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16 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável CAPÍTULO 1. O PLANEJAMENTO TERRITORIAL PARA O DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL Nesta seção trataremos da relação entre planejamento territorial, o desenvolvimento urbano sustentável e as diferentes escalas e contextos dos municípios brasileiros. Com isto, busca-se a compreensão de como o território brasileiro se configura em termos da diversidade municipal e o entendimento da importância da leitura do território para o diagnóstico municipal. Para isto, as problemáticas, entendidas como desafios e potencialidades presentes na construção da leitura do território, devem ser compreendidas por meio de modelos de análise e sua aplicação no diagnóstico da realidade municipal que direciona a escolha de instrumentos urbanísticos adequados, a partir das escalas de relações do território a nível municipal e no supramunicipal. 1.1 Planejamento, Território e Planejamento Territorial O planejamento pode ser definido como a capacidade humana de realizar atividades de forma ordenada a partir de processos. Ao planejar, busca-se atribuir eficiência a alguma atividade futura de modo intencional, que, de certo modo, altera a realidade (CARVALHO, 1976). Ao planejar, deve-se conhecer duas das suas principais características. A primeira é o planejamento como algo processual, permitindo a ordenação de ações para que uma ati- vidade possa acontecer. A segunda é que a atividade de planejar é sistêmica, pois para essas ações ocorrerem de forma ordenada é preciso uma visão ampla e global, a partir da integração adequada de fases e de seus elementos (CARVALHO, 1976). No infográfico ao lado pode- mos observar o processo sistê- mico de planejamento a partir de suas fases de conhecimen- to da realidade, decisão, ação e crítica ou avaliação. Figura 01: Processo de planejamento e suas fases Fonte: Elaborado com base em Carvalho (1976). Elaboração gráfica do LabHab. 2022. 17 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável De acordo com Carvalho (1976), a fase de conhecimento da realidade resume um deter- minado contexto socioeconômico ou territorial a partir de dados que retratam proble- máticas. Essa fase identifica as características e descreve uma certa situação. Podemos dizer que o principal resultado desse conhecimento ou leitura da realidade é a criação de um diagnóstico. Já na fase de decisão, busca-se alternativas para resolver (desafios) ou otimizar (poten- cialidades) as problemáticas identificadas no diagnóstico. Em seguida, na fase de ação as decisões são executadas, com o objetivo de transformar a realidade. Na fase de crítica e avaliação, verifica-se se as ações foram efetivas ou não, tentando corrigir o que for ne- cessário para que os objetivos ou ações sejam executados corretamente. O planejamento de políticas públicas pode ser pensado do ponto de vista social, econô- mico ou ambiental, por exemplo. Destacamos neste módulo o ponto de vista territorial do planejamento, conhecido como Planejamento Territorial. O seu objetivo é realizar processos de mudança através de melhorias no território. Entende-se o território inicialmente como “[...] um espaço definido por relações de po- der” (SOUZA, 2015, p. 78). Ou seja, ao delimitar um espaço geográfico, grupos sociais se reconhecem e são reconhecidos por sua influência e domínio daquele espaço chamado território. Para Limonad, Monteiro e Quiñones (2021. p. 9) o território é resultado da “[...] apropria- ção (num sentido mais simbólico) e domínio (num enfoque mais concreto, político-e- conômico) de um espaço socialmente partilhado”. Isto é, quando falamos em território, devemos considerar como elementos da vida social interagem com elementos ambien- tais, econômicos e políticos do espaço geográfico. O território é formado por grupos sociais diversos, formados por diferentes pessoas. Por esse motivo, existirão interesses distintos de ocupação. Consequentemente, isso po- derá gerar conflitos e disputas por causa das diferenças de interesses e pontos de vista (HAESBAERT, 2014). Ao pensarmos o “território em disputa” (HAESBAERT, 2014), precisamos agir e pensar por meio da união entre o Estado, a população e o meio ambiente. Isso pode ser demons- trado ao se incentivar a autonomia dos municípios para que cheguem a soluções adequa- das ao seu desenvolvimento sustentável. Para isso, devem se basear no entendimento e/ ou redução de conflitos e desigualdades territoriais, como más condições de habitação e de saneamento básico. Assim, o território é central no planejamento de ações de desen- volvimento urbano sustentável. 18 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável O principal objetivo do planejamento territorial é a organização ou ordenamen- to de diferentes aspectos do território, desde a escala local até a global (LIMONAD; MONTEIRO; QUIÑONES, 2021). O planejamento territorial deve possuir metas, objeti- vos e parâmetros de desenvolvimento para que seja um processo lógico de transforma- ção da organização social (LIMONAD, 2021). É interessante entendermos que o planejamento territorial não fica apenas em um se- tor. Deve sempre se conectar a leituras gerais do território, para que as problemáticas sejam solucionadas de forma integrada. Assim, é possível combinar setores diferentes da administração pública, como moradia, mobilidade e meio ambiente (Figura 02). Da mesma forma, especialidades diferentes podem atuar nessa área, como geografia, ar- quitetura e urbanismo, engenharias, sociologia, antropologia, direito, biologia, e áreas da saúde, da educação e do meio ambiente. Figura 02: Planejamento Territorial – função, aspectos e áreas de atuação Fonte: Elaborado com base em Limonad, Monteiro e Quiñones (2021). Elaboração gráfica do LabHab. 2022. O planejamento territorial é o desenvolvimento da capacidade crítica e de reflexão so- bre as problemáticas territoriais. Ele propõe novas práticas de intervenção e melhorar as que já existem, compartilhando as experiências positivas (LIMONAD; MONTEIRO; QUIÑONES, 2021). 19 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável O Ministério do Desenvolvimento Regional criou o Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores como uma ferramenta do planejamento territorial municipal brasileiro. O guia traz as etapas de leitura do território, formulação das propostas e sua consoli- dação. Nessas etapas são destacados temas, problemáticas, estratégias, instrumentos e ferramentas complementares. A leitura do território é uma abordagem inicial fundamental ao planejamento territorial. É nessa etapa que a diversidade municipal é entendida a partir de problemáticas, as quais são um conjunto de desafios e do território municipal. Elas estão ligadas a pontos da ges- tão do território ou a políticas setoriais (habitação, mobilidade, saneamento ambiental) identificadas pelo município. Caso tenha interesse em se aprofundar mais no assunto, acesse o Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores. BRASIL; AGÊNCIA GIZ NO BRASIL; INSTITUTO PÓLIS. Guia para elaboração e revisão de planos diretores. 