Prévia do material em texto
Direito Penal Professor Esp. Carlos Eduardo Pires Gonçalves EduFatecie E D I T O R A Reitor Prof Ms. Diretor de Ensino Prof Ms. Diretor Financeiro Prof Diretor Administrativo Secretário Acadêmico Prof Coordenação Adjunta de Ensino Prof a Coordenação Adjunta de Pesquisa Prof Coordenação Adjunta de Extensão Coordenador NEAD - Núcleo de Educação a Distância Web Designer Revisão Textual e Diagramação UNIFATECIE Unidade 1 UNIFATECIE Unidade 2 ( UNIFATECIE Unidade 3 UNIFATECIE Unidade 4 www.unifatecie.edu.br/site/ As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site ShutterStock 20 by Editora EduFatecie Copyright do Texto © 20 Os autores Copyright © Edição 20 Editora EduFatecie o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a EQUIPE EXECUTIVA Editora-Chefe Prof Sbardeloto Tatiane Viturino de Oliveira André Dudatt www.unifatecie.edu.br/ editora-edufatecie edufatecie@fatecie.edu.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP G635d Gonçalves, Carlos Eduardo Pires Direito penal / Carlos Eduardo Pires Gonçalves. Paranavaí: EduFatecie, 2021. 152 p. : il. Color. ISBN 978-65-87911-54-0 1. Direito penal - Brasil. 2. Detenção de pessoas. 3. Processo Penal - Brasil. I. Centro Universitário UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância. III. Título. CDD : 23 ed. 341.5 Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577 AUTOR Carlos Eduardo Pires Gonçalves, especialista em Direito Público com ênfase em Direito Penal pela Unp - Universidade Potiguar. Especialista em Tecnologias aplicadas ao ensino a distância pelo Centro Universitário Cidade Verde - UniFCV. Graduado em Direito pela Universidade Paranaense. Assessor de Promotor - DAS-5 junto ao Ministério Público do Estado do Paraná, com atribuições perante a 18ª Promotoria de Justiça da Comarca de Maringá (atuação em área criminal desde 2006). Professor no curso de Direito do Centro Universitário Cidade Verde - UniFCV. Professor em diversos cursos de Pós-Graduação em Direito Penal e Processual Penal. http://lattes.cnpq.br/2031966897100374 APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Caro(a) aluno(a), seja muito bem-vindo(a) à disciplina de Direito Penal, um dos mais apaixonantes ramos do Direito. Nossa disciplina será dividida em quatro unidades, abordando os mais relevantes pontos, não só do direito penal, mas também do direito processual penal e da execução penal. Na Unidade I estudaremos os aspectos básicos do direito penal, diferenciando os con- ceitos de direito penal, criminologia e política criminal, ramos importantes das ciências criminais. Em continuidade conheceremos alguns dos princípios basilares da disciplina, a forma de aplicação da lei penal no tempo e no espaço, até atingirmos o ponto máximo da teoria do crime: o conceito de crime e seus desdobramentos. O estudo do conceito de crime será abordado de modo didático, com a análise de cada um dos elementos do crime (fato típico, antijurídico e culpável). Conhecendo os aspectos básicos e o conceito de crime, passaremos à Unidade II, onde analisaremos a teoria da pena, iniciando com o estudo das etapas de um crime, ou seja, o caminho percorrido pelo autor de um delito até chegar à sua efetiva conclusão. Nesta unidade veremos também o concurso de pessoas, situação em que duas ou mais pessoas se reúnem para a prática de um ou mais crimes, e também o concurso de crimes, que trata justamente da realização de dois ou mais crimes pelo mesmo agente. Também conheceremos as espécies de ação penal e finalmente chegaremos à pena, suas espécies e forma de aplicação, concluindo a unidade com as hipóteses em que o Estado perde o direito de punir uma infração penal, as chamadas causas de extinção da punibilidade. Com o fim da Unidade II, encerramos o estudo da chamada parte geral do Código Penal, fazendo, na Unidade III, o estudo dos principais crimes do Código Penal, como o homicídio, aborto, furto, roubo, dentre outros, e também de algumas das mais importantes legislações penais especiais, como a Lei de Drogas, o Estatuto do Desarmamento, e o Código Brasileiro de Trânsito. Na quarta e última unidade faremos a análise do inquérito policial, procedimento normalmente utilizado no sistema brasileiro para a apuração da prática de infrações penais e de sua autoria. Em continuidade veremos o procedimento comum ordinário, previsto pelo Código de Processo Penal, apresentando as formalidades legais para o processamento dos crimes, que culminam com a sentença condenatória ou absolutória. Traçaremos as ideias centrais da execução penal, último ponto do processo penal, por meio do qual o Estado faz cumprir a pena eventualmente aplicada ao condenado, conhecendo os sistemas penitenciários e traçando linhas gerais sobre mediação e práticas restaurativas. Enfim, desejo a você um ótimo estudo! Abraços. SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 3 Direito Penal e Teoria do Crime UNIDADE II ................................................................................................... 46 Direito Penal e Teoria da Pena UNIDADE III .................................................................................................. 77 Crimes em Destaque UNIDADE IV ................................................................................................ 121 Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 3 Plano de Estudo: ● Direito penal e Criminologia; ● Princípios Penais de Garantias; ● Lei Penal no tempo e no espaço; ● Sujeito ativo e Sujeito passivo; ● Conceito de Crime: ação/omissão típica; ● Conceito de Crime: ilícita; ● Conceito de Crime: culpável. Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender as noções básicas do direito penal; ● Compreender, identificar e diferenciar aos princípios básicos do direito penal; ● Conhecer os aspectos introdutórios do direito penal, abarcando a lei penal no tempo e espaço; ● Compreender o conceito de crime; ● Conhecer os elementos componentes do conceito de crime; UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime Professor Esp. Carlos Eduardo Pires Gonçalves 4UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), chegou o momento de estudar e conhecer um dos ramos mais apaixonantes do Direito: o Direito Penal. Nesta primeira unidade estudaremos os conceitos e aspectos introdutórios do direito penal, conhecendo os princípios mais relevantes de garantia penal, com especial destaque ao princípio da legalidade, garantia básica de todo cidadão em face do poder estatal. Na sequência, ingressaremos no estudo do conceito de crime em cada um de seus aspectos para, ao final desta unidade, você conseguir identificar perfeitamente quando estará ou não diante de um fato criminoso. Faça bom proveito desta unidade, que servirá de base para todas as demais unida- des do estudo do direito penal e processual penal. Bons estudos. 5UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 1. DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA 1.1 Conceitos Fundamentais O direito penal é uma das disciplinas mais apaixonantes do curso de direito, seja pela sua aplicação cotidiana nos noticiários e matérias jornalísticas, seja pela curiosidade que o crime desperta no imaginário popular, sobretudo pela imensa gama de filmes e livros com a temática do crime. Mas até chegarmos ao estudo dos crimes em espécie, como o homicídio, por exemplo, há um longo caminho a ser trilhado, começando pelos conceitos envolvidos nas ciências penais. André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves (2020, p. 58) conceituam o direito penal nos seguintes termos: Cuida-se do ramo do Direito Público, que se ocupa de estudar os valores fundamentais sobre os quais se assentam as bases da convivência e da paz social, os fatos que os violam e o conjunto de normas jurídicas (princípios e regras) destinadas a proteger taisvalores, mediante a imposição de penas e medidas de segurança. Como se vê, o direito penal pertence ao direito público, ou seja, ele resguarda interesses que superam a esfera particular, atingindo a sociedade como um todo. Não por outro motivo, em regra, os órgãos oficiais do Estado são responsáveis pela apuração, processamento e punição dos atos definidos como criminosos. Muito bem, posto isso, precisamos entender que o direito penal é apenas um braço das chamadas ciências penais. 6UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime Como já ressaltado, o direito penal (ou dogmática penal) tem como objetivo co- nhecer, interpretar, sistematizar e aplicar, de modo racional, as normas e princípios penais. Mas, para que o legislador possa transformar uma determinada conduta em crime ou mes- mo excluí-la deste rol, a política criminal e a criminologia, que são os outros componentes das ciências penais, também entram em ação. Podemos definir política criminal como a ciência que apresenta técnicas e méto- dos de análise das leis penais, com o objetivo de sugerir reformas e aperfeiçoamentos na lei, com o objetivo de torná-la mais justa. Cléber Masson (2019) leciona que a política criminal analisa, de forma crítica, a di- nâmica dos fatos sociais e, comparando-a com o sistema penal vigente, propõe inclusões, exclusões ou mudanças, visando atender o ideal da justiça. Já a criminologia é o ramo das ciências criminais que estuda as causas da criminalida- de na sociedade, ou seja, o móvel que leva uma pessoa a praticar crimes. Se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social dos comportamentos delitivos. Em resumo, busca analisar a criminalidade de modo a apresentar soluções para evitá-la. Rogério Sanches Cunha (2020, p. 36) leciona que A criminologia não se preocupa com o conteúdo normativo a ser aplicado ao delinquente, mas estuda o delinquente como ser, assim como a vítima e o controle social. Analisa os fatos praticados e suas consequências no sentido da busca de entendê-los como fatores formadores do complexo criminal. Assim, chegamos à conclusão de que tanto a criminologia como a política criminal são vetores teóricos necessários à confecção das leis, que formam o direito penal. 1.2 Funções do Direito Penal Já sabemos o que é o direito penal, a criminologia e a política criminal – que são os componentes das ciências criminais –, mas ficam os questionamentos: quais são as funções do direito penal? Qual a importância do direito penal para a sociedade? Podemos destacar três funções extremamente relevantes para o direito penal. A proteção dos bens jurídicos essenciais; o controle social; e ser garantia do cidadão contra o arbítrio estatal. Como sabemos, existem alguns valores e interesses que são indispensáveis ao ser humano. A esses valores e interesses essenciais dá-se o nome de bem jurídico, ou seja, algo que é juridicamente relevante e precisa ser protegido pelo direito. Assim, uma das funções do direito penal é selecionar e proteger os bens jurídicos mais valiosos ao ser humano e convívio social (como, por exemplo, a vida e o patrimônio) 7UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime por meio da criminalização das condutas lesivas a tais bens jurídicos. A título de exemplo, o crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal, visa proteger o bem jurídico vida, o mais importante dentre todos os bens jurídicos. Do ponto de vista do controle social, o direito penal tem a função de preservar a paz pública, visando impedir a prática de condutas criminosas e reprimir os agentes que optarem por praticá-las, aplicando as sanções penais cabíveis. Por fim, talvez a mais importante das funções do direito penal seja a de servir como garantia do cidadão contra o arbítrio estatal. Nesse ponto, é certo que o direito penal – e o Estado – somente poderão intervir e aplicar sanções penais àqueles que praticarem fatos expressamente previstos em lei, como infrações penais. 8UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 2. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL O estudo de qualquer disciplina deve partir de seus princípios. Mas o que são Princípios? Nada mais são do que as regras, normas gerais, diretrizes que irão nortear aquele determinado ramo do direito. Princípios são valores fundamentais, que têm por função orientar o legislador e o aplicador do direito. O direito penal não é diferente dos outros ramos, possuindo diversos princípios que norteiam sua aplicação e estudo. Vamos estudá-los? 2.1 Princípio da Legalidade Dentre os princípios que afetam o direito penal, talvez o mais importante seja o da legalidade. É, sem dúvida, um dos mais antigos. Mas porque um dos mais importantes? Porque ele busca nos dar segurança jurídica. Cléber Masson (2019), ao tratar desse princípio, afirma que é a mais básica e re- levante regra de direito penal, porque garante a segurança jurídica às pessoas, impedindo que alguém seja punido por uma conduta qualquer, ao livre arbítrio do Estado. É um princípio tão importante que está expresso no texto da Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XXXIX, tratando-se de cláusula pétrea, ou seja, fazendo parte do núcleo imutável da constituição. 9UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime O princípio da legalidade está previsto também no artigo 1º do Código Penal, com o mesmo teor do texto constitucional: “Art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 1940). Em seu aspecto histórico, o princípio da legalidade é o mais antigo dos princípios, tendo sua primeira referência na Magna Charta Libertatum, no ano de 1215. Posteriormen- te, foi tratado por Cesare Beccaria em sua obra Dos delitos e das penas, em 17641. Para além disto, no século XIX, Feuerbach, considerado por muitos como o pai do direito penal moderno, cunhou aquela que se tornou a mais conhecida “fórmula” do direito penal: Nullum crimen, nulla poena, sine praevia lege (CAPEZ, 2019). Já sob o aspecto político, esse princípio visa a segurança jurídica, sendo uma ga- rantia constitucional que prima pela liberdade do indivíduo, vez que somente se pode punir alguém pela prática de um crime que tenha sido previamente definido em lei, impedindo, assim, qualquer arbitrariedade por parte do Estado. Assim, a legalidade apresenta uma regra e uma exceção: ninguém pode ser punido pelo Estado (regra), exceto quando praticarem condutas previamente definidas em lei como crime (exceção). Já do ponto de vista jurídico, o princípio da legalidade garante que somente se considerará crime a conduta que apresentar perfeita correspondência com a previsão legal. Nesse contexto, é importante lembrar que a lei penal não proíbe condutas, ela se restringe a descrever as condutas socialmente indesejáveis, prevendo penas para quem praticá-las. Veja que o Código Penal não diz em seu artigo 121 “Não matarás”. Em verdade, a lei descreve a conduta “Matar alguém”, fixando a pena correspondente. Assim, com a exigência do princípio da legalidade, o agente tem o prévio conheci- mento de que aquela conduta é considerada criminosa e, age conforme sua consciência, não havendo qualquer invasão arbitrária do Estado em seu direito de liberdade. 