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1 EXEGESE E HERMENEUTICA BÍBLICA 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 Sumário EXEGESE E HERMENEUTICA BÍBLICA ............................................... 1 NOSSA HISTÓRIA ................................................................................. 2 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 4 EXEGESE BÍBLICA – ASPECTOS HISTÓRICOS ................................. 7 EXEGESE PATRÍSTICA (100 A 600 D.C.) ............................................. 8 EXEGESE MEDIEVAL (600 A 1500) .................................................... 10 EXEGESE DA REFORMA (SÉCULO XVI) ........................................... 11 EXEGESE PÓS- REFORMA (1550-1800) ............................................ 11 HERMENÊUTICA MODERNA (APÓS 1800) ........................................ 12 A EXEGESE E O TEXTO ORIGINAL ................................................... 12 A EXEGESE NA PRÁTICA ................................................................... 14 EISEGESE ........................................................................................... 14 HERMENÊUTICA BÍBLICA – DESCRIÇÃO DO TERMO ..................... 18 HERMENÊUTICA BÍBLICA – MÉTODO E REGRAS ............................ 27 UM MODELO DE ESTUDO HERMENÊUTICO .................................... 28 ESCRITA E ORALIDADE ..................................................................... 38 A EXEGESE MODERNA E A SUPERAÇÃO DAS BARREIRAS DE LEITURA DO TEXTO BÍBLICO ....................................................................... 39 O MÉTODO HISTÓRICO CRÍTICO ...................................................... 41 CRÍTICAS E LIMITES DO MÉTODO HISTÓRICO CRÍTICO ................ 45 REFERÊNCIAS .................................................................................... 47 file://192.168.0.2/E$/Pedagogico/Controle%20-%20Cursos/POSTAGEM/EDUCAÇÃO/CIENCIAS%20DA%20RELIGIAO/EXEGESE%20E%20HERMENEUTICA%20BÍBLICA/EXEGESE%20E%20HERMENEUTICA%20BÍBLICA%20NOVA.docx%23_Toc66871716 4 INTRODUÇÃO Disciplinas especiais da Teologia Bíblica: a Exegese e Hermenêutica Bíblicas. Nosso intuito é apontar ferramentas importantes para uma melhor leitura e interpretação dos textos bíblicos. Partimos do pressuposto de que é de fundamental importância o trabalho sério e zeloso para se interpretar corretamente os textos sagrados, oferecendo assim um melhor entendimento e explanação das verdades bíblicas. Há uma antiga discussão sobre Exegese e Hermenêutica no meio teológico. Há quem defenda que são ciências distintas e complementares. Há quem diga que uma está dentro da outra, que a Exegese vem primeiro ou que é o contrário. Você encontrará quem defenda que a Hermenêutica está dentro da Teologia Exegética; já outros afirmam que a Exegese Bíblica está dentro da Hermenêutica com seus princípios gerais de interpretação. Neste material, não entraremos nessa discussão, nosso intuito é apresentar os aspectos gerais da Exegese Bíblica e da Hermenêutica Bíblica para o estudante de Teologia, pois o valor excepcional que atribuímos à Bíblia é que nos desperta o desejo de aprofundar os estudos sobre ela e, com critérios e esmero, descobrir o sentido de sua mensagem para que a comuniquemos com verdade. Fato é que temos diante de nós, estudantes da Palavra de Deus, um grande desafio, pois como escreveu Silva (2000, p. 11): “Palavra de Deus em palavras humanas”. Assim é definida, com muita exatidão, a Sagrada Escritura ou, mais simplesmente, a Bíblia. Mas podemos entabular um questionamento: a Bíblia é sagrada porque é a Palavra de Deus e é Escritura porque é palavra humana? Ou seria o contrário: Ela é Palavra de Deus porque é sagrada e é palavra humana porque é Escritura? É claro que não foi Deus, em pessoa, quem escreveu a Bíblia. Muito menos podemos pensar que Deus necessite de palavras, que são uma realidade humana, para se comunicar. A Sagrada Escritura é a configuração categorial do que foi a percepção da presença e da revelação de Deus. Quem tem tal percepção é o ser humano concreto e situado. Portanto a definição apenas proposta – palavra de Deus em palavras humanas –, longe de comportar uma contradição, exprime uma condição irrenunciável: se 5 quisermos que a Bíblia fale aos homens, seja qual for a cultura, a língua e o tempo em que vivem, precisamos, cada vez mais, recolocar esta mesma Bíblia na cultura, na língua e no tempo em que surgiu. Isso significa afirmar que “a Bíblia é uma obra literária que precisa ser abordada como tal, se não quisermos anular seu valor como Palavra de Deus”. O texto bíblico que consideramos básico e central para entender a importância de estarmos dedicados ao estudo esmerado e que busca ser mais eficiente e responsável da Palavra de Deus é o registrado em Atos dos Apóstolos 8.30,31 Então Filipe correu para a carruagem, ouviu o homem lendo o profeta Isaías e lhe perguntou: “O senhor entende o que está lendo?” Ele respondeu: “Como posso entender se alguém não me explicar?” Assim, convidou Filipe para subir e sentar-se ao seu lado. Nesse episódio, percebemos a oportunidade e como Filipe pôde ser usado por Deus para clarear o sentido e informações que o texto de Isaías, que estava sendo lido pelo etíope, trazia e, embora o homem lesse, confessa que não estava compreendendo. Filipe explicou detalhadamente o texto, “começando com aquela passagem da Escritura, anunciou-lhe as boas novas de Jesus” (verso 35). O resultado da obediência ao Espírito Santo, do interesse e sabedoria em apresentar corretamente a Palavra de Deus foi a conversão daquele homem. Prosseguindo pela estrada, chegaram a um lugar onde havia água. O eunuco disse: “Olhe, aqui há água. Que me impede de ser batizado?”. Disse Filipe: “Você pode, se crê de todo o coração”. O eunuco respondeu: “Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus”. Assim, deu ordem para parar a carruagem. Então Filipe e o eunuco desceram à água, e Filipe o batizou. Quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou Filipe repentinamente. O eunuco não o viu mais e, cheio de alegria, seguiu o seu caminho. (Versos 36 a 39). Como escreveu o apóstolo Paulo em sua carta aos Romanos, como consequência, a fé vem pelo ouvir as boas novas, e as boas novas vêm pela Palavra de Cristo (Romanos 10.17 - Versão King James). Segundo o professor Júlio Zabatiero (2007, p. 17), a interpretação da Bíblia é uma prática que tem diferentes sujeitos, tempos e espaços de realização. Dominicalmente, pregadoras e pregadores explicam passagens bíblicas a pessoas que desejam aprender, servir a Deus e tornar a vida mais feliz. Diariamente, isso é feito por meio da televisão, em que telespectadorese 6 telespectadoras são alcançados nos mais distantes cantos da Nação e de outros países, com as mais variadas expectativas e necessidades. Semelhantemente, professoras e professores de exegese e teologia bíblica ensinam estudantes a interpretar a Bíblia, seguindo padrões acadêmicos precisos, visando formar mais pregadoras e pregadores e, quem sabe, mais intelectuais da Teologia. Diariamente, fiéis de variadas confissões cristãs e de religiões aparentadas ao cristianismo leem a Bíblia em momentos devocionais, nas horas de apuro, nas celebrações familiares, para crescer na fé, cumprir obrigações religiosas ou tantos outros fins. Além disso, muitas pessoas sem filiação eclesiástica leem a Bíblia por prazer, devoção, para cumprir trabalhos acadêmicos, realizar pesquisas linguísticas, literárias ou culturais. Temos, então, que a Exegese e Hermenêutica bíblicas são disciplinas que, com suas ferramentas, nos instrumentalizam para chegarmos a um melhor entendimento da Palavra de Deus e entendermos com amplitude que, como escreveu frei Carlos Mesters, citado por Rodrigues: Deus nos fala na Bíblia não para que nos fechemos no estudo e na leitura da Bíblia, mas para que, pela leitura e pelo estudo da Bíblia, possamos ir descobrindo a Palavra viva de Deus dentro da vida e dentro da história de nossa comunidade e de nosso povo. Que seja assim conosco. Encerramos essa introdução com duas falas de Jesus, a primeira é uma advertência – “Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus” (Mateus 22.29). A segunda, que para nós funciona como um bom conselho – “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e elas mesmas são as que dão testemunho de mim” (João 5.39) 7 EXEGESE BÍBLICA – ASPECTOS HISTÓRICOS Todavia, os reformadores também tinham os seus preconceitos, não se tendo livrado das tradições e das ideias doutrinárias dogmáticas e fixas. Nisso, eles não se distanciavam muitos dos intérpretes católicos romanos, apesar dos protestos em contrário. Contudo, entre os protestantes começou a impor-se uma abordagem bíblica um tanto mais literal, com a diminuição da importância das abordagens alegóricas e puramente dogmáticas. Embora a teologia ocidental continuasse sendo a principal norma na interpretação das ideias protestantes, visto que as igrejas luterana e reformada são filhas da tradição ocidental, que se concretizou na Igreja Católica Romana. Os discernimentos alcançados pelas igrejas ortodoxas orientais, através dos séculos, foram praticamente esquecidos. Os protestantes dizem “apelamos somente às Escrituras”, mas a verdade é que suas interpretações por muitas vezes são eisegéticas e não exegéticas, com base nos preconceitos e nas preferências pessoais ou denominacionais. Em relação ao século XX, afirma Silva (2000, p. 12) que foi profundamente frutuoso e questionador no que se refere à interpretação bíblica: muitos métodos surgiram, firmaram-se, foram superados e/ou redefiniram seus pressupostos e seus objetivos. E ainda, num viés histórico, devemos concordar com Silva (2000, p. 12) quando argumenta que a Bíblia, Palavra de Deus, nem sempre é compreendida pelo povo . Para um mesmo texto, surgem muitas interpretações, algumas 8 legítimas, outras questionáveis, outras descartáveis. Tudo depende do modo, ou melhor, do método (eu acrescento também o caráter e a intenção) com que lemos a Bíblia. Com efeito, a riqueza da Sagrada Escritura é tamanha que não basta um único método de leitura para esgotá-la. Ela nos reserva sempre uma novidade, uma surpresa, um horizonte novo. Para efeito de informação, quando, na interpretação alegórica, os judeus costumavam alegorizar uma passagem bíblica nas seguintes situações: Se o significado literal fosse indigno de Deus; Se a declaração fosse contrária a outra declaração bíblica; Se o texto afirmasse tratar de alegoria; Se houvesse expressões dúplices ou palavras supérfluas. Se houvesse repetição de algo já conhecido; Se uma expressão fosse variada; Se houvesse emprego de sinônimos; Se fosse possível jogo de palavras; Se houvesse algo anormal em número ou tempo verbal; Se houvesse presença de símbolos. EXEGESE PATRÍSTICA (100 A 600 D.C.) Os pais da igreja interpretaram o Antigo Testamento principalmente de modo alegórico. Com isso, foram muito longe da intenção dos autores. Não havia regras para a interpretação. 