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Evolução do Conceito de Infância

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TEXTO 0
Psicanálise com crianças - Teresinha Costa
O conceito de infância
Na Idade Média, a criança era vista como um pequeno adulto,
sem características que a diferenciam, e desconsiderada como
alguém merecedor de cuidados especiais. Isso não significava
que as crianças fossem até então desprezadas ou
negligenciadas, mas sim que não se tinha consciência de uma
série de particularidades intelectuais, comportamentais e
emocionais que passaram, então, a ser consideradas como
inerentes ou até mesmo naturais às crianças.
Renascença - A criança — concebida em sua particularidade
— passa a ser vista como o centro do grupo familiar, e a
infância considerada um período de preparação para o futuro
Agostinho - a infância não tem nenhum valor e é o indício da
corrupção dos adultos. A infância é uma época em que
predomina a maldade da criança, antes de qualquer
adestramento educativo e moral. (Correção rigorosa por parte
dos pais).
Iluminismo - Para Rousseau, “não há perversidade original no
coração humano”. A criança nasce inocente, pura, e tem
maneiras de pensar e sentir que são próprias à sua idade
Capitalismo - Com a ascensão do capitalismo e dos ideais da
burguesia, os valores individuais ganham cada vez mais
importância. A criança transforma-se num investimento
lucrativo para o Estado, ela é vista como uma força de
produção que traria lucros a longo prazo.
ATUALIDADE - Já no século XIX e mesmo no século XX,
observamos uma preocupação mais ampla e sistemática com
o estudo da criança e a necessidade de uma educação mais
formal. A pedagogia, a pediatria e as especializações em torno
da criança desenvolvem-se rapidamente. O discurso
psicológico destaca-se como aquele capaz de produzir um
discurso científico sobre a infância no qual a pedagogia, cada
vez mais, vai se ancorar para produzir práticas educativas e
saneadoras
OS PRIMÓRDIOS DA PSICANÁLISE COM CRIANÇA
Embora tenha iniciado suas teorizações quando as idéias que
vigoravam sobre a criança eram a de uma natureza infantil
passível de ser moldada, seja pela educação ou pela
psicologia, ele não se deixa capturar por elas.
A partir da escuta de suas pacientes histéricas cria a teoria da
sedução.
Abandono da teoria da sedução (etiologia das neuroses de
adultos em experiências sexuais traumáticas ocorridas durante
a infância).
Esse foi um momento teórico muito importante no
desenvolvimento da teoria psicanalítica, no qual o relevante
não são mais os fatos da infância, mas a realidade psíquica,
constituída pelos desejos inconscientes e pelas fantasias a ela
vinculadas, tendo como pano de fundo a sexualidade infantil.
Ocorre também uma modificação no conceito de infância,
que deixa de ser vista a partir de um registro genético e
cronológico para ser abordada pela lógica do inconsciente.
TEXTO 1
Sintoma da criança. atualização do processo constitutivo
parental?
Anna Freud, refere que uma das especificidades da análise da
criança diz respeito à transferência. Visto que os pais da
realidade estão presentes no cotidiano da criança e visto que a
criança não dissolveu seu complexo de Édipo, a transferência
na clínica com crianças cumpre outra função.
A relação entre transferência e resistência é colocada, pois, no
caso da escuta à criança; a resistência está relacionada aos
pais, sendo reconhecida na época como algo externo ao
trabalho analítico propriamente dito.
➔ Reservar algum espaço próximo para trabalhar com
os pais da criança já que não era a criança que
demandava atendimento e propunha um
atendimento prévio a partir do qual seriam
trabalhadas a demanda de atendimento e a
consciência da doença, visto que a criança, para a
autora, não a tem.
Anna Freud (1971) acreditava que as crianças tinham
dificuldades em estabelecer uma relação transferencial com o
analista visto que os pais da realidade tinham, ainda, uma
influência muito forte, ou seja, o pequeno paciente não poderia
reeditar seus vínculos amorosos porque a primeira edição
desses vínculos não estaria esgotada.
Para Anna Freud (1971), caso o sintoma e/ou o conflito
apresentado pela criança esteja ancorado não somente na
sua personalidade, mas também sustentado pelas forças
emocionais dos pais, a ação terapêutica analítica pode se
tornar lenta ou mesmo impossível.
Melanie Klein (1964) apostava na capacidade transferencial da
criança e prescindir da presença dos pais na análise com o
pequeno paciente.
Tendo feito modificações teórico-clínicas, considera que a
criança passa por um Édipo precoce, o que possibilita o
trabalho com os pais introjetados, da fantasia
trabalhava com os pais da fantasia e, nesse sentido, não havia
questionamentos em relação ao estabelecimento da relação
transferencial com o analista.
Como o aparelho psíquico está, desde a origem
da criança, constituído pelos mecanismos introjetivos e
projetivos, trata-se de trabalhar analiticamente com as imagens
parentais internalizadas e as fantasias da criança. Nesta
concepção, segundo a autora, não há motivo para o trabalho
com os pais da realidade
Para Klein (1964), a análise de uma criança deveria prescindir
de toda vinculação com os pais, com sua história ou com
qualquer obstáculo concreto que fosse alheio à situação
analítica.
Poulain-Colombier (1998) lembra que em 1932 houve uma
discordância entre Burlingham e Melanie Klein sobre a
influência das fantasias parentais no tratamento dos filhos que
abriria uma terceira possibilidade. Burlingham (1935: 71) passou
a enfatizar a necessidade de análise simultânea, com diferentes
analistas, para a criança e a mãe, pela dificuldade, para a
mãe, de suportar a análise de seu filho, uma vez que “a
inter-relação entre pais e criança está marcada por poderosas
forças inconscientes”.
O surgimento do movimento lacaniano com sua concepção de
“sujeito” fez surgir uma nova polaridade no campo da
psicanálise com crianças. A partir dos questionamentos
lacanianos a respeito da formação do sujeito, o lugar dos pais
na clínica passa a ser privilegiado não como orientação
pedagógica, mas como possibilidade de trabalho.
