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INTRODUÇÃO GERAL À FILOSOFIA AULA 6 Prof. Robson Stigar 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, vamos conhecer um pouco mais das correntes filosóficas do fim do século XIX e início do século XX. Nosso objetivo é perceber que, nesse período histórico, o saber filosófico é caracterizado por uma grande pluralidade de abordagens, ideias e concepções. Dentre as correntes filosóficas que serão abordadas, destacamos o pensamento marxista, o existencialismo, a fenomenologia, a teoria crítica e o estruturalismo. TEMA 1 – MARXISMO O Marxismo é uma corrente filosófica do século XIX que fundamenta sua reflexão na análise das práticas sociais, tendo como principal representante Karl Marx. É importante destacarmos que essa corrente filosófica pode sofrer uma distinção em sua estrutura. Alguns teóricos, como Japiassú e Marcondes (2006), destacam que há o pensamento marxiano e o pensamento marxista. O primeiro se remete a toda a obra de Marx, que se fundamentava em alguns princípios como o materialismo histórico e a dialética como motor da história. E, para o segundo, o pensamento marxista refere-se à reflexão de outros autores que a partir dos pressupostos do pensamento de Marx desenvolveram outras análises sobre a realidade. Entretanto, é importante destacarmos que essa distinção tem um caráter didático, ou seja, facilita a compreensão de que há certas ideias, que posteriormente serão desenvolvidas – como as de Lenin e Trotsky –, mas que não são totalmente fiéis ao pensamento de Marx. Com base nessa compreensão, destacamos que o marxianismo é uma teoria filosófica que se contrapunha à filosofa de Hegel. Como vimos anteriormente em nossos estudos, esse autor desenvolveu toda sua teoria com base em uma perspectiva idealista e abstrata, ou seja: Considerava que a análise da consciência, realizada na perspectiva transcendental, ignorava a origem e o processo de formação dessa consciência, tomando-a como dada e analisando-a em abstrato. Sua filosofia parte assim da necessidade de examinar, em primeiro lugar, as etapas de formação da consciência, tanto em seu sentido subjetivo, no indivíduo, quanto em seu sentido histórico, ou cultural. (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 127) Marx inspirou-se na filosofia de Ludwig Feuerbach, que afirmava que o pensamento hegeliano era uma forma de especulação vazia, a partir da qual não é possível compreender a realidade. Afirmava que para tal era necessário 3 compreender o ser humano como um ser concreto, histórico e social. Essa compreensão, de caráter estritamente materialista, contrapunha-se a toda uma tradição filosófica que desnaturalizava o ser humano, e refletia o mesmo deslocado do contexto em que vive e das relações que estabelece com o meio. Considerando esses elementos, Marx segue a linha crítica em relação a Hegel, destacando que ele realizou uma inversão entre o que é determinante e determinado. Segundo o pensamento marxiano, o que determina a realidade material na qual a vida se desenvolve, e não as ideias abstratas, ou ainda as representações ou conceitos. Dessa forma, afirma que: As premissas de que partimos não constituem bases arbitrárias, nem dogmas; são antes bases reais de que é possível abstrair no âmbito da imaginação. As nossas premissas são os indivíduos reais, a sua ação e suas condições materiais de existência. (Marx; Engels, 2001, p. 4) Dessa forma, podemos afirmar que a grande crítica de Marx à filosofia hegeliana é que ela não era crítica o suficiente, pois “não atingia a verdadeira origem dessas ideias – a qual estaria na base material da sociedade, em sua estrutura econômica e nas relações de produção que a mantêm” (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 180). Essa concepção foi definida, posteriormente, como materialismo histórico: Indica a concepção materialista da história, segundo a qual os processos de transformação social se dão através do conflito entre os interesses das diferentes classes sociais: Até o presente toda a história tem sido a história da luta entre as classes, as classes sociais em luta umas com as outras são sempre o produto das relações de