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Acessibilidade Cultural Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Suellen Leal Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Protagonismo de Pessoas com Deficiência nos Campos da Arte e Cultura • Introdução; • Protagonismo e Ações Afirmativas; • Ações Artísticas, Projetos e Criadores: Abertura de Caminhos e Novas Perspectivas; • Considerações Finais. • Apresentar trabalhos de artistas, grupos e coletivos que criam Possibilidades poéticas a partir de contextos culturais específi cos, tradicionalmente distantes dos meios de produ- ção artística e cultural; • Compreender de que modo essas ações se inserem no contexto cultural, suas reverbera- ções e implicações. OBJETIVOS DE APRENDIZADO Protagonismo de Pessoas com Defi ciêncianos Campos da Arte e Cultura Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Protagonismo de Pessoas com Deficiência nos Campos da Arte e Cultura Introdução Chegamos a última Unidade da Disciplina de Acessibilidade Cultural. Ao longo desse estudo, partimos das origens da constituição dos Direitos Humanos para che- gar aos atuais dispositivos de regulamentação dos direitos da pessoa com deficiência. Reconhecemos de que modo, em diferentes momentos da história, transfor- mações foram impulsionadas na conquista de maiores garantias sociais e de que modo essas mudanças nos conduziram aos conceitos e às políticas vigentes para a diversidade e a diferença. Estudamos, também, a história da pessoa com deficiência, a evolução dos parâ- metros e classificações e conhecemos as tecnologias e os recursos de acessibilidade disponíveis para transpor as barreiras de acesso. No intuito de interseccionar os campos da acessibilidade e cultura, analisamos o desenvolvimento das políticas culturais no Brasil e a relação intrínseca entre direitos culturais e acessibilidade cultural. Nesta última Unidade, dedicaremos nosso olhar à importância do protagonismo da pessoa com deficiência. Para isso, iremos conhecer profissionais que, com seus trabalhos, desbravam caminhos para atuação das pessoas com deficiência na Sociedade, ampliando ho- rizontes e atuando na mudança de paradigmas. Protagonismo e Ações Afirmativas A deficiência não precisa ser um obstáculo para o sucesso. Durante pra- ticamente toda a minha vida adulta sofri da doença do neurônio motor. Mesmo assim, isso não me impediu de ter uma destacada carreira como as- trofísico e uma vida familiar feliz. Stephen W Hawking. (OMS, 2011, p. 9) Um dos maiores astrofísicos da história, o cientista Stephen Hawking conviveu, ao longo de maior parte de sua vida, com um quadro degenerativo que, como con- sequência, causou-lhe deficiências múltiplas. Por sua expressão no meio científico, ele teve condições particulares de adap- tação cotidiana, conforto e dignidade para a continuação de seu trabalho como cientista, professor, palestrante e escritor. Por possuir uma doença evolutiva, Hawking foi perdendo habilidades motoras sucessi- vamente, primeiramente pernas, braços, mãos e, em determinado momento, a fala. Contudo, mesmo com um quadro severo, tecnologias assistivas possibilitaram que até o fim de sua vida ele pudesse realizar palestras e se comunicar verbalmente em diferentes contextos. 