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Educação de 0 a 3 anos 51 aguar plantas e, o mais importante, brincar e aprender no lavatório. A educa- dora-referência, juntamente com seu pequeno grupo, pode permitir às crian- ças que tenham tempo bastante para experimentar com a água corrente. As torneiras abertas oferecem a experiência de tentar pegar, com um dedo e o polegar, a coluna de água que cai, e observar a espiral que ela faz ao desapa- recer no ralo. Essa experiência é impossível de se fazer em um lavatório lotado, onde quaisquer experimentos têm a probabilidade de levar a esguichos e ala- gamentos, devendo ser desestimulada firmemente pelas funcionárias. Como no caso da caixa de areia, quando um recipiente para água estiver disponível na sala, é desejável que haja também uma caixa para as crianças menores ficarem em cima, pois, se elas não forem altas o suficiente, a água irá constantemente escorrer e molhar seus braços e cotovelos. Aventais têm de ser pendurados ao alcance das mãos e seu comprimento deve ser suficiente para cobrir os calçados; caso contrário, a água pode escorrer pela frente do avental e molhar os pés das crianças. Deve-se ainda tomar cuidado para que punhos e mangas sejam arregaçados, pois ficar com as mangas molhadas é bastante desa- gradável e pode estragar o blusão. A temperatura da água precisa ser tépida, e uma toalha posta à disposição para secar as mãos. Deve haver ainda uma variedade de equipamentos, porém estes não pre- cisam ficar todos dentro do recipiente de água ao mesmo tempo, pois é essen- cial que ele não esteja atulhado de coisas. As educadoras têm de observar a qualidade do brincar e da experimentação que os itens oferecem e suprimir alguns itens, colocando novos periodicamente. Sugerimos alguns itens para a caixa de água, como: • caneca com pegador; • pequenos recipientes; • lata com buracos feitos na parte inferior; • aguador de metal com bico fino para aguar plantas em ambientes internos; • chaleira para chá, pequena e de metal, com uma tampa com dobradiça • funis de vários tamanhos; • canos em vários tamanhos, transparentes e opacos; • recipientes com aberturas estreitas para encher e mensurar; • rolhas e bolas de pingue-pongue para deixar boiando; • seixos para deixar afundar; • tigela de madeira pequena (para encher até que afunde). Uma das visões mais tristes que se pode ter em relação a uma caixa de água é um boneco “afogado”, boiando de cabeça para baixo. Dar banho nas bonecas deve ser uma operação bem-distinta, com seu próprio equipamento, que consiste de uma tigela, esponja, sabão, talco, um tabuleiro para trocar suas roupas e toalhinhas penduradas em ordem. Isso requer manutenção re- gular para que a aparência do conjunto seja convidativa. 52 Elinor Goldschmied e Sonia Jackson RESUMO Pelo fato de os adultos e as crianças passarem muito tempo nas creches, é importante criar um ambiente que seja confortável e visualmente satisfatório para todos. Em comparação com os sistemas de agrupamento com idades mistas, é mais fácil conciliar o arranjo da sala para grupos com as necessida- des relativas ao desenvolvimento das crianças, quando estas são agrupadas por idade. Um planejamento cuidadoso é necessário para garantir que o espa- ço seja usado da forma mais vantajosa possível, e para evitar estresse desne- cessário para as educadoras. Uma ampla gama de materiais cuidadosamente escolhidos e facilmente acessíveis estimula o brincar iniciado e dirigido pelas próprias crianças e permite ao adulto escolher o papel de facilitador, em vez de sempre dirigir as atividades. Educação de 0 a 3 anos 53 c a p í t u l o 3 O educador-referência ... lembra da época Antes da cera endurecer, Quando cada um era como um selo. Cada um de nós carrega a marca De um amigo encontrado ao longo do caminho. Primo Levi, 1985 maioria das pessoas que trabalha com crianças pequenas tem plena consciência de que o crescimento satisfatório depende de entender todos os aspectos do desenvolvimento das crianças como uma totali- dade. Houve uma época em que se pensou que, se a comida e o calor, a limpe- za, o sono e a segurança fossem adequados, o desenvolvimento precoce sau- dável estaria garantido. No passado, os sentimentos amorosos instintivos de adultos próximos aos bebês foram muitas vezes desconsiderados ou ativa- mente desestimulados, ao mesmo tempo em que muito dificilmente se levava em consideração os sentimentos dos próprios bebês. Ter uma melhor compreensão de como as crianças se sentem, como te- mos agora, não tornou mais fácil nossa tarefa de cuidar delas em creches. Na verdade, tornou-a muito mais difícil, complexa e exigente. Neste capítulo, enfocamos a dificuldade específica de satisfazer as necessidades emocionais de uma criança – o que tem implicações para todos os outros aspectos do desenvolvimento – em um centro de grupo. As pesquisas sobre creches na década de 1980 mostraram que as crian- ças eram tipicamente cuidadas por muitas funcionárias diferentes ao longo do dia (Bain e Barnett, 1980). Além disso, se acompanharmos uma determi- nada criança ao longo de um dia na creche, podemos verificar que ela des- fruta por pouco tempo (se é que desfruta) da atenção próxima e não com- partilhada de um adulto (Marshall, 1982). Essa conclusão é quase que inva- A 54 Elinor Goldschmied e Sonia Jackson riavelmente relatada por estudantes que pesquisam sobre temas infantis nas creches, e