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MORFOLOGIA E GÊNESE DO SOLO Francihele Cardoso Müller Cargas elétricas no solo Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar os tipos e como se formam as cargas elétricas nos solos. � Descrever a importância das cargas elétricas nas propriedades quí- micas dos solos. � Determinar os fatores que interferem na qualidade química dos solos e como é possível corrigi-la. Introdução O solo é um compartimento de extrema complexidade, apresentando constituição trifásica e diversas propriedades químicas próprias. O local onde ocorrem os fenômenos químicos do solo é chamado de fração coloidal. Muito heterogênea, a fração coloidal é considerada a região mais ativa do solo. Na superfície dos coloides do solo há cargas elétricas, que são de extrema importância para a compreensão dos diversos tipos de reações físico-químicas que ocorrem nos solos. Tais reações interferem de forma significativa nos atributos físicos e químicos do solo, como na fertilidade do solo e na nutrição das plantas. Assim, o estudo dessas reações é essencial para um melhor manejo dos solos. Neste capítulo, você vai estudar a formação das cargas elétricas no solo. Vai ver também a importância dessas cargas nesse compartimento e como elas influenciam nas características químicas e na qualidade do solo. Por fim, vai ver como fazer a correção da qualidade química do solo. 1 Tipos de carga do solo e sua origem As cargas do solo se originam, especialmente, a partir da presença e da distri- buição de partículas pequenas, com tamanho abaixo de 2 µm (micrômetros), que podem ser observadas apenas em microscópio eletrônico. Tais partículas compreendem a fração coloidal, composta por argilominerais e óxidos (par- tículas minerais); húmus (partículas orgânicas); e associação entre as frações mineral e orgânica, como mostra a Figura 1. Figura 1. Cargas do solo. Fonte: Adaptada de Finkler et al. (2018). Considerando que, quanto menor o tamanho da partícula em determinada massa de solo maior será sua área de superfície, os coloides do solo apresentam uma grande área de superfície. Isso indica a amplitude de reações que podem ocorrer entre as diferentes fases do solo. Quando se trata de algumas argilas silicatadas, elas apresentam também uma grande superfície interna entre as lâminas que compõem a sua unidade cristalográfica (BRADY; WEIL, 2013). As superfícies dos coloides do solo são constituídas por cátions e ânions, ou seja, íons carregados positiva e negativamente. Em função da sua superfície eletricamente carregada, os coloides se tornam estruturas altamente reativas, por isso recebem a denominação de fração mais ativa do solo. Tal reatividade se origina dos grupos funcionais que, por sua vez, são sequências químicas que, em contato com a solução do solo, reagem com moléculas e íons a fim de entrar em equilíbrio, reduzindo sua energia livre. Cargas elétricas no solo2 Segundo Brady e Weil (2013), existem duas fontes principais de cargas dos coloides do solo: aquelas que têm a capacidade de liberar íons carregados positiva ou negativamente, como as hidroxilas; e aquelas que passam por substituição isomórfica entre cátions de tamanhos similares carregados ele- tricamente de forma diferente, assim como ocorre quando há o desequilíbrio de cargas em determinadas estruturas dos cristais de argila. As cargas presentes na maioria dos coloides do solo são majoritariamente eletronegativas, ainda que, em algumas situações, possa haver um balanço de cargas positivas. Essas cargas elétricas presentes no solo podem ser classifica- das em permanentes e variáveis. As permanentes são aquelas que independem da composição da solução do solo. Já as variáveis variam a partir da alteração na concentração dos eletrólitos, e o seu potencial elétrico se mantém constante a um mesmo pH. Vejamos mais sobre essas cargas. Cargas permanentes As cargas permanentes recebem essa denominação por terem origem durante a formação do mineral, ou seja, elas se localizam no interior da rede cristalina do mineral e nunca se alteram, sendo inerentes ao mineral. Por esse motivo, também podem ser chamadas de carga estrutural. As cargas permanentes têm relação direta com o destino dos elementos químicos encontrados nos solos. Elas se desenvolvem na superfície de um sólido a partir da substituição isomórfica, ou seja, quando uma região ocu- pada por um cátion é ocupada por outro cátion de valência diferente, como mostra a Figura 2. As substituições ocorrem tanto em minerais primários, no seu processo de diferenciação magmática, quanto nos minerais secundários, durante a sua formação no solo ou ainda pela herança dos minerais primários (FONTES; CAMARGO; SPOSITO, 2001). Entretanto elas são capazes de produzir carga significante apenas em minerais do tipo 2:1, como a vermiculita, ilita, montmorilonita, entre outros. 