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introdução Todos os dias, quando você abre as pági- nas de um jornal, quando conversa com um amigo, quando liga a televisão ou acessa a internet, ou simplesmente quando caminha pela rua e observa o ambiente a sua volta, lida com uma imensa diversidade de infor- mações, as quais são, de alguma forma, per- cebidas, analisadas e organizadas, fazendo com que o mundo tenha sentido e a existên- cia humana seja menos caótica, imprevisível e inexpressiva. A fim de compreender melhor o espa- ço, você tenta achar uma regularidade, um padrão nos objetos do mundo e, a todo ins- tante, tenta organizar avaliativamente esses objetos em termos de aprovável ou desapro- vável, favorável ou desfavorável, desejável ou indesejável, sem necessariamente ter a atenção voltada para isso. Por exemplo, o que você pensa sobre a utilização do exér- cito no combate à violência e ao tráfico de drogas nas favelas brasileiras? Você acha que o sistema de cotas raciais deve ser implan- tado nas universidades? Qual é sua opinião sobre produtos reciclados? Qual é sua posi- ção frente a “fastfood”? Aborto? Japoneses? Comercialização de produtos “piratas”? Bolo de chocolate? Guerra do Iraque? Dietas de emagrecimento? Rio de Janeiro? Música eletrônica? Eutanásia? Flamengo? Pelo sim- ples fato de ler essas perguntas, é possível que você classifique algumas situações ou objetos, colocando -se contra ou a favor. É por meio desse processo contínuo de compreensão das coisas em termos de bom ou ruim, apropriado ou inapropriado, conveniente ou inconveniente, que você assume uma “posição” frente ao mundo o cerca. Essa “posição” é chamada de atitu- de. Formalmente, “atitude é uma tendência psicológica que é expressa pela avaliação de uma entidade em particular com algum grau de favor ou desfavor” (Chaiken, Wood e Eagly, 1996, p. 269). As atitudes exercem influência sobre o comportamento e sobre a maneira de ver o mundo. O conhecimento das atitudes de outras pessoas permite saber como elas pen- sam, sentem ou reagem a certos eventos. É possível que você se identifique com pessoas que mantêm atitudes parecidas com as suas, bem como pode evitar certas situações ou objetos que trazem resultados indesejáveis. De fato, é bem difícil pensar em uma socie- dade sem atitudes. Alguns dos principais problemas já enfrentados pela humanidade têm suas raízes nesse fenômeno psicológico. Adolf Hitler provavelmente odiava os judeus e outras minorias não arianas, homossexuais e comunistas. Além disso, ele utilizava mé- todos muito persuasivos e eficientes para 8 atitUDes e mUDança De atitUDes elaine rabelo neiva túlio gomes Mauro INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 172 tOrres, neiva & cOLs. difundir suas atitudes e conquistar legiões de seguidores. Suas atitudes políticas insti- garam a guerra mais sangrenta da história, e suas atitudes raciais levaram diretamente aos horrores do holocausto nazista. No en- tanto, apesar das ideias e ações de certos grupos serem repugnantes à compreensão, as atitudes dessas pessoas as direcionavam para o que elas consideravam a coisa certa a ser feita, como acontece atualmente em várias questões delicadas, como atentados de extremistas religiosos, alguns conflitos geopolíticos, dentre outras. Isso ilustra algo em comum entre Adolf Hitler, Osama Bin Laden, George Bush e você: todos possuem atitudes, e estas influenciam nosso compor- tamento de muitas maneiras complexas. (Chaiken, Wood e Eagly, 1996; Gilbert, Fiske e Lindzey, 1998). Tal como outros construtos psicológi- cos, as atitudes não podem ser observadas diretamente, mas sim inferidas de respos- tas observáveis. Tais respostas são eliciadas por um estímulo proveniente de uma enti- dade específica, denominada de objeto da atitude, ou objeto atitudinal, o qual pode ser qualquer coisa passível de discrimina- ção ou de retenção pela mente do indiví- duo (Chaiken, Wood e Eagly, 1996). Sendo assim, podem se constituir objetos de ati- tudes: pessoas (presidente da república, seus pais, John Lennon), objetos (óculos, computador), grupos (partidos políticos, grupos étnicos), lugares (Brasília, China), organizações (Petrobrás, Globo), conceitos (democracia, qualidade de vida), ideologias (catolicismo, capitalismo), comportamentos (uso de preservativos, comportamentos pró ambientais), eventos (mudança organiza- cional), produtos (alimentos, programas de computador), dentre outros. Respostas favoráveis em relação ao objeto atitudinal indicam uma atitude positiva do indivíduo frente ao mesmo. Imagine, por exemplo, um aluno do ensino médio que considera a matemática sua ma- téria favorita, se esforça para não faltar às aulas, sente -se motivado a resolver proble- mas e equações, afirma ser esta a matéria mais importante, busca referências comple- mentares e sente enorme satisfação em rea- lizar as tarefas de casa. É possível inferir que tal aluno mantém uma atitude positiva frente à matemática. Respostas desfavorá- veis, por sua vez, indicam uma atitude ne- gativa frente ao objeto atitudinal. Pode -se inferir que um indivíduo apresenta uma atitude negativa frente ao cigarro se este tem uma sensação desagradável ao fumar, procura se afastar de pessoas que estão fu- mando, acha que fumar é inapropriado e tenta convencer seus amigos fumantes a largar o cigarro. Para que uma atitude seja formada, é necessário que o indivíduo entre em contato com um objeto em particular e emita uma resposta avaliativa. Uma atitude não pode ser formada sem que o indivíduo tenha um mínimo de informação sobre o objeto. Uma pessoa não pode formar uma atitude frente a sushi, por exemplo, se ela não tem a mí- nima ideia do que seja isso (se ela em sua vida nunca viu, ouviu falar ou leu a respeito de sushi). A partir do momento em que a pessoa experimenta essa comida, ela se tor- na capaz de responder avaliativamente e de formar uma atitude frente a esse objeto. O leitor pode questionar, no entanto, se é pos- sível a formação de atitudes sem que haja o contato direto com o objeto. A resposta é: claro que sim! Muitos nunca lutaram em uma guerra, ou foram ao Egito, ou pularam de paraquedas, porém, dispõem de infor- mações sobre esses objetos para que pos- sam responder avaliativamente sobre eles e, consequentemente, formarem uma atitude. É totalmente plausível que uma pessoa for- me uma atitude frente a sushi, sem nunca tê -lo experimentado, por meio das informa- ções que ela tem sobre esse objeto: é uma comida de origem japonesa, feita com arroz avinagrado, algas marinhas, frutos do mar e peixes geralmente crus. Atitude é um construto psicológico que assume uma posição de destaque em psico- logia social por ser um dos mais antigos e estudados. De fato, esse campo já foi defi- nido como o estudo das atitudes (Thomas e Znaniecki, 1918 apud Fazio e Olson, 2003). Segundo Ajzen (2001), esse construto conti- INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS PsicOLOGia sOciaL: PrinciPais temas e vertentes 173 nua a ser atualmente o maior foco de teoria e pesquisa nas ciências sociais e comporta- mentais. O objetivo deste capítulo é, pois, descrever o construto atitudes de maneira ampla, contextualizando cada tópico com os principais resultados de pesquisa nos últimos anos. O capítulo tem início com a conceituação e a descrição da estrutura das atitudes. Em seguida, apresenta -se uma dis- cussão acerca da relação entre atitudes e comportamentos, seus atributos, caracterís- ticas, processo de formação e mudança de atitudes. Por fim, é apresentada uma síntese do capítulo e conclusões acerca desse cam- po de estudo. conceituação de atitude O termo atitude muitas vezes é utilizado de forma indiscriminada do significado que este assume na linguagem cotidiana: um grave equívoco, que, infelizmente, tem sido obser- vado na literatura acadêmica. Segundo Brei (2002), em análise pelo dicionário, a pala- vra atitude foi inicialmente utilizada como um termo técnico, no campo daarte, para traduzir a disposição de uma figura em está- tua ou desenho. Tinha o sentido de postura dada à imagem ou à figura, por exemplo, “atitude da mulher na imagem ou no retra- to”, etc. Segundo o dicionário Aurélio (Holan- da, 1986), na linguagem coloquial, o termo atitude pode se remeter a: 1. Posição do corpo, porte, jeito, postura. 2. Modo de proceder ou agir; comportamen- to, procedimento. 3. Afetação de comportamento ou procedi- mento. 4. Propósito, ou maneira de se manifestar esse propósito. 