produção e troca, em uma palavra, das relações econômicas de sua época; e assim, a cada momento, a estrutura econômica da sociedade se constitui o fundamento real pelo qual devem-se explicar em última análise toda a super estrutura das instituições jurídicas e políticas bem como as concepções religiosas, filosóficas, e outra de todo o período histórico. (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 182) Para Marx, o indivíduo é formado por meio das relações sociais, com base nelas forma suas ideias, valores, comportamentos, refletem a sociedade na qual vivem. De outro, essas relações são consideradas como espelhamento da forma como os seres humanos realizam a produção dos bens, da forma como se organizam seus modos de produção. Como afirmam Marx e Engels (2001, p. 4): A forma como os homens produzem esses meios depende em primeiro lugar da natureza, ou seja, dos meios de existência já elaborados e que lhes é necessário reproduzir; mas não devemos considerar esse modo de produção deste único ponto de vista, isto é, enquanto mera reprodução da existência física dos indivíduos. Pelo contrário, já constitui um modo determinado de atividades de tais indivíduos, uma forma determinada de manifesta a sua vida, um modo de vida 4 determinado. A forma como os indivíduos manifestam a sua vida reflete muito exatamente aquilo que são. O que são coincide portanto com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que produzem como com a forma como produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção. Sob essa ótica, podemos afirmar que, para Marx, os modos de produção não são resultado da reflexão humana, mas por meio deles o ser humano se constitui como tal. Considerando, portanto, o trabalho como uma atividade essencial para o ser humano, passa a analisar a forma como esse se desenvolveu no cômputo da história, até chegar ao sistema capitalista, que para Marx tornou a vida das pessoas não apenas excludente, mas também alienada. Para realizar essa análise, Marx lança mão do método dialético. É importante destacarmos que esse método também fora utilizado por Hegel, entretanto, há diferenças substanciais. Como afirma Cotrim e Fernandes (2013, p. 296): “na concepção hegeliana a dialética torna-se instrumento de legitimação da realidade. No pensamento de Marx, ela leva ao entendimento da possibilidade de negação dessa realidade”, ou seja, como motor de transformação desta. Dessa forma, a teoria marxiana afirma que as grandes transformações históricas ocorreram por meio de mudanças revolucionárias no campo da economia, e foram causadas por contradições em seu próprio interior. Essas contradições são fruto da interposição das forças produtivas (trabalhadores e meios de trabalho) com as relações de produção. A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e escravo, mestre de corporação e aprendiz; numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta. (Marx; Engels, 1999, p. 8) Analisando a história, Marx identifica vários modos de produção: o comunismo do ser humano primitivo, a escravidão própria da Antiguidade, a servidão do período feudal e a exploração do capitalismo. A transição de cada um desses modos ocorreu quando O nível de desenvolvimento das forças produtivas entra em contradição com as relações sociais de produção Quando isso ocorre, há um sufocamento da produção em virtude da inadequação das relações nas quaisela se dá. Nesse momento, surgem as possibilidades objetivas de transformação desse modo de produção. (Cotrim; Fernandes, 2013, p. 296) 5 Analisando o contexto histórico, social e econômico do século XIX, Marx salienta que no seio do próprio capitalismo surgiu uma classe revolucionária, o proletariado, que com as condições de subsistência se tornam uma força de contraposição frente ao modelo econômico. É importante destacarmos que o pensamento de Marx tinha um comprometimento político com a sociedade em que vivia, e que fomentou inúmeras revoluções sociais no século XX, como também inspirou dezenas de pensadores das mais diversas correntes filosóficas. TEMA 2 – EXISTENCIALISMO O século XIX e XX foi marcado por uma série de mudanças sociais e acontecimentos históricos e sociais que