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Debate sobre os conceitos de proteção internacional da pessoa humana SST Zolotar, Márcia Debate sobre os conceitos de proteção internacional da pessoa humana / Márcia Zolotar Ano: 2020 nº de p.: 12 Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 3 Debate sobre os conceitos de proteção internacional da pessoa humana APRESENTAÇÃO Nesta unidade, estudaremos a importância da organização de normas internacionais que protejam os direitos humanos. Veremos que, ao longo da histórica, buscou-se criar normas de proteção ao indivíduo que o resguardassem dentro e fora do seu Estado nacional. A construção de uma tutela que garantisse, ao menos, o mínimo de garantias protetivas a ele foi possível por meio da construção de Acordos e Convenções entre países. Também será possível verificar que os sistemas normativos internacionais não surgem com o objetivo de superar os ordenamentos jurídicos nacionais, mas para complementá-los, agregando valores à proteção da dignidade humana pelos poderes estatais. Por fim, faremos uma discussão sobre a participação do Brasil em alguns acordos internacionais, verificando o reflexo de tais normas no atual cenário brasileiro. NOÇÕES SOBRE DIREITOS HUMANOS Os direitos humanos correspondem a um amplo conjunto de direitos direcionados ao ser humano e sua essência se baseia na existência da própria subsistência da vida humana. Logo, basta ser humano para possuir tais direitos. Assim, eles assumem a finalidade de salvaguardar a pessoa, nas diversas situações, da forma mais ampla possível. De forma histórica, a reflexão da construção de um ordenamento jurídico internacional ocorre no pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e intensificam- se no contexto do término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Outro marco histórico é o julgamento do alto escalão do partido Nazista no Tribunal de Nuremberg pelos atos praticados durante os conflitos. 4 Filme: O Tribunal de Nuremberg Sinopse: retrata o julgamento do staff do Partido Nazista e suas justificativas quando da violação de direitos humanos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qRw1gIp8J_s Saiba mais Buscando estabelecer um conceito para os Direitos Humanos, Peres Luño (1995) leciona que: É o conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional. (PERES LUÑO, 1995, p. 38 [tradução nossa]) Conforme enfatizamos, o conceito de direitos humanos é resultado de um processo histórico e de constante evolução, aplicado a sua sistematização e aos demais ramos: direito humanitário e direito dos refugiados. Ou seja, enquanto existir a necessidade de proteção em um mundo globalizado e de constantes mudanças, haverá, em contrapartida, uma obrigação de atualização dos sistemas e da normatização. A figura a seguir nos faz refletir sobre a necessidade de proteger os direitos humanos, independentemente, do Estado Nacional a que a pessoa pertença. Assim, o objetivo final das três vertentes da proteção internacional da pessoa humana é um só: salvaguardar os direitos humanos. https://www.youtube.com/watch?v=qRw1gIp8J_s 5 Proteção internacional da pessoa humana #PraCegoVer: ilustração em tons de amarelo, laranja e verme- lho com inúmeras mãos abertas. Fonte: Deduca (2020). No Brasil, o primeiro texto constitucional a trazer a tutela da dignidade humana foi a Constituição Federal da República Brasileira de 1988 (CFRB/88), que já em seu art. 1º, estabelece a dignidade humana como um dos fundamentos da república brasileira (BRASIL, 1988). VERTENTES PROTETIVAS DO SER HUMANO Thomas Buergenthal (2000) compreende que o direito humano é aquele que se aplica na hipótese de guerra, no intuito de fixar limites à atuação do Estado e assegurar a observância de direitos fundamentais. Ou seja, para o autor, corresponde ao conjunto de direitos que são oponíveis aos Estados, enquanto os direitos humanitários, para esse autor, são definidos como o ramo do Direito dos Direitos Humanos que se aplica aos conflitos armados internacionais e, em determinadas circunstâncias, aos conflitos armados nacionais (BUERGENTHAL, 2000 [tradução nossa]). Essas áreas devem ser vistas a partir de um aspecto de convergência. Ainda para parcela da doutrina, considera-se que haveria uma terceira vertente de proteção e a próxima figura demonstra a sistematização desse pensamento. 6 Vertentes dos Direitos Humanos Direitos Humanos Direitos Humanitários Direitos dos Refugiados Proteção Internacional da Pessoa Humana Fonte: Elaborada pela autora (2020). As três vertentes da proteção internacional dos direitos humanos devem ser entendidas como complementares e convergentes, visto que a maioria dos instrumentos internacionais existentes se aplicam, de forma acessória, aos direitos mencionados. Essa íntima relação entre essas vertentes do direito é da seguinte forma entendida por Piovesan (2013): Hoje é amplamente reconhecida a inter-relação entre o problema dos refugiados, a partir de suas causas principais (as violações de direitos humanos) e, em etapas sucessivas, os direitos humanos. Assim, devem os direitos humanos ser respeitados antes do processo de solicitação de asilo ou refúgio, durante ele e depois dele (na fase final das soluções duráveis). (PIOVESAN, 2013, p. 257) Levando em consideração a classificação anterior, Piovesan (2013) conceitua o termo refugiados como aquele que sofre perseguição, entre outras coisas, por motivos de raça, religião, nacionalidade, participação em determinado grupo social ou opiniões públicas. Percebe-se que a intolerância ocorre por características individuais ou exercício do que deveria ser considerado direitos individuais. Outro ponto é que o refugiado não pode ou não quer ser protegido ou se submeter às normas do seu país de origem. Ou seja, refugiados são indivíduos que, por algum motivo, são perseguidos e têm como única opção, para resguardar sua vida, deixar seu Estado nacional e buscar proteção de outra nação. A origem de todos esses direitos é a violação a direitos e garantias fundamentais do ser humano e a incapacidade do Estado de servir como garantidor desses direitos. 7 A princípio, os direitos dos refugiados surgem na forma de direito ao asilo. Posteriormente, esse direito é ampliado e passa a figurar como uma obrigação dentro da Liga das Nações Unidas. Com o tempo, ao passo que vão surgindo novas necessidades de tutela para os refugiados, percebe-se que é preciso um órgão direcionado para cuidar dessa demanda. Assim, a Organização das Nações Unidas (ONU) cria um conjunto de comissões como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). O Brasil, apesar de não ser um membro permanente do Conselho, é signatário desde a constituição da Organização. Todavia, a garantia de asilo sempre é uma matéria controvérsia quando do exame dos Textos Constitucionais, visto que, ora o constituinte opta por resguardar direitos aos refugiados, ora é omisso no tratamento da matéria. Nesse sentido, vejamos os exames dos documentos normativos: • Constituição de 1824 – a primeira carta brasileira foi redigida pelo Conselho do Estado e não contemplava o direito de asilo. O objetivo principal, naque- le momento, era estabelecer uma nação soberana e seu reconhecimento no plano internacional; • Constituição de 1891 – à semelhança da Constituição anterior, não previa ex- pressamente o direito de asilo. Tal fato, contudo, não impediu sua aplicação no episódio da Revolta da Armada, em 1894, quando corvetas portuguesas concederam asilo a 493 revoltosos; • Constituição de 1934 – marcou o início de uma nova ordem política no país, com a derrota da Revolução Constitucionalista, de 1932. Previa expressa- mente o direito de asilo, em seu Capítulo II, Art. 113, § 31 (BRASIL, 1934); • Constituiçãode 1937 – foi considerada um verdadeiro retrocesso na histó- ria constitucional e política brasileira. O direito de asilo foi retirado do texto constitucional (BRASIL, 1937); • Constituição de 1946 – o direito de asilo voltou a figurar na Carta Magna, no Art. 141, § 33, em face das retomadas dos princípios contemplados na Cons- tituição de 1934 (BRASIL, 1946); • Constituição de 1967 – muito embora o cenário político não fosse favorável à democracia, o direito de asilo foi mantido na forma determinada no Art. 150, § 19 (BRASIL, 1967); • Constituição de 1969 – manteve-se a redação dada pela Constituição de 1967; • Constituição de 1988 – 1ª constituição democrática, promulgada após 20 anos de ditadura militar. O direito de asilo vem previsto, expressamente, no Art. 4º, X da CF/88 (BRASIL, 1988). 8 A Revolta Armada (1891-1894) ocorreu no Rio de Janeiro e foi deflagrada pela Marinha do Brasil, que bombardeou a capital com navios de guerra – encouraçados. A revolta teve início com a renúncia de Deodoro da Fonseca, em 1891. Saiba mais POLÍTICAS INTERNACIONAIS E INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS NA CONTEMPORANEIDADE E O QUADRO BRASILEIRO As políticas internacionais e intervenções humanitárias adquirem uma maior relevância durante o período da chamada Guerra Fria. Após o fim da 2ª Guerra Mundial, ficou claro que os esforços das Organizações das Nações Unidas não estavam sendo suficientes para tratar da massiva violação de direitos humanos. Muitos foram os casos de violação a tais direitos, por parte das autoridades estatais, que ocorreram nesse período. Destaque para os casos ocorridos em Bósnia-Herzegovina (1990-1992), Somália (1992), Ruanda (1994) e Haiti (1994 e 2004), que são exemplos de violações diretas por parte da autoridade estatal. Filme: Hotel Ruanda Sinopse: o enredo aborda os conflitos políticos entre os hutus e tutsis, quando mais de 1 milhão de ruandeses perderam suas vidas. Trailer disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3wf8prFBpIM. Saiba mais https://www.youtube.com/watch?v=3wf8prFBpIM https://www.youtube.com/watch?v=qRw1gIp8J_s. 9 O Conselho de Segurança das Nações Unidas surge com o objetivo de manter a paz e tem o papel decisório diante da possibilidade de intervenções humanitárias nos países. Compondo o Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, recebe críticas de autoridades nacionais locais por possivelmente violar direitos à soberania, não intervenção e autodeterminação dos povos quando de suas ações nesses locais. Assim, merece destaque o art. 1 da Carta da ONU que, em seu art. 1º, estabelece os propósitos das Nações Unidas: Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz [...]. (ONU, 1945) A responsabilidade do Conselho de Segurança é determinada no art. 24 da Carta da ONU, in verbis: A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles [...]. (ONU, 1945) O Brasil mantém sua participação em intervenções humanitárias desde 1957. De 1989 a 2006, contribuiu com 20 dessas operações, com contingentes militares, com apoio à população civil e como facilitador do diálogo político. Sua atuação no Timor Leste, Moçambique e Angola foi marcante, assim como merece destaque a intervenção no Haiti, ao assumir o controle das tropas da ONU (2004-2006). Em 13 anos de trabalho no Haiti, o Brasil enviou 37 mil militares e encerrou sua missão humanitária apenas em 2017. 