5. Reação ou maneira de ser em relação a determinada(s) pessoa(s), objeto(s), situação(ões), etc. Na linguagem cotidiana, Brei (2002) afirma que a ambiguidade do termo atitude vem de sua origem latina, que une dois ter- mos actus (ação) e aptitudo (aptidão). A distinção entre o termo do dia a dia e o conceito formal de atitude é de suma im- portância, tanto para a compreensão teóri- ca desse fenômeno quanto para a produção empírica nesse campo, uma vez que uma definição imprecisa adotada pelo pesquisa- dor pode influenciar a escolha do tipo de medida a ser empregada e a interpretação dos resultados obtidos. No contexto das ciências sociais, o ter- mo atitude remete a um construto psicológi- co em torno do qual, apesar de seu notável desenvolvimento teórico e empírico, ainda persistem várias controvérsias acerca de sua definição. Analisando a multiplicidade de definições de atitude, é possível selecionar entre elas algumas que merecem especial atenção, tanto por seus pontos em comum quanto por suas particularidades. São desta- cadas cinco conceituações, principalmente por seu valor histórico. A história da pesquisa em atitudes é longa. Tem sua origem no século passado. Seus antecedentes estão nos estudos so- bre “atitudes motrizes” de Fere (1888), de Langen (1889) e de Munstergerg (1890 apud Solozábal, 1981). As definições que se originaram a partir dos estudos de 1920 geraram muitas implicações para as me- didas e para seu desenvolvimento teórico. Dentre elas, pode -se citar Allport (1935) e Thurnstone (1931). Allport (1935, p. 19) define atitude como “um estado mental e neurológico de prontidão, organizado por meio da expe- riência, exercendo uma influência diretiva ou dinâmica sobre a resposta do indivíduo a todos os objetos e situações com que se relaciona.” Essa definição considera a ati- tude como um todo apto a reagir de uma certa maneira, dando ênfase às implicações comportamentais que podem ser extensas a todas as situações ou objetos com que se re- laciona (Alpport, 1935). Para Thurnstone (1931), a atitude é um afeto pró ou contra um objeto psicológi- co. A partir dessa definição, várias medidas psicológicas de atitudes foram construídas. INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 174 tOrres, neiva & cOLs. Doob (1947, conceitua atitude como uma resposta implícita e geradora de im- pulsos, considerada socialmente significati- va na sociedade do indivíduo. Observa -se, nessa análise, uma posição behavorista e a não inclusão do comportamento ostensivo, sem negar a influência da atitude sobre o mesmo. Para Smith, Bruner e White (1956), a atitude é uma predisposição para experi- mentar uma classe de objetos de certas for- mas, com afeto característico; ser motivado por essa classe de objetos e agir em relação a tais objetos de maneira característica. Triandis (1971, definiu atitude como uma ideia carregada de emoção que predis- põe um conjunto de ações a um conjunto particular de situações sociais. Segundo Olson e Zanna (1993), atitu- des têm sido definidas como: • Avaliação: “tendência psicológica que é expressa pela avaliação de uma entidade particular com algum grau de favorabilida‑ de ou desfavorabilidade” (Eagly e Chaiken, 1993, p. 1). • Afeto: “o afeto associado com um objeto mental” (Greenwald, 1989, p. 432). • Cognição: “um tipo especial de conheci- mento, notamente conhecimento cujo con- teúdo é avaliativo ou afetivo” (Krugglanski, 1989, p. 298). • Predisposições comportamentais: “o estado de uma pessoa que a predispõe a uma res- posta favorável ou desfavorável quanto a um objeto, pessoa ou ideia” (Triandis, 1991, p. 485). Enfim, segundo alguns autores, há uma concordância geral de que a atitu- de representa uma avaliação sumária de um objeto psicológico capturado em seus atributos dimensionais como bom -ruim, nocivo -positivo, prazeroso -desagradável, gostável -não (Ajzen e Fishbein, 2000; Eagly e Chaiken, 1993; Petty et al., 1997). Contudo, pesquisas recentes mostram que julgamentos avaliativos diferem e mui- to de julgamentos não avaliativos. Alguns autores sugerem que alguns objetos indu- zem reações avaliativas, outros sugerem a necessidade dos indivíduos em se engajar em respostas avaliativas. Alguns indivíduos possuem maior necessidade de avaliar que outros e, por isso, produzem mais atitudes (Petty e al., 1997). Outra questão central está na ideia de que as atitudes são disposições para avaliar objetos psicológicos, e isso implica em uma única atitude sobre um objeto. Os estudos sugerem que as atitudes mudam, mas não há uma substituição, e sim uma sobreposi- ção da antiga atitude. Exemplos seriam: ati- tudes duais, duas diferentes atitudes frente a um mesmo objeto no mesmo contexto, uma atitude implícita ou