impactaram profundamente a vida humana. A implementação e consolidação do capitalismo e seus modos de exclusão social e a realização de guerras que mataram milhões de civis, e promoveram o genocídio de vários grupos sociais, mostrando o lado mais cruel do ser humano, são exemplos reais desses acontecimentos. Destacamos que esse cenário promoveu o descrédito nas instituições sociais, o declínio das utopias e o fim das grandes ideologias de explicação do mundo. Nesse contexto, perguntas que sempre foram feitas pelo próprio ser humano surgem com uma perspectiva diferente, mais profunda e existencial: quem é o ser humano? Qual o valor que esse possui? Qual é o fundamento de suas ações? Há limites para a liberdade? Todas essas indagações foram assumidas por um conjunto de pensadores que buscaram dar explicações filosóficas, tentando compreender o mundo e reposicionar o ser humano frente às condições da existência. Dentre os diversos temas trabalhados pelos pensadores existencialistas, dois podem ser considerados como centrais: a liberdade e a angústia. Para a corrente existencialista, o ser humano não pode ser compreendido como um ser determinado, já que realidades transcendentais não têm esse poder. Assim, o ser humano é por sim indeterminado, ou seja, não há um destino a ser percorrido, não há um fim último a ser alcançado, a vida em si é fruto de escolhas. Assim, a liberdade é a realidade a partir da qual a existência se dá, e a imprevisibilidade é o que constitui a existência. A vida humana, portanto, é marcada pela multiplicidade de possibilidades, pela incerteza e pela busca. Compreendendo essa premissa, pode-se afirmar que o existencialismo é por excelência um humanismo, pois não afirma ou critica todas as formas 6 transcendentais ou idealistas de compreensão da vida. A autodeterminação, portanto, é a única possibilidade de o sujeito conferir sentido a sua existência. Dessa forma, a existência humana precede, ou seja, vem antes de qualquer essência que a ela é atribuída. O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a existência; o homem não é mais o que ele se faz. Tal é o primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que se chama a subjetividade, e o que nos censura sob este mesmo nome. Mas o que queremos dizer nós com isso, senão que o homem tem uma dignidade maior do que uma pedra ou uma mesa? Porque o que nós queremos dizer é que o homem primeiro existe, ou seja, que o homem, antes de mais nada, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se projetar no futuro. (Sartre, 1973, p. 11) Dessa forma, a liberdade e a indeterminação são compreendidas como o fundamento da existência, e a partir das quais é necessário que o ser humano busque estruturar sua vida. Entretanto, essa realidade de plena incerteza permite afirmar que ele é condenado à liberdade, ou seja, a total e plena escolha frente à realidade. Essa condição, segundo os pensadores do existencialismo, faz com que surja o sentimento de angústia, pois a contingência da vida não permite ter a certeza das consequências das escolhas. “Para o homem perdido no mundo e seus divertimentos, essa inquietação é um medo breve e fugidio. Mas, quando esse medo toma consciência dele mesmo, transforma-se em angústia” (Meier, 2014, p. 302). A angústia é concebida como a consciência que o ser humano tem de sua finitude, e ao mesmo tempo a compreensão de que a liberdade é a única coisa que lhe resta, forçando-a assim a assumir plenamente a sua existência. Nesse contexto, aparece o conceito de responsabilidade: sendo livre, o ser humano é responsável por sua autodeterminação. Mas, se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo homem no domínio do que ele é, de lhe atribuir a total responsabilidade de sua existência. E, quando dissemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens. (Sartre, 1973, p. 11) Dessa forma, o ser humano não tem como fugir da responsabilidade frente suas escolhas e ações. Uma vida autêntica exige que o sujeito se lance frente aos professos de significação, consciente que eles é que irão estabelecer o sentido que ele escolheu para sua existência. “Do sentido que o ser humano 7 imprime à sua ação decorre a