8 9 Importante! Como estudamos em Unidades anteriores, uma deficiência pode ter diferentes origens e estar ou não associada a um quadro de saúde. De acordo a Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIF), da Organização Mundial da Saúde (OMS), a avaliação da deficiência de ser realizada a partir do modelo biopsicossocial que leva em consideração fatores biológicos, sociais e psicológicos. Trocando ideias... Stephen teve uma trajetória de destaque no campo da Ciência, recebeu inúme- ros prêmios, foi professor, publicou livros. Na vida pessoal, teve dois casamentos e três filhos. Sua trajetória de vida e sucesso acadêmico possibilitaram a Hawking condições específicas de projeção pessoal, de expressão e realização profissional. Ao longo de toda sua vida e do desenvolvimento de sua doença, Hawking foi visto como uma mente brilhante e a ele foram oferecidas todas as tecnologias assis- tivas e as condições de acessibilidade para que continuasse seu trabalho científico. Stephen não foi tratado a partir de sua deficiência ou da doença que o tornou uma pessoa com deficiência, mas, como um dos mais importantes cientistas do mundo contemporâneo, protagonizando uma história de destaque no campo na Ciência mundial. Contudo, as oportunidades que possibilitaram a Hawking a manutenção de seu trabalho não são compatíveis com a realidade da maioria das pessoas com deficiência. A marca da exclusão histórica que, por muito tempo, delimitou a participação da pessoa com deficiência em Sociedade, por vezes, ainda restringe as possibilidades de expressão, trabalho, autonomia e equiparação de oportunidades a muitas pessoas. Historicamente, as pessoas com deficiência foram determinadas socialmente a partir de sua deficiência, sem que pudessem tomar decisões próprias ou participar das decisões sobre suas vidas: “Até a década de 60, as pessoas com deficiência eram tratadas como objetos de caridade, não podiam opinar e tinham de obedecer às decisões que os especialistas e os pais tomavam por elas, em tudo o que se refe- ria à vida delas” (SASSAKI, 2007, on-line). As modificações ocorridas nos modelos estruturais para o tratamento da pessoa com deficiência foram criando novas possibilidades à vida das pessoas com deficiência. Reivindicações e lutas pelo reconhecimento da autonomia, da individualidade e da necessidade de criação de espaços e condições para a participação das pessoas com deficiência mobilizaram um campo de mudanças e criaram condições para que a inclusão se estabelecesse como modelo. 9 UNIDADE Protagonismo de Pessoas com Deficiência nos Campos da Arte e Cultura Os Movimentos Pró Direitos da Pessoa com Deficiência foram fundamentais nas mudanças ocorridas. A partir deles, há atuação direta de pessoas com deficiência na reivindicação de seus direitos. Em 1962, o ativista americano Ed Roberts foi o primeiro cadeirante a ingressar na Universidade de Berkeley,nos Estados Unidos. Aos 14 anos, Roberts teve polio- mielite e, em consequência paralisia do pescoço para baixo, necessitava do auxílio de aparelhos para a manutenção de suas funções respiratórias. Pioneiro no Movimento pelos Direitos da Pessoa com Deficiência, nos Estados Unidos, Ed Roberts é ícone na luta pelos direitos civis e pela independência da pessoa com deficiência. Os prognósticos e pensamentos de sua época afirmavam que, depois da parali- sia, Roberts não poderia ir à Universidade, trabalhar e, ter filhos. Sua vida estaria restrita e condicionada pela paralisia de seu corpo e a necessida- de do aparelho respiratório. Porém, além de todas as expectativas e determinações externas, ele ingressou na Universidade de Berkeley e se tornou uma das vozes mais importantes de seu tempo na luta pelos direitos e pela autonomia da pessoa com deficiência. Sua atuação foi fundamental para o crescimento dos “Centros de Vida Indepen- dente” (Center for Independent Living), dedicados ao atendimento e à criação de condições para a pessoa com deficiência para a vida em comunidade. Em 1976, Ed Roberts foi nomeado Diretor do Departamento de Reabilitação do Estado da Califórnia, onde trabalhou por 7 anos. Ele realizou tudo que haviam imaginado impossível para ele: estudou, trabalhou, casou, teve um filho... Seus pensamentos, ações e atitude criaram um campo de discussões, de engajamento político e de possibilidade de mudança que reverberam ainda