Prévia do material em texto
Introdução ao Estudo do Direito O que é o Direito? Ensina o sociólogo Boaventura de Sousa Santos que “o Direito, antes de ser absorvido dogmaticamente de forma acrítica, passa a ser compreendido em suas manifestações e expressões tanto materiais quanto simbólicas, tendo-se como pano de fundo antropológico e histórico o processo de construção e reprodução das identidades culturais no desenvolvimento da civilização”. Esta definição compreende uma tríade concepção do Direito: uma vertente antropológica, uma compreensão histórica o fato de que o Direito é autopoiético – característica biológica celular decorrente da autopoiése que ocorre com um organismo quando modificado o seu ambiente – Isto é, a capacidade que o Direito possui quando ao longo da evolução da sociedade, se modifica para se adaptar, se recria, se transforma, experimenta uma verdadeira mutação. Objetivos: Compreender os fundamentos do Direito Compreender as noções básicas a respeito de alguns conceitos jurídicos, em linhagem introdutória. Reconhecer o Direito como ciência social Identificar domínios normativos do Direito Descrever as definições básicas da dogmática jurídica Em questões terminológicas, o Direito vem: do grego ὀρεκτός; do românico jvs; do latim directus; traduzido em italiano como diritto; em espanhol derecho; em alemão recht; em inglês right/law; em francês droit e em português Direito. A DIFICULDADE DE CONCEITUAR O DIREITO É possível perceber que a definição exata de Direito nunca foi ponto pacífico entre os pensadores. Ao longo da História diversas formas de ver-se esta Ciência foram ora aceitas, depois abandonadas: O Direito já foi visto como algo de "inspiração divina", ou tendo como fonte a "natureza", sempre como aquilo que tende a realizar a Justiça através de regras e do elemento coercitivo imposto pelo Estado, que o diferencia das demais normas sociais (éticas, morais e religiosas). O certo é que “o fim atribuído ao Direito não é o de criar uma ordem ideal, mas uma ordem real de convivência”, como muito bem ensina o pensador inglês Thomas Hobbes. Objetivo da Introdução ao Estudo do Direito: Noções básicas da Ciência Jurídica, de seu objeto: o Direito e de seu objetivo, a efetivação da Justiça. Mas o estudo do Direito é científico? O que o a Introdução ao Estudo do Direito ensina é Ciência Jurídica? Sim, o Direito é o objeto de estudos da Ciência Jurídica. CONHECIMENTO CIENTÍFICO O Conhecimento é o ato ou efeito de conhecer. No conhecimento temos dois elementos básicos: o sujeito (cognoscente) e o objeto (cognoscível), o cognoscente é o indivíduo capaz de adquirir conhecimento ou o indivíduo que possui a capacidade de conhecer. O cognoscível é o que se pode conhecer. O conhecimento é trazer para o sujeito algo que se coloca como objeto. Conhecer é um renascimento do objeto conhecido, em novas condições de existência, dentro do sujeito conhecedor. A FORMA DE SE FAZER CIÊNCIA Atualmente se designa por ciência todo o conhecimento adquirido através do estudo ou da prática, baseado em princípios certos. A ciência, em geral, comporta vários conjuntos de saberes, nos quais são elaboradas as suas teorias baseadas nos seus próprios métodos científicos. A metodologia é essencial na ciência, assim como a ausência de preconceitos e juízos de valor. Temos como ciência um saber coerente, isto é, ciência elaborada sistematicamente a partir de um determinado método que lhe garanta veracidade. Ciência é a comprovação do conhecimento. DIREITO COMO CIÊNCIA: OBJETO E MÉTODO Prevalece o entendimento no sentido de o Direito ser uma ciência social aplicada – ciência social por ser destinada ao estudo da sociedade, dos indivíduos e de suas relações. O Direito, pois, ocupa-se das normas destinadas a regular a forma e a maneira como a vida naquela determinada sociedade ocorrerá. Aplicada, posto que é destinada a buscar o aprimoramento das relações humanas a partir de sua própria utilização como instrumento para o progresso social e humano. No que tange aos métodos, o estudo do Direito se utiliza de vários expedientes de investigação científica. Fazendo uso de três métodos científicos principais: O método indutivo é o raciocínio segundo o qual, após a análise individualizada de casos, chega-se a um resultado extraível do conjunto. Parte-se do caso particular para o geral. O método dedutivo é aquele em que, partindo-se de uma premissa geral, chega-se à solução do caso concreto. O método analógico é utilizado quando, na ausência de norma para solução de determinado caso concreto, utiliza-se norma semelhante, originalmente não prevista para aquele caso. O método analógico é previsto no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB, Decreto-Lei nº 4.657 de 1942) como método supletivo e subsidiário de interpretação, destinado a suprir lacunas