autenticidade ou a inautenticidade da sua vida. A pessoa autêntica é aquela que se projeta no tempo, que pertence a sua mesma” (Meier, 2014, p. 303). Os principais pensadores da corrente existencialista são: Quadro 1 – Pensadores existencialistas Gabriel Marcel (1889-1973) Buscou compreender o drama da existência humana a partir de uma perspectiva metafísica, na qual o ser humano é entendido como um ser que trilha o caminho da vida em busca do sentido da existência, o qual encontra no semelhante e na fé em Deus. Martin Heideger (1889-1976) Afirmava que a existência deveria ser compreendida como um estar no mundo (dasein), no qual o ser humano desenvolve suas relações compreendendo a impossibilidade de realidades transcendentais, e a responsabilidade frente à liberdade. Sob essa ótica, destaca que uma vida eminentemente autêntica é aquela na qual o indivíduo tem consciência plena de suas escolhas. Karl Jaspers (1883-1969) Desenvolve seu pensamento acerca da angústia frente à realidade. Não compreende o ser humano como um ser generalizante, mas que em sua individualidade e subjetividade lança-se à experiência existencial buscando as possibilidades que esta oferece. Jean-Paul Sartre (1905-1980) Desenvolveu suas análises com base na reflexão sobre a condição humana frente à existência. Destacou que a liberdade é a maior expressão de uma existência plena, somente por meio dessa é que o sujeito pode fundamentar suas ações. Albert Camus (1913-1960) Por meio de suas obras literárias desenvolveu várias teorias filosóficas nas quais expressava a falta de referências e sentido da existência. Essa era expressa pelo sentimento de absurdo, a total falta de sentido frente à realidade. Nessa ótica, é que ele apresenta um problema que será considerado por outros tantos pensadores: o suicídio. Como enfrentar a total falta de sentido frente à existência? Uma das formas que esse autor apresenta para superar essa realidade é a revolta, que longe de ser vazia e plena de angústia, mobiliza o ser humano a se engajar em ações e lutas que visem objetivos comuns à humanidade. Por fim, é importante salientarmos que o existencialismo não pode ser concebido como uma corrente filosófica relativista, ou seja, que imprime à vida do sujeito as múltiplas possibilidades sem considerar o impacto delas na existência individual e coletiva. Esta é, sim, uma corrente que destaca a importância de uma vivência imanente, que considera a indeterminação humana e a responsabilidades que todos e cada um tem frentea essa. 8 TEMA 3 – FENOMENOLOGIA Esta é uma corrente filosófica do século XX que se posicionava de forma contrária ao pensamento positivista, que fundamenta toda sua teoria no “método empirista e quantitativo, pela defesa da experiência sensível como fonte do conhecimento” (Japiassú; Marcondes. 2006, p. 222). Para a fenomenologia, o pensamento positivista tem um caráter reducionista, impossibilitando a compreensão das demais realidades cuja mensuração, categorização e manipulação não é possível. Assim, colocando-se em uma perspectiva diversa de análise, a fenomenologia busca constituir uma ciência rigorosa. Edmund Husserl (1859- 1938), o principal representante da fenomenologia, buscava compreender os fenômenos não apenas pela experiência dos cinco sentidos, mas como eles se apresentam à consciência. Dessa forma, o fenômeno é “aquilo que aparece à consciência e manifesta a essência”, que em si se constitui uma “realidade derradeira sem a qual as coisas não seriam o que são” (Russ, 2015, p. 400). É importante destacarmos que a essência não se remete a realidades transcendentais, como a metafísica, mas à forma como a consciência abstrai a realidade analisada, independentemente de suas particularidades. Por exemplo, “a essência do triângulo é o conjunto de suas propriedades, sem as quais o triângulo não seria o que ele é; esse conjunto possui a sua especificidade em relação a qualquer triângulo” (Russ, 2015, p. 400). Assim, podemos definir a fenomenologia como “uma descrição das essências, as quais residem apenas nos fenômenos” (Russ, 2015, p. 400). Sob essa ótica, a fenomenologia também pode ser compreendida como a ciência das essências, as quais estão presentes