2.1.1 Vertentes do princípio da legalidade Do princípio da legalidade, decorrem dois importantes subprincípios, a reserva legal, a taxatividade e a anterioridade. Por reserva legal entende-se que somente a lei, em seu sentido formal, pode definir crimes e cominar penas. Mas o que significa lei em sentido formal? 1 Obra de domínio público. Acessível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb000015.pdf 10UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime É aquela que foi produzida a partir do processo legislativo previsto e determinado pela Constituição Federal, ou seja, somente as leis produzidas pelo Poder Legislativo – Congresso Nacional – e em respeito às formalidades previstas é que podemcriar crimes. Para Capez (2019, p. 130), Nenhuma outra fonte subalterna pode gerar a norma penal, uma vez que assevera de lei proposta pela Constituição é absoluta, e não meramente rela- tiva. Nem seria admissível que restrições a direitos individuais pudessem ser objeto de regramento unilateral pelo Poder Executivo. Assim, somente a lei, na sua concepção formal e estrita, emanada e aprovada pelo Poder Legis- lativo, por meio de procedimento adequado, pode criar tipos e impor penas. Pelo aspecto da taxatividade, a lei formal que prevê os crimes e comina as penas deve ser precisa, clara, taxativa. Isso quer dizer que não se pode criar tipos penais de con- duta imprecisas, que prejudiquem as pessoas de ter ciência de qual conduta é efetivamente prevista na lei. Um exemplo para clarear. No período do nazismo, o ordenamento penal alemão punia a conduta de quem praticasse um ato que merecesse pena de acordo com o sen- timento sadio do povo alemão. A pergunta que surge é: como alguém poderia saber ou definir o que é o sentimento sadio do povo alemão? É algo muito genérico, permitindo a punição por qualquer ato que o Estado entendesse inadequado. Nesse contexto, a taxatividade, na forma trazida pelo princípio da legalidade, exige que a lei seja clara o suficiente para que qualquer pessoa entenda quais são as condutas incriminadas e possa se portar de acordo com esse entendimento. Como decorrência da taxatividade, proíbe-se também o emprego de analogia em prejuízo do réu. Analogia é o método de integração do ordenamento jurídico em que se utiliza uma regra já existente para solucionar um caso concreto semelhante, porém sem solução expressa na legislação. O princípio da legalidade veda a aplicação da analogia in malan partem (para pre- judicar), pois exige-se que o agente tenha o pleno conhecimento da conduta criminalizada, não podendo ser “surpreendido” por equiparações. Por fim, a anterioridade garante que somente serão punidas as condutas que estejam previstas como infração penal antes de sua prática. Fernando Capez (2019) ensina que um dos efeitos da anterioridade é a irretroatividade, pois a lei é editada para o futuro e não para o passado. Com isso, tem-se que a conduta tida como infração penal não pode retroagir para atingir fatos praticados no passado, antes de sua vigência. 11UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 2.2 Princípio da Individualização da Pena Previsto no artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal de 1988, esse princípio determina que, ao aplicar a pena, o juiz deve levar em consideração as circunstâncias específicas do caso concreto, de modo a aplicar a pena adequada para o crime praticado. Masson (2019) afirma ser um princípio de justiça, segundo o qual a cada indivíduo será aplicada a pena que lhe cabe, de acordo com as circunstâncias específicas de seu comportamento. 2.3 Princípio da Alteridade Criado por Claus Roxin, esse princípio veda a incriminação de condutas e atitudes meramente internas da pessoa, como o pensamento ou condutas moralmente censuráveis, mas que sejam incapazes de afetar um bem jurídico alheio. Em resumo, ninguém pode ser punido por causar mal apenas a si mesmo (MASSON, 2019). É com base nesse princípio que o ordenamento penal brasileiro deixa de punir o consumo de drogas2 ou a tentativa de suicídio. 2.4 Princípio da Adequação Social Não pode ser considerada como criminosa uma conduta que, ainda que esteja pre- vista na lei como crime, seja socialmente aceita. Como exemplo, podemos citar os trotes acadêmicos moderados. É comum que os veteranos de um curso se apropriem dos materiais dos calouros para, posteriormente, restituí-los em troca de dinheiro destinado a festas. Por óbvio, situações danosas com agressões físicas ou psicológicas fogem da aplicação desse princípio, configurando infrações penais. Esse princípio alcança tanto o legislador quanto o aplicador do direito. Ao legislador no sentido de não criminalizar condutas socialmente aceitas; ao aplicador buscando a inter- pretação das leis de modo a excluir de sua abrangência as condutas socialmente aceitas. 2.5 Princípio da Intervenção Mínima A lei penal só deverá intervir quando for absolutamente necessário para a sobrevi- vência da comunidade, como ultima ratio. O direito penal deve ser a última fronteira do controle social, só sendo aplicado quando nenhum outro ramo do direito (civil, administrativo etc.) resolver a situação. Isso porque o direito penal atinge de maneira mais intensa a liberdade individual do indivíduo. 2 Cuidado. A Lei 11.343/06 prevê como crime, em seu artigo 28, a conduta de quem possui drogas para consumir e não a conduta de consumir as drogas. 12UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 2.6 Princípio da Insignificância É o princípio pelo qual se conclui que as condutas causadoras de danos ou perigos ínfimos aos bens jurídicos penalmente protegidos devem ser tidas como atípicas, ou seja, não serão consideradas como crime. Para melhor compreensão, imagine que uma pessoa furte um lápis pertencente ao seu colega de classe. Apesar de ser uma conduta tida como criminosa (o crime de furto está previsto no artigo 1553 do Código Penal), ofende de modo ínfimo o patrimônio da vítima. Assim, de acordo com o princípio da insignificância tal conduta não deve ser punida como crime. É importante saber que esse princípio não está previsto em nenhum artigo de lei, tra- tando-se de criação doutrinária e jurisprudencial. Para que se possa aplicar esse princípio, tem-se a necessidade de preenchimento de alguns requisitos de natureza objetiva que foram determinados pela jurisprudência dos Tribunais. O Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, idealizou quatro requisitos objetivos para a aplicação do citado princípio, sendo eles cumulativos, ou seja, somente se aplica o princípio se estiverem presentes todos os requisitos a seguir: ● Mínima ofensividade da conduta; ● Nenhuma periculosidade social da ação; ● Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; ● Inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3 “Art. 155. Subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel” (BRASIL, 1940). 13UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 3. LEI PENAL NO TEMPO E ESPAÇO 3.1 Lei Penal no Tempo A lei passa a existir desde o momento de sua promulgação, mas só passa a ter obrigatoriedade a partir de sua publicação. Não bastasse isso, a lei só passa a ter vigência a partir do esgotamento do prazo de vacatio legis, que é o prazo razoável para que se dê amplo conhecimento. Quando duas ou mais leis tratam do mesmo assunto, de modo diferente, ocorre a chamada sucessão de leis. Essa sucessão de leis causa diversos conflitos na sua aplica- ção, sobretudo para saber qual das leis se aplicará a um caso concreto. Em regra, a lei se aplica apenas durante o seu período de atividade (vigência e apli- cabilidade), mas existem situações em que a lei se aplicará de modo a atingir também fatos praticados fora do seu período de vigência. A esse fenômeno se dá o nome de extra-atividade. A extra-atividade pode ser dada por retroatividade, quando uma lei é aplicada a fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, ou ultratividade, quando a lei é aplicada mesmo depois de sua revogação. A extra-atividade da lei é regida pelo artigo 2º do Código Penal: Art. 2º CP - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de con- siderar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenató- ria transitada em julgado (BRASIL, 1940). 14UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime Esse artigo prevê a regra e as exceções. A regra é que lei penal somente se aplica aos fatos praticados sob sua vigência (atividade). Já as exceções são as hipóteses de novatio legis in melliuse abolitio criminis. ● Novatio legis in mellius (nova lei melhor) é a lei que, mantendo a incriminação, de qualquer forma é mais benéfica ao acusado réu. ● Abolitio criminis é o efeito causado por uma nova lei que revoga totalmente uma infração penal. Sendo exceções à regra de que a lei só se aplica durante sua atividade, tanto a novatio legis in mellius quanto a abolitio criminis retroagirão para atingir fatos praticados antes de sua vigência, pois, nessas situações, a nova situação é mais benéfica ao acusado. Exemplo: durante a vigência da lei 6.368/76, a conduta de possuir drogas para consumo pessoal era punido com pena de prisão. Com o advento da Lei 11.343/06, essa conduta passou a ser punida apenas com sanções alternativas, não havendo mais a previ- são de prisão. Assim, imaginemos que, no ano de 2006, quando entrou em vigor a lei 11.343, uma pessoa estivesse sendo processada pela prática do crime de posse de drogas para consu- mo pessoal praticado no ano de 2005. Como a nova lei é mais benéfica, ela será aplicável ao fato apurado, mesmo que tenha sido praticado antes de sua vigência (retroatividade). A mesma situação se aplica à abolitio criminis. Se uma nova lei deixa de considerar um fato como crime, ela retroagirá para beneficiar todas as pessoas que tenham praticado esse fato em datas anteriores. 3.1.1 Lei penal excepcional e temporária “Art. 3º do CP: A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência” (BRASIL, 1940). ● Lei Excepcional: elaborada para incidir sobre os fatos praticados durante de- terminadas circunstâncias excepcionais, como momentos de crise social ou econômica, guerras, calamidades etc. ● Lei Temporária: elaborada com o objetivo de incidir sobre os fatos praticados durante um certo período. Exemplo: Lei 12.663/2012 (Lei geral da copa do mundo 2014) – O artigo 36 dizia que os tipos penais nele previstos teriam vigência até o dia 31 de dezembro de 2014. Observações relevantes sobre essas leis: ► São autorrevogáveis, pois não precisam de outra lei para revogá-las. ► Aplicam-se a todos os fatos praticados durante sua vigência. 15UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 3.2 Tempo do Crime Inicialmente não podemos confundir a lei penal no tempo com o tempo do crime. A primeira (vista no título anterior) trata da vigência e aplicabilidade das leis penais. O tempo do crime, por sua vez, trata do exato momento em que se considera praticado um crime. O Código Penal trata do tema: “Art. 4º. Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado” (BRASIL, 1940). Como bem prevê o supracitado artigo, o crime considera-se praticado no exato instante em que o agente realiza a conduta, independentemente de quando venha a ocorrer resultado por ele esperado. Imagine que uma pessoa deseja matar seu desafeto e, para tanto, arma-se com um revólver e sai em busca da vítima. Ao encontrar a vítima, aponta a arma de fogo e efetua os disparos, atingindo-a no peito. A vítima é socorrida e levada a um hospital em que permanece internada por cinco dias, quando finalmente vem a falecer. Questiona-se: qual é o marco que define o tempo do crime? Os disparos ou a morte? É justamente disso que trata o artigo 4º do Código Penal. Ao adotar a teoria da atividade, o legislador brasileiro definiu que o crime estará praticado no exato momento em que o agente efetuou os disparos, ainda que a morte (resultado) tenha acontecido somente em data posterior. 3.3 Lei penal no Espaço “Art. 5º do CP: Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, trata- dos e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional” (BRASIL, 1940). O Código Penal brasileiro afirma categoricamente que se aplica a lei penal brasileira aos crimes cometidos em território nacional, porém, abre uma importante exceção ao constar “sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional” (BRASIL, 1940). Assim, embora a lei brasileira se aplique aos crimes praticados em território brasi- leiro, excepcionalmente aplicar-se-á a lei brasileira a crimes cometidos no exterior, ou leis estrangeiras em crimes cometidos no Brasil. 3.4 Lugar do Crime A questão do lugar do crime é importante para os chamados crimes de espaço máximo ou crimes a distância, que são aqueles em que a conduta é praticada em um país e o resultado se dá em outro. 16UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime “Art. 6º do CP: Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, bem como onde se produziu o deveria produzir-se o resul- tado” (BRASIL, 1940). Em relação ao lugar do crime, o Código Penal adota a teoria da ubiquidade, pois o cri- me considera-se praticado tanto no lugar da conduta como no local em que se deu o resultado. Exemplo: se o agente efetua disparos de arma de fogo contra seu desafeto em Foz do Iguaçu e a vítima foge para o Paraguai, vindo a morrer lá, o crime considera-se praticado tanto no Brasil quanto no Paraguai. Para a incidência da lei brasileira é suficiente que um único ato executório atinja o território nacional, ou então que o resultado ocorra no Brasil (MASSON, 2019). 17UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 4. SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO Sujeitos do crime são as pessoas que estão envolvidas de alguma forma em um crime, seja como autor do crime, seja como vítima dele. Ao autor do crime, aquele que pratica a conduta definida na lei como criminosa, dá-se o nome de sujeito ativo. Sobre o sujeito ativo, Cléber Masson (2019, p. 160-161) leciona que O sujeito ativo pode receber variadas denominações, dependendo do mo- mento processual e do critério posto em exame, tais como agente (geral), indiciado (no inquérito policial), acusado (com o oferecimento da denúncia ou queixa), réu (após o recebimento da inicial acusatória), sentenciado (com a prolação da sentença), condenado (após o trânsito em julgado da condena- ção), reeducando (durante a execução penal), egresso (após o cumprimento da pena), criminoso e delinquente (objeto de estudo das ciências penais, como na criminologia). A regra é a de que apenas o ser humano pode ser sujeito ativo de infrações penais, mas também se discute a possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica. O sujeito passivo do crime é o titular do bem jurídico protegido pelo tipo penal violado (NUCCI, 2019). Simplificando, sujeito passivo é a vítima do crime, o ofendido. Assim, retomando o exemplo anteriormente utilizado, sujeito ativo do crime de ho- micídio seria o autor dos disparos que causaram a morte da vítima, que é o sujeito passivo. 18UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5. CONCEITO DE CRIME: AÇÃO / OMISSÃO TÍPICA O crime pode ser conceituado sob três aspectos: Material, Formal e Analítico. ● Formal: considera-se crime tudo aquilo que o legislador descreveu como tal, pouco importando qual é o conteúdo da lei. Basta que esteja previsto na lei como crime. ● Material: toda ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados, que são os considerados fundamentais para a existência da coletividade e paz social. ● Analítico: crime é o fato típico, antijurídico e culpável (corrente tripartida - majoritária). O conceito atualmente adotado para definir o crime é o analítico, por ser mais completo. Passemos, então, ao estudo de cada um dos componentes do conceito analítico de crime. 5.1. Fato Típico Em síntese, fato típico é a conduta humana que se enquadra perfeitamente aos elementos descritos pelo tipo penal e ofende o bem jurídico tutelado. Exemplo: pegar para si um celular de alguém se enquadra no modelo do crime de furto, previsto no artigo 155 do Código Penal. Nos crimes materiais, o fato típico inclui os seguintes elementos: 19UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime► Conduta; ► Resultado naturalístico; ► Nexo causal; ► Tipicidade. Vejamos cada um deles. 5.1.1 Conduta ● Conceito: comportamento humano, consciente e voluntário, dirigido a uma finalidade (MASSON, 2019). É a ação ou omissão praticada por um ser humano, de modo consciente e voluntário, e que possui um objetivo. Importante! A conduta pressupõe um comportamento HUMANO, excluindo-se, assim, os comportamentos de animais. ● Elementos da conduta: existem três elementos que compõem a conduta e estão presentes em toda e qualquer teoria. ► Exteriorização do pensamento. ► Consciência. ► Voluntariedade. ► Exteriorização do pensamento: só se pode falar em conduta se houver a ex- teriorização do pensamento por movimento corpóreo (ação) ou abstenção indevida de movimento (omissão). O direito penal não pune o pensamento, por mais imoral ou criminoso que seja, ou seja, enquanto a ideia criminosa não ultrapassar a esfera do pensamento, não há que se falar em conduta para fins penais. Ex.: uma pessoa deseja matar seu inimigo, mas nada faz em relação a isso. Para o direito penal, é irrelevante. ► Consciência: só podem entrar no campo do direito penal os atos que sejam praticados de maneira consciente (no sentido de estar com a percepção ativa). Ex.: atos de sonambulismo ou praticados durante o efeito de hipnose não são conscientes. ► Voluntariedade: além de consciente (estado de acordado), o ato tem que ser voluntário, ou seja, derivado da VONTADE do agente. Zaffaroni (2006) ensina que a vontade implica sempre uma finalidade, porque não se concebe que haja vontade de nada ou vontade para nada. 20UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime Assim os atos reflexos não servem para configurar conduta para fins criminais (ex.: reflexo rotuliano, espasmos, choque elétrico etc.). Para exemplificar, se uma pessoa está colocando um aparelho na tomada e recebe uma descarga elétrica que faz com que seu braço atinja um terceiro que estava próximo, causando-lhe lesões corporais, não há que se falar em crime ausência de conduta. Também a coação física irresistível (vis absoluta), ou seja, o agente estar sendo forçado a praticar o ato, exclui a conduta. Os casos de força irresistível podem derivar da natureza (alguém arrastado pelo vento ou águas) ou de ação humana (alguém é empurrado por outra pessoa). Por fim, os estados de total inconsciência também excluem a conduta, tais como sonambulismo, ataques epiléticos e hipnose. 5.1.1.1 Formas de conduta Existem duas formas de conduta: AÇÃO e OMISSÃO. ● AÇÃO é uma conduta positiva, que manifesta um movimento corpóreo, um fazer. A maioria dos tipos penais descrevem ações (Ex.: matar, subtrair, falsificar, constranger etc.). ● OMISSÃO é uma conduta negativa, um deixar de fazer, consistente na indevida abstenção de um movimento. 5.1.1.2 Teoria finalista da ação Essa teoria foi criada pelo alemão Hans Welzel, no início de 1930, e posteriormente foi amplamente acolhida pelos penalistas brasileiros (MASSON, 2019). Tem como ponto de partida a ideia de que o ser humano é livre e responsável por seus atos e, assim sendo, cabe ao direito penal punir condutas humanas que tenham uma finalidade e não meros atos causais (relação de causa e efeito). Welzel cunhou a famosa frase que diz que “o causalismo é cego, o finalismo é vidente”, porque o finalismo analisa, para fins de conduta, a VONTADE do agente, não se limitando ao movimento corpóreo (MASSON, 2019, p. 192). 5.1.1.3 Espécies de crimes omissivos Como já salientado, a omissão é um comportamento negativo, um deixar de fazer. Em algumas situações, nosso legislador optou por incriminar condutas omissivas, de modo a punir a conduta de quem deveria agir, mas não o fez. Com isso, duas categorias de crimes omissivos surgem. 21UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime ● Crimes omissivos próprios: são aqueles em que o próprio tipo penal descreve uma conduta omissiva. O verbo nuclear do tipo é um não fazer. Ex.: Artigos 135 (omissão de socorro), 244 (abandono material) e 269 (omissão de notificação de doença) do Código Penal. São crimes de mera conduta, ou seja, basta a abstenção para se caracterizar o tipo. ● Omissivos impróprios (ou comissivos por omissão): nesses crimes, o agen- te possui um dever jurídico de evitar o resultado. Em verdade, o crime pelo qual o agente responde é comissivo, mas pelo descumprimento do dever de evitar o resultado, o agente responde a título omissivo. O Código Penal, no artigo 13, § 2º, elenca as hipóteses em que existe o dever jurídico de evitar o resultado: ► Dever legal ou imposição legal: quando o agente tiver, por LEI, obrigação de proteção, cuidado e vigilância. Ex.: pais em relação aos filhos; diretor do presídio em relação aos presos. ► Dever de garantidor ou “garante”: quando o agente, de qualquer forma (não apenas contratual), assumiu a responsabilidade de evitar o resultado. Ex.: salva-vidas em relação aos banhistas; babá em relação à criança; médico plan- tonista; guia de alpinismo. ► Ingerência na norma: quando o agente, com seu comportamento anterior, criou o risco de ocorrência do resultado. Ex.: exímio nadador que convida uma pessoa que não sabe nadar para atravessar um rio a nado e, vendo o convidado se afogar, nada faz. 5.2 Resultado Resultado é a consequência provocada pela conduta do agente. ● Resultado naturalístico: é a modificação no mundo exterior provocada pela conduta (só se faz necessário nos crimes materiais). ● Resultado normativo: é a lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado (todas as infrações penais têm). 22UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.2.1 Classificação dos crimes quanto ao resultado naturalístico ► Materiais ou de resultado: são aqueles em que o tipo penal prevê um resultado naturalístico e sua ocorrência é necessária para a consumação do crime. Ex.: homicídio – morte. ► Formais ou de consumação antecipada: o tipo penal prevê um resultado naturalístico, mas não exige sua ocorrência para a consumação. Ex.: extorsão mediante sequestro. Receber a vantagem é desnecessário para a consumação do crime. ► De mera conduta ou simples atividade: são aqueles em que o tipo penal des- creve apenas a conduta, não necessitando de um resultado. A simples prática da conduta já é a consumação do crime. Ex.: invasão de domicílio; porte ilegal de arma de fogo. 5.2.2 Classificação dos crimes quanto ao resultado jurídico ► De dano ou de lesão: o crime só se consuma com a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. Ex.: lesão corporal, se consuma com a ofensa à integridade física. ► De perigo ou de ameaça (concreto e abstrato): consuma-se com a mera expo- sição do risco ao bem jurídico. Ex.: incêndio. Se consuma com a exposição de risco à incolumidade. 5.3 Nexo de Causalidade Nexo de causalidade é o elo necessário que une a causa (fato propulsor) ao resul- tado (consequência derivada). Ou seja, é o liame que une a causa ao resultado produzido. Sem o nexo de causalidade, não será possível imputar um resultado ao agente, posto que não foi ele o causador. O estudo do nexo de causalidade é muito importante para o direito penal porque nosso código penal dispõe expressamente que o nexo de causalidade é um requisito necessário do fato típico. “Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido” (BRASIL, 1940). Para o estudo do nexo de causalidade, foram criadas algumas importantes teorias. 23UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.3.1 Teoria aplicada ao nexo de causalidade: teoria da equivalência dos antecedentes Outros nomes para essa teoria: teoria da conditio sine qua non; teoria da condição simples; teoria da condição generalizadora. Para essa teoria todo fato humano sem o qual o resultado não teria ocorrido, será considerado como causa. Todo fator que exercer influência em determinadoresultado, ainda que minimamente, será considerado causa. Causa é, portanto, todo comportamento humano, comissivo ou omissivo, que, de qualquer modo, concorreu para a produção do resultado naturalístico. Pouco importa o grau de contribuição, basta que tenha contribuído para o resultado material. Essa foi a teoria adotada expressamente pelo código penal na parte final do artigo 13: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido” (BRASIL, 1940). De acordo com a teoria, todos fatos que antecedem o resultado se equivalem, desde que indispensáveis à ocorrência do resultado. Para se definir o que é ou não causa, aplica-se o processo de eliminação hipotética desenvolvido por Thyrén, em 1894. Suprime-se mentalmente um fato que compõe o histórico do crime. Se o resultado desaparecer, é causa. Se não desaparecer, não é causa (JESUS; ESTEFAM, 2020). Vejamos esse interessante exemplo trazido pelo saudoso professor Damásio Evan- gelista de Jesus em conjunto com André Estefam (2020, p. 237): Suponha-se que A tenha causado a morte de B. A conduta típica do homicídio possui uma série de fatos, alguns antecedentes, dentre os quais poderíamos sugerir os seguintes: 1º) produção do revólver pela indústria; 2º) aquisição da arma pelo comerciante; 3º) compra do revólver pelo agente; 4º) refeição to- mada pelo homicida; 5º) emboscada; 6º) disparos dos projéteis na vítima; 7º) resultado morte. Dentro dessa cadeia, excluindo-se os fatos sob os números 1º a 3º, 5º e 6º, o resultado não teria ocorrido. Logo, são considerados causa. Excluindo-se o fato sob o número 4 (refeição), ainda assim o evento teria acontecido. Logo, a refeição tomada pelo sujeito não é considerada como sendo causa do resultado. Como se pode ver, essa teoria possui um grave problema: a possibilidade do re- gresso ao infinito. Observe que no exemplo trazido, a fabricação da arma de fogo é uma causa do crime. Aliás, o fato de a mãe e o pai do agente terem nascido também podem ser tidos como causa, pois se isso não tivesse ocorrido, o crime não teria acontecido. Para corrigir esse “defeito”, existe a teoria da proibição do regresso, pela qual não é possível retroceder além dos limites da vontade livre e consciente, dirigida à produção do resultado. Assim, só será considerada causa de um crime aquele fato que é indispensável à ocorrência do resultado, mas que tenha sido praticada com a finalidade de causar o crime. 24UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.4 Tipicidade Tipicidade é a relação de subsunção entre um fato (conduta no mundo real) e um tipo penal (artigo da lei). Por exemplo, ocorrerá a tipicidade quando alguém matar outra pessoa. A conduta realizada pelo agente (matar) está plenamente descrita no tipo penal (art. 121). A tipicidade pode ser formal ou material. Tipicidade formal: é a simples adequação da conduta realizada pelo ser humano a um tipo penal (um artigo da lei). Ex.: a conduta de quem, com a vontade de ter para si, se apodera de um notebook de outra pessoa, sem que esta saiba, se enquadra perfeitamente (formalmente) à conduta descrita no artigo 155 do CP (Furto). Tipicidade material: é a efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado. Não basta estar previsto na lei como crime, precisa realmente ofender o bem jurídico tutelado. Ex.: a condu- ta de quem, com a vontade de ter para si, furta a tampinha de uma caneta de outra pessoa, embora se encaixe perfeitamente (formalmente) à conduta descrita no artigo 155 do CP, não ofende efetivamente o bem jurídico tutelado (patrimônio alheio), vez que não causa uma diminuição patrimonial. 5.5 Elemento subjetivo do crime Art. 18 - Diz-se o crime: Doloso I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; Culposo II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negli- gência ou imperícia. Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser puni- do por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. (BRA- SIL, 1940) 5.5.1 Dolo Conceito: vontade livre e consciente dirigida a realizar a conduta prevista em um tipo penal incriminador. Do conceito podemos extrair dois elementos importantes: um volitivo e um cognitivo: ● Volitivo: a vontade de praticar a conduta. Vontade de executar os verbos do tipo. ● Cognitivo: consciência de que aquela conduta causará um resultado e que esse resultado é crime. 25UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.5.1.1 Teorias sobre o dolo ● Teoria da vontade: dolo é a vontade consciente de praticar a infração penal. ● Teoria da representação: dolo ocorre sempre que o agente tiver a previsão da possibilidade do resultado e decidir prosseguir mesmo assim, ainda que não queira produzi-lo. ● Teoria do consentimento: dolo ocorre quando o agente tem a previsão da pos- sibilidade do resultado e decide prosseguir mesmo assim, assumindo o risco de produzir o evento. Prever e assumir o risco equivale a agir dolosamente. Nossa legislação penal adotou a teoria da vontade (dolo direto) e a teoria do con- sentimento (dolo eventual). 5.5.1.2 Espécies de dolo ● Dolo direto: quando o agente quer praticar um resultado e dirige sua vontade para esse fim. Ex.: agente quer matar alguém e efetua disparos de arma contra a pessoa. ● Dolo indireto: nesse caso, o agente não busca um resultado certo e determinado. ● Dolo alternativo: no dolo alternativo o sujeito ativo do crime não dirige sua conduta a uma pessoa ou resultado único. Para ele tanto faz quem será a vítima ou qual será o crime. Poderá ser: ► Subjetivo: quando não importar quem será a vítima. Sujeito quer matar qualquer das pessoas que estão em seu caminho. ► Objetivo: quando não importar qual é o crime. Sujeito atira contra alguém, se con- tentando com o resultado morte ou lesão. ► Eventual: quando o agente, prevendo a ocorrência do resultado, não quer produ- zi-lo, mas assume o risco e não se importa com a eventual ocorrência. Ex.: sujeito que faz “roleta russa” no trânsito, dirigindo em alta velocidade e atravessando sinal vermelho, que vem a atropelar e matar pedestre. 5.5.2 Culpa Conceito: conduta humana voluntária que realiza um evento ilícito não querido ou aceito pelo agente, mas que lhe era previsível e que podia ser evitado se empregada a cau- tela esperada (dever objetivo de cuidado). A conduta, nos delitos de natureza culposa, é o ato humano voluntário, dirigido, em geral, à realização de um fim lícito, mas que, por imprudência, imperícia ou negligência, isto é, por não ter o agente observado o seu dever de cuidado, dá causa a um resultado não querido, nem mesmo assumido, tipificado previamente na lei penal (GRECO, 2020). 26UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.5.2.1 Elementos do crime culposo ● Conduta humana voluntária: A ação ou omissão se dirige pelo querer, pela vontade. No crime culposo também há conduta humana voluntária e dirigida a um fim, mas normalmente se busca um fim lícito. Ex.: a pessoa está atrasada e fura um sinal vermelho, atropelando uma pessoa. A conduta dela foi voluntária e dirigida a um fim lícito (chegar mais rápido), porém causou um resultado. ● Violação de um dever objetivo de cuidado: Dever objetivo de cuidado é aquela conduta que é esperada das pessoas em geral. Ex.: espera-se que todos respeitem a lei de trânsito. Espera-se que só utilize arma de fogo quem tenha autorização para tanto etc. Na infração culposa o agente deixa de observar os deveres objetivos, agindo com imprudência, negligência ou imperícia. ► Imprudência: ocorre quando o agente atua com precipitação, sem os cuidados que a situação requer. Ex.: conduzir veículo em alta velocidade em dia de chuva; manusear uma arma sem cuidado; furar sinal vermelho. ► Negligência: é a ausência de uma precaução necessária. A negligência é uma omissão, um deixar de fazer. A imprudênciaé uma ação, um fazer. Ex.: conduzir veículos com pneus gastos; fazer uma cirurgia sem ter os equipamentos necessários. ► Imperícia: é a falta de aptidão técnica para o exercício de uma arte ou profissão. Ex.: motorista de ônibus que confunde o pedal de freio e aperta o da embreagem, causando um acidente; médico pediatra que faz cirurgia plástica. A imperícia é um despreparo técnico. ● Resultado naturalístico involuntário: ► Em regra, os crimes culposos são materiais (exigem um resultado naturalístico). ► O resultado não ocorre por vontade do agente, não é quisto. ● Nexo entre a conduta e o resultado: ► A conduta do agente deve ser a causadora do resultado. ● Previsibilidade do resultado: ► Embora o resultado não seja quisto pelo agente, ele será previsível. ● Tipicidade: ► O resultado deve estar previsto na lei como crime. O parágrafo único do art. 18 dispõe que somente se pune o crime culposo se hou- ver previsão expressa em lei para esta modalidade (BRASIL, 1940). Ex.: o crime de dano (168 do CP) não possui modalidade culposa, então ainda que alguém provoque dano ao patrimônio de outrem sem querer, não responderá por crime. 27UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.5.2.2 Espécies de culpa ● Culpa consciente: o agente, embora prevendo a possibilidade do resultado, não deixa de praticar a conduta, acreditando, sinceramente, que esse resultado não irá acontecer. Embora previsto o resultado, o agente não o aceita como possível. ● Culpa inconsciente: o resultado, embora previsível, não foi previsto pelo agen- te. Não passou pela cabeça do agente a possibilidade do resultado, e então ele age com imprudência, negligência ou imperícia. 28UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 6. CONCEITO DE CRIME: ILÍCITA Conceito: ilicitude ou antijuridicidade (são termos sinônimos) é a relação de con- trariedade de uma conduta humana com o ordenamento jurídico. É um juízo de valor feito sobre um fato típico. A pergunta que se faz é: a conduta é descrita pela lei como típica, mas ela realmente é contrária ao ordenamento? Isso se afere pela ilicitude. A tipicidade (previsão da conduta como criminosa) é um indício de ilicitude, pois se o legislador entendeu que aquela conduta é nociva à sociedade, tipificando-a como crime, existe um indício, uma grande possibilidade, de que ela seja também contrária ao ordenamento. Uma questão importante é que, em razão desse caráter indiciário, a licitude da con- duta é aferida de modo inverso (ou negativo), pois o código penal não diz quando a conduta será ILÍCITA, mas sim, quando ela será LÍCITA. Em regra, a conduta prevista no código penal será ilícita, exceto se estiver abrangida por uma das causas excludentes da ilicitude. Assim, uma vez constatada a tipicidade, o próximo passo é saber se encontra presente no caso concreto alguma causa de justificação, que transforme um fato típico em lícito (não incriminado). O código penal elenca as causas de exclusão da ilicitude em seu artigo 23 da seguinte forma: 29UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade. II – em legítima defesa III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito. (BRASIL, 1940) 6.1 Causas Excludentes de Ilicitude As excludentes de ilicitude estão previstas nos artigos 23 a 25 do código penal e são situações em que mesmo praticado um fato típico, não constituirá crime por haver uma PERMISSÃO LEGAL para a conduta (BRASIL, 1940). Essas normas (excludentes) contêm um preceito autorizante, constituindo situações particulares em que uma situação que normalmente seria delituosa deixa de ser por haver consentimento legal para sua prática (PRADO, 2020). Passemos, então, ao estudo de cada uma das causas excludentes da ilicitude. 6.1.1 Estado de necessidade – art. 24 do código penal Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de ou- tro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços (BRASIL, 1940). O estado de necessidade é uma situação que pressupõe a existência de um perigo atual que ponha em conflito dois ou mais interesses, dos quais nem todos podem ser salvos. Exemplo clássico: tábua de salvação. Naufrágio: Duas pessoas disputam uma mesma tábua que só suporta o peso de uma. O direito permite que uma pessoa mate a outra, desde que seja a única forma de se salvar. 6.1.1.1 Requisitos para a aplicação do estado de necessidade ● Perigo atual: perigo é a probabilidade de dano ou lesão ao bem jurídico. Exem- plos: incêndios, naufrágios, ataque de animais selvagens, iminência de acidente de trânsito (atropelamento). ● Esse perigo deve ser presente, ou seja, estar acontecendo naquele momento. Não se admite a excludente depois que o perigo cessou (passado) ou quando ele ainda não se concretizou (futuro). ● O perigo deve ser aferido pela necessidade de pronta reação (a pessoa tinha que reagir daquela forma naquele momento?). 30UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime ● Perigo não provocado voluntariamente pelo agente: quem provocou, propositada- mente (com dolo) o perigo não pode se beneficiar da excludente. Exemplo: agente provoca o naufrágio de um barco e pega o único salva-vidas existente, causando a morte de outra pessoa. ● Ameaça a direito próprio ou alheio: o direito ameaçado pode ser do próprio agente ou de um terceiro. Exemplos: direito próprio (tábua de salvação – vida do agente); direito alheio (médico que quebra sigilo profissional (art. 154 do CP) revelando que um paciente possui HIV para impedi-lo de contaminar dolosa- mente outra pessoa) ● Conhecimento da situação justificante: o agente deve ter ciência (conhecimen- to) de que está ofendendo um bem jurídico de outrem para salvar o seu direito. Exemplo: médico realiza um aborto por dinheiro. Depois do aborto feito, ele constata que, se aquele aborto não fosse realizado, a gestante morreria em instantes. Ele pode alegar estado de necessidade? NÃO! Porque ele não tinha conhecimento de que agia desta forma. ● Inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado: deve ser feita a análise no caso concreto para ver se era exigível ou não que o agente sacrificasse o bem amea- çado. Exemplo: agente está conduzindo seu carro e uma criança atravessa em seu caminho. Rapidamente o agente desvia o carro e bate em um outro veículo, causando danos ao patrimônio de terceiro (art. 163 do CP). Nesse caso, era exigível que o agente ofendesse o patrimônio de alguém para poupar a vida da criança? SIM, porque o bem jurídico vida é mais importante que o patrimônio. ● Assim, se o bem jurídico for de maior importância (ex.: vida x patrimônio) ou de igual status (vida x vida), haverá estado de necessidade. Se for de menor impor- tância, não haverá a exculpante. Exemplo: para evitar que seu barco afunde, o capitão manda todo mundo pular no mar, causando-lhes a morte (patrimônio x vidas). Nesse caso, não será aplicado o estado de necessidade, porém o código penal prevê uma causa de diminuição de pena – art. 24, § 2º do CP. ● Inevitabilidade do perigo: somente caberá o estado de necessidade se não hou- ver outra forma de salvaguardar o bem jurídico. Exemplo: o agente entra num pasto e um boi bravo o persegue. Ele pode saltar a cerca e livra-se do perigo ou sacar a arma e matar o boi. Nesse caso, se ele mata o boi praticando crime (dano), não é abrangido pela excludente. ● Ausência de dever legal de enfrentar o perigo: “§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo” (BRASIL, 1940). Quem tem o dever legal de evitar o perigo não pode alegar estado de necessidade. Exemplo: um bombeironão pode deixar de salvar uma vítima durante o incêndio pelo risco de se queimar. IMPORTANTE: não se exige heroísmo. Se um local está 31UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime absolutamente tomado pelo fogo, com a ínfima probabilidade de sobrevivência (mesmo com treinamento), o bombeiro não tem obrigação de entrar. 6.1.2 Legítima defesa – Art. 25 do código penal Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a práti- ca de crimes (BRASIL, 1940). A legítima defesa é um dos mais antigos institutos de natureza penal. Já era encon- trado nas ordenações Filipinas e se chamava “defesa necessária”, dando a permissão para matar alguém que tentasse lhe matar (NUCCI, 2019, p. 464). Está vinculada ao instinto humano de sobrevivência (matar para não morrer) e, por isso, normalmente está ligada ao crime de homicídio. Em resumo, é uma das poucas situações em que o ordenamento jurídico permite ao cidadão comum fazer justiça com as próprias mãos. 6.1.2.1 Requisitos para a aplicação da legítima defesa ● Agressão injusta: agressão é toda conduta humana que ataca um bem jurídico penalmente tutelado. Importante ressaltar que só existe legítima defesa oriunda de conduta humana, pois o ataque de animais não autoriza a legítima defesa, por faltar-lhes a cons- ciência e voluntariedade implícitas ao ato de agredir (MASSON, 2020, p. 335). A lei se refere a agressão injusta, que consiste em uma agressão humana que seja contrária ao ordenamento jurídico, não permitida. Ex.: uma pessoa aborda outra na rua e lhe dá um soco, sem qualquer motivação. ● Atual ou iminente: atual é algo que está acontecendo naquele exato momento. É o ataque em curso. Ex.: sujeito está desferindo socos ou facadas na vítima. Iminente é algo que está prestes a acontecer. Ex.: sujeito aponta a arma na direção da vítima, pronto para disparar. A lesão ainda não começou a ser produzida. Se a agressão é passada, não há legitima defesa e sim vingança. Agressão futura (promessa de agressão) não permite a legítima defesa. ● Direito próprio ou alheio: a lei admite que a legítima defesa seja para prote- ger direito próprio ou alheio. Será próprio quando o direito do próprio agente está sendo ofendido. Ex.: atirar contra quem lhe aponta uma arma com intenção de matar. Será alheio quando o direito a ser defendido é de outra pessoa, por exemplo, atirar contra alguém que está tentando matar um amigo. 32UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime ● Uso moderado dos meios necessários: meios necessários são os menos lesivos disponíveis quando sofre a agressão. Por uso moderado se entende a proporcionalidade entre a agressão e o revide. Ex.: não será moderado desferir tiros contra alguém que lhe jogou uma pedra. Mas é moderado desferir tiros contra alguém que lhe agride com uma faca. ● Conhecimento da situação justificante: o agente deve conhecer as circuns- tâncias do fato justificante, demonstrando ter ciência de que está agindo diante de um ataque atual ou iminente (CUNHA, 2020, p. 338). 