hoje. Atualmente, seu nome designa um centro que é modelo sobre acessibilidade e design universal, o “Ed Roberts Campus”. Criado em 2011, em homenagem ao trabalho e à vida de Roberts, o Projeto abriga diferentes Instituições voltadas à pessoa com deficiência, buscando oferecer todos os serviços e orientações necessários a uma vida plena. Dentre os serviços oferecidos, estão: treinamento vocacional, acesso a tecnologias, educação, assistência com bene- fícios e apoio à saúde. Roberts foi o primeiro cadeirante a ingressar em Berkeley, mas depois dele vie- ram muitos outros e, atualmente, a Universidade de Berkeley é considerada uma das mais acessíveis do mundo e o estado da Califórnia é referência internacional para a acessibilidade urbana. 10 11 O protagonismo de Ed Roberts possibilitou a concretização de uma vida diferente da que lhe foi prevista. Com seu desejo de mudança, ele promoveu a abertura de espa- ços e deixou um legado de transformação e possibilidades da pessoa com deficiência. Ed Roberts Campus – Programa Especial: https://youtu.be/YmQd37bziOA Ex pl or Preconceito e Capacitismo A história de Ed Roberts nos possibilita refletir sobre os limites socialmente im- postos pela ausência da acessibilidade e, como consequência, sobre a negação de possibilidades de vida plena. Figura 1 Fonte: Getty Images Muitas mudanças ocorreram nas últimas décadas, conceitos, lógicas e Legislações ampliaram direitos e possibilidades à vida das pessoas com deficiência. Contudo, ainda há muito a ser feito e transformado para que as Leis e os direitos garantam efetivamente condições igualitárias. Dentre as inúmeras barreiras enfrentadas cotidianamente, a associação entre incapacidade e deficiência é um dos fatores limitantes ao pleno exercício das liber- dades fundamentais e dos direitos das pessoas com deficiência. Entende-se por capacitismo a lógica de que pessoas com deficiência são incapa- zes de realizar escolhas, de trabalhar, promover realizações, expressar opiniões, ter vida privada e independente, entre tantos outros preconceitos correntes e historica- mente associados à pessoa com deficiência. 11 UNIDADE Protagonismo de Pessoas com Deficiência nos Campos da Arte e Cultura Preconceito e capacitismo ainda permanecem presentes na cultura de tratamen- to à pessoa com deficiência e podem ser expressos de diferentes maneiras, ainda quando não percebidos como forma de discriminação ou exclusão. Como exemplo, quando nos surpreendemos com a capacidade de trabalho ou inteligência de uma pessoa com deficiência, quando a vemos como “um exemplo de superação”, ou como “alguém especial”, estamos agindo de acordo com padrões discriminatórios e preconceituosos, que enxergam a pessoa com deficiência a partir de uma lógica de inferioridade. O capacitismo ainda está presente em ditos populares ou expressões que vulga- rizam ou distorcem a realidade sobre a vida da pessoa com deficiência. Quantas vezes não ouvimos em nosso cotidiano expressões como: “você parece um débil mental” (sic), utilizada para dizer que alguém é inábil ou está fazendo algo errado. Trata-se de uma associação entre incapacidade e deficiência intelectual. O mesmo ocorre em “Abstrai e finge demência” e poderíamos citar muitas ou- tras como: “Dar uma de João sem braço”, “Fazer-se de cego para não ver”, entre outras expressões comumente utilizadas. Essas expressões criam sempre uma relação de rebaixamento, tratam a defici- ência de forma pejorativa e negativa, reforçando imagens imprecisas e preconcei- tuosas. Esse tipo de atitude, acaba por se refletir em formas de tratamento, nas relações sociais e nas oportunidades para a pessoa com deficiência. Disso decorrem exclusões e até tratamentos penalizantes, destinando a pessoa com deficiência aos papéis de vítima, coitada, infeliz, “especial”, destituindo-a de