2022. APROFUNDE-SE AULA MAGNA MÓDULO 4 Aula Magna do Módulo 4 - Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável 1.2 O território brasileiro e as diversidades municipais O Brasil é um país de dimensões continentais, com 8.510.345,540 km² de área e uma po- pulação de 190.755.799 pessoas, segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O território brasileiro é dividido em cinco grandes regiões político-administrativas: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Elas contêm os 26 estados e o Distrito Federal e seu caráter regional é resultado das diferentes formações socioeconômicas e naturais dos estados e dos 5.570 municípios brasileiros. 20 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimentourbano sustentável As diversidades municipais exigem que se conheça as suas formas de uso e ocupa- ção, ou seja, os tipos de território dos mu- nicípios brasileiros. Eles possuem diferen- tes tamanhos de população e de território, distribuição regional e hierarquia urbana. Cada município corresponde a um territó- rio com usos do solo específicos. Eles são determinados pelas administrações mu- nicipais, autoridades com autonomia para ordenar seu território e executar políticas de desenvolvimento urbano (BRASIL; GIZ, 2021). Considerando que os municípios também possuem realidades e desafios urbanos diferentes, cada caso deve ser entendido a partir da leitura do território. Isso ajuda a se desenvolver ações de pla- nejamento territorial. Nas regiões Norte e Centro-Oeste estão cerca de 16,5% dos municípios brasileiros (917 municípios). As regiões Nordeste (32,2%, com 1.794 municípios), Sudeste (29,9%, 1.668) e Sul (21,4%, 1.191) somam 83,5% dos municípios brasileiros (BRASIL, 2021). O território brasileiro é composto pelos biomas Amazônia (49,5%), Cerrado (23,3%), Mata Atlântica (13%), Caatinga (10,1%), Pampa (2,3%) e Pantanal (1,8%) (IBGE, 2019). VOCÊ SABIA ? As diferenças também são ambientais. Elas são resultado das dinâmicas biofísicas do ter- ritório, como a inserção de municípios no contexto de biomas continentais brasileiros, de ecossistemas locais, de bacias hidrográficas e das mudanças climáticas. O Brasil possui seis grandes biomas: Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal. Biomas são grandes agrupamentos de ecossistemas semelhantes onde estão localizados os municípios. Considerar o território a partir de seus ecossistemas pode ajudar na adaptação de instru- mentos urbanísticos que absorvam esses contextos ambientais. Assim, pode-se adequar planos, programas e projetos às condições ecológicas e socioculturais de cada bioma ou ecossistema local das cidades. No contexto sociocultural, destacamos as relações ecológicas que ocorrem no território pela cultura. Exemplos conhecidos são as cidades de Afuá (PA) e Parintins (AM) no bioma Amazônia. Afuá se estrutura em palafitas de madeira por conta da variação das marés dos rios e não permite a circulação de veículos automotivos terrestres. Parintins tem práticas folclóricas de matriz indígena e cabocla-ribeirinha, com influência portuguesa e contribuições da cultura africana, japonesa e judaica. A cidade recebe de 40 a 60 mil turistas durante o Festival de Parintins, e é famosa pelas atrações dos bois Caprichoso e Garantido (PREFEITURA MUNICIPAL DE PARINTINS, 2019). Esses são exemplos da diversidade municipal e interferem diretamente no desenvolvimento urba- no sustentável. 21 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável Figuras 03a, 03 b: À esquerda: Afuá (PA), cidade estruturada em palafitas de madeira no bioma Amazônia. À direita: Festival Folclórico de Parintins (AM). Fonte: Jacy S. Corrêa Neto (2022), Secretaria de Comunicação de Parintins (2022). As cidades-gêmeas são municípios cortados pela linha de fronteira (seca ou fluvial) com uma população maior que dois mil habitantes. Estão inseridas nos contextos de integra- ção econômica, social e cultural com localidade de país vizinho, podendo apresentar ou não conurbação (BRASIL, 2021). De norte a sul temos cidades-gêmeas, por exemplo: Oiapoque (AP) e Saint-Georges, na Guiana Francesa; Santa do Livramento (RS) e Rivera, no Uruguai. Figura 04: Exemplo de cidades-gêmeas de Oiapoque (Brasil) e Saint- Georges (Guiana Francesa). Fonte: Bing Maps (2022), Adaptação de textos pelo autor (2022). 22 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável As bacias hidrográficas apresentam outras condições importantes para a diversidade municipal, pois muitas fornecem serviços ecossistêmicos. Esses serviços vão da regula- ção climática e biológica ao abastecimento e fornecimento de serviços culturais, de re- creação e de suporte à vida nos municípios. O exemplo de São Paulo revela as crises no desenvolvimento urbano causadas pela ocupação de mananciais compartilhados ou pela falta de água potável para atender as necessidades da população. A busca de uma solu- ção integrada é um desafio para os municípios que compartilham mananciais e bacias hidrográficas. 1.2.1 Tipos de território: urbano, rural, periurbano e natural A leitura dos tipos de território apresentada identifica tipos de uso, ocupação, condições ambientais e atividades econômicas. Pode-se identificar problemáticas gerais ou espe- cíficas de cada território ao se olhar para toda a área municipal (território municipal). O território municipal contém territórios classificados como: urbano, rural, periurbano e natural (Figura 05). Figura 05: Exemplo de território municipal - urbano, rural, periurbano e natural. Fonte: Adaptada de Brasil (2021, p. 53). Elaboração gráfica do LabHab. 2022. 23 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável O Quadro 1 mostra as características de cada território. É interessante observar que essas características podem ocorrer em maior ou menor grau, variando de acordo com o contexto municipal. Quadro 1: Tipos de território e suas características Fonte: Adaptado do Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores (no prelo, p. 107). TIPOS DE TERRITÓRIO CARACTERÍSTICAS Ocupação urbana independente da densidade, com construções e populações residentes e paisagens antropizadas (presença humana). Pode apresentar variedade de usos com potencial de poluição sanitária, estética, sonora e/ou visual. São áreas onde se desenvolvem funções urbanas de moradia ou de produção de forma articulada no território. Áreas agrícolas ou de pecuária com características de baixo adensamento de população residente, paisagens parcialmente antropizadas e médio potencial de poluição. Áreas de agricultura familiar anual ou temporárias. Também podem conter áreas agrícolas ou de pecuária