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74 Jornal Brasileiro de Fitomedicina Preparação de extratos vegetais Luis Carlos Marques* *Farmacêutico Professor de Farmacognosia da Universidade Estadual de Maringá (licenciado) Diretor de Produtos Fitoterápicos da Apsen Farmacêutica SA lmarques@apsen.com.br - tel/fax (11) 5644-8209 1. Definição Extratos vegetais são preparações líquidas ou em pó obtidas da retirada dos princípios ativos das drogas vegetais por diversas metodologias. Representam manipulações far- macêuticas que tem o objetivo de concentrar as substâncias e reduzir as posologias, au- mentar o prazo de validade e conservação de algumas drogas ou voltadas à separação dos ativos efetivamente envolvidos nos efeitos terapêuticos, retirando-se ou minimizando-se a presença de compostos indesejáveis. 2. Como são feitos os extratos? De acordo com a composição química da planta (particularmente a solubilidade dos ati- vos presentes), utilizam-se diversos solventes, mas principalmente misturas de água e álco- ol, bem como outros solventes como acetato de etila, acetona, etc. Quanto mais peculiar o método de extração, mais escondida fica a técnica que acaba sendo patenteada e não apresentada em detalhes. A mistura da planta com esses solventes ocorre por métodos também diversos, mas os principais são a maceração e percolação (técnicas em que o solvente fica em contato estático ou dinâmico com a planta) e a turbólise (emprego de um equipamento tipo um liqüidificador industrial, que pulveriza as partes vegetais e lava os conteúdos celula- res). Ao final de tempos diversos (desde 30 minutos até vários dias de extração), obtém- se o extrato líquido que pode ser o objetivo final da extração, geralmente chamado tintu- ra (concentração de 10 ou 20%) ou também extrato fluido (concentração de 100%). Caso o extrato líquido não seja o objetivo final do processo, ele é então filtrado e eva- porado para eliminação do solvente, fornecen- do o chamado extrato seco, isto é, os princí- pios ativos retirados da planta e deixados na forma de pó, juntamente com quantidades variáveis de excipientes como amido, carboximetilcelulose e outros. Como as possibilidades de extração são diversas, surge o problema: resultam produ- tos distintos em qualidade e concentração de ativos, levando a diferentes preços finais bem como a resultados terapêuticos igualmente variáveis. Por isso faz-se necessária a padro- nização dos extratos, de modo a fornecer da- dos sobre ativos em miligramas e dessa for- ma orientar-se a prescrição e a utilização pe- los pacientes. 3. Como são feitas as padronizações dos extratos? 3.1- Relação droga-extrato O primeiro critério a ser observado é o que chamamos de relação entre a droga e o ex- trato, isto é, quanto em peso foi inicialmente utilizado da planta seca para fornecer que quantidade de extrato seco. Normalmente, uma planta seca após extração e filtração for- nece um extrato líquido que, se levado a resí- duo por evaporação, fornece uma quantidade de pó (sem adição de excipientes) na propor- ção de cerca de 30%, havendo casos em que a variação vai de 5-50% segundo a solubili- dade dos ativos. No caso dos 30%, a relação droga extrato é de 3:1 representando que foram necessári- os 3 quilos da planta seca para fornecer 1 quilo do extrato em pó; para a planta que fornece 50% de resíduo, a proporção é de 2:1 e no caso da planta com 5% a proporção é dez vezes maior, portanto de 20:1. Como quase sempre ocorre adição de excipientes com objetivos de permitir que o processo industrial ocorra facilmente e dimi- nuir a absorção de umidade do ambiente pelo Artigo de Atualização 75Volume 3 - Número 2 - p. - abr./mai./jun. 200576-74 extrato seco, essas proporções diminuem um pouco mas sempre representam a concen- tração do extrato de modo geral. Cuidados precisam ser tomados, pois há casos absur- dos no mercado de extratos 1:2, isto é, de 1 quilo de planta obteve-se, após extração e filtração da polpa da planta, 2 quilos de ex- trato seco. Isso representa quase uma “mul- tiplicação dos pães” para usar uma lingua- gem bíblica, evidenciando um extrato no qual os ativos (geralmente na proporção de 30% do quilo inicial) estão diluídos em 170% de excipiente gerando um extrato quase ‘home- opático’ de tão pequenas são as concentra- ções de ativos disponíveis. Um caso bem conhecido é o da planta Ginkgo biloba, cujas folhas são extraídas por processo longo e complexo fornecendo um extrato padronizado mundialmente conheci- do - o EGB761. A proporção entre as folhas e o extrato final é relatada como sendo na faixa de 50:1 demonstrando quão concentrados são os ativos e sua diferença em relação às folhas inicialmente utilizadas. As folhas são contra- indicadas na terapêutica por sua ineficácia e risco de alergias; o extrato EGB761 tem deze- nas de indicações terapêuticas muito bem es- tudadas e fundamentadas. 