10 FECHAMENTO Os direitos humanos devem ser compreendidos como a proteção das garantias mais essenciais de um indivíduo, englobando um conjunto de direitos que são ampliados, ao longo do tempo, conforme as novas necessidades humanas. Atualmente, há um conjunto de Acordos e Convenções Internacionais que visam a proteção desses direitos, para além do Estado nacional de uma pessoa. Em nossos estudos, averiguamos que os direitos humanos, o direito humanitário e o direito dos refugiados, bem como toda a sua sistemática de proteção e os respectivos órgãos, foram criados logo após a 1ª Guerra Mundial e, de forma mais permanente, no fim da 2ª Guerra Mundial. Ao analisar a segunda metade do século XX, vimos que foi nesse momento que se iniciaram os debates sobre as intervenções humanitárias e seus principais objetivos. Apesar das duas grandes guerras mundiais terem devastado territórios e ocasionarem a perda de milhões de vidas, suas consequências foram essenciais para repensar o limite de poder estatal face ao indivíduo. Ainda vimos que a Organização das Nações Unida foi fundamental para a sistematização e construção de documentos, em nível internacional, de preservação dos direitos humanos. Mais do que apenas uma entidade que dispõe de poder normativo, a ONU atua diretamente com a assistência a países que passam por situações de conflitos, embora, alguns desses atos sejam criticados por aqueles países que sofrem intervenções. Por fim, foi possível aprender que a proteção mínima dos refugiados aconteceu de forma gradual, sendo importante lembrar que os sujeitos que estão nessa condição não é por ato voluntário, mas buscando garantir apenas sua sobrevivência, com destaque para o Brasil que, ao longo da história, deu asilo a inúmeras pessoas. Atualmente, a CFRB/88 estabelece o princípio da dignidade humana como um de seus fundamentos, o que ratifica, ainda mais, seu compromisso com as pessoas em situação de refúgio. 11 Referências BRASIL. Constituições Brasileiras [1824] – Volume I. 3. ed. Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012. 105 p. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/137569/Constituicoes_ Brasileiras_v1_1824.pdf?sequence=5. Acesso em: 10 set. 2020. ______. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso em: 11 set. 2020. ______. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em: 15 set. 2020. _____. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em: 15 set. 2020. _____. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em: 15 set. 2020. ______. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em: 15 set. 2020. ______. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.htm. Acesso em: 11 set. 2020. _____. Constituição Federal da República Brasileira de 1988. Brasil: Senado Federal, Gráfica do Senado Federal, 2020. BUERGENTHAL, T. International human rights. 2. ed. Minnesota: West Publishing, 2000. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/137569/Constituicoes_Brasileiras_v1_1824.pdf?sequence=5 https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/137569/Constituicoes_Brasileiras_v1_1824.pdf?sequence=5 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.htm 12 PERES LUÑO, Antônio. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 5. ed. Madrid: Editora Tecnos, 1995. ONU. Organização das Nações Unidas. Carta das Nações Unidas de 1945. Disponível em: https://nacoesunidas.org/carta/cap1/. Acesso em: 19 set. 2020. PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed. São Paulo, Saraiva, 2013. https://nacoesunidas.org/carta/cap1/ Teoria e prática constitucional SST Azevedo, Simone Teoria e prática constitucional / Simone Azevedo Local: 2020 nº de p. : 14 Copyright © 2019. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. Teoria e prática constitucional 3 Apresentação O Judiciário se expandiu, muitas vezes, em razão da omissão do Legislativo, para legislar sobre matérias que lhe trazem certo desconforto. O crescimento e expansão de bancadas conservadoras dificulta o debate de temas polêmicos, mas que são de grande interesse social ou de grupos sociais. Em razão disso, foi possível observar nos últimos anos um papel atuante do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal (STF) em decisões de temas que tiveram grande impacto social e que chegaram à Suprema Corte alicerçados em direitos e garantias fundamentais constitucionais. Veja, nesta unidade, o julgamento de três desses temas. Conceito As constituições devem ser interpretadas em razão das necessidades e mutações sociais. A esse trabalho do judiciário, dá-se o nome de exegese, que pode ser compreendida como uma técnica que buscará o real significado dos textos constitucionais. Essa função é de extrema importância na medida em que o Texto Maior é critério de validade para as demais normas do ordenamento jurídico. A atual teoria da hierarquia constitucional estabelece esse documento como o fundamento de validade das demais normas do ordenamento jurídico. Saiba mais O grande desafio do jurista é decifrar o verdadeiro alcance e a abrangência das normas constitucionais e, por consequência, das demais normas do ordenamento jurídico. Nesse sentido, o desenvolvimento da atividade de hermenêutica leva em consideração a história, as ideologias, as realidades socioeconômicas, políticas, entre outras, do Estado, a fim de definir o real significado do Texto Maior. 4 Todavia, essa abertura não dá ao magistrado o poder de deliberar livremente sobre a aplicação e a interpretação constitucional. Existe um grupo de normas no qual o Constituinte deixou de forma clara qual a tutela deverá ser concedida pelo poder estatal. Em regra, as normas que necessitam da atividade de interpretação são os chamados princípios que estão ligados aos direitos fundamentais em suas cinco dimensões. Atenção Por exemplo, não há dúvidas que, conforme o art. 18 da Constituição Federal de 1988, Brasília será a capital federal. Todavia, quando da aplicação do art. 5º, como é possível delimitar qual o valor da igualdade? O princípio da igualdade deve ser interpretado em seu sentido material e formal. Saiba mais Nesse sentido, a técnica da interpretação deverá levar em consideração todo o sis- tema. E, em caso de antinomia normativa, deve-se buscar a solução para o aparente conflito por meio da interpretação sistemática orientada pelos princípios constitucio- nais. Métodos de interpretação A interpretação das normas constitucionais é um conjunto de métodos que são desenvolvidos pela doutrina e jurisprudência com base em critérios sistemáticos com base filosófica, metodológica, epistemológica, entre outros. Apesar de serem 5 técnicas em sua essência distintas, podem ser utilizados de forma complementar. A figura a seguir traz os principais métodos de interpretação. Métodos de interpretação Fonte: Elaborada pela autora (2020). Principais casos de alteração da interpretação constitucional Casamento homoafetivo A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo demonstra na prática o constitucionalismo contemporâneo. Esse posicionamento da Suprema Corte foi resultado do Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. Antes da análise dessa decisão, é importante destacar que a publicação da Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), autorizando a celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo gênero, representou um avanço em direção à legalização dessa forma de união. O relator das duas ações foi o ministro Ayres Britto, que, por meio de seu voto, manifestou ser necessário fazer uma interpretação conforme a Constituição para 6 o artigo 1.723 do Código Civil, que define a união estável como aquela “[...] entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (BRASIL, 2002). Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia destaca que o reconhecimento da união estável homoafetiva concretiza o princípio da dignidade da pessoa humana: [...] Tanto não pode significar, entretanto, que a união homoafetiva, a dizer, de pessoas do mesmo sexo seja, constitucionalmente, intolerável e intolerada, dando azo a que seja, socialmente, alvo de intolerância, abrigada pelo Estado Democrático de Direito. Esse se concebe sob o pálio de Constituição que firma os seus pilares normativos no princípio da dignidade da pessoa humana, que impõe a tolerância e a convivência harmônica de todos, com integral respeito às livres escolhas das pessoas. (STF - ADPF: 132 RJ, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001) Curiosidade Essa decisão do STF reflete os ideais do constitucionalismo democrático na medida em que busca o respeito e a efetivação dos direitos fundamentais, em especial os de liberdade, igualdade e dignidade. Seu fundamento e objetivo foi o respeito à dignidade da pessoa humana, que se tornou após a Segunda Guerra Mundial um dos grandes consensos éticos. Uso de células-tronco embrionárias em pesquisas Outro caso difícil que exigiu uma solução pelo STF foi a Ação Direita de Inconstitucionalidade 3510-0/600 ajuizada pela Procuradoria-Geral da República contra o art. 5º da Lei nº 11.105/2005, a Lei de Biossegurança. 7 Você conhece a definição de casos difíceis? Já se deparou em algum momento com algum caso parecido? Veja a definição de Barroso (2017): casos difíceis são aqueles que, devido a razões diversas, não têm uma solução abstratamente prevista e pronta no ordenamento, que possa ser retirada, não têm uma prateleira de produtos jurídicos. Que argumentações e justificativas um juiz poderia utilizar em casos desse tipo? Curiosidade Nessa ação, o STF julgou a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias à luz da proteção à vida humana por ocasião da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510/DF, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República contra o art. 5º da Lei nº 11.105/2005. A Suprema Corte decidiu pela constitucionalidade dessa lei em respeito à autonomia da vontade, ao planejamento familiar, à vida digna e à liberdade de expressão científica, desde que observadas cautelas na condução das pesquisas e na realização das terapias, que já estariam previstas ne referida lei. Segundo a Procuradoria da República em sua petição inicial, a utilização em pesquisas ou terapias de células-tronco embrionárias coletadas de embriões para fertilização in vitro – mas que seriam descartados depois – violaria o direito à vida e o princípio da dignidade humana, respectivamente protegidos nos arts. 1º, inciso III, e 5º, caput, da Constituição Federal de 1988. O fundamento é que o início da vida aconteceriacom a formação do zigoto, de modo que, ao autorizar a pesquisa com células-tronco embrionárias, a Lei de Biossegurança seria inconstitucional por não se respeitar o direito à vida garantido ao embrião. Atenção 8 Inicialmente, cumpre ressaltar que a decisão da Suprema Corte não definiu o momento inicial da vida humana. Nesse sentido, o voto da ministra Ellen Grace aduz: Não há por certo, uma definição constitucional do momento inicial da vida humana e não é papel desta Suprema Corte estabelecer conceitos que não estejam explícita ou implicitamente plasmados na Constituição Federal. Não somos uma Academia de Ciências. A introdução no ordenamento pátrio de qualquer dos vários marcos propostos pela Ciência deverá ser um exclusivo exercício de opção legislativa, passível, obviamente, de controle quanto