suas capacidades e habilidades, poder de decisão e Direitos Fundamentais, como a liberdade, a igualdade e a educação. A conscientização sobre o capacitismo é de fundamental importância para a in- clusão e para a transposição das barreiras atitudinais, impeditivas às transformações necessárias para que as pessoas com deficiência possam ter seus direitos garantidos. Vejamos o vídeo em que a Mariana Torquato, do canal “Vai uma Mãozinha aí?”, fez sobre este assunto. Capacitismo: https://youtu.be/iTLBZkzqtpk Ex pl or 12 13 Ações Artísticas, Projetos e Criadores: Abertura de Caminhos e Novas Perspectivas A expressão simbólica é inerente ao homem e está presente na história da Hu- manidade desde seus primórdios. Pinturas rupestres, construções, objetos, obras de arte, guardam em si registros de aspectos da vida, dos hábitos e das crenças de deter- minado período ou contexto sociocultural. A Arte como expressão simbólica pode ser um campo de afirmação, autorre- presentação e representatividade, além de favorecer debates, a ascensão a novos valores e promover o protagonismo. Nesta Unidade da Disciplina de Acessibilidade Cultural, vamos conhecer o tra- balho de alguns artistas e criadores que, em seus processos e obras, abrem novas perspectivas sobre o universo das pessoas com deficiência e, como consequência, suscitam reflexões sobre acessibilidade e inclusão. Giradança Considerando que a deficiência significa a antítese cultural do corpo saudável e apto, o que acontece quando uma pessoa com deficiência se apresenta no papel de dançarino? É preciso aqui ressaltar que é esse papel que vem sendo historicamente reservado para a glorificação de um corpo ideal (FREIRE, 2001, on-line). Tradicionalmente, alguns meios são marcados por padrões corporais determinados, difundidos como “aptos”, adequados ou ideais. A moda, o esporte e a dança são exem- plos de carreiras que exigem, em geral, padrões específicos e, por vezes, excludentes. No campo da dança especificamente, a imagem do(a) bailarino(a) de feições e corpo “perfeitos”, com gestos e movimentos rigorosos, é algo fortemente presente no imaginário da maioria das pessoas. A dança, em seus códigos e diferentes escolas, esteve, durante muito tempo, ligada a um padrão de corpo e de possibilidades de movimento específicos em que corpos diferentes ou fora do padrão não eram entendidos como corpos dançantes. A partir da década de 1960, a dança contemporânea surge com novas possibili- dades para se pensar o corpo na dança e as possibilidades de criação e movimento. Em um processo de ruptura com padrões clássicos, a Dança Contemporânea abre um campo de experimentação,desconstrução e inovação. 13 UNIDADE Protagonismo de Pessoas com Deficiência nos Campos da Arte e Cultura (...) os trabalhos na dança contemporânea que estão revendo o paradig- ma tradicional, perguntando-se que tipo de movimento pode constituir a dança e que tipo de corpo pode constituir um dançarino. E é nesse contexto que o corpo diferente tem-se apresentado e novas propostas de trabalho vêm sendo elaboradas de modo a explorar e respeitar cada corpo. (FREIRE, 2001, on-line) Com o objetivo da criação em dança e da pesquisa de movimento por “corpos diferenciados”, nasceu, em 2005, no Rio Grande do Norte, a Companhia Giradança que, ao longo de sua trajetória, tornou-se uma das das mais importantes Companhias de Dança Contemporânea no país. A Giradança propõe, a partir de suas coreografias e pesquisas, explorar e dis- cutir sobre os limites do corpo humano, explorar e descobrir as possibilidades de expressão desses “corpos diferenciados” e, a partir de sua poesia, romper os pre- conceitos e as limitações externas para expressividade por meio da dança. Trata-se de uma subversão à lógica capacitista, criando, por meio da pesquisa em dança, possibilidades de