9 Clemente de Alexandria (150 a 215 d.C.) – Dizia que o verdadeiro significado das Escrituras está oculto para que sejamos inquiridores. Afirmava a existência de cinco sentidos ou camadas no texto bíblico: histórico, doutrinal, profético, filosófico e místico. Orígenes (185 a 254) – Valorizava I Coríntios 2.6- 7 e considerava as Escrituras como uma vasta alegoria na qual cada detalhe era simbólico. Dizia que, assim como o homem tem três partes, as Escrituras têm três sentidos: literal, moral e alegórico (místico). Na prática, ele desprezou o sentido literal. Agostinho (354 a 430) – Estabeleceu regras avançadas para a época. Algumas são usadas até hoje. Defendeu a existência de quatro sentidos: histórico, etiológico (referente à origem), analógico e alegórico. Na prática, Agostinho usou alegorização excessiva, justificando-se com II Coríntios 3.6. Suas regras são: O intérprete precisa possuir fé cristã; Deve-se considerar o sentido literal e histórico das Escrituras; A Escritura tem mais que um significado. Portanto, o método alegórico é adequado; Há significado nos números bíblicos; O Antigo Testamento é um documento cristão porque Cristo está retratado nele; Compete ao expositor entender o que o autor pretendia dizer e não introduzir outro significado; O intérprete deve consultar o verdadeiro credo ortodoxo; Um versículo deve ser estudado dentro do seu contexto e não isolado; Se um texto é obscuro não pode ser usado como matéria de fé (doutrina); O Espírito Santo não toma o lugar do aprendizado necessário para se entender as Escrituras; A passagem obscura deve dar preferência à passagem clara; O expositor deve levar em consideração que a revelação é progressiva. A Escola de Antioquia da Síria – Teve como destaque Teodoro de Mopsuéstia 10 (350-428), rejeitaram o letrismo e o alegorismo da Escola de Alexandria, valorizaram a interpretação histórico-gramatical, rejeitaram o uso da autoridade sobre a interpretação. A Escola de Alexandria – Ensinava a existência de um significado espiritual acima dos fatos históricos. Embora o princípio tivesse algo válido, aqueles intérpretes se entregaram a fantasias sem limites. Os intérpretes de Antioquia admitiam a existência de um significado espiritual implícito no próprio acontecimento (princípios detectáveis no texto), sem a necessidade de suposições externas. EXEGESE MEDIEVAL (600 A 1500) Foi uma época de ignorância e domínio católico. Os dogmas e a tradição regulamentavam a interpretação bíblica. Durante esse período, a interpretação foi dominada pela alegorização e pelo “sentido quádruplo” sugerido por Agostinho, expresso pelos itens a seguir: 1- A letra mostra-nos o que Deus e nossos pais fizeram. (Por exemplo, nesse sentido, Jerusalém seria a própria cidade histórica em Israel). 2 - A alegoria mostra-nos onde está oculta a nossa fé. (Jerusalém representaria, portanto, a igreja). 3 - O significado moral dá-nos as regras da vida diária. (Jerusalém significaria a alma humana). 4 - A anagogia (escatologia) mostra-nos onde terminamos nossa luta. (As referências a Jerusalém indicariam então a Nova Jerusalém de Apocalipse). É preciso verificar se o texto bíblico contém indicadores desses sentidos. O “letrismo” também continuava e alcançava níveis ridículos. Até anagramas eram construídos a partir de palavras bíblicas,atribuindo-se a cada letra uma relação a outra frase ou palavra que não estava contida no texto original. Em meio a essa confusão exegética, alguns judeus espanhóis (séculos12 a 15) defendiam o uso do método histórico-gramatical. 11 Alguns católicos franceses, da Abadia de São Vitor, propunham preferência ao sentido literal e que a exegese desse origem à doutrina e não o contrário. Nicolau de Lira (1270 a 1340) defendeu a utilização do “sentido quádruplo”, mas entendia que o literal seria a base dos demais. Lutero foi influenciado por suas ideias. EXEGESE DA REFORMA (SÉCULO XVI) Observou-se o abandono gradual do “sentido quádruplo”. Lutero (1483 a 1546) defendeu a tese de que a fé e a iluminação do Espírito Santo são fundamentais para a correta interpretação da Bíblia. Afirmava que as Escrituras estão acima da igreja. A interpretação correta procede de uma compreensão literal. Devem ser consideradas as condições históricas, a gramática e o contexto. As Escrituras são claras e não obscuras, como dizia a Igreja Romana. O Antigo Testamento aponta para Cristo. É fundamental a distinção entre Lei e Graça, embora ambos estejam presentes em toda a Bíblia. Calvino (1509 – 1564) – Dizia que a alegorização era artimanha de Satanás. Segundo Calvino, a Escritura interpreta a Escritura. Destacou a importância do contexto, gramática, palavras e passagens paralelas, em lugar de trazer para o texto o significado do intérprete. EXEGESE PÓS- REFORMA (1550-1800) Confessionalismo – Nessa época, foram definidos os credos católicos e protestantes como base da exegese. A variedade de credos e a preferência do intérprete conduziam a muitas discrepâncias teológicas. O uso das Escrituras ficou restrito à escolha de textos para “comprovação” de posições religiosas predeterminadas. Pietismo – Philipp Jakob Spener (1635-1705) – O pietismo foi um movimento contra a exegese dogmática. Incentivou o retorno às boas obras, ao conhecimento bíblico, ao preparo espiritual dos ministros e o trabalho 12 missionário. Por algum tempo, houve boa utilização do método histórico- gramatical. Depois, a tendência de espiritualizar de forma piedosa os textos fortaleceu a tese de uma “luz interior” para a interpretação e o desprezo ao método histórico-gramatical, distanciando os intérpretes das intenções do autor. Racionalismo – A razão em confronto com a revelação; – A razão passou a ser considerada como única autoridade na interpretação bíblica. Só se aceitava o que se podia compreender. Após a Reforma, o empirismo aliou-se ao racionalismo. Empirismo significa que o conhecimento vem apenas por meio dos sentidos físicos. Só se podia aceitar o que se pudesse comprovar. Lutero disse anteriormente que a razão deve ser um instrumento para a compreensão da Palavra (uso ministerial) e não um juiz (uso magisterial). Entendemos que o uso da razão na compreensão das Escrituras é proveitoso, mas precisa estar sujeito à fé. Os milagres não podem ser compreendidos pela razão. Nosso culto é racional (Romanos 12:1-2), mas a razão não é a sua base de sustentação. HERMENÊUTICA MODERNA (APÓS 1800) Nos últimos séculos, o método histórico-gramatical tem sido o mais aceito, embora ainda ocorram interpretações por algumas das formas praticadas durante a história. A EXEGESE E O TEXTO ORIGINAL Fee e Stuart (2008, p. 57) oferecem alguns passos importantes para a sequência do trabalho exegético, apresentados abaixo: 1. O texto 1.1 Confirmando os limites da passagem Existem dois recursos aos quais poderá recorrer a fim de conseguir ajuda imediata para confirmar os limites de uma passagem: (1) o próprio texto hebraico na BHS ou BH315, e 13 (2) praticamente qualquer tradução moderna. O que deve ser examinado aqui é a paragrafação. No caso do texto hebraico, o material bíblico é arranjado em forma de parágrafos por meio de variação na endentação na margem direita. 1.2 Comparando as versões Para analisar as muitas versões do Antigo Testamento, você precisa verter cada uma delas de volta para o hebraico. 1.3 Reconstruindo o texto, fazendo anotações. 1.4 Colocando a passagem em forma versificada 15 BH3 – Bíblia Hebraica. 3. ed. Stuttgart: Württembergische Bibelanstalt, 1937. 2. A Tradução 3. O Contexto histórico 4. O Contexto literário 4.1 Examinando funções literárias 4.2 Examinando a localização de uma passagem 4.3 Analisando os detalhes 4.4 Analisando a autoria 5. A forma 5.1 A forma como chave para a função 6. A Estrutura Entender a estrutura de uma passagem é captar o fluxo de conteúdo projetado nela pela mente do autor, consciente ou inconscientemente. Contudo, além disso, é importante considerar que o significado não é comunicado apenas por palavras e frases (...). 6.1 Analisando a estrutura e a unidade 7. Os dados gramaticais 7.1 Identificando ambiguidades gramaticais 7.2 Identificando uma especificidade gramatical 7.3 Analisando a ortografia e a morfologia 8. Dados Lexicais 8.1 A importância do exame de palavras-chave 9. Contexto Bíblico 9.1 Observando o contexto mais amplo 14 10. Te o l o g i a 10.1 Uma perspectiva especial sobre a doutrina de Deus 11. Literatura Secundária 12. Aplicação A EXEGESE NA PRÁTICA Douglas Stuart (2008, p. 31-55) apresenta um guia da exegese completa (Listamos abaixo de forma concisa), onde diz que esses comentários e questões são apenas sugestões e não devem ser seguidos irrefletidamente. Na verdade, algumas questões se sobrepõem; já outras podem parecer-lhe redundantes. Algumas podem não ser relevantes para seus propósitos ou o escopo das necessidades de sua exegese particular de certa passagem. Portanto, seja seletivo. Ignore o que não se aplica à sua passagem; destaque o que se aplica. EISEGESE Esse termo é geralmente depreciativo e significa “achar o significado em”. É usado para designar a prática de impor um significado preconcebido ou 15 estranho a um texto, mesmo que tal significado não tenha sido a intenção original do autor. Em outras palavras, Eisegese significa ler no texto aquilo que alguém quer encontrar ali, mas que, na realidade, não se encontra no mesmo. Você poderá achar confuso iniciar com a análise textual da passagem, se o seu conhecimento da língua original é insuficiente. Nesse caso, faça primeiramente uma tradução provisória do texto hebraico. Não invista muito tempo neste ponto. Utilize uma tradução moderna confiável como guia ou, se preferir, use uma Bíblia “interlinear”. Depois de ter uma ideia básica do sentido das palavras na língua original, poderá retomar a análise textual com proveito. Na descrição do dicionário: “interpretação de um texto atribuindo-lhe ideias do próprio leitor”. Bentho (2003) afirma que enquanto a Exegese consiste em extrair o significado de um texto, mediante legítimos métodos de interpretação, a Eisegese consiste em injetar ou introduzir em um texto algum significado que o intérprete deseja, mas que na verdade não faz parte do mesmo. Em última instância, quem usa a Eisegese, força o texto mediante várias manipulações, fazendo com que uma passagem diga o que na verdade não diz. O autor apresenta também em seu texto algumas formas pelas quais o intérprete pratica a eisegese: 1- Quando força o texto a dizer o que não diz: O intérprete está cônscio de que a interpretação por ele asseverada não está condizente com o texto, ou então está inconsciente quanto ao objetivo do autor ou propósito da obra. Entretanto, voluntária ou involuntariamente, manipula o texto a fim de que sua loquacidade possa ser aceita como princípio escriturístico. Geralmente tal interpretação não possui qualquer justificativa lexical, cultural, histórica ou teológica, pois se baseia em pressupostos ou premissas previamente estabelecidospelo intérprete. Outro problema nesse caso é o individualismo que embebe alguns na leitura da Bíblia. O que se busca como interpretação “é o que as Escrituras significam para mim agora”, e não “o que elas significam em seu contexto”. 