manifesto do Lançamento do Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, em Subsídios para Campanha Não à Medicalização da Vida, Medicalização da Educação (2013, p. 14- 15) que expressa sua função: I. Ampliar a democratização do debate; II. Estabelecer mecanismos de interlocução com a sociedade civil: i. popularizar o debate, sem perder o rigor científico; ii. pluralizar os meios de divulgação, incluindo cordéis, sites, artes em geral; iii. construir estratégias para ocupar espaços na mídia. III. Estabelecer mecanismos de interlocução com a Academia: i. ampliar a discussão entre profissionais das diversas áreas; ii. construir estratégias para ocupar espaços nos cursos de formação inicial e continuada dos profissionais das diversas áreas; iii. apoiar propostas curriculares de humanização das práticas de educação e de saúde. IV. Socializar o significado da medicalização e suas consequências: i. reconhecer as necessidades das famílias que vivenciam processos de medicalização; ii. esclarecer riscos da drogadição – drogas lícitas e ilícitas - como consequência da medicalização. V. Ampliar a compreensão sobre a diversidade e historicidade dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento humano. VI. Construir estratégias que subvertam a lógica medicalizante. VII. Ampliar a produção teórica no campo da crítica à medicalização. VIII. Intervir na formulação de políticas públicas, subsidiando o embasamento em novas concepções de ser humano e de sociedade. IX. Apoiar iniciativas de acolhimento e o fortalecimento das famílias, desmitificando pretensos benefícios da medicalização. X. Apoiar ações intersetoriais que enfrentem os processos de medicalização da vida. Do Fórum se materializaram ações para promoção do debate, de modo ininterrupto, sobre os efeitos sociais e na saúde de crianças e adolescentes medicalizadas por seu desempenho escolar estar abaixo do esperado. As reflexões propostas visam proteger e desvelar as relações escolares que são impactadas negativamente, quando apenas se medicaliza um aluno sem observar as profundas e importantes relações sociais que humanizam cada ser. Continuaremos a discussão focando o papel da indústria farmacêutica na manutenção da medicalização da educação e luta dos movimentos sociais por uma educação mais humanizada e crítica. 2 OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA NO DESEMPENHO NEUROPSICOLÓGICO Imagem do Tópico: www.shutterstock.com/ D da foto stock livre de direitos: 1767694457 Há uma divisão quanto ao entendimento sobre os meios de intervir no desempenho neuropsicológico dos alunos. Há a posição predominante da indústria farmacêutica (de ordem biomédica) e o entendimento de vários movimentos sociais formados por educadores, psicólogos, médicos entre outros (com foco na compreensão global da pessoa). Primeiro falaremos da indústria farmacêutica. Todo ato de medicar parte de uma necessidade. As crianças e adolescentes medicados com o metilfenidato são diagnosticados com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Se há um transtorno, ele merece ser tratado. Contudo, dentro da psiquiatria se questiona o valor dos diagnósticos, pois, como destaca Guarido (2007, p. 154, grifo nosso): Se a psiquiatria clássica, de forma geral, esteve às voltas com fenômenos psíquicos não codificáveis em termos do funcionamento orgânico, guardando espaço à dimensão enigmática da subjetividade, a psiquiatria contemporânea promove uma naturalização do fenômeno humano e uma subordinação do sujeito à bioquímica cerebral, somente regulável pelo uso dos remédios. (...) Há aí uma inversão não pouco assustadora, pois na lógica atual de construção diagnóstica, o remédio participa da nomeação do transtorno. Visto que não há mais uma etiologia e uma historicidade a serem consideradas, pois a verdade do sintoma/transtorno está no funcionamento bioquímico, e os efeitos da medicação dão validade a um ou outro diagnóstico. O caráter experimental da administração de medicamentos pode ser acompanhado nos procedimentos médicos atuais, bem como a mudança dos diagnósticos pela variação dos sintomas apresentados em certo espaço determinado de tempo. Como indica a autora, a indústria farmacêutica está presente na classificação dos transtornos mentais. Essa indústria também tem forte presença junto aos médicos, realizando um marketing de ética muito questionável, como nos aponta a cartilha Subsídios para Campanha Não à Medicalização da Vida, Medicalização da Educação (2013, p. 08): http://www.shutterstock.com/ https://www.shutterstock.com/pt/photos Pesquisadores e psiquiatras norte-americanos, argentinos, franceses e brasileiros têm denunciado o papel mercadológico da indústria farmacêutica em função das campanhas que têm desenvolvido para comercialização em massa de remédios voltados para a área de transtornos mentais e de comportamento. O marketing desenvolvido pelas indústrias têm aumentado e muito o consumo de drogas com base em anfetaminas, as chamadas “tarja- preta” por atuarem diretamente no Sistema Nervoso Central e apresentarem graves efeitos colaterais. Marcia Angell, médica e ex-editora-chefe do New England Journal of Medicine, escreveu “A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos”, no qual analisa como os laboratórios se afastaram de sua missão original de descobrir e fabricar remédios úteis para se transformar em máquinas de marketing. Ao ser dado o diagnóstico do TDAH é de uso corrente o tratamento, quase sempre exclusivamente, com o metilfenidato. A produção, distribuição e venda do metilfenidato é objeto de análise na nota técnica do Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015b, p. 05): O aumento da quantidade de metilfenidato fabricado é proporcional ao aumento do consumo em todo o mundo que pode ser atribuído à várias razões, como: a) o aumento do número de pacientes diagnosticados com TDAH; b) a ampliação da faixa etária dos pacientes que são susceptíveis a receber a prescrição de metilfenidato; c) o aumento do uso em adultos; d) erro no diagnóstico de TDAH e prescrição indevida de metilfenidato; e) a falta de diretrizes médicas adequadas relativas à prescrição de metilfenidato; f) a oferta do mercado cada vez maior em muitos países; g) as práticas comerciais influentes, ou de marketing agressivo por parte de fabricantes de preparados farmacêuticos que contém metilfenidato, h) a pressão daopinião pública, como a exercida por associações de pais para o direito das crianças a acessar a medicação para o tratamento de TDAH. Aliado ao grande empreendimento de marketing das indústrias farmacêuticas, há os conteúdos pretensamente científicos a difundir estereótipos e sinais de alerta para os transtornos infantis, como adverte Guarido (2007, p. 157): O discurso médico difundido na mídia leiga, em forma de artigos simplistas que naturalizam o sofrimento da criança e seus ‘problemas de aprendizado’, apresenta-se atualmente na escola de forma marcante. É comum que professores e coordenadores professem diagnósticos diante da observação de certos comportamentos das crianças, especialmente de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), e as encaminhem para avaliação psiquiátrica, neurológica e/ou psicológica. A educação formal tem sido um alvo da indústria farmacêutica. Pois o grande consumo do metilfenidato por estudantes é o motor dessa indústria. Como pode ser observado na figura 2, o consumo de estimulantes como o metilfenidato (princípio ativo presente nas medicações de ritalina e concerta) e o lis-de-xanfetamina (no venvanse) está intimamente relacionado ao período letivo, o que denota que a escolarização é um fator importantíssimo para as vendas. Figura 2 - O consumo dos principais estimulantes por semestre Fonte: Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015b, p. 07). Outra informação relevante é a distribuição das vendas ao longo do ano, como nos mostra a figura 3. Nos meses de janeiro e dezembro há pronunciada queda no consumo de cloridrato de metilfenidato. Figura 3 - Venda de caixas de metilfenidato por mês Fonte: Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015b, p. 08). Embora haja enorme taxa de consumo de psicoestimulantes entre crianças e adolescentes diagnosticado com TDAH, em Subsídios para Campanha Não à Medicalização da Vida, Medicalização da Educação (2013, p. 12) alerta-se para que: São apresentados índices absurdos de pretensos transtornos de ordem biológica na população, que destoam da prevalência de todas as doenças da mesma natureza; • Indução ao estabelecimento de relação direta, linear e absoluta entre genética e manifestação da morbidade; • Desconsideração da realidade escolar na compreensão do fenômeno da alfabetização e da escolarização; Ou seja, questiona-se a relação causal de baixa aprendizagem estar ligada exclusivamente a fatores orgânicos. Campos e Sant`Ana (2019) apontam que para combater os excessos da medicalização, com a suposta finalidade de solucionar problemas de aprendizagem, é necessário conhecer elementos básicos de sua farmacologia, terapêutica e efeitos adversos. Em Pizzol et al. (2016 apud CAMPOS e SANT`ANA, 2019), medicar crianças deve receber enorme atenção, porque a incerteza em relação à eficácia e segurança é maior, visto que os estudos normalmente não envolvem essa faixa etária. Quanto ao uso do metilfenidato em crianças, Campos e Sant`Ana (2019) descrevem haver muitas contradições e dados questionáveis. Um dado encontrado na bula do medicamento ritalina, é que o metilfenidato é uma anfetamina e pode causar dependência (NOVARTIS, 2021). Alguns pesquisadores afirmam que existe um risco potencial de que após o uso prolongado desse fármaco, ocorra a substituição da droga legal por outras ilícitas de mecanismos similares (CAMPOS e SANT`ANA, 2019). Importante questionamento é feito por Itaborahy e Ortega (2013) sobre qual seria o tempo indicado para utilização da medicação, pois seus efeitos acontecem apenas durante a administração do remédio. O que a literatura científica traz é muito pouco, afirmam, e também não se encontram dados publicados sobre a segurança do uso prolongado da droga. A respeito dos efeitos neuropsicológicos em curto prazo, o uso do metilfenidato promove dor de cabeça, desinteresse, euforia e olhar parado e a longo prazo dependência, efeitos cardiovasculares e possível redução da estatura (ITABORAHY e ORTEGA, 2013). Uma limitação talvez pouco conhecida da droga é que seu uso não é a cura para o TDAH, mas sim um recurso para consolidação da atenção enquanto dura o efeito do medicamento, posto que pesquisadores da área associam o efeito sintomático, ou seja, restrito ao período de uso (CAMPOS e SANT`ANA, 2019). Por fim, Campos e Sant`Ana (2019) orientam que se questione se os crescentes casos de diagnóstico estão realmente vinculados a problemas de origem neurológica, ou poderiam ser questões educacionais. As autoras deixam a inquietação para nos mantermos alertas e usar todas as ferramentas possíveis para que o menor número de crianças seja exposto ao uso contínuo de medicamentos de ação sobre o Sistema Nervoso Central. Após