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Pró-reitoria de EaD e CCDD 1 Fundamentos Históricos e Teórico- Metodológicos do Serviço Social - Dimensão Histórica Aula 4 Profa. Jussara Marques de Medeiros Pró-reitoria de EaD e CCDD 2 Conversa inicial Olá! Daremos continuidade à nossa caminhada na história do Serviço Social, compreendendo sua jornada da década de 1940 até o início da reconceituação da profissão. Assim, para compreender esse período, é necessário pontuar a influência norte-americana no Serviço Social brasileiro, apresentar o projeto desenvolvimentista e suas influências e explicitar os antecedentes históricos que originaram a Ditadura Militar no Brasil. Contextualização Nesta aula, será discutida a visão do projeto reformista conservador no Brasil, que, na década de 1950, preconiza o desenvolvimento do país. Além disso, há uma visão política e ideológica conservadora que apresenta um modelo de família naturalizada burguesa. Veja a imagem da revista Casa e Jardim e responda a seguinte questão: que modelo de família e de mulher essa revista apresenta? Ao final, nós o relacionaremos com a visão de família que os assistentes sociais defendiam na década de 1950. Figura 1 Fonte: Jardim, 2011. Pró-reitoria de EaD e CCDD 3 Tema 1: O projeto reformista conservador no Brasil Em relação ao contexto político do Brasil, nos anos 1950, o país se encontrava entre o final do governo de Vargas (que, de acordo com as notícias, se suicida em 1954) e o início do governo de Juscelino Kubitschek, com o seu projeto de modernização do país. Economicamente, intensificou-se a produção industrial e promoveu-se uma maior abertura para o capital externo, sendo que o maior símbolo da modernização é a construção de Brasília. Esse modelo foi chamado de nacional-desenvolvimentismo: Baseado na busca de um crescimento acelerado do país - “50 em 5”-, que só poderia ser alcançado mediante capital estrangeiro e tecnologia importada, acabou por provocar a desnacionalização de parte da nossa indústria, absorvida por campanhas internacionais (que começavam a se transformar em transnacionais) o domínio do capital estrangeiro passou a ser cerca de 90%. O que se chamava de nacional era a produção por filiais de empresas estrangeiras, aqui dentro, de artigos antes importados das matrizes, lá fora. (Worms; Costa, 2002, p. 69). Para Iamamoto (1983), no decorrer da década de 1940 até a metade da década seguinte, a economia nacional apresentou taxas de crescimento altamente positivas, porém em 1955, há uma reversão dessas tendências positivas, que teriam sido definidas pelas relações de intercâmbio com o exterior. Para a autora: A ideologia desenvolvimentista em seu aspecto mais aparente e geral envolve a proposta de crescimento econômico acelerado, continuado, autossustentado. O problema central a resolver constitui-se em superar o estágio transitório do subdesenvolvimento e do atraso. A meta a atingir é a prosperidade, a grandeza material da nação, a soberania dela decorrente, a paz e a ordem social-tudo isso potencialmente viável, bastando que se traga à luz a riqueza existente e adormecida de que o país dispõe, através do traçado de política adequada e do trabalho constante (Iamamoto, 1983, p. 347) Para Iamamoto, a ideologia desenvolvimentista se define pelos seguintes aspectos: - Busca da expansão econômica, no sentido de prosperidade, riqueza, grandeza material; Pró-reitoria de EaD e CCDD 4 - O problema central a atacar seria o atraso, que era a posição marginal do Brasil dentro do sistema capitalista; - As razões do subdesenvolvimento seriam o modelo agrário exportador no Brasil e o fraco desenvolvimento industrial no país; - A meta é a industrialização de base no país; o desenvolvimento deveria ser acelerado e autossustentado, e a industrialização deveria se desenvolver no sentido da produção industrial pesada; - O desenvolvimentismo constituía-se como meta para toda a coletividade e tinha um discurso de valorização do homem brasileiro, do fim do pauperismo e a elevação do nível de vida; (Iamamoto, 1983) A