3Cargas elétricas no solo Figura 2. Representação da substituição isomórfica na estrutura dos argilominerais. Fonte: Universidade Federal de Santa Maria (2006, documento on-line). Conforme Gast (1977), as cargas do tipo permanente podem ser positivas ou negativas. No entanto, ao considerarmos os tamanhos iônicos, a substituição normalmente ocorre com a substituição de um elemento de maior valência por um de menor valência, levando a um déficit de carga positiva na estrutura cristalina e, como consequência, à expressão de carga negativa na superfície do coloide. Em alguns casos, as substituições isomórficas também constituem fonte de cargas positivas — por exemplo, quando o cátion substituto apresenta carga maior em relação ao íon que será substituído. Cargas variáveis Os coloides, sejam eles orgânicos, sejam inorgânicos, apresentam cargas em sua superfície associadas a grupos carboxílicos (OH−), as quais são altamente dependentes do pH. Essas são chamadas de cargas variáveis e se originam de reações em que ocorre a associação de íons de hidrogênio (protonação e deprotonação) e adsorção de cátions e ânions, podendo tornar os solos pre- dominantemente negativos ou positivos. Cargas elétricas no solo4 Segundo Weber (2000), as fontes das cargas variáveis nos solos incluem a matéria orgânica, as arestas dos minerais de argilas e ainda os óxidos e oxi-hidróxidos de ferro (Fe), alumínio (Al), manganês (Mn), silício (Si) e titânio (Ti) — veja mais na Figura 3. Elas têm grande ocorrência em solos tropicais, que, em sua maioria, apresentam na fração coloidal argilas do tipo 1:1 e óxidos de Fe e Al. Figura 3. Óxido de ferro goethita. Veja que as lâminas de octaedros deixam espaços internos (túneis), em que ânions e até metais pesados catiônicos podem ser adsorvidos. Fonte: Universidade Federal de Santa Maria (2006, documento on-line). As cargas variáveis são de grande importância nos solos altamente intem- perizados. Esses solos, especialmente nas camadas subsuperficiais, apresentam pouquíssima quantidade de cargas permanentes à medida que a intemperização aumenta. Tal situação afeta a fertilidade do solo e a produtividade das culturas (LANDELL et al., 2003). A maioria das cargas associadas ao húmus, às argilas 1:1, aos óxidos de Fe e Al, além das alofanas, são variáveis. Leia mais sobre tais situações acom- panhando as Figuras 4 e 5. 5Cargas elétricas no solo Figura 4. Principais grupos químicos responsáveis pela elevada quantidade de carga negativa nos coloides do húmus. Fonte: Brady e Weil (2013, p. 273). Os três grupos em destaque na Figura 4 incluem hidroxilas (–OH), que podem perder seu íon hidrogênio por dissociação e, assim, tornar-se negativa- mente carregadas. Note que os grupos fenólicos, carboxílicos e alcoólicos no lado direito do diagrama são mostrados em seu estado dissociado, enquanto aqueles do lado direito ainda estão com seus íons de hidrogênio associados. Note também que a associação com um segundo íon de hidrogênio faz com que sejam liberados sítios que exibem cargas positivas. Figura5. Modo como as cargas dependentes do pH se formam em um bordo quebrado de um cristal de caulinita. Fonte: Brady e Weil (2013, p. 276). Cargas elétricas no solo6 Três fontes de carga líquida superficial negativa, em condições de pH elevado, são ilustradas na Figura 5: � (A) Uma carga (−1) a partir do oxigênio dos octaedros que perdeu o seu íon de hidrogênio (H+) por dissociação (o H se dissociou do grupo hidroxila da superfície em direção à solução do solo). Perceba que tal dissociação pode gerar cargas negativas em qualquer superfície planar com hidroxilas, e não apenas em um bordo