Lacan (1971) refere que seria função do analista se opor a que
o corpo da criança respondesse como objeto a materno. Zornig
(2000) aponta que para que a criança não seja tomada como
objeto parcial na fantasia de um dos pais o analista deve se
colocar como mediador entre a criança e o desejo da mãe.
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
Uma das especificidades da psicanálise com a criança se
refere à constituição de um infantil que possibilitará uma
estruturação subjetiva quando do processo de recalcamento
Em relação ao recalque, Bernardino (2004) aponta que na obra
Freudiana o infantil encontra-se posicionado entre o recalque
originário e o recalque propriamente dito, constitutivo do
inconsciente e do fantasma fundamental. O infantil aponta
para um movimento que parte dos agentes do Outro
(cuidadores) para a criança, sinalizando-lhes o lugar que ocupa
no desejo deles.
Cabe lembrar que o projeto de um filho se concretiza, na
maioria das vezes, quando falta alguma coisa ao casal. Assim,
a aposta narcísica nesse projeto evidencia o renascimento da
busca da completude perdida quando da constituição do seu
próprio infantil.
A expressão freudiana “sua majestade o bebê” nos lembra o
renascimento narcísico quando da vinda de um filho. Porém,
para a criança se constituir como sujeito diferenciado, a aposta
narcísica precisa minimamente fracassar para que as
características da criança possam aparecer.
Este fracasso da completude narcísica permite abrir um espaço
a partir do qual a criança passa a se perguntar sobre o lugar
que ela ocupa frente ao desejo dos pais, lugar este que, até
então, não era questionado. Esse preenchimento começa a
acontecer quando a criança passa a questionar sobre sua
origem e, consequentemente, elaborar suas teorias sexuais
infantis
Para Jerusalinsky (2008), as operações formadoras do fantasma
para a criança são a suposição de um sujeito pelo outro
materno; a alternância da presença e ausência; o
estabelecimento da demanda, e a função paterna. A
suposiçãode um sujeito diz respeito à possibilidade de a mãe
antecipar, naquilo que a criança apresenta, uma
intencionalidade que supõe um sujeito.
A DEMANDA E A TRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA COM CRIANÇAS
Balbo (1992), considerando que quem demanda atendimento
para seus filhos são os pais, reconhece que, nesses pedidos, seja
feito um trabalho de escuta a respeito da criança narcísica que
os pais desejariam, ou gostariam de ser e de reconhecer em
seus filhos.
Quando a criança não consegue corresponder a essa imagem
idealizada não é ela quem está em fracasso, são os pais
mesmos que fracassam.
Cabe ressaltar que os pais trazem a criança à consulta quando
eles não conseguem mais assumir a transferência deles com
seus próprios filhos. Para Porge (1998) na análise com a criança
está colocada uma transferência particular e indireta, visto que
é contemporânea ao estabelecimento de uma transferência
na relação com os pais.
É necessário que ocorra uma operação que permita
transformar os pais da infância nos pais da fantasia, questão
colocada em toda a análise com crianças.
TEXTO 2
a psicoterapia de crianças na abordagem winnicottiana
No âmbito psicanalítico, pode-se indicar que a psicanálise de
crianças teve início nos trabalhos de seu próprio fundador,
Sigmund Freud.
Donald W. Winnicott e Arminda Aberastury como inovadores da
técnica da análise de crianças, devido ao foco dado ao
brincar como forma de comunicação e intervenção dentro do
setting analítico.
Anna Freud acreditava que a criança não tinha consciência de
sua enfermidade e nem desejos de se curar e por essa razão
era necessário um trabalho prévio, antes de colocá-la em
análise.
➔ Sua técnica tinha caráter educativo, pois não
acreditava que a criança pudesse efetivar uma
transferência com o analista, como o adulto. Tendo
em vista que as relações originais ainda não haviam
sido desfeitas, não seria possível realizar uma segunda
edição enquanto a primeira não tivesse esgotada
A técnica criada por Melanie Klein baseava-se na utilização do
jogo, por acreditar que a criança, ao brincar, vence realidades
dolorosas e projeta no exterior seus impulsos instintivos. Assim, o
jogo desenvolve-se no consultório, dentro de limites
determinados de tempo e espaço
Aberastury e Winnicott, embora tenham começado seus
estudos e trabalhos partindo da teoria kleiniana, trouxeram
novas contribuições, que os diferenciam das propostas de Klein.
Sobre a técnica desenvolvida por Aberastury (1989), esta autora
indica que foram efetuadas adaptações concernentes à
entrevista com os pais e ao valor dado à primeira hora de jogo.
Outro marco da adaptação técnica proposta por Aberastury
(1989) centra-se na introdução da caixa lúdica individual, que
consiste em uma caixa na qual são colocados brinquedos e
materiais gráficos que satisfazem as necessidades de
comunicação da criança.
Por outro lado, tem-se o trabalho de Donald W. Winnicott,
considerou o ambiente como fator primordial para o
desenvolvimento saudável, referindo-se às condições tanto de
ordem emocionais quanto aquelas relativas a aspectos físicos
ou concretos, como a presença real de pessoas necessárias ao
amadurecimento emocional do bebê
➔ Muita coisa acontece no primeiro ano de vida do ser
humano, que dispõe de uma tendência ao
desenvolvimento que é inata e que corresponde ao
crescimento do corpo e de certas funções. Todavia,
esse crescimento natural não se constata na ausência
de condições suficientemente boas, que leve o
indivíduo da dependência à independência
➔ .
Assim, o processo de amadurecimento físico e emocional
ocorre quando o indivíduo passa pelas fases de dependência
absoluta, dependência relativa, rumo à independência,
sendo três os processos que acompanham estas etapas:
integração, personalização e realização ou início das
relações objetais.
➔ A primeira se refere à integração do ego, que antes
imaturo necessita do apoio egóico que o meio deve
ser capaz de fornecer, para que assim o bebê se
torne capaz de permanecer, durante algum tempo,
não integrado, sem ameaças a sua continuidade de
ser;
➔ A personalização se refere à trama psicossomática,
isto é, a psique residindo no corpo e este como lugar
de residência do eu;
➔ A realização relaciona-se ao momento no qual o
indivíduo começa a perceber o objeto como
separado dele mesmo.