6.1.3 Estrito cumprimento do dever legal – Art. 23, inciso III, primeira parte do código penal Age em estrito cumprimento do dever legal quem pratica um fato típico por força de desempenho de uma obrigação imposta por lei. O instituto dirige-se, assim, aos funcionários e agentes públicos, porém abrange também o particular que exerça função pública (jurados, peritos, mesários da justiça eleitoral etc.). Ex.: o policial que prende um fugitivo está privando- -o de sua liberdade (cárcere privado), mas possui permissão para tanto, logo, não pode estar praticando um crime porque está cumprindo um dever legal, uma determinação da lei. O dever legal, como o próprio nome já ressalta, só pode ter origem em lei, não abrangendo outros ditames como, por exemplo, religião, ética etc. Entretanto, é importante destacar que “lei”, para essa finalidade, deve ser interpretada em sentido amplo, abran- gendo também os decretos, regulamentos, atos administrativos e até decisões judiciais (BUSATO, 2020, p. 380). Importante: é exigido que o agente atue nos exatos limites de seu dever. Ex.: poli- cial que prende o fugitivo e na sequência o espanca, não está acobertado pela excludente, pois ele não tem o dever legal de espancar o preso. 6.1.4 Exercício regular de direito – art. 23, inciso III, parte final do código penal Aquele que age no exercício regular de direito exercita uma faculdade de acordo com o direito, ou seja, está atuando licitamente, de forma autorizada pela lei (PRADO, 2020, p. 188). O principal fundamento do exercício regular de direito é que uma ação juridicamente permitida não pode ser, ao mesmo tempo, proibida, pois seria incongruente. Em resumo, se a pessoa atua exatamente nos moldes que a lei permite/garante, não poderá ser punida, ainda que tal conduta configure um fato típico. Exemplo: o código de processo penal permite que qualquer pessoa do povo efetue a prisão de quem quer que se encontre em situação flagrância (art. 301), logo, o particular que realiza a prisão em flagrante não poderá ser punido por cárcere privado, pois agiu no exercício regular de um direito. 33UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 7. CONCEITO DE CRIME: CULPÁVEL Culpabilidade é o juízo de censura, o juízo de reprovabilidade que incide sobre a formação e a exteriorização da vontade do responsável por um fato típico e ilícito, com o propósito de aferir a necessidade de imposição de pena (MASSON, 2019, p. 364). Diferentemente da tipicidade e ilicitude, que analisam as questões do fato praticado, a culpabilidade formará um juízo de reprovação sobre a pessoa que praticou o fato. Assim, será culpável quem podia e devia agir de acordo com o direito, mas não o faz. 7.1 Elementos da Culpabilidade A culpabilidade apresenta três elementos: ● Imputabilidade; ● Potencial consciência da ilicitude; ● Exigibilidade de conduta diversa. Vamos analisá-los. 7.1.1 Imputabilidade O código penal disciplina a questão da imputabilidade nos arts. 26 a 28 (BRASIL, 1940). 34UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime ● Conceito: capacidade mental de compreender o caráter ilícito do fato e de deter- minar-se de acordo com esse entendimento (capacidade de entender e querer – de discernir o certo e o errado). É constituída por dois elementos, um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato) e um volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimen- to). Ou seja, para ser culpável, o agente precisa, no momento da conduta, SABER que sua conduta é ilícita e QUERER fazê-la assim mesmo. Importante saber que a LEI não diz quem é imputável, mas sim quem será INIMPU- TÁVEL (análise negativa). Então, em regra, todos são IMPUTÁVEIS, exceto aqueles que a lei expressamente diz não o ser. Sistemas ou critérios para identificação da inimputabilidade: ● Biológico: o fator preponderante é a formação e o desenvolvimento mental do ser humano. Basta que haja algum tipo de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado para ser inimputável, pouco importando a lucidez do agente. Ou seja, ainda que o agente saiba o que faz, por esse critério há presunção de inimputabilidade. ● Psicológico: para esse critério basta que o agente se mostre incapaz de entender o caráter ilícito da conduta ou de se portar de modo diverso para ser inimputável. A existência ou não de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado são irrelevantes. ● Biopsicológico: é uma união dos dois sistemas anteriores. Para a inimputabili- dade é necessário que o agente possua alguma limitação biológica e não possa entender o caráter ilícito da situação ou conseguir se portar de mododiverso. 7.1.1.1 Inimputabilidade por imaturidade natural Deriva de presunção legal. Por motivos de política criminal, o legislador brasileiro entendeu que os menores de 18 anos não possuem plena capacidade de entendimento, adotando o caráter puramente biológico. “Art. 228 da CF/88: São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (BRASIL, 1940). “Art. 27 do CP: Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial” (BRASIL, 1988). A menoridade deve ser comprovada por meio da certidão de nascimento ou docu- mento que o substitua (ex.: RG). Esse entendimento é sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (súmula 14), determinando que para efeitos penais, o reconhecimento da menori- dade do réu requer prova por documento hábil. 35UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 7.1.2 Inimputabilidade por doença mental Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteira- mente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental in- completo ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL, 1940). O termo doença mental deve ser interpretado de modo amplo, englobando todas as alterações mentais ou psíquicas que suprimam a capacidade de entender o caráter ilícito da conduta e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Para que reconhecer a inimputabilidade por doença mental devem ser preenchidos três requisitos: ● Requisito biológico: existência de uma doença mental. ● Requisito psicológico: supressão da capacidade de entendimento e autodetermi- nação em razão da doença. ● Requisito temporal: ocorrência dos requisitos anteriores no momento da conduta. Esses requisitos devem ser comprovados por laudo pericial confeccionado por profissional competente na forma prevista pela legislação processual penal (incidente de insanidade mental - arts. 149/154 do CPP). A depender da conclusão apresentada pelo laudo pericial, a forma de aplicação (ou não aplicação) da sanção penal variará. O quadro a seguir ajuda a esclarecer. QUADRO 1 - RESULTADOS POSSÍVEIS DO EXAME DE SANIDADE MENTAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS Resultado do laudo Situação jurídica Consequência jurídica Agente capaz de entender o caráter ilícito da conduta e portar-se de acordo com esse entendimento. Imputável Receberá a pena e a cumprirá normalmente. Agente parcialmente capaz de entender o caráter ilícito da conduta e portar-se de acordo com esse entendi- mento. Semi-imputável Receberá a pena com redu- ção de um a dois terços (art. 26, parágrafo único do CP) Poderá o juiz substituir a pena privativa de liberdade por in- ternação ou tratamento médi- co (art. 98 do CP). Agente absolutamente in- capaz de entender o cará- ter ilícito da conduta e por- tar-se de acordo com esse entendimento. Inimputável Será absolvido, porém rece- berá uma medida de seguran- ça (internação ou tratamento médico). Fonte: o autor. 36UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 7.1.3 Inimputabilidade pela embriaguez completa e involuntária Cléber Masson (2020, p. 387) conceitua a embriaguez da seguinte forma: É a intoxicação aguda produzida no corpo humano pelo álcool ou por subs- tância de efeitos análogos, apta a provocar a exclusão da capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Como exemplos de substâncias de efeitos análogos podem ser apontados o éter, a morfina, o clorofórmio e quaisquer outras substâncias entorpecentes, ainda que não previstas na Portaria do Ministério da Saúde responsável por essa tarefa, dependendo, nesse caso, de perícia. O código penal, por sua vez, assim dispõe acerca da embriaguez: Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal: […] II – a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos. § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, intei- ramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL, 1940). Para entendermos melhor essa questão, é necessário conhecer os estágios da embriaguez: 1º – Incompleta: afrouxamento dos freios normais. O agente tem consciência, mas se torna mais desinibido (fase da excitação). 2º – Completa: perde os freios e censuras morais, ocorrendo confusão mental e falta de coordenação motora. A pessoa não possui mais consciência e vontade livres (fase da depressão). 3º – Comatosa: o sujeito cai em sono profundo (fase letárgica). Para além dos estágios da embriaguez, existem dois tipos dela: a voluntária (não acidental) e involuntária (acidental). Na voluntária o agente faz ingestão de bebidas alcoólicas por vontade própria, com finalidade de embriagar-se. Ex.: pessoas comemorando algo e ingerindo bebidas alcóolicas. É claro que a embriaguez voluntária pode ser também culposa, quando o agente bebe por vontade própria, mas, culposamente, excede na quantidade de álcool. Ex.: amigos bebendo enquanto assistem um jogo e exageram. Consequências da embriaguez voluntária: conforme dispõe o inciso II do artigo 28 do Código Penal, a embriaguez voluntária ou culposa não exclui a culpabilidade, ou seja, o agente será responsabilizado pelos seus atos (BRASIL, 1940). Já a embriaguez involuntária ocorre por caso fortuito ou força maior. Nessa o agente não ingere álcool por vontade própria. Ex.: caso fortuito - pessoa está visitando uma fábrica de bebidas alcoólicas e cai em um tanque de cachaça, ingerindo grande quantidade 37UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime da bebida. Força maior - durante um assalto, um refém é obrigado a ingerir grande quanti- dade de álcool. Consequências da embriaguez involuntária: se a embriaguez involuntária for completa, ocorrerá a exclusão da culpabilidade e consequente isenção de pena, conforme preceitua o § 1º do art. 28 do código penal. Se for incompleta, haverá diminuição de pena de um a dos terços, nos termos do § 2º do art. 28 do código penal (BRASIL, 1940). 7.2 Potencial Consciência da Ilicitude Art. 21 – O desconhecimento da Lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único: Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstân- cias, ter ou atingir essa consciência (BRASIL, 1940). Para merecer uma pena, a pessoa deve ter agido na consciência de que sua con- duta era ilícita. A agente precisa saber que está praticando um ato ilícito e, somente após ter certeza de que o agente era imputável (tinha condições mentais), é que se afere a potencial consciência (condições culturais). Para André Estefam (2020), a potencial consciência da ilicitude se trata de perquirir se o conjunto de informações recebidas pelo agente ao longo da sua vida, até o momento da conduta, lhe dava condições de entender que a atitude por ele praticada era socialmente reprovável. Exemplos: um indígena criado numa tribo isolada vai para um centro urbano e ao ver um pássaro preso na gaiola acredita que lhe é lícito quebrar a gaiola e soltar o pássaro; um holandês vem ao Brasil e acredita que aqui, como lá, é possível fumar maconha em público. Nesses contextos ocorre o chamado erro de proibição, que nada mais é do que uma falsa percepção sobre o que é permitido ou proibido pelo ordenamento jurídico. No erro de proibição o agente sabe exatamente o que está fazendo, masnão sabe que o que está fazendo é errado. O agente acha que pode praticar licitamente aquela conduta. 7.2.1 Classificação do erro de proibição 7.2.1.1 Direto Quando o sujeito age desconhecendo que sua conduta é criminosa, quando na verdade o é. Ex.: ditado popular “achado não é roubado”. O agente acredita que pegar para si uma coisa encontrada é permitido, quando na verdade não é. Configura crime de apropriação indébita. 38UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 7.2.1.2 Indireto Quando incide sobre os limites de uma norma permissiva (excludentes de ilicitude). Ex.: sujeito sabe que não pode agredir sua esposa, mas um dia ele a flagra em uma traição e acha que isso torna legítimo agredi-la em exercício regular de direito ou legítima defesa da honra. 7.2.1.3 Mandamental Quando o agente se omite (deixa de fazer algo) sem saber que há uma norma que o obrigava a agir. Ex.: salva-vidas de clube que deixa de salvar uma criança que está se afogando porque os pais estão por perto, achando que não tem o dever de agir. 7.2.2 Consequências do erro de proibição ● Erro evitável: quando o agente, embora desconhecesse que o fato era ilícito, tinha condições de saber, dentro das circunstâncias, que sua conduta era contrária ao direito. Ex.: holandês que vem ao Brasil e fuma maconha na rua poderia evitar o erro se tivesse pesquisado. Consequência: não isenta de pena, mas a diminui de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço). ● Erro inevitável: quando o agente não possuía o conhecimento e era impossível, naquelas circunstâncias, atingir tal conhecimento. Ex.: índio não adaptado que solta o pássaro que estava na gaiola. Consequência: isenta de pena. 7.3 Exigibilidade de Conduta Diversa Além de ser imputável e de ter a potencial consciência da ilicitude, para que possamos completar o conceito de crime e, enfim, dizer que o sujeito praticou um crime, precisamos verificar se, naquele caso concreto, era exigível que o agente atuasse de modo diferente daquele comportamento praticado. Conforme lecionam Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini (2019), além da capaci- dade de entendimento (imputabilidade) ou conhecimento do caráter ilícito do fato (potencial conhecimento da ilicitude), é preciso ainda que o agente conserve um espaço mínimo de autodeterminação que lhe permita agir de acordo com esse entendimento. O artigo 22 do código penal trata das excludentes da culpabilidade, situações em que, apesar de o agente ter praticado um fato típico e ilícito, estará isento de pena. “Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não ma- nifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. 39UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 7.3.1 Coação moral irresistível Coação moral irresistível se dá quando uma pessoa for alvo de ameaça de inflição de um mal grave e injusto. TERROR PSICOLÓGICO. Exemplo: bandidos mantêm a família do gerente do banco sob ameaça de morte e determina a ele que abra o cofre. Requisitos: ● Seriedade da promessa: promessas em tom jocoso ou meramente irônico não servem. ● Verossimilhança do mal prometido: possibilidade de realização do mal prometido. ● Irresistibilidade: a ameaça deve ser grave (ex.: matar a família) e deve ser pron- tamente exequível (havendo a recusa, o mal será realizado, não permitindo que a vítima promova uma solução). 