nos fenômenos. Salientamos que o grande objetivo da fenomenologia é buscar o conhecimento por meio “de formas absolutas que permitam o exercício do pensamento e sem as quais as coisas não seria o que elas são” (Russ, 2015, p. 400). Para que esse intento fosse possível, foi fundamental reestabelecer um tipo de racionalidade diversa do positivismo, e que se fundamentasse na dúvida e no questionamento frente à realidade. Para isso, foi estruturado o método da redução fenomenológica que consiste no ato de isolar o “mundo objetivo com a suspensão de qualquer crença 9 existencial”; e o da redução transcendental que busca “isolar o meu eu empírico, de maneira a juntar-se à atividade do eu racional” (Russ, 2015, p. 401). Dessa forma, compreendendo a racionalidade como princípio último do conhecimento, é possível entender a realidade em sua essência. Um conceito fundamental para compreender a base do conhecimento fenomenológico é o da intencionalidade. Não sendo a investigação sobre a realidade de caráter empírico e objetivo, a consciência lança-se sobre a realidade com uma determinada intenção. Assim, “a consciência é consciência de algo: é uma intenção e uma pura transcendência. A palavra intencionalidade não significa nada mais que essa particularidade fundamental e geral que a consciência tem de ser consciência de algo” (Russ, 2015, p. 401). Dessa forma, o conhecimento, para a fenomenologia, tem caráter qualitativo e subjetivo, entretanto, isso não significa que seja um conhecimento intimista e particular. Ele expressa a verdade de um determinado grupo de fenômenos analisados por um interlocutor. Nesse contexto, podemos perceber que a clássica dicotomia entre sujeito e objeto é superada, tendo em vista que a abertura de consciência permite que a realidade seja significada e conhecida. TEMA 4 – ESCOLA DE FRANKFURT A Escola de Frankfurt iniciou seus trabalhos no ano de 1923, junto com o Instituto de Pesquisa Social. Os pensadores que a compõem baseiam suas análises em uma teoria crítica da sociedade, buscando compreender a complexidade da realidade por meio da dialética. Tem como ponto de partida a análise do projeto do Iluminismo, que buscou a emancipação dos sujeitos por meio do exercício da razão e do consequente progresso social. Entretanto, esse empreendimento não alcançou sua finalidade. Como afirma Meier (2014, p. 339), “se, inicialmente, queria libertar os homens, o iluminismo tornou os homens reféns, escravos de uma razão técnica, manipuladora, que tudo reduz a objeto”. Nesse sentido, O entendimento, que venceu a superstição, deve ter voz de comando sobre a natureza desenfeitiçada. Na escravidão a criatura ou na capacidade de oposição voluntária aos senhores do mundo, o saber que é poder não conhece limites. Esse saber serve aos empreendimentos de qualquer um, sem distinção de origem, assim como na fábrica e no campo de batalha, está a serviço de todos os fins da economia burguesa [...] a técnica é a essência desse saber. Seu 10 objetivo não são os conceitos ou imagens nem a felicidade da contemplação, mas o método, a exploração do trabalho dos outros [...] Sem escrúpulos para consigo mesmo o iluminismo incinerou os últimos restos da sua própria consciência de si. (Horkheimer; Adorno, 1991, p. 4) A essa compreensão foi dado o nome de razão instrumental, “uma vez que se reduz à fabricação de instrumentos e meios adequados para a realização dos fins previamente estabelecidos e controlados pelo sistema” (Meier, 2014, p. 340). Como afirma Horkheimer (2002, p. 6): Parece que enquanto o conhecimento técnico expande o horizonte da atividade e do pensamento humano, a autonomia do homem, enquanto indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao crescente mecanismo de manipulação de massas, o seu poder de imaginação e o seu juízo independente sofreram uma redução. O avanço dos recursos técnicos de informação se acompanha de um processo de desumanização. Sobre essa ótica é feita a denúncia de que essa razão instrumental viabiliza a “deturpação das consciências individuais, a assimilação dos indivíduos ao sistema social dominante e o desancamento do mundo” (Cotrim; Fernandes, 2013, p. 314). Uma das formas pelas