análise dos dados de vendas do medicamento metilfenidato e sua íntima relação com a vida escolar, focaremos o que dizem os movimentos sociais que se opõem à medicalização da vida e da educação. Partiremos, agora, da cartilha redigida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). Em Subsídios para Campanha Não à Medicalização da Vida, Medicalização da Educação (2013) denuncia a indústria farmacêutica ser a segunda em faturamento no mundo, ficando atrás da indústria bélica. Como principal alvo da medicalização infantil, o TDAH passou a ser melhor observado pelos movimentos contra a medicalização. Isso porque muitos diagnósticos de TDAH são atribuídos a crianças mais pelos seus comportamentos em sala de aula do que por avaliações criteriosas e cuidadosas. É necessário ter claro que os objetivos da educação não são mensuráveis por resultados de exames neurológicos ou neuropsicológicos. O objetivo da educação está na aprendizagem e vários fatores convergem para que ela exista. A biologia, a questão genética, a formação intrauterina e primeiros anos de vida influenciam na capacidade de aprendizagem, contudo não é um forte determinante, no sentido de que o ambiente escolar de modo amplo pode contornar dificuldades, desde que esse fenômeno não seja reduzido à questão orgânica. Esse aspecto é ressaltado em Subsídios para Campanha Não à Medicalização da Vida, Medicalização da Educação (2013, p. 06): E é com grande surpresa e preocupação que constatamos, a partir do ano 2000, o retorno das explicações organicistas centradas em distúrbios e transtornos no campo da educação para explicar dificuldades de crianças na escolarização. Temáticas tão populares nos anos 1950-1960 retornam com roupagem nova. Não se fala mais em eletroencefalograma para diagnosticar distúrbios ou problemas neurológicos, mas sim em ressonâncias magnéticas e sofisticações genéticas, mapeamentos cerebrais e reações químicas sofisticadas tecnologicamente. Embora esses recursos da área da saúde e da biologia sejam fundamentais, enquanto avanços na compreensão de determinados processos humanos, quando aplicados ao campo da educação retomam a lógica já denunciada e analisada durante décadas de que o fenômeno educativo e o processo de escolarização não podem ser avaliados como algo individual, do aprendiz, mas que as relações de aprendizagem constituem-se em dimensões do campo histórico, social e político que transcendem, e muito, o universo da biologia e da neurologia. O avanço das explicações organicistas para a compreensão do não aprender de crianças e adolescentes retoma os velhos verbetes tão questionados por setores da Psicologia, Educação e Medicina, a saber, dislexia, disortografia, disgrafia, dislalia, transtornos de déficit de atenção, com hiperatividade, sem hiperatividade e hiperatividade. Em Subsídios para Campanha Não à Medicalização da Vida, Medicalização da Educação (2013, p. 09) temos que: Há mais de 40 anos, as produções científicas das áreas da Educação, Saúde, Ciências Sociais, Psicologia e Medicina, entreoutras, apontam o caráter excludente da Educação e a recorrente culpabilização/atribuição a determinados indivíduos ou grupos sociais por seus maus desempenhos escolares. Tais estudos reconhecem a presença de inúmeros desafios a serem superados frente à diversidade de condições orgânicas, comportamentais, culturais, étnicas, religiosas, etc. Entretanto, esclarecem que a consecução de um projeto de Educação de qualidade para TODOS não deve estar submetida a supostos diagnósticos em saúde, sob o risco de patologizar os processos ensino-aprendizagem, estigmatizar os alunos e reduzir os propósitos da Educação. Tanto o Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade quanto outros movimentos sociais intentam fomentar um olhar crítico e global sobre as relações que favorecem o processo de ensino-aprendizagem, que não deve ser uma visão restrita somente ao fator biológico. Tais debates também ocorrem em outros países, pois há outros Fóruns internacionais lutando pela educação e sociedade livres da medicalização. Existe o FórumADD (formado por um grupo de profissionais das áreas da medicina, psicologia e educação, com sede em Buenos Aires) e o coletivo Pas de Zéro de Conduite (formado por médicos, psicólogos, profissionais da área da saúde, com sede em Paris). A medicalização é um fenômeno global e deve ser combatida em conjunto para que haja eficiência na promoção do bem-estar e justiça social. SAIBA MAIS O coletivo Pas de Zéro de Conduite (PDC) foi originado por um grupo de profissionais da saúde infantil em 2006, tendo como objetivo barrar um projeto de lei que previa a detecção precoce do transtorno de conduta em crianças, a partir de 3 anos de idade, a fim de prevenir o risco de delinquência juvenil a posteriori (PAS DE ZÉRO DE CONDUITE, 2011). Tal projeto se fundamentou em uma pesquisa promovida pelo Institut National de la |Santé et la Recherche Medical (INSERM) publicada no ano de 2005 sobre o Transtorno de Conduta em crianças. Trata-se de uma metanálise que apresenta como resultado a presença de uma correlação entre as “dificuldades psíquicas da criança e uma evolução em direção à delinquência”. Fonte: Mustarelli e Souza (2019, versão online, posição 3754). #SAIBA MAIS# REFLITA As maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade. Fonte: Lev Vygotsky. #REFLITA# https://www.pensador.com/autor/lev_vygotsky/ CONSIDERAÇÕES FINAIS O modo como a sociedade tem lidado com suas mazelas afeta as relações entre as pessoas. A escola, predominantemente, tem assumido a visão reducionista de que os problemas de aprendizagem são problemas do aluno, com uma causa simples de origem biológica. A complexidade das questões sociais como exclusão, miséria e preconceito deveriam ser vistos como fatores que interferem no fenômeno da aprendizagem, pois são condições concretas que facilitam ou dificultam a motivação e desejo de aprender. Para se contrapor à lógica neoliberal excludente e individualizante dos problemas, vários movimentos sociais se uniram em um esforço coletivo e perene. Com o intuito de promover uma educação de qualidade foi criado o Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, que congrega esforços de diversos setores e profissões para que a educação de fato atinja a todas as pessoas de modo justo, ensinando os conhecimentos sociais acumulados ao longo do tempo. O Fórum aglutina profissionais e instituições para fomentar debates e conscientização dos determinantes históricos e sociais que levam aos problemas de aprendizado. Problemas que não são individuais de cada aluno, mas que englobam todos os atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Para se compreender o alcance da indústria farmacêutica sobre a infância, vimos dados mostrando o crescimento vertiginoso das vendas e o quanto o consumo de muitas medicações varia conforme o momento da vida escolar, com expressivo maior consumo no segundo semestre letivo. Dado o grande fluxo de medicalização da infância, os movimentos sociais precisam se fortalecer para fazer frente a forças perversas que visam lucro acima do bem-estar e saúde das novas gerações. Quanto mais os educadores e todos os profissionais da saúde envolvidos com a educação compreenderem que é a aprendizagem que leva ao desenvolvimento, mais nortearão seu trabalho para possibilitar o desenvolvimento pleno, isto é, das funções psicológicas superiores, em vez de esperar por um aluno que chegue pronto na escola. LEITURA COMPLEMENTAR O termo normose vem no bojo da constituição de um novo paradigma de abordagem da realidade humana, vale dizer um paradigma do tipo holístico, preocupado em superar os limites reducionistas do paradigma newtoniano-cartesiano (Cf. Santos Neto, 1998; 2002 e 2004), e também disposto a resgatar a inteireza da condição humana. De acordo com Weil (2003, p.18), Jean-Yves Leloup, Roberto Crema e ele próprio, Pierre Weil, estão na origem da formulação do conceito, elaborado com a finalidade de auxiliar a compreender os muitos aspectos envolvidos na construção da identidade do sujeito complexo. Weil (2003, p. 22) assim define normose: A normose pode ser definida como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir, que são aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença e morte. Em outras palavras, é algo patogênico e letal, executado sem que os seus autores e atores tenham consciência de sua natureza patológica. As características de um comportamento normótico segundo o autor são, portanto: “1. é um hábito de pensar, sentir e agir; 2. aceito como normal por consenso social; 3. tem natureza patogênica ou letal; 4. e gênese pessoal ou coletiva, mediante um processo introjetivo” (WEIL, 2003, p. 23). Assim, para Weil (idem, p.23) a normose é uma normalidade doentia. Para ele, há, ainda, uma diferença entre a normose e uma normalidade saudável que se constitui num consenso (por exemplo: levantar-se cedo e caminhar diariamente); e entre aquela e a normalidade neutra (por exemplo: almoçar ao meio-dia). A normose diz respeito, portanto, àquele comportamento padronizado pela cultura, aceito como normal pela esmagadora maioria dos sujeitos, introjetado pelos mesmos e que, no entanto, é limitador da dinâmica de construção de autonomia e de saúde. Como ele é a regra da normalidade os sujeitos o executam sem questionamentos, às vezes inconscientemente. E aqueles que chegam a questioná-lo enfrentam um medo muito grande: o medo de serem excluídos do grupo caso não vivam de acordo com esta regra de normalidade. Nesses sujeitos permanece, entretanto, uma angústia. A angústia de negar o próprio desejo para viver aquilo que é tido como normal por medo de, caso não viva assim, ser discriminado ou excluído do grupo. Leloup (2003) nos ajuda a compreender melhor este processo: (...) a normose é um sofrimento (...) É ela que nos impede de sermos realmente nós mesmos. O consenso e a conformidade impedem o encaminhamento do desejo no nosso interior (p. 25). “A existência desenvolve-se por meio de desejos e de medos. O desejo inconsciente é o desejo do Aberto, apreendido como total presença ou plenitude, denominado em grego, pleroma. O medo inconsciente é o medo do Aberto, compreendido como total vacuidade, aniquilamento ou dissolução do ego; em grego, kénosis. (...) O ser humano transforma-se, portanto, pelo seu desejo de pléroma, vencendo o medo de kénosis. Existe em nós um desejo de plenitude e, ao mesmo tempo, o medo do aniquilamento. Em outras palavras, eros e thanatos, pulsão de vida e pulsão de morte, plenitude e aniquilamento, são, portanto, dois modos de apreensão do Aberto:um positivo e outro negativo. Um como objeto de desejo e outro como objeto de medo; uma mesma realidade que é desejada e que nos amedronta... E a normose está relacionada com a pulsão de morte. É a estagnação do desejo, que impede o fluxo evolutivo ” (p. 25-26). “Há um grande medo a ser vencido. É o que chamamos de medo do ostracismo: o temor de ser excluído, de ser rejeitado pelo grupo, de não ser considerado normal, de não ser visto como uma pessoa de bem no meio que se