a sua conformidade com a Carta de 1988. (STF - ADI: 3510 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 29/05/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-01 PP-00134) Curiosidade Ainda, segundo a ministra Ellen Grace, o embrião criopreservado não pode ser classificado como pessoa. Destacou, também, que a ordem jurídica nacional atribui a qualificação de pessoa ao nascido com vida e que a utilização para recuperação da saúde não agride a dignidade humana. A Constituição de 1988 tutela de forma expressa a proteção à dignidade humana já em seu art. 1º. Saiba mais O ministro Joaquim Barbosa também acompanhou integralmente o voto do relator pela improcedência da ação, ressaltando que a permissão para a pesquisa com células embrionárias prevista na Lei de Biossegurança não recai em inconstitucionalidade. Ele exemplificou que, em países como Espanha, Bélgica e Suíça, esse tipo de pesquisa é permitido com restrições semelhantes às já previstas na lei brasileira, como a obrigatoriedade de que os estudos atendam ao bem comum, que os embriões utilizados sejam inviáveis à vida e provenientes de processos de 9 fertilização in vitro e que haja um consentimento expresso dos genitores para o uso dos embriões nas pesquisas. Atualmente, a Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, versa sobre Biossegurança, e a Resolução nº 510 do Ministério da Saúde estabelece os patamares para pesquisas envolvendo seres humanos. Saiba mais A decisão do STF, ao julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, analisou que a Lei de Biossegurança estaria respeitando direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, posto que quando se trata de “direitos da pessoa humana” e até dos “direitos e garantias individuais” como cláusula pétrea, refere- se a direitos e garantias do indivíduo-pessoa que se faz destinatário dos direitos fundamentais “à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). 10 O caso também era difícil pelas razões usuais. Havia uma ambiguidade de linguagem relativa ao enquadramento ou não de um embrião congelado no conceito de vida, para fins de proteção constitucional. Também estava presente uma colisão de normas: para quem entendia que se tratava de uma vida potencial, sua preservação se chocava com o interesse dos pesquisadores e dos portadores de doenças cuja cura pudesse ser alcançada por essa linha de pesquisas. Por fim, havia um desacordo moral: preservar o embrião, em nome do direito à vida, ou destiná-lo à ciência, diante da constatação de que ele jamais seria implantado em um útero materno. Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da lei, entendendo que um embrião congelado e sem perspectiva de implantação em um útero materno não constituía vida para fins constitucionais. Como consequência, considerou legítimas as pesquisas com células- tronco embrionárias, mesmo que importassem na destruição do embrião. (STF - ADI: 3510 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 29/05/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe- 096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-01 PP-00134). Curiosidade Aborto praticado até o terceiro mês de gestação Outro caso emblemático decidido pelo STF que merece destaque foi o julgamento sobre a possiblidade de ser praticado o aborto até o terceiro mês de gestação, a partir de um pedido de habeas corpus. Destaca-se que não houve a legalização do aborto no Brasil, apenas se considerou que o aborto praticado no referido caso não deveria ser considerado crime. Saiba mais Tratou-se de habeas corpus, com pedido de concessão de medida cautelar, impetrado em face de acórdão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que não conheceu 11 do HC 290.341/RJ, de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Os indivíduos que mantinham uma clínica de aborto foram presos em flagrante em março de 2013 pela prática do crime de aborto e formação de quadrilha, por terem provocado aborto em gestante com o consentimento desta. Em seguida, foi concedida a liberdade provisória, em 2013, pelo Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias/RJ. Entretanto, a mesma vara criminal, em 2014, proveu recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para decretar a prisão preventiva dos pacientes, com fundamento na garantia da ordem pública e na necessidade de assegurar a aplicação da lei penal. Assim, a defesa impetrou habeas corpus no Supremo Tribunal de Justiça, que embora seu mérito não tenha sido examinado pelo acordão, que assentou não ser ilegal o encarceramento na hipótese. Os fundamentos do habeas corpus impetrado foram: não estão presentes os requisitos necessários para decretar prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, sustentaram que: • os pacientes são primários, com bons antecedentes e têm trabalho e residência fixa no distrito da culpa; • a custódia cautelar é desproporcional, já que eventual con- denação poderá ser cumprida em regime aberto; e • não houve qualquer tentativa de fuga dos pacientes duran- te o flagrante. • Daí o pedido de revogação da prisão preventiva, com expe- dição do alvará de soltura. Atenção Por unanimidade, os ministros do STF, como mencionado, entenderam que as prisões dos réus não se sustentavam. Para tanto, fundamentaram seus votos em alguns princípios constitucionais como o da igualdade, dos direitos sexuais e reprodutivos, da autonomia e do direito à integridade física e psíquica da gestante. Entenderam que a criminalização do aborto, no caso em discussão, era incompatível 12 com os direitos fundamentais, entre os quais, os direitos sexuais e reprodutivos à autonomia da mulher, a integridade física e psíquica da gestante e o princípio da igualdade. Conforme observou o ministro Barroso em seu voto, com o qual concordou a maioria dos ministros, a criminalização do aborto produz uma discriminação social, uma vez que o aborto inseguro tem um efeito perverso nas mulheres mais pobres e vulneráveis. Assim, esclareceu o ministro: Por fim, a tipificação penal produz também discriminação social, já que prejudica, de forma desproporcional, as mulheres pobres, que não têm acesso a médicos e clínicas particulares, nem podem se valer do sistema público de saúde para realizar o procedimento abortivo. Por meio da criminalização, o Estado retira da mulher a possibilidade de submissão a um procedimento médico seguro. Não raro, mulheres pobres precisam recorrer a clínicas clandestinas sem qualquer infraestrutura médica ou a procedimentos precários e primitivos, que lhes oferecem elevados riscos de lesões, mutilações e óbito. (HABEAS CORPUS 124.306 RIO DE JANEIRO RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO) Curiosidade Observa-se, pois, que o julgamento do STF reconheceu os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, o direito e à integridade física e psíquica da gestante, para que, dessaforma, possa se proporcionar à mulher o seu acesso pleno à saúde, nos termos garantidos na Constituição Federal de 1988. Fechamento A partir da análise desses julgados apresentados, é possível notar um papel atuante do Judiciário em diversas matérias. As decisões se fundamentam e se pautam em argumentos técnicos com base na Constituição, mas é inegável o seu caráter político ou reflexos políticos sociais relevantes. De um lado, é verdade que muitas decisões representam um importante avanço no reconhecimento de direitos de minorias, como, por exemplo, a legalidade do 13 casamento homoafetivo. Mas uma dúvida importante que remanesce é: até onde pode ir o Judiciário? Muitas vezes se comemoram vitórias progressistas e sociais importantes conseguidas via Judiciário, mas a questão é: e se o Supremo Tribunal Federal for composto por uma maioria de membros de vieses autoritários e contrário ao reconhecimento de direitos? 14 Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/2002/l10406.htm#capituloiiextincaocontrato. Acesso em: 22 set. 2020. Defesa dos direitos coletivos e difusos SST Raulino, Cátia Defesa dos direitos coletivos e difusos / Cátia Raulino Ano: 2020 nº de p.: 12 Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 3 Defesa dos direitos coletivos e difusos Apresentação Desde a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, vemos que a sociedade brasileira tem experimentado uma onda de processos coletivos e transindividuais, apresentando grandes desafios ao Poder Judiciário. Direitos advindos de violações do meio-ambiente, das relações de consumo, de práticas de bioética e direitos humanos têm sido apresentado aos tribunais em diversas instâncias. Assim, os direitos coletivos e difusos são a grande novidade dos últimos anos no processo civil brasileiro, principalmente quando consideramos as ações advindas, como por exemplo, da Lei da Ação Popular –nº4717/65 e da Lei da Ação Civil Pública – nº 7.437/85. E é sobre isso que falaremos nesta unidade. Bons estudos! Defesa dos interesses e direitos coletivos dos consumidores em juízo De acordo com Cavalieri (2011, p.121): Os direitos coletivos também têm titularidade indeterminável, todavia, os titulares são identificáveis, pois tais direitos estão identificados a um grupo, categoria ou classe de pessoas. Só são beneficiados os indivíduos pertencentes ao grupo, categoria ou classe, sendo que o resultado da demanda atinge a todos de modo uniforme. Eventual benefício ao patrimônio do indivíduo será reflexo. Aqui, diferentemente dos direitos individuais, há claros grupos de determinados indivíduos como beneficiados pela proteção consumerista. Sobre a tutela coletiva, assim como a tutela dos direitos difusos, temos regulamentações e uma base legal muito parecida. 4 Há uma lei específica que disciplina a regra dos direitos difusos e coletivos, que é a chamada Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7347/85). Essa será a lei básica que disciplinará de forma ampla a proteção de direitos coletivos. Atenção Wambieret al. (2015, p.87) fala sobre a relação entre a Lei de Ação Civil Pública (LACP)e o Código de Defesa do Consumidor (CDC): Percebe-se, claramente, que com a edição do Código de Defesa do Consumidor acabou por crescer o âmbito de utilidade da ação civil pública. Com o disposto no seu art. 21 ela passou a abranger vasto segmento que precedentemente não encontrava cobertura normativa nem a indicação de legitimados para a tutela. Já a LACP, em seu art. 1º, deixa clara essa proteção ao consumidor: Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:(Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).[ ...] ll - ao consumidor; [...] (BRASIL, 1985) Essa mesma lei tutelará outros direitos coletivos e difusos. A ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Continuando na seara desta ação, ela tornará possível o ajuizamento de pedido cautelar objetivando evitar danos ao consumidor. Os legitimados para propor a ação civil pública são os mesmos legitimados que já vimos na proteção aos direitos individuais homogêneos. Neste caso, temos ainda a previsão de substitutos na ação, caso um dos legitimados a abandone por qualquer motivo. 