Estas três realizações são interdependentes e só podem ser
alcançadas com os cuidados de um ambiente
suficientemente bom, cujas funções Winnicott sintetiza em:
holding, handling e apresentação de objetos.
➔ O holding representa a continuação, após o
nascimento, da provisão de cuidados proporcionados
ao bebê no útero da mãe
➔ O handling é definido como a capacidade da mãe
de propiciar um manejo adequado do corpo do
bebê e de suas funções, permitindo que ele alcance
a personalização.
➔ A apresentação de objetos é quando a mãe traz um
pedacinho do mundo ao lactente, de forma limitada
e adequada, proporcionando uma experiência inicial
de onipotência, denominada de período de ilusão.
Assim, quando o cuidado materno é suficientemente bom, o
bebê experimenta uma continuidade de ser.
Na perspectiva winnicottiana, para um bom manejo clínico, é
importante a compreensão acerca dos possíveis fracassos
ambientais vivenciados pela pessoa, tendo em vista que
cada situação demanda um tipo de posicionamento do
terapeuta.
TEXTO 3
Ludoterapia centrada na criança
A ludoterapia provavelmente tenha se originado de tentativas
de aplicar a terapia psicanalítica a crianças, o brincar era
uma técnica para produzir um envolvimento emocional
positivo entre a criança e o analista, e assim, tornar possível a
terapia propriamente dita.
Uma das características essenciais da terapia rankiana, ou
também chamada de terapia de relacionamento, é sua
concepção de um certo tipo de relação terapêutica que, por
si só, poderia ser curativa, uma vez que é importante para o
paciente retomar suas etapas do desenvolvimento e reviver
relações emocionais anteriores dentro da hora analítica.
FUNDAMENTOS DA PSICOTERAPIA NA ABORDAGEM CENTRADA
NA PESSOA
Na Abordagem Centrada na Pessoa, o terapeuta atua como
facilitador do processo de desenvolvimento do cliente.
Este clima facilitador possibilita que o cliente encontre, em si
mesmo, seu ponto de referência, que é criado a partir da
relação eu-tu, de respeito e confiança. Para facilitar que a
pessoa entre em busca de si mesmo, o terapeuta necessita
apresentar três atitudes que são necessárias e suficientes para
a mudança terapêutica: a consideração positiva
incondicional, a compreensão empática e a congruência.
Esta abordagem se pauta na crença de que os indivíduos
possuem dentro de si vastos recursos para autocompreensão
e para modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e
de seu comportamento autônomo.
A base do atendimento psicoterápico envolve elementos
fundamentais que, sem os quais não se faz possível uma
verdadeira facilitação do cliente. Esses elementos são
baseados na confiança de que o ser humano é
essencialmente bom, positivo, e que nele existe uma
tendência à realização e ao crescimento, chamada
tendência atualizante.
Para a Abordagem Centrada na Pessoa, há três tipos de
intervenções verbais que podem ajudar o cliente a esclarecer
os seus sentimentos, são elas a reiteração, o reflexo de
sentimentos e a elucidação.
➔ A reiteração é uma forma simples de dar
continuidade ao que o cliente está trazendo, fazendo
uso das mesmas palavras do cliente, para que ele se
sinta compreendido e acompanhado.
➔ O reflexo de sentimentos tem por objetivo acessar o
conteúdo inerente às palavras, percebendo a
intenção e os sentimentos que podem estar presentes
na verbalização, favorecendo dessa maneira a
ampliação do campo de percepção do cliente
➔ A elucidação consiste em perceber, cristalizar e tornar
evidentes certas atitudes ou sentimentos, que ainda
não estão verbalmente presentes no discurso, mas
que podem ser traduzidos pelo conteúdo ou contexto
que o cliente expressa (Rogers e Kinget, 1977)
LUDOTERAPIA ENQUANTO FERRAMENTA
A Ludoterapia trata-sedo tratamento psicoterápico voltado à
criança. É a psicoterapia realizada através do lúdico, do
brincar, e tem como objetivo facilitar a expressão da criança.
É através do brincar que a criança tem maior possibilidade de
expressar seus sentimentos e conflitos e buscar melhores
alternativas para lidar com essas demandas.
Por ser não-diretiva e acreditar na capacidade positiva de
cada um, favorece que a criança entre em contato com seus
sentimentos, no momento em que se sentir em condições,
com disposição e segurança para isso (Axline, 1982).
A Ludoterapia centrada na criança não se baseia em
técnicas, mas em atitudes terapêuticas vivenciadas de forma
genuína pelo terapeuta. Na essência de cada encontro
terapêutico estão as atitudes básicas de fé no potencial da
criança para encontrar um caminho saudável, aceitação das
ações e palavras da criança, e respeito pelo estilo,
peculiaridade, forma de ser e de se expressar da criança
OS PRINCÍPIOS DA LUDOTERAPIA CENTRADA NO CLIENTE
Acolhida amistosa – O terapeuta deve desenvolver um
amistoso e cálido rapport, de modo que se estabeleça uma
aproximação. É importante que o terapeuta deseje trabalhar
com crianças para que consiga de forma natural e
congruente desenvolver este ambiente de acolhida.
Aceitação – Cabe ao terapeuta aceitar a criança
exatamente como ela é, pois esta não escolheu sua
realidade, sua família, sua condição social. Independente de
suas características, a criança deve ser aceita pelo fato de ser
uma pessoa. Não é somente através de palavras que a
criança se sente aceita, mas também através de atitudes que
o terapeuta expressa, ou não, no relacionamento.
Permissão – Estabelecer uma sensação de permissividade no
relacionamento, deixando a criança livre para expressar os
seus sentimentos. A hora terapêutica é a hora da criança,
para ela a use como quiser. O terapeuta se abstém de dar
sugestões a fim de que a criança possa assumir a
responsabilidade de fazer suas próprias escolhas.