vive. Muitas pessoas fixam-se nesse medo, o que resultará em sofrimentos e doenças. (...) Chamamos de normose a esse conjunto de sofrimentos e de doenças. É a necessidade de, a todo o custo, ser como os outros, sem escutar o próprio desejo. Se não cumprimos o que a formação criativa nos pede, adoecemos. (...) se a pessoa for capaz de escutar o desejo profundo que habita nela e atravessar os medos envolvidos, alcançará uma identidade pessoal; enfim, o poder de ser do eu (...). Estar bem adaptado a uma sociedade não é sinal de saúde” (p. 30-31). Obviamente que não está se falando aqui contra toda e qualquer norma, contra todo e qualquer padrão. Já distingui, com Weil, a normalidade patológica da normalidade saudável e da normalidade neutra. O que é necessário é que cada sujeito esteja atento, nos diversos ambientes e instituições onde vive cotidianamente, para verificar quando o padrão da normalidade aceito como adequado naquele ambiente é, em verdade, uma padronização negativa que impede ou dificulta o processo de construção autônomo e saudável de si mesmo. Tarefa difícil, pois exige que o sujeito conheça-se, ao menos o suficiente para identificar o seu desejo, e conheça a realidade contextual na qual se encontra, para poder discernir entre a necessidade de ter que efetivamente limitar o próprio desejo e a repressão doentia da manifestação do mesmo desejo. A questão é: quando devo aceitar o limite imposto ao meu desejo e quando devo lutar para sua legitimação? Não há regras prontas para definir isto: depende do tempo, do lugar, da cultura, do contexto, do sujeito e dos outros sujeitos envolvidos naquela situação concreta. É possível, contudo, dizer que existem vários tipos de normose que se especificam de acordo com os ambientes e situações nas quais os sujeitos vivem. Assim, pode-se pensar em normose na família, nas religiões, na cultura política, na cultura econômica, nos meios de comunicação e assim por diante. Quero pensar aqui sobre a normose nas situações escolares. Também na cultura escolar é possível verificar situações em que os sujeitos – e considero aqui de forma especial os professores – se defrontam com os embates entre o desejo de uma postura pedagógica inovadora e o medo da recusa da comunidade educativa (...) Fonte: Santos Neto (2005, p. 48-50). LIVRO • Título: Medicalização da saúde e exclusão social • Autor: Mariza Romero. • Editora: Edusc. • Sinopse: Neste livro, a historiadora Mariza Romero estuda como vários argumentos favoráveis à eugenia perpassaram a mentalidade de médicos, técnicos, políticos e intelectuais em relação à saúde pública, em São Paulo, nas primeiras décadas do século 20. A autora desvenda as formas de discursos supostamente científicos desses personagens em relação a minorias negros, imigrantes, pobres, mendigos e doentes , que para elas compunham um único bloco de pessoas socialmente indesejáveis. O controle social também é aqui estudado em suas ramificações e conseqüências sociais avassaladoras, resultando em práticas de discriminação, exclusão e mesmo de extinção social. FILME/VÍDEO • Título: Romper práticas medicalizantes: um desafio para educação. - Zoia Ribeiro Prestes • Ano: 2015. • Sinopse: IV Seminário Internacional a Educação Medicalizada: Desver o Mundo, Perturbar os sentidos. • Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=5b18HUJ69LI&t=392s WEB O site apresenta informações e conexões para atuação contra a medicalização. • Link do site: http://medicalizacao.org.br/ REFERÊNCIAS CAMPOS, C. B. H. F.; SANT`ANA, D. M. G. De que é feita a ritalina e o concerta? Conhecendo o metilfenidato, sua ação, riscos e benefícios. In: In: TULESKI, S, C; FRANCO, A. F. O lado sombrio da medicalização da infância:possibilidade de enfrentamento. Recurso digital. Rio de Janeiro: Nau editora, 2019. FÓRUM SOBRE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE (2015a). Manifesto do fórum sobre medicalização da educação e da sociedade. Disponível em: http://medicalizacao.org.br/manifesto-do-forum-sobre-medicalizacao-da-educacao-e- da-sociedade/. Acesso em: 11 out. 2021. 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UNIDADE III MEDICALIZAÇÃO E A ESCOLA Professora Mestre Carolina dos Santos Jesuino da Natividade Plano de Estudo: • A medicalização da vida escolar; • A legislação educacional e a medicalização da educação. Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar e contextualizar a medicalização na escola; • Compreender os tipos de efeitos excludentes da medicalização; • Estabelecer a importância das relações no ambiente escolar. INTRODUÇÃO Existem muitos problemas sociais com os quais a escola precisa lidar. A desigualdade social, violência urbana, desemprego estrutural e corrupção em vários níveis são alguns dos problemas que interferem na vida social e, consequentemente, na vida escolar. Muitas questões amplas perpassam a educação, mas transferir a responsabilidade de lidar com a baixa aprendizagem para a área médica é um equívoco que não ajuda a sanar os problemas escolares de modo resolutivo. Os educadores precisam se ver como protagonistas do processo de ensino- aprendizagem, sem colocar falsos atalhos para que essa interação ocorra. O ser humano é um ser em construção. A escola é a instituição a qual se atribui o ensino do conhecimento humano acumulado historicamente, o desenvolvimento da reflexão e o despertarda consciência social. Portanto, ao abdicar de investigar as relações históricas e sociais que interferem nas relações dos alunos com todos os profissionais da educação, a escola se torna um braço do ideário capitalista de alienação, ampliando o esvaziamento de sentido de sua razão social de existir. Ao esperar e exigir que o aluno chegue já plenamente desenvolvido à escola, esta passa a manter a visão de ser humano como um mero produto da biologia, desqualificando a noção de ser em desenvolvimento e de ser que precisa de um complexo e qualificado ambiente para promoção de sua aprendizagem. As relações de ensino-aprendizagem precisam voltar a ser o centro das discussões da escola, não os diagnósticos e intervenções médicas. Nessa instituição, os alunos precisam ser encarados predominantemente como estudantes, não como pacientes e/ou pessoas com transtornos. A utilização da área da saúde como muleta para educacionais processos empobrecidos de debate deforma a função da escola. A educação precisa retomar o entendimento de sua centralidade no processo de humanização, refletindo para desenvolver modos próprios para lidar com questões educacionais. 1 A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA ESCOLAR www.shutterstock.com/ ID do vetor stock livre de direitos: 1029957775 Muitos problemas graves e complexos fazem parte da realidade escolar, portanto, antes de utilizar a medicação é preciso ter clara a situação da educação escolar brasileira diante dos desafios como a violência e indisciplina, conforme expõem Suzuki, Leonardo e Leal (2017). As autoras explicam que muitas escolas acabam individualizando os problemas que surgem no cotidiano por não saberem como lidar com tais demandas. Então, buscam respostas e soluções fora do ambiente pedagógico, convocando profissionais da medicina, principalmente, para auxiliar e intervir nas dificuldades escolares. Questiona-se essa transferência de responsabilidade da educação para a área da saúde, pois os desafios e problemas do cotidiano escolar caberiam aos profissionais da educação. Mendonça et al. (2019) conta que muitas crianças são encaminhadas para avaliação com queixas de agitação, desatenção, impulsividade e dificuldade de aprendizagem. O entendimento dos educadores é que a criança deve chegar à escola com atenção plenamente desenvolvida. O autor explica a relação do processo de atenção com a educação formal (que será melhor detalhado na unidade 4), porque a atenção e o controle do comportamento não são fenômenos isolados, posto que se relacionam e são produto da atividade mediada dos homens e oportunizada pelo acesso à educação. Almeida e Gomes (2014, p. 169) afirmam que a tendência a criar categorias nosológicas (relacionado ao estudo e classificação de doenças) como parâmetro de comportamento esperado está relacionado a divisão social do trabalho capitalista, que: “[...] normatiza a infância, a fim de constituir sujeitos cada vez mais concentrados e disciplinados, menos dispersos, e ao mesmo tempo multifuncionais, cuja produtividade, ainda que farmacologicamente produzida, deve ser maior desde e escola”. http://www.shutterstock.com/ https://www.shutterstock.com/pt/vectors Mendonça et al. (2019) esclarece que o papel desempenhado por direção, coordenação e professores tem sido o de delegar à área da saúde uma parcela das dificuldades que emergem no interior da escola, corroborando com a lógica do capital, resultando em uma educação que visa adestrar. Essa desresponsabilização dos educadores acentua que os conhecimentos e métodos pedagógicos sejam fragmentados e sejam desconsiderados das origens do não aprender e do não se comportar do estudante. Vygotsky (1987) não dá grande destaque ao biológico no desenvolvimento humano, porque para ele as condições sociais como as oportunidades e experiências oferecidas pelo meio são muito mais impactantes. O autor descreve dois níveis de desenvolvimento, o primeiro é o nível de desenvolvimento real (no qual a criança já realiza atividades de modo independente, sem ajuda de pessoas mais velhas) e o nível de desenvolvimento potencial (no qual a criança só consegue realizar algo com auxílio de alguém mais velho). Quando a orientação está compatível com o nível de desenvolvimento de uma criança, ela pode atingir desempenho superior ao seu nível efetivo. O que ressalta a relevância da intervenção dos educadores na formação do aluno. Ainda com Vygotsky (2000, p. 331) lemos que: Porque na escola a criança não aprende o que sabe fazer sozinha mas o que ainda não sabe e lhe vem a ser acessível em colaboração com o professor e sob sua orientação. O fundamental na aprendizagem é justamente o fato de que a criança aprende o novo. Por isso a zona de desenvolvimento imediato, quem determina esse campo das transições acessíveis à criança, é a que representa o momento mais determinante na relação da aprendizagem com o desenvolvimento. Mendonça et al. (2019) justifica a relevância da educação escolar, porque é fundamental ao autodomínio dos indivíduos. Com a atividade coletiva de ensino, o ser humano obtém as capacidades complexas que só a internalização dos signos da cultura podem desenvolver. É papel da escola organizar o ensino de modo que se possa formar na criança aquilo que ainda não está formado. É papel da escola, nos diz Vygotsky (1987), ajudar de todas as formas possíveis a superar as dificuldades dos alunos e é a mediação dessa instituição que permite ao aluno desenvolver seu pensamento e concepção científica do mundo. Leontiev (1978) explica que a partir dos instrumentos e da formação de novas funções psíquicas o homem evolui socialmente. É por meio das atividades desenvolvidas que ele se apropria do conhecimento. Figura 1 - O brincar