5 Uma parte importante dessa previsão legal é a possibilidade de o próprio juiz comunicar ao Ministério Público ocorrências que legitimam a ação (art. 7º, LACP/85). A profunde seus estudos sobre a questão do ônus probatório no novo Código de Processo Civil a partir da leitura do link: http:// www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_ leitura&artigo_id=18185. Saiba mais A Ação Civil Pública tem por objetivo reprimir ou mesmo prevenir danos ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio público, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e turístico, por infração da ordem econômica e da economia popular etc., podendo ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Princípios dos processos coletivos Neste tópico, estudaremos os princípios das ações coletivas, Princípio da não-taxatividade: É totalmente proibido limitar as hipóteses em que será possível propor ação coletiva. A base legal do princípio é o art. 129, III, da Constituição Federal, no título Outros interesses difusos e coletivos e no art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). Complementa o art. 1º, IV, da Lei da Ação Civil Pública: “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. Saiba mais Com isso, as limitações levadas a efeito tanto pela legislação infraconstitucional quanto pela jurisprudência são inconstitucionais. Princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo: Por este princípio, deve o Poder Judiciário flexibilizar todos os pressupostos de admissibilidade processual para que possa enfrentar o mérito do processo coletivo e, assim, reafirmar a sua função social: tornar mais fácil o acesso à justiça, afinal, as ações coletivas são ações de interesse social. http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18185 http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18185 http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18185 6 Um determinado juiz, em vez de extinguir a ação coletiva por ilegitimidade da parte autora, publica editais convidando outros legitimados para assumirem o polo ativo da ação. Neste caso, temos o interesse jurisdicional na ação. O próprio juiz compreende que outras coletividades ou grupos devem estar presentes na referida ação. Reflita Princípio da presunção da legitimidade “ad causam” ativa pela afirmação de direito coletivo: De acordo com este princípio, basta a afirmação de direito coletivo para que esteja automaticamente presumida a chamada legitimidade para a causa. No que tange ao Ministério Público (MP), a aplicação do princípio decorre da própria Constituição, pois nossa carta magna atribui legitimidade coletiva institucional, bastando se tratar de direito social para, naturalmente, restar configurada a legitimidade do parquet. Princípio da disponibilidade motivada da ação coletiva: Se durante o curso do processo aquele que possui a legitimidade resolver desistir da ação, os motivos deverão estar presentes e fundamentados. O princípio determina que é necessária a análise da desistência. Se for considerada infundada, caberá ao MP assumir a titularidade do feito se a ação houver sido originariamenteproposta por qualquer dos legitimados concorrentes (art. 5º, §3º, LACP). Princípio da máxima prioridade da tutela jurisdicional coletiva: A prioridade se justifica, pois os julgamentos coletivos acabam por atingir uma enorme gama de indivíduos e de questões, o que acaba por tornar mais célere a justiça nesse sentido. Princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva comum: Por tal princípio, busca-se o aproveitamento máximo da prestação jurisdicional coletiva, para que com isso novas demandas sejam evitadas, principalmente as realizadas individualmente pelo consumidor e que possuem a mesma causa de pedir. É o que se observa do sistema da extensão in utilibus da coisa julgada coletiva prevista no art. 103, § 3º, do CDC, em que fica garantido ao titular do direito individual, caso demonstre a procedência da sentença coletiva, de utilizá-la seu processo individual (transporte in utilibus). 7 Princípio do ativismo judicial ou da máxima efetividade do processo coletivo: Este princípio se refere ao novo papel a ser desempenhado pelos magistrados. De acordo com Cavalieri (2011, p. 111), “nas demandas coletivas, o próprio papel do magistrado modifica-se, enquanto cabe a ele a decisão a respeito de conflitos de massa, por isso mesmo de índole política”. Essa opinião, porém, é controversa. Lenio Streck ou Eros Grau são duas boas sugestões de contraponto. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) mantém o portal atualizado sobre os direitos coletivos, não apenas os consumeristas. Confira em: http://www.cnmp.gov.br/ direitoscoletivos/. Saiba mais Princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva: São totalmente cabíveis quaisquer tutelas do direito individual no direito coletivo: preventivas, repressivas, condenatórias etc. Da mesma forma, podem ser utilizados também todos os ritos e medidas eficazes previstos no sistema processual em casos envolvendo consumidores. Princípio da obrigatoriedade da execução coletiva: art.15 da LACP e art. 16 da Lei da Ação Popular (LAP). Comprovada a desídia dos outros legitimados ativos, caberá ao parquet a promoção da execução coletiva. Dessa forma, ajuizada a ação coletiva e julgada procedente, é dever do Estado, por mekko– por meio do MP –, dar efetivação ao direito. O autor precisará executar a sentença proferida em ação coletiva em 60 dias, senão o MP o fará. Princípio da universalidade da jurisdição: Estas ações desejam atingir muitos interessados. Sua finalidade só pode ser atingida a contento se partirmos da “ótica dos consumidores da justiça”. Ou seja, para atingir a real eficácia para a qual foram criadas, quanto maior a coletividade ou coletividades atingidas, maior é o cumprimento de sua função jurisdicional. Princípio da economia processual: Segundo este princípio, o processo coletivo atinge a um só tempo os ideais de redução do custo econômico, em materiais e pessoas, já que temos uma menor quantidade de processos individuais, uma maior uniformidade e uma maior rapidez gerada pelos precedentes coletivos. http://www.cnmp.gov.br/direitoscoletivos/ http://www.cnmp.gov.br/direitoscoletivos/ 8 Princípio da adequada representação: Está diretamente ligado aos seguintes princípios: da segurança jurídica, do devido processo legal coletivo, da efetividade e da tutela coletiva, pois procura fazer com a coletividade presente na ação seja bem representada em sua demanda, quer dizer, por um legitimado ativo ou passivo que efetivamente exerça o direito coletivo em sua plenitude e guie o processo com boa técnica e probidade. Defesa dos interesses e direitos difusos dos consumidores em juízo Podemos afirmar que os direitos difusos são caracterizados pela indeterminação dos titulares, indivisibilidade do direito (o objeto do direito não pode ser cindido – ou atende a toda sociedade ou não atende ninguém) e sua origem meramente factual. Assim como nos direitos coletivos, os difusos são protegidos em juízos através da ação civil pública. Antes de adentrar nessa especificidade, Cavalieri (2011) nos lembra que muitas vezes em ocorrências em que os direitos difusos são desrespeitados, os consumidores podem também individualmente buscar a tutela de seus direitos em juízo. Vejamos o exemplo usado pelo autor em seu livro: “Digamos que um vendedor de remédios anuncie um medicamento milagroso que permita que o usuário emagreça 5 kg por dia apenas tomando um comprimido, sem nenhum comprometimento à sua saúde. Seria um caso de enganação tipicamente difusa, pois é dirigida a toda comunidade. Agora, é claro que uma pessoa em particular pode ser atingida e enganada pelo anúncio: ela vai à farmácia, adquire o medicamento, ingere o comprimido e não emagrece. Ou pior, toma o comprimido e fica intoxicada. Nesse caso, esse consumidor particular tem um direito individual próprio, que também, obviamente, está protegido. Ele, como titular de um direito subjetivo, poderá exercer todos aqueles direitos garantidos na Lei n. 8.078/90. Poderá, por exemplo, ingressar com ação de indenização por danos materiais e morais.” (CAVALIERI, 2011, p. 111) Reflita 9 Perceba que, no caso citado, um direito difuso foi desrespeitado, porém o consumidor teve a possibilidade de ver seu direito individual ligado a esse desrespeito devidamente tutelado, independente da propositura de demanda coletiva. Ainda sobre os direitos difusos, eles são tutelados via ação civil pública, portanto vamos continuar estudando pontos importantes desta ação em continuidade ao que já vimos na defesa dos direitos coletivos. Vejamos então o que ocorrerá quando o MP determinar a inexistência de fundamento para a propositura: Art. 9º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente. § 1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público. § 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação. § 3º A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento. § 4º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação. (BRASIL, 1985) Citação 10 Todo esse procedimento que será realizado para possibilitar o arquivamento garante que as autoridades do MP não arquivem por motivos pessoais, já que a decisão de arquivamento deve ser homologada. Por outro lado, se o MP, no curso de suas funções na ação civil pública, solicitar quaisquer informações ou provas e isso foi omitido ou retardado na busca de um arquivamento, teremos aí um crime caracterizado (art. 10,LACP/85). Na ação civil pública, para evitar maiores danos as partes, o juiz poderão ainda conferir o chamado efeito suspensivo aos recursos, protegendo, portanto, o consumidor de danos maiores. No que tange aos efeitos da coisa julgada, veja como a LACPtratou da questão: Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo- se de nova prova. (BRASIL, 1985) A LACP, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogêneos surgiu a partir do CDC, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros,porém ontologicamente diversa. Distinguem-se os conceitos de eficácia e de coisa julgada. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Atenção O art. 16 da LAP, ao impor limitação territorial à coisa julgada, não alcança os efeitos que propriamente emanam da sentença. Os efeitos da sentença produzem-se erga omnes – para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. Recurso Especial improvido. 11 Conclusão Nesta unidade, estudamos uma matéria que é de suma importância para os operadores jurídicos, pois uma parte da temática sobre direito do consumidorse dedica aos casos de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. A consolidação desses direitos se apresenta com uma roupagem mais social na busca da concretização do acesso à justiça, facilitando o exercício da cidadania e da concretização de um dos fundamentos da república: o princípio da dignidade humana. 