de uso semiextensivo ou intensivo que produzem em maior escala. São áreas onde os usos são compatíveis com a conservação da qualidade ambiental e, portanto, onde devem ser estimulados os usos com baixo potencial de impacto. Pode apresentar características rurais e urbanas, com propriedades que ainda possuem perfil rural ou que sejam resultado de expansão urbana sem o acompanhamento de infraestrutura básica. Pode ter pequeno ou médio adensamento de construções e populações residentes (inclusive com aglomerados subnormais). Apresenta paisagens antropizadas, diversidade de usos e alto potencial de poluição, principalmente sanitária. Corresponde à paisagem natural sem ocupação ou com baixíssima ocupação. Pode conter paisagens com alto grau de originalidade, ecossistemas sem alterações e Unidades de Conservação. São áreas onde a preservação e a conservação das características e das funções naturais devem ser priorizadas, mantendo baixo potencial de poluição. Os meios para se identificar esses territórios podem ser a leitura do território (destaca- da no subcapítulo 1.3) e os estudos adicionais, como a Tipologia municipal rural-urbana (IBGE,2017). Este estudo pode ajudar a identificar os territórios numa visão global dos municípios, sendo possível dividi-los em cinco classes: rural remoto, rural adjacente, in- termediário remoto, intermediário adjacente e urbano. 24 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável A região Norte é a que mais possui mu- nicípios em condição rural, cerca de 121 (26,9%). Por outro lado, a região Sudeste é a que apresenta mais condições urbanas em 625 (37,5%) de seus municípios. Esse panorama permite que se entenda antes a condição territorial dos municípios no Brasil para direcionar a criação de ins- trumentos de desenvolvimento urbano sustentável de acordo com as condições territoriais municipais. A Tipologia municipal rural-urbana é um estudo desenvolvido pelo InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que analisa os tipos de municípios de acordo com a distribuição da população em perímetros urbanos ou áreas rurais. Essa pesquisa serve para diferenciar municípios e propor políticas territoriais adequadas a eles. VOCÊ SABIA ? Essa leitura inicial da configuração municipal serve para objetivos diferentes de plane- jamento territorial. Contribuem também no diagnóstico para se criar planos diretores, de zoneamentos e setoriais. Assim, é possível alinhar estratégias e instrumentos de pla- nejamento territoriais adequados e compatíveis com as características dos diferentes territórios do município. É preciso entender as dinâmicas periurbanas e rurais (modos de vida e de apropriação do território) a partir de levantamentos de campo. Como vimos antes, o município en- globa territórios periurbanos e rurais. Por isso, precisamos entender no próprio local como ocorrem os aspectos da vida social em assentamentos ou áreas que não são urba- nas, mas que são importantes para a configuração do território municipal. Figuras 06a, 06b: À esquerda: dinâmica socioambiental de área periurbana enquanto extensão do tecido urbano sem infraestrutura básica na cidade de Afuá (PA). À direita: moradias flutuantes no rio Solimões em área rural do município de Manaus (AM). Fonte: Acervo do autor (2017), Id. (2011). 25 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável Os critérios de análise apresentados para classificar os territórios municipais se sobre- põem no território e a partir dele. As Figuras 06 acima mostram a realidade diversa e específica de diferentes cidades amazônicas. Portanto, há a necessidade um olhar que reúna os aspectos físicos (infraestruturas), político-administrativos (governança munici- pal) e socioambientais (ambiente natural e cultural) do território. Por fim, os termos apresentados servem para se realizar a leitura do território. Após a leitura, por exemplo, nas consolidações de propostas, os termos devem ser ajustados às definições das leis locais do município: leis de macrozoneamento e de perímetro urbano, leis de parcelamento, uso e ocupação do solo, entre outras. 1.2.2 Escalas territoriais, municipais e supramunicipais É importante entendermos os significados de escalas e contextos. Quando nos referimos à escala, tentamos localizar a dimensão de algum fenômeno social no território (SOUZA, 2015). O contexto se relaciona ao “[...] conjunto de circunstâncias que envolvem um fato” (CONTEXTO, 2022). Ao longo deste capítulo, mostramos duas abordagens de leitura de escalas e contextos do município: a municipal e a supramunicipal. Analisar essas escalas segundo os estudos feitos para embasar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (2021) permite que se crie instrumentos de planejamento territorial para estruturar e ordenar o território municipal e supramunicipal. A escala municipal se refere ao que ocorre dentro dos limites do município, sendo re- flexo de características de suas dinâmicas internas específicas (IPEA, 2020a). A escala supramunicipal se relaciona às dinâmicas sociais e espaciais compartilhadas com outros municípios e que vão além dos limites do município (IPEA, 2020b). A seguir apresenta- mos pontos que ajudam a identificar de antemão as escalas do município. • Porte populacional: Inclui tanto a população rural quanto a urbana, formando o que chamamos de população total. Essa informação é funda- mental para criar e estimar po- líticas e instrumentos de desen- volvimento urbano sustentável. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2020), mais da metade dos 5.570 municípios brasileiros (cerca de 67%, 3.782 municípios) possui menos de 20 mil habitantes. Neles vivem cerca de 15% da população brasileira (32 milhões). Somente 1% (49) dos municípios tem mais de 500 mil habitantes. Nesse contexto, ainda que esses municípios com menos de 20 mil habitantes não possuam obrigações legais para criar Planos Diretores, eles devem ser executados. Trata-se de um instrumento de pactuação social (estabelecimento de acordos coletivos) para se construir o planejamento de ações de longo prazo que melhorem as condições de vida e garantam o desenvolvimento sustentável do município. VOCÊ SABIA ? 