é atividade que leva à apropriação do conhecimento socialmente relevante da foto stock livre de direitos: 1759440101 shutterstock Grandes nomes da psicologia sócio-histórica ressaltam o papel da sociedade e da escola no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Também o neuropsicólogo Luria (1986) expõe que para entender o psiquismo é necessário ver além do biológico e buscar a complexidade consciente do ser humano nas suas relações, na vida social e nas formas históricas de sua existência. A Psicologia Histórico-Cultural atribui à educação escolar ser um espaço social privilegiado para desenvolver e formar a consciência humana. Abaixo, trataremos da legislação educacional e medicalização escolar. https://www.shutterstock.com/pt/photos 2 A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL E A MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO Imagem do Tópico: ID do vetor stock livre de direitos: 1936619749 www.shutterstock.com/ A legislação educacional no Brasil costuma ser muito bem redigida e pouco colocada em prática. Algumas garantias para estudantes com necessidades educacionais especiais são dadas a certos estudantes, como aparece no artigo 4 da Lei de Diretrizes e Bases (LBD), no inciso III, Brasil (1996, online), em que lemos: III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013). Pessoas com TDAH não se encaixam nessa descrição da LDB, contudo há movimentação para que sejam tratadas como pessoas com deficiência, que teria como benefício receber o atendimento educacional especializado. É sabido que nos âmbitos estaduais, municipais e nacional há grande esforço para dar visibilidade à condição de TDAH e dislexia, o que é ótimo se ajuda a entender o que de fato são cada um desses transtornos. Em nível nacional encontramos o projeto de lei Pl 2630/2021, que tramita no congresso sobre o TDAH visa instituir a Política Nacional deProteção dos Direitos da Pessoa com TDAH. Em seu bojo específica que pessoa como referido transtorno é a que preenche os critérios da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), ou da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da American Psychiatric Association (DSM-5). Esse projeto reafirma o uso de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas publicadas pela autoridade competente para padronizar o tratamento dispensado e ambiente de educação inclusiva. O mais alarmante é que pelo projeto, qualquer pessoa com o TDAH https://www.shutterstock.com/pt/vectors http://www.shutterstock.com/ seria considerada pessoa com deficiência. Ou seja, diante do excesso de diagnósticos de TDAH, que poderiam ser chamados de falso-positivos, enorme contingente de crianças e adolescentes receberiam condições e tratamentos desnecessários e não coerentes com sua real condição. Enquanto as condições concretas da educação nacional não requereriam um olhar atento da sociedade, pois o problema seria apenas de cunho biológico. Figura 2 - Crianças e a medicalização Id 1946741845 shutterstock Existem legislações que vão na contramão da medicalização e visão reducionista das questões educacionais como questões meramente biológicas. Houve um levantamento realizado pelo Fórum sobre Medicação da Educação e da Sociedade, entre os anos de 2015 e 2016, nos diz Meira (2019), reunindo documentos que se inscrevem na direção não medicalizante. São eles: a recomendação nº 19 do Conselho Nacional de Saúde de 2015, que recomenda a promoção de práticas não medicalizantes por profissionais e serviços de saúde. Esse documento também recomenda a publicação de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para que se preescreva o metilfenidato evitando a medicalização. Existem também as recomendações do Ministério da Saúde para a adoção de práticas não medicalizantes e para publicação de protocolos municipais e estaduais de dispensação de metilfenidato para prevenir a excessiva medicalização de crianças e adolescentes. Nesse documento, o Ministério da Saúde indica que estados e municípios publiquem protocolos de dispensação de metilfenidato, seguindo recomendações nacionais e internacionais para prevenir a medicalização de crianças e adolescentes. Temos também o Ofício Circular nº 01/2016, de 17 de fevereiro de 2016, o qual destaca que situações de natureza pedagógica e sociais não devem ser confundidas com transtornos ou doenças. Ressaltando o direito da criança e do adolescente de não serem submetidos à excessiva medicalização, há a Resolução nº 177 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, de 11 de dezembro de 2015. Essa resolução dispõe do direito à proteção integral, como o acesso a alternativas não medicalizantes para problemas de aprendizagem, comportamento e disciplina e que se considere aspectos pedagógicos, sociais, emocionais e que envolvam a família e profissionais responsáveis pelos cuidados de crianças e adolescentes. Nos municípios e estados em que se implementam protocolos de dispensação de metilfenidato há limitação na medicalização da infância, pois conforme Meira (2019), os protocolos exigem processos de avaliação e diagnósticos mais rigorosos e definem idades mínimas para a medicação, as doses e duração do tratamento e fluxo tendem a serem acompanhados por equipe multidisciplinar. É importante que haja critérios claros para a exclusão do tratamento medicamentoso, em caso de dificuldade de aprendizagem exclusiva, dificuldades de escolarização decorrentes de má adaptação escolar, se o projeto pedagógico não é singularizado, quando existem indícios de relação professor aluno inadequada entre outros fatores. Embora tenhamos tratado de muitos aspectos sociais, como a legislação educacional e o papel da escola, o aspecto biológico não deve ser desconsiderado. É relevante que dentro da discussão da neurociência, há consenso de que é necessário estimulação ambiental para o desenvolvimento do cérebro. Como se pode ver na figura 3, a rede neural evolui não com o mero passar do tempo, mas com a estimulação ambiental, física e social. Essa modificação do tecido nervoso demonstra o quanto o potencial dado pelo biológico só se concretiza com a interação humana. Figura 3 - Evolução do tecido nervoso com novas conexões entre neurônios Fonte: Cosenza e Guerra (2011 p. 20). Cosenza e Guerra (2011) corroboram que a interação com o ambiente é fundamental para confirmar ou induzir a formação de conexões nervosas e consequentes comportamentos e aprendizagens. Os autores recorrem à psicologia comparada ao trazer dados de animais criados em ambientes empobrecidos que desenvolvem cérebro menos sofisticados, com menor quantidade de conexões sinápticas e alterações comportamentais. Um caminho para superar a situação da medicalização, aponta Mendonça et al. (2019), é a adoção do materialismo histórico dialético como alternativa para que se desconstrua as explicações patologizantes e biologizantes da vida escolar. O autor explica que o aparato biológico é importante, porém são as condições sócio-históricas que promoverão, ou não, a apropriação dos signos e instrumentos sociais. São as condições da escola importantes para a apropriação do conhecimento científico, a inserção de classe, dinâmica familiar e condições de acesso ao conhecimento sistematizado. Questões sociais e educacionais devem ser observadas na educação, além de questões biológicas, pois as funções complexas do pensamento (atenção voluntária, percepção, memória, raciocínio e imaginação) são desenvolvidas nas interações entre condições sociais e a base biológica. SAIBA MAIS Uma discussão atual sobre o adoecimento do professor, neste caso no ensino superior, pode ser encontrado no Informativo n. 7 do InformANDES, do sindicato nacional dos docentes das instituições de ensino superior – Andes. O texto aborda o quanto os ataques aos direitos sociais, a precarização do trabalho, o produtivismo, a mercantilização do ensino, entre outros problemas presentes nesse nível de ensino, têm provocado o adoecimento do professor. (ANDES, 2017). Assim, parece-nos claro que muitos profissionais da educação vêm cada vez mais adoecendo. As condições adversas da prática docente, a sobrecarga de trabalho, a indisciplina e outros problemas que ocorrem no cotidiano da escola levam os professores ao adoecimento e a buscarem em uma ‘pílula mágica’ forças para se manterem em condição de dar aula. Fonte: Mezzari, Facci e Leonardo; (2019, p. 2728). #SAIBA MAIS# REFLITA Se o homem é formado pelas circunstâncias, é necessário formar circunstâncias humanamente. Fonte: Marx e Engels. #REFLITA# CONSIDERAÇÕES FINAIS O entendimento da psicologia sócio-histórica é de que os educadores precisam reconhecer o nível de desenvolvimento em que a criança está para intervir, pois a escola deve prover condições para que ela passe a realizar atividades e demonstrar habilidades que antes não possuía. A neurociência tem mostrado evidências de que a riqueza do ambiente proporciona desenvolvimento cerebral adequado, enquanto ambientes empobrecidos levam à formação de tecido nervoso abaixo do potencial. O processo de medicalização demonstra que a escola age de modo contrário ao indicado como seu papel, pois ela busca tratamento médico para os alunos que ainda não demonstram o nível de atenção (uma função psicológica superior), eximindo-se de atuar junto ao estudante. O que se convencionou chamar de baixa atenção, ou seria dificuldade em se manter quieto e cooperativo em um contexto pouco atrativo, é o principal motivo para se medicalizar a criança que vai à escola. Os profissionais da escola não questionam como estáa escola, apenas apontam para os alunos que não se comportam como o desejado, colocando sobre eles a responsabilidade de não aprenderem no ritmo dos outros. Muitas vezes, é fora da escola, com os movimentos contra a medicalização da escola e da vida, que se reflete qual o papel da educação e como criar ações que limitem ou restrinjam o acesso à medicalização psicoestimulante para crianças e adolescentes. A sociedade se divide em movimentos que desejam tornar o TDAH uma deficiência, o que poderia garantir maiores ações educacionais a esse público, porém com a enormidade de casos exageradamente classificados como TDAH se deve questionar o impacto social de colocar relevante parte da população escolar dentro da classificação de deficiência. Deve-se questionar, de fato, como está a eficiência da escola, antes de, mais uma vez, patologizar os indivíduos cujo desempenho é afetado pelo descaso e baixo comprometimento da escola. LEITURA COMPLEMENTAR Após algumas discussões, Sacristán expõe análises sobre o que é ser aluno, evidenciando que esse termo é equivalente ao menor que está na infância. Ambos os conceitos, infância e aluno compartilham de um mesmo significado porque foram construídos simultaneamente. Mesmo assim, a categoria aluno faz parte da condição infantil e da do menor nas sociedades escolarizadas, já a infância é hoje uma categoria distinguida socialmente na evolução da criança, ou seja, numa etapa da vida em que está sendo escolarizada. O autor continua realizando uma reflexão entre os termos menor, aluno