expressão para cada corpo em sua natureza. A Companhia conta com uma diversidade de artistas-bailarinos que atuam em suas criações e espetáculos. Entrevista Giradança: https://youtu.be/XIlWgxUJJo4 Ex pl or Com um repertório de espetáculos premiados, a Companhia circula pelo Brasil e pelo exterior desenvolvendo parcerias com coreógrafos e outros artistas da dan- ça, como os coreógrafos Ângelo Madeira e Ana Catarina Vieira, com quem criaram o espetáculo Sem Conservantes, e a Companhia alemã Toula Limnaios, com que criaram o espetáculo die einen, die anderen. Precursora em seu trabalho, a Companhia se destaca por levar ao palco espe- táculos que não condicionam ou rotulam seus artistas, mas criam um campo de protagonismo, voz e expressão para artista em sua diversidade. Marcos Abranches Sou livre para o silêncio das formas, das cores na riqueza de pintar uma obra, As cores são vida. Podemos ser mais coloridos na forma de pensar. O mundo ainda está muito escuro pelo lado negativo do pensamento de cada um, todos nós podemos colorir a maneira de pensar e, ser mais felizes, pois somos a própria arte. Nossa sociedade, por falta de conheci- mento, trata o deficiente como um coitado. Se eu fosse me basear nesse tipo de pensamento, não colocaria meus pés para fora de casa. No meu espaço, não há sofrimento. (ABRANCHES, 2014, on-line) 14 15 Cia Vidança de Marcos Abranches : http://bit.ly/2Rivimt Ex pl or Foi também na dança contemporânea que o artista Marcos Abranches encontrou seu meio de expressão e voz. Sua trajetória começou em 2003, quando Marcos conhe- ceu e começou a trabalhar com o bailarino e coreógrafo Sandro Borelli. Com Sandro Borelli e Sônia Soares, Marcos dançou nos espetáculos: Senhor dos Anjos, Jardim de Tântalo e Metamorfose. Também trabalhou com outros profissionais da dança como: Marta Soares, Jorge Garcia, Alito Alessi (EUA) e Phillipe Gemet (Alemanha). Em 2007, Marcos iniciou uma carreira solo em que desenvolveu espetáculos como D...Equilíbrio, baseado no livro O Bicho de Sete Cabeças e Corpo sobre Tela, inspirado no artista Francis Bacon. O meu foco é destruir o belo, a normalidade. O que é normal e o que é não normal? Francis Bacon e eu também focamos na figura para o figurativo. A transformação da amplitude de uma dança é uma linguagem que meu corpo abraçou. A minha pesquisa na dança é justamente isso, é provar que não tem um corpo como todo mundo fala: deficiente. Meu corpo não é deficiente. Meu corpo é artístico. (ZANATTA, 2018, on-line) Em seu trabalho, Marcos reúne dança e performance em uma pesquisa corporal e artística, que coloca em questões padrões as relações entre igualdade e diferença e, sobretudo, a ausência de limites para a arte. Marcos Abranches em Corpo sobre Tela: https://youtu.be/8lZpVfweOis Ex pl or Teatro Cego O teatro, tradicionalmente, está ligado à visão: as pessoas vão ao teatro para assistir a um espetáculo, ver os atores em cena, mas isso não é o que ocorre no Teatro Cego, que propõe uma experiência diferenciada de teatro, no escuro. Nos espetáculos do Teatro Cego, a comunicação e a compreensão do espetácu- lo se dão por meio da audição e dos demais sentidos: olfato, tato e paladar. Esse formato inovador propõe ao público entrar no universo das pessoas cegas, sensibilizando e ampliando a compreensão sobre este modo de existir e perceber o mundo ao redor. No vídeo a seguir, é possível vivenciar uma experiência similar à que o Teatro Cego proporciona em suas apresentações: 15 UNIDADE Protagonismo de Pessoas com Deficiência nos Campos da Arte e Cultura Experiência 3D: Teatro Cego: https://youtu.be/_Gw7J5Gw2b8 Ex pl or Atualmente, o Teatro Cego tem três espetáculos O Grande Viúvo, Acorda, Amor! e Clarear – Somos Todos Diferentes. Nesses trabalhos, artistas cegos e público se encontram nas mesmas condições para