quebrado. � (B) Metade (−1/2) de uma carga de cada um dos oxigênios octaédricos que normalmente estaria compartilhando seus elétrons com o alumínio. � (C) Uma carga (−1) a partir de um átomo de oxigênio tetraédrico que normalmente estaria equilibrado pela ligação com um íon de silício, se não estivesse em um bordo quebrado. Os diagramas do centro e da direita da Figura 5 mostram o efeito da acidi- ficação (diminuição do pH), que aumenta a atividade de íons H+ na solução do solo. No menor pH mostrado (à direita), todos os oxigênios do bordo têm um íon H+ associado, dando origem a uma carga líquida positiva sobre o cristal. Em resumo, as cargas presentes no solo podem ter diferentes origens. Aquelas que independem da composição do solo e têm sua origem a partir da troca entre cátions de valência diferentes são chamadas de cargas permanentes. Aquelas oriundas da matéria orgânica do solo e de arestas de minerais, por sua vez dependentes do pH do solo, são denominadas cargas variáveis. Considerando que os solos têm uma mistura de coloides (orgânicos e inorgânicos), encontramos neles ambos os tipos de cargas. No entanto, predominam cargas per- manentes negativas em solos de climas temperados, pois normalmente são formados por argilas do tipo 2:1. Já as cargas negativas variáveis predominam em solos de argilas silicatadas tipo 1:1 e óxidos de Fe e Al, como os solos desagregados dos trópicos; além deste, estão presentes também em solos ricos em matéria orgânica. 7Cargas elétricas no solo 2 Importância das cargas elétricas nas propriedades químicas dos solos O comportamento dos solos é afetado diretamente pela presença de cargas em suas frações coloidais. O estudo de tal fração e de suas propriedades elétricas é de suma importância, pois fornece informações que auxiliam no entendimento dos diversos fenômenos que ocorrem nesse local. Tais cargas, existentes nas superfícies das frações coloidais, têm a capacidade de atrair ou repelir substâncias que estão presentes na solução do solo, influenciando de forma significativa o comportamento químico e físico do solo. Adsorção de cátions e ânions O processo de retenção de íons se dá em função dos diferentes grupos funcionais e de suas cargas nos coloides do solo. A retenção acontece por meio da adsorção de cátions e da adsorção de ânions. A adsorção consiste no acúmulo de uma substância entre uma superfície sólida e a solução adjacente. Assim, a adsorção dos íons pelos coloides do solo interfere na disponibilidade e mobilidade desses coloides, afetando diretamente a fertilidade do solo e a qualidade ambiental. Brady e Weil (2013) exemplificam que, em solos pertencentes a regiões de clima temperado, normalmente os ânions, comparativamente aos cátions, são adsorvido em menor quantidade. Essa situação ocorre em função de esses solos terem mais argilas silicatadas do tipo 2:1, que, por sua vez, têm cargas predominantemente negativas. Os mesmos autores ainda explicam que, em solos mais intemperizados, ácidos e ricos em argila do tipo 1:1 e óxidos de Fe, como é o caso dos solos tropicais, as cargas positivas são abundantes e, assim, a adsorção de ânions é predominante. De acordo com a natureza das forças envolvidas no processo, a adsorção pode ocorrer de forma química (quimissorção) e física (fisissorção). A adsorção química é altamente específica. Ela resulta em uma reação química, uma vez que envolve a troca ou compartilhamento de elétrons entre as moléculas do adsorvato e a superfície do adsorvente. Nem todas as superfícies sólidas têm em sua estrutura sítios adsorventes. No processo de ligação do adsorvato ao adsorvente, a adsorção física envolve interações fracas atribuídas às forças de Van der Waals A adsorção física é inespecífica e ocorre em toda superfície adsorvente (NASCIMENTO et al., 2014). Segundo Foust et al. (1982), a adsorção física é rápida e reversível, não havendo alteração na natureza química do adsorvato, pois este não sofre quebras ou formação de ligações. Cargas elétricas no solo8 A quimissorção de cátions é o mecanismo pelo qual ocorre a retenção de cobre (Cu), zinco (Zn), parte do potássio (K) e grande parte do Al na presença de argilominerais 2:1. A adsorção química de ânions pode comprometer a dispo- nibilidade às plantas em solos