autora afirma que, com a intenção do trabalho em Desenvolvimento de Comunidade, o Serviço Social se mostra relativamente alheio à temática desenvolvimentista, o que não o impede de beneficiar-se da expansão econômica: No fim da década de 1940 e especialmente na década seguinte, abre-se um novo e amplo campo para os assistentes sociais; as grandes empresas (especialmente as industriais) passam a constituir um mercado de trabalho crescente. O Serviço Social se interioriza, acompanhando o caminho das grandes instituições, a modernização das administrações municipais e o surgimento de novos programas voltados para as populações rurais. Ao mesmo tempo, nas instituições assistenciais- médicas, educacionais, etc- o Serviço Social logra maior sistematização técnica e teórica de suas funções, alcançando definir áreas preferenciais de sua atuação técnica (Iamamoto, 1983, p. 350). As áreas preferenciais da atuação do assistente social consistiram, a partir da influência norte-americana, voltadas para o Serviço Social de tratamento, nas linhas de psicologia e psiquiatria, dos desajustamentos psicossociais. Para Ortiz (2010), o projeto de sociedade reformista conservador é articulado com nossas particularidades históricas como o colonialismo, o escravismo, na dependência de potências capitalistas centrais, no caráter antidemocrático. Sua entrada no Brasil é no cenário monopolista e com centralidade na industrialização. Pró-reitoria de EaD e CCDD 5 Esse conservadorismo estaria imposto na profissão, mesmo com o desenvolvimentismo e a necessidade de uma reforma, de acordo com Andrade (2008): (...) as exigências da racionalidade capitalista impunham aos assistentes sociais, a necessidade de novas estratégias e instrumentos. Não era mais suficiente a “compreensão e experiência de mulheres com dom de si próprias à vida popular”. A demanda institucional conclamava o Serviço Social para o terreno da formação técnica, da eficiência. Foi nessa direção que o movimento interno da profissão conseguiu caminhar qualitativamente, também aderindo ideologicamente à racionalidade capitalista, o que lhe garantiu a legitimação profissional. (Andrade, 2008, p. 274) A figura a seguir ilustra o processo de urbanização e industrialização brasileira. Junto a isso, em 1947, foi promovido, pelo Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), o 1º Congresso Brasileiro de Serviço Social, em São Paulo, no qual foi aprovado, em Assembleia geral da Associação Brasileira de Assistentes Sociais, o primeiro Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais. Figura 2 Fonte: 70 Anos de Serviço Social na Bahia, 2014. Nessa época, a profissão ainda não era regulamentada, mas já havia uma tentativa de qualificação profissional. Aliada à visão conservadora, houve uma forte influência do positivismo na profissão, como veremos a seguir. Pró-reitoria de EaD e CCDD 6 Tema 2: O Serviço Social e a teoria positivista Para compreender a influência do positivismo no Serviço Social, é importante a priori entender o que é o positivismo. Assim, Löwy (2009) determina algumas premissas básicas que estruturam essa teoria: 1. A sociedade é regida por leis naturais, invariáveis independentes da vontade e da ação humana; 2. A sociedade pode ser estudada pelos mesmos métodos e processos empregados pelas ciências da natureza; 3. As ciências da sociedade, assim como as da natureza, podem limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos de forma objetiva, neutra, livre de julgamento de valor e ideologia; O positivismo surgiu, em fins do século XVIII e no princípio do século XIX, como uma utopia crítico revolucionária da burguesia antiabsolutista. Augusto Comte é considerado o fundadordo positivismo, pois ele buscou a defesa da ordem estabelecida. (Löwy, 2009). Para Löwy (2009), os fenômenos econômicos são frequentemente citados por Comte como leis naturais invariáveis, referindo-se à concentração do capital. O autor discorre: Otimista, Comte parece, por outro lado, convencido que “os proletários reconhecerão, sob o impulso feminino, as