jurídicas. Dispõe o dispositivo que, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito. VERIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO O conhecimento científico é real porque lida com ocorrências ou fatos, isto é, com toda "forma de existência que se manifesta de algum modo". Constitui um conhecimento contingente, pois suas preposições ou hipóteses têm a sua veracidade ou falsidade conhecida através da experimentação e não apenas pela razão, como ocorre no conhecimento filosófico. É sistemático, já que se trata de um saber ordenado logicamente, formando um sistema de ideias (teoria) e não conhecimentos dispersos e desconexos. Possui a característica da verificabilidade, a tal ponto que as afirmações (hipóteses) que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência. Constitui-se em conhecimento falível, em virtude de não ser definitivo, absoluto ou final e, por este motivo, é aproximadamente exato: novas proposições e o desenvolvimento de técnicas podem reformular o acervo de teoria existente. DIREITO COMO CIÊNCIA O conhecimento científico, na sua pretensão de construir uma resposta segura para responder às dúvidas existentes, propõe-se atingir dois ideais: o ideal da racionalidade e o ideal da objetividade. Nesse sentido, o Direito é considerado uma ciência, pois possui um conhecimento científico transformando-se em Ciência Jurídica que distingue-se pelo seu método e por seu objeto. A partir deste objeto é que se passa a estudar seus elementos essenciais. Mas qual seria o limite da Ciência Jurídica? A norma ou a liberdade? 4 ENFOQUES DE COMPREENSÃO DO DIREITO O propedêutico: que consiste em uma visão geral do Direito, dessa forma, se compreende a existência de uma relação com vastas áreas interligadas ao Direito como a religião, política, a economia, a sociologia, a história, a filosofia, a biologia, etc. É a acepção do direito em uma visão aberta. O epistemológico: equivale a uma visão mais fechada, apesar de não desconsiderar as outras áreas, centraliza-se na metodologia do Direito. Um acadêmico em direito deve olhar para outras áreas sim, mas de forma jurídica. O dogmático: apresenta uma visão muito fechada, a qual se enquadra uma verdade absoluta e inquestionável. O Direito resume-se em leis. O zetético: é o inverso do dogmático, não aceita o inquestionável, e assim pode ser reconstruído, expandido, mutável e transcender o entendimento prévio e tido como universal. O Direito não é absoluto e imutável. QUAL A VERTENTE QUE DEVEMOS ADOTAR? Não existe uma vertente mais certa ou errada, qual delas será seguida dependerá das necessidades e vontades do pesquisador. Ademais, estas vertentes não se diferem pelo tipo de objeto de estudo, mas pelo tipo de análise e as limitações impostas a estes métodos. Nada impede também que estas quatro vertentes dialoguem entre si, sendo considerado completo aquele operador do Direito que estiver capacitado a caminhar sobre todas elas. É necessário perceber o fato de o direito ter diversas vertentes de estudo, não existindo uma regra para cada caso qual usar, e sim, uma mais cabível a dependerdo que e como queremos estudar. 3. Antropologia Jurídica: o Direito enquanto instrumento de dominação social O estudo proposto por este curso é um movimento crítico de (des)construção do próprio Direito. Nesse sentido, é preciso compreender que o objeto de estudo do Direito é o homem e isso faz com que o Direito tenha uma profunda relação com a Antropologia – a Ciência que estuda o homem. É possível definir a Antropologia como “a ciência da humanidade e da cultura. Busca a compreensão da natureza humana em todos os seus aspectos, no espaço e no tempo. Estudando o homem em si e em seu espaço a partir das manifestações culturais, do comportamento e da vida social” Acredita David Maybury-Lewis que a antropologia emana de um impulso tão antigo quanto a humanidade, da curiosidade sobre os outros povos combinada com a introspecção a nosso próprio respeito, quem quer que acreditemos ser. Ela deriva da especulação sobre a natureza humana, sobre o que significa ser mulher ou homem, e de um desejo de entender a variedade da cultura humana. RELATIVISMO CULTURAL Não se pode condenar previamente as práticas de outros povos, por mais repreensíveis que sejam consideradas, na medida em que elas são aprovadas pela cultura desses povos. O relativismo deve suspender o juízo sobre os costumes de outros povos para melhor compreender seus modos de vida e, tanto quanto possível, sem preconceitos. Este entendimento não se apressa em julgar, mas também não foge ao julgamento. Seu propósito é melhorar nossa capacidade de fazer julgamentos fundamentados. Antropologia etimologicamente – (anthropos: homem – logos: estudo) – significa o estudo do homem e se dá por um tríplice aspecto -> uma Ciência natural: considerando o homem