tropicais, principalmente quando o pH for baixo. Segundo Alleoni et al. (2005), por meio da quimissorção a matéria orgânica do solo se liga fortemente aos íons metálicos com a formação de complexos, o que envolve diversos grupos funcionais das substâncias húmicas. Na retenção do cobre (Cu), a matéria orgânica constitui um dos principais atributos, pois a adsorção específica gera um alto grau de seletividade entre ela e o Cu (GUILHERME; ANDERSON, 1998). Na fisissorção de cátions, os cátions são atraídos por cargas negativas dos coloides do solo, pois estão hidratados. São adsorvidos por esse processo os íons de sódio (Na+), potássio (K+), cálcio (Ca+2) e magnésio (Mg+2) disponíveis para as plantas. Assim, eles podem ser trocados por outros cátions, e esse fenômeno passa a ser tratado como adsorção e troca de cátions. Conforme Nunes (2005), alguns fatores podem afetar a adsorção em solos de cargas variáveis. São eles: � Cargas de superfície: em altas concentrações de eletrólitos, com redução da camada difusa, as regiões positivas ou negativas adsorvem ou repelem cátions independentemente. Em baixa concentração de eletrólitos, quando as camadas difusas sobrepõem as regiões positivas e negativas próximas a ela, a quantidade e força de adsorção dos cátions é reduzida. � pH: valores de pH acima do ponto de carga zero geram predominância de cargas negativas; o contrário ocorre com valores abaixo do ponto de carga zero, quando as cargas positivas predominam. � Concentração de íons na solução: no caso dos íons de potássio, por exemplo, a adsorção aumenta conforme maior a concentração de K+. � Ânions acompanhantes: a adsorção cátions pode ser afetada, por exemplo, quando ocorre a formação de pares iônicos, pois a concentração de determinados ânions permitem a maior ou menor concentração de cátions. 9Cargas elétricas no solo Capacidade de troca catiônica A capacidade de troca catiônica, também conhecida pela sua abreviação CTC, é um parâmetro quantitativo. Consiste nos processos reversíveis pelos quais ocorre a adsorção dos íons da fase aquosa do solo pelas partículas sólidas, ao mesmo tempo que solubilizam quantidades equivalentes de outros cátions e geram um equilíbrio entre as fases aquosa e sólida (FASSBENDER; BOR- NEMISZA, 1984). As substâncias húmicas, as argilas minerais e os óxidos de Fe e Al apre- sentam superfície de troca e são os principais coloides responsáveis pela CTC dos solos sob condições tropicais. Por terem maior número de cargas negativas comparativamente às positivas, a adsorção nesses coloides é principalmente de cátions. Entretanto, nesses coloides, especialmente nos óxidos de Fe e Al, encontram-se sítios com carga positiva que, por sua vez, atraem ânions (RONQUIM, 2010). A CTC representa a quantidade de cátions que um solo é capaz de reter por unidade de peso, expressa como o número de centimoles de carga positiva (cmolc) que pode ser adsorvido por unidade de massa. Assim, um solo com CTC de 20 cmolc/kg indica que 1 kg desse solo pode conter 20 cmolc de íons de hidrogênio H+ e pode trocaressa quantidade de cargas de íon H+ pela mesma quantidade de cargas de qualquer outro cátion. O pH do solo é capaz de interferir na CTC dos solos, pois a CTC varia em função da existência de cargas negativas dependentes do pH. Brady e Weil (2013) afirmam que, em pH baixo, as argilas do tipo 2:1, além de uma reduzida porção de cargas dependentes do pH dos coloides orgânicos, das alofanas e de algumas argilas do tipo 1:1, retêm os cátions com suas cargas permanentes. Já em pH elevado, a CTC é aumentada, visto que há maior número de cargas negativas de algumas argilas silicatadas do tipo 1:1, do húmus, dos óxidos de Fe e Al e da alofana. Veja mais na Figura 6. Cargas elétricas no solo10 Figura 6. Influência do pH sobre a capacidade de troca de cátions de dois minerais de argila e húmus. Fonte: Brady e Weil (2013, p. 285). A Figura 6 mostra que, em condições de pH abaixo de 6,0, as cargas da esmectita são bastante constantes, e isso se deve, principalmente, às subs- tituições isomórficas, que são consideradas como fornecedoras de cargas permanentes. Acima de pH 6,0, a carga da esmectita aumenta um pouco com o pH (área sombreada), por causa da ionização do hidrogênio dos grupos de hidroxilas expostos nas bordas dos cristais. Em contraste, as cargas da caulinita e do húmus são todas variáveis, aumentando com a elevação do pH. O húmus tem um número muito maior de cargas do que a caulinita. A caulinita, em condições de pH baixo, tem uma CTC líquida negativa, porque o número de cargas positivas supera o das negativas. 