vantagens da submissão e de uma digna irresponsabilidade” (sic) graças a doutrina positivista “há de preparar os proletários para respeitarem, e mesmo reforçarem, as leis naturais da concentração do poder e da riqueza”. (Löwy, 2009, p. 28). A bandeira do Brasil é pensada a partir da visão positivista: Como uma das bases do positivismo é a ORDEM, o mesmo substituiria a agitação política por uma reforma das mentalidades, estendendo isto ao proletariado também – se todos tivessem acesso à educação de qualidade, todos fariam sua parte como um corpo que só funciona se todos os órgãos estiverem bem, cada um com sua função, sem nenhuma ‘doença’ – assim, o PROGRESSO se estenderia à sociedade funcionaria como uma máquina sem defeito, em perfeita harmonia. (Sociologia, 2011) Pró-reitoria de EaD e CCDD 7 Percebe-se uma naturalização das desigualdades sociais, sob um discurso pseudocientífico. O autor comenta a problemática do axioma da neutralidade valorativa e o condicionamento histórico social. Embora possamos observar uma visão valorativa burguesa, a concepção “científica” agrega um status de uma teoria “desinteressada”. A análise histórica não é considerada nessa teoria, e a sociedade é analisada como “coisa”, a exemplo das ciências da natureza. Löwy (2009) faz uma severa crítica a este aspecto da visão positivista: Na realidade, a “boa vontade” positivista enaltecida por Durkheim e seus discípulos é uma ilusão ou uma mistificação. Liberar-se por um “esforço de objetividade” das pressuposições éticas, sociais ou políticas fundamentais de seu próprio pensamento é uma façanha que faz pensar irresistivelmente na célebre história do Barão de Münchhausen, ou este herói picaresco que consegue, através de um golpe genial, escapar ao pântano onde ele e seu cavalo estavam sendo tragados, ao puxar a si próprios pelos cabelos... Os que pretendem ser sinceramente seres objetivos são simplesmente aqueles nos quais as pressuposições estão mais profundamente enraizadas. (Löwy, 2009, p. 37). Dessa forma, considerando o papel ideológico para a implantação do capitalismo, observamos que a ciência não é desinteressada. Behring e Boschetti (2006) ressaltam a influência dessa teoria nos dias de hoje: Contudo, a influência dessa forma de pensar perdura até os dias de hoje no campo do pensamento social e talvez estejamos revivendo um certo revival. Exemplo disso é o resgate da ideia durkheimiana de anomia para a explicação das transformações contemporâneas, que seriam uma espécie de condição mórbida e patológica geral da sociedade, marcada pela desagregação e pelo desequilíbrio social, manifesto pela incapacidade da sociedade de exercer sua ação sobre os indivíduos, levando a disfunções e conflitos (Behring; Boschetti, 2006, p. 30) No Serviço Social, essa corrente tem um papel ideológico fundamental para a manutenção do status quo. Podemos perceber a influência dela no conteúdo histórico apresentado por Balbina Ottoni Vieira, uma das precursoras do Serviço Social no Brasil. A autora discorre sobre a evolução do Serviço Social com indivíduos, afirmando que “o cliente é a unidade familiar”. Em seguida, apresenta o caráter promocional do atendimento com indivíduos “preconizado como mais eficiente pelos países em desenvolvimento” e completa: Pró-reitoria de EaD e CCDD 8 O objetivo do tipo promocional é “capacitar o indivíduo para superar ou prevenir suas dificuldades atuais e outras que virão a surgir, e resolver seus problemas de modo a alcançar o máximo de satisfação pessoal e melhor integração social”. O objeto é a situação social problema que se quer transformar e o sujeito do processo, o próprio ciente, por sua vez, ajudado por um agente- um assistente social- para a transformação da situação (Vieira, 1981, p. 49). Podemos perceber a linguagem positivista no caráter individual do atendimento e na “integração social”, bem como ao não se considerarem fatores históricos. Essa visão determina o objeto da profissão desde a sua gênese, afinal, no início da profissão, o objeto era visto como o homem, o homem “incapaz, o homem