essa experiência teatral. Um exercício de alteridade, de expansão das per- cepções e de sensibilidade e conhecimento sobre as possibilidades de apreensão e comunicação para além do que é visual. CorpoSinalizante Nascido em 2008 do encontro entre os participantes do projeto Aprender para Ensinar, do MAM-SP, o CorpoSinalizante reúne artistas e educadores surdos e ouvintes como espaço de experimentação, trocas, criação, realização de pesquisas e difusão de conhecimento. As atividades do CorpoSinalizante se iniciaram com a criação de um blog na internet e tinham como objetivo quebrar as barreiras existentes na comunicação e na relação com os surdos em Sociedade, enfatizando a Língua Brasileira de Sinais como a língua oficial da comunidade surda e os direitos dos surdos. Para saber mais, acesse o link abaixo: CorpoSinalizante: http://bit.ly/38e4kmN Ex pl or Como exemplo, o grupo foi responsável pela ação “Queremos legendas nos filmes nacionais” e pelo filme-manifesto Atrás do Mundo, além da realização de performances e intervenções artísticas. Das atividades e encontros do CorpoSinalizante nasceu o Slam do Corpo, ação que projetou o grupo e a Língua Brasileira de Sinais na cena cultural da cidade de São Paulo. Slam do Corpo Nascido nos Estados Unidos no final da década de 1980, o Slam é, originalmen- te, uma competição de poesia falada, na qual os poetas apresentam seus textos e são avaliados pelo público. A competição é realizada em etapas, nas quais os vencedores de cada batalha são conduzidos à etapa seguinte. 16 17 O Slam se propagou pelo mundo e se difundiu no Brasil, em especial, a partir de 2008, com as atividades do ZAP! Zona Autônoma da Palavra, realizado pelo grupo teatral Núcleo Bartolomeu de Depoimentos. O Slam do Corpo é o primeiro Slam em Língua Brasileira de Sinais e Portu- guês, realizado por surdos e ouvintes. A poesia é apresentada por uma dupla de poetas sempre nas duas línguas, colocando em relação os universos poéticos de surdos e ouvintes. Os Slams são um espaço potente de investigação, experimentação e reflexão acerca da criação poética em língua de sinais: Como criar poesia com o corpo? Como se expressam os elementos poéticos como a rima, o ritmo, a metáfora na Língua de Sinais? Trata-se de espaço de quebra de barreiras, de expressão poética, de afirmação e reconhecimento da Cultura Surda e da Língua Brasileira de Sinais. O Silêncio e a Fúria – Poetas do Corpo: http://bit.ly/3ajg2OH Ex pl or Daniel Gonçalves O cineasta Daniel Gonçalves colocou sua história pessoal e a busca pela desco- berta de sua deficiência em seu primeiro longa Meu Nome é Daniel. Daniel nasceu com uma deficiência não identificada pelos médicos, condição que lhe causou limitações motoras que o acompanham desde a infância. No documentá- rio, o cineasta reúne registros familiares que antecedem seu nascimento, vídeos de sua infância e registros da busca atual por um diagnósticopreciso. Daniel expõe sua história de vida e experiência particular como autorretrato poético e objetivo, ao mesmo tempo. Daniel, como personagem e autor do filme, expõe diretamente seus pontos de vista sobre deficiência, eliminando qualquer pos- sibilidade de uma abordagem cristalizada da pessoa com deficiência. Antes de tudo, “Meu Nome é Daniel” retrata a busca de um homem por desven- dar e contar sua própria história, a partir de sua visão e percepções. O filme teve sua primeira exibição pública no Festival Internacional de Curitiba (7º Olhar de Cinema). Desde então, já participou do Festival do Rio, da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, da Semana de Cinema, da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes, onde o longa venceu o Troféu Barroco de Melhor Filme eleito pelo Júri Popular. 