é mais preocupante no caso de uma criança que esteja na creche porque se pensa que ela não recebe atenção ou estímulos suficientes em casa. À época em que as crianças bem pequenas ficavam em creches residenciais e casas da criança, muitas vezes os visitantes passavam pela experiência de vê-las se aproximarem deles, perguntarem seus nomes, quererem senta em seus colos e tocá-los ou mesmo beijá-los. Essas crianças foram com frequência descritas como sociáveis, amigáveis ou “muito afetuosas”, e tais concepções errôneas ainda emergem ocasionalmente em relatos de assistentes sociais ou visitadoras de saúde* em investigações sobre abuso infantil. Agora sabemos que essa não é a forma normal com que as crianças reagem a estranhos, e que tal comportamento indica que elas estão sofrendo sérias privações em suas relações pessoais, vivenciando pouco ou nenhum contato afetivo com outras pessoas. Essa forma diferente de interpretar o que percebemos provém do conhe- cimento que atingimos por meio de observações e pesquisas sobre as formas como a criança pequena desenvolve sua habilidade de construir relaciona- mentos. A sociabilidade verdadeira provém da experiência de receber afeto digno de confiança de algumas pessoas próximas. Os seres humanos têm grande resiliência, e alguns indivíduos demonstram uma capacidade surpreendente de superar e recuperar-se de experiências precoces danosas, mas muitos não a têm. É inescusável para nós repetirmos os erros ignorantes do passado no cuidado que oferecemos hoje às crianças pequenas. A negação de relações pessoais próximas constitui uma falha séria em muitas instituições de cuidado em grupos, que pode ser parcialmente superada por mudanças na organiza- ção. Entretanto, é essencial que todas as pessoas envolvidas compreendam as razões para tais mudanças e se comprometam a fazê-las funcionar. A IDEIA DE UMA EDUCADORA-REFERÊNCIA Em muitas áreas da assistência social, conferir a uma pessoa responsabi- lidade especial por um cliente ou usuário específico de serviços constitui uma prática bem instituída. Alguns centros familiares abraçaram a ideia de tal forma que a cada funcionária corresponde a responsabilidade por várias fa- mílias determinadas. *N. de T. Health visitors: profissional especializada no cuidado de crianças que visita os lares de crianças pequenas, aconselhando os pais e controlando aspectos como altura, peso, ali- mentação, etc. Na Inglaterra existe um programa governamental chamado Standard Health Visiting Programme, que acompanha o desenvolvimento da criança até os 5 anos. Educação de 0 a 3 anos 55 No entanto, isso não implica necessariamenteuma relação próxima en- tre adultos e crianças específicos. Observamos, muitas vezes, em creches a suposta “educadora-referência” para uma criança cuidar de tarefas impesso- ais, enquanto a criança era confortada ou alimentada por outra funcionária. A menos que seja conferida primazia ao sistema de educador-referência na organização do dia, a criança pode acabar tendo menos contato com a fun- cionária que foi designada para cuidar dela do que tem com qualquer dos outros adultos. Nesse caso, esse relacionamento pode não ter qualquer sig- nificado verdadeiro para a criança. As crianças muito pequenas só podem reconhecer um interesse especial por elas se esse for expresso na interação pessoal próxima no dia a dia. O VALOR DE UM SISTEMA DE EDUCADOR-REFERÊNCIA Por que valeria a pena investir tempo, passar trabalho, para introduzir o sistema de educador-referência em uma creche na qual essa não é a prática utilizada? Temos de considerar essa questão não somente do ponto de vista da criança, mas também do ponto de vista da educadora que carrega a res- ponsabilidade emocional. Pensar sobre nossos próprios relacionamentos como adultos pode nos fornecer algumas respostas. A maioria de nós tem, ou gostaria de ter, um relacionamento especial com alguma pessoa na qual possamos confiar, um relacionamento que seja significativo e valioso para nós. Se estivermos longe dessa pessoa, temos ma- neiras de preservar a continuidade do relacionamento, mesmo quando a se- paração é por um período longo de tempo. Usamos o telefone, cartas, fotogra- fias, memórias, sonhos e fantasias para manter vivo o conforto que nos tra- zem esses relacionamentos humanos. Quando os perdemos, vivenciamos tris- teza e muitas vezes sentimentos profundos de desesperança. Se olharmos para o passado, podemos lembrar de pessoas que eram importantes para nossas vidas e que dão continuidade e significado às formas como conduzimos nos- sas vidas no presente – mesmo que elas não estejam mais presentes. Procura- mos muitas vezes repetir e desfrutar novamente do calor desses relaciona- mentos, de maneiras diferentes. As crianças pequenas com as quais trabalhamos, que ainda não dispõem da linguagem para expressar suas experiências, também precisam desses re- lacionamentos especiais, necessitando profundamente deles de uma forma imediata e concreta. Temos de considerar o sentido que dá uma educadora- -referência para uma criança pequena cujo pano de fundo é o que sabemos por nossas próprias experiências. Nunca podemos nos esquecer de que uma criança, especialmente uma muito pequena e quase que totalmente depen- dente, é a única pessoa em uma creche que não consegue entender por que está lá. Ela somente pode entendê-lo como abandono e, a menos que seja Capítulo 3 | O educador-referência