pobre”. Na década de 1970, o objeto se colocou como a situação social problema, a partir da visão de Vieira (1981) e do proposto no Documento de Araxá. Percebeu-se uma visão de atendimento centrada no indivíduo e os problemas decorrentes também são devido a disfunções que o “cliente” deve superar. Assim, é que, no início do Serviço Social no Brasil, 1937, o objeto definido era o homem, mas um homem específico: o homem morador de favelas, pobre, analfabeto, desempregado, etc. Enfim, entendia-se que esse homem era incapaz, por sua própria natureza, de “ascender” socialmente. Daí que o objeto do Serviço Social era este homem, tendo por objetivo moldá-lo, integrá-lo, aos valores, moral e costumes defendidos pela filosofia neotomista. Posteriormente, o Serviço Social ultrapassa a ideia do homem como objeto profissional. Passa-se à compreensão de que a situação deste homem – analfabeto, pobre, desempregado, etc. – é fruto, não só de uma incapacidade individual, mas, também, de um conjunto de situações que merecem a intervenção profissional. O objeto do Serviço Social se coloca, então, como a situação social problema (Machado, 1999, p. 40) No próximo tópico, nós nos aprofundaremos na influência da visão cientificista no Serviço Social, de influência norte-americana. Pró-reitoria de EaD e CCDD 9 Tema 3: Influência norte-americana no Serviço Social brasileiro A partir da década de 1940, houve uma forte influência do Serviço Social norte-americano no Brasil, voltando o Serviço Social mais para a questão do tratamento e das técnicas. Mary Richmond ofereceu as bases técnicas para a profissão: Por trás das ideias de Richmond, há uma clara e identificável concepção funcional de sociedade, elaborada pela sociologia norte-americana. E essa mesma sociologia norte- americana somada ao arsenal técnico de Mary Richmond, Gordon Hamilton, Helen Perlman, Florence Hollis, entre outros, conferiram uma autoridade advinda do saber fazer específico, distinto do senso comum, aos assistentes sociais no Brasil (Andrade, 1999, p. 276). Essas técnicas de trabalho, porém, advieram de uma forte influência do positivismo. O profissional tem um papel importante socialmente: No âmbito institucional, o agente profissional, o assistente social, será o responsável pelo trabalho junto aos sujeitos sociais que, por conflitos, começam a se descolar de determinadas posições do sistema de estratificação, para que retornem ao sistema. Na ótica funcionalista, a proposta institucional é colocar o conflito no conjunto da estrutura social aceitável, adequando o usuário aos seus recursos (Andrade, 1999, p. 276). O Conservadorismo Católico, a partir da década de 1940, começou a ser tecnificado, porém é necessário destacar os seguintes aspectos: Cabe esclarecer que nem o doutrinarismo, nem o conservadorismo constituem teorias sociais. A doutrina caracteriza-se por uma visão de mundo abrangente, fundada na fé, em dogmas. O conservadorismo, como forma de pensamento e experiência prática, é resultado de um contra movimento aos avanços da modernidade, assim, suas reações são preservadoras da ordem capitalista. Por sua vez, a teoria social constitui um conjunto explicativo totalizante, ontológico, vinculado organicamente ao pensamento filosófico, acerca do ser social na sociedade burguesa e de seu processo de constituição e de reprodução. A teoria é uma construçãointelectual que proporciona explicações aproximadas da realidade e assim supõe um padrão de elaboração: o método (Andrade, 1999, p. 276). Assim, a profissão considera três métodos de abordagem: Serviço Social de Caso, Serviço Social de Grupo e Serviço Social de Comunidade. Em relação ao Serviço Social de Grupo, Iamamoto (1983) afirma: Pró-reitoria de EaD e CCDD 10 O Serviço Social de grupo, que há muito tempo vinha sendo utilizado de forma tradicional (recreação e educação), na década de 1950 começa a fazer parte dos programas nacionais do SESI, LBA, SESC, em hospitais, favelas, escolas, etc., iniciando-se uma nova abordagem- que se generaliza na década de 1960- que relaciona estudos