Reflexo de sentimentos – O terapeuta deve estar sempre
alerta para identificar os sentimentos expressos pela criança e
para refleti-los, de tal forma que ela adquira conhecimento
sobre o seu comportamento.
Consideração positiva – O terapeuta mantém profundo
respeito pela capacidade da criança em resolver seus
próprios problemas, dando-lhe oportunidade para isso. A
responsabilidade de escolher e de fazer mudanças é deixada
à criança, que tem capacidade para tal.
Não diretividade – O terapeuta não deve, nem precisa, dirigir
ações ou conversas da criança. O cliente indica o caminho e
o terapeuta o segue
Respeito ao ritmo pessoal – O terapeuta não tenta abreviar a
duração da terapia
Não antecipar preocupações – Estabelecer somente as
limitações necessárias para fundamentar a terapia no mundo
da realidade e fazer a criança consciente de sua
responsabilidade no relacionamento.
TEXTO 4
O processo psicoterapêutico em Gestalt-Terapia com
crianças
O processo terapêutico em Gestalt-terapia com crianças tem
o objetivo de resgatar o curso satisfatório do desenvolvimento
da criança, propiciando oportunidades, conforme diz
Oaklander (1992), de reencontrar a vivacidade e o contato
pleno com o mundo por meio da desobstrução de seus
sentidos.
A metodologia empregada é a fenomenológica que se
caracteriza pelo uso de linguagem descritiva.
que, com o auxílio de técnicas facilitadoras, visa proporcionar
uma maior awareness (tomada de consciência dos problemas
para si, retirando-o de terceiro para enfrentá-lo no setting
terapêutico) da criança a respeito de si mesma e do mundo,
expandindo e flexibilizando suas possibilidades de contato e,
com isso, criando outras formas de ser e estar no mundo.
Esse processo pode ser caracterizado como semidiretivo.
O método descritivo da Gestalt-terapia possibilita à criança,
por meio das intervenções descritivas do psicoterapeuta,
construir gradativamente o significado do material que traz
para a sessão, sem a interferência de qualquer “a priori” do
terapeuta.
PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS BÁSICOS - A POSTURA
FENOMENOLÓGICA
Denominamos de postura fenomenológica a atitude do
psicoterapeuta de abertura e interesse genuíno pelo que a
criança traz, de forma verbal e não verbal, sem nenhum a
priori.
Utilizando o método fenomenológico, o psicoterapeuta
acompanha a criança ao longo da sessão, sem direcioná-la,
sem sugerir atividades nem recursos, sem iniciar assuntos ou
encaminhar a discussão para um ou outro tema, facilitando
com isso a obtenção de awareness por parte da criança a
respeito de sua experiência naquele momento, naquele
espaço e naquela relação, ajudando-a a não julgar seu
processo nem desprezar ou alienar aspectos de si mesma.
O papel da confirmação em psicoterapia
Se estivermos trabalhando, por exemplo, com uma criança
extremamente introjetiva, o que nossos elogios poderão
gerar? Se ela tem um padrão relacional básico que tende
para a introjeção sem discriminação, em que ela funciona
com base no que é estabelecido como certo e errado pelo
outro, possivelmente vai prestar atenção naquilo que agrada
ao psicoterapeuta, e como tem a necessidade de ser
“boazinha”, “certinha”, “a melhor cliente” acabará tentando
reproduzir os comportamentos elogiados para ganhar a
aprovação dele.
Por outro lado, ao confirmar a criança, o psicoterapeuta lhe
permite ter uma noção exata da sua potência a cada
momento e daquilo que ela ainda pode conseguir. Vejamos
o exemplo de um menino de 7 anos que não sabia amarrar o
cadarço do tênis e sempre pedia ajuda ao psicoterapeuta,
argumentando que não sabia fazer aquilo nem ia conseguir,
pois era “muito difícil”. Confirmar é acolher seu pedido de
ajuda, assinalando que ele ainda não pode amarrar o tênis,
mas à medida que vai experimentando e tentando de outras
formas ele criará condições para que isso aconteça.
Isso é confirmação em psicoterapia. Descrever um pouco do
processo do menino, mostrando-lhe sua resistência em
experimentar, assinalando sua escolha por arriscar, as
tentativas que não foram bem-sucedidas e finalmente o
momento em que ele conseguiu. Assim, o papel do
psicoterapeuta na confirmação é de funcionar como um
“espelho”, descrevendo à criança seu processo e
confirmando suas potencialidades
A RELAÇÃO TERAPÊUTICA
Seja qual for o recurso lúdico escolhido pela criança ou a
técnica utilizada pelo psicoterapeuta, o ponto central de
qualquer processo terapêutico é a relação que se estabelece
entre eles.
Para que ela se estabeleça, é preciso adotar uma atitude
dialógica caracterizada pela presença genuína do
psicoterapeuta na relação, pela sua inclusão, ou seja, pela
sua capacidade de se pôr no lugar da criança e de confirmar
a ela seu potencial (Jacobs, 1997)
Essas características permitem que o processo terapêutico
seja regido pelos princípios básicos da aceitação, da
permissividade e do respeito pela criança.
ACEITAÇÃO, RESPEITO E PERMISSIVIDADE
O caráter terapêutico da aceitação foi amplamente descrito
por Rogers (2001) e Axline (1984, 1986) e desenvolvido na
Gestalt-terapia na forma da teoria paradoxal da mudança
(Beisser, 1980). Ela se refere não só à aceitação do cliente por
parte do psicoterapeuta, mas também da aceitação do
próprio cliente como a grande possibilidade de mudança. Ela
sublinha que mudar não é tentar vir a ser algo diferente do
que somos, mas exatamente aceitar aquilo que podemos ser
a cada momento, com nossos limites e possibilidades.