quais esse processo foi desenvolvido é a Indústria Cultural. Essa é uma crítica frente aos meios culturais que reproduziam uma lógica própria do capitalismo buscando fomentar concepções, comportamentos, e massificar o pensamento crítico. Dessa forma, a Escola de Frankfurt denuncia que a razão iluminista foi asfixiada pelo capitalismo e sua lógica social, fazendo com que ela entrasse em um eclipse. Mas qual é a possibilidade de saída que a escola apresenta para essa condição? Uma das teorias é a necessidade de tornar essa razão instrumental em uma razão dialógica e comunicativa. Para isso, é necessário que ocorra uma mudança na concepção da razão, que não mais busca apresentar a verdade, ou efetivar o progresso, mas sim estabelecer consensos entre os sujeitos, por meio de diálogos pautados nos princípios da democracia. É importante destacarmos que essas teorias foram desenvolvidas por alguns pensadores, dentre eles: Quadro 2 – Pensadores da Escola de Frankfurt Max Horkheimer (1895-1973) Possui uma obra “voltada para os temas centrais da sociedade contemporânea como a família, a questão da autoridade política e do autoritarismo. A cultura de massas, a ideologia da sociedade burguesa. Apesar de ser crítico do materialismo dialético, Horkheimer pode ser considerado um neomarxista por seu uso de categorias do marxismo em 11 suas análises e por sua crítica ao positivismo sociológico” (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 136). Theodor Adorno (1903-1969) “Desenvolveu uma teoria crítica da ideologia da sociedade industrial e de sua cultura [...] Formulou o conceito de Indústria Cultural para caracterizar a exploração comercial e a vulgarização da cultura, principalmente através do rádio e do cinema. Denunciou sobretudo a ideologia da dominação da natureza pela técnica, que traz como consequência a dominação do próprio homem” (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 3). Hebert Marcuse (1898-1979) Umade suas maiores contribuições “foi a relação que desenvolveu entre o pensamento de Marx e o de Freud, em uma interpretação que realça o sentido literário tanto do marxismo quanto da teoria psicanalítica. Para Marcuse, a repressão sexual e a repressão social são indissociáveis em nossa cultura. Denunciou inclusive a aparente tolerância existente no liberalismo de certas sociedades industriais avançadas como uma pseudoliberdade, conduzindo no fundo ao conformismo” (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 177). Jürgen Habermas (1929) “Toma como ponto central de sua análise a racionalidade dessa sociedade [...] visa estabelecer os meios para se alcançar um fim determinado. Segundo essa análise, o desenvolvimento técnico, e a ciência voltada para a aplicação da técnica, que resultam dessa razão instrumental, acarretam a perda de autonomia do próprio bem, submetido igualmente às regras da dominação da técnica do mundo natural [...] Assim, é necessário portanto recuperar a dimensão da interação humana, de uma racionalidade baseada no agir comunicativo, entre sujeitos livres, de caráter emancipador em relação à dominação técnica [...] ao explicitar as condições da ação comunicativa, implícitas em todo uso significativo do discurso, permite o desmascaramento da ideologia e a retomada da razão emancipadora” (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 127). Por fim, ressaltamos que a Escola de Frankfurt, com base no pensamento e na atuação de Jürgen Habermas, continua ativa em sua reflexão acerca das relações sociais. TEMA 5 – ESTRUTURALISMO E CORRENTES PÓS-MODERNAS Na seara das correntes filosóficas que se desenvolvem no século XX, encontramos o estruturalismo, que considera a necessidade de perceber que em toda a realidade analisada deve-se buscar por uma estrutura fundamental. Por estrutura devemos compreender “um conjunto de elementos que formam um sistema, um todo ordenador de acordo com princípios fundamentais” (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 96). Essa abordagem filosófica se constitui mais que uma linha de pensamento, um método por meio do qual é possível compreender a 12 forma como a realidade é organizada, e como essa organização impacta na vida