psicossociais do participante com problemas da estrutura social e utilização de dinâmica de grupo (Iamamoto, 1983, p. 351). Figura 4 Fonte: 70 Anos de Serviço Social na Bahia, 2016. Assim, podemos observar que o Serviço Social se encontrava ligado ao trabalho com as políticas públicas. Em relação à Legião Brasileira da Assistência, ela foi criada na década de 40, em um primeiro momento para atender as famílias dos pracinhas que foram para a Segunda Guerra Mundial. Em seguida, voltou sua ação para várias frentes da Assistência. Há uma relação próxima dessa instituição com o Serviço Social: Constituindo-se na primeira Campanha assistencial de nível nacional, a Legião Brasileira de Assistência será de grande importância para a implantação e institucionalização do Serviço Social, contribuindo em diversos níveis para a organização, expansão e interiorização da rede de obras assistenciais, incorporando ou solidificando nessas os princípios do Serviço Social, e a consolidação e expansão de ensino especializado de Serviço Social e do número de trabalhadores sociais (Iamamoto, 1983, p.259). A implantação da LBA propiciou para o Serviço Social a expansão e o aumento quantitativo do volume de assistência e a utilização do profissional para Pró-reitoria de EaD e CCDD 11 a organização do serviço; o assistente social amplia suas funções, que também passam a ser de coordenação e planejamento. (Iamamoto, 1983) Em relação ao Serviço Social de Casos, é muito significativa a afirmação de Vieira (1981): Em essência, o Serviço Social com indivíduos procura ajudar a pessoa a resolver seus próprios problemas, seja através de mudanças de atitude, seja pela utilização de recursos da comunidade ou por ambos os meios. O assistente social ajuda a examinar suas dificuldades; analisa com ela as possibilidades de remove-las; informa sobre os recursos materiais, legais, jurídicos, etc e a maneira de utiliza-los; leva o cliente a escolher a solução e a adotar os meios para executa-la (Vieira, 1981, p. 50). A autora aponta uma relação com os “recursos da comunidade”, ou seja, conhecer outras formas de atendimento para a resolução das demandas. Entretanto, apesar da expansão da profissão, o Serviço Social servia a uma visão de controle social, que atendia aos interesses da ordem burguesa. Sob a concepção funcionalista, o controle social exercido pressupunha a integração do indivíduo ao bom funcionamento de uma sociedade proposta pela classe dominante. Era enfatizado o trabalho com grupos, quer para interação, quer para fins terapêuticos, de forma a conseguir a melhor adaptação do indivíduo ao seu meio. O modo funcionalista de pensar, investigar e intervir na realidade social ganhou força porque, culturalmente, correspondia aos interesses da ordem e da lógica burguesas instauradas na sociedade civil e no Estado brasileiro (Andrade, 1999, p. 279). Contudo, em 1960, iniciou-se o processo de reconceituação da profissão. Veremos em seguida os antecedentes históricos da Ditadura no Brasil, para melhor compreender esse período. Tema 4: Antecedentes históricos da Ditadura Militar no Brasil Agora, compreenderemos o contexto histórico originário da Ditadura Militar no Brasil. Netto descreve o Brasil de 1960: Predominava ligeiramente a população rural (53,7%)e nenhuma grande cidade brasileira (exceto São Paulo e Rio de Janeiro) tinha mais de um milhão de habitantes. À época, transportes e comunicações valiam-se muito da rede ferroviária (então de 38.287km), mas a rede rodoviária já se expandia rapidamente (somava cerca de 24.000km, dos quais Pró-reitoria de EaD e CCDD 12 menos de 10.000 pavimentados). A força de trabalho ainda se ocupava mais em atividades agropecuárias (53,87%); a indústria empregava dela uma parte bem menor (17,61%), assim como o comércio (6,57%), os transportes e comunicações (4,60%)os bancos e as atividades financeiras (4,60%), a administração pública (5,66%) e outros serviços (10,69%) (Netto, 2014, p. 25). No entanto, o autor destaca que, após o fim da Segunda Guerra Mundial, a industrialização avançava e, na segunda