12 Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Lei de Ação Civil Pública. Diário Oficial da União, 25 jul. 1985. CAVALIERI, S. Programa de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. WAMBIER, T. A. A. et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Ed. RT, 2015. ACESSO A DIREITOS NO BRASIL SST FREITAS, Veronica Tavares de Acesso a direitos no Brasil / Veronica Tavares de Freitas Ano: 2020 nº de p. 13 Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 3 ACESSO A DIREITOS NO BRASIL Apresentação Neste momento, trataremos de um assunto relacionado ao acesso a direitos no Brasil. Estudaremos sobre o processo de formação dos direitos a partir de uma breve contextualização a partir do cenário mundial. Estudaremos ainda o procedimento histórico do desenvolvimento dos direitos no Brasil, como foram sendo estruturados e, o quanto que a sociedade civil organizada e a participação popular têm formidável função que em relação a luta pelos direitos. Estudaremos a respeito da conjuntura acerca da publicação da Constituição Federal que em 1988 e quais são os direitos assegurados por ela, e qual é o papel do Estado asseverado por ela. Também estudaremos quais foram as basilares leis que procederam da Carta Magna que afiança direitos a população, e, por fim estudaremos alguns dos considerados basais desafios alocados para a população no que diz respeito ao acesso aos direitos consolidados, e ainda qual deve ser o papel dos profissionais diante desses desafios. Ótimo estudo. BREVE CONTEXTO DOS DIREITOS SOCIAIS NO MUNDO Os direitos sociais são assinalados no planeta, mais precisamente a partir da do século XIX, enquanto fruto das manifestações bancadas por operários que foram contratados para laborarem nas recém instaladas indústrias, a partir da alteração de produção manufatureira para a produção industrializada. Os proletários contratados pelos capitalistas, (donos das fábricas) faziam manifestações e também greves com a finalidade de alcançarem melhores qualidades nas condições do labor, como também buscavam conseguir a regulação dos direitos inerentes a trabalhadores como: sistematização de carga horária, visto que nessa época trabalhavam em média de 14h a 16h, direito a férias, descanso remunerado, salários dignos etc. Esses direitos foram os primeiros a serem conquistados pela população, em diversos países principalmente os desenvolvidos. 4 Cabe ressaltar que a política econômica do momento era regulada na teoria clássica do liberalismo em que, perfilha que o Estado não carece interferir no mercado e que direitos sociais precisam ser mínimos sociais ou seja, atendimentos pontuais e focalizados, não necessitando de ser uma atenção integral ao cidadão. Atenção Entretanto, com o advento do século XX, foi sendo percebido que essa base liberal estava alterando cada vez mais a condição de vida da população e, por conseguinte incidindo nas desigualdades sociais, levando as pessoas viverem em condições subumanas. Essa situação se agravou e cada vez mais gerou crises no sistema econômico, o que ocasionou uma depressão na economia em escala mundial, levando, por exemplo, a bolsa de valores de Nova York a perder seus ganhos acontecendo, portanto, a quebra dessa bolsa no ano de 1929. Conceito de liberalismo: Política econômica em que orienta a diminuição do Estado nas várias decisões, sobretudo nas áreas social e econômica; tendo como direcionamento para o campo social, políticas fragmentadas e por critério de elegibilidade, e na economia deixando o mercado ser livre e se auto regular sem interferência estatal. Atenção Conforme Souza (2013), esse totalidade histórica e econômica, incluídos os diversos problemas que foram resultados da Primeira Guerra Mundial, alocam em alvo de abalançamento a efetividade da teoria liberal na economia, e acontecem de assumir uma nova referência teórica, difundida pelo economista britânico por John Maynard Keynes, teoria que ficou conhecida como Keynesianismo. Nessa concepção, a responsabilidade do Estado passa a ser basal visto que ele se coloca na condição de intervencionista e regulador do mercado. Essa mudança se fez necessário devido aos problemas da crise capitalista acima citada. Outra mudança que foi promovida por esse novo modelo econômico, é de que o Estado devesse se responsabilizar por sua população, provendo meios de atendimento as suas necessidades e demandas, assim surge o Estado de Bem 5 Estar Social, em que o Estado sistematiza direitos e organiza políticas com ações que possam ofertas direitos sociais a população que deles necessitarem, levando condição de vida melhor para seus cidadãos. Por fim, cabe ressaltar que o Brasil não teve esse tipo de modelo de acesso a direitos, e alguns países que o estabeleceram até os atuais dias possuem esse sistema, mas com alterações que se fazem necessárias de acordo com a conjuntura social e econômica que estejam enfrentando. DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL E A CONSOLIDAÇÃO DESTES COM A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988 No início do século XX, o Brasil encontrava-se estreando seu procedimento de desenvolvimento industrial, até o momento em questão, o país tinha sua única base econômica centrada na agricultura. Enquanto em outros países considerados desenvolvidos, já tinham promulgado a proteção social aos seus cidadãos; o Brasil nos elementares anos do século XX estava solidificando a industrialização, e ainda recebendo muitos imigrantes que tinham a finalidade de laborarem nessas indústrias ou com a agricultura. Atenção Cabe lembrar que até esse momento supramencionado, os primeiros exemplos de atenção a população no que diz respeito a necessidades sociais, aconteceram através da caridade cristã que era praticada pelas leigas e da filantropia muito exercida pelas santas casas de misericórdia, nesse compasso, o Estado se colocava completamente distante no que diz respeito a responsabilidade de prover ações que pudesse atender a população em suas necessidades humanas e sociais. Entretanto, devido não ter um sistema de proteção social reunido, ocorreram várias mobilizações e, por conseguintes manifestações por parte dos trabalhadores, em que reivindicavam que o Estado pudesse organizar e implementar políticas que viabilizasse o acesso da população a direitos. 6 Temos como destaque enquanto primeira lei de regulação de algum direito promovido pelo o Estado, a Lei Eloy Chaves em 1923 como resultado das manifestações por parte desses trabalhadores das primeiras indústrias no Brasil. No entanto, aqueles que não eram trabalhadores permaneceram desprovidos de qualquer tipo de direitos por parte do Estado brasileiro. Atenção Outras ações que foram sendo implementadas no Brasil, no entanto, voltavam-se para a população trabalhadora que tivesse vínculoformal de trabalho e, que por sua vez, contribuía com a previdência social. No governo de JK cabe destacar que as ações de atenção a população que não tinha acesso aos direitos trabalhistas por encontrar-se em situação de desemprego etc, se fazia ainda através da caridade cristã promovida pela igreja. E, por parte do Estado, as ações tinham caráter focalistas e pontuais, e com a instauração do governo ditatorial militar, se agravou a situação, visto que mais pessoas se tornaram a margem da linha da pobreza ou abaixo dela. Tal situação perdurou até meados da década de 1980 e com o acabamento oficial do governo autocrático militarista no ano de 1985, o Brasil passa a ter novamente a abertura política, a população brasileira volta a ter o direito de votar e muitas mobilizações populares e de profissionais das áreas de saude, educação, previdência social, assistência social, sindicatos, associações, artistas etc, foram desenvolvendo manifestações em várias partes do Brasil, conclamando direitos sociais que pudessem ser de caráter universal, e assegurasse condições de vida digna a população brasileira, e que o Estado fosse o principal responsável em prover esses direitos sem cobrar qualquer tipo de contribuições por parte dos cidadãos. Assim, essas várias mobilizações e manifestações de populares e outros segmentos da sociedade civil, pressionaram o Estado para desenvolver uma nova Constituição Federal e, em 1988 tivemos a promulgação da Carta magna e que assevera que os direitos sociais são fundamentais e dever do Estado e direito de todos os cidadãos. Na carta magna, os direitos sociais estão dispostos no artigo 6º a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados. 7 Principais legislações que asseguram os direitos sociais asseverados a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 Constituição Federal de 1988 Lei orgânica da assistência social - LOAS - 8742/1993 Lei Maria da Penha - 11.340/2006 Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) Lei de Diretrizes e Base da Educação - LDB Nº 9394/1996 Estatuto da Igualdade Racial - Lei nº 12.288/2010 Lei organica da saude - LOS - 8.080/1990 Estatuto do idoso - Lei 10.741/2003 Estatuto da Pessoa com deficiência - Lei nº 13.146/2015 Fonte: Elaborada pela autora (2020). Precisamos considerar que tais direitos foram conquistados muito recentemente e que a participação popular e dos organismos da sociedade civil foi fundamental para que tivéssemos uma nova constituição que assegurasse os direitos enquanto dever do Estado. É fundamental considerarmos os avanços que tivemos em termos de garantias constitucionais no que tange a direitos comparando com a realidade que até meados dos anos de 1980 permeava no país. Contudo devido as intensas desigualdades sociais que assolam o Brasil, esses direitos por mais que sejam garantidos em leis e políticas é crucial que os profissionais se coloquem como articuladores e viabilizadores de direitos continuamente para que o que está assegurado em leis possa se materializa e assim, contribuirmos para o acesso aos direitos sociais. DESAFIOS DE ACESSO A DIREITOS NO BRASIL O Brasil permanece como um país de imensas desigualdades. No entanto, a Constituição de 1988 garante uma série de direitos à população do país. A Carta Magna, como também 8 é conhecida a Constituição brasileira, foi construída como resultado do processo de redemocratização nacional, com a dissolução do último período ditatorial, sendo a base de todo o nosso ordenamento jurídico contemporâneo. Trata-se do pacto social do atual regime. Assim, são formuladas leis constantemente, acompanhando o desenvolvimento histórico da sociedade, mas nenhuma legislação pode contradizer o que está escrito na Constituição, e ela rege a ação de todo o poder público. O texto constitucional apresenta amplas garantias para a promoção da cidadania e da justiça social no país. Segundo seu texto (BRASIL, 1988): Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (...) Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa 9 e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; (...) XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; (...) Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015) (...) Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos No entanto, apesar de contarmos com uma Constituição bastante avançada, a realidade brasileira segue com um enorme abismo social e dificuldade de acesso a A questão do acesso à saúde é um dos gargalos nacionais. Contamos com um dos sistemas mais avançados do mundo, no sentido de sua formulação, que é o Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, a realidade brasileira é da dificuldade ao acesso de forma generalizada. Segundo pesquisa encomendada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) (2018), realizada pelo Datafolha em 2018, 89% dos brasileiros classificam a saúde (pública ou privada) como péssima, ruim ou regular. 