habitual e outra explícita (McConnnel et al., 1997); avalia- ções diferentes do mesmo objeto em con- textos diferentes podem ser consideradas evidências de atitudes múltiplas frente ao mesmo objeto ou atitudes frente a diferen- tes objetos psicológicos; atitudes contexto- -dependentes: muitos autores afirmam que as inconsistências entre atitudes e compor- tamentos se devem à existência de múlti- plas atitudes deste tipo frente a alvos sociais (McConnnel et al, 1997). Observa -se que as definições apresen- tadas divergem em palavras utilizadas, mas tendem a caracterizar as atitudes sociais como variáveis não observáveis, porém di- retamente inferíveis de observações e como sendo integradas a partir dos seguintes componentes: cognitivo, afetivo e compor- tamental. Contudo, como também é possível ver pelas definições apresentadas, conceito e estrutura estão muito interligados, cons- tatando -se que, também quanto à estrutura, não existe um acordo entre os teóricos. A estrutura interna envolve a discussão sobre quantos componentes fazem parte da atitu- de. Esse enfoque inclui algumas tendências principais: bicomponente (afeto e cognição), unicomponente (afeto) e tricomponente (afeto, cognição e comportamento). Em uma primeira fase do estudo das atitudes, a abordagem multicomponentes foi mais comum entre os pesquisadores. É a visão da atitude como constituída de INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS PsicOLOGia sOciaL: PrinciPais temas e vertentes 175 sentimento, pensamento e ação. Tal distin- ção vem desde os filósofos gregos. Depois, passou -se a enfatizar a visão unidimensio- nal e, posteriormente, a definição tripartite voltou a ser mais aceita (Triandis, 1991). Mensuração das atitudes Vários instrumentos têm sido utilizados para se medir as atitudes. Os métodos mais comuns são as medidas de autodescrição, as medidas fisiológicas e as técnicas observa- cionais. Medidas autodescritivas Uma grande quantidade de escalas auto- descritivas têm sido desenvolvidas com o propósito de se medir as atitudes. As escalas mais comuns são: • Escalas Likert (e “Tipo Likert”): as escalas Likert contêm uma série de afirmativas sobre um objeto. Os respondentes devem indicar seu nível de concordância ou discordância com cada afirmativa, em termos de uma escala de 5 pontos (p. ex., concordo fortemente, concordo, indife- rente, discordo, discordo fortemente). As escalas tipo Likert apresentam variações no número de pontos ou na ancoragem (p. ex., 100% das vezes, sempre, ocasio- nalmente, etc). • Escalas de diferencial semântico: aqui os respondentes avaliam um objeto em termos de vários itens bipolares, desenha- dos paramedir três dimensões: nível de favorabilidade (bom -ruim), poder (fraco- -forte) e atividade (ativo -passivo). • Escala de Thurstone: as escalas de Thurstone contêm uma série de afirmativas que já foram avaliadas previamente em termos de favorabilidade, e apenas pedem que o respondente marque as afirmativas com as quais ele concorda. • Escala de Guttman: as afirmativas na escala de Guttman são ordenadas em uma hierarquia, de forma que a concor- dância com uma afirmativa implica que o respondente também concorda com as afirmativas que estão em um nível inferior da hierarquia. • Escala de distância social: essas escalas são usadas para medir as atitudes com relação a diferentes grupos nacionais, raciais e étnicos. Quando são utilizadas, os respondentes indicam sua inclinação para ter vários níveis de contato com diferentes grupos -alvo. Pelo fato de algumas vezes as pessoas não estarem dispostas a revelar suas verda- deiras atitudes, as escalas autodescritivas nem sempre nos dão as melhores informa- ções. Assim, para reduzir a inadequação dessas escalas, pesquisadores desenvolve- ram várias técnicas alternativas. Uma des- sas técnicas, a bogus pipeline (Jones e Sigall, 1971) refere -se a dizer aos participantes que foram conectados a uma máquina com eletrodos e que essa máquina irá medir suas respostas verdadeiras por meio do monito- ramento de mudanças fisiológicas (embora a máquina não possa fazer isso). Medidas fisiológicas As medidas fisiológicas baseiam -se no fato de que, uma vez que as respostas emocionais são acompanhadas de reações fisiológicas, medidas como a resposta galvânica de pele, eletromiograma e dilatação pupilar podem ser utilizadas para se avaliar as atitudes. O problema com essas medidas é