no espaço, em sua evolução. uma Ciência humana: considerando o homem no tempo, em sua história, suas crenças, usos e costumes, filosofia, linguagem; uma Ciência social: considerando o homem enquanto elemento de um grupo organizado; A Antropologia Social: surge como um terceiro campo, que se preocupa com o indivíduo em sua sociedade e com sua cultura. Mais direcionado as relações sociais, sob cada aspecto da vida social – familiar, econômico, político, religioso, jurídico, etc. É na Antropologia Social que situa-se o estudo do homo juridicus – o sujeito de Direitos. O DIREITO DO PONTO DE VISTA ANTROPOLÓGICO Uma definição mais clara do Direito do ponto de vista antropológico é ofertada, que demonstra a forma zetética e epistemológica de estudo do Direito, no sentido de que é possível observar: Direito como fato social de construção e reconstrução da sociedade, o que é algo paradoxal. Isto porque o Direito tem como objeto de estudo a própria sociedade. A Antropologia Jurídica é uma disciplina de investigação zetética sobre o Direito, na medida em que procura, por meio de seus procedimentos metodológicos, comparar, relativizar e compreender o Direito como um produto civilizacional ou como expressão cultural humana, levando a um repensar crítico sobre o ordenamento jurídico, isto é, relativizando o sistema jurídico. Vem a ser o estudo da ordem social, das regras e sanções em sociedade simples e primitivas, leis não especializadas, não diferenciadas, não estatizadas. O estudo do homem enquanto ser normativo, ou seja, a utilidade e eficiência das regras de conduta a partir do conjunto de mecanismos culturais que cada grupo estabelece para sobreviver. OBJETIVOS DA ANTROPOLOGIA JURÍDICA O primeiro objetivo da Antropologia Jurídica é científico, no qual o estudo busca a compreensão do objeto estudado; o segundo objetivo é o pragmático, no qual o estudo busca a exploração do objeto estudado; o terceiro objetivo é o romântico, no qual o estudo busca a proteção e; o último objetivo é o jurídico em si, no qual o estudo busca a dominação. Nesse sentido, a principal característica do Direito Moderno é servir como um instrumento de dominação. De estabelecer um domínio, uma ordem. Nota-se que a antropologia for a utilizada como instrumento de dominação pelos colonizadores, em um relato do historiado Alfredo Attié Jr., na obra “A Reconstrução do Direito”, quando descreve a manifestação de um dos senhores de engenho portugueses proferida em 1587: “…quanto aos tupinambá, faltam-lhes três letras das do ABC, que são F, L e R, coisa muito para se notar; porque não se tem F, é porque não tem fé em nenhuma coisa que adorem, nem os nascidos entre os cristãos e doutrinados pelos padres da Companhia de Jesus tem fé em Deus Nosso Senhor, nem tem verdade, nem lealdade a nenhuma pessoa que lhes faça bem; E se não tem L na sua pronuncia, é porque não tem lei alguma que guardar, nem preceitos para se governarem, nem têm leis uns com os outros. E se não tem esta letra R na sua pronuncia, é porque não tem rei que os governe, e a quem obedeçam e nem obedecem a ninguém, nem ao pai o filho, nem o filho ao pai, e cada um vive ao som de sua vontade…” A Antropologia Jurídica estuda as lógicas que comandam os processos de juridicização próprios de cada sociedade, através da análise de discursos, práticas ou representações. Os processos de juridicização envolvem a importância que cada sociedade atribui ao Direito no conjunto da regulação social, qualificando ou desqualificando, como jurídicas, regras e comportamentos já incluídos em outros sistemas de controle social, tais como a moral e a religião. Onde o cientista social não está interessado apenas nas regras formais específicas do Estado, mas em todo o padrão de normas, e nas sanções que mantêm a ordem social e que permitem uma sociedade funcionar. A CONCEPÇÃO DOGMÁTICA JURÍDICA Para o paradigma dogmático jurídico, isto é, o Direito na sua prática, “Direito é um conjunto de normas sociais obrigatórias garantidas pelo poder do Estado. Possui força e coerção sobre os participantes da comunidade e tende a regar e organizar a vida e as relações do meio” Referências FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação.11ª ed.. São Paulo: GEN | Atlas, 2019. MASCARO, Alysson Leandro. Introdução do Estudo do Direito. 6ª ed. rev. atual. ampliada. São Paulo: GEN | ATLAS, 2019. MOURA, Solange (org) HOGEMANN, Edna Raquel, MENDONÇA, Paulo Roberto e SHEAFFER,Fernanda. Introdução ao estudo do Direito. Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2013. BRUNO, Flávio Marcelo Rodrigues. O que é o Direito? lições introdutórias sobre a ciência jurídica. North Charleston (USA): Book Amazon, 2015 media1.mp4 image1.png image2.png image3.svg .MsftOfcThm_Accent1_Fill_v2 { fill:#C49791; } .MsftOfcThm_Accent1_Stroke_v2 { stroke:#C49791; }