11Cargas elétricas no solo No Quadro 1, você pode verificar a capacidade de troca de cátions de alguns coloides de solos tropicais. Fonte: Adaptado de Ronquim (2010). Coloide CTC — mmolc dm−3 Caulinita* Montmorilonita* Ilita* Vermiculita* Alofana* Óxidos de Fe e Al Substâncias húmicas 50–150 500–1.000 100–500 1.000–1.500 250–700 20–50 1.500–5.000 * Argilas minerais. Fe: ferro; Al: alumínio. Quadro 1. Capacidade de troca de cátions (CTC) de alguns coloides do solo sob condi- ções tropicais Troca de ânions Assim como a CTC, existe também a capacidade de troca de ânions (CTA), que consiste na soma total de ânions que um solo pode adsorver. Considerando, mais uma vez, que cargas negativas são encontradas em maior quantidade nos coloides do solo, a CTA é menor quando comparada à CTC. Outro fator distinto entre CTC e CTA é que a última reduz à medida que o pH aumenta, assim, em alguns solos tropicais ácidos, a capacidade de troca de ânions pode superar a capacidade de troca de cátions. A troca de ânions é de suma importância para a obtenção de ânions para o crescimento das plantas, retardando a lixiviação em determinados tipos de solos (BRADY; WEIL, 2013). Cargas elétricas no solo12 De acordo com Schroeder (2017), fosfato (PO4), sulfato (SO4), nitrato (NO3), cloreto (Cl), malato, citrato, permanganato (MnO4 2−) e tetra-hidroxiborato (B(OH)4 −) constituem os principais ânions trocáveis. A afinidade de troca, bem como a energia de ligação deles, depende da hidratação e da valência, sendo que íons de PO4 3− e SO4 2− são adsorvidos em quantidades significativas, já os íons NO3 − e Cl− são retidos muito fracamente, ocorrendo majoritariamente na solução do solo e se tornando muito susceptível à lixiviação. Cátions trocáveis no solo As propriedades do solo podem sofrer influência direta dos cátions trocáveis dominantes. De acordo com Ronquim (2010), a soma de bases trocáveis do um solo expressa o somatório dos teores de cátions permutáveis, com exceção dos íons H e Al. Estes últimos normalmente dominam os solos ácidos, contribuindo com a concentração de íons H na solução do solo. A soma das bases trocáveis é denominada saturação por bases e tem como objetivo a expressão em porcentagem de capacidade de troca de cátions. Cátions como o Ca, Mg e K são denominados de bases trocáveis por se comportarem de tal forma, neutralizando a acidez de solos ácidos; no entanto não são bases. A saturação por bases é de grande importância no estudo da fertilidade do solo, além de ser utilizada também como um parâmetro complementar na nomenclatura dos solos. A CTC do solo representa a graduação da capacidade de liberação de diversos nutrientes no solo, garantindo a manutenção da fertilidade do solo por um longo período de tempo. Tal situação ainda reduz efeitos tóxicos a partir da aplicação de fertilizantes. Ao considerarmos as cargas elétricas como fator de grande relevância na composição química do solo, verificamos que diversos parâmetros têm relação direta com as cargas elétricas dos coloides do solo e, sejam elas positivas, sejam negativas, interferem em seu comportamento. 13Cargas elétricas no solo 3 Qualidade química dos solos Fatores que afetam a qualidade química do solo Alguns fatores podem ter efeito direto na qualidade dos solos, apresentando grande relevância nos estudos de interesse agronômico ou ambiental. Entre esses fatores podemos citar o pH, capacidade de troca de cátions e ânions e nutrientes disponíveis. O pH expressa a quantidade de íons H+ existente no solo, permitindo inferir, por exemplo, se um solo é ácido (quando tem muitos íons H+ e poucos íons Ca2+, Mg2+ e K+ adsorvidos em sua fração coloidal). As plantas retiram os nutrientes para seu metabolismo diretamente da solução do solo, e o pH dessa solução afeta a eficiência da absorção. A solubilidade dos nutrientes, da mesma forma, dependem do pH da solução do solo. O pH fornece indícios das condições