2- Quando ignora o contexto, sob o pretexto ideológico: Poucas atividades hermenêuticas têm sangrado tanto o texto como o banimento do contexto. Ignorar o contexto é rejeitar deliberadamente o processo histórico que deu 16 margem ao texto. O intérprete, neste caso, não examina com a devida atenção os parágrafos pré e pós-texto, e não vincula um versículo ou passagem a um contexto remoto ou imediato. Uma interpretação que ignora e contraria o contexto não deve ser admitida como exegese confiável. Existem pessoas que são capazes de banir conscientemente o contexto e o sentido do texto, simplesmente para forçar as Escrituras a conformarem-se com suas ideologias (doutrinas). 3- Quando ignora a mensagem e o propósito principal do livro: Um livro pode ser mais facilmente entendido quando se sabe qual é o propósito do autor e qual a mensagem que ele procura afirmar para seus contemporâneos. A mensagem do livro e o propósito do autor são “almas gêmeas” da interpretação bíblica. Os assuntos genéricos tratados pelo autor precisam ser observados a partir dos propósitos e da mensagem do autógrafo. Quando ignoramos a mensagem principal e o propósito do livro, somos dispersivos na aplicação coerente do texto. 4- Quando não esclarece um texto à luz de outro: Os textos obscuros devem ser entendidos à luz de outros e segundo o propósito e a mensagem do livro (coerência com o todo). Recorrer a outro texto é reconhecer a unidade das Escrituras na correlação de ideias. Por vezes, pratica-se eisegese por ignorar a capacidade que as Escrituras têm de interpretar a si mesma. 5- Quando põe a “revelação” acima da mensagem revelada: Por vezes, aparecem indivíduos sangrando o texto sagrado sob o pretexto de que “... Deus revelou”, ou “... essa veio do céu”. Estes colocam a pseudo- revelação acima da mensagem revelada. Quando assim asseveram, procuram afirmar infalibilidade à sua interpretação, pois Deus, que “revelou”, autor principal das Escrituras, não pode errar. Devemos ter o cuidado de não associar o nome de Deus à mentira, pois Ele não pode contradizer o que anteriormente, pelas (revelação das) Escrituras, havia afirmado. 17 6- Quando está comprometido com um sistema ou ideologia: Não são poucos os obstáculos que o exegeta encontra quando a interpretação das Escrituras afeta os cânones do sistema e as tradições de sua denominação. Por outro lado, até as ímpias religiões encontram justificativas bíblicas para ratificar as suas heresias. Utilizar as Escrituras para apologizar um sistema ou ideologia pode passar de uma eisegese para uma heresia aplicada. Cabe aqui um comentário sobre a Moderna Crítica Bíblica, pois esse tipo de estudo tem lançado tanto luzes quanto sombras sobre o conhecimento bíblico e ideologia é um sistema de ideias sustentadas por um grupo social, as quais refletem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos. Ou seja, um conjunto de convicções filosóficas, sociais, políticas etc. de um indivíduo ou grupo de indivíduos. Apesar de ser uma atividade legítima e necessária, a fim de pôr os estudos bíblicos a par das evidências linguísticas, literárias, históricas e científicas, infelizmente as pessoas que são conhecidas como críticas da Bíblia geralmente se têm mostrado dotadas de uma mentalidade cética, além de lhes faltar a experiência com elementos místicos e miraculosos da fé cristã. Portanto, esses críticos têm injetado em seus estudos uma eisegese própria da mente incrédula, ou pelo menos, cética. Concluindo, Eisegese significa ler no texto aquilo que alguém quer encontrar ali, mas que, na realidade, não se encontra no mesmo, ou então, significa distorcer um texto para adaptá-lo às próprias ideias e/ou interesses do intérprete. O bispo anglicano Robinson Cavalcanti costumava dizer que a Bíblia é única e infalível, porém todos os seus intérpretes são humanos e falíveis; portanto, nenhuma interpretação é absolutamente correta. Isso deve nos encher de temor e respeito pela Palavra do Senhor e Seu povo. 18 HERMENÊUTICA BÍBLICA – DESCRIÇÃO DO TERMO A razão pela qual a teologia se chama teologia reflete o fato de que à medida que se conhece a Deus, mais bem conhecida se torna a vida, conhece- se quais verdades e práticas são essenciais ou importantes, e quais valores nos protegem mais contra a desobediência a Deus. O estudioso bíblico deve se comprometer a buscar explicar o significado/sentido pleno da passagem bíblica sob a luz do que melhor compreende com relação a Deus, ao homem e ao mundo em que vivemos. Sendo assim, a hermenêutica bíblica tem muito a contribuir com nossa tarefa. Hermenêutica Bíblica é entendida como uma disciplina da Teologia Exegética que ensina as regras para interpretar as Escrituras e a maneira de aplicá-las corretamente. É ciência tanto bíblica como secular, que possui métodos e técnicas da interpretação. É, basicamente, o estudo do entorno, do contexto que gerou e caracterizou o texto e favorece a compreensão e a contextualização para nossos dias. Seu objetivo primário é estabelecer regras gerais e específicas de interpretação, a fim de entender o verdadeiro sentido do autor ao redigir as Escrituras. Conceitua-se como a ciência da compreensão de textos bíblicos. O dicionário da língua portuguesa traz que hermenêutica é ciência, técnica que tem por objeto a interpretação de textos religiosos ou filosóficos. Busca o sentido das palavras, interpretação dos signos e seu valor simbólico. Historicamente, o termo mais geral para a ciência da interpretação, que incluía a exegese, era a 19 hermenêutica. Entretanto, uma vez que a hermenêutica veio a focalizar o significado como uma entidade existencial, isto é, o que esses antigos textos sagrados significam para nós em um ponto posterior da história, limitamos qualquer uso do termo ao seu sentido mais restrito de “significado contemporâneo” ou “aplicação”. Hermenêutica dá o sentido de ‘explicar’ ou ‘interpretar’. É o exercício prático. É necessário que o estudante da Bíblia Sagrada procure descobrir o significado do texto que está examinando, a fim de saber exatamente sua lição e sentido. Para isso, é necessário verificar os vários componentes envolvidos na hermenêutica, especialmente o contexto histórico onde o texto está inserido. É a disciplina que estuda os princípios e as teorias de como os textos devem ser interpretados, sobretudo os textos sacros como a Bíblia. A Hermenêutica também se preocupa com o entendimento dos papéis e dos relacionamentos singulares entre o autor, o texto, o público-leitor original e o posterior. A Hermenêutica, como ciência, é, segundo Bentho (2003, p. 55, 56), Objetiva, pois está fundada em fatos concretos, isto é, na verdade bíblica. Racional, pois é constituída de conceitos, juízos e raciocínios, e não por sensações e imagens. Analítica, pois em virtude de abordar um fato, processo ou situação de interpretação, ela decompõe o todo em partes componentes e relacionadas entre si. Isto quer dizer que a hermenêutica, ao analisar um texto, disseca-os em partes a fim de que o todo seja compreendido. Explicativa, em virtude de ter como finalidade explicar os fatos em termos de leis, e as leis em termos de princípios. Ora, qualquer pregador ou estudante precisa justificar sua interpretação, isto é, mostrar as leis ou princípios que o conduziram na interpretação de qualquer texto bíblico. Como elemento explicativo, a hermenêutica é tanto descritiva quanto prescritiva. Como descritivaexplica o que é o texto (significado), enquanto prescritiva, determina qual deve ser o nosso comportamento mediante a interpretação fornecida – o que deve ser feito. É comum se referir a Platão como um dos primeiros que utilizou esse termo dando a ideia de “explicação”, sendo que “explicação” aqui deve ser entendida na ótica do filósofo como interpretação textual. A hermenêutica tem 20 relevância nas interpretações dos textos bíblico-sagrados e nas críticas textuais, sendo assim, ocupa um espaço histórico na cultura Ocidental. Segundo alguns estudiosos, na antiguidade clássica, o termo hermenêutica estava ligado ao nome do deus da mitologia grega, Hermes. Hermes possui uma história mitológica longa, que entre outros aspectos aponta que ele se tornou o deus das travessias, nos caminhos terrenos e nos caminhos do além. Hermes veio a ser o mensageiro dos deuses aos homens; dos mortos aos vivos. Considerado o mensageiro e arauto dos deuses do Olimpo. Observa-se no mito que Hermes é o deus das possibilidades de dois mundos, sendo assim, nas civilizações clássicas, escreviam-se e narravam-se parábolas que expressavam a existência humana a partir de suas “interpretações”. Hermes, conforme a mitologia grega era o mensageiro (trazia a mensagem) e intérprete Bentho (2003, p. 11): em relação à hermenêutica, uns conferem às regras uma autonomia e chegam a separar o texto e o contexto do pensamento do seu autor como se o texto tivesse vida independente de quem o produziu. Por outro lado, há quem não creia na existência de qualquer regra válida de interpretação, ou que “interpretação boa é aquela que o Espírito revela no púlpito”; “a letra mata, mas o Espírito vivifica”, dizem eles. Acreditamos que o Espírito Santo é o agente funcional de toda interpretação bíblica genuína. Entretanto, não aceitamos o argumento de que se o Espírito revela o que está no texto, não é necessária uma metodologia para a interpretação e compreensão das Escrituras. A hermenêutica e a teologia são uma para a outra, o que o ouro é para o ourives, e o sol para o dia. Inexistem separadas. A referência à interpretação é porque hermeneutikós significa ‘interpretação’ ou ‘arte de interpretar’ e hermeneutes significa ‘intérprete’. Na cultura romana era chamado de Mercúrio, o deus da eloquência. Já em relação ao tempo dos apóstolos, Dockery, em sua obra “Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja Primitiva”, escreve que estes e os pais da igreja escreviam para suas igrejas e contra seus oponentes, para promoverem o avanço e a defesa da fé cristã na forma por eles interpretada. Embora a articulação de sua fé fosse influenciada pelo contexto – cultura, tradição e pressupostos –, todos partilhavam de uma crença comum: a Bíblia como fonte e autoridade primordial para a fé cristã. 