26 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável • Extensão territorial: A extensão territorial em quilômetros quadrados (km²) é um critério importante para o desenvolvimento urbano, pois os municípios brasileiros possuem áreas muito diferen- tes. O maior município do Brasil é Altamira, no estado do Pará, com 159.533,306 km², e o menor, Santa Cruz de Minas, em Minas Gerais, com 3,57 km². Figuras 07a, 07b: Exemplo de variação da extensão territorial dos municípios brasileiros: Altamira (PA) e Santa Cruz de Minas (MG). As diferenças significativas no tamanho dos municípios é um dos parâmetros da diversidade brasileira. Além disso, observa-se em diferentes regiões administrativas a diferença da relação extensão territorial do município x área urbana. Nesse caso, há predomínio de territórios rurais e naturais no município de Altamira. Isso pode estar relacionado a sua inclusão no contexto de municípios da região Norte e do bioma Amazônia. Fonte: Google Earth (2022). • Hierarquia urbana e Regiões de Influência de Cidades A pesquisa Regiões de Influência das Cidades (REGIC) foi realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ela descre- ve as conexões territoriais entre municípios e apresenta termos como a hierarquia urbana e regiões de influência de cidades brasileiras. Regiões de Influência das Cidades (REGIC) é uma pesquisa periódica também realizada pelo IBGE, que situa as dinâmicas socioeconômicas entre centros urbanos. Classifica as cidades de acordo com hierarquias e sua rede de influência por meio de mapas. Traz dados de fundamental importância para a escala supramunicipal, pois detalha e sistematiza as conexões urbanas por nível de cidades. VOCÊ SABIA ? 27 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável A hierarquia urbana é a influência que as cidades têm sobre e recebem das outras de acordo com as suas dinâmicas urbanas. Há cidades que oferecem serviços cotidianos ou especializados, por exemplo: administrativos, comerciais, educacionais e de mobilidade. E há cidades que são atraídas por esses serviços. Quando uma cidade oferece serviços cotidianos ou especializados, ela tem influência sobre outros centros urbanos, criando uma região de influência urbana (IBGE, 2020). No estudo da REGIC se destacam ter- mos que ajudam a entender a relação cidade-município, como “arranjos popu- lacionais” e “município isolado”. Os ar- ranjos populacionais ocorrem quando uma cidade (sede municipal ou distrito) se estende por dois ou mais municípios (o que se denomina de conurbação) e há deslocamentos de populações frequen- tes. É um termo utilizado pela REGIC para identificar territórios urbanos que não se localizam inteiramente num mu- nicípio. Por outro lado, os municípios iso- lados são aqueles que não participam de arranjos populacionais. Conforme a REGIC “[...] os Arranjos Populacionais com mais de 100 mil habitantes são denominados concentrações urbanas, bem como os Municípios que não compõem Arranjos e que ultrapassam esse patamar populacional. Com o propósito de facilitar a terminologia da presente pesquisa, as concentrações urbanas compostas por mais de um Município são designadas apenas como Arranjos Populacionais. Da mesma forma, os Municípios isolados que constituem concentrações urbanas são designados apenas por Municípios” (IBGE, 2020, p. 72). VOCÊ SABIA ? No Brasil existem 4.899 cidades, das quais 94,5% (4.632) se situam em um único mu- nicípio, abrigando cerca de 44% da população brasileira. Por outro lado, 5,5% (267) das cidades formam arranjos populacionais de dois ou mais municípios,com aproximada- mente 56% da população do Brasil (IBGE, 2020). A interpretação dos arranjos popula- cionais e dos “municípios isolados” pode ajudar a entender as relações urbanas entre centros urbanos. Contudo, a responsabilidade administrativa de cada cidade se vincula a seu município (IBGE, 2020). Caso tenha interesse em se aprofundar mais no assunto, acesse a publicação Regiões de Influência das Cidades. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Regiões de influência das cidades: 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. APROFUNDE-SE De acordo com o estudo da REGIC, as cida- des brasileiras se classificam em cinco níveis hierárquicos: Metrópole, Capital Regional, Centro Sub-regional, Centro de Zona e Centro local. Nessas hierarquias, as metró- poles têm maior influência sobre as demais cidades e suas dinâmicas urbanas são mais complexas. Importante destacar que essa classificação é usada para estudo e leitura das dinâmicas territoriais de municípios. Logo, as escalas e contextos devem ser interpretadas de forma a situar os municípios nas hierar- quias mencionadas anteriormente. 28 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável Quando se fala de região de influência de cidades se aproxima do que se chama de rede urbana. Trata-se da configuração das cidades no território nacional, isto é, a partir de sua distribuição e das relações hierárquicas que estabelecem entre si. A noção de rede urbana implica a ideia de conexão entre cidades, possuindo características de intensida- de ou concentração, articulação e isolamento. Figura 08: Rede Urbana Brasileira de 2018. Destaca-se no mapa a hierarquia entre os centros urbanos (polígonos e quadrados) e suas regiões de influência (linhas de conexão ou grafos). A hierarquia dos centros urbanos é demonstrada pelo tamanho de suas formas geométricas, enquanto a extensão dos traços mostra sua influência sobre outros centros urbanos. Fonte: IBGE (2020, p. 12). PARA MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O TEMA VER TAMBÉM O MÓDULO 2. 2 As cidades com altas hierarquias se encontram na região Sudeste, onde 38,4% são metrópoles e capi- tais regionais do país. Por outro lado, a maior parte dos centros locais se localizam na região Nordeste (35,6%). A Figura 08 mostra como essas redes se distribuem no território brasileiro, influenciando a dinâmica de cidades e municípios. 29 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável 1.2.3 Planejamento territorial integrado nas diferentes escalas Neste subcapítulo mostraremos como as dinâmicas urbanas podem orientar ações de planejamento territorial em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e Regiões Integradas de Desenvolvimento (RIDE). A visão integrada de planejamento permite escolher e combinar instrumentos adequa- dos ao desenvolvimento urbano sustentável de municípios brasileiros. Um fator comum para essa integração é a existência de Funções Públicas de Interesse Comum (FPICs), definidas como ações públicas voltadas a infraestruturas e serviços públicos básicos de cooperação entre municípios (BRASIL, 2021). As FPICs são criadas quando a parceria entre municípios vizinhos com relações socioe- conômicas é necessária para resolver suas problemáticas. Elas também podem estar re- lacionadas a impactos socioambientais da habitação, infraestrutura urbana, mobilidade, saneamento e meio ambiente. No Brasil, as regiões metropolitanas (RMs) permitem a integração dos municípios envol- vidos para planejar e gerir as Funções Públicas de Interesse Comum (planejamento de uso do solo, transportes e sistema viário regional, ha- bitação, saneamento básico, meio ambiente, entre outros). Começaram a ser formadas pelo Governo Federal em 1970 e a Constituição Federal de 1988 repassou aos estados a fun- ção de criar as regiões metropolitanas. Há na região metropolitana um município e cidade-pólo, onde as dinâmicas urbanas são mais intensas. A alta e complexa integração dos municípios pode ocorrer a partir de agências