que, embora elas possam demonstrar se uma pessoa está tendo uma reação emocional frente a um objeto, elas não podem indicar a intensida- de ou a direção dessa reação. técnicas observacionais Finalmente, as técnicas observacionais para a medição das atitudes variam de pouco estru- turadas e informais até técnicas altamente estruturadas e formais. Uma técnica pouco estruturada e informal, a observação parti- INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 176 tOrres, neiva & cOLs. cipante, funciona ao fazer com que o obser- vador participe ativamente nas atividades do experimento. Uma técnica mais estrutu- rada, a Análise do Processo Interativo (IPA) de Bales (1950), é usada para avaliar como as pessoas interagem em pequenos grupos. No IPA, o observador avalia as verbalizações dos membros do grupo em termos de 12 ca- tegorias criadas para medir as orientações sociais -emocionais e de tarefa. coMPonentes das atitudes A perspectiva mais proeminente de estudo da estrutura interna das atitudes é o mode- lo de três componentes, segundo o qual as respostas eliciadas por um objeto atitudinal podem pertencer a três classes: cognitiva, afetiva ou comportamental. A categoria cog- nitiva é composta por pensamentos, cren- ças, percepções e conceitos acerca do objeto atitudinal. A categoria afetiva, por sua vez, traz sentimentos e emoções associadas ao objeto da atitude. Por fim, a categoria com- portamental engloba ações, ou intenções para agir. O esquema abaixo ilustra as três clas- ses de resposta frente ao refrigerante Coca- -cola. A constatação do fato de que a Coca- -cola é um refrigerante que possui cafeína corresponde a uma representação cognitiva do objeto Coca -cola, assim como a identi- ficação de sua logomarca (letras cursivas brancas sob um fundo vermelho ou preto), a constatação de que esta é uma bebida gaseificada de cor escura, de origem norte- -americana, comercializada geralmente em garrafas ou latas em bares, restaurantes, mercados e etc. Quando o objeto atitudinal é de alguma forma qualificado, ou a este é associado alguma avaliação ou juízo de va- lor, essa resposta pertence a categoria afe- tiva. “Eu gosto de Coca -cola”, “Coca -cola é saborosa e refrescante”, “me sinto satisfeito quando bebo Coca -cola” são exemplos de respostas afetivas. A constatação de uma inclinação para ação em direção ao objeto atitudinal, como a decisão de comprar Coca- -cola, representa uma resposta pertencente à categoria comportamental. O modelo de três componentes descre- ve a estrutura interna das atitudes de uma maneira muito conveniente, pois distingue claramente as categorias de resposta por suas definições e parece exaurir o universo de possibilidades de respostas atitudinais (seria difícil pensar em uma resposta frente a um objeto atitudinal que não se encaixe em uma das três categorias – cognitiva, afetiva e comportamental!) (Fazio e Olson, 2003). Apesar de ser o modelo mais difundido, as pesquisas empíricas apresentam resultados conflitantes referentes à validação desse modelo, principalmente quanto à validade discriminante (a análise fatorial não neces- sariamente distingue as três categorias de resposta como três fatores independentes). Figura 8.1 estrutura tricomponentes da atitude. Componente cognitivo Coca‑cola tem cafeína Componente afetivo Eu gosto de Coca‑cola Componente comportamental Vou comprar Coca‑cola Coca‑cola INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS PsicOLOGia sOciaL: PrinciPais temas e vertentes 177 Por outro lado, alguns teóricos argu- mentam que sentimentos e emoções podem preceder crenças sobre o objeto atitudinal e que, portanto, as respostas atitudinais são exclusivamente de natureza afetiva. Conforme essa perspectiva, conhecida como mono -componente ou unicomponente, o aspecto avaliativo da atitude é enaltecido, sendo esta frequentemente mensurada por meio de escalas bipolares representando o grau de favorabilidade/desfavorabilidade do indivíduo frente ao objeto atitudinal. Outros teóricos assumem uma perspectiva bicomponente, segundo a qual as respostas atitudinais pertencem a duas categorias ape- nas: cognitiva e afetiva. Essa tendência se consagrou principalmente em virtude da de- finição de Thurnstone (1931), que originou medidas de atitudes usadas até o presente momento. Em virtude de se mencionar os componentes da atitude, faz -se necessário abordar cada um deles nos tópicos