metade dos anos 1950, a renda do setor industrial já superava a da agricultura. A migração acelerou do campo para a cidade, acentuando a urbanização. O crescimento econômico aconteceu com efeitos desiguais, concentrando-se no Sudeste, em conjunto com a desigualdade na distribuição da renda. O governo de João Goulart terminou com o golpe militar, em abril de 1964. Os militares assumiram o poder e afirmaram que não o devolveriam aos civis, pois alegavam sua incapacidade de governar a nação. Netto (2014) afirma que os indicadores econômicos dos anos 1960 mostram um quadro de crise. Em 1961, a taxa do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 10.3%; em 1963, ela caiu pela metade: 5,3%, registrando-se o menor crescimento da década, 1,5%; por fim, em 1964, recuperou-se para 2,9%. O autor diz que não há consenso entre estudiosos de economia sobre os motivos dessa crise, mas concorda com a seguinte abordagem: (...) na entrada dos anos 60, esgotou-se a fase expansiva da industrialização brasileira que se iniciara no imediato segundo pós-guerra (inicialmente prolongando a substituição de importações) e chegou ao auge entre 1956 e 1961 (quando o processo se alargou para os setores da indústria pesada) (Netto, 2014, p. 41). Para o autor, a crise derivava da dinâmica interna, endógena, da economia brasileira, sendo necessárias reformas políticas e econômicas que pudessem executar uma política econômica de reformas, que conformassem o capitalismo. Alguns fatores foram fundamentais para a crise do governo de Jango, dentre eles: - O quadro econômico se deteriorava, sendo que, em 1963, a inflação já chegava a 25%, e o PIB dava sinais de desaceleração. Jango levou para o Pró-reitoria de EaD e CCDD 13 Ministério da Fazenda um reformista conservador, sendo questionado pela esquerda; - Apesar de Jango estender, em 1963, direitos aos trabalhadores rurais, por meio do Estatuto do Trabalhador Rural, a questão agrária se agudizava com latifundiários armando milícias privadas e camponeses ocupando terras e tomando medidas de defesa; - Os militares de baixo escalão eram inelegíveis para mandatos legislativos. Em 1962, alguns sargentos se candidataram e foram eleitos, mas o Supremo Tribunal Federal reafirmou sua inelegibilidade, o que os levou a organizarem um movimento de reação a esse fato, tomando centros administrativos de Brasília. O movimento foi dominado, mas contribuiu para uma crise no governo; - Havia a pressão norte-americana: o presidente norte-americano colocava-se abertamente contra o governo de Jango, e sua embaixada encaminhava recursos somente a governadores e prefeitos da oposição; (Netto, 2014) Era grande a crise do governo. Em 13 de março de 1964, Jango fez um grande comício a favor das reformas, em frente à Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Na noite de 31 de março para 1º de abril de 1964, foi deflagrado o golpe militar, tomando posse, em 15 de abril, o general Castelo Branco. Silva (2011) afirma que o período da Ditadura Militar não foi homogêneoe deve ser pensado como um processo com períodos bem demarcados: a) De 1964 a 1968, com a definição das bases do Estado de Segurança Nacional, a formulação de novos mecanismos de controle e a reforma constitucional; a institucionalização do novo Estado e a sua grande crise em 1967-1968, quando o governo militar institui o Ato Institucional nº 5; b) De 1969 a 1974, o período mais rígido da ditadura militar; c) De1974 a 1985, a distensão a retirada dos militares da cena política, como atores de frente (Silva, 2011, p. 48). Pró-reitoria de EaD e CCDD 14 A Ditadura Militar intensificou as características da modernização conservadora. Para Behring e Boschetti (2006): (...) a ditadura militar reeditou a modernização conservadora como via de aprofundamento das relações sociais capitalistas no Brasil, agora de natureza claramente monopolista (Netto, 1991), reconfigurando nesse processo a questão social, que passa a ser enfrentada num mix de repressão e assistência, tendo em vista manter sob controle as forças do trabalho que