10 Essa é a avaliação de 94% dos cidadãos que possuem plano de saúde e por 87% dos que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). O tempo de espera é o maior problema identificado no SUS, incluindo-se também a dificuldade de acesso a exames ou cirurgias. Além disso, a má gestão do dinheiro público é também identificada como um gargalo nessa área por parte da população. O SUS Baseia-se no princípio constitucional segundo o qual a saúde é direitos de todos e dever do Estado. É considerado um dos maiores sistemas de saúde pública de todo o mundo. O SUS Prevê a participação integrada da União, dos Estados e municípios. É composto pela atenção primária, de média e alta complexidade, pelos serviços de urgência e emergência, pela atenção hospitalar,pela vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental, e pela assistência farmacêutica. Os seus princípios são o da universalização da saúde, como um direito de todas as pessoas; a equidade, guiada pela perspectiva de reduzir desigualdades; e pela integralidade, considerando os indivíduos de forma integral, com a necessidade de articulação da saúde com outras dimensões sociais. O acesso à saúde dialoga também com a garantia de uma gama de outros direitos, que afetam diretamente a saúde e o bem-estar da população. É o caso do saneamento básico. Tratamento de esgoto, água encanada, condições mínimas de moradia, tudo isso é garantido pela Constituição. No entanto, a situação da população segue alarmante. Outro problema grave de acesso a direitos é a educação. A sua disponibilidade de forma profundamente desproporcional para a população é estruturante das desigualdades sociais, refletindo-se nas condições de acesso a trabalho e mesmo na consciência de saber dos próprios direitos de cada um. O caso limite disso é a persistência do analfabetismo. Apesar de consideráveis avanços ao longo do último século, essa dura realidade ainda persiste para milhões de brasileiros. Em 2018, no Brasil, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais foi estimada em 6,8% da população, correspondendo a 11,3 milhões de analfabetos no país. 11 O analfabetismo é uma situação grave de privação de direitos, dificultando a vida da população em muitos sentidos. Esse fenômeno se intensifica com os avanços tecnológicos atuais, sendo a informatização associada ao uso da escrita como um dos principais meios de acesso. Além disso, mesmo no caso dos alfabetizados, nota-se que a precariedade da formação dos brasileiros consiste em um desafio nacional profundo. Afinal, segundo dados do IBGE de 2018, 33,1% da população possui o nível de instrução apenas referente ao ensino fundamental incompleto. Desafios e possibilidades POSSIBILIDADES DE ENFRENTÁ-LO ATRAVÉS DA POSTURA CRÍTICA DO PROFISSIONAL E ORIENTANDO A POPULAÇÃO A RESPEITO DE COMO PARTICIPAR DOS ESPAÇOS DE DECISÃO DESAFIOS A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS Fonte: Elaborado pela autora, (2020). Destarte, o que queremos explicitar aqui é que os desafios são imensos e corroboram para a prática da desigualdade social que persiste no país, porém não podemos enquanto profissionais se colocar na condição de pessimistas olhando para a situação e apenas ficar nas lamentações. Por isso se faz necessário que a população seja cada vez mais sabedora dos seus direitos e da sua valiosa participação no controle social das políticas que efetivam direitos, para que possam propor, apresentar suas indagações e acompanhar as ações do poder público. Contudo, os profissionais que atuam no acesso a garantia de direitos precisa ter a compreensão do todo, reconhecendo o que foi de conquista, tendo acesso aos desafios e não se limitar a eles, ou seja, buscar enfrenta-los de forma crítica, analítica e promovendo ações de fortalecimento da população e estratégias para viabilizar o que é direito social. 12 Fechamento Aprendemos sobre o processo de formação dos direitos, onde se originou as primeiras mobilizações e manifestações e o quanto que a participação da população é fundamental no procedimento de pressão do Estado para que ele possa assegurar os direitos inerentes a população. Estudamos também o processo histórico da formação dos direitos no Brasil, como eles foram sendo estruturados e, mais uma vez verificamos o importante papel que a sociedade e a população têm em relação a luta pelos direitos. Estudamos a respeito do contexto de promulgação da Constituição Federal que se deu em 1988 e quais são os direitos assegurados por ela, e que o Estado deve ser o principal responsável em prover esses direitos. Também estudamos quais foram as principais leis que derivaram da Constituição de 1988 para assegurar direitos a população, e, por fim estudamos alguns dos principais desafios colocados para a população no que tange o acesso aos direitos consolidados, e também qual deve ser o papel dos profissionais diante desses desafios. 13 Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: <https://www.senado.leg.br/atividade/ const/con1988/con1988_08.09.2016/CON1988.asp>. Acesso em: 23 set. 2020. BRASIL. Cartilha do Censo 2010: Pessoas com Deficiência. Brasília: SDH-PR/SNPD, 2012. BRASIL. Agência IBGE. Mulher estuda mais, trabalha mais e ganha menos do que o homem. 28 mar. 2019. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20234-mulher-estuda-mais- trabalha-mais-e-ganha-menos-do-que-o-homem>. Acesso em: 23 set. 2020. BRASIL. Agência IBGE. Munic: mais da metade dos municípios brasileiros não tinha plano de saneamento básico em 2017. 20 set. 2018. Disponível em: <https:// agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de- noticias/releases/22611-munic-mais-da-metade-dos-municipios-brasileiros-nao- tinha-plano-de-saneamento-basico-em-2017>. Acesso em: 23 set. 2020. BRASIL. IBGE Educa. Conheça o Brasil. Disponível em: <https://educa.ibge.gov.br/ jovens/conheca-o-brasil/populacao/18317-educacao.html>. Acesso em: 23 set. 2020. BRASIL Ministério da Saúde. Sistema Único de Saúde (SUS): estrutura, princípios e como funciona. Disponível em: <http://www.saude.gov.br/sistema-unico-de- saude.>. Acesso em: 23 set. 2020. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Imprensa destaca pesquisa encomendada pelo CFM ao Datafolha sobre a percepção do brasileiro sobre a saúde. 2018. Disponível em: <https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article& id=27701:2018-06-28-15-18-26&catid=3>. Acesso em: 23 set. 2020. SOUZA, C.R. Seguridade Social: Reflexões sobre a trajetória histórica, limites e desafios. In: VI Jornada Internacional de Políticas Públicas, UFMA – Universidade Federal do Maranhão. 2013. Direitos Humanos no Brasil SST Rascke, K. L.; Direitos Humanos no Brasil / Karla Leandro Rascke Ano: 2020 nº de p.: 11 páginas Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. Direitos Humanos no Brasil 3 Apresentação Os direitos humanos são processos não lineares oriundos de lutas emancipatórias que privilegiam a dignidade humana e a cidadania dos que estão em vulnerabilidade social. Estes direitos humanos possuem caráter universal e são traduzidos pelos direitos fundamentais na órbita interna, ou seja, dentro do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Sistemas internacionais de garantia dos direitos humanos Após a 2ª Guerra Mundial, começou a estruturar-se um Sistema Global e Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos. Paralelamente, declarações, tratados e instrumentos internacionais foram criados e ratificados, buscando proteger uma ampla gama de direitos humanos, tais como direitos políticos, civis, econômicos e culturais. Há sistemas internacionais para a proteção Fonte: Plataforma Deduca (2020) Assim, foi instituído o primado da jurisdição internacional e o indivíduo passou a ser sujeito de Direito Internacional. Esse momento é lembrado por Piovesan (2015a, p. 197): 4 A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteger os direitos humanos. O Sistema Regional de Proteção aos Direitos Humanos ao qual o Brasil pertence é o Sistema Interamericano, que já estudamos. Ele ratificou diversos Tratados Regionais e Internacionais relativos aos direitos humanos, transcritos em nossa Constituição Federal, como direitos fundamentais. Os direitos fundamentais estão definidos na Constituição Federal de 1988 Fonte: Deduca (2020) Há relações entre oDireito Internacional e o Direito Interno, ou seja, como esses dois direitos comunicam-se. Atualmente, duas doutrinas tratam desse assunto: (i) doutrina dualista e (ii) doutrina monista. Vamos a elas: Doutrinas Doutrina dualista – esta doutrina, defendida por dois juristas Triepel (Alemanha) e Anzillotti (Itália) entendem que o Direito Internacional e o Direito Interno são dois sistemas independentes. O primeiro regula somente a relação entre Estados; e o segundo, a relação entre os indivíduos e o Estado. Dessa 5 forma, não poderiam ocorrer quaisquer conflitos entre eles, dado que as matérias de que tratam são completamente diversas. Os tratados internacionais representariam tão somente compromissos externos dos Estados, e não poderiam gerar, na ordem interna, compromissos. Há, porém, uma exceção a essa regra, caso o tratado fosse recebido pelo Direito Interno na forma de uma norma típica de Direito Interno, como uma lei, um decreto etc. Nessa hipótese, havendo conflito, configuraria uma dissecção entre normas internas e, não mais uma divergência entre tratado internacional e lei interna. Nas palavras de Mazuolli (2018, p. 34): Para esta doutrina, as normas de Direito Internacional têm eficácia somente no âmbito internacional, ao passo que as normas no Direito interno só têm eficácia na ordem jurídica interna, de forma que, para o ingresso das normas internacionais provenientes de tratados no ordenamento jurídico pátrio, após a ratificação, far-se-ia necessário incorporar legislativamente o conteúdo desses instrumentos ao ordenamento jurídico interno (técnica da “incorporação legislativa). Doutrina monista Segundo essa doutrina, as duas ordens jurídicas (internacional e interna) coexistem, sendo que a ordem internacional tem primazia sobre a interna. Por esse raciocínio, a ratificação de um tratado por um Estado por si só obriga-o a cumprir as obrigações ali existentes, sem a necessidade de edição de uma lei interna. Esse entendimento, porém, não é unânime. Algumas correntes surgiram a partir desta ideia central: Monismo nacionalista o Estado tem o poder discricionário de adotar ou não as regras determinadas em instrumento internacional. A ordem jurídica nacional é soberana. Monismo internacionalista segundo essa corrente, o Direito Internacional é hierarquicamente superior ao Direito Interno de cada Estado e a ele deve subordinar-se. Em caso de 6 conflito entre o Direito Internacional e o Direito Interno, o primeiro sempre deve prevalecer. Monismo internacionalista dialógico aplica-se quando falamos de normas internacionais de direitos humanos. Nesse caso, deve prevalecer a norma mais benéfica como mais favorável ao ser humano. Os direitos humanos são normas internacionais que advém de lutas emancipatórias em prol dos vulneráveis Fonte: Plataforma Deduca (2020) Os direitos humanos dentro do ordenamento jurídico brasileiro A Constituição de 1988, também chamada de “Constituição Cidadã”, foi a primeira constituição elaborada sob um Regime Democrático de Direito. As constituições anteriores de 1967 e 1969 foram outorgadas durante a ditadura militar que governou o país de 1964 a 1985. Durante esse obscuro período do país, houve uma verdadeira crise de legitimidade e violações de direitos humanos; uma constante no cotidiano dos brasileiros. 