O psicoterapeuta deve estabelecer um clima de aceitação e
permissividade no seu relacionamento com a criança, de
forma que ela sinta-se livre para expressar por completo seus
sentimentos
A questão da permissividade implica a real possibilidade de a
criança ser o centro de sua psicoterapia, escolhendo aquilo
que quer fazer e os recursos que vai utilizar para isso e
opinando a respeito da participação ou não do
psicoterapeuta na atividade. Ele precisa ficar bastante atento
ao que é permitido a fim de emitir mensagens claras para a
criança e poder honrar aquilo que foi dito
A VIVÊNCIA DOS LIMITES
Em psicoterapia, utilizamos o critérioda integridade para o
estabelecimento de limites. Ele diz respeito a três modalidades
de integridade: a da criança, a do psicoterapeuta e a do
espaço terapêutico. Dessa forma, apesar de falarmos o
tempo inteiro em permissividade, isso não significa ausência
total, mas um número reduzido e inquestionável de limites que
visa à segurança do campo total criança-psicoterapeuta.
OS RECURSOS LÚDICOS
Os critérios básicos para a escolha dos recursos lúdicos são:
segurança e relevância para a tarefa terapêutica;
Quanto à relevância dos recursos para a tarefa terapêutica,
os critérios de aquisição precisam enfatizar aquilo que eles
podem oferecer como estímulo para que a criança
compartilhe sua experiência.
OS RECURSOS TÉCNICOS
Denominamos técnica aquilo que podemos “fazer com isso”
para mobilizar “aquilo”. Assim, quando falamos de desenho,
por exemplo, não estamos nos referindo a uma técnica, mas a
uma atividade realizada com alguns recursos lúdicos, que
poderia inclusive acontecer em outros ambientes
frequentados pela criança que não o espaço terapêutico.
Do ponto de vista fenomenológico da Gestalt-terapia, a
técnica serve para facilitar, fomentar, fazer emergir e
desenvolver o material oferecido pelo desenho.
Também é importante não confundir técnica com recursos
lúdicos: a argila, por exemplo, não é uma técnica, mas um
recurso que pode ser utilizado de diversas formas pela criança
Da mesma forma, a técnica poderá incidir sobre a linguagem
verbal da criança, sobre seu comportamento total na sessão
terapêutica, sobre sua relação com o psicoterapeuta ou com
os responsáveis. Conforme já apontamos, ela incidirá sempre
sobre o conteúdo e a forma na sessão terapêutica, em um
ininterrupto movimento de figura e fundo.
Para utilizar as técnicas, precisamos paradoxalmente
esquecê-las, deixá-las no fundo, de forma que possam
emergir de modo criativo nos contextos em que sua presença
se fizer necessária para que o psicoterapeuta e a criança
continuem caminhando juntos, em direção à expansão das
fronteiras da criança.
TEXTO 5
Direcionamento para a condução do processo terapêutico
comportamental com crianças.
Os passos iniciais do processo terapêutico infantil, para Conte
e Regra (2000), incluem a entrevista inicial com os pais ou
família, o estabelecimento do contrato com os pais e a
criança e a entrevista inicial com a criança. Segundo Souza e
Baptista (2001), o terapeuta deve, logo na primeira sessão,
apresentar-se à criança, explicar sobre sua profissão, buscar
entender qual a representação que ela tem da terapia, deixar
claro quem a contratou e qual a queixa apresentada pelos
pais ou responsáveis. Deve ainda esclarecer sobre o sigilo
profissional, expondo seus direitos quanto às informações
advindas das sessões com os pais, as quais serão fornecidas
pelo terapeuta imediatamente após tais encontros.
Iniciada a terapia, o terapeuta terá como tarefa principal
abordar a criança sobre o seu problema e promover uma
análise conjunta das variáveis que o mantêm. Posteriormente,
realizará com a criança o levantamento de alternativas
comportamentais e treinará com ela novas soluções para o
seu problema (Conte e Regra, 2000). Souza e Baptista (2001)
ressaltam a importância de se ter conhecimento do nível de
desenvolvimento cognitivo da criança para que as estratégias
empregadas sejam compatíveis
1.Para as autoras, a prioridade na fase inicial do trabalho com
crianças, além de coletar todas as informações necessárias
para a avaliação, é estabelecer um clima de confiança para
que a aliança terapêutica seja fortalecida. Após a avaliação
ser completada, a criança deve ser informada sobre regras,
limites, estrutura e processo da terapia. Enfatizam que na fase
inicial, a terapia deve ser organizada de modo previsível, a
criança deve ser convidada a realizar uma parceria especial
em torno da resolução de seu problema, e o terapeuta deve
tornar-se um modelo importante de conduta apropriada a ser
seguida.
2. a fase intermediária se inicia quando a criança começa a
responder de forma mais ativa à intervenção do terapeuta,
estando visivelmente empenhada nas ações que levarão à
melhora. Nesta fase, o terapeuta irá trabalhar para que a
criança se torne mais consciente de seu comportamento,
sentimentos e pensamentos, facilitando sua capacidade para
brincar, expressar-se e resolver seus problemas. As autoras
afirmam que na fase intermediária, é comum que o foco da
terapia se concentre no cotidiano da criança fora das
sessões, e que os problemas e suas consequências sejam
discutidos de forma direta para que as alternativas de
mudança possam ser implementadas.
Os recursos lúdicos, presentes em todas as fases, ganham
destaque especial na fase intermediária. Conte (1993) afirma
que o uso destes recursos na terapia infantil tem como
objetivos: 1) parear a terapia e o terapeuta com atividades
agradáveis, favorecendo uma generalização nesta direção;
2) explorar o comportamento de brincar e os brinquedos
como forma de expressão indireta da criança sobre suas
relações com o mundo, suas reações públicas e privadas; 3)
avaliar a relação terapeuta-criança e o curso do processo
terapêutico; 4) explicitar as situações antecedentes e
conseqüências de suas respostas para ajudá-la a identificar a
ocorrência de comportamentos semelhantes fora de sessão; e
5) estudar, com a criança, alternativas mais adaptativas de
comportamento e treiná-las.