21 Conforme traz o Vademecum, hermenêutica vem do grego hermeneutiké “traduzir”, “interpretar”. Teoria e prática da interpretação de um texto. Nas ciências bíblicas, a hermenêutica, com o auxílio esclarecedor fornecido pela exegese, tem o objetivo de colher o significado profundo de um texto à luz de pressupostos ideológicos diferentes, dependendo da época à qual pertencem, das teologias, dos âmbitos confessionais, das motivações filosóficas ou sociológicas. Atos dos Apóstolos 14.11-15 Ao ver o que Paulo fizera, a multidão começou a gritar em língua licaônica: “Os deuses desceram até nós em forma humana!” A Barnabé chamavam Zeus e a Paulo Hermes, porque era ele quem trazia a palavra. O sacerdote de Zeus, cujo templo ficava diante da cidade, trouxe bois e coroas de flores à porta da cidade, porque ele e a multidão queriam oferecer-lhes sacrifícios. Ouvindo isso, os apóstolos Barnabé e Paulo rasgaram as roupas e correram para o meio da multidão, gritando: “Homens, por que vocês estão fazendo isso? Nós também somos humanos como vocês. Estamos trazendo boas novas para vocês, dizendo-lhes que se afastem dessas coisas vãs e se voltem para o Deus vivo, que fez os céus, a terra, o mar e tudo o que neles há. Para efeito de informação, há materiais que defendem que hermenêutica procede do verbo grego hermeneuein, comumente traduzido por ‘interpretar’ e o substantivo seria hermeneia, significando ‘interpretação’, ‘explicação’. Na Bíblia Sagrada, no Novo Testamento em grego, hermenêutes é ‘intérprete’, exemplo, I Coríntios 14.28 – “Se não houver intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus”. Bentho (2003) apresenta um capítulo sobre a Hermenêutica Bíblica, onde diz que a hermenêutica não é apenas a arte ou a ciência da interpretação de qualquer texto; antes de tudo, é uma ciência que procura também o significado da palavra como evento histórico, social e de vida. O que representa um fóssil para o arqueólogo e paleontólogo, tal é a palavra fossilizada através dos séculos nas Escrituras para o intérprete. Sobre o uso/aplicação da hermenêutica, em outras áreas, sabe-se que na literatura grega se utilizava para conciliar o mito e a filosofia, isso porque os 22 filósofos começaram a ‘interpretar’ a mitologia ao invés de ficarem na leitura literal, haja vista que seria incompatível com o que se propõe na filosofia. No Direito também se faz uso da hermenêutica (jurídica) na busca de se interpretar as leis. A hermenêutica é uma importante ferramenta no esforço do estudioso bíblico que procura com esmero a compreensão dos textos sagrados para compartilhar o significado de uma passagem (perícope); busca perceber, por exemplo, “procurar”, “investigar”, indica tanto o método de exegese quanto a produção literária dele resultante. O midraxe nascido na escola como pesquisa normativa, é chamado midraxe heláquico; o midraxe nascido na sinagoga como comentário edificante de leituras bíblicas litúrgicas é denominado midraxe homilético ou hadágico. São prevalentemente hagádicos também os midraxes exegéticos que comentam de forma continuada um livro bíblico. O midraxe começou a ser posto por escrito no século III D.C., e por mais de um milênio produziu uma vasta literatura de difícil datação e atribuição, devido às inúmeras reelaborações redacionais. À medida que o texto é afetado por qualquer um dos diversos fatos familiares (culturais, históricos) ao escritor, mas, talvez pouco conhecidos pelo leitor. Estes fatos são, por exemplo: O contexto (versículos ou capítulos anteriores e posteriores); O pano de fundo histórico (questões de cultura, hábitos, costumes, questões sociais, políticas, monetárias, religiosas do período, governo); O ensino relacionado com outras passagens bíblicas (coerência); A significação dessas mensagens de Deus conforme se relacionam com os fatos universais da vida humana hoje (sentido para o segundo ouvinte, nós); A relevância dessas verdades para as situações humanas (sociais) exclusivas à nossa contemporaneidade. Precisamos entender que a hermenêutica é uma ferramenta necessária devido aos bloqueios à interpretação natural: distância histórica, cultural, idiomática e filosófica. Nossa postura cultural funciona como uma lente quando lemos a Bíblia. Isto pode causar muitas distorções de sentido. A questão idiomática faz com que a relação entre conceitos e palavras seja diferente de 23 uma língua para outra. A questão filosófica trata da diferença entre a cosmovisão dos autores bíblicos e a do leitor atual. É necessária também para que os ensinamentos bíblicos possam ser aplica dos na atualidade. Para ser útil, o texto bíblico precisa ser lido, compreendido e, então, devidamente aplicado. → Apontam, por exemplo, que uma das características das seitas é que estas não possuem princípios hermenêuticos e interpretam os textos bíblicos conforme suas conveniências. Precisamos estar muito atentos à resistência em relação ao estudo mais apurado e responsável da Bíblia Sagrada;muitos, por pura falta de interesse e preguiça intelectual, outros, por concepções doutrinárias bastante equivocadas que apoiam a sua decisão de não estudar o texto com afinco. Outros apelando para uma espiritualidade bastante contestada, onde se excluem do processo de Cosmovisão é visão do mundo, maneira de entender o universo e as relações entre seus elementos. Não é à toa que estamos rodeados de maus testemunhos, opiniões grosseiras e descabidas, eisegeses que distorcem o texto e revelam interesses escusos e muito distantes da verdade bíblica. Uma verdadeira ignorância. E essa ignorância faz ocorrer alguns erros, como exemplo: 1- Invenção de versículos: nasce da confusão que as pessoas fazem com os ditos populares (ou impopulares) e que pela forma que são ditos e na frequência que são repetidos, sejam versículos bíblicos (algumas destas frases podem até ter um sentido bíblico, mas não são versos bíblicos). Alguns exemplos: Quem não vem por amor, vem pela dor. Na presença de Deus, até a tristeza salta de alegria. Não cai uma folha de uma árvore se Deus não permitir. Deus tarda, mas não falha. Para ilustrar, ministrei uma palavra na igreja da qual faço parte que basicamente falava da importância de se ler a Palavra de Deus diariamente. Na manhã do dia seguinte, numa avenida, encontrei uma pessoa que me reconheceu e me disse que havia estado na reunião da noite anterior e que havia me ouvido ministrar e que já estava fazendo o que eu havia recomendado, ler a 24 Palavra de Deus. Fiquei contente com a fala do homem e agradeci sua visita e que persistisse nas leituras. Não satisfeito, ele me informa que, por exemplo, tinha lido naquela manhã um versículo muito interessante: Nem tudo que reluz é ouro. Falou com tanta convicção que fiquei até confuso por um instante, até que lhe disse: isso não é versículo bíblico, isso é um dito popular, o amigo está confundindo. Ele me ouviu, mas senti que ele achava mesmo que era um versículo. 2- Distorção de versículos: como que uma maléfica e/ou equivocada adaptação do versículo para atender a alguma necessidade da pessoa. Por exemplo, aprendemos muitos versículos por ouvi-los citados por outras pessoas ou através da letra de alguma música. Algumas vezes, os versículos sofrem ligeira alteração para se adequarem à melodia. Com isso, aprendemos um texto que não corresponde ao que a Bíblia diz, e isso pode conduzir a entendimentos incorretos. 3- Isolamento de versículos ou recorte de partes do versículo: em alguns casos, pressa, em outros, má conduta e desrespeito com o texto bíblico, como também dar um sentido que o texto não dá se for lido da forma correta. Quando se tira um versículo do seu contexto, corre-se o risco de colocá-lo numa situação totalmente diversa de onde ele se encontra. Não se considera o salto de tempo histórico, cultura, língua, real intenção, personagens envolvidos, simplesmente se pinça um verso e se faz dele como um mantra, uma afirmação, que neste caso é descabida. Outro grave problema é o recorte aleatório do verso. Infelizmente, muito usado hoje, o recorte da parte A ou parte B ou parte C de um versículo, pois parece que para se falar algo, precisa ser a parte B e não se deve ler a parte A, coisas assim; interessante que o autor inspirado por Deus, escreveu as partes (se é que elas existem) compondo o todo do verso. Exemplo: João 15.7 – Se vocês permanecerem em mim, e as minhas palavras permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e lhes será concedido. Em muitos lugares, esse verso é pregado assim: João 15.7 “parte B” – pedirão o que quiserem, e lhes será concedido. Veja a irresponsabilidade! Gritam a plenos pulmões que você pode pedir o que quiser e será concedido. Sorrateiramente, “escondem” nesse recorte o que 25 na verdade Jesus disse a partir da partícula se, uma conjunção adverbial condicional, ou seja, a tal parte B só ocorrerá se você cumprir a dita parte A que, por algum motivo, não foi pregada. 4- Interpretação livre e momentânea: o desinteresse e/ou desconhecimento das regras e princípios da hermenêutica faz com que muitas pessoas se aventurem/arrisquem de modo perigoso no terreno da interpretação bíblica. Assim, não compreendem de fato a Bíblia Sagrada, mas inventam um sentido para o texto, de acordo com suas ideias e desejos. Muitas vezes colocam o dedo num verso e dali retiram uma série de afirmações sem qualquer critério. A hermenêutica nos permite uma interpretação parametrizada. Os princípios e regras procuram nos impedir de cair no precipício do erro teológico, de “colocar” na boca de Deus, palavras que Ele não disse. Bentho (2003, p. 68) afirma que a finalidade da hermenêutica é muito mais do que interpretação. Sua finalidade é guiar-nos a uma compreensão adequada de Deus através de Cristo, a Palavra Encarnada. As interpretações dos textos do Antigo e Novo Testamentos devem ser o efeito de uma preocupação evangelística e pastoral, mais do que técnica e documental. A hermenêutica deve ser um instrumento que conduza o homem a Deus. Estudar é importante, aprender a aplicar métodos, ferramentas na busca do real sentido/significado do texto bíblico para poder apresentá-lo de forma responsável é fundamental, mas isso vai além de regras e métodos, é crucial que se tenha caráter, caráter cristão, verdadeira intenção de comunicar a Palavra de Deus sem outro objetivo que não seja o de levar as palavras do Senhor aos corações. Muitos sabem bem das metodologias, mas não as administram com a consciência de que estão diante da Palavra de Deus e do povo que Ele quer salvar, consolar, curar, libertar, ensinar. Há vezes que não falta método, falta honestidade, temor a Deus e, com isso, se atrapalha em muito o anúncio do Evangelho. Evangelho este que, como diz sabiamente René Padilla, não é uma verdade abstrata que podemos reservar para a vida privada, mas, sim, a revelação de Deus, que assume forma humana pessoal e comunitária em nossa 26 situação concreta e nos transforma em testemunhas suas em nosso próprio contexto social e até no último lugar da terra. João 1.1-18 1. No princípio era aquele que é a Palavra (Verbo, Logos). Ele estava com Deus, e era Deus. 2. Ele estava com Deus no princípio. 3. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe teria sido feito. 4. Nele estava a vida, e esta era a luz dos homens. 5. A luz brilha nas trevas, e as trevas não a derrotaram. (...) 10. Aquele que é a Palavra estava no mundo, e o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o reconheceu. 11. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. 12. Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu- lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, 13. os quais não nasceram por descendência natural, nem pela vontade da carne nem pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus. 14. Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade. 15. João dá testemunho dele. Ele exclama: “Este é aquele de quem eu falei: aquele que vem depois de mim é superior a mim, porque já existia antes de mim”. 16. Todos recebemos da sua plenitude, graça sobre graça. 17. Pois a Lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por intermédio de Jesus Cristo. 18. Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus Unigênito, que está junto do Pai, o tornou conhecido. 27 HERMENÊUTICA BÍBLICA – MÉTODO E REGRAS Hermenêutica é entendida como a ciência e arte da interpretação. Trata- se de um conjunto de regras e técnicas para a compreensão de textos. Método (na teologia): certos procedimentos, técnicas ou modos de inquirição sistemáticos usados no desenvolvimento de determinada posição teológica.Os tratados de teologia sistemática geralmente apresentam o método teológico nas seções de abertura. Bentho (2003, p. 56-57) traz que método é todo processo racional para se Teologia Sistemática: tentativa de resumir a verdade religiosa ou o sistema de crenças de um grupo religioso (como o cristianismo) por meio de um sistema organizado de pensamento desenvolvido em determinado ambiente cultural ou intelectual. Uma ordem sistemática comum na teologia cristã começa com Deus e sua autorrevelação, seguindo-se a criação e a queda no pecado, a obra salvadora de Deus em Jesus Cristo e por meio dele, o Espírito Santo como agente da salvação pessoal, a igreja como comunidade redimida do povo de Deus e finalmente o objetivo do programa de Deus, conduzindo ao final dos tempos, à volta de Cristo e à eternidade. Interpretar a Bíblia sem olhar a realidade da vida é o mesmo que manter o sal fora da comida, a semente fora da terra, a luz debaixo da mesa; é como o galho sem tronco, olhos sem cabeça, rio sem leito. Em hermenêutica, refere-se às regras ou técnicas usadas para chegar ao conhecimento do significado original do texto. Para que o método seja útil e aconselhável, não basta que indique qualquer caminho; é preciso que indique aquele que melhor e mais satisfatoriamente conduza ao fim que se tem em vista. Método, então, é a maneira de proceder. Metodologia, entretanto, é uma indicação do método. Metodologia exegética é o conjunto de procedimentos científicos colocados em ação para explicar os textos. Diferencia-se das “abordagens” que são pesquisas e orientadas segundo um ponto de vista particular. Quando fazemos exegese, usamos sempre um método que orienta a pesquisa e o modo de proceder. Entre os principais métodos hermenêuticos ou exegéticos encontram-se o histórico-crítico, o estruturalista e o fundamentalista. 28 Além desses métodos, encontramos abordagens distintas aplicadas às Escrituras: sociológicas, antropológicas, psicológicas e psicanalíticas. A hermenêutica, como disciplina geral do conhecimento, é uma ciência que se ocupa do estudo da compreensão, sendo essencialmente a ciência da compreensão de textos. Mas não se aplica somente a estes, pois transcende as formas linguísticas de interpretação. Os seus princípios se aplicam não somente a textos literários, teológicos, bíblicos, filosóficos, linguísticos ou jurídicos, mas também a obras de arte e ao viver cotidiano. Desse modo, a hermenêutica propõe-se a postular métodos válidos de interpretação. Conceitua Bentho (2003, p. 57-58) um método como todo processo racional usado para se chegar a determinadas conclusões válidas. Em hermenêutica, refere-se às regras ou técnicas usadas para chegar ao conhecimento do significado original do texto. Vale aqui relembrar a afirmação de Bosch, quando escreve que é uma ilusão acreditar que podemos chegar até um evangelho puro, não afetado por quaisquer acréscimos culturais ou outros. Inclusive na mais antiga tradição de Jesus, os ditos de Jesus já eram informações sobre Jesus. E se isso é verdadeiro para a fé cristã em sua fase inicial, certamente deve sê-lo ainda mais para os períodos subsequentes. Ninguém recebe o evangelho de maneira passiva; cada qual, naturalmente, reinterpreta-o. Não existe, deveras, conhecimento algum em que a dimensão subjetiva não esteja presente de uma ou outra forma. Essa circunstância não é algo que devamos lamentar; trata-se de uma característica inerente à fé cristã, porque concerne à Palavra encarnada. UM MODELO DE ESTUDO HERMENÊUTICO É necessário que o estudante das Escrituras procure descobrir o significado do texto que está examinando, a fim de saber exatamente sua significação. Para isso, é necessário verificar os vários componentes envolvidos na hermenêutica: autor, texto e leitor/estudante. O autor como elemento determinante do significado: esse é o método mais tradicional para o estudo da Bíblia. O significado é aquele que o 29 escritor, conscientemente, quis dizer ao produzir o texto. É importante verificar o que o autor disse em outro escrito. O texto como elemento determinante do significado: alguns eruditos afirmam que o significado tem autonomia semântica, sendo completamente independente do que o autor quis comunicar quando o escreveu. De acordo com esse ponto de vista, quando um determinado escrito se torna literatura, as regras normais de comunicação não mais se lhe aplicam, transforma-se em texto literário. O que o texto está realmente dizendo sobre o assunto? Graças a um imenso esforço de muitas pessoas ao longo dos últimos três séculos, temos, hoje, à disposição, uma vasta bibliografia especializada em diversas áreas do estudo da Bíblia. Gramáticas e livros-texto para o aprendizado das línguas bíblicas, léxicos e dicionários teológicos de grego, hebraico e aramaico; séries de comentários exegéticos, literários, sociológicos, homiléticos, feministas etc.; compêndios de arqueologia bíblica, história de Israel, história do período do Novo Testamento; introduções ao Antigo e ao Novo Testamento; manuais sobre formas literárias da Bíblia; manuais de crítica textual, de metodologia exegética e muito mais. Graças a essa biografia, nosso trabalho de interpretação fica bastante facilitado, pois muitas questões já foram resolvidas por estudiosos. Ao mesmo tempo, porém, precisamos tomar cuidado com a maneira pela qual usamos essa biografia. Ela não pode substituir o trabalho de análise cuidadosa e interpretação do texto bíblico; antes, deve servir de auxílio, e não de guia, à nossa interpretação. O leitor como elemento determinante do significado: segundo essa perspectiva, o que determina o significado é aquilo que o leitor compreende do texto. Em verdade, o leitor atualiza a interpretação do texto. Explicando melhor. Os leitores distintos encontram diferentes significados, isso porque o texto lhes concede essa multiplicidade. O que o leitor pensar é relevante? Isso poderia influenciar o sentido do texto? Se compreendermos que há diferença de interpretação entre um leitor crente e um leitor ateu, a resposta é sim! Contudo, é necessário que o leitor esteja em condições de entender o texto. Ao verificar como as palavras são usadas nas frases, como as orações são empregadas nos parágrafos, como os parágrafos se ajustam aos capítulos e como os 30 capítulos são estruturados no texto, o leitor procurará compreender a intenção do autor. O texto, em sua íntegra, ajudará o leitor a compreender cada palavra, individualmente. Assim, as palavras, ou o conjunto de palavras, ajudam a compreender o todo. Definição de regras: uma utilização equivocada das ferramentas da hermenêutica resultará em confusão e desvio. Ou seja, resultará em heresia. O que está envolvido no processo de interpretação? Que padrão termino lógico o autor utilizou para dar significado ao texto? Que implicações se enquadram legitimamente no padrão por ele pretendido? Que significação atribui o leitor ao texto? Qual é o assunto do texto? Que compreensão e interpretação o leitor terá? Se as normas da linguagem devem ser respeitadas, que possibilidade de significados é permitida pelas palavras de um texto? Foi reconhecido o gênero literário? As respectivas regras que o governam estão sendo obedecidas? O contexto prevê o significado dos objetos literários encontrados no texto? Significado: o autor pretendia comunicar suas informações. Valeu-se, então, de um código de linguagem para transmitir sua mensagem. O significado não pode ser alterado, pois o autor, levando em consideração suas possibilidades de interpretação, submeteu-se conscientemente às normas de linguagem com as quais o leitor está familiarizado. Da mesma maneira, os textos produzidos pelos autores das Sagradas Escrituras, movidos pelo Espírito Santo, têm implicações que abrangem osignificado específico que eles, conscientemente, procuraram transmitir. Isso é razoável, uma vez que o leitor deverá compreender a linguagem utilizada. Implicações: as implicações ultrapassam os significados originais. O autor não estava ciente das novas circunstâncias. Apesar disso, elas se enquadram legitimamente no padrão de significado pretendido pelo autor. Em Gálatas 5.2, lemos: “Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará”. O significado específico está bem claro. Se os cristãos da Galácia cedessem às pressões dos judeus e se submetessem à circuncisão, estariam renunciando à fé, recusando a graça de Deus em Cristo e procurando, consequentemente, 31 estabelecer uma relação diferente com Deus, baseada em suas próprias obras. Interpretação: refere-se ao modo como o leitor/estudante responderá ao significado de um texto. Um cristão atribuirá, naturalmente, interpretação positiva às implicações do texto; um descrente, pelo contrário, atribuirá interpretação negativa. Mesmo no grupo de discípulos cristãos, as aplicações de um mesmo texto poderão ser diferentes: a grande comissão, em Mateus 28.18,19, pode ser interpretada como uma ordem para se tornar um missionário em terra distante, um mantenedor, um pioneiro no próprio país, um pastor local ou, quem sabe, como um incentivo ao professor de uma classe de Escola Dominical. Mas todas, apesar de diferentes, são