e infância dizendo que os dois primeiros englobam situações de pessoas muito heterogêneas. Relata que não existe infância, mas sujeitos que a experimentam em algumas coordenadas e circunstâncias que diferem para cada um deles e para cada grupo social. Na realidade, o adulto vê a criança como menor, e esta se reconhece como inferior, frágil, pequena diante dos mais velhos os quais imita constantemente. O autor do livro toma emprestadas as palavras de Garrido e Requena (1996), para completar essa definição, dizendo que, a idade é um dos critérios importantes que regula a organização coletiva da dependência dos menores, em relação aos adultos. Entende-se que, a forma de ser aluno será uma forma de ser sujeito, significando que o desenvolvimento é favorecido ou dificultado pela escola e, o aluno está nas escolas e na organização dos efeitos que os sujeitos adultos impõem como capacidades. Portanto, estar escolarizado é uma forma de proteger e preencher a condição inacabada do ser humano. Assim a escolaridade daria, de forma organizada, a continuidade da dependência familiar dos menores. Esses foram adquirindo sua identidade autônoma nas relações com os adultos, consequentemente, ambos se dividiram em dois mundos sociais: o espaço familiar e o espaço escolar. A partir dessa divisão, com a “cessão” dos menores para as escolas, a crise foi (e ainda continua sendo) dos pais que delegavam seus poderes e esperanças aos professores que viriam a ser seus substitutos especializados. Vemos que, um novo grupo social – os estudantes – surgiu quando segregou o conjunto dos menores do mundo dos adultos ocupando-os com a escola. Esse grupo cria condições de uma figura co-figurativa, que desvaloriza as relações hierárquicas, entre os indivíduos do mesmo grupo de idade. Dentro dessa perspectiva, partimos do pressuposto de que a ideia de infância, de menor ou a de aluno são criações nossas, radicadas em realidades culturais discursivo-práticas a partir das quais dotamos de significado essas categorias. Ser aluno é uma circunstância da infância, uma forma de vivê-la em algumas determinadas sociedades. Essa condição não é algo universal, pois que todas as crianças não estão escolarizadas, nem estão em uma escolaridade semelhante do ponto de vista qualitativo. O autor afirma que todos os alunos pequenos são crianças, mas nem todas as crianças são alunos. Tomando por base essas afirmações, Sacristán retoma ao conceito de aluno, dizendo que ser aluno foi e continua sendo uma experiência e uma condição social fundamentalmente dos menores, que deu a eles presença e identidades singulares, como classe social diferenciada e reconhecida. Se o aluno é aquele que é educado e ensinado, a constituição desta figura deve ocorrer ao mesmo tempo que a daqueles que desempenham as funções recíprocas: a de quem o educa e ensina. Nessa concepção, Sacristán classifica o professorado como a figura resultante da acumulação de quatro processos históricos: como suplente que irá assumir o papel dos pais no cuidado, guia e educação dos menores, pertencentes à burguesia e às classes altas; como substituto encarregado de cuidar, vigiar e moralizar os filhos das famílias que não podem ou não querem desempenhar essa função; como “especialista” que assume o quase monopólio da difusão de alguns saberes que foram impostos como úteis, prestigiosos e legítimos e, finalmente como figura leiga que assume em nome da sociedade, representada pelo Estado, a missão de educar e difundir um determinado projeto cultural a serviço dos interesses gerais daquela. Na segunda parte do livro, Sacristán enfatiza o sujeito escolarizado, tentando contextualizar a interseção (aluno/menor), assim como sua apropriação no contexto educacional. O autor mostra que, em sua origem, o aluno era aquele a quem o professor ensinava belas-artes (pintura, escultura, etc.) que seguia um professor. A partir do século XX, essa condição social começou a ser generalizada para aqueles que frequentavam os diferentes níveis do sistema educacional. Ao se estender a condição de ser aluno a todos os menores, um desses papéis implica o outro, produzindo-se ocultamentos e fusões tanto no plano discursivo (o que se pensa ou se acredita de um e de outro) quanto nas práticas ou formas de tratá-los. Quanto ao papel dos adultos (os pais), faz parte do senso comum deles considerar que os professores e professoras são os chamados para intervir no desenvolvimento dos menores, porque as relações pedagógicas que mantêm com estes são, afinal de contas, prolongamentos culturais das relações entre pais e filhos. Em resumo, o menor é o não adulto a ser guiado e dominado por seus mais velhos, esse se relaciona com o mundo dos adultos, dentro de uma ordem regida por certos padrões, por intermédio dos quais eles exercem sua autoridade, com a legitimidade delegada pelas instituições escolares. Nessa linha de raciocínio, a escola se apoia na busca da imposição. Ao lançarmos os olhos para o contexto educacional, podemos observar que a instituição não pode deixar de ser libertadora, por isso não deve ser motivo para manter o menor no que é, mas partindo de como são os sujeitos, deve elevá-los e transformá-los, fazendo com que cresçam em todas as suas possibilidades, por ser a educação um direito. Perguntamos, então se procede o objetivo proposto por Sacristán na invenção do aluno? É possível afirmar que sim, pois podemos conceber o espaço educacional como um lugar de construção crítica e reflexiva. Isso pode ser pensado a partir da abordagem sócio-histórica da questão, considerando que o aluno ao ser escolarizado, torna a sociedade melhor. Essa observação, apresentada pelo autor do texto, nos leva a refletir que as escolas são instituições que nasceram e foram se configurando como espaços fechados, sintetizando um modelo de funcionamento que servisse ao mesmo tempo para as funções de acolher, assistir, moralizar, controlar e ensinar grupos numerosos de menores. As análises nos levam a entender que há a valorização do cotidiano enquanto lugar de invenção permanente, porém o processo educacional sempre dependeu das condições macro estruturais, da sociedade e das políticas educacionais, que impediriam a singularização para a constituição do sujeito escolarizado, o qual não seconstitui sozinho, pois dentro do âmbito escolar, ele se faz na relação com o outro e, essa relação é intermediada por ideais daqueles que idealizaram ter como referente um sujeito escolarizado para projetar, desenvolver e avaliar a qualidade da educação. Sacristán conclui seu livro, estabelecendo comparações entre as pedagogias tradicional e moderna, as quais estabeleciam algumas determinadas linhas de ação pedagógica, ou seja, essas linhas de ação apareciam, fundamentalmente, em concepções seguras sobre o conhecimento, a cultura e a sociedade para a qual servia o tipo de sujeito que tinha de se construir. Diz também que, a escola deveria educar ensinando todos aqueles conteúdos que sejamos capazes de apresentar aos estudantes como valiosos para viver e entender o mundo, para saber qual é seu papel, quais são as possibilidades que se abrem a eles e a diversidade de caminhos possíveis pelos quais podemos continuar aprendendo. Fonte: Leite (2008, p. 144 - 147). LIVRO • Título: Contribuições para a promoção do uso racional de medicamentos. [recurso eletrônico] • Autor: Brasil. Ministério da saúde. Secretaria de ciências, tecnologia, inovação e insumos estratégicos em saúde. • Editora: Ministério da saúde. • Sinopse: Elaborado com a participação de membros do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, a obra Contribuições para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos é resultado das discussões que ocorreram no VII Congresso do Uso Racional de Medicamentos, em 2019. A obra tem um capítulo específico sobre a “Medicalização da sociedade e práticas desmedicalizantes” e está disponível gratuitamente no site do Ministério da Saúde. FILME/VÍDEO • Título: Nau dos Insensatos 3 - Medicalização e Patologização da Educação • Ano: 2012. • Sinopse: Dislexia, TDA, TDAH? Pesquisas, reportagens e sites veiculam massivamente informações que apontam para um crescimento vertiginoso dos diagnósticos dos chamados transtornos de comportamento e aprendizagem, num verdadeiro processo de "adoecimento" da infância. Nau dos Insensatos dá vez e voz aos que apresentam uma outra leitura dessa realidade. Esse terceiro programa da série traz à tona um dos temas mais debatidos atualmente: a medicalização da infância. • Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=aA9IwCHSYE8 REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. R.; GOMES, R. M. Medicalização social e educação: contribuições da teoria da determinação social do processo saúde-doença. Nuances: estudos sobre educação, v. 25, n.1, 2014. BRASIL. 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Com tantas áreas do saber debruçadas sobre eles, suporia-se enorme gama de formas de lidar com eles, contudo, na realidade, muitos problemas escolares, sociais e interpessoais acabam sendo reduzidos a um rótulo e medicalizados. Quando o desempenho de um aluno está abaixo do esperado, já se cogita a possibilidade de um transtorno de aprendizagem. Caso o aluno seja inquieto, o diagnóstico pode ser ponderado pela equipe pedagógica e o tratamento a ser indicado não é nenhuma surpresa, a medicação. Já a leitura, atividade tão complexa e que exige muitos anos de empenho, quando não dominada em seus rudimentos pelo aluno, se antevê a alcunha de dislexia. Um dos efeitos mais deletérios do excesso de diagnósticos é que nada do que o aluno faz indica uma insatisfação legítima ou necessidade a ser compreendida e acolhida, qualquer barulho, reclamação ou tédio tem uma sigla que o define: o aluno se torna o transtorno X, Y ou Z. Deixa-se de ver suas interações sociais com pares, professores e demais educadores para ver somente e com riqueza de detalhes o que é indicativo do transtorno. As emoções e comportamentos estão sempre errados. Diante do impedimento, supostamente, biológico para a aprendizagem, surge a medicalização. A situação só não ganha ares de final trágico graças à dedicação e empenho de muitos profissionais e instituições denunciando os abusos do excesso de diagnósticos e medicalização. A presença de reflexões críticas cria espaços em que se considera o ser humano como resultado de sua interação com o meio social e histórico em que vive. Enquanto o comodismo de apontar causas apenas biológicas para o não aprender leva a sérias questões e implicações, a disposição para compreender de modo amplo e global o que é a educação e a aprendizagem permitem ações éticas e responsáveis. 