metropolitanas, consórcios intermunicipais e políticas de interesse comum, que é uma estratégia de integração do planejamento territorial para casos específicos. Há também as aglomerações urbanas ou aglomerados urbanos, unidade territorial ur- bana gerada pela união de municípios em função da expansão de núcleos urbanos. Esses territórios são instituídos legalmente por dois ou mais municípios vizinhos mediante lei complementar estadual, caso precisem complementar funções e dinâmicas socioeconô- micas, políticas e ambientais (BRASIL, 2021). Essa articulação pode ser percebida principalmente em cidades médias e pequenas. Podemos citar como exemplos disso a oferta e demanda de bens e serviços e de mão- -de-obra, movimentos pendulares em função de postos de trabalhos e serviços ecos- sistêmicos. Assim como nas regiões metropolitanas, esses territórios podem organizar, planejar e executar políticas de interesse comum em planos de desenvolvimento urbano integrado (PDUI). Neles, Estado e municípios atuam em conjunto, seja em atividades de cooperação técnica ou consórcios intermunicipais. PARA MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O TEMA VER TAMBÉM O MÓDULO 2. 2 30 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável As Regiões Integradas de Desenvolvimento Econômico (RIDEs) reúnem municípios de diferentes unidades da federação (estados). As RIDEs correspondem às regiões adminis- trativas criadas pela União. Seu objetivo é integrar complexos geoeconômicos e sociais para reduzir as desigualdades regionais. As ações de planejamento podem ser mais complexas nas RIDEs, pois envolvem articu- lação entre a União, estados e municípios. As ações de planejamento das RIDEs promo- vem projetos para dinamizar a economia e a infraestrutura regional, com estruturas de funcionamento específicas vinculadas à atuação direta da União (CAVALCANTE, 2020). Figura 09: Exemplo de região metropolitana pela RM de Goiânia (GO). Fonte: FNEM (2018). AULA 1 MÓDULO 4 Aula 1 - Planejamento do desenvolvimento territorial no contexto da diversidade de municípios brasileiros: escolhendo e combinando instrumentos 31 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável 1.3 Leitura do território: Construindo o diagnóstico municipal AULA 2 MÓDULO 4 Aula 2 - Leitura do território: Diagnóstico para planejamento do desenvolvimento urbano sustentável Neste subcapítulo apresentaremos as bases para se construir a leitura do terri- tório. Além disso, mostraremos sua apli- cação na análise da realidade municipal para escolher instrumentos urbanísticos adequados. 1.3.1 Problemáticas municipais e supramunicipais Este subcapítulo trata das problemáticas (desafios e possibilidades) que ocorrem dentro dos limites municipais, do ponto de vista dos diversos aspectos territoriais que refletem as dinâmicas locais e regio- nais. Evidenciam-se questões socioam- bientais intraurbanas que vão desde a evolução da ocupação do território, até a caracterização das condições de moradia, infraestrutura urbana e dinâmicas periur- banas e rurais. A caracterização das condições de in- serção regional do município situa os desafios e possibilidades político-admi- nistrativas e ambientais do município. Identificam-se os aspectos regionais ou supramunicipais, como aglomerados ur- banos e regiões metropolitanas, arranjos territoriais de microrregiões e mesorre- giões estaduais, além de regionalizações ambientais (biomas, bacias hidrográficas e ecossistemas locais). A inserção regional tem o objetivo de compreender padrões de desenvolvimento urbano específicos. 32 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável PRINCIPAIS CRITÉRIOS DA LEITURA DE CONDIÇÕES DE INSERÇÃO REGIONAL DO MUNICÍPIO • Identificação de região político-administrativa, bioma e ecossistemas locais. • As relações e os vínculos entre os municípios que consideremo enquadra- mento do município em meio à diversidade de municípios brasileiros. • Condições de infraestrutura que possam ser de interesse de outros mu- nicípios da mesma região (possibilidades de solução em conjunto), como resíduos sólidos, abastecimento, esgotamento e reservas ambientais. • Tendências de crescimento e de circulação de pessoas (emprego x mora- dia) e de bens e serviços nos municípios da região. • Áreas ambientais cujos limites extrapolam o território municipal. Avaliar: ecossistemas, mananciais de abastecimento, áreas de recarga hídrica, pla- nícies aluviais e áreas permeáveis que prestem serviços ecossistêmicos de amortização de enchentes a jusante. • Possibilidades de parcerias nas atividades de desenvolvimento econômico, turístico ou de desenvolvimento rural sustentável. Quadro 2– Caracterização das condições de inserção regional do município Fonte: Adaptado do Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores (2022, p. 58-59). Em termos de características ambientais, é importante analisar a qual bioma o município pertence ou se está localizado em um ecótono (área de transição entre dois biomas ou ecossistemas). Também é importante situá-lo usando o critério de bacias hidrográficas, uma vez que municípios dividem recursos hídricos superficiais e subterrâneos. Cabe ain- da destacar as Unidades de Conservação (UCs) relevantes para assegurar a conservação da biodiversidade. O Quadro 2 apresenta os principais critérios da inserção regional do município de acor- do com as relações supramunicipais. 33 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável Figura 10: Inserção regional do Município de Barreiras (BA), destacado no polígono preto. À esquerda: seu vínculo territorial com a bacia hidrográfica de Rio Grande (BA). À direita: sua inserção regional no contexto de mesorregiões do estado da Bahia. Fonte: Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores (2022, p. 60-61). Essas mudanças de ocupação do territó- rio devem ser analisadas em intervalos fixos (periodicidade): a cada quinquênio (5 anos) ou a cada década (10 anos). Isso deve ser estabelecido de acordo com as necessidades municipais, em conjunto com as iniciativas relativas ao sistema de informações e monitoramento (trata- dos nos Módulos 3 e 7 deste curso). No Quadro 3 mostramos os critérios para esta identificação. PARA MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O TEMA VER TAMBÉM OS MÓDULOS 3 E 7. 