3.A fase final do tratamento tem início quando as melhoras já
ocorreram e necessitam apenas ser fortalecidas (Kernberg e
Chazan, 1993). O encerramento oportuniza o lidar com
sentimentos antagônicos: de um lado a separação e perda e
de outro a conquista e o prazer pelo alcance dos objetivos.
Além destes aspectos, as autoras ressaltam que na fase final,
as atividades lúdicas podem continuar de forma mais
relaxada, tranqüila, e as intervenções verbais podem se tornar
mais diretas. Uma revisão do tratamento, tanto com os pais,
como com a criança (Cornejo, 2003), é importante para expor
comparativamente as mudanças e oferecer orientações para
o futuro, caso novas intervenções sejam necessárias.
Etapas para Condução do Processo Terapêutico com Criança
Passo 1 – Explique à criança sobre o funcionamento da
terapia.
Quando a criança vem para sua primeira sessão após
avaliação inicial com os pais, o terapeuta deve começar
explicando para ela a respeito do funcionamento da terapia.
Estas explicações geralmente envolvem a apresentação do
terapeuta e do ambiente, esclarecimento dos objetivos (ou
para que serve a terapia), etapas do processo, exemplos de
atividades que serão realizadas durante a intervenção,
informação sobre a necessidade da participação de
familiares ou professores, sobre a responsabilidade da criança
no processo e também do terapeuta, e sobre o sigilo
profissional (Nemiroff e Annunziata, 1995; Cornejo,2003).
Passo 2 - Defina com a criança qual o problema a ser
trabalhado (objetivos).
É necessário definir claramente com a criança o problema a
ser tratado, pois ela deve concordar com a necessidade de
ajuda para que aceite e colabore com o tratamento
(Digiuseppe, Linscott e Jilton, 1996). Para tal, o terapeuta
poderá expor à criança os objetivos dos pais para com a
terapia questionando-a sobre a sua concordância quanto à
ocorrência de tais problemas. O terapeuta deve também
auxiliar a criança a definir seus próprios objetivos, sejam eles
condizentes ou não com os dos pais.
Passo 3 – Trabalhe identificação e expressão de sentimentos e
auto-exposição
Identificar e expressar sentimentos são habilidades importantes
para que a criança discrimine os efeitos encobertos que as
contingências às quais está exposta exercem sobre ela, assim
como responde-lhe de forma socialmente mais adequada
(verbalizando como se sente, ao invés de apenas chorar ou
agredir).
Passo 4 – Inicie a análise de conseqüências e levantamento
de alternativas comportamentais
A análise de consequências no processo terapêutico tem por
objetivo ensinar a criança a analisar as contingências que
estão envolvidas no seu problema,que explicam porque
certas coisas estão acontecendo desta maneira e não de
outra (Conte e Regra, 2000).
Passo 5 – Treine habilidades específicas em sessão
O treino de habilidades específicas será executado a partir da
operacionalização dos comportamentos-problema (como
descrito acima), levantamento das alternativas
comportamentais e escolha do comportamento incompatível
a ser treinado/ ensaiado. Esta etapa consiste em ensaiar com
a criança, dentro da sessão, o comportamento que ela
escolheu como substitutivo ao comportamento-problema. O
treino direto geralmente é necessário para que a criança
desenvolva novos repertórios e adquira confiança em seu
desempenho a fim de que possa arriscar-se fora da sessão
(próxima etapa do processo).
Passo 6 – Incentive a ocorrência do novo comportamento fora
da sessão
Neste momento, será posto em prática, fora da sessão, o novo
comportamento que foi modelado e ensaiado na sessão. A
duração desta etapa é variável, vai depender do tipo de
problema e da participação do cliente, e das situações
imprevisíveis extra terapia que poderão ocorrer. O terapeuta
tentará incentivar a ocorrência dos novos comportamentos
fora da sessão
Passo 7 – Realize a análise e refinamento das tentativas de
mudanças
O terapeuta ajudará a criança a analisar suas mudanças,
levantar possíveis causas de sucesso e fracasso e,
principalmente, se houve aumento de sua capacidade de
solucionar problemas.
Passo 8 – Fortaleça as mudanças ocorridas: inicie o processo
de alta
É necessário avaliar o progresso por meio das observações da
criança e pelos relatórios de membros da família, do pessoal
da escola e outros. Uma terminação abrupta poderá produzir
um impacto emocional muito mais forte numa criança do que
num adulto, portanto é melhor ressaltar que a terminação se
deve à melhora e não porque você não gosta mais dela.
TEXTO 6
brincadeira e desenvolvimento infantil: um olhar sociocultural
construtivista
Para o autor, quando a criança brinca, além de conjugar
materiais heterogêneos (pedra, areia, madeira e papel), ela
faz construções sofisticadas da realidade e desenvolve seu
potencial criativo, transformando a função dos objetos para
atender seus desejos.Benjamin (1984).
A brincadeira das crianças evolui mais nos seis primeiros anos
de vida do que em qualquer outra fase do desenvolvimento
humano e neste período, se estrutura de forma bem diferente
de como a compreenderam teóricos interessados na
temática (Brougère, 1998). A partir da brincadeira, a criança
constrói sua experiência de se relacionar com o mundo de
maneira ativa, vivencia experiências de tomadas de decisões.
Em um jogo qualquer, ela pode optar por brincar ou não, o
que é característica importante da brincadeira, pois
oportuniza o desenvolvimento da autonomia, criatividade e
responsabilidade quanto a suas próprias ações.
Fein (Spodek & Saracho, 1998) afirma que é muito “difícil
definir a brincadeira, mas, em certo sentido, ela se
auto-define” (p. 210).
Spodek e Saracho (1998) apontam que a dificuldade em se
chegar a uma definição consensual sobre a brincadeira
advém da falta de critérios para se classificar uma atividade
como tal; assim, em alguns contextos ou momentos uma
atividade pode ser considerada brincadeira, e deixar de sê-lo
em outros, o que depende da relação que se estabelece
com a situação, do significado que assume para quem
brinca.