1 OS TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM E O CONSUMO DE MEDICAMENTOS Imagem do Tópico:ID da foto stock livre de direitos: 107801354 www.shutterstock.com/ Os resultados da escolarização no Brasil são alarmantes. Por meio da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), realizada em 2016, obteve-se que em relação à leitura 54,73% dos estudantes que estavam concluindo o terceiro ano do Ensino Fundamental apresentaram desempenho insuficiente em leitura. São muitos os problemas de aprendizagem que podem interferir no desempenho escolar do aluno, dentre os quais se encontram as dificuldades de aprendizagem de origemacadêmica e os transtornos específicos de aprendizagem, como a dislexia do desenvolvimento e o distúrbio de aprendizagem (OLIVEIRA; CARDOSO e CAPELLINI, 2012). Qual termo é o correto: dificuldade de aprendizagem, distúrbio ou transtorno de aprendizagem? Para Fonseca (2013) os três termos são usados de modo indiscriminado na literatura específica, nas clínicas e escolas. É preciso ter claro que o não aprender recebe a designação geral de dificuldades de aprendizagem. Já para definir um transtorno específico de aprendizagem, usa-se dois manuais internacionais de diagnóstico: a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento CID-10 (elaborado pela Organização Mundial de saúde-OMS) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos mentais DSM-V (organizado pela Associação Psiquiátrica Americana). Conforme o CID-10 (1996), o termo transtorno indica a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecíveis, associados a sofrimentos e a interferir negativamente nas funções da vida. Embora haja muitos entendimentos, expõem-se noção que permeia os manuais acima citados de que os transtornos de aprendizagem são disfunções de ordem psiconeurológicas, não sendo decorrentes de outros transtornos. Seriam de natureza intrínseca ao sujeito, não sendo justificada por pobreza, baixo estímulo, comprometimento intelectual ou sensorial (GRUNSPUN, 1999). Ressalta-se, porém, que https://www.shutterstock.com/pt/photos http://www.shutterstock.com/ em um contexto social em que a escola tem contribuído de modo restrito a aprendizagem básica de leitura e escrita deve-se olhar com atenção às definições oficiais de transtorno de aprendizagem e suas descrições feitas pelos manuais de classificação e diagnóstico de transtornos mentais (SFORNI, 2019). O DSM- IV-TR, de 2003, e o DSM-5 apontam aspectos que devem estar presentes em um indivíduo para que haja a classificação de um transtorno de aprendizagem. Para que exista o diagnóstico, fatores biológicos e de diagnóstico diferencial devem ser investigados, porém o manual não é contundente em sugerir investigar aspectos sociais e culturais, como podemos ver no quadro abaixo com expõe os critérios no DSM mais antigo e no atual. Figura 1 - Quadro comparativo dos critérios diagnósticos do TA no DSM –IV – TR e no DSM -5 Fonte: Dorneles et al. (2014, p. 459). Figura 2 - Continuação Fonte: Dorneles et al. (2014, p.460). Na definição de certos transtornos há a previsão de que se foi dada escolarização adequada para a criança e esta não desenvolveu determinada habilidade, então se poderia considerar haver um transtorno, como a dislexia se a criança não for um leitor hábil. Contudo, o critério para educação suficiente é que outras crianças naquela situação aprendam, ou seja, não se trata de um aluno, mas sobre a média e comparação do desempenho do indivíduo com o grupo. Pelo DSM-5 trabalhar com a perspectiva nosológica, se na comparação com seus pares a criança está atrasada, então ela possui um transtorno. De acordo com Eliassen e Santana (2020, p. 6): “A ideia da normatização dos transtornos de aprendizagem subjaz a adoção intencional de conceitos utilizados na tentativa de legitimar dificuldades escolares como doenças”. A ampla gama de sintomas presentes nos manuais de diagnóstico de doenças, bem como a forma diagnóstica proposta por eles permite que muitos acontecimentos cotidianos e comportamentos possam ser registrados como sintomas de transtornos mentais. Com isso há a banalização do diagnóstico e o uso irrestrito de medicações como intervenção diante da vida. “Há uma psiquiatrização ocorrendo na sociedade. Já existem 500 tipos descritos de transtornos mentais e de comportamento. Com tantas descrições, quase ninguém escaparia a um diagnóstico de problemas mentais” (GUARIDO, 2007, p.159). Para avaliar se há um transtorno de aprendizagem, acredita Sforni (2019), é necessário ir além de observar a criança e seu comportamento, pois também é preciso ver as condições sociais de seu desenvolvimento, de modo especial as que propiciam o desenvolvimento da atenção voluntária e da sua capacidade de leitor e de escritor. O que significa na prática analisar as situações de ensino em que os alunos estão envolvidos para que consigam dominar a escrita e avançar com sucesso na escolarização. Niero e Franco (2019) afirmam que observando a periodização do desenvolvimento infantil proposta por Vygotsky (1996), é possível compreender a crise dos sete anos como um momento difícil na educação da criança, pois é nesta fase que ocorre a transição da atividade principal que na criança pré-escolar corresponde ao brincar e gradativamente torna-se a atividade de estudo. Saber como estudar não ocorre espontaneamente, muitos comportamentos precisam ser aprendidos para que uma criança desenvolva as habilidades que a escola requererá. A escola, em geral, tem feito o oposto do que a teoria histórico-cultural preceitua: espera o amadurecimento de estruturas e funções neuropsicológicas da criança para que ela esteja pronta para a aprendizagem, em vez de ajudá-la a desenvolver-se. Niero e Franco (2019) explicam que quando a criança não amadurece do modo que é estipulado pelas práticas pedagógicas da escola (muitas vezes maturacionistas), as dificuldades do processo de ensino e aprendizagem são direcionadas para outras instâncias, de caráter individualista, conduzindo a patologização e medicalização. A maioria dos atendimentos indicados às crianças com diagnóstico (por exemplo, de TDAH, convulsão, depressão, transtorno afetivo bipolar, transtorno opositor desafiador) é de ordem individual e clínica. Quando ocorre o encaminhamento para fonoaudiólogos e psicólogos buscando solucionar dificuldades relacionadas ao desempenho escolar, é reforçada a ideia de que o motivo do fracasso está apenas na criança (NIERO e FRANCO, 2019). A necessidade de apoio de profissionais da saúde não é desconsiderada, o que se questiona é a total entrega da responsabilidade da aprendizagem à área da saúde, sejam aos médicos quando há a medicalização, seja psicólogos e outros para tratar aspectos emocionais de modo isolado e descontextualizado, fora das relações escolares. Sobre a função da educação, Martins (2007, p. 90) expõe que: Considerando que os processos de leitura, escrita e contagem pressupõem um longo percurso de desenvolvimento, nota-se que quanto mais tardia a inserção da criança em atividades que os implique, maiores os desafios impostos. Tendo como consequência a supressão dos estágios necessários para um desenvolvimento efetivo. Embora existam transtornos de aprendizagem, nem toda baixa aprendizagem, baixa capacidade de leitura, escrita e contagem é decorrente da dificuldade individual da criança. É necessário investigar o contexto social em que a criança está, se vem de um lar em que os adultos leem ou não cobram bom desempenho da criança, ou seja, estar atento a todos os níveis de socialização da criança, desde a família até sua comunidade. Passaremos a discussão sobre o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade. 2 TRANSTORNOS DO DÉFICIT DE ATENÇÃO COM HIPERATIVIDADE-TDAH Imagem do Tópico: ID da foto stock livre de direitos: 1371114032 www.shutterstock.com/ A neurociência identificou que existem dois tipos de atenção, aquela com que se nasce, a atenção involuntária, que notamos quando alguém entra em um ambiente quieto e bate a porta ruidosamente. Imediatamente voltamos nossa atenção para o ruído, de modo inconsciente e sem esforço. O mesmo acontecerá se surgir um cheiro de alimento muito agradável ou aparecer um outdoor muito colorido. Ocorre que nas atividades sociais, como a educação, além da atenção involuntária, é requerida a atenção voluntária. Esta é desenvolvida ao longo da vida. Na criança, com o cérebroainda em desenvolvimento, a atenção voluntária dura menos tempo e é mais volátil que a do adulto. A atenção voluntária não surge espontaneamente da maturação cerebral, é necessário estimulação ambiental para que ela ocorra (COSENZA e GUERRA, 2011). Um esclarecimento é dado por Martins (2013, p. 149) sobre atenção involuntária e voluntária: A atenção involuntária, subjugada à intensidade dos estímulos do campo perceptual, é comum aos homens e animais, limitando-se ao atendimento dos determinantes naturais da percepção, no que se incluem seus mecanismos neurofisiológicos. Seu cunho natural compreende, para ambos, procedimentos requeridos à adaptação do organismo ao meio. Diferentemente, a atenção voluntária é específica dos seres humanos, possibilitando-lhes concentrar a atenção, intencionalmente, sobre determinados estímulos em detrimento de outros. Cosenza e Guerra (2011) explicam o processo de atenção fazendo uma metáfora com uma lanterna. Como se alguém estivesse diante de uma janela, à noite, e direcionasse a luz da lanterna para várias direções. Ao direcionar a lanterna para a direita, não tem acesso ao que acontece no lado esquerdo e vice-versa. Ao realizar uma leitura, a atenção é predominantemente direcionada para o que lemos e ignora boa https://www.shutterstock.com/pt/photos http://www.shutterstock.com/ parte dos estímulos ao redor. Essa seleção consciente a partes do ambiente que a atenção faz é a atenção voluntária. Niero e Franco (2019) asseveram que a medicação não colaborará para o desenvolvimento da atenção voluntária, pois que ela tem seu desenvolvimento inserido no contexto social mediado pela aprendizagem. A atenção voluntária e o controle do comportamento (que são fundamentais para o processo de alfabetização) são formados na atividade, ao realizar algo. Para se analisar o comportamento e aprendizagem de uma criança que ingressa na escola, deve- se considerar todas as alterações do meio que acompanham essa etapa. O ensino é uma das ferramentas para o enfrentamento do fenômeno da medicalização. Devemos conhecer o desenvolvimento real, não idealizado, do ser humano, pois a partir dele se consegue construir práticas pedagógicas que possibilitem o desenvolvimento da atenção voluntária (NIERO e FRANCO, 2019) . Lucena (2019) aponta que a transformação de atenção involuntária (inata) para voluntária (desenvolvida) realiza-se no contexto de educação e socialização por meio da linguagem do adulto. Em um primeiro momento seria o adulto quem orientaria a atenção da criança por meio de mediações concretas e depois abstratas, por meio da linguagem. A criança torna-se, com sua experiência, capaz de subordinar sua atenção à fala do adulto e depois à sua própria vontade. Ao falar do que socialmente se convencionou chamar de transtorno de atenção requer observarmos de que modo esse transtorno ganha respaldo científico. Leite e Souza (2017) explicam que as descrições e entendimentos dos transtornos mentais desde o DSM-4, atualmente há o DSM-5, visam se basear em evidências científicas. Contudo, ao discutirem uma neuropsicologia baseada na autora