7 O Brasil era abertamente criticado por organismos internacionais de direitos humanos pela prática de assassinatos, torturas, desaparecimentos e desrespeito à liberdade de expressão, dentre outros. Muitos desses casos foram, inclusive, objeto de denúncia a órgãos de proteção de direitos humanos regionais e globais, a nível internacional. Sistema de Normas Internacionais SISTEMA GLOBAL ONU SISTEMA REGIONAL Ex.: OEA Fonte: Elaborado pelo o autor (2020) Flavia Piovesan (2013, p. 57) enfatiza a importância da Carta Magna: A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e valores éticos, conferindo valor axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. Na ordem de 1988, esses valores passam a ser dotados de uma especial força expansiva, projetando-se por todo universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional. A Constituição de 1988 trouxe uma nova perspectiva para a proteção e implementação dos direitos e garantias fundamentais que é uma materialização dos Direitos Humanos. Procurando ampliar a proteção dos direitos humanos em âmbito nacional, a Constituição conferiu um tratamento diferenciado aos Tratados Internacionais, conforme o determinado no Art. 5º, § 2º (BRASIL, 1988). A Constituição reconheceu, de forma expressa, uma dupla fonte normativa: 8 (i) o Direito Interno que determina, expressa e implicitamente, no texto constitucional, os Direitos Humanos; e (ii) o Direito Internacional por meio da ratificação de acordos internacionais de proteção aos Direitos Humanos. Os tratados internacionais passaram a ser fontes constitucionais com a mesma eficácia e igualdade dos direitos expressos ou implícitos na Constituição. Os direitos humanos dentro da Constituição Federal Fonte: Plataforma Deduca (2020) Flavia Piovesan (2013, p. 58) corrobora esse entendimento, conforme o trecho a seguir: Logo, por força do 5º, §§1º e 2º da Carta de 1988 atribui aos direitos enunciados em tratados internacionais a hierarquia de norma constitucional, incluindo-os no elenco dos direitos constitucionalmente garantidos, que apresentam aplicabilidade imediata. A hierarquia constitucional dos tratados de proteção dos direitos humanos decorre da previsão constitucional do 5°, § 2º, à luz de uma interpretação sistemática e teleológica da Carta, particularmente da prioridade que atribui aos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade humana. 9 Status dos direitos humanos na Constituição Federal de 1988 Por um longo período, esse status constitucional foi objeto de controvérsia doutrinária, em especial quanto aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. A Emenda 45, de 2004, teve o condão de resolver, de forma definitiva, essa questão ao acrescentar o §3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Essa Emenda determina que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais, passando a ter o status delas. Os Tratados de Direitos Humanos passam a situar-se no mesmo plano hierárquico das demais normas constitucionais. Para finalizarmos essa relação entre Constituição de 1988 e Tratados Internacionais de Direitos Humanos, precisamos entender qual procedimento deverá ser adotado em caso de conflito entre as normas contidas neles. Seguem as possíveis situações: Tratados Internacionais de Direitos Humanos Compatibilização com o determinado na Constituição. Complementação com os direitos previstos no texto constitucional. Colisão com o ordenamento jurídico interno. Fonte: Elaborado pelo autor (2020) No primeiro caso, não haveria qualquer problema, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 prevê vários artigos cujo objeto é proteção aos direitos humanos, tais como os artigos 5º, III e LVIII (BRASIL, 1988), dentre outros; no segundo, embora ainda não existentes no ordenamento jurídico nacional, os Tratados Internacionais servem exatamente para preencher essa lacuna e auxiliar na efetividade na proteção aos Direitos Humanos; e, por fim, no terceiro, deparamo-nos com um difícil conflito. A solução, contudo, é dada pela prática adotada pela jurisprudência dos órgãos de supervisão internacional de direitos humanos. A regra nos é dada por Piovesan (2013, p. 73): 10 Logo, na hipótese de eventual conflito entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito interno, adota-se o critério da normamais favorável à vítima. Em outras palavras, a primazia é da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos da pessoa humana. A escolha da norma mais benéfica ao indivíduo é tarefa que caberá fundamentalmente aos Tribunais nacionais e a outros órgãos aplicadores do direito, no sentido de assegurar a melhor proteção possível ao ser humano. Citamos, a título de exemplo da Constituição de 1988, que reflete a incorporação, no ordenamento jurídico interno, de direitos humanos consagrados em Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil, artigos 1º, IV; 5º, III e XLVII; 22 da Constituição Federal de 1988, que serão entendidos na ordem interna como Direitos Fundamentais. Finalizamos este tópico lembrando você da relação entre o Direito Internacional e a ordem constitucional. Nas palavras de Flavia Piovesan (2015, p. 47-48): O Poder Constituinte soberano, criador de Constituições, está hoje longe de ser um sistema autônomo que gravita em torno da soberania do Estado. A abertura do Direito Internacional exige a observância de princípios materiais de política e direitos internacionais tendencialmente informados do Direito interno. Daí a primazia da dignidade humana como paradigma e referencial ético, verdadeiro super princípio a orientar o constitucionalismo contemporâneo nas esferas local, regional e global, doando-lhe especial racionalidade, unidade e sentido. Fechamento Nesta Unidade, estudamos a estruturação dos Direitos Humanos e seus sistemas, global e regional. A influência e a interrelação entre o Direito Internacional e o Direito Interno, já que os Direitos Humanos transitam na órbita internacional e, quando adentram na legislação pátria, interna, passam a ser conhecidos como Direitos Fundamentais. Estudamos os status dos Tratados Internacionais e a EC nº 45, de 2004 que determinou o rito e o acolhimento dos Tratados Internacionais que versam sobre os Direitos Humanos. 11 Referências BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. ______. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. ______. Emenda Constitucional nº 45, De 30 De Dezembro De 2004. DIÓGENES JUNIOR, J. E. N. Gerações ou dimensões dos direitos fundamentais? MAZZUOLI, V. O. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Forense, 2018. PIOVESAN, F. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2013. ______. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015a. ______. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015b. SARLET, I. W. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. DIÁLOGOS INTERCULTURAIS SST ROCHA, Tania; VINICIUS, William Diálogos interculturais / Tania Rocha; William Vinicius Ano: 2020 nº de p. 11. Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 3 DIÁLOGOS INTERCULTURAIS Apresentação Neste momento, trataremos de um assunto extremamente importante na área de humanas que é os estudos relacionados a diálogos interculturais. Começaremos a estudar sobre a desigualdade e a orientação sexual, debatendo sobre o que é a homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade com base nos papeis socialmente atribuídos ao genero. Na sequência iremos estudar sobre a diversidade religiosa contemplando o preceito da pluralidade. E, por fim, vamos conhecer sobre os espaços desenvolvidos para a construção de diálogos interculturais. Fique atento a todas as informações presentes aqui, e vamos juntos ao processo de conhecimento e aprendizagem a respeito da relevância desses assuntos. Bons estudos. DESIGUALDADE E ORIENTAÇÃO SEXUAL É frente a uma concepção democrática de educação que os debates ficam acirrados no contexto escolar, dando espaço para a compreensão da desigualdade e da orientação sexual. Apesar das lutas travadas entre a sociedade burguesa (que considera o gênero masculino superior ao feminino) e os movimentos sociais (em defesa do respeito às diferenças e condições de igualdade), ainda se percebe o masculino sobrepondo- se ao feminino nas práticas sociais cotidianas. Tal perspectiva pode ser vista a partir das brincadeiras que cercam na escola meninos e meninas, dos tipos de brinquedos, dos papéis sociais que ambos assumem, reproduzindo a esfera familiar de relações desiguais entre o pai e a mãe. Com certa frequência, à mulher cabe a dupla jornada, além do trabalho fora de casa, o trabalho doméstico, contando muito pouco com seu companheiro para dividir as tarefas. Tal situação está mais atrelada àquelas famílias cujas condições econômicas são efetivamente mais baixas, com nível mais baixo de escolaridade, na maioria das vezes, o que dá vazão ao preconceito. 4 Os papéis assumidos socialmente acabam por expressar as orientações sexuais estabelecidas como corretas e padronizadas, em que prevalece a heterossexualidade, em que o casal é constituído por uma pessoa de orientação sexual masculina e outra feminina. Atenção Entendemos que, com a liberdade sexual datada a partir dos anos 1980 e 1990, começa-se a descobrir o próprio corpo, que ultrapassa o mero mecanismo de produzir no modo capitalista para se autodescobrir como sujeito de direito e de prazer, trazendo discussões inerentes às dimensões da homossexualidade e às relações homoafetivas, à bissexualidade e à transexualidade, marcando as diferenças entre os conceitos de sexo, identidade e gênero como campos próprios e distintos da orientação sexual, tida como meramente biológica. Base genética Fonte: Plataforma Deduca (2020) Nascemos biologicamente com um sexo, xx (feminino) ou xy (masculino), expresso corporalmente pelas genitálias e pelos cromossomos. Ainda podemos nascer sob a intersexualidade, uma manifestação diferenciada do nosso aparato biológico, devido às gônadas caracterizarem-se de forma a apresentar aspectos dos dois sexos, em que, por exemplo, o aparelho genital não é condizente com os cromossomos. 