3,7 A caracterização da evolução da ocupação do território identifica as alterações histó- ricas causadas pela ocupação do território em nível local. Analisaremos se houve novas ocupações em relação à ocupação de origem, se o tecido ou malha urbana aumentou (expansão urbana), se elementos naturais diminuíram ou cresceram por causa das dinâ- micas sociais no território etc. 34 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável Quadro 3 – Caracterização da evolução da ocupação do território urbano Fonte: Adaptado do Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores (2022, p. 64). • Aumento ou redução do tecido ou malha urbana ao longo do tempo. • Novas ocupações (formais ou informais) em relação à ocupação de origem. • Aprovação e implantação de novos loteamentos e projetos, o que pode contribuir para se entender componentes da expansão urbana. • Existência de assentamentos precários e ocupações. • Diminuição ou acréscimo de áreas ambientais, supressão ou alteração das manchas arbóreas. • Ampliação ou diminuição das áreas de plantio e de produção agrícola. PRINCIPAIS CRITÉRIOS DA LEITURA DA EVOLUÇÃO DA OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO URBANO O Projeto MapBiomas disponibiliza gratuitamente séries históricas anuais de mapas da cobertura e uso do solo (ocupação) do Brasil. É útil para compreender a evolução das áreas urbanas de 1985 a 2020. Você pode acessá-lo em: https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/ VOCÊ SABIA ? Figuras 11a, 11b: Evolução do território urbano do Município de Açailândia (MA). Nas figuras se observa o crescimento da mancha urbana ao longo do tempo, assim como mudanças no padrão de áreas vegetadas. Essas áreas tinham uma configuração dispersa e se tornaram concentradas, ocorrendo também o aumento da superfície hidrográfica. Fonte: MapBiomas (2022), Elaboração do autor (2022). AÇAILÂNDIA, MA - 1985 AÇAILÂNDIA, MA - 2020 https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/ 35 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável Com relação à caracterização da população, neste subcapítulo identificamos o perfil populacional do município. Devem ser analisados tanto a população total do município quanto de territórios específicos, como população urbana e rural. O principal objetivo dessa caracterização é calcular as políticas públicas para o atendimento das necessida- des da população dos municípios. Comparações ao longo do tempo são usadas para entender a evolução e dinâmica po- pulacional. Além disso, é importante observar o perfil populacional em termos de ren- da, gênero, etnia/raça, faixa etária, pessoas com deficiência e comunidades tradicionais. Também é importante investigar a existência de processos de segregação ou exclusão territorial. Figura 12: Exemplo de caracterização da população no Município de São Paulo (SP): concentração da população preta e parda (dados do Censo Demográfico 2010). Fonte: Adaptado do Guia de Elaboração e Revisão de Planos Diretores (2022, p. 72). 36 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável O Quadro 4 apresenta os principais critérios de análise da po- pulação dos municípios. • Identificação da quantidade de população de acordo com os tipos de territórios (população urbana, rural, periurbana e em “territórios naturais”). • Identificação de gênero, raça, faixas etárias e pessoas com deficiência. • Identificação de população em situação de rua. • Identificação de povos e comunidades tradicionais. • Identificação de povos ou populações indígenas. • Taxas de migração (imigração e emigração). • Taxas de escolaridade e de emprego. • Concentração de população por faixas de renda domiciliar. • Perfil de renda da população, se mudou nos últimos anos e se o município apresenta questões significativas de migração. • Olhar integrado do território e como os processos de produção da cidade podem reforçar ou reduzir tendências de exclusão. PRINCIPAIS CRITÉRIOS DA LEITURA DA POPULAÇÃO MUNICIPAL Quadro 4 – Caracterização da população municipal Fonte: Adaptado do Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores (2022, p. 70). No que diz respeito à caracterização do uso e ocupação do solo, neste subcapítulo tentaremos entender a ocupação e a produção dos territórios no município. Deve-se mapear aspec- tos que relacionem tipos de ocupação com seu crescimento ao longo do tempo, perfis de ocupação e densidades populacionais e construtivas. Além disso, cruzar essas características com as de infraestrutura social. O Quadro 5 mostra os aspectos dessa caracterização. 37 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável Quadro 5 – Caracterização do uso e ocupação do solo Fonte: Adaptado do Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores (2022, p. 74). É importante para caracterizar o uso do solo comparar os usos planejados em leis de ocu- pação do solo ou zoneamentos (caso existam no município) com os usos atuais do ter- ritório (uso real). Pode não haver compatibilidade entre o que foi planejado para aquele território e o seu uso real. É dever do planejamento e da gestão municipal pensar sobre essa questão com a sociedade a partir da leitura e da proposição de ações adequadas. Questões que envolvem a estrutura fundiária e o mercado imobiliário podem ser as- sociadas à caracterização indicada acima. A estrutura fundiária é o modo como ocorre a distribuição de terras em áreas rurais e urbanas dentro do município num dado mo- mento histórico (COUTINHO; RODRIGUES, 2015).O mercado imobiliário pode ser classificado como formal ou informal. No primeiro caso, as relações de mercado são ins- titucionalizadas e legais do ponto de vista jurídico e urbanístico. Quando é informal, não obedecem a lógicas institucionais por lei (KREMER, 2008) e constituem crime de acordo com a Lei Federal nº 6766/79. • Características dos tipos de ocupação e de produção do território, e a forma como se associam aos períodos de crescimento urbano. • Perfil de ocupação do solo urbano. Quais tipos de ocupações predominam (loteamentos, edifícios, assentamentos precários) e como se relacionam com as leis atuais? Por exemplo, as áreas que previam adensamento foram efetivamente adensadas? • Perfil de ocupação em áreas rurais (vegetação, produção agrícola, pasto, produção extrativista, campesina). Depende das características rurais de cada território. • Morfologia dos tecidos urbanos ou de assentamentos rurais. • Densidade construtiva (razão da quantidade de construções em uma determinada área). • Densidade populacional (razão da quantidade de população em uma determinada área). • Cruzamento do mapeamento do uso e ocupação do solo com o mapeamento das condições de infraestrutura social (urbana e rural). Isso é importante para estabelecer os limites de ocupação em relação às capacidades existentes e previstas, e as desigualdade na distribuição de infraestrutura e equipamentos no território. Observar também os equipamentos nas áreas rurais. PRINCIPAIS CRITÉRIOS DA LEITURA DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO 38 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável As abordagens da estrutura fundiária e do mercado imobiliário estão relacionadas. A va- lorização de uma determinada área da cidade pelo mercado imobiliário formal eleva o preço do solo urbano e reduz o acesso à moradia das populações de menor renda. Em outros casos, quem tem poder de compra ou financiamento pode direcionar ações de de- senvolvimento urbano pela expansão