respostas às implicações legítimas do significado do texto. O assunto do texto: qual é o assunto do texto a ser considerado. Em Gênesis, temos a história da criação; em Juízes, a história política; em Salmos, a poesia hebraica; em Provérbios, a sabedoria prática; e, nos Evangelhos, a vida e ministério de Jesus. Devemos discernir qual é o objetivo específico do escritor. Compreensão e interpretação: a compreensão refere-se ao entendimento correto do significado pretendido pelo autor. Já que há apenas um significado, todo aquele que o entender terá a mesma compreensão do autor. Algumas compreensões podem ser mais completas do que outras, devido à maior percepção das várias implicações envolvidas. Como expressar essa compreensão? Existe um número infinito de formas de expressá-la. Por exemplo: o Senhor Jesus, ao ensinar sobre a chegada do reino de Deus, valeu- se de várias parábolas. Alguns intérpretes alegam que não existe sinônimo perfeito. Ainda assim, um autor, com o propósito de evitar o desgaste de vocabulários já empregados, pode, conscientemente, desejar usar outros com o mesmo sentido. Isso porque o uso de sinônimos é previsto pelas normas da linguagem, as quais admitem também uma extensão de possíveis significados para a mesma palavra. Há dois princípios para orientar o trabalho de tradução: palavra por palavra e pensamento por pensamento. A dificuldade do primeiro é que, em idiomas e culturas diferentes, nem sempre os vocábulos têm a mesma 32 exatidão. O segundo também apresenta suas dificuldades. Isso fica evidente quando procuramos determinar como um autor usa os mesmos termos em lugares diferentes com o mesmo significado. O valor de equivalência na tradução fica muito mais comprometido do que no propósito de comparar outras passagens nas quais o autor bíblico usa as mesmas palavras com o mesmo significado. Normas de linguagem: as normas de linguagem tentam especificar a extensão de significados permitidos nas palavras de um texto. O termo fé, por exemplo, possui ampla extensão de significados no Novo Testamento. Em certos contextos, pode ser “mera aceitação mental de um fato”; em alguns, “confiança plena”; ou ainda em outros, “um conjunto de crenças”. O que não pode, no entanto, é significar algo incompatível com o contexto, quando, por exemplo, o texto ou contexto está falando do ritual do batismo. Felizmente, as normas de linguagem limitam o número de possibilidades, de modo que apenas uma delas terá o significado que interessa ao autor. Por isso o autor bíblico se manteve cuidadosamente dentro desses limites, a fim de ajudar seus leitores a compreenderem sua mensagem. O contexto é fundamental para reduzir os significados possíveis a apenas um significado específico. Reconhecendo o gênero literário: quais são os gêneros literários usados pelo autor? A Bíblia apresenta diferentes gêneros. Obviamente, como os escritores da Bíblia tinham por finalidade compartilhar o significado do que escreviam, submeteram-se às convenções literárias de seu tempo. Se o leitor/estudante não ponderar esse fato, ser-lhe-á impossível a compreensão do significado. Contexto: o contexto facilita a compreensão do significado pretendido pelo autor. Devemos entender o contexto literário como sendo aquilo que o autor procurou dizer com os símbolos utilizados antes e depois do texto em questão. Portanto, quando nos referimos ao contexto, aludimos. Contexto: inter-relação de circunstâncias que acompanham um fato ou uma situação. Conjunto de palavras, frases, ou o texto que precede ou se segue a determinada palavra, frase ou texto, e que contribuem para o seu significado; encadeamento do discurso, ambiente em torno. Conjunto de condições de uso da língua, que envolve, simultaneamente, o comportamento linguístico e o social, e é constituído de dados comuns ao emissor e ao receptor o padrão de 33 significado compartilhado pelo autor nas palavras, orações, parágrafos e capítulos presentes no texto. O Espírito Santo e a interpretação bíblica: a Bíblia, como produto da inspiração divina, é a Palavra de Deus e revela aquilo em que os cristãos creem (regras de fé) e como devem viver (regra de prática). Os termos infalibilidade e inerrância são frequentemente usados para descrever a fidedignidade da Bíblia. Tudo quanto os autores desejavam transmitir, quanto aos assuntos de fé (doutrina) e prática (ética), é verdadeiro. O termo inerrância significa que tudo quanto está escrito na Bíblia (informações históricas, geográficas, científicas etc.) corresponde à verdade e não pode induzir ninguém ao erro. No encerramento deste tópico sobre a Hermenêutica, trazemos como informação alguns tipos de Hermenêutica (há outros que não apresentamos aqui). A história da interpretação bíblica apresenta quatro tipos principais de hermenêutica: Literal, Moral, Alegórica, Anagógica (ou puramente espiritual). Recorremos ao artigo Hermenêutica Religiosa para compor este tópico, como segue: A interpretação literal associa-se com a convicção segundo a qual não só a mensagem divina, como também cada uma das palavras que constituem a Bíblia são de plena inspiração divina. Como crítica à forma extrema desse tipo de hermenêutica, pode-se dizer que ignora as evidentes diversidades de estilos e vocabulário dos diversos autores bíblicos. Tomás de Aquino, Martinho Lutero e Calvino foram partidários da hermenêutica literal. A interpretação moral busca estabelecer os princípios exegéticos mediante os quais se podem extrair as lições éticas da Bíblia. Associa-se, com frequência, à alegórica. Assim, por exemplo, a Carta de Barnabé, escrita aproximadamente no ano 100 da era 34 cristã, considerava que a proibição bíblica de comer a carne de certos animais referia-se principalmente aos vícios simbolicamente representados por eles. A interpretação alegórica busca na narração bíblica um segundo nível de referência, além das pessoas, coisas e acontecimentos explicitamente narrados no texto. O grande impulsor desse tipo de interpretação foi o teólogo cristão Orígenes (século III), que elaborou um sistema teológico e filosófico a partir das palavras da Bíblia. A interpretação anagógica ou mística, essencialmente espiritual, pretende explicar os acontecimentos bíblicos como signos prefiguradores dos últimos fins da criação. Exemplo característicoseria a cabala judia, que procurava descobrir o significado místico das letras e palavras hebraicas. Há, também, a Hermenêutica Filosófica, Jurídica e da Suspeita, como segue: Filosófica: A partir do método compreensivo inaugurado em história e sociologia por Wilhelm Dilthey e Max Weber, deu- se uma intensa discussão sobre o problema da compreensão em geral, seja como base para a pesquisa em história e ciências humanas, seja como problema filosófico. Para Dilthey, a hermenêutica não é apenas uma técnica auxiliar para o estudo da história da literatura, mas um método de interpretação baseado no conhecimento prévio dos dados históricos, filológicos e de outras índoles da realidade que se tenta compreender. A hermenêutica, baseada na consciência histórica, permitiria compreender um autor melhor que ele próprio se compreendia e uma época histórica melhor que os que nela viveram. Hermenêutica jurídica: F. K. Von Savigny recomendava que se usassem juntos os vários critérios de interpretação da lei: gramatical, histórico, lógico e sistemático. Rudolf Von Ihering 35 foi mais além e acentuou a finalidade da lei. Cumpre, antes de qualquer providência, definir os termos. Assim, o exame da letra da lei é o primeiro passo para seu bom entendimento. Feita a interpretação lógica, busca-se o alcance efetivo da proposição. A interpretação sistemática, defendida pela escola de Hans Kelsen, deriva da unidade da ordem jurídica: não há norma isolada ou solta, e uma norma não pode estar em contradição com outra. A pesquisa histórica não busca a vontade histórica do legislador, mas sua última vontade notória, que é a lei. A lei aplicar-se-á segundo as novas circunstâncias. Enfim, como a regra se define pelos fins colimados, há que descobrir o espírito da lei. O componente teológico, ou seja, aquele que diz respeito ao argumento, conhecimento ou explicação que relaciona um fato com sua causa final, completa a hermenêutica. Hermenêutica da Suspeita: expressão usada pela primeira vez pelo filósofo francês Paul Ricoeur, referindo-se à prática de interpretação que se aproxima do texto com perguntas ou “suspeitas” sobre a sua veracidade ou confiabilidade. Inversamente, a hermenêutica da suspeita permite que o texto coloque em questão as suposições e a cosmovisão do leitor. A exegese e hermenêutica bíblicas tomaram novo rumo no século XX, com William Wrede e Albert Schweitzer, que deram ênfase à escatologia do Novo Testamento. C. H. Dodd promoveu o movimento conhecido como “teologia bíblica”. Karl Barth, com seus comentários a Paulo, lançou uma interpretação existencial do Novo Testamento, radicalizada depois por Rudolf Bultmann, sob influência de Wilhelm Dilthey e de Martin Heidegger. Bultmann e Dibelius são, talvez, os principais responsáveis pelo moderno estudo crítico do texto dos Evangelhos, aplicado, com o mesmo êxito, ao Antigo Testamento, por Hermann Gunkel e Sigmund Morwinckel. Na França, os estudos da hermenêutica receberam grande impulso por parte do cardeal Jean Danielou e dos dominicanos da Escola Bíblica e Arqueológica. O Concílio Vaticano II incentivou vigorosamente a hermenêutica católica, recomendando que se 36 fizesse em associação com os “irmãos separados”, o que abre novo horizonte à exegese e hermenêutica bíblicas. O estudo da Bíblia (Antigo Testamento, ou Bíblia Hebraica, e Novo Testamento) possui longa tradição, tanto nas denominações cristãs, como judaicas. Na Antiguidade, Filo de Alexandria (25 a.C-50 d.C) representa bem uma vertente judaica de interpretação, ancorada na Filosofia grega. Os comentários em hebraico ou aramaico constituíram o midrash composto pela Mishná, pelos Talmudes de Jerusalém e da Babilônia e o Midrash Aggadá, todos de época clássica, complementados pelos escritos pós-clássicos e tardios. O Midrash, enquanto categoria propriamente judaica de interpretação pode ser definido como um “exame, interrogação” (derivado da raiz daroch). O Midrash é, pois, uma exploração da letra do texto, a buscar um pretexto para a reflexão, uma leitura infinita. As modalidades de procedimentos metodológicos são a mahloquete (diálogo entre mestres, a intersubjetividade) e a guezerá chava (analogia semântica ou intertextualidade). A exegese retorna ao texto, dando ao texto bíblico sua própria autonomia ao livrá-lo de seu contexto histórico original. A partir das alusões (remazim) visa a prescrição (halakha). A aggada, produto da Palestina (eretz Israel) baseia-se na petiha (abertura) e utiliza-se, amplamente, do jogo de palavras entre o hebraico da Bíblia e o