Lúria, os autores Leite e Souza (2017, p. 167 e 168) problematizam que: As evidências empíricas, portanto, no caso dos estudos que comparam o funcionamento cerebral sob efeito de medicação de sujeitos ‘normais’ e ‘anormais’, como a de Shafritz et al. (2004), estão calcadas numa concepção de que o cérebro, enquanto órgão responsável pelas nossas ações e comportamentos organizados, se desenvolve independentemente de um contexto mais amplo, ou seja, de um contexto social, criando a falsa impressão de que tudo não passa de uma questão de maturação. Alguns amadurecem a contento e outros não. A denúncia feita por Leite e Souza (2017) sobre a mentalidade presente na construção de importantes manuais de diagnóstico e classificação, ressalta que carece de evidências empíricas de ser o cérebro órgão que se desenvolve independente do ambiente social. Tal mentalidade leva ao retorno da biologização do ser humano. Como se o amadurecimento de determinadas funções psicológicas superiores fosse fruto de um acaso biológico. As autoras comentam que ao isolar o cérebro como órgão que independe das aquisições que o indivíduo faz leva a um raciocínio circular, em que uma simples disfunção nas funções corticais explicaria o déficit de atenção e de regulação comportamental. Pautadas na neuropsicologia luriana, Leite e Souza (2017, p. 168 e 169) entendem que: Para avançar nessa questão, entendemos ser necessário ir além da simples delimitação das regiões corticais, responsáveis pela atenção e regulação do comportamento. É necessário retomar como essas funções corticais se constituem em unidade biológico/cultural e estão em constante movimento, em que cada etapa supera a anterior, não a descartando, mas superando-a por incorporação. Ou seja, as formas mais naturais de nosso comportamento só se tornam organizadas porque as apropriações culturais servem como elementos que reorganizam os componentes biológicos que expressam o comportamento mais imediato. Por sua vez, esse biológico que foi transformado pelo cultural, ao concretizar uma transformação, abre espaço para que novas transformações aconteçam. Uma importante orientação é dada por Leite e Souza (2017) de que não é suficiente cobrar de uma criança que regule seu comportamento em sala de aula se os adultos não proporcionarem rotinas em seus horários. Também não basta oferecer livros a criança se o adulto não ler para ela e com ela. Reconhecendo a importância das neurociências para a aprendizagem, Relvas (2015) orienta a implantação de estratégias acadêmicas e comportamentais em sala de aula com crianças com TDAH. Algumas instruções devem ser dadas à criança, como sobre checar se possui todos os materiais e recursos para determinada tarefa. Dividir para a criança as atividades em unidades menores, solicitando que ela avise quando as resolver. Outra tática é iniciar a aula pela tarefa que requer mais atenção e no final as atividades mais agradáveis. Comportamentalmente, pode-se intervir usando elogios e recompensas concretas após comportamentos adequados. Sobre possíveis tratamentos de modo não medicamentoso é possível recorrer à psicoterapia, mais especificamente à terapia comportamental, por ser a mais eficiente das terapias não medicamentosas. Conforme dados estatísticos, principalmente quando realizada com os pais, juntamente com o envolvimento ativo das crianças e dos professores, há grandes mudanças e melhor aprendizagem. A terapia comportamental pode ser utilizada associada à medicamentosa, pois apresenta melhor perfil de aceitabilidade e menor índice de descontinuação, além dos resultados serem mais eficientes, pois diminui a resposta impulsiva, podendo levar a redução da dosagem e duração do tratamento medicamentoso, diminuindo, o tempo de exposição da criança à medicação (CAMPOS e SANT`ANA, 2019). A seguir discorreremos sobre a dislexia e possíveis tratamentos. 3 DISLEXIA Imagem do Tópico:ID da foto stock livre de direitos: 1877524924 www.shutterstock.com/ A leitura é um processo por meio do qual se extrai e se capta informações de textos. Não se trata de simples decodificação de símbolos escritos em sons, nem tampouco de uma recepção passiva de uma imagem colhida em qualquer lugar no cérebro a partir da palavra escrita. A leitura é um processo ativo, autodirigido pelo leitor em múltiplas formas e apresentando várias finalidades. Extrair e captar informações de textos pressupõe que o leitor possa dispor da capacidade de processar, integrar e exprimir informação, isto é, de um ato ou processo de apropriação de conhecimento a que vulgarmente se chama cognição (FONSECA, 2009). De acordo com Fonseca (2009, p. 341 e 342).Para ler e para que se processe a informação, portanto, o leitor, inexperiente ou experiente, tem necessariamente que exibir um conjunto dinâmico, sistêmico, coeso e autorregulado de competências cognitivas, como atenção, percepção, memória, processamento simultâneo e sequencializado, simbolização, compreensão, inferência, planificação e produção de estratégias, conceptualização, resolução de problemas, rechamada e expressão de informação, etc. A dislexia tem sido considerada uma desordem da leitura e da linguagem, envolvendo, igualmente, dificuldades no ditado e na redação. Considera-se uma inesperada dificuldade de aprendizagem, e não incapacidade, e muito menos doença, posto que há inteligência média e superior do indivíduo e boa oportunidade educacional https://www.shutterstock.com/pt/photos em que se encontra. Quanto à oportunidade educacional, o processo ensino- aprendizagem no qual o indivíduo se encontra integrado deve ter condições pedagógicas suficientes e eficaz para a maioria dos indivíduos, ou seja, não poderá ocorrer nele nenhum sinal de dispedagogia.Também não deve ser observada evidência manifesta de falta de motivação para aprender a ler, ou da presença de condições socioeconômicas desfavoráveis e desviantes (FONSECA, 2009). O discurso hegemônico reconhece a Dislexia como uma incapacidade específica de aprendizagem, de causa neurobiológica, caracterizada por dificuldades no reconhecimento da palavra e nas habilidades de decodificação e soletração, resultantes de um déficit do componente fonológico. Tais condições poderiam resultar em dificuldades relacionadas à compreensão de leitura, escassas experiências com textos, implicando no desenvolvimento lexical e conhecimento de mundo. Essas manifestações seriam incompatíveis com a instrução acadêmica adequada ou com as habilidades cognitivas requeridas na escolarização eficiente (ELIASSEN e SANTANA, 2020). Embora utilizemos a classificação do DSM-5 sobre a dislexia, é válido a posição de Dunker (2014) que enfatiza que o referido manual acaba por ser alvo de muitas críticas por não corresponder às descobertas científicas, apresentando apenas novas denominações para os sintomas e conceituações de síndromes. Figura 1 – Quadro de Critérios do DSM-5 para o diagnóstico da Dislexia Fonte: America Psychiatric Assiciation (2013, p. 67). Embora complexa, a dislexia pode ser superada, afirma Fonseca (2009), em tempo útil com uma reeducação que envolva múltiplas terapêuticas. Dentro da fonoaudiologia há intervenções bem conhecidas. Salgado e Capellini (2008) declaram que investigações recentes demonstram que a instrução direta da consciência fonológica combinada à correspondência grafema-fonema, acelera a aquisição da leitura. Os programas de remediação visam maximizar as habilidades fonológicas específicas de crianças com problemas de aprendizagem, como a dislexia. No Brasil, nos falantes de língua portuguesa, os programas de remediação mostram se eficazes para o desenvolvimento da percepção fonológica e leitura, quando aplicados em crianças com dislexia do desenvolvimento. Sendo, então, intervenções para disléxicos as que aumentam a consciência fonológica. Snowling (2004) defende que os educadores estejam alertas para que crianças diagnosticadas com dislexia apresentam deficiências no processamento perceptual e déficits da memória visual que aumentem suas dificuldades. Como as funções psicológicas superiores não podem ser divididas, quando existem problemas perceptuais pode haver problemas de controle mental. Observa-se em muitas crianças dificuldades em habilidades motoras finas, as quais dificultam o desenvolvimento da caligrafia. A autora ressalta ainda que muitas crianças disléxicas apresentam problemas de concentração. Interessante aspecto é pontuado por Snowling (2004, p. 21), pois: “Talvez a explicação mais simples seja que as crianças não conseguem enfrentar os materiais escritos apresentados e, por isso, suas mentes se desviem”. A pesquisadora salienta que algumas crianças disléxicas possuem dificuldades mais profundas com o controle da atenção. Fato que demonstra a relevância da mediação dos adultos para seu sucesso acadêmico. Além da atuação de fonoaudiólogos junto aos educadores para a promoção de consciência fonológica, os professores também podem ser protagonistas de ações dentro da escola para a melhora e desenvolvimento da função psicológica da atenção e concentração em seus alunos, fato que melhoraria muitos aspectos prejudicados pelos transtornos como o de dislexia. SAIBA MAIS Tanto a CID-10 quanto o DSM-5 apresentam basicamente três tipos de transtornos específicos: [...] Transtorno de leitura: é caracterizado por uma dificuldade específica em compreender palavras escritas. Dessa forma, pode-se afirmar que se trata de um transtorno específico das habilidades de leitura, em que foram eliminadas todas as outras causas. Transtorno da matemática: também conhecido como discalculia, não é relacionado à ausência de habilidades matemáticas básicas, como contagem, e sim à forma com que a criança associa essas habilidades com o mundo que a cerca. A aquisição de conceitos matemáticos, bem como de outras atividades que exigem raciocínio, é afetada nesse transtorno, cuja baixa capacidade para manejar números e conceitos matemáticos não é originada por lesão ou outra causa orgânica. Transtorno de expressão escrita: refere-se apenas à ortografia ou caligrafia, na ausência de outras dificuldades da expressão escrita. Fonte: ROTTA, T. N.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos da aprendizagem: uma abordagem neurobiológica e multidisciplinar. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2016, p. 109. REFLITA A maturidade. Se trata da evolução da mente e do coração. Fonte: Vitor da Fonseca. #REFLITA# CONSIDERAÇÕES FINAIS Falar sobre transtornos mentais nos obriga a ler o que dizem os manuais nos quais a medicina se baseia para diagnosticar e classificar, no que tange aos transtornos de aprendizagem. Conhecer os critérios usados na definição e classificação de transtornos, contudo, não é o suficiente para uma intervenção profissional aos educadores, pois é necessário ter uma visão crítica sobre o modo como tais documentos são construídos e conhecer em que se embasa sua cientificidade, para poder relativizar as ‘verdades’ científicas. Toda produção científica é resultado de um momento histórico e social que aceita e recusa determinados modos de atividade, validando alguns conhecimentos e rejeitando outros. O fazer psiquiátrico tem uma longa tradição em utilizar-se de classificações de transtornos a partir de convenções realizadas por grupos de sua área, carecendo muitas vezes de evidências biológicas que justifiquem a construção de seus diagnósticos. Se um oftalmologista sabe exatamente o quanto deve mensurar em seus aparelhos para considerar um paciente com baixa visão, a mesma precisão não se dá na psiquiatria, que já considerou a condição de homossexualidade como um transtorno mental. Os denominados transtornos de aprendizagem, transtornos de déficit de atenção e hiperatividade e dislexia são aclamados como verdades absolutas e imutáveis, contudo sua definição muda a cada novidade lançada na forma de diagnosticá-los. Pessoas que lidam com a educação precisam reconhecer os limites das classificações e olhar para os fenômenos educacionais de modo amplo e global. Isso porque aspectos biológicos não devem ser sobrepostos às grandes possibilidades ofertadas pela educação de qualidade para que, de fato, o indivíduo possa atingir seu potencial. Seja na avaliação ou no tratamento, há modos de intervir na realidade educacional mais humanizados e globais. LEITURA COMPLEMENTAR Medicalização: contribuições da educação musical para o desenvolvimento da atenção voluntáriaem crianças da educação infantil. Nesse sentido, explica Vygotsky (2001), o aprendizado antecede o desenvolvimento, desta forma, o professor deve ter claro que a ação docente deve voltar-se, não para aquilo que o educando sabe fazer por si mesmo, mas sim, para o que consegue realizar com ajuda de outrem. O único bom ensino, diz ele, é aquele que se adianta ao desenvolvimento da criança e é organizado adequadamente para este fim. No que se refere, ao ensino musical, quanto maior for o conhecimento do educador maior será a adequação de suas propostas de ensino com vistas ao desenvolvimento de funções psíquica. Durante a pesquisa de mestrado (Scherer, 2010), observamos que na escola muitos professores, têm dificuldades para organizar estratégias pedagógicas que possibilitem o desenvolvimento da linguagem musical e de outras formas de linguagem com significado, sem preocuparem-se com a grande influência desse processo no desenvolvimento social e psíquico do sujeito. Percebemos um esvaziamento do trabalho pedagógico musical, desencadeando, consequentemente, uma aprendizagem insatisfatória e uma socialização deficitária. No contexto educacional ocorrem questionamentos, como por exemplo: Como o ensino escolar da música pode gerar aprendizagens promotoras do desenvolvimento de funções psíquicas, em especial a atenção voluntária e imaginação e contribuir para a não medicalização? [... ] Podemos pensar que a música, como elemento cultural e mediador contribui para o desenvolvimento da comunicação verbal ao permitir de forma lúdica a auto expressão da criança, e também por se constituir em uma forma de linguagem com significados e sentidos. Deve-se também, além de propiciar à criança a possibilidade de utilizar a música como meio de expressão, seja de seu pensamento como de seus sentimentos, mais um instrumento extremamente rico em sua interação no grupo. Como aponta Duarte (2009, p.470) “[...] a questão central da pedagogia não se reside nas relações entre professor e aluno ou dos alunos uns com os outros, mas sim nas relações que professor e alunos estabelecem com os produtos intelectuais da prática social humana”. Nessa perspectiva, o objetivo do ensino é o desenvolvimento das capacidades mentais e da subjetividade dos estudantes por meio da apropriação consciente e ativa dos conteúdos, em cujo processo se leva em conta os motivos dos alunos. No entanto, para que ocorra efetivamente a instrumentalização para o uso dessa metodologia é necessário, conforme Asbahr e Nascimento (2013), que o sujeito do processo de ensino e aprendizagem, o professor, assuma o papel de mediação entre os dois polos da relação: imediato (conhecimentos empíricos) e o mediato (conhecimentos teóricos) para que os estudantes atinjam as máximas produções e não permaneça apenas no imediato das suas experiências cotidianas. É sabido que o ensino e a educação alcançam finalidades específicas se atividade própria da criança for competentemente orientada, quando esta atividade é interpretada abstratamente e, principalmente, quando existe uma ruptura no processo de desenvolvimento em relação à educação e ao ensino, surgirá uma contraposição entre as necessidades da natureza da criança e os requisitos da educação. Qualquer tentativa do professor de trabalhar com conhecimentos e normas morais e passar por alto a atividade própria da criança, prejudica as bases do seu desenvolvimento moral e mental, da sua educação e de suas qualidades pessoais (Davydov, 1988). Concordamos com o autor, quando afirma que o papel fundamental da educação escolar seria propiciar a todos os alunos a transmissão e a assimilação da cultura produzida historicamente independente de sua condição física, mental ou intelectual, para que isso ocorra deve haver planejamento e organização do ensino, seja ele musical no nosso caso, ou qualquer outro conteúdo escolar. Segundo Mukhina (1995), a atenção, memória e a imaginação, são funções psíquicas que demoram em ser autocontroladas, uma vez que, a criança não tem domínio de ações específicas que lhe possibilitem se concentrar em algo, lembrar ou imaginar algo para além do que ela pode vivenciar. Por isso, a autora argumenta sobre a importância de atividades formativas na pré-escola, nas quais devem ser enfatizadas tarefas de se concentrar em algo, lembrar e reproduzir algo, elaborar a ideia de um jogo, de um desenho, recursos mediadores utilizados em atividades musicais. Ao resolver esses problemas mediados pelo professor a criança desenvolverá um caráter voluntário e premeditado. Na medida em que as atividades se tornam mais complexas e amplia seu desenvolvimento psíquico, a atenção passa a ser mais concentrada e estável. Isto é, a transformação da atenção involuntária para a voluntária ocorreria no contexto de práticas educativas que promoveriam as máximas possibilidades de desenvolvimento de cada estudante. Nesse sentido, apresenta possibilidades na contramão da “indústria das patologias” (Franco, Tuleski & Eidt, 2016), uma vez que, em lugar de propor o aumento de crianças medicalizadas admite uma análise histórica e social dos aspectos que compreendem o processo de desenvolvimento do indivíduo, ou seja, a modificação da conduta por meio da apropriação de signos por meio de tarefas psicológicas. Breves reflexões que nos inquietam por entendermos que a música ainda é, infelizmente, uma das áreas do conhecimento menos utilizada na escola de forma organizada e intencional, sendo vista apenas como mais uma recreação ou como um elemento para tarefas do cotidiano da educação infantil. Fonte: Scherer e Franco (2019, p. 24666 - 24668). LIVRO • Título: Transtorno da aprendizagem: da identificação à intervenção. • Autor: Jack M. Fletcher • Editora: Artmed. • Sinopse: O livro traz a história do desenvolvimento do campo dos transtornos de aprendizagem, como se dá sua classificação, definição e identificação. Explica como se procede para a avaliação dos transtornos de aprendizagem e aponta tratamentos para os transtornos da escrita, leitura e matemática. FILME/VÍDEO • Título: Dificuldades de aprendizagem e o transtorno específico de aprendizagem • Ano: 2019 • Sinopse: Problemas de aprendizagem são queixas comuns na infância e adolescência. Subjacente a tais problemas podem estar variáveis sociais, familiares ou pedagógicas que caracterizam quadro referido como dificuldade de aprendizagem. Por outro lado, em outros casos, podem haver alterações de natureza neurobiológica. Neste caso, podemos estar frente a um transtorno específico de aprendizagem. A diferenciação entre eles nem sempre é fácil e exige a atuação de uma equipe interdisciplinar. Esta webpalestra tem o objetivo de apresentar os conceitos de dificuldades e transtorno de aprendizagem, elencando as especificidades desses quadros, ajudando profissionais a melhor delimitar as variáveis envolvidas e refinar suas hipóteses. • Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=sOcrCJ1RTGg REFERÊNCIAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5. ed. Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013. (DSM-5). CAMPOS, C. B. H. F.; SANT`ANA, D. M. G. De que é feita a ritalina e o concerta? Conhecendo o metilfenidato, sua ação, riscos e benefícios. In: In: TULESKI, S, C; FRANCO, A. F. O lado sombrio da medicalização da infância:possibilidade de enfrentamento. Recurso digital. Rio de Janeiro: Nau editora, 2019. COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011. DORNELES, B. V. et al. 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CONCLUSÃO GERAL Prezado (a) aluno (a), Ao discutirmos a medicalização da educação foi importante diferenciá-la da medicação, que é a ação ponderada e necessária da área da medicina, sendo a medicalização o excesso desenfreado. Conduzidos pela teoria sócio-histórica a uma visão crítica e responsável sobre os processos educativos, pudemos considerar que há uma contradição em atribuir as dificuldades escolares, cada vez mais numerosas, a um aspecto apenas biológico. Observamos os números alarmantes de vendas muito expressivas da indústria farmacêutica de psicoestimulantes e sua flutuação acompanhando o calendário acadêmico. Fato que ressalta a importância dos movimentos sociais nacionais e internacionais em defesa de uma educação não medicalizada. Caminhamos em nossa discussão destacando que o aluno não tem a obrigação de chegar à escola com suas funções psicológicas superiores plenamente desenvolvidas, mas deve receber a mediação necessária dos educadores para desenvolver-se e poder atingir seu potencial. O despertar da consciência social, um dos objetivos da educação, não se efetiva com medicamentos, pois é na relação que o ser se constrói e passa a se conhecer. Embora haja pressão pela medicalização, há legislação que foca na aprendizagem de modo não medicalizante. Este trajeto permite-nos adentrar nas definições dos transtornos de aprendizagens e questionar por formas inovadoras e criativas de lidar com situações humanas sem patologizar o diferente e o que foge ao esperado. A partir de agora acreditamos que você já está preparado para seguir em frente, desenvolvendo ainda mais seus conhecimentos e senso crítico para atuar junto à educação sendo um componente que vê o ser humano de modo global. Até uma próxima oportunidade. Muito Obrigada! 6e62fdc216dea33163a58ba5f9b3585aaf0cf1fff97ddde8fee48df7d2225239.pdf 6e62fdc216dea33163a58ba5f9b3585aaf0cf1fff97ddde8fee48df7d2225239.pdf 6e62fdc216dea33163a58ba5f9b3585aaf0cf1fff97ddde8fee48df7d2225239.pdf 6e62fdc216dea33163a58ba5f9b3585aaf0cf1fff97ddde8fee48df7d2225239.pdf 6e62fdc216dea33163a58ba5f9b3585aaf0cf1fff97ddde8fee48df7d2225239.pdf 6e62fdc216dea33163a58ba5f9b3585aaf0cf1fff97ddde8fee48df7d2225239.pdf 6e62fdc216dea33163a58ba5f9b3585aaf0cf1fff97ddde8fee48df7d2225239.pdf