17 UNIDADE Protagonismo de Pessoas com Deficiência nos Campos da Arte e Cultura No exterior, o documentário foi selecionado para o Festival de Cinema de Sidney, participou do Festival Internacional de Documentários de Amsterdã e ganhou o prê- mio “Documental Calificado Oscar”, do Festival Internacional de Cine de Cartagena, o que o qualifica para a disputa ao Oscar 2020, na categoria de Melhor Documentário. Trailer Meu Nome é Daniel: https://youtu.be/ejfKiX0H9Zc Ex pl or Luciano Mallman O ator gaúcho Luciano Mallman residia e trabalhava no Rio de Janeiro, quando um acidente em um treinamento de circo o deixou tetraplégico. Uma queda na rea- lização de acrobacias aéreas resultou em uma fratura na região cervical que causou a paralisia corporal do pescoço para baixo. Figura 2 Fonte: Fernanda Chemale | Divulgação Após o acidente, Luciano passou por um longo período de adaptação, que en- volveu o redirecionamento profissional, com a retomada de sua primeira formação – a publicidade, o retorno à cidade natal, Porto Alegre – para estar mais próximo da família, e o afastamento dos palcos. O tempo passou e depois de um convite para uma participação na televisão, Luciano percebeu novas possibilidades para sua atuação artística. A partir de sua história e da história de outros cadeirantes, Luciano criou o espetáculo Ícaro, diri- gido por Liane Venturella. Em Ícaro, o palco se torna uma plataforma para as histórias, as inquietações e as dificuldades de seis diferentes personagens, todos interpretados pelo ator, que também é o autor do texto. 18 19 A partir do teatro e da relação entre realidade e ficção, são presentificados, em cena, aspectos da vida cotidiana dos cadeirantes, suas paixões, frustrações e o pre- conceito vivenciado. Ícaro recebeu o Prêmio Açorianos de Melhor Dramaturgia, Prêmio Aplauso Brasil 2019 de Melhor Dramaturgia e Melhor Produção Independente (1º Semestre) e indicação ao prêmio de Melhor Ator, também pelo Prêmio Aplauso Brasil. Página Projeto Ícaro: http://bit.ly/371Tss7 Ex pl or Considerações Finais Nesta última Unidade da Disciplina de Acessibilidade Cultural, buscamos refletir sobre o papel do protagonismo das pessoas com deficiência. Assim, conhecemos pessoas e trabalhos que assinalam um processo de ruptura com determinações pré- -estabelecidas que limitam os direitos das pessoas com deficiência. A abertura de espaços para o protagonismo das pessoas com deficiência e a conscientização das possibilidades de sua atuação revelam que os obstáculos exter- nos podem ser transpostos quando há acessibilidade e inclusão. Ao contrário, a falta de credibilidade, de condições de acesso e acessibilidade, da consideração e da inclusão nos mais diferentes contextos e ambientes, por vezes, cria dificuldades e subestimam as potencialidades individuais. A criação artística, nesse contexto, é um veículo de ideias, de expressão simbó- lica e subjetiva, que possibilita a revisão de ideias cristalizadas sobre a deficiência, vez que fornecem novos caminhos, outros modos de ver e dialogar. Trouxemos, para nosso estudo, alguns artistas e trabalhos selecionados, buscan- do contemplar diferentes áreas de criação: Cinema, Teatro, Dança, Poesia. Trata-se de um pequeno recorte de um universo muito maior que não seria possível contem- plar em um único texto. Por meio dos trabalhos aqui mencionados, podemos verificar de que modo a assumpção do discurso, a autorrepresentação e a tomada de posições de visibilida- de e protagonismo na Arte, são propulsores para o estabelecimento de uma nova cultura, da disseminação e da inclusão de novos pontos de vista sobre a vida e as possibilidades da pessoa com deficiência. Essa atuação e liderança também se expressa em outros campos, como a Po- lítica, nas Ciências, na Comunicação, e implica que a acessibilidade se estenda para locais em que muitas vezes ela não é pensada, como o palco, o púlpito e a bancada jornalística. 