aramaico, como no caso do Bereshit (Gênesis), palavra inicial que significa “no início”, interpretada como “bara chit”, “criou seis”, em aramaico (FUNARI, 1999). Também os cristãos, já no início do segundo século d.C., começaram a estudar os textos do que viria a ser o Antigo Testamento e, aos poucos, também do Novo Testamento. Este movimento tomou corpo e, no século IV, quando do fim da perseguição aos cristãos, multiplicaram- se os estudos exegéticos e as interpretações, tanto a partir dos idiomas originais, como, principalmente, a partir das versões, primeiro em grego, depois em latim. Agostinho de Hipona foi um dos mais influentes comentadores cristãos. Pelos séculos posteriores, tanto os cristãos a ocidente, em latim, como a oriente, em grego, assim como os judeus, continuaram a produzir comentários, sempre a partir de perspectiva teológica e mesmo apologética. Foi apenas com o Iluminismo, no século XVIII, que começaram a surgir perspectivas diversas, menos centradas na correta interpretação, de acordo com 37 o dogma, e isso se deu em um contexto de mudanças sociais, econômicas e culturais que estão conosco até hoje. Por um lado, a industrialização levou à urbanização e a uma preocupação com a explicação racional do mundo e com a experiência empírica. Por outro, a estrutura social fundada na ordem cósmica de fundo religioso foi questionada. As monarquias de direito divino e as ordens sociais estamentais (nobres e plebeus) fundadas na ordem religiosa do mundo foram colocadas em cheque, com o surgimento do estado nacional moderno, baseado na cidadania e no compartilhamento de valores. O estado nacional moderno burguês dependeu, assim, de uma nova compreensão do mundo: racional, experimental, laica. O Iluminismo esteve na raiz do estudo da Filologia, o conhecimento racional dos idiomas, com a busca das origens das palavras e estruturas, assim como das inter-relações entre línguas vivas e mortas. Surgia o conceito de ramos linguísticos, com a definição dos idiomas indo-europeus, que incluem o latim e o grego, e os semitas, que abrangem o hebraico e aramaico. Esta visão iluminista viria a difundir-se no século XIX e atingir, de forma contundente, o estudo dos textos religiosos, em geral, e bíblicos, em particular. Na raiz da moderna exegese bíblica está, portanto, um distanciamento da leitura crente da Bíblia, uma perspectiva racional do texto bíblico, como já estava em Spinoza (1632-1677). Por isso mesmo, houve e há teólogos católicos, protestantes e judeus que a criticaram por essa abordagem despreocupada com crença. Contudo, muitos estudiosos rejeitaram essa dicotomia, proveniente do embate, à época iluminista, entre fé e razão e consideram que uma exegese bíblica fundada na razão não invalida a crença, posição que adotamos por dois motivos. Em primeiro lugar, do ponto de vista antropológico, a contraposição entre razão e fé é enganosa. O simbolismo está presente no ser humano desde seus primórdios nas cavernas e continua a estar na raiz do mundo atual. Alguns dirão que o humano define-se pela memória dos antepassados, representada nos enterramentos, rituais funerários e na rememoração dos falecidos. Mesmo os sistemas sociais fundados no ateísmo perpetuaram a memória delíderes falecidos, em alguns casos, como na Coréia do Norte, até mesmo com a consideração que os mortos estão vivos. Em seguida, e não menos importante, a presença do sagrado no mundo contemporâneo, 38 em diversas formas, continua intensa, ainda mais no Brasil e uma perspectiva humanista e simbólica, fundada na exegese moderna, permite uma vivência mais rica e aberta à diversidade de comportamento do que uma abordagem pouco atenta ao estudo do texto bíblico. ESCRITA E ORALIDADE Antes de serem escritos, muitos relatos pertenciam à tradição oral. A fixação por escrito é apenas parte de um processo mais amplo, pois um novo contexto é sempre ocasião para a releitura e a reelaboração de um texto do passado. Muitas vezes, o próprio texto oferece indícios que permitem reconstruir as etapas da redação que hoje possuímos. A ciência bíblica desenvolveu certos critérios, a fim de refazer o caminho que o texto percorreu até chegar às nossas mãos. O resultado desse trabalho de reconstrução é encontrado nas chamadas “edições críticas”. São edições dos textos do Antigo e do Novo Testamento (em hebraico, em grego, em aramaico e, ainda, em latim) que trazem, no rodapé, o “aparato crítico”. Nas margens laterais, encontram-se outras observações e anotações a respeito do texto. Para economizar espaço, quase todas as informações do aparato crítico e das margens estão abreviadas ou codificadas em símbolos, cuja decodificação encontra-se nas introduções e nos apêndices de cada edição crítica. A Bíblia é um livro de difícil compreensão. Para um mesmo texto, surgem muitas interpretações, algumas legítimas, outras questionáveis, outras descartáveis. Tudo depende do modo, ou melhor, do método com que se lê a Bíblia. Com efeito, não basta um único método de leitura para esgotá-la. Ela nos reserva sempre uma novidade, uma surpresa, um horizonte novo. A importância da exegese bíblica, para não dizer de sua necessidade, reside no fato de que ela possibilita uma compreensão mais precisa do sentido de um texto bíblico, e, por conseguinte, fornece bases para uma construção teológica e histórica melhor fundamentada. Um texto tem longa e complexa história de transmissão: cópias, versões, citações, edições que envolvem inúmeros problemas (mudanças 39 intencionais e não intencionais, adaptações culturais e releituras, imprecisões, decisões editoriais). Daí a importância e a necessidade da atitude crítica diante do texto. A EXEGESE MODERNA E A SUPERAÇÃO DAS BARREIRAS DE LEITURA DO TEXTO BÍBLICO O início da exegese moderna se deu a partir do século XVII. Mas foi na virada do século XIX para o século XX com a filosofia hermenêutica de Wilhelm Dilthey, Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer que provocaram mudanças na exegese, de modo especial, pela nova maneira de se compreender a relação entre do autor, o texto e o leitor. Na sequência, vieram os trabalhos exegéticos de Karl Barth e de Rudolf Karl Bultmann. Ambos recolocaram a questão hermenêutica, mas cada um a seu modo. Barth se perguntava sobre o significado do texto bíblico para o homem moderno. Já Bultmann dizia que a linguagem dos autores bíblicos tinha deixado de ser compreensível. Era uma linguagem mítica e o homem moderno tinha adquirido uma visão científica do mundo. Era, pois, preciso retraduzir aquela linguagem nesta outra para que o texto bíblico voltasse a ter sentido. Pela mesma via, mas em sentido contrário, foram os trabalhos de Paul Ricoeur, para quem a linguagem simbólica da Sagrada Escritura precisava ser reinterpretada, não, porém, substituída (GRECH, 2005, p. 48-9). O século XX foi profundamente frutuoso e questionador no que se refere à interpretação bíblica: muitos métodos surgiram, firmaram-se, foram superados e/ou redefiniram seus pressupostos e seus objetivos com muitos manuais publicados na Europa e na América do Norte. Na América Latina e Caribe a leitura da Bíblia está vivendo um colorido de perspectivas (REIMER, 2006, p. 20). Durante as últimas décadas, a leitura popular da Bíblia tem destacado a importância central dos pobres dentro deste conjunto de textos, as preocupações emergentes como pobreza, desemprego, desigualdades sociais, bem como as situações e os desafios de ordem mundial (nova situação da mulher, novas tecnologias, busca da 40 superação de preconceitos raciais e religiosos), acabaram também condicionando nova postura diante do texto bíblico, que é visto, cada vez mais, como paradigma para a caminhada do povo de Deus. A leitura da Bíblia a partir dos pobres e marginalizados, a leitura orante, eclesial, pastoral ecumênica e também certa reserva em relação aos métodos que se preocupam com o texto bíblico enquanto texto fez surgirem “novas formas de interpretar a Bíblia e novas teologias” Podem-se destacar algumas barreiras para a interpretação bíblica, contudo, estas são suficientes ao menos para demonstrar o problema da sua interpretação e a consequente necessidade de uma Metodologia de interpretação que ajude a transpor cada um destes obstáculos. Pois parece, pela natureza intrínseca da própria Escritura, que sem a aquisição de pré-requisitos históricos e literários, relacionados à formação da bíblia, não será possível uma interpretação mais bem fundamentada. E é para a “solução” desse problema hermenêutico que surge a Exegese como uma ferramenta indispensável para uma melhor interpretação do texto bíblico. A primeira barreira com a qual se depara quando se pretende interpretar a Bíblia é a barreira histórica. Ou seja, a Bíblia foi escrita ou formada em circunstâncias e épocas totalmente distantes e diferentes da nossa realidade. A Bíblia é um livro histórico, nascido e configurado dentro de matizes históricas específicas. Seu contexto histórico e destinatários originais são muitas vezes desconhecidos quanto a sua natureza e problemáticas peculiares. Em outras palavras, a Bíblia não foi do ponto de vista histórico, escrita para nós hoje do século XXI. Há um grande abismo histórico e cronológico entre nós e os antigos autores bíblicos. A Bíblia é histórica, nasceu na história, pela história e para a história. Portanto, toda leitura bíblica precisa ser uma leitura histórica. Se não se apreende a cosmovisão, Weltanschauung, do período histórico em que a Bíblia nasceu e se formou corre-se o risco de não compreendê-la de maneira refletida. A segunda barreira que se depara é o que se pode chamar de barreira sociocultural. Esta diz respeito ao mundo social, econômico, político e religioso em que se formou a Bíblia. É sabido que a Bíblia se originou na estrutura sociocultural do Antigo Oriente Próximo, mais em particular na Sírio-Palestina, mas também nas regiões circunstantes, como a 41 Mesopotâmia e o Egito, como seu cenário geográfico principal. As diferenças culturais entre Ocidente e Oriente são gigantescas. Estando diante de uma literatura antiga emoldurada dentro de um contexto judaico-helenista com suas mais ricas peculiaridades. A ignorância quanto às estruturas sociais e culturais da época e ambiente onde nasceu a Bíblia torna totalmente inviável qualquer aproximação à sua interpretação. Tem-se ainda uma terceira barreira quando se pretende interpretar a Bíblia. Trata-se da barreira linguística, ou seja, o problema da linguagem peculiar da Bíblia. A Bíblia não foi escrita em nosso idioma, mas em três línguas antigas, a saber, o Hebraico, o Aramaico, línguas semitas, e o Grego, de outro ramo, o indo-europeu. Fato este que dificulta a tradução, pois muitas vezes não há em nossa língua palavras adequadas para traduzir expressões específicas. Para sanar essas barreiras, muitos métodos surgiram e têm sido usados como ferramentas de interpretação de um texto bíblico. Os mais importantes historicamente são o alegórico e o histórico-gramatical, conhecido comométodo de análise literária. Esses dois podem ser utilizados mais facilmente, mas também podem se tornar extremamente complexos e especializados. O MÉTODO HISTÓRICO CRÍTICO Paralelamente a esses métodos, nos últimos tempos, surgiu também o Método Histórico Crítico (MHC). O MHC depende fundamentalmente da identificação do gênero literário de uma unidade textual. Daí a importância em se compreender bem o que é gênero literário (BERGER, 1998, p. 14). Foi desenvolvido, sobretudo pela exegese alemã protestante e foi visto, de início, com certa desconfiança por estudiosos católicos. Atualmente, este método continua sendo largamente empregado a ponto de se poder dizer que ele constitui uma aquisição da exegese bíblica por toda parte. São várias as etapas do trabalho com MHC e muitos passos importantes para se fazer uma exegese (WEGNER, 2001, p. 70). 