Vygotsky (1998), um dos representantes mais importantes da
psicologia histórico-cultural, partiu do princípio que o sujeito se
constitui nas relações com os outros, por meio de atividades
caracteristicamente humanas, que são mediadas por
ferramentas técnicas e semióticas. Nesta perspectiva, a
brincadeira infantil assume uma posição privilegiada para a
análise do processo de constituição do sujeito;
O autor afirma, ainda, que o desenvolvimento humano é um
processo dialético, marcado por etapas qualitativamente
diferentes e determinadas pelas atividades mediadas.
Desta maneira, os objetos com os quais a criança se relaciona
são significados em sua cultura e a relação estabelecida com
eles se modifica à medida em que a ela se desenvolve.
A importância do brincar para o desenvolvimento infantil
reside no fato de esta atividade contribuir para a mudança
na relação da criança com os objetos, pois estes perdem sua
força determinadora na brincadeira. “A criança vê um objeto,
mas age de maneira diferente em relação ao que vê. Assim, é
alcançada uma condição que começa a agir
independentemente daquilo que vê.” (Vygotsky, 1998, p. 127).
Para Vygotsky (1998), a criação de situações imaginárias na
brincadeira surge da tensão entre o indivíduo e a sociedade e
a brincadeira libera a criança das amarras da realidade
imediata, dando-lhe oportunidade para controlar uma
situação existente (Cerisara, 2002)
Vygotsky chama a atenção quando afirma que definir “o
brinquedo como uma atividade que dá prazer à criança, é
incorreto” (p. 105), porque para ele, muitas atividades dão à
criança prazeres mais intensos que a brincadeira: por
exemplo, uma chupeta para um bebê mesmo que isso não
leve à saciação da fome. Ele destaca, ainda, que há
brincadeiras em que a própria atividade não é tão agradável,
como as que só agradam às crianças (entre cinco e seis anos
de idade) se elas considerarem o resultado interessante.
Assim, o prazer não pode ser visto como uma característica
definidora da brincadeira (Cerisara, 2002). Entretanto, não se
deve ignorá-lo, pois ela preenche necessidades da criança e
cria incentivos para colocá-la em ação, que é de
fundamental importância, uma vez que contribui para
mudanças nos níveis do desenvolvimento humano.
Um esforço para compreender a importância da atividade do
brincar para o desenvolvimento infantil, numa perspectiva
co-construtivista, pode-se considerar que a criança, desde seu
nascimento, se integra em um mundo de significados
construídos historicamente. É por meio da interação com seus
pares que ela se envolve em processos de negociação,
dentre os quais, os de significação e ressignificação de si
mesma, dos objetos, dos eventos e de situações, construindo
e reconstruindo ativamente novos significados.
m
Valsiner (1988) acrescenta que para analisar o
desenvolvimento infantil deve-se considerar os ambientes em
que ocorre a atividade da brincadeira, que são fisicamente
estruturados, segundo os significados culturais das pessoas
responsáveis pela criança. Valsiner (2000) aponta, ainda, que
ela ocupa um papel ativo na organização de suas atividades,
construindo uma versão pessoal dos eventos sociais que lhe
são transmitidos pelos membros de sua cultura.
TEXTO 7
O Sujeito em Constituição, o Brincar e a Problemática do
Desejo na Modernidade
O brincar precisa ser compreendido como a expressão dos
modos atuais de organização da personalidade da criança e
um modo estruturante em relação às organizações mais
tardias.
Freud (1920/1980), em Além do princípio do prazer, defende
que no decorrer da infância, a criança deve ir aprendendo a
deixar paulatinamente o “princípio do prazer”, aprendendo a
considerar a realidade e postergar a satisfação imediata das
suas pulsões, equilibrando as agressivas e amorosas. A mola
propulsora dessa atividade infantil pode ser compreendida
como a compulsão de repetição, característica do
funcionamento da pulsão. Lacan (1982) defende, no
Seminário XI, que o que é fundamental e fundante do brincar
na infância refere-se ao registro do real, que sua essência
repetitiva nos revela. Acredita ser um erro tomar o fortda
simplesmente como exemplo de simbolização primordial:
“esse carretel não é a mãe reduzida a uma bolinha... é
alguma coisinha do sujeito que se destaca embora sendo
dele, que ele ainda segura... o carretel, é ali que devemos
designar o sujeito” (LACAN, 1964, p. 63).
Freud (1908/1980) também aborda o brincar em Escritores
criativos e devaneios, onde aponta que o trabalho está para
o adulto assim como o brinquedo está para a criança. Ele
compara o brincar ao trabalho criativo dos escritores, aos
sonhos e às fantasias, articuladoa um desejo oculto como as
demais formações do inconsciente. As crianças inventam a
realidade brincando; o ato de brincar institui um espaço
gerador de desejo.
Para Freud: (1908/1980, p. 152), “toda fantasia é a realização
de um desejo, uma correção da realidade insatisfatória.” A
sublimação é um modo diferente de satisfação da produção
substitutiva, ou seja, do sintoma no recalque, uma vez que ela
marca o ato criativo, o surgimento de algo novo. Na
sublimação, enquanto ato criativo, o brinquedo surge como
representante do objeto ‘a’, perdido para sempre e
contornado pelo circuito pulsional. E esse deve ser o objetivo
do brincar na infância: que o brinquedo seja obra de seu
criador e não apenas objeto de consumo!
Segundo Pavone (2004, p. 259), ali onde o sintoma da criança
revela sua aderência imaginária ao objeto capaz de
responder ao ideal parental, é importante que o brincar
encontre, nas vias da cadeia significante, um destino
sublimatório, ou seja, uma possibilidade de produção de
novas significações a partir de um ato criativo.
A relação com os brinquedos no âmbito da fantasia e da
simbolização como fundamental para a apropriação da
criança de seu mundo externo, bem como para a
organização de seu mundo interno, em seu processo de
constituição subjetiva.