despontavam. Nesse quadro, houve um forte incremento da política social brasileira (Behring; Boschetti, 2006, p. 136). Assim, várias políticas sociais foram inseridas, a maioria restritivas quanto ao acesso, ou seja, políticas para trabalhadores que contribuíam. De acordo com o livro Política Social: fundamentos e história, de Beehring e Boschetti (2006), citamos os seguintes tópicos: 1. A unificação, a uniformização e a centralização da previdência social no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, retiraram definitivamente os trabalhadores da gestão da previdência social, que passou a ser tratada como questão técnica e atuarial. 2. Em 1967, os acidentes de trabalho passaram também para a gestão do INPS, apesar de certa contrariedade das seguradoras privadas. 3. Ao lado disso, a previdência foi ampliada para os trabalhadores rurais, por meio do Funrural, política que adquiriu, neste caso, um caráter mais redistributivo, já que não se fundava na contribuição dos trabalhadores, mas numa pequena taxação dos produtores, apesar de seu irrisório valor de meio salário mínimo (1971). 4. A cobertura previdenciária também alcançou as empregadas domésticas (1972), os jogadores de futebol e os autônomos (1973), e os ambulantes (1978). 5. Em 1974, criou-se a Renda Mensal Vitalícia para os idosos pobres, no valor de meio salário mínimo para os que tivessem contribuído ao menos um ano para a previdência. Pró-reitoria de EaD e CCDD 15 6. O Ministério da Previdência e Assistência Social foi criado em 1974 incorporando a LBA, a Fundação Nacional para o Bem-estar do Menor (Funabem, criada em 1965) - que veio a substituir o antigo SAM extinto em 1964, sem necessariamente alterar seu caráter punitivo, mantido no Código de Menores de 1979 -, a Central de Medicamentos (CEME) e a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev). 7. Esse complexo se transformou, com uma ampla reforma administrativa, no Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (SINPAS), em 1977, que compreendia o INPS, o Instituto Nacional de Assistência Médica (Inamps) e o Instituto Nacional de Administração da Previdência Social (Iapas), além daquelas instituições referidas acima. 8. Nessa associação entre previdência, assistência e saúde, impôs- se uma forte medicalização da saúde, com ênfase no atendimento curativo, individual e especializado, em detrimento da saúde pública, em estreita relação com o incentivo à indústria de medicamentos e equipamentos médico-hospitalares, orientados pela lucratividade (Bravo, 1996; 2000). 9. Além dessa intensa institucionalização da previdência, da saúde e, com muito menor importância, da assistência social, a ditadura impulsionou uma política nacional de habitação com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH). Combinava-se a essa política a criação de fundos de indenização aos trabalhadores e que constituíram mecanismos de poupança forçada para o financiamento da política habitacional, dentre outras (FGTS, PIS, Pasep) (Behring; Boschetti, 2006). Para o Serviço Social, a ditadura resultou em um trabalho de mobilização política desarticulado: o espaço de atuação dos assistentes sociais eram as políticas sociais em expansão e os programas de desenvolvimento de comunidade: Pró-reitoria de EaD e CCDD 16 (...) tendo como principal função eliminar a resistência cultural às inovações, enquanto obstáculos ao crescimento econômico, bem como integrar as populações aos programas de desenvolvimento (Silva, 2011, p. 49). Tema 5: Serviço Social e desenvolvimentismo Ortiz (2010) faz uma reflexão do projeto reformista conservador no contexto brasileiro, relacionando-o à profissão. No contexto de desenvolvimentismo, toma-se como referência a família católica e burguesa. É muito importante pensar como se considerava a família nesse contexto e o porquê de hoje, no exercício profissional, os docentes do curso de Serviço Social problematizarem o termo “família desestruturada”. No contexto do desenvolvimentismo, na profissão, a família é a “célula mater”, e, de acordo com os preceitos