19 UNIDADE Protagonismo de Pessoas com Deficiência nos Campos da Arte e Cultura No Brasil, profissionais como a senadora Mara Gabrilli, a médica Izabel Maior e o jornalista Jairo Marques se destacam em suas áreas de atuação e mobilizam, com seus trabalhos, como o fez Ed Roberts, novas perspectivas para as pessoas com deficiência em Sociedade. Considerar que a pessoa com deficiência pode ocupar diferentes postos em Sociedade. Significa dispor da acessibilidade em todos os locais, na plateia, mas também no palco, para àqueles que recebem um serviço, mas também para que aqueles que trabalharão oferecendo esse serviço. No campo da Acessibilidade Cultural, devemos ter consciência de que a acessibi- lidade deve beneficiar a todos, incluindo artistas, técnicos, trabalhadores em geral, para que possam desenvolver e realizar os seus trabalhos de forma plena e digna. Existem princípios e normas que regem a acessibilidade – como estudamos am- plamente, mas a informação e o diálogo serão sempre instrumentos potentes. Sempre que necessário, consulte Instituições e especialistas, dialogue com as pessoas com deficiência, faça avaliações do serviço e da efetividade das medidas de acessibilidade. O diálogo, a troca de experiências e a busca de soluções conjuntas são o melhor caminho para a realização de ações efetivas. Aqui, chegamos ao fim de nossos estudos. Espero que tenha sido uma boa jornada de descobertas, aprendizagem e pre- paração para uma atuação profissional consciente, responsável e comprometida. 20 21 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Conheça a história do coreógrafo e dançarino Marcos Abranches https://glo.bo/2RlChuQ Beijo de mundos e línguas – Corposinalizante http://bit.ly/2FYdl7y Luciano Mallmann leva para o teatro a vivência dos cadeirantes http://bit.ly/2ts8hFA Vídeos O que é Normal? https://youtu.be/vyBIUjS25HA Conheça Zona Roberts, mãe do Ativista Ed Roberts https://youtu.be/PIIVOTM6iGQ TV PUC-Rio: “Meu Nome é Daniel” Conquista Menção Honrosa https://youtu.be/F66JOaDsV7o Ator conta em peça de teatro de como superou paraplegia https://youtu.be/wihKxdxaQ9E 21 UNIDADE Protagonismo de Pessoas com Deficiência nos Campos da Arte e Cultura Referências CIA. VIDANÇA DE MARCOS ABRANCHES. Blog Oficial. Disponível em: <http://marcosabranches-vidanca.blogspot.com>. Acesso em: ago. 2019. FREIRE, I. M. Dança-Educação: o corpo e o movimento no espaço do conhecimen- to. Cad. CEDES [on-line], Campinas. v. 21, n. 53, p. 31-55, 2001. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32622001000100003>. Acesso em: ago. /2019. LEYTON, D. (org.). Educação e acessibilidade: experiências do Museu de Arte Moderna de São Paulo. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2018. Disponível em: <https://mam.org.br/wp-content/uploads/2018/09/Educação-e- -Acessibilidade_experiências-do-MAM-QRcode.pdf>. Acesso em: ago. /2019. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Relatório Mundial sobre a De- ficiência (World Report on Disability). The World Bank. Tradução: Secreta- ria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Governo do Estado de São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/do-cuments/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf>. Acesso em: ago. 2019. SASSAKI, R. K. Nada sobre nós, sem nós: Da integração à inclusão. Revista Nacional de Reabilitação, São Paulo, ano X, n. 57, jul./ago. 2007. Disponível em: <http://www.bengalalegal.com/nada-sobre-nos>. Acesso em: ago. /2019. ZANATTA, I. Corpo sobre Tela. O paradigma de Marcos Abranches sobre arte e Dança. Abr./2018. Site Desenvolvimento Artístico. Disponível em: <https:// www.desenvolvimentoartistico.com/single-post/2018/04/09/Corpo-sobre-Tela-O- -paradigma-de-Marcos-Abranches-sobre-arte-e-Dança>. Acesso em: ago. 2019. 22