Entretanto, a relação da criança com os brinquedos na
atualidade parece ser de outra ordem. Jerusalinsky (2007) fala
das crianças do ready made, que pouco ou nada se
interessam pelos brinquedos que já vêm prontos,
evidenciando isso através do tédio. Os meios eletrônicos,
como a tv, videogame e computador, anestesiam os
movimentos corporais das crianças, que quando não estão
diante dos mesmos acabam movendo-se em dobro, sendo
facilmente rotuladas como hiperativas
TEXTO 8
o brincar como um recurso terapêutico para crianças em
saúde mental
As brincadeiras atuam como ferramentas para proporcionar
às crianças motivação, desenvolvimento da criatividade,
desinibição, revisão dos conhecimentos e favorecimento e
fortalecimento da formação da personalidade (BERNARDES,
2013).
Conforme Dohme (1998, p. 163) o fato da criança aprender a
brincar, e “[...] a brincadeira está intimamente ligada a
comunicação com outros indivíduos e ao contato com suas
próprias emoções, o que favorece na criança o
desenvolvimento de sua autoestima e a formação de vínculos
positivos com o mundo que a rodeia.” É através da
brincadeira que as crianças soltem sua imaginação e
criatividade, e desenvolvem a capacidade de
relacionamento interpessoal, o que, muitas vezes, são
esquecidas por causa do avanço tecnológico.
O ato de brincar para Vygotsky (1991) cria a chamada “zona
de desenvolvimento proximal”, que impulsiona a criança para
além do estágio de desenvolvimento que ela já atingiu. Ao
brincar, a criança se apresenta além do esperado para a sua
idade e mais além do seu comportamento habitual. Através
da brincadeira a criança se liberta das limitações do seu
mundo real, visto que cria situações imaginárias. Além disso, é
uma ação simbólica essencialmente social, que depende das
expectativas e convenções presentes na cultura.
Nesse contexto, (FREUD, 1908; KLEIN, 1932, 1955 apud
MARQUES e EBERSOL, 2015), ressaltam a importância do
brincar como sendo uma forma de expressão da criança, no
qual ela elabora seus conflitos e demonstra seus sentimentos,
ansiedades desejos e fantasias.
Ainda, Vygotsky (1991, p.126) acrescenta em sua teoria que é
“[...] no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera
cognitiva, ao invés de uma esfera visual externa, dependendo
das motivações e tendências internas, e não dos incentivos
fornecidos pelos objetos externos”. O autor realizando uma
distinção entre brincadeira e outras atividades infantis afirma
que na primeira existem as regras e a imaginação, tanto de
forma implícita quanto explícita;
Para Winnicott (1975, p. 79-80) “é no brincar, e talvez apenas
no brincar, que a criança ou o adulto fruem na sua liberdade
de criação” [...] “é no brincar, e somente no brincar, que o
indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua
personalidade integral: e é somente sendo criativo que o
indivíduo descobre o eu (self)”
O Brincar e o Desenvolvimento Afetivo
O ato de brincar, segundo Gomes et al (2006, p. 6), se
encontra presente “no ser humano desde o período fetal,
quando algumas atividades como sugar o dedo, chutar, entre
outras, são realizadas.”
Conforme Conti e Souza (2010, p. 101) o ato de brincar desde
o início da vida, permite com que o bebê gradualmente
desenvolva a percepção de um outro significado, que é o
acolhimento das manifestações afetivas e o auxílio “na
discriminação entre fantasia e realidade”.
TEXTO 9
O psicoterapeuta e a escolha do material no processo de
ludodiagnóstico.
Por meio da utilização de simbolismos, crianças e
adolescentes poderão expressar conteúdos inconscientes,
possibilitando que o psicoterapeuta identifique angústias e
limitações que serão de suma importância serem trabalhadas
para o desenvolvimento destes e para que seja possível a
orientação de seus familiares a fim de facilitar o processo para
ambos.
Atualmente existem diversos recursos que possibilitam o
trabalho no ludodiagnóstico, dentre eles estão: a observação
e a entrevista psicológica – que podem ser realizadas com a
criança, com os pais, ou com aqueles que o profissional julgar
necessário; os testes psicológicos - capazes de avaliar não só
a capacidade intelectual e seu desenvolvimento como
também possíveis comprometimentos neurológicos e
limitações do indivíduo e a caixa lúdica – material
tradicionalmente utilizado nos processos de ludodiagnóstico –
que implica ao profissional o manejo da escolha dos
brinquedos como facilitador para o processo.
➔ O jogo é fundamental no psicodiagnóstico
compreensivo e interventivo e no tratamento
psicoterápico de crianças. Sua relevância e
abrangência ultrapassam os limites da clínica com as
crianças (Affonso, 2012).
Froebel (citado por Pickard,1975 & Affonso, 2012) destaca a
importância da observação da fase de desenvolvimento
cognitivo da criança para a realização do processo de
ludodiagnóstico e de psicoterapia.
É importante que a escolha do brinquedo feita pelo
psicoterapeuta seja coerente com a idade da criança, para
evitar a mobilização de angústia perante a sua apresentação,
pois poderá mobilizar frustrações pela falta de capacidade
cognitiva da criança em utilizar aquele brinquedo.
O brinquedo por si só pode ajudar a criança a representar e
tentar encontrar soluções para os próprios conflitos, mas
somente a presença mental de alguém mais que brinque com
ela é o que permite que o jogo seja plenamente
transformador de angústias
Affonso (2012) complementa que é necessário evitar restrições
na maneira de brincar, preparando devidamente o local que
será utilizado pela criança. O local deve permitir que a
criança movimente-se, pinte a mesa ou a parede, jogue bola,
molhe com água, etc. de forma a permitir eventualidades,
descontroles lúdicos e a reparação diante do descontrole.
Outro aspecto que o psicoterapeuta deve observar na
escolha do brinquedo é o seu tamanho - Klein (citada por
Affonso, 2012) sugere que os materiais sejam pequenos,
permitindo que a criança os manipule, ou seja, tenha controle
sobre os mesmos, mas não tão pequenos que possam colocar
sua vida em risco. É importante que os materiais estruturados
sejam uma miniatura da realidade, para que a criança possa
encontrá-los e reconhecê-los como representantes da sua
realidade.

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