de empreendimentos imobiliários em novas áreas da cidade (RUFINO, 2013). • Instituições financeiras públicas ou privadas • Fundos de investimento imobiliário • Incorporadoras • Construtoras • Imobiliárias ou agências imobiliárias • Consultorias imobiliárias PRINCIPAIS ATORES DO MERCADO IMOBILIÁRIO NO BRASIL Quadro 6 – Atores do mercado imobiliário no Brasil Fonte: Adaptado de Kremer (2008) e Lacerda (2012). Os atores imobiliários (Quadro 6) se constituem de forma diversa e complexa (KREMER, 2008) e suas relações se manifestam de forma direta e indireta (LACERDA, 2012). Segundo Lacerda (2012), além das pessoas compradoras, vendedoras, locadoras e inquilinas as relações imobiliárias diretas envolvem pessoas proprietárias de terras e bens detentores de capital financeiro. Essas pessoas são geralmente responsáveis por garantir os recursos necessários para se produzir e vender imóveis. Esses recursos po- dem vir do setor público ou privado. • Corretoras de imóveis • Cartórios de registro de imóveis • Prefeituras • Pessoas proprietárias (locadoras) • Pessoas inquilinas • Pessoas compradoras • Pessoas proprietárias de terrenos • Pessoas em ocupações urbanas As corretorias de imóveis intermedeiam esses bens com as pessoas fiadoras, responsáveis finais pelo pagamento das parcelas das opera- ções de compra e venda ou das mensalidades em caso de locação. Quando indiretas, insti- tuições financeiras públicas ou privadas ela- boram e/ou executam políticas econômicas, de provisão de infraestruturas sociais e ur- banas e regulações jurídicas para garantir os acordos entre diferentes partes envolvidas no processo (LACERDA, 2012). AULA 4 MÓDULO 4 Aula 4 - Análise do mercado imobiliário e da estrutura fundiária municipal para a implementação de instrumentos 39 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável Nas condições de moradia identificamos aspectos relacionados ao processo de pro- dução habitacional e as problemáticas que geram desigualdades de acesso à moradia. Incluímos desde o déficit habitacional até os tipos de precariedade habitacional, além da relação entre irregularidade fundiária e renda da população. O Quadro 7 nos ajuda a identificar as condições de moradia a partir de critérios de observação. • Déficit habitacional e por inadequação. • Condições de moradia com ou sem infraestrutura básica. • Quantidade e localização de domicílios precários e não precários. • Tipos de precariedade habitacional (cortiços, mocambos, palafitas ou outras formas e definições de precariedades). • Quais são as faixas de renda predominantes em áreas de assentamentos precários? • Áreas com irregularidade fundiária no território. • Qual é a relação entre a irregularidade fundiária e a renda da população nessas áreas? PRINCIPAIS CRITÉRIOS DA LEITURA DE CONDIÇÕES DE MORADIA Quadro 7 – Caracterização das condições de moradia Fonte: Adaptado do Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores (2022, p. 94). Destaque especial deve ser dado ao déficit habitacional quando se trata de condições de moradia. Ele pode ser entendido de forma qualitativa e quantitativa. O déficit habita- cional quantitativo se refere às moradias que devem ser construídas para acompanhar o crescimento da população. Já o déficit qualitativo diz respeito à qualidade de acesso a melhorias de moradia, infraestrutura urbana e condições ambientais e fundiárias. Essas melhorias proporcionam saúde e bem-estar e é o que se entende por “habitabilidade” (BRASIL, 2021, p. 94). Segundo a Política Nacional de Habitação, os assentamentos precários são reflexo das relações de informalidade (ausência de regularidade ou não conformidade com as leis vigentes) e precariedade (condições inadequadas de vida nas moradias e assentamen- tos humanos). Essas formas de assentamento humano mostram a necessidade da leitura adequada do déficit habitacional municipal (quantitativo e qualitativo). Eles devem di- recionar ações para se conhecer áreas e populações que precisam de políticas públicas para melhorar sua qualidade de vida. 40 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável Figura 13: Assentamento localizado em orla fluvial urbana no Município de Laranjal do Jari, Amapá. Fonte: Acervo do autor (2017). Para a Política Nacional de Habitação, os assentamentos precários são “[...] conjuntos urbanos inadequados ocupados por moradores de baixa renda, incluindo as tipologias tradicionalmente utilizadas pelas políticas públicas de habitação, tais como cortiços, loteamentos irregulares de periferia, favelas e assemelhados, bem como os conjuntos habitacionais que se acham degradados” (BRASIL, 2010, p. 9). VOCÊ SABIA ? É importante destacar que nem sempre a forma da moradia (no sentido de sua arquitetura) está ligada à precariedade. Muitas vezes, essas formas de habitar refletem aspectos culturais que não são tratados em suas particularidades pelas políticas públicas atuais. Isso pode intensificar alguns aspectos de precariedade. A leitura do território também deve refletir como e por quê tais apropriações são diferentes. Dessa forma, poderá construir parâmetros adequados a essas realidades específicas, não menos importantes para discussões e ações de desenvolvimento urbano sustentável. AULA 3 MÓDULO 4 Aula 3 - Caracterização dos problemas habitacionais: reconhecendo as precariedades e as ações necessárias 41 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável Na caracterização das condições de infraestrutura social e ur- bana, consideram-se as infraestruturas com impacto direto no atendimento de necessidades sociais por meio de equipamen- tos públicos. Também são consideradas aquelas que dão supor- te à prestação de serviços urbanos e comunitários. O Quadro 8 exemplifica quais aspectos podem ser incluídos na leitura do território. • Distribuição de equipamentos comunitários para a prestação deserviços públicos: hospitais, escolas, universidades, espaços de cultura e lazer, Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). • Atendimento e distribuição espacial (atual e prevista) das infraestruturas de saneamento básico (abastecimento de água, coleta de esgoto, coleta de resíduos, drenagem); de iluminação e distribuição de energia; pontos de Wifi, rede de telefonia; paradas e rotas de transportes públicos; calçadas e arruamentos estruturados com sinalização viária; entre outras. • Identificação de áreas não cobertas pela provisão de infraestruturas. • Parques, praças e equipamentos de lazer, esporte e cultura. PRINCIPAIS CRITÉRIOS DA LEITURA DE INFRAESTRUTURA SOCIAL E URBANA Quadro 8 – Caracterização das condições de infraestrutura social e urbana Fonte: Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores (no prelo, p. 78). Caso queira se aprofundar mais no assunto, acesse a dissertação da Dra. Ana Gabriela Akaishi. AKAISHI, A. G. Planejamento e Gestão habitacional em pequenos municípios brasileiros: O caso de Água Fria no semiárido baiano. 