gerais do solo, uma vez que solos com baixos valores de pH normalmente são pobres em Ca e Mg, além de terem Al em teores tóxicos, excesso de Mn, alta fixação de fósforo (P) nos coloides e deficiência de micronutrientes (RONQUIM, 2010). No Quadro 2 você pode ver a faixa de pH mais adequada para diferentes culturas. Cultura pH mais favorável Cultura pH mais favorável Cultura pH mais favorável Abobo- reira 5,5–6,5 Capins 5,5–7,0 Melancia 5,0–5,5 Aipo 6,0–7,0 Cebola 6,0–6,5 Milho 5,5–7,0 Alface 6,0–7,0 Cenoura 5,7–7,0 Moran- gueiro 5,2–6,5 Alfafa 6,5–7,5 Centeio 5,5–7,0 Mostarda 5,5–6,5 Algodoeiro 5,5–6,5 Cevada 5,5–7,0 Nabo 5,5–6,5 Arroz 5,0–6,5 Cítricos 5,0–7,0 Pepineiro 5,5–6,7 Aspargo 6,0–7,0 Couve 5,7–7,0 Pimentão 5,5–6,5 Aveia 5,5–7,0 Couve-flor 6,0–7,0 Quiabeiro 6,0–6,5 Quadro 2. Faixas de pH mais adequadas para algumas culturas (Continua) Cargas elétricas no solo14 Fonte: Adaptado de Malavolta (1989). Cultura pH mais favorável Cultura pH mais favorável Cultura pH mais favorável Batatinha 5,0–5,5 Cowpea 5,5–7,0 Repolho 5,7–7,0 Batata doce 5,0–5,7 Ervilha 6,0–7,0 Soja 5,5–7,0 Beringela 5,5–6,0 Espinafre 6,0–7,0 Sorgo 5,5–7,0 Beterraba 6,0–7,0 Feijoeiro 5,5–6,7 Tomateiro 5,5–6,7 Cafeeiro 5,5–6,5 Fumo 5,2–5,7 Trevos 6,0–7,0 Cana-de- -açúcar 5,5–6,5 Macieira 5,7–7,5 Trigo 6,0–7,0 Quadro 2. Faixas de pH mais adequadas para algumas culturas (Continuação) A capacidade de troca de cátions e de ânions é um atributo de grande importância para o estudo de solos. Ela é condicionada pela quantidade relativa dos diferentes coloides e pela CTC de cada um. Brady e Weil (2013) afirmam ainda que os cátions trocáveis associados aos coloides do solo podem variar dependendo da região — por exemplo, íons hidróxidos de alumínio, Ca+2, Al3+ e H+ são proeminentes em regiões úmida, enquanto Ca2+, Mg2+ e Na+ são mais predominantes em regiões de baixa pluviosidade. Assim, os cátions que dominam o complexo de troca dos coloides têm influência determinante nas propriedades do solo. A disponibilidade de nutrientes está diretamente relacionada com a fertilidade do solo, que, por sua vez, tem relação com parâmetros como pH, CTC e CTA. Para Schroeder (2017), a fertilidade consiste na capacidade que um solo tem de atuar como habitat para as plantas, além de produzir materiais de plantas para a colheita. A fertilidade do solo pode sofrer variações em função da sua saturação de bases, por exemplo, em que um solo distrófico(com saturação menor do que 50%) aparentemente tem menor capacidade de ceder nutrientes em compara- ção a um solo eutrófico (com saturação maior do que 50%). No entanto, tais informações são dependentes de outros fatores, como a CTC do solo, já que o solo distrófico pode apresentar uma CTC superior do que o solo eutrófico e, 15Cargas elétricas no solo assim, apresentar condições mais favoráveis para fornecer maior quantidade de nutrientes para as plantas (MENDES, 2007). Correção química do solo A correção dos solos, buscando a correção de acidez e o suprimento de Ca e Mg, é realizada especialmente por meio da calagem. Esse processo tem como principais efeitos a correção da acidez e o suprimento de Ca e Mg, ao mesmo tempo que reduz a toxicidade por Al e Mn. Ainda, a calagem resulta no aumento da capacidade de troca de cátions e na disponibilidade de nutrien- tes como nitrogênio (N), fósforo (P), enxofre (S) e molibdênio (Mo). Com a elevação do pH ocorre a redução gradual da disponibilidade de Cu, Fe, Mn e Zn; o aumento da mineralização da matéria orgânica; e o aumento do volume de solo explorado pelas raízes. A redução da fixação do P favorece a fixação simbiótica de N por bactérias e contribui, de forma significativa, na melhoria das propriedades físicas e biológicas do solo (BERNARDI et al., 2003). O sucesso da correção por meio da calagem depende de três fatores principais: a dose adequada, a qualidade do produto e a aplicação correta. O primeiro passo para a prática da calagem é constatar a sua necessidade a partir de uma análise de solo e da identificação da espécie vegetal a ser cultivada naquele solo. Para isso, Luz, Ferreira e Bezerra (2002) recomendam atenção aos aspectos a seguir. � Tipo de corretivo a ser utilizado: os calcários são os mais utilizados por seu menor custo e sua abundância