cristãos, ela é uma estrutura importante para a salvação dos homens, pois, sem ela, o homem não tenderá a cumprir sua missão terrestre: (...) cabe a família zelar pela educação e pela sedimentação do caráter de seus entes; uma vez não conseguindo cumprir tais funções, considera-se a família como desestruturada e diretamente responsável pelos problemas sociais (Ortiz, 2010, p. 93). Assim, há no pensamento conservador, somado à ideologia da Igreja Católica, uma visão ideal de família. A família era objeto da intervenção profissional nessa condição: (...) quando esta se configurava diferentemente do conhecido núcleo familiar burguês (composto por pai, mãe e filhos), como por exemplo: famílias em que os pais eram separados; ou as mães eram solteiras ou trabalhadoras, ou os pais eram desconhecidos ou supostamente irresponsáveis quanto a educação moral de seus descendentes (Ortiz, 2010, p. 93). Os assistentes sociais reconheciam as desigualdades e a “carência material”, mas isso era um fato natural, que advinha da imperfeição do homem. As famílias desestruturadas, nesse contexto, “sempre existiram e existirão, gerando os problemas sociais advindos de sua inoperância, enquanto provedora e exemplo de boa conduta moral diante de seus filhos” (Ortiz, 2010, p. 93). Pró-reitoria de EaD e CCDD 17 Outra característica, para a autora, do pensamento conservador é o anticapitalismo romântico, que seria compreender a desigualdade, mas não defender a extinção do sistema, defendendo inclusive alguns elementos da ordem burguesa como a comunidade e família. (Ortiz, 2010, p. 93) Outra característica do projeto reformista é a visão neotomista, que reconhece que o homem é um ser dotado de razão, mas que deverá dominar seus instintos e paixões para viver em sociedade com outros homens, para o bem comum. É necessário para isso uma reforma moral. Caberá à sociedade assegurar condições dignas ao trabalhador, que não poderá refutar a ajuda e não desejar o que é do outro. (Ortiz, 2012, p. 97). Nesse sentido, não se critica a sociedade capitalista, mas o que faz as pessoas se afastarem de uma perspectiva cristã. O projeto reformista conservador, sob a ótica da Igreja, possui, portanto, um fundamento centra l- todos são iguais perante Deus, independentemente de sua condição terrena (social); logo, a luta entre diferentes classes é absurda e deve ser contida através do controle de excessos por parte dos capitalistas e da educação moral para os trabalhadores (Ortiz, 2012, p. 98). Em relação a 1960, esta foi considerada a década do desenvolvimento, decisão tomada na Assembleia de Organização das Nações Unidas, em 1961, quando o presidenteKennedy propôs a Aliança para o Progresso. Nessa década, o Serviço Social, então, assumiu a direção do desenvolvimento: Explicitaremos essa posição a partir dos Anais do II Congresso Brasileiro de Serviço Social, organizado pelo CBCISS, realizado em 1961, na cidade do Rio de Janeiro. O Congresso teve como tema central “O Desenvolvimento Nacional para o Bem-Estar Social” (Aguiar, 2011, p.132). Por esse Congresso, a visão é que o Serviço Social deve desempenhar um papel no desenvolvimento do país. Esse discurso foi associado, na profissão, ao Desenvolvimento de Comunidade, o que nos mostra como o profissional está vinculado à manutenção da ordem estabelecida. Pró-reitoria de EaD e CCDD 18 Síntese Chegamos ao final deste percurso! Iniciamos com a imagem que mostra uma mulher na cozinha, nas décadas de 1950 e 1960, naturalizando uma visão burguesa e conservadora do papel da mulher na sociedade. Em seguida, discorremos sobre o projeto reformista conservador no Brasil, que se iniciou com a política desenvolvimentista. Conhecemos a teoria positivista e a teoria norte-americana no Serviço Social Brasileiro. Discutimos os antecedentes históricos da Ditadura Militar no Brasil. No final, fizemos uma breve análise do Serviço Social e do desenvolvimentismo. Referências 70 Anos de Serviço Social na Bahia. Contextualizar para entender (1940- 1960). 2014. 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