2013. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do ABC, Santo André, 2013. Disponível em: http://lepur.com.br/ wp-content/uploads/2017/12/08- Disserta%C3%A7%C3%A3o-Ana-Gabriela- Akaishi.pdf APROFUNDE-SE http://lepur.com.br/wp-content/uploads/2017/12/08-Disserta%C3%A7%C3%A3o-Ana-Gabriela-Akaishi.pdf http://lepur.com.br/wp-content/uploads/2017/12/08-Disserta%C3%A7%C3%A3o-Ana-Gabriela-Akaishi.pdf http://lepur.com.br/wp-content/uploads/2017/12/08-Disserta%C3%A7%C3%A3o-Ana-Gabriela-Akaishi.pdf http://lepur.com.br/wp-content/uploads/2017/12/08-Disserta%C3%A7%C3%A3o-Ana-Gabriela-Akaishi.pdf 42 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável O objetivo da caracterização das condições de mobilidade é identificar quaisquer aspectos que favoreçam ou não os deslo- camentos humanos. Inclui-se nessa problemática os aspectos da circulação (redes e hierarquia viária), qualidade do trans- porte público e aspectos físicos que possibilitem a mobilidade ativa (calçadas, ciclovia, acessibilidade em espaços públicos urbanos). O Quadro 9 apresenta os principais aspectos abor- dados nessa caracterização. • Áreas servidas e não servidas por transporte público coletivo. • Identificar e avaliar a situação do sistema viário. • Há hierarquia viária estabelecida? De que forma o sistema de mobilidade se relaciona ao uso e à ocupação do solo, às densidades construtiva e populacional e à concentração de empregos? • Quais áreas são deficitárias em relação ao transporte público, isto é, têm poucas opções de acesso ou apresentam demanda maior do que a capacidade do sistema? Que projetos estão previstos para essas áreas e para o município? • Em que condições estão as calçadas quanto à manutenção e à utilização de crianças, da população idosa e de pessoas com deficiência? • Há ciclovias e conexões entre as áreas centrais e os bairros? • Identificar modais de deslocamento em rios e mares (hidrovias), sobre trilhos (metroferrovias) e outros utilizados no dia a dia pela população segundo a Lei Federal 12.587/2012. • De que forma os modais predominantes contribuem para o aumento da emissão de poluentes? PRINCIPAIS CRITÉRIOS DA LEITURA DE CONDIÇÕES DE MOBILIDADE Quadro 9 – Caracterização das condições de mobilidade Fonte: Adaptado do Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores (no prelo, p. 88). 43 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável • Áreas relevantes para o meio ambiente, serviços ecossistêmicos e regulação climática do município e da região: produção de água, regulação da temperatura, produção de alimentos etc. • Áreas de conflito para expansão urbana, dentro ou fora do perímetro urbano atual, considerando as condições e funções ambientais do território. • Conflitos e/ou ameaças presentes nas atividades produtivas rurais, incluindo o uso de agrotóxicos e as estratégias de irrigação. Esses são fatores importantes a serem avaliados pela política de recursos hídricos para o município e região para regular adequadamente o uso do solo no futuro. A caracterização das condições ambientais e dos serviços ecossistêmicos corresponde às funções que o meio ambiente ou o ambiente biofísico proporcionam à vida humana e animal. O reconhecimento dessas funções pode ajudar a proteger a biodiversidade e ga- rantir a qualidade de vida das populações hoje e no futuro. Fazem parte dessa leitura os ecossistemas locais e as áreas protegidas do território municipal. Podem incluir direta- mente os territórios naturais, mas também as áreas verdes urbanas. No Quadro 10 apre- sentamos aspectos da leitura de condições ambientais e dos serviços ecossistêmicos. PRINCIPAIS CRITÉRIOS DA LEITURA DE CONDIÇÕES AMBIENTAIS E DOS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS Quadro 10 – Caracterização das condições ambientais e dos serviços ecossistêmicos Fonte: Guia para Elaboração e Revisão de Planos Diretores (no prelo, p. 82). Figuras 14a, 14b: À esquerda: ecossistemas locais popularmente chamados de Ressacas em Macapá (AP), em estado de conservação ambiental. À direita: assentamento urbano em palafitas em área de Ressaca de Macapá. Essas ocupações podem contribuir para a degradação ambiental dessas áreas, especialmente pela ausência de saneamento ambiental adequado. Fonte: Acervo do autor (2022), Id. (2014). 44 Planejamento: A dimensão territorial para o desenvolvimento urbano sustentável O Quadro 11 resume as propostas de leitura do território municipal, apresentando cate- gorias, aspectos ou critérios de análise e suas finalidades. Esses atributos de análise rea- firmam possibilidades de leituras adequadas da diversidade municipal brasileira, como visto ao longo deste módulo. Eles permitem que se elabore depois propostas de desen- volvimento urbano sustentável. Os serviços ecossistêmicos são “[...] bens e serviços fornecidos pelo meio ambiente que beneficiam e mantêm o bem-estar das pessoas. Estes serviços vêm de ecossistemas naturais (por exemplo, as florestas tropicais) e modificados (por exemplo, paisagens agrícolas). Embora não haja um único método acordado para categorizar todos os serviços ecossistêmicos, destaca-se que eles podem variar por exemplo entre serviços ecossistêmicos de provisão (alimentos, plantas medicinais, madeira etc.), serviços ecossistêmicos de regulação do ambiente (por exemplo, regulação do clima, controle da erosão, controle biológico de pragas), e serviços ecossistêmicos culturais (como patrimônio cultural, beleza cênica e de conservação da paisagem, identidade espiritual e religiosa)” (GUIA DE ELABORAÇÃO E REVISÃO DE PLANOS DIRETORES, 2022, p. 444). VOCÊ SABIA ? ATRIBUTOS DE ANÁLISE DA DIMENSÃO TERRITORIAL PARA O PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL Categorias de análise Aspectos ou critérios de análise Finalidades Tipos de território • Urbano • Rural • Periurbano • Natural Identificar tipos de uso, ocupação, condições ambientais e atividades econômicas dos municípios Escalas de análise municipal e supramunicipal • Porte populacional • Extensão territorial • Hierarquia urbana e Regiões de Influência das Cidades Criar instrumentos de planejamento territorial que orientem a estruturação e ordenamento do território municipal e intermunicipal Aspectos da caracterização para a leitura do território municipal • Condições de inserção regional • Evolução da ocupação do território • Caracterização da população • Uso e ocupação do solo • Condições de moradia • Condições de infraestrutura social e urbana • Condições de mobilidade • Condições ambientais e de serviços ecossistêmicos Construir modelos de análise da realidade municipal para escolher instrumentos de desenvolvimento urbano sustentável adequados Quadro 11 – Atributos de análise da dimensão territorial para o planejamento do desenvolvimento urbano sustentável. Fonte: Adaptadodo Guia de Elaboração e Revisão de Planos Diretores (2022).