humana. Esse método foi utilizado pela primeira vez por Ferdinand Saussure (1857-1913), que, ao analisar as diferentes linguagens por uma perspectiva antropológica, afirmou “a predominância do sistema sobre os elementos, visando extrair a estrutura do sistema através da análise das relações entre os elementos” (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 96). Dessa forma, a linguagem não é apenas a conjugação lógica de símbolos, mas também o reflexo de como os diferentes sujeitos compreendem o mundo e a eles atribuem significado. A língua não possui apenas uma dimensão social, mas também uma que é individual, que é construída na inter-relação, e por meio da qual o sujeito atribui à realidade a sua percepção dela. Essa lógica de percepção nos permite compreender que o estruturalismo “parte do pressuposto que o ser humano está inserido em uma rede de relações que condicionam o seu comportamento. Há uma lógica social que antecede o indivíduo e é mais forte que a sua vontade individual” (Meier, 2014, p, 306). É importante destacarmos que essa percepção do estruturalismo se coloca em oposição à do existencialismo. Como vimos, esse afirmava a indeterminação do ser humano, e a liberdade incondicional que era aliada à responsabilidade. No estruturalismo, o ser humano está inserido em uma estrutura coletiva, sua ação e o exercício da liberdade perpassa toda uma lógica de reprodução dos princípios coletivos. Isso não significa que exista liberdade, mas que ela é exercida no cômputo das relações humanas. Para compreendermos essa afirmação, é necessário destacar a noção de poder. Esse, entendido como a capacidade de mobilizar os sujeitos em vistas de algo, não é exercido de forma unilateral ou ainda hierárquica, como no contexto da modernidade. A compreensão Iluminista de progresso e linearidade não se efetivou. O que há é a descontinuidade da fragmentação das formas de poder que se organizam enquanto redes de micropoderes. Como afirma Machado (1979, p. XIV): Os poderes não estão localizados em num ponto específico, da estrutura social. Funcionam como uma rede de dispositivos ou mecanismos a que nada ou ninguém escapa, a que não existe exterior possível, limites ou fronteiras. Dá a importante e polêmica ideia de que o poder não é algo que se detém [...] Não existe um lado os que têm poder e de outro aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, o poder não existe, existem sim práticas e relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se 13 exerce, que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina social, que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda estrutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas uma relação. Compreendendo as relações humanas inseridas em uma estrutura social que são articuladas considerando as relações de poder, inúmeras teorias foram sendo desenvolvidas. Os principais pensadores são: Quadro 3 – Pensadores estruturalistas Claude Lévi-Strauss (1908- 2009) Antropólogo francês que “aplicou o método estruturalista no estudo dos mitos e das relações de parentesco nas sociedades primitivas, tomando as estruturas sócias como modelos a serem descritos, estabelecendo o sentido da cultura em questão” (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 96). Jacques Lacan (1901-1981) Psicanalista francês, buscou explicar a estrutura da psique humana resgatando os elementos estruturais apresentados por Freud. Para isso, buscou analisar a forma como o inconsciente é estruturado, concluindo que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem; o inconsciente do sujeito é o discurso do outro [...] assim, devemos conferir à relação do homem com a linguagem uma dimensão totalmente diferente, pois ela é aquilo pelo qual nascem o sujeito humano e o mundo dos objetos. Porque é ingressando em sua ordem, submetendo seu desejo à sua grande regra de aliança e de troca, que o homem se constitui enquanto tal face a um mundo, ele mesmo resultado do arranjo das impressões sensíveis nas categorias de sentido” (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 162). Louis Althusser (1918-1990) Filósofo francês, buscou analisar alguns princípios da teoria marxista a