3.2- Doseamentos de ativos A outra forma de padronização envolve o doseamento químico das substâncias quími- cas relacionadas aos efeitos terapêuticos, ge- ralmente simbolizadas em uma ou outra de- las que ocorrem na droga de maneira mais expressiva em quantidade ou potência farmacológica. Essas poucas substâncias são também chamadas de marcadores, geralmen- te os próprios princípios ativos ou, no caso de não se conhecer exatamente qual é o ativo, a que ocorre em maior abundância na planta. No caso do EGB761, o extrato é padroniza- do pelo doseamento de dois grupos princi- pais, as lactonas terpênicas presentes em cerca de 6% e os flavonóides presentes em cerca de 24%. Um extrato hidroalcoólico sim- ples, preparado de forma distinta da metodologia patenteada que origina o EGB761, fornece um extrato com 0,2% de lactonas e 4% em flavonóides (SCHENKEL et al., 1999), ou seja, de composição final totalmente di- ferente daquele com o qual foram realizados os estudos farmacológicos e clínicos e por- tanto sem condições de garantir a reprodutibilidade de tais efeitos. De forma similar, pode-se dizer que várias plantas de uso moderno situam-se nessa con- dição em que o emprego dos extratos padro- nizados é condição essencial para que os efei- tos terapêuticos sejam obtidos, podendo-se colocar neste grupo os produtos à base da kava-kava (Piper methysticum), do hipérico (Hypericum perforatum), da centella (Centella asiatica), do ‘saw palmetto’ (Serenoa repens), da cimicífuga (Cimicifuga recemosa), do tre- vo (Trifoluim pratense), dentre outras. No caso do hipérico, poder-se-ia aceitar o emprego da planta em pó (British Herbal Pharmacopoeia, 1983), mas a posologia seria deveras incômoda. Os estudos clínicos com extratos secos de hipérico utilizaram 300 a 900 mg do extrato seco total padronizado em 0,9% de hipericina; a literatura (ÖZTÜRK et al., 1996) cita a presença de apenas 0,09% de diantronas expressas em hipericina na plan- ta seca. Dessa forma, relacionando essa do- sagem com a planta em pó, encontramos a necessidade de usar-se dez vezes mais de pó do que em relação aos extratos (3-9 gramas do pó ao dia) ou de 6 a 18 cápsulas de 500 mg por dia, condição praticamente inaplicável aos pacientes. Embora esta seja a técnica mais aceita atu- almente e a melhor em termos de garantia da eficácia dos produtos, há algumas dificulda- des para sua efetivação. Em primeiro, por ca- recer de padrões isolados e puros, comercial- mente disponíveis e que possam ser utiliza- dos rotineiramente em controle de qualidade; e em segundo lugar, há várias plantas que embora conhecidas e estudadas, ainda não receberam pesquisas para isolar e identificar seus ativos principais ou, por outro lado, tais substâncias isoladas não estão disponíveis comercialmente, dificultando ou mesmo inviabilizando o doseamento por marcador. Situam-se nesse grupo plantas como o guaco, a espinheira-santa ou a catuaba vermelha, sendo praticados em alternativa ao doseamento dos marcadores, os doseamentos dos grupos químicos gerais como taninos, flavonóides ou cumarinas. 4. Cuidados gerais Além dos dados citados, pode-se comen- tar ainda os cuidados gerais sobre armazenamento,que deve ser feito particu- larmente no sentido de evitar que os produ- tos com extratos secos recebam umidade, pois geralmente são bastante higroscópicos, agin- do a água como um catalisador para a degra- dação química e favorecendo o crescimento microbiano. Em outro aspecto, embora seja mais difícil para o prescritor ou usuário detectar ou evi- 76 Jornal Brasileiro de Fitomedicina tar tal situação, muitas espécies brasileiras infelizmente ainda vem sendo obtidas direta- mente da natureza via coleta extrativista. As- sim, seu emprego acaba estimulando tal con- dição anti-ecológica levando tais plantas à condição de risco de extinção. Algumas delas situam-se particularmente nessa situação, como ocorre com as folhas do jaborandi (Pilocarpus jaborandi) usadas na preparação de extratos hidroalcoólicos para serem incor- porados em xampus com pretensa alegação de crescimento capilar. Esta espécie consta da lista de espécies em risco de extinção estabelecida pela Portaria IBAMA nº 6-N (BRA- SIL, 1992), mas infelizmente a situação co- mercial extrativista vem se mantendo há anos sem modificação. Outras espécies somente deveriam ser utilizadas após comprovação de cultivo pela extensão do consumo e provável agressão ambiental: cascas da catuaba ver- melha (Trichila catigua), raízes do ginseng brasileiro (Pfaffia glomerata), lenho do pau- tenente (Picrasma crenata), raízes ou cascas da muirapuama (Ptychopetalum olacoides), dentre muitas outras. Conclusão A fitoterapia é uma fonte inesgotável de produtos seguros e eficazes, com condição de contribuir efetivamente à terapêutica moderna. No entanto, necessita ser utiliza- do da forma correta, nas formas farmacêu- ticas adequadas e na concentração de ati- vos estudada. Caso contrário, como qual- quer medicamento, poderá não fornecer os benefícios esperados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. IBAMA. Portaria nº 6-N de 15.01.1992. Reconhece as espécies em risco de extinção. Diário Oficial da União, 23.01.1992. 2. BRITISH HERBAL PHARMACOPOEIA. Bournemouth: British Herbal Medicine Association, 1983. 3. ÖZTÜRK, Y. et alii. Effects of Hypericum perforatum L. and Hypericum calycinum L. extracts in the central nervous system in mice. Phytomedicine, 3(2): 139-46, 1996. 4. SCHENKEL EP, GOSMANN G, PETROVICK PR. Produtos de origem vegetal e o desenvolvi- mento de medicamentos. In: SIMÕES CMO et alii. Farmacognosia: da planta ao medica- mento. Florianópolis e Porto Alegre: Editoras da UFSC e UFRGS, 1999. View publication statsView publication stats https://www.researchgate.net/publication/266410215