5 No entanto, a orientação sexual é que determina a atração entre os sexos, direcionando para qual lado está orientada a sua sexualidade, ou seja, para o lado da homossexualidade, bissexualidade ou heterossexualidade. Nesse contexto, a homossexualidade é a atração entre pessoas do mesmo sexo, a bissexualidade apresenta a disponibilidade de a orientação sexual estar tanto para o sexo oposto ao seu quanto para pessoas do mesmo sexo, já a heterossexualidade representa que tal atração une uma pessoa de sexo masculino e outra de sexo feminino. A identidade de gênero está relacionada com a maneira como você se percebe e se constrói socialmente, independentemente do sexo. Nesse sentido, a pessoa pode ter mais afinidade com o jeito feminino ou masculino de ser e assim busca agir. Atenção Tal debate no interior escolar, rondando gênero, raça, desigualdade e orientação sexual, amplia visões frente ao conhecimento, lidando com a realidade de forma interdisciplinar, alargando com isso os horizontes do conceito de cidadania para todos. [...] uma educação comprometida com uma nova ordem social precisa ser capaz de romper com conceitos universais e imperativos morais e investir em uma prática que respeite a subjetividade e proporcione ao indivíduo o exercício da liberdade. Esse compromisso implica na existência de um(a) novo(a) educador(a), de novos conteúdos programáticos, na ressignificação do processo de avaliação, enfim, em uma nova prática educativa (PASSOS; ROCHA; BARRETO, 2011, p. 36). Por fim, é nesse processo em que as pessoas vão se construindo socialmente é que a escola deve se apresentar como uma interlocutora das representações da sociedade, temos que ser educadores atentos, a fim de sabermos como lidar com tais tensões, respeitando as culturas do feminino e do masculino, não como sobrepostas, mas como sendo diferenciadas. 6DIVERSIDADE RELIGIOSA A diversidade religiosa vem sendo outro fator inerente a uma cultura inter, ou seja, onde existe um território – meio que permite o debate entre as muitas tensões da vida cotidiana. Para Trigg (2016, p. 21) a diversidade religiosa tem um objetivo nítido: [...] modelar cada vez mais as relações e as dinâmicas do ocidente na sociedade pós-secular, onde o sagrado não é facilmente marginalizável, ou até suprimível [...]. A ciência não substitui a fé, mas se integra com ela, pois a demanda pela verdade, pelo absoluto e pelo eterno nunca morre e só se torna mais premente à medida que o homem progride. É, portanto, na pluralidade mundana, em termos de religiosidade, que nos deparamos com o ser humano em busca da fé. Tal fato configura várias expressões de Deus e sua pretensão de verdade única e absoluta. Sendo assim, as questões e crenças crescem e se reconstroem em termos de experiências de Deus, tendo tais práticas que codividir o mesmo território. Frente a tal situação que envolve filosoficamente o ser humano diante do mundo, percebemos inclusive respaldos políticos e com aspectos multifacetados de uma cultura impregnada no cotidiano de tal forma que os limites e as liberdades se esbarram em busca de diálogos sobre o tema. Segundo Center, Mccollough e Larson (2016), o ocidente está focado no fanatismo religioso e em suas derivações fundamentalistas. Seja como for, tem culturalmente que incluir tal problemática no nível da respeitabilidade que cada indivíduo tem de expressar sua fé, tornando tais práticas inerentes ao espaço público e consequentemente ao espaço escolar. Na escola, não podemos banalizar o relativismo que por vezes faz parte do conceito de religiosidade, mas devemos ser tolerantes e aprender com tais expressões da cultura e principalmente da fé que envolve a cidadania. Atenção 7 A participação do aluno em determinadas atividades pedagógicas que têm por cenário a diversidade religiosa deve ser considerada nos planejamentos e projetos dos educadores e educadoras. Devemos nos lembrar que o nosso país é laico, ou seja, tem uma posição neutra no campo religioso. Nossa cultura abraça tal diversidade, e mesmo com a predominância do catolicismo, a diversidade nesse campo tem igualmente influências da forma como fomos historicamente colonizados. Nesse contexto, temos uma quantidade razoável de religiosidade: cristianismo, protestantismo, testemunhas de Jeová, espiritismo, budismo, islamismo, judaísmo e as religiões afro- brasileiras, como o candomblé. Uma estátua, ou um pequeno objeto, é miraculosamente encontrado num canto do solo, numa fonte de água cristalina, numa poça também cristalina, enfim. De imediato nem o padre nem a igreja intervêm na descoberta, que passa a ser uma constatação predominantemente leiga frente à instituição eclesiástica, mas que pertence, nas palavras do historiador Dupront, a um povo fiel que se dá a si mesmo, antes da disciplina eclesiástica, o objeto sacro de que tem necessidade (NASCIMENTO, 2009, p. 127). O pensamento de Nascimento (2009) reflete o tanto de valor que o ser humano dá à imagem, ao rito, à simbologia atrelados às diversas religiosidades e que nos cabe debater, ampliando o leque de olhares para além do catolicismo e respeitando todas as expressões de fé. No candomblé, enquanto culto dos escravos africanos, existe um deus principal, distinto do deus cristão – Olorum ou Zambi (dono do céu). O filho desse deus é Oxalá, criador da humanidade, e temos os orixás (que são as divindades ou os santos), entre eles encontramos: Xangô, Oxum, Iansã, Iemanjá, entre outros. Para aprofundar os seus conhecimentos sobre a formação cultural brasileira, assista ao filme “Caramuru – a Invenção do Brasil”, uma comédia com 85 minutos, lançada em 2000 pela distribuidora Columbia Pictures. Ele aborda que em 1º de janeiro de 1500 um novo mundo é descoberto pelos europeus, graças a grandes avanços técnicos na arte náutica e na elaboração de mapas. Saiba mais 8 Por fim, ressaltamos que ampla parte da diversidade religiosa que temos no Brasil advém da Europa e do cristianismo, dos negros africanos e dos indígenas que trazem na base a pajelança, o Pajé, o que recebe o espírito de guias, de animais e de seres fantásticos (como a cobra-grande). Percebe-se que tamanha diversidade está envolta em ritos de passagem variados, crendices e superstições, imagens, amuletos e ainda promessas e simpatias, de acordo com Ortêncio (2004). ESPAÇOS PARA A CONSTRUÇÃO DE DIÁLOGOS INTERCULTURAIS É na proposição de planejamentos, currículos, projetos educativos, em que os debates possam vir e seus conceitos sejam construídos e desprovidos de preconceito, que estaremos efetivamente educando com qualidade e para a humanização, inserindo pessoas, seus estilos, jeitos de ser e de sentir o mundo. Sendo assim, passamos a compreender a escola como um espaço democrático que pode empreender diálogos interculturais. Segundo Moreira (1997, p. 6), temos que: Com a perspectiva de atender aos desafios postos pelas orientações e normas vigentes, [...] olhar de perto a escola, seus sujeitos, suas complexidades e rotinas e fazer as indagações sobre suas condições concretas, sua história, seu retorno e sua organização interna. Considerar o outro no projeto educativo da instituição escolar é uma atitude de humanização, de respeito e de atuar com a realidade em que os alunos se encontram, sem camuflagens, mas a partir do saber de que estamos lidando com sujeitos históricos, portanto, discentes construtores, e não reprodutores de uma moral preconcebida pelos meandros sociais. Moreira e Candau (2007, p. 28) indagam sobre a construção do currículo e fazem uma reflexão em que se retrata o currículo como sendo uma espécie de foto do momento histórico vivenciado coletivamente na sociedade. Os autores reconhecem que a escola democrática a ser constantemente construída passa por um currículo que não pode deixar de lado a cultura no processo de construir conhecimento e que a multiculturalidade e a diversidade devem ser contempladas nas bases curriculares das escolas. Atenção 9 Estar, portanto, educando dentro das realidades significa compreender que o currículo traz a vida para o interior da instituição escolar e que a vida não se traduz de maneira retilínea, mas dialética, com idas e vindas, com questões que necessitam de espaço e tempo apropriados para serem trabalhadas. Considerando o campo da educação, tem-se que caminhar em direção às diferenças, a fim de desnudá-las e com isso reconhecer que não basta considerarmos a diversidade cultural, de gênero, de raça, de religiosidade, mas que temos que ter propostas pedagógicas efetivas e que provoquem mudanças. Educação deve ser democrática e respeitar a interculturalidade Fonte: Plataforma Deduca (2020) É nesse caldo cultural e na superação hierárquica do poder autoritário colocado nas relações sociais que se pode falar em educação democrática. Ao lidarmos com as diferenças e com o respeito à interculturalidade não podemos desconsiderar, de acordo com Silva (2003), pontos imprescindíveis para o debate frente à cultura e ao currículo no interior escolar, como: • Propostas pedagógicas de intervenção na realidade, a partir do conceito de multiculturalismo, com atividades e/ou projetos específicos que atendam e valorizem culturas indígenas e negras, sobretudo. • A combinação de diferentes culturas convivendo em um único espaço e a percepção intercultural de processos de cruzamento constituindo novas cul- turas e identidades deveriam ter mais respaldo no campo das pesquisas. Tal reflexão, considerando os pontos acima, pode nos remeter à práxis que sugere luta por justiça social ou somente de convivência no mesmo espaço territorial. É o diálogo desafiador que pode suscitar uma comunicação real e interativa entre esses vastos processos de identidades híbridas/miscigenadas. 10 Nesse processo de encontro é que se configura a interculturalidadenas práticas educativas e curriculares. Por isso, Morgado (2004, p. 117) diz que o currículo “é como sinônimo de um conjunto de aprendizagens valorizadas socialmente e como uma construção permanente e inacabada, resultante da participação de todos. Um espaço integrado e dialético, sensível à diferenciação”. Fechamento Estudamos sobre sexualidade, genero, homossexualidade que é a atração entre pessoas do mesmo sexo, a bissexualidade apresenta a disponibilidade de a orientação sexual estar tanto para o sexo oposto ao seu quanto para pessoas do mesmo sexo, já a heterossexualidade representa que tal atração une uma pessoa de sexo masculino e outra de sexo feminino. Também foi possível apreendermos sobre a diversidade religiosa que vem sendo outro fator inerente a uma cultura inter, ou seja, onde existe um território – meio que permite o debate entre as muitas tensões da vida cotidiana. Toda diversidade religiosa que temos no Brasil advém da Europa e do cristianismo, dos negros africanos e dos indígenas que trazem na base a pajelança, o Pajé, o que recebe o espírito de guias, de animais e de seres fantásticos (como a cobra-grande). Contudo, é na proposição de planejamentos, currículos e projetos educativos, em que os debates possam vir e seus conceitos sejam construídos e desprovidos de preconceito, que estaremos efetivamente educando com qualidade e para a humanização, inserindo pessoas, seus estilos, jeitos de ser e de sentir o mundo. Sendo assim, passamos a compreender a escola como um espaço democrático que pode empreender diálogos interculturais. 11 Referências CENTER, H. K. G.; McCOLLOUGH, M.E.; LARSON, D.B. Handbook of Religion and Health. New York: Oxford University Press, 2016. MORGADO, J. C. Educar no século XXI: que papel para o(a) professor(a)? In: MOREIRA, A. F. B; PACHECO, J. A.; GARCIA, R. L. (Org). Currículo: pensar, sentir e diferir. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. MOREIRA, A. F. B. (Org). Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997. MOREIRA, A. F. B; CANDAU, V. M. Indagações sobre o currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, Secretaria da Educação Básica, 2007. NASCIMENTO, M. R. do. Religiosidade e cultura popular: catolicismo, irmandade e tradições em movimento. Revista da Católica, Uberaba, v. 1. n. 2, p. 119-130, 2009