seguin- tes do texto, enfatizando principalmente os resultados de pesquisas empíricas. o componente cognitivo Considere a seguinte situação: um funcioná- rio constata que a empresa onde ele trabalha passará por uma mudança. Segundo Lines (2005, p. 11), “para que haja uma carga afe- tiva pró ou contra um objeto social definido, faz -se necessário que se tenha alguma re- presentação cognitiva desse objeto”. Dessa forma, o funcionário buscará saber, por exemplo, do que se trata a mudança, quais são seus objetivos, suas causas, seu alcance, certamente se lembrará de situações de mu- dança organizacional já vividas por ele, por outras pessoas, fará comparações e etc. No dizer de Rosenberg e colaborado- res (1960), as cognições incluem percep- ções, conceitos e crenças acerca do objeto da atitude e são normalmente eliciadas por perguntas verbais na forma oral ou escrita. A representação cognitiva de um ob- jeto atitudinal é um elemento indispensá- vel para que a pessoa forme uma atitude em relação ao mesmo. Nesse caso específi- co, o funcionário tem percepções, crenças e conceitos acerca da mudança dentro da empresa, resultante de informações, cons- tatações pessoais e experiências vivenciadas anteriormente, que formam uma significa- ção de mudança dentro dessa organização. Estes fatores determinam afetos favoráveis ou desfavoráveis em relação à mudança or- ganizacional. Sapp (2001) argumenta que as cren- ças não são formadas em isolamento de crenças acerca de objetos substitutos, ou seja, as pessoas avaliam os atributos de um objeto em relação aos atributos de objetos que elas percebem como possíveis substi- tutos. No exemplo anterior, o funcionário busca, simultaneamente, informações acer- ca da mudança organizacional por qual está passandosua empresa e outros tipos de mu- dança que sua empresa já tenha passado, ou casos de mudanças em outras organizações, ou enfrentadas por pessoas conhecidas, etc. Dessa forma, a compreensão da consistência lógica de crenças sobre objetos em compara- ção a crenças acerca de objetos substitutos é muito importante para a predição de ati- tudes frente ao objeto. Sapp (2001) inves- tigou a consistência lógica de um conjunto de crenças de indivíduos japoneses sobre comer carne proveniente de três países e o efeito das inconsistências lógicas do conjun- to de crenças para produtos substitutos na estimativa das atitudes frente ao consumo de carne. Seus resultados foram os de que os indivíduos usam objetos substitutos para melhorar a consistência de suas crenças so- bre determinado objeto. Então, os estudos sugerem que o aspecto cognitivo de um ob- jeto atitudinal depende em larga escala do aspecto cognitivo de objetos similares. o componente afetivo Segundo Triandis (1971, p. 11), o compo- nente afetivo “é a forma como uma pessoa se sente em relação a um objeto atitudinal, sendo geralmente determinada pela associa- ção prévia do objeto de atitude com estados agradáveis ou desagradáveis”. INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 178 tOrres, neiva & cOLs. Para Fishbein (1963), o componente afetivo é definido como sentimento pró ou contra um determinado objeto social. Este autor argumenta que as crenças e os comportamentos associa- dos a uma atitude são apenas elementos pelos quais se pode medir a atitude, não sendo, porém, parte integrante dela. Sen- do a atitude uma variável interveniente é, como tal, inferível de um fato, mas não diretamente observável. (Fishbein, 1963, p. 36) O componente afetivo tem conotação avaliativa e representa um sentimento po- sitivo ou negativo vinculado a um objeto, determinando uma atitude. É o caso dos funcionários que formam atitudes positivas ou negativas em relação à mudança organi- zacional como efeito do teor de suas crenças a respeito da mesma. Essas atitudes podem ser observadas por afirmações verbais, escri- tas ou faladas, de gosto ou não do sujeito em relação ao objeto da atitude (“mudança é uma coisa boa para todos na empresa”, “estou inseguro em relação a essa mudan- ça” e etc.). Os componentes das atitudes foram estudados por Aikman, Crites e Fabrigar (2006) no contexto de atitudes frente à co- mida. Esses autores concebem as atitudes como julgamentos avaliativos globais sobre determinado objeto, os quais podem com- preender diferentes tipos de informações (cognitivas, afetivas, etc). Por exemplo, uma atitude levemente positiva em relação a ba‑ con (+1 em uma escala bipolar de +4 a –4) pode refletir um sentimento ou avaliação positiva frente ao sabor do alimento (+4) e uma percepção negativa de seus benefí- cios à saúde ( -3). Dessa forma, os autores conduziram um estudo com o objetivo de investigar que tipo de informação contribui para a aversão ou preferência das pessoas pelos alimentos. A pesquisa teve um caráter explorató- rio, no qual os participantes indicaram a im- portância das características das comidas e as reações emocionais frente uma variedade de alimentos para a determinação de suas atitudes. A análise fatorial identificou cinco bases informacionais das atitudes frente a comida: 1. Afeto positivo (ex.: estimulante, prazero- so, refrescante, vívido, etc.) α= 0,92. 2. Afeto negativo (depressivo, envergonha- do, culpado, enauseado, etc.) α= 0,87. 3. Qualidades sensoriais gerais (aparência, cor, sabor, odor, etc.) α= 0,84. 4. Qualidades sensoriais específicas (cremo- so, gorduroso, molhado, salgado, doce, etc.) α= 0,78. 5. Qualidades cognitivas abstratas (saudável, leve, seguro, etc) α= 0,75. A regressão dos cinco fatores com os diversos tipos de comida avaliados indicou que afeto positivo, afeto negativo e qualida- des sensoriais gerais são importantes pre- ditores de atitudes frente à comida. Esses resultados indicam que as pessoas formam suas atitudes frente à comida com base em crenças acerca das qualidades sensoriais da comida (componente cognitivo) e afetos atribuídos à comida (componente afetivo). o componente comportamental Segundo Newcomb, Turner e Converse (1965), as atitudes humanas são propiciado- ras de um estado de prontidão, que, se ati- çado por uma motivação específica, resulta- rá em um determinado comportamento. Já os autores Katz e Stotland (1959) veem nas atitudes a própria força motivadora da ação. Essa afirmativa é muito controversa, já que a relação entre atitude e comportamento não possui uma grande base empírica (Ajzen e Fishbein, 2000; Ajzen, 2001). Newcomb, Turner e Converse (1965) representam da seguinte forma o papel das atitudes na determinação do comporta- mento: INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS PsicOLOGia sOciaL: PrinciPais temas e vertentes 179 Observa -se, na representação de Newcomb, Turner e Converse (1965), que as atitudes sociais criam um estado de pre- disposição à ação que, quando combinado com uma situação específica desencadean- te, resulta em comportamento. Contudo, tal afirmativa pode ser questionada por alguns estudos na área. Outra teoria que aborda a questão da atitude e do comportamento é a teoria da ação racional de Fishbein e Ajzen (1975) e a teoria da ação planejada de Ajzen (1988). Outras informações sobre a relação entre comportamento e atitude serão apresenta- das posteriormente. Enfim, pode haver uma relação entre atitudes e comportamento, mas esta nem sempre é a melhor preditora do comporta- mento em questão. Vários fatores situacio- nais e culturais se apresentam em algum grau como preditores de comportamento. A relação entre atitudes e comportamento será discutida mais adiante. a visão unicomponente Nesta concepção unitária, a atitude foi con- ceituada como uma quantidade de afeto a favor ou contra algum objeto. Devido a essa concepção, os autores concluíram que a me- lhor forma de medi -la seria pela localização do sujeito em uma dimensão bipolar afetiva ou avaliativa frente a um objeto. A atitude é vista como uma variável la- tente ou subjacente que se presume influen- ciar ou guiar o comportamento. Essa visão leva à implicação de que as atitudes não são idênticas às respostas exteriorizadas. Assim, as atitudes não podem ser observadas dire- tamente, mas inferidas a partir do compor- tamento. A Figura 8.3 representa a noção das atitudes pela visão unicomponente: Festinger (1957) foi um dos primeiros psicólogos sociais a investigar empiricamen- te o impacto das atitudes no processamento de informação. Ele desenvolveu a hipótese de seletividade, que propõe que, antes de Figura 8.2 influência das atitudes sobre o comportamento. Experiências pessoais Atitudes atuais da pessoa Situação atual Comportamento Figura 8.3 Os componentes da atitude. Reproduzido de Eagly e Chaicken (1993). Resposta cognitiva Resposta afetiva Respostas comportamentais Estímulo Atitude INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS Parte II - O indivíduo 8. Atitudes e mudança de atitudes