42 O MHC não é o único que há, mas é, no mínimo, um ponto de partida e não deve ser rejeitado. O MHC investiga o contexto histórico no qual um texto surgiu: quando foi escrito, se existe uma pré-história do texto e uma história redacional. Um texto pode ter sido criado quando foi escrito, ou pode ter uma pré-história: uma tradição oral que o precede. Há algum tempo, dava-se uma importância muito grande à tradição oral. Hoje, percebe-se melhor que muitos textos nasceram já como obras literárias escritas e não remontam ao que se possa saber, a uma tradição oral anterior. Por outro lado, também é certo que no Oriente Antigo, como em muitos povos em que a escrita é o privilégio de uma elite, a transmissão oral desempenhou um papel significativo na transmissão da cultura. Uma tradição oral, por sua vez, pode remontar a um acontecimento histórico e/ou a lendas. O mais provável é que ela misture tudo. No decurso da transmissão oral a própria tradição vai sendo reelaborada. Detalhes podem desaparecer, nomes de personagens e de localidades podem sumir ou serem transformados, novas chaves interpretativas podem ser introduzidas (WEGNER, 2001, p. 69-83). Não obstante, a exegese bíblica utilizando o MHC apresenta algumas vantagens pelo fato de dar uma grande contribuição ao colocar o estudo da Bíblia dentro de uma discussão “secular”; ainda permanece sendo um referencial metodológico útil e mesmo indispensável, ao qual muito se deve na história da exegese e do qual ainda muito se pode receber. Graças a ele, sabe-se hoje o valor da identificação dos gêneros literários dos textos bíblicos, de suas fontes, das tradições que a eles subjazem, do longo e complexo processo de formação e composição das unidades textuais, dos livros, dos corpora literários e da Bíblia como um todo; ele ajuda a colocar em perspectiva as interpretações, pessoais e de outros; ele não se permite instrumentalizar o texto ao bel-prazer, lendo-o de maneira seletiva e arbitrária, sem consideração para com seu contexto e propósito originais; ele permite ver melhor a diversidade de teologias que há na Bíblia, sem que isso implique prejuízo para sua unidade. No entanto, ele alerta para o fato de que não se deve buscar uma harmonização a qualquer custo dessas diferenças pela eliminação de toda tensão e conflito 43 entre as variadas perspectivas teológicas recolhidas nas Escrituras Sagradas; ele leva a sério a humanidade dos autores bíblicos em sua condição de testemunhas da revelação divina e o fato de que essa revelação fora percebida e refletida dentro de situações históricas bem concretas e definidas. Outra vantagem que pode ser destacada é o fato de que o MHC lança mão das investigações de outras ciências como: 1. A Arqueologia. Esta ciência desenvolveu-se muito nos últimos tempos. A partir da própria experiência dos arqueólogos, novos métodos de escavação foram aparecendo. No início, a arqueologia trabalhava a partir do dado bíblico. Esta época foi importante para os estudos bíblicos. Atualmente, a arqueologia se emancipou e já não trabalha mais a partir da Bíblia. Alguns dados apresentados pela Arqueologia, inclusive, questionam informações dadas pela Bíblia e antes vistas como absolutamente seguras. 2. Antropologia: Esta abordagem relaciona-se estreitamente com a sociológica, mas está interessada em um conjunto mais amplo de fatores da vida humana e comunitária: linguagem, arte, religião, vestuário, costumes folclóricos (celebrações, danças, festas), mitos e lendas. A abordagem antropológica analisa as diferenças entre a vida urbana e a rural e os valores cultivados em diversos tipos de sociedade. Também estuda fatores da existência humana como honra e vergonha, educação e escola, família e lar; as relações entre homem e mulher, patrões e empregados. 3. Sociologia: A bíblia reflete várias sociedades humanas, ambientes diferentes e condições sociais diversas. Assim, o texto bíblico tem traços do complexo social em que nasceu e requer análise sociológica acurada. Nos últimos vinte e cinco anos, entretanto, a abordagem sociológica da Bíblia vem despertando 44 renovado interesse, e sua contribuição tem sido importante aprimoramento do método histórico-critico. Esta abordagem amplia a iniciativa exegética em muitos pontos (WEGNER, 1998). 4. A análise comparativa com outros documentos do Oriente antigo: é impossível negar que haja algumas ideias mestras que perpassam os textos religiosos do Oriente antigo. Temas como a criação do mundo e da humanidade, o dilúvio e as migrações de povos são comuns nestes textos. Duas grandiosas descobertas de manuscritos antigos em tempos modernos abriram perspectivas inteiramente novas para os estudos neotestamentários: uma em 1945, no Egito, chamada de Biblioteca Copta de Nag Hammadi (POIRIER; MAHÈ, 2006) e outra em 1947, na Palestina, em cavernas a oeste do Mar Morto, são os chamados Manuscritos do Mar Morto ou Documentos de Qumran (MARTINEZ, 1994, p. 15-29). 5. A anál ise comparat iva dos arquivos histór icos: a Bíbl ia relata alguns fatos que se inscrevem na histór ia do Ant igo Oriente e nos quais entram em cena outros povos. Isto f icou claro com as descobertas arqueológicas e a consequente publ icação do Ancient Near Eastern Texts Relat ing to the Old Testament with Supplement, editado por James B. Pr itchard (1969), com sua coletânea r iquíssima. A questão aqui é a de se interrogar se, entre estes povos, f icou algum registro desses fatos. Enf im, o método histór ico-crít ico procura determinar o contexto histór ico no qual um texto possa ser s ituado. Esta questão é de extrema importância, uma vez que é mais importante o contexto histór ico no qual um texto foi produzido do que o (suposto) contexto histór ico ao qual se refere. Para responder a esta questão, é preciso invest igar se o própr io texto 45 não deixa transparecer – nas entrel inhas – a época em que foi escr ito. CRÍTICAS E LIMITES DO MÉTODO HISTÓRICO CRÍTICO O MHC mostra assim, sua grandeza e complexidade, apresenta diversas vantagens como descritas, mas não se pode deixar de destacar também algumas características foram criticadas, tais como: o academicismo; a arrogância diante de outras leituras; o reducionismo historicista; a despreocupação para com a aplicabilidade prática das pesquisas, ou seja, relega ao passado os livros bíblicos fazendo com que a Bíblia pareça mais uma obra do passado a ser objeto de estudos que um livro capaz de iluminar o presente, a vida, o cotidiano das pessoas. Formou- se muita cultura bíblica interessante, mas sem influência no cotidiano; ele é um método que se preocupa mais com o contexto do que com o texto em si. Os principais argumentos críticos podem ser resumidos a três pontos centrais: 1°. Na origem, o método nasce de um pré-juízo – típico do romantismo alemão – de que o que é o mais antigo é sempre melhor. Ao se identificaras camadas redacionais de um texto, corre-se o risco de se valorizar apenas a camada mais antiga, esquecendo-se que acréscimos ou mudanças inseridas num texto também fazem parte do texto que, em seu conjunto, é identificado como Sagrada Escritura. Do ponto de vista histórico, cultural e simbólico, as interpretações das diversas épocas, inclusive atuais, são também relevantes e dignas de estudo e mesmo aprendizado; 2° O MHC não se tornou popular. A maioria do povo continua a fazer uma leitura literal ou metafórica do texto bíblico. Para muitos, o Deus reconstituído pela exegese que se revela na Bíblia não é o mesmo Deus da história, da vida, das ideias, dos mitos, mas é um Deus alheio aos 46 acontecimentos. Também aqui, a vivência quotidiana das pessoas não precisa coincidir com as reconstituições exegéticas, mas pode por elas serem anda incrementadas; 3° O MHC nasce da separação entre leitura exegética e leitura espiritual que este tipo de método pode favorecer. Ele também deixa a impressão de que apenas o especialista pode interpretar a Bíblia porque somente ele possui “ferramentas” capazes de abrir o sentido desta Escritura. Ainda mais, para adquirir estas ferramentas são necessários anos de estudos, não apenas filosóficos e teológicos, mas, sobretudo de línguas, de filologia e de exegese propriamente dita. O próprio estudo exegético tem muito a ganhar com o aprendizado antropológico derivado das percepções subjetivas modernas. Estas críticas não invalidam o método, pois ele pode ser muito útil, tanto para a formação dos estudiosos, como para o público geral culto em busca de formação. Para finalizar, podemos destacar ainda, que a Exegese Bíblica entre vantagens e desvantagens tem dado grandes passos com o desenvolvimento dos mais diversos métodos utilizados para se interpretar um texto bíblico. Por meio dela, podem-se transpor barreiras e limites e aproximar-se cada vez mais do sentido original-histórico das Escrituras. Seu uso e sua aplicação são por demais importantes se quiser prosseguir na carreira dos Estudos Bíblicos. A Exegese Bíblica levar—nos á por meio da história e cultura em que se formaram os textos da Bíblia; como também nos capacitará a compreender as estruturas e o funcionamento da linguagem bíblica, e desse modo nos colocar, o quanto for possível, em contato com o significado histórico do texto bíblico e a sua intenção autoral. Ela nos permitirá entrar no texto de maneira desarmada, aberta, buscando algo, com grande vontade de dar um sentido autêntico à própria existência. A exegese está aí e é uma ferramenta para interpretar a Bíblia e por meio dela entender a própria vida. Ela veio trazer luz sobre a interpretação e ao mesmo tempo despertar para uma consciência crítica. 47 REFERÊNCIAS BARTH, Karl. A proclamação do Evangelho. 2. ed. São Paulo: Novo Século, 2003. BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. BETTENCOURT, Estevão. 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