na natureza. São encontrados em forma de rocha, que é moída e peneirada para ser aplicada no solo. � Quantidade de calcário a aplicar: para calcular a quantidade a ser aplicada existem três formas principais utilizadas no Brasil, listados a seguir. Caso a calagem seja feita como investimento para vários anos, não há um limite para a quantidade de calcário aplicada de uma só vez. ■ Método de neutralização do Al+ e fornecimento de Ca2+ + Mg2+. ■ Método da saturação de bases trocáveis. ■ Método da solução tampão SMP. Os calcários atuam no solo formando íons Ca2+ , Mg2+ e HCO3− (solubilização e dissociação). O íon HCO3− reage com a água formando íons OH− (hidroxila), água e CO2 − As hidroxilas reagem com os íons Al3+ e H+ adsorvidos, formando hidróxido de alumínio insolúvel (ocorrendo a neutralização) e água (que imobiliza o alumínio tóxico). Com isso, liberam as cargas que anteriormente Cargas elétricas no solo16 eram ocupadas por esses elementos, para que sejam ocupadas pelos íons de Ca2+ e Mg2+ (MALAVOLTA, 1989). Para que esse processo ocorra perfeitamente, o calcário deve estar em contato com todas as partículas do solo úmido. Conforme Ronquim (2010), a maioria dos calcários que são comercializados no Brasil demoram um período de três meses para reagir completamente no solo. Na Figura 7, você pode observar os resultados obtidos da reação de calcário em solo do Cerrado e seu efeito na elevação do pH. Você pode ver um efeito mais rápido do que o citado por Ronquim (2010), no entanto, o mesmo autor justifica que esse efeito resultou das pequenas quantidades de solo e calcário envolvidas e da ótima condição de umidade. Em campo, tais condições são difíceis de serem obtidas, levando mais tempo para que ocorra a estabilização do pH. Figura 7. Alteração nos valores de pH do solo, coletados em 20 cm de profundidade sob vegetação de Cerrado, em São Carlos–SP (latossolo álico), e medidos em água e em solução de KCl e CaCl2 após adição de calcário dolomítico na proporção de 1 g de calcário por kg de solo. Fonte: Ronquim (2010, documento on-line). Os processos e reações que ocorrem no solo são de extrema importância para a manutenção da qualidade química dos solos. No entanto, dependendo do objetivo do produtor para determinada área, em determinando tipo solo, suas características químicas podem ser corrigidas, de forma a constituir-se um compartimento fértil. 17Cargas elétricas no solo ALLEONI, L. R. F. et al. Atributos do solo relacionados à adsorção de cádmio e cobre em solos tropicais. Acta Scientiarum Agronomy, v. 27, n. 4, p. 729–737, 2005. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciAgron/article/view/1348. Acesso em: 21 jun. 2020. BERNARDI, A. C. C. et al. Correção do solo e adubação no sistema de plantio direto nos cerrados. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2003. (Documentos, 46). Disponível em: https:// ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/60852/1/doc-46-2003.pdf. Acesso em: 21 jun. 2020. BRADY, N. C.; WEIL, R. R. Natureza e propriedades dos solos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. FASSBENDER, H. W.; BORNEMISZA, E. Química de suelos: com énfasis em suelos de América Latina. 4. ed. 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No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. NASCIMENTO, R. F. et al. Adsorção: aspectos teóricos e aplicações ambientais. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2014. NUNES, W. A. G. A. A troca catiônica sob abordagem termodinâmica: fatores intervenientes e as equações de massas. Dourados: Embrapa Agropecuária Oeste, 2005. (Documentos, 71). Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/38090/1/ DOC200571.pdf. Acesso em: 21 jun. 2020. RONQUIM, C. C. Conceitos de fertilidade do solo e manejo adequado para as regiões tro- picais. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite, 2010. (Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento, 8). Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/ item/31004/1/BPD-8.pdf. Acesso em: 21 jun. 2020. SCHROEDER,D. 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Pedologia: solos dos biomas brasileiros. Viçosa: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 2017. 19Cargas elétricas no solo