partir do estruturalismo, buscando “investigar as bases epistemológicas dessa teoria, bem como seu papel político [nesse sentido [...] considerava a ciência não apenas como fenômeno de superestrutura, mas como produção de conhecimento, chegando inclusive a propor uma teoria do processo de produção do conhecimento” (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 7). Michel Foucault (1926-1984) Com base na teoria da microfísica do poder, desenvolveu uma genealogia do poder, buscando compreender a forma como esse foi estruturado e desenvolvido. Assim, ele “acompanha a evolução dos mecanismos de controle social e punição, que se tornaram cada vez menos visíveis e mais racionalizados. Caracteriza a sociedade contemporânea como uma sociedade disciplinar, na qual prevalece a produção de práticas disciplinares de vigilância e controles constantes que se estendem a todos os âmbitos da vida dos indivíduos” (Cotrim; Fernandes, 2013, p. 319). Jacques Derrida (1930-2004) Com base no método estruturalista busca compreender como a sociedade contemporânea é uma sociedade em desconstrução. Com a não efetivação do projeto do Iluminismo, a centralidade da razão, fez com que as construções racionalizadas que fundamentam a sociedade ocidental entrassem em colapso. Para isso, o autor estrutura um processo de análise que visa apresentar “como se dá a 14 construção de certas noções – por exemplo, o conceito de razão e os valores a ele associados; como depois essas noções passam a ter função predominante na culturaocidental; e por último como elas podem ser usadas como forma de dominação” (Cotrim; Fernandes, 2013, p. 319). Destacamos que o estruturalismo é compreendido como uma das principais correntes de pensamento do século XX, principalmente no que tange o estudo das ciências humanas. NA PRÁTICA Nesta aula, conhecemos as principais correntes filosóficas do século XIX e XX. Em nosso estudo, pudemos perceber o grande exercício que elas têm de apresentar que a lógica do Iluminismo, que procurava apresentar a racionalidade como princípios de todas as coisas, não se concretizou. Da mesma forma, o projeto que era proposto por esse movimento acabou desvirtuado de seu objetivo. Assim, escolha uma das correntes estudadas e busque, por meio dos princípios apontados por ela, refletir sobre o seu contexto social. FINALIZANDO Nesta aula, conhecemos algumas das correntes filosóficas do século XIX e XX. A primeira foi o marxismo, que, buscando refutar o idealismo filosófico de sua época, apresenta que as relações concretas inseridas na história são o motor para o desenvolvimento do pensamento e das teorias sobre o ser humano e a sociedade. Com o existencialismo, vimos que o ser humano é um ser que não é determinado por realidades transcendentes, mas é, sim, condenado a ser livre, e ao mesmo tempo por ser responsável por seus atos. Estudando a fenomenologia, vimos que a ciência positiva, fundamentada apenas na objetividade da produção do conhecimento, é reducionista, não é a única forma de compreender a realidade de forma ampla. Conhecendo as teorias desenvolvidas pela Escola de Frankfurt, vimos que a razão iluminista se tornou fundamentalmente instrumental, e utilizada pelo sistema capitalista para manipular e subjugar o ser humano. Por fim, com o estruturalismo, vimos que as diversas realidades da vida humana podem ser compreendidas com base em estruturas, que em seu cômputo auxiliam no desenvolvimento das ciências humanas. 15 REFERÊNCIAS ADORNO, T; HORKHEIMER, M. Dialética do Iluminismo. São Paulo: Nova Cultural, 1991. COTRIM, G; FERNANDES, M. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013. HORKHEIMER, M. Eclipse da Razão. São Paulo: Centauro, 2002. JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. MACHADO, R. In: FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de janeiro: Graal, 1979. MARX, K; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001. MARX, K; ENGELS, F. Manifesto Comunista. São Paulo: Jahr, 1999. MEIER, C. Filosofia: por uma inteligência da complexidade. Belo Horizonte: PAX, 2014. RUSS, J. Filosofia: os autores, as obras. Petrópolis: Vozes, 2015. SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1973.