7.3.2 Obediência hierárquica à ordem superior não manifestamente ilegal Ocorre quando um funcionário público subalterno pratica uma infração penal em decorrência de cumprimento de ordem, não manifestamente ilegal, emitida por um superior hierárquico. ● Requisitos: ● Relação de hierarquia: só se verifica em relações jurídicas de direito público. ● Ordem superior: a ordem deve vir do superior hierárquico. ● Ilegalidade da ordem não manifesta: é a ordem aparentemente legal. Para finalizar o estudo do crime, deixo para você um resumo do conceito analítico de crime fácil de memorizar: QUADRO 2 - RESUMO DO CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME FATO TÍPICO ILÍCITO CULPÁVEL Conduta Resultado Nexo causalidade Tipicidade Excludentes: Estado de necessidade Legítima defesa Estrito cumprimento do dever legal Exercício regular de direito Imputabilidade Potencial consciência da ilicitude Exigibilidade de conduta diversa Fonte: o autor. 40UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime SAIBA MAIS Não é incomum encontrarmos situações em que o agente se coloca, propositadamente, em uma situação de embriaguez para “tomar coragem” de praticar um crime. Nestas situações, além de não haver exclusão da culpabilidade, o agente ainda receberá uma pena agravada, conforme determina o artigo 61, inciso II, alínea “l” do Código Penal. É a aplicação da teoria da actio libera in causa (ação livre na causa). Fonte: o autor. REFLITA “O que torna sua conduta uma ação moral ou não está invisível a quem vê de fora. É 100% pensamento, que, quando repetido, converte-se em princípio. É o caráter de quem respeita” Fonte: Barros (2018, p. 79). 41UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime CONSIDERAÇÕES FINAIS E assim concluímos esta primeira unidade, na qual aprendemos o que é o direito penal e as demais ciências que compõem o ramo criminal, conhecendo alguns dos mais importantes princípios basilares da disciplina. Ganhou destaque em nosso estudo o princípio da legalidade, que nos apresenta a garantia de que o Estado não poderá processar e punir pessoas de modo discricionário, posto que somente aquelas condutas que estejam expressamente previstas em lei, de modo claro e antecipado, é que podem ser alcançadas pelo direito penal. A seguir analisamos a aplicabilidade da lei penal no tempo e espaço, analisando também quem são os sujeitos do crime: autor e vítima. A partir desse ponto ingressamos no sensacional universo do conceito de crime – o coração do direito penal –, conhecendo o conceito analítico de crime sob a visão tripartida (majoritária) e estudando detalhadamente cada um de seus componentes. Com esse conhecimento você certamente conseguirá distinguir uma situação cri- minosa ou não. Cotidianamente vemos em programas de telejornais ou mesmo em sites da internet as mais variadas notícias sobre situações relevantes ao direito penal. Conhecendo o conceito de crime a fundo, essas situações ficarão bem mais claras. Por fim, encerra-se aqui a unidade de teoria do crime, mas não o conteúdo de direito penal. Nas próximas unidades veremos a teoria da pena e os principais crimes em espécie. Até lá. 42UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime LEITURA COMPLEMENTAR Causa supralegal de exclusão de ilicitude: o consentimento do ofendido Lya Maria de Loiola Melo, José Dias Oliveira Rodrigues e Larissa de Assis Viana O consentimento do ofendido é um instituto jurídico penal que trata da exclusão da ilicitude na conduta delitiva. O Direito Penal, por sua vez, objetiva manter a ordem social através da seleção dos comportamentos humanos mais nocivos capazes de lesionar, ou expor à lesão, bens jurídicos essenciais para a convivência em sociedade. A Teoria Tripartida do Crime também tem papel importante no presente estudo, pois apresenta as características nas quais uma conduta humana deve se enquadrar para que seja, não somente considerada crime, mas também passível de punição. Nossa legislação penal foi um tanto quanto omissa no que tange ao consentimento do ofendido, deixando-nos dúvidas da ilicitude presente em casos como o do médico que necessita realizar uma cirurgia no paciente ou do tatuador que lesiona a pele do seu cliente, por exemplo. O artigo 23 do Código Penal Brasileiro elenca as três hipóteses de exclusão da ilicitude da conduta: Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipótesesdeste artigo, res- ponderá pelo excesso doloso ou culposo. Como se vê, o consentimento do ofendido não está presente no aludido artigo, logo, trata-se de uma causa supralegal. O presente estudo tem por escopo mostrar como este instituto age de modo a excluir a ilicitude da conduta delitiva. Apenas o consentimento da vítima não é suficiente para excluir toda e qualquer figura típica. Para isso, alguns requisitos devem ser preenchidos, tais como: a disponibi- lidade do bem jurídico tutelado pela norma, a validade do consentimento, a necessidade de este último ser manifestado de forma livre e por pessoa capaz, e a anterioridade ou simultaneidade entre o crime e o consentimento. É latente a necessidade que existe de se estabelecer e compreender os limites do poder de disposição dos indivíduos sobre os seus próprios bens jurídicos, em face da proteção lançada sobre alguns destes, que nem mesmo o próprio titular do direito pode dele dispor por meio do seu consentimento. 43UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime O estudo do consentimento é interessante ao Direito Penal pois trata-se da análise da teoria do delito sob a perspectiva da atuação do ofendido, e parte do pressuposto de que autor e vítima se inter-relacionam, através de seu agir comunicativo, para a prática delitiva. Desse modo, a responsabilidade penal do agente pode ser diminuída ou excluída, dependendo do comportamento do ofendido. A influência do consentimento à teoria do delito é uma questão constitucional, pois baseia-se na dignidade da pessoa humana, presente do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal brasileira. Acerca da teoria do delito, José Henrique Pierangeli explica: “Podemos afirmar ser a teoria do delito uma construção dogmática que nos proporciona o caminho lógico para uma averiguação acerca da existência ou não de um delito em cada caso concreto” (PIERANGELI, 2001, pág. 48). Nos dizeres do mesmo: O direito não cria a conduta; apenas a valora. Os tipos, portanto, constituem meras descrições abstratas da conduta. Esta existe concretamente e cumpre à tipicidade torná-la um delito. Consequentemente, a conduta é um conceito básico, sobre a qual se estruturou o conceito de crime, fazendo sobre ela recair as categorias ou caracteres da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade. (PIERANGELI, 2001, pág. 21). Assim como Pierangeli, doutrinadores como Francisco de Assis Toledo, Roxin e Rogério Greco compreendem o crime como sendo um composto trinário, ou seja, fato típico, ilícito e culpável. Trata-se da teoria finalista trinária. Para Greco, a teoria do crime visa facilitar a averiguação da presença ou ausência de delito em cada caso concreto. Assim aduz: O delito não pode ser fragmentado, pois é um todo unitário. Contudo, para efeitos de estudo, deve-se proceder a uma análise de cada um de seus elementos fundamentais, quais sejam: o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. Cada um deles, nessa ordem, é antecedente lógico e necessário à apreciação do seguinte. (GRECO, 2014, pág. 143). Na obra O Consentimento do Ofendido na Teoria do Delito fica claro que o tipo penal constitui um instrumento legal, absolutamente necessário e de natureza preponde- rantemente descritiva, cuja função é a de individualizar as condutas humanas de relevância penal. Rogério Greco, por seu turno, chama atenção para o fato de que não se admite a criação de qualquer tipo penal incriminador em que não se consiga apontar, com precisão, o bem jurídico que por intermédio dele se pretende proteger. Como anteriormente mencionado, crime é definido como fato típico, culpável e antijurídico (ou ilícito), posição a qual nos filiamos. Nesse sentido, esclarece Hans Welzel: 44UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são três elementos que conver- tem uma ação em um delito. A culpabilidade – a responsabilidade pessoal por um fato antijurídico – pressupõe a antijuridicidade do fato, do mesmo modo que a antijuridicidade, por sua vez, tem de estar concretizada em tipos legais. A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão relacionadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior. (WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 57). Significa dizer, portanto, que a tipicidade consiste no enquadramento da conduta do agente na norma penal descrita em abstrato, ou seja, existe a necessidade de a ação ser tipificada para que seja considerada criminosa. Logo, se não há tipicidade, não há crime. A antijuridicidade, por sua vez, trata-se da contrariedade entre o ordenamento jurídico e a conduta do agente. Deste modo, mesmo que haja uma ação típica, não há crime sem antijuridicidade. Já a culpabilidade é a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Assim, além de típica e ilícita, a ação do agente deve também ser culpável. Zaffaroni, jurista argentino, estabeleceu consideraçes importantes que devem ser feitas para estabelecer um juízo de culpabilidade dentro da concepção normativa pura, quais sejam: reprovabilidade, disposição interna contrária à norma, possibilidade de realizar outra conduta, possibilidade de motivação na norma, exigibilidade e âmbito de determinação. Segundo Pierangeli, “a palavra consentimento vem do latim consentire e, no seu sentido originário, exprime a concordância entre as partes ou uniformidade de opinião. Por tal razão, emprega-se a palavra mtuo consentimento, com o significado de consentimen- to”. (PIERANGELI, 2001, pág. 72). O ordenamento jurídico brasileiro admite, como causa supralegal de exclusão da ilicitude, o consentimento do ofendido. Entretanto, para que tal instituto seja aplicável, é necessário que se obedeça a certos requisitos, quais sejam: a concordância do ofendido, consentimento explícito, capacidade para consentir, disponibilidade do bem. O consenti- mento deve ser dado antes ou durante a prática do ato ilícito, revogação do consentimento e conhecimento do agente. Também é possível extrair da obra de Pierangeli que: No que toca à proibição de excesso, tem-se que a conduta do sujeito deve sem- pre respeitar os limites impostos pela causa justificante. Se o agente ultrapassar a seara do consentido pelo ofendido, desvaliosa será a sua conduta, uma vez que violadora da finalidade protetiva do sistema legal, e portanto, passível de censura quanto ao excesso. (PIERANGELI, 2001, p. 58) Pode-se concluir que, obedecidos os requisitos, o consentimento da vítima produz efeitos na esfera jurídica. Portanto, faz mister que tal instituto incorpore nosso texto legal, haja vista sua ampla aplicabilidade em nossa sociedade. (MELO, RODRIGUES, VIANA, 2017) Fonte: Melo, Rodrigues e Viana (2017). 45UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Dos Delitos e Das Penas Autor: Cesare Beccaria. Sinopse: Inserida no movimento filosófico e humanitário da segunda metade do século XVIII, “Dos delitos e das penas” é uma verdadeira obra-prima de Cesare Beccaria – jurista italiano contemporâneo de Voltaire, Rosseau e Montesquieu. Na época de Beccaria, as penas judiciais constituíam uma espécie de vingança coletiva, de modo que um criminoso, na maioria das vezes, sofria castigos muito mais severos e cruéis do que os próprios males que havia praticado. Penas de morte, torturas, prisões deploráveis e banimentos eram comuns e se aplicavam mesmo aos crimes mais banais. Cesare Beccaria foi a primeira voz a se levantar contra essas práticas, defendendo que cada crime merecia uma pena proporcional ao dano causado, ou seja, que as punições deveriam ser justas. Para ele, só assim a sociedade conseguiria evoluir ética e moralmente e diminuir seus índices de criminalidade. FILME/VÍDEO Título: Minority Report (2002) Ano: 2002. Sinopse: Washington, 2054. O assassinato foi banido, pois há a divisão pré-crime, um setor da polícia onde futuro é visualizado através deparanormais, os precogs, e o culpado é punido an- tes do crime ter sido cometido. Quando os três precogs, que só trabalham juntos e flutuam conectados em um tanque de fluido nutriente, têm uma visão, o nome da vítima aparece escrito em uma pequena esfera e em outra esfera está o nome do culpa- do. Também surgem imagens do crime e a hora exata em que acontecerá. Estas informações são fornecidas para uma elite de policiais, que tentam descobrir onde será o assassinato, mas há um dilema: se alguém é preso antes de cometer o crime pode esta pessoa ser acusada de assassinato, pois o que motivou sua prisão nunca aconteceu? O líder da equipe de policiais é John Anderton (Tom Cruise), que perdeu o filho há seis anos em virtude de um criminoso que o sequestrou. O desaparecimento da criança o fez se viciar em drogas e ainda continua dependente, mas isto não o impede de ser o policial mais atuante na divisão pré-crime. Porém algo muda totalmente sua vida quando vê, através dos precogs, que matará um desconhecido em menos de trinta e seis horas. A confiança que Anderton tinha no sistema rapidamente se perde e John segue uma pequena pista, que pode ser a chave da sua inocência: um estranho caso que não foi solucionado e há um “relatório menor”, uma documentação de um dos raros eventos no qual o que um precog viu é diferente dos outros. Mas apurar isto não é uma tarefa fácil, pois a divisão pré-crime já descobriu que John Anderton cometerá um assassinato e todos os policiais que trabalhavam com ele tentam agora capturá-lo. 46 Plano de Estudo: ● Etapas da realização do crime; ● Concurso de pessoas; ● Concurso de crimes; ● Ação penal; ● Teoria da Pena: aplicação; ● Substitutivos penais; ● Punibilidade e causas de extinção. Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender as noções básicas da teoria da pena; ● Compreender, identificar e diferenciar os princípios básicos aplicados à sanção penal; ● Conhecer os aspectos referentes à aplicação da pena e institutos a ela vinculados; ● Compreender o concurso de pessoas e de crimes; ● Conhecer as causas de extinção da punibilidade. UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena Professor Esp. Carlos Eduardo Pires Gonçalves 47UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena INTRODUÇÃO Bem-vindo(a) de volta, querido(a) aluno(a). Iniciamos agora o estudo da segunda unidade da disciplina de direito penal. Na unidade anterior aprendemos os conceitos e princípios fundamentais do direito penal, bem como o conceito de crime, identificando-o como fato típico, ilícito e culpável. Nesta segunda unidade estudaremos os elementos referentes à pena e sua aplica- ção. Lembre-se que praticado o crime, surge ao Estado o direito de punir, também chamado de jus puniendi. Para tanto, analisaremos as etapas da realização do crime e as situações em que temos várias pessoas praticando um mesmo crime ou uma mesma pessoa praticando vários crimes. Veremos a ação penal, que é o instrumento utilizado pelo poder estatal para aplicar a pena ao caso concreto, conhecendo suas espécies e elementos essenciais. Em sequência veremos as fases e forma de aplicação da pena, os substitutivos penais e terminaremos a unidade falando sobre as causas extintivas do direito do Estado de punir. Bons estudos. 48UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 1. ETAPAS DA REALIZAÇÃO DO CRIME Imagine a seguinte situação: Pedro quer matar seu desafeto João, então, com uma arma de fogo, desfere três tiros contra ele, causando sua morte. A partir do que estudamos na unidade anterior, você já sabe que esta situação pro- vavelmente configura um fato típico, antijurídico e culpável, ou seja, um crime de homicídio (art. 121 do CP). Pois bem. Acontece que entre o pensamento de Pedro em matar João e ele efeti- vamente causar a morte da vítima, há um caminho, etapas da realização desse crime. Esse “caminho do crime” é chamado de iter criminis, e a partir de agora estudaremos suas etapas. A depender da doutrina adotada, o iter criminis terá quatro ou cinco etapas. Para fins didáticos, vamos analisar as cinco. ● 1ª etapa - Cogitação: essa é uma etapa realizada apenas na mente humana, pois é o momento em que o agente mentaliza, idealiza, planeja, representa mentalmente a prática do crime. É importante saber que nessa fase, o crime é impunível pois o pensamento é livre e, ainda que o pensamento seja referente à alguma prática criminosa, não pode ser punido. Somente quando se rompe o claustro psíquico que a aprisiona, e materializa-se concretamente a ação, é que se pode falar em fato típico (CAPEZ, 2019). ● 2ª etapa - Preparação: consiste na prática de atos imprescindíveis à execução do crime. Aqui o agente ainda não deu início à prática do verbo (núcleo) do tipo, e, por isso, ainda se trata de fase impunível. Para exemplificar, seriam atos preparatórios: a separação 49UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena das ferramentas destinadas a arrombar uma casa ou, então, a escolha da faca que será utilizada na prática de um homicídio. ● 3ª etapa - Execução: nessa fase o agente inicia a realização do verbo do tipo, e assim sendo, o crime já passa a ser punível. Exemplificando, terá início a execução quando o agente desferir o primeiro golpe de faca contra a vítima. ● A execução se inicia com o primeiro ato idôneo e inequívoco para a consumação do delito (CAPEZ, 2019), assim, se um sujeito dispara uma arma de fogo contra a vítima com a intenção de matá-la, ainda que não venha a acertá-la, já se trata de ato executório. ● 4ª etapa - Consumação: ocorre quando todos os elementos descritos no tipo foram realizados. Quando o agente consegue realizar plenamente a conduta pretendida. Exemplo: o homicídio consuma-se com a morte da vítima; o furto se consuma com a sub- tração da coisa alheia. ● 5ª etapa - Exaurimento: ocorre quando o agente, após consumar o crime, pros- segue agredindo o bem jurídico. É uma continuação do delito após sua consumação, com a realização de atos posteriores à consumação. Exemplo: furto de um notebook. O fato dele tirar o bem da posse da vítima já consuma o crime. Se ele vende esse notebook depois, se trata de exaurimento do crime, ou seja, um ato posterior à consumação (subtração), mas que ainda ofende o patrimônio da vítima. 1.1 Consumação e Tentativa Já vimos que a consumação é uma parte importantíssima do iter criminis e, em razão disso, o legislador optou por constar, de modo expresso, no texto legal a sua conceituação. Por outro lado, existem inúmeras situações em que, embora o agente queira pra- ticar um crime e realize os atos executórios, por circunstâncias que fogem à sua vontade, não consegue consumar o crime. A essa situação dá-se o nome de tentativa. O código penal assim dispõe sobre estes institutos: Art. 14 - Diz-se o crime: I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços (BRASIL, 1940). 1.1.1 Consumação Como já salientado, a consumação ocorre quando todos os elementos do crime estão plenamente realizados. No crime de homicídio, por exemplo, a consumação se dá quando alguém (ser humano vivo) tem sua vida encerrada (morte) por outra pessoa. 50UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 1.1.2Tentativa Como dispõe o código penal, a tentativa ocorre quando, iniciados os atos executórios, o agente não consegue consumar o crime por circunstâncias alheias à sua vontade. Temos aqui uma situação em que o agente queria praticar e consumar o crime, mas não conseguiu porque algo o atrapalhou ou impediu. Exemplo: “A” quer matar “B”. O "A" encontra na rua e efetua dois disparos de arma de fogo contra ele, mas “B” não morreu, porque foi socorrido em tempo por populares. A vontade do agente era inequívoca – matar;o agente iniciou os atos de execução – efetuou tiros. Não o consumou, porque populares salvaram a vítima – circunstância alheia à vontade do agente. Com isso, verificamos que a tentativa é composta por três elementos: a) início da execução; b) não consumação; c) interferência de circunstâncias alheias à vontade do agente. 1.1.2.1 Espécies de tentativa ● Imperfeita: quando há interrupção no processo executório. O agente não consegue praticar todos os atos de execução possíveis. Exemplo: agente quer matar seu desafeto e sua arma possui seis munições. Ele efetua três disparos e é impedido de prosseguir porque a polícia chegou. ● Perfeita ou acabada: também chamada de crime falho. O agente pratica todos os atos da execução, mas não consegue consumar o crime por circunstâncias alheias. Exemplo: agente quer matar seu desafeto e dispara todos os projéteis existentes na arma. ● Branca ou incruenta: ocorre quando o agente não consegue atingir a vítima. Ex. agente atira contra a vítima com inequívoca vontade de matar, mas erra todos os disparos. ● Cruenta: a vítima é atingida pelos atos executórios, mas não consegue consumar o crime. 1.1.2.2 Redução de pena e critério “Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços” (BRASIL, 1940). Ao crime tentado, a lei determina que será aplicada a pena prevista para o crime consumado, porém reduzida. Apesar de a lei traçar parâmetros mínimo e máximo para essa redução, não aponta o critério necessário para verificar o quantum de diminuição de pena aplicado, ficando tal tarefa a cargo da doutrina e jurisprudência, que definiram que quanto mais próximo da consumação, menor a redução. 51UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 2. CONCURSO DE PESSOAS O crime pode ser praticado por uma ou por mais pessoas e sempre que duas ou mais pessoas intervêm na prática de um crime estaremos diante da hipótese de concurso de pessoas (PRADO, 2020). Fala-se, portanto, em concurso de agentes quando duas ou mais pessoas concor- rem para a prática de uma mesma infração penal (GRECO, 2020). O código penal dispõe da seguinte forma sobre o concurso de pessoas: “Artigo 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (BRASIL, 1940). Note que a redação do texto legal é bastante clara ao afirmar que todas as pessoas que, de alguma forma, concorrem para a realização do crime incidirão nas penas a ele cominadas, respeitando-se, porém, a sua culpabilidade. Neste ponto, remeto você, caro(a) aluno(a), ao item 2.2 da Unidade I, em que estudamos o princípio da individualização da pena, que dispõe que cada indivíduo receberá a pena que lhe cabe, de acordo com as circunstâncias específicas de seu comportamento (MASSON, 2019). Como podemos notar, o nosso código adotou a teoria monista sobre o concurso de pessoas, pois todas as pessoas que praticam do crime, em regra, responderão pelo mesmo crime. Exemplo: em um crime de roubo, tanto a pessoa que apontou a arma e subtraiu o bem quanto a pessoa que ficou só vigiando responderão pelo mesmo crime. 52UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena Mas existem algumas importantes exceções à teoria monista no nosso ordena- mento. São situações em que, apesar de as pessoas envolvidas praticarem um único fato, responderão por crimes diferentes. Vejamos as hipóteses. a) Quando o legislador previr expressamente crimes autônomos para cada participante do fato Exemplo: crime de aborto. A gestante, que autoriza e sofre o aborto, responderá pelo crime previsto no artigo 1244 do código penal, enquanto a pessoa que realiza o aborto, com o consentimento dessa gestante, responderá pelo crime previsto no art. 1265 do código penal. Outro exemplo está nos crimes de corrupção. O Policial que aceita dinheiro para liberar alguém de uma multa responde por Corrupção Passiva (art. 3176 do CP), mas a pessoa que oferece o dinheiro responde pela corrupção ativa (art. 3337 do CP). Veja que em ambos os exemplos, a situação fática era a mesma, porém os envol- vidos respondem por crimes diferentes, excepcionando a teoria monista que, como já dito, determina que todos os envolvidos respondem pelo mesmo crime. b) Cooperação dolosamente distinta “§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave” (BRASIL, 1940). Nessa hipótese estamos diante de uma situação em que um dos envolvidos queria participar de um crime menos grave do que aquele que realmente foi praticado. Pensemos na seguinte situação: duas pessoas combinam de praticar um crime de furto a uma resi- dência cujos moradores se encontram viajando. Para tanto, combinam que enquanto “A” entrará na casa para subtrair os bens, “B” ficará no portão vigiando. Na data combinada, quando “A” ingressa na residência que acredita estar vazia, depara-se com uma pessoa que estava lá para vigiar a casa durante a viagem dos proprietários. Após uma luta corporal, “A” acaba matando o vigia. Neste caso, “A” responderá pelo crime de latrocínio (roubo praticado mediante morte da vítima), mas “B” responderá apenas pelo furto qualificado, pois não queria praticar um crime de latrocínio. 4 Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outro lho provoque. 5 Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante. 6 Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem. 7 Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. 53UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 2.1 Requisitos para a existência do concurso de agentes a) pluralidade de condutas Exige-se, no mínimo, duas condutas. Sejam duas condutas principais (execução do verbo do tipo), seja uma principal e uma acessória (algum tipo de auxílio). b) relevância causal das condutas É necessário que as condutas tenham contribuído de alguma forma para o resulta- do. Quem pratica conduta inócua, que não faz diferença alguma na prática do crime, não responderá por ele. c) liame subjetivo (unidade de desígnios) As condutas de todos os envolvidos devem ser realizadas com a vontade de contri- buir para o resultado criminoso. O crime é um produto da cooperação desejada e recíproca dos agentes (CAPEZ, 2019). Assim, se, por exemplo, um funcionário, por acidente, esquece uma porta do es- tabelecimento aberto e um ladrão abre e furta objetos de seu interior, o funcionário não responderá pelo furto, pois falta-lhe a vontade de contribuir para o crime. Situação diferente seria se ele tivesse combinado com o ladrão que deixaria a porta destrancada para facilitar a prática do crime. Nesta situação, haveria o liame subjetivo. d) identidade de crime para todos os envolvidos Tendo sido adotada a teoria monista, todos os agentes responderão pelo mesmo crime, exceto, claro, nas duas situações que vimos anteriormente. 2.2 Sujeitos no Concurso de Agentes Quando tratamos do tema de concurso de agentes, precisamos lembrar que te- remos duas ou mais pessoas envolvidas na prática do crime. Algumas dessas pessoas serão chamadas de autores ou coautores. Outras receberão a nomenclatura de partícipes. A diferenciação se dará de acordo com a forma como participam do crime. Como nossa legislação não esclarece os conceitos de autor e partícipe, tais defini- ções ficaram a cargo da nossa doutrina (GRECO, 2020). 54UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 2.2.1 Autoria e coautoria Autor de um crime, de acordo com a teoria dominante, é a pessoa que pratica o nú- cleo do tipo, o verbo descrito no tipo penal. Assim, será autor docrime de homicídio a pessoa que efetivamente praticar os atos voltados a matar o agente. Da mesma maneira, será autor do crime de furto, o sujeito que se apoderar dos bens alheios, praticando o verbo subtrair. Nesta toada, verifica-se a coautoria nas hipóteses em que dois ou mais indivíduos, ligados subjetivamente, praticam a conduta que caracteriza o delito, sendo a coautoria então, nada mais do que a autoria praticada por vários indivíduos (CUNHA, 2020). 2.2.2 Participação Partícipe é o agente que, embora não pratique os atos executórios (verbos do tipo), de alguma outra forma concorre para a prática do delito, por exemplo, incentivando verbalmente, emprestando algum objeto para a prática do delito, fornecendo informações sobre local a ser furtado etc. Não por outro motivo Juarez Cirino dos Santos (2014) afirma que a participação configura contribuição acessória dolosa em fato principal doloso de outrem e, assim sendo, depende da existência o fato principal, como a parte depende do todo. A participação, como se vê, pode ser moral ou material. Será moral a cooperação psicológica com o evento criminoso, como na situação em que há um induzimento (criação da ideia) ou a instigação (apoiar uma ideia já existente). Por outro lado, será material a participação quando houver a ajuda com algum objeto físico, como o empréstimo de chave falsa para o furto ou de uma arma de fogo para a prática de um roubo ou homicídio. Uma consideração importante que não passou desapercebido pelo legislador é que a participação somente será punível se houver, no mínimo, a prática dos atos executórios. Neste sentido, o artigo 31 do código penal dispõe: “Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado” (BRASIL, 1940). 55UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 3. CONCURSO DE CRIMES Quando várias pessoas se reúnem para praticar um crime, falamos em concurso de agentes (já estudado). Entretanto, quando um ou vários agentes praticam vários crimes, falamos em concurso de crimes. Concurso de crimes, então, é o instituto que se verifica quando o agente (ou agentes), mediante uma ou várias condutas, pratica duas ou mais infrações penais (MASSON, 2019). Existem três espécies de concurso de crimes, o concurso material, o concurso formal e a continuidade delitiva (ou crime continuado). 3.1 Concurso Material Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas priva- tivas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela (BRASIL, 1940). Haverá concurso material quando o agente, mediante duas ou mais condutas, pro- duzir dois ou mais resultados, sejam eles iguais ou não. Assim, quando o agente praticar, por exemplo, dois crimes de furto, incorrerá no concurso material. 56UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena Quando o legislador se refere a resultados idênticos ou não, ele cria duas espécies de concurso material: homogêneo e heterogêneo. Será homogêneo quando os resultados forem idênticos, ou seja, o mesmo crime. Ex.: agente pratica dois furtos. Será heterogêneo quando os resultados forem diferentes, ou seja, crimes diferentes; Agente entra numa casa para roubar e pratica também um estupro. Nas hipóteses de concurso material, a aplicação da pena seguirá o cúmulo material, ou seja, as penas dos crimes praticados serão simplesmente somadas umas às outras. Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini (2019) afirmam que o cúmulo material é o método mais primitivo e intuitivo de aplicação da pena, pois considera que, se são vários crimes, devem ser aplicadas várias penas, com repetição ilimitada. Assim, o juiz irá calcular a pena de cada um dos crimes de modo individual (princípio da individualização da pena), e, somente ao final, fará a somatória, atingindo o quantum final. 3.2 Concurso Formal Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabí- veis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desíg- nios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior (BRASIL, 1940). Haverá concurso formal quando o agente, mediante uma única conduta, produzir dois ou mais resultados, idênticos ou não. 3.2.1 Espécies de concurso formal a) Quanto ao resultado: ► Homogêneo: quando os resultados são idênticos, ou seja, o mesmo crime. Ex.: agente atropela três pessoas e mata as três (homicídio culposo na direção de veículo automotor – 302 do CTB). ► Heterogêneo: quando os resultados são diferentes, ou seja, crimes diferentes. Ex.: agente quer matar seu desafeto e atira contra ele, mas um dos projéteis atravessa o corpo e atinge outra pessoa, causando-lhe lesões. Responderá por homicídio e lesão corporal culposa. b) Quanto ao desígnio (vontade, plano, propósito): ► Próprio (ou perfeito): quando os resultados derivam de uma única vontade. Ex.: Motorista de ônibus que, querendo fazer uma ultrapassagem, escolhe um mal momento causando um acidente com a morte de várias pessoas (a vontade era uma só, ultrapassar, com vários resultados de morte). 57UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena ► Impróprio (ou imperfeito): quando os resultados derivarem de desígnios autô- nomos, ou seja, com o propósito de produzir, com uma única conduta, mais de um crime (MASSON, 2019). Ex.: agente quer matar dois desafetos e os coloca um encostado no outro. Efetua um único disparo de fuzil atingindo a cabeça de ambos, causando-lhes a morte instantânea (a conduta foi uma só, mas a vontade era de matar os dois). 3.2.2 Forma de aplicação da pena No concurso formal próprio: adota-se o critério de exasperação. Art. 70, primeira parte. Aplica-se a pena de qualquer dos crimes, se iguais, ou a do crime mais grave, se diferentes, SEMPRE aumentando de 1/6 até a metade. No concurso formal impróprio: adota-se o critério do cúmulo material. Art. 70, in fine. O juiz irá calcular a pena de cada um dos crimes e, ao final, fará a somatória, atingindo o quantum final. 3.2.3 Concurso material benéfico “Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código” (BRASIL, 1940). Quando a quantidade de pena aplicada de acordo com o concurso formal próprio for superior ao que seria a aplicação cumulativa, o código penal determina aplicação do concurso material, por ser mais benéfico. Exemplo: um agente, com objetivo de ser promo- vido na empresa em que trabalha, atira contra “A”, matando-o, porém a bala atravessa o seu corpo e atinge também “B”, causando lesões corporais culposas. Nessa situação o agente, com uma só ação, praticou dois resultados diferentes: ho- micídio qualificado (pena mínima de 12 anos) e lesões culposas (pena mínima de 2 meses). Nesse caso, a pena pelo concurso formal seria de 12 anos (pena mínima do homicídio) + 2 anos (1/6 - aumento mínimo), totalizando 14 anos. Pelo sistema do concurso material (somatória), a pena seria: 12 anos (pena mínima do homicídio) + 2 meses (pena mínima das lesões corporais culposas), totalizando 12 anos e 2 meses, logo, mais benéfica. 3.3 Continuidade Delitiva ou Crime Continuado Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços (BRASIL, 1940). 58UNIDADE II DireitoPenal e Teoria da Pena É a modalidade e concurso de crimes que se verifica quando o agente, por meio de duas ou mais condutas, comete dois ou mais crimes da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução. Se trata de uma ficção jurídica criada pelo direito em que uma situação em que existem vários crimes é considerada como crime único para fins de aplicação de pena. 3.3.1 Requisitos para aplicação da continuidade delitiva a) Pluralidade de condutas: Somente se fala em continuidade delitiva se existirem dois ou mais crimes. b) Crimes da mesma espécie: Quanto a esse requisito, há discussão na doutrina e jurisprudência sobre o que são crimes da mesma espécie. Duas posições se firmaram. ► 1ª Posição: são crimes que ofendem o mesmo bem jurídico tutelado. Ex.: furto, roubo, receptação etc. Todos ofendem o bem jurídico patrimônio. Essa posição vem preva- lecendo nos tribunais (CUNHA, 2020). ► 2ª Posição: são os crimes que estiverem previstos no mesmo tipo penal. Ex.: furto simples e furto qualificado; Roubo simples e roubo majorado. c) Tempo: A lei exige condições de tempo semelhantes, o que deve ser lido no sentido de não se admitir um intervalo de tempo excessivo entre um crime e outro (MASSON, 2019). Apesar de o legislador ter sido omisso sobre qual seria o lapso temporal, a jurispru- dência dos tribunais superiores fixou um critério objetivo: não pode haver intervalo superior a 30 dias entre um crime e outro. d) Espaço: Assim como fez quanto ao tempo, o legislador também não esclareceu o que seria o espaço. Assim, a jurisprudência fixou o entendimento de que para o reconhecimento da continuidade delitiva, os crimes devem ter sido praticados na mesma cidade ou, no máximo, em cidades limítrofes (MASSON, 2019). e) Maneira de execução A semelhança na maneira de execução tem relação direta com o modus operandi, ou seja, a forma de agir do criminoso (CUNHA, 2020). Assim, exige-se que os crimes te- nham sido praticados de forma semelhante. 59UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena Masson (2019) leciona que o agente deve seguir um padrão, por isso, caso tenha praticado o crime de um modo totalmente distinto ou com comparsas diferentes, não será possível o reconhecimento da continuidade delitiva. 3.3.2 Forma de aplicação da pena Como regra, no crime continuado adota-se o critério de exasperação. Aplica-se a pena de qualquer dos crimes, se iguais, ou a do crime mais grave, se diferentes, sempre aumentando de 1/6 a 2/3. Existe, porém, uma regra diferenciada, que a doutrina chama de crime continuado específico, assim tratada pelo código penal (BRASIL, 1940): Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a cul- pabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código. O crime continuado específico é aplicado aos crimes dolosos cometidos com vio- lência ou grave ameaça contra a pessoa em face de vítimas distintas. Nessa situação, será aplicada a pena mais grave, aumentando até o triplo. 60UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 4. AÇÃO PENAL Toda vez que um crime é praticado, automaticamente surge ao Estado o direito de punir. A ação penal é o meio pelo qual o Estado aplica o direito penal em face do indivíduo autor do crime. Em que pese estar mais intimamente ligado ao processo penal, o tema das ações penais também é tratado pelo código penal. Nosso ordenamento possui duas grandes espécies de ação penal: a pública e a pri- vada. Essa classificação se dá de acordo com a opção legislativa de transferir a titularidade da ação penal ao particular ou não. Vejamos. 4.1 Ação Penal Pública A ação penal pública destina-se a apurar as infrações penais que o Estado, titular do direito de punir, reivindicou para ele também o exercício da ação penal. De acordo com a Constituição Federal, é função institucional do Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da Lei (MASSON, 2019, p. 732). Existem duas modalidades de ação penal de natureza pública. Vamos analisar cada uma delas. 61UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 4.1.1 Ação penal pública incondicionada É a regra geral do nosso ordenamento, sendo certo que toda vez que a lei não dispuser de modo contrário, a ação penal será pública. Esse é, aliás, o exato teor do artigo 100 do Código Penal. “Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido” (BRASIL, 1940). Desta forma, a maioria dos crimes, em especial os mais graves, são de ação penal pública. Exemplos: homicídio, furto, roubo, receptação etc. Uma vez praticado um crime de ação penal pública, ao fim da investigação, que se realiza por meio de um inquérito policial (que será estudado em momento oportuno), incumbe ao Ministério Público verificar se é ou não o caso de dar início à ação penal e, em caso positivo, o órgão ministerial não fica vinculado a ninguém para fazê-lo, podendo ingressar com a ação penal ainda que a vítima seja contrária a esta atitude. 4.1.2 Ação penal pública condicionada Na ação penal pública condicionada, como o próprio nome já esclarece, a atuação do Ministério Público fica condicionada e dependente da manifestação de vontade da víti- ma, chamada representação. Nesses casos, embora o Estado continue sendo o titular do direito de punir e o Ministério Público seja o titular exclusivo da ação penal, o legislador optou por vincular essa titularidade à autorização da vítima. A representação é, então, uma condição de procedibilidade: sem ela, o órgão minis-terial não pode ingressar com a ação penal. Em todos os casos em que o legislador optou pela ação penal pública condicionada, o texto do código penal apresenta expressamente a frase “somente se procede mediante representação”, como ocorre com os crimes de ameaça e crimes contra a honra, por exemplo. Mas embora a lei vincule o exercício da ação penal à autorização do ofendido, há um prazo determinado para que a vítima o faça: seis meses a partir do conhecimento da autoria. Passando-se prazo superior a seis meses sem que a vítima ou seu representante legal tenham representado contra o agressor, ocorrerá a decadência desse direito, gerando a extinção da punibilidade e consequente arquivamento definitivo da investigação. 62UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 4.2 Ação Penal Privada Fala-se em ação penal privada quando o legislador transfere ao particular a titulari- dade do exercício da ação penal. Nesse caso, cabe ao ofendido ou quem tenha qualidade para representá-lo, dar início à ação penal, sempre por meio de advogado. Essa opção do legislador, de transferir a decisão sobre dar início ou não à ação penal ao ofendido, se fundamenta no fato de que diversos crimes afetam de modo tão particular e efetivo a vítima que ninguém melhor do que ela mesma para decidir se tem ou não interesse em processar o agressor. Podemos citar como exemplo o crime de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal. Imagine que o agente tenha chamado a vítima de corrupto e ladrão, o que, em tese, configuraria tal crime. Quem melhor do que o ofendido para decidir se isso deve ou não ser levado ao Judiciário? 4.2.1 Espécies de ação penal privada ● Propriamente dita: quando a infração penal atinge diretamente os interesses da vítima, dependendo dela o início da ação penal por meio de queixa-crime. Nessa hipótese, caso a vítima tenha menos de 18 anos, tenha morrido ou tenha sido declarada ausente, abre-se a possibilidade de a ação penal ser intentada pelo cônjuge, ascendente, descen- dente ou irmão. Ex.: Crime de Dano – art. 163 CP. ● Personalíssima: nesse caso,a titularidade compete única e exclusivamente ao ofendido, não sendo possível nem mesmo que o representante legal proponha a ação. Ex.: induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento para casamento - art. 236, parágrafo único do CP. ● Subsidiária da pública: 100, § 3º, CP. Trata-se de uma exceção. Uma ação penal privada proposta para apuração de um crime de ação penal pública. Ocorre nos casos em que há inércia por parte do membro do Ministério Público. 4.2.2 Prazo Conforme determina o artigo 103 do Código Penal, a partir do dia em que o ofendido tem ciência de quem é o autor do crime, contará com o prazo de seis meses para dar início à ação penal, sob pena de decadência e consequente extinção da punibilidade (BRASIL, 1940). 63UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 5. TEORIA DA PENA: APLICAÇÃO A aplicação da pena ou dosimetria da pena é o cálculo realizado pelo juiz sen- tenciante por meio do qual, consideradas todas as circunstâncias e elementos do crime, chega-se à quantidade de pena a ser cumprida pelo condenado. Sistema de Aplicação da Pena Nosso legislador optou pela utilização do sistema trifásico, conforme se vê da redação do artigo 68 do código penal. “Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código em seguida serão consideradas as circunstâncias ate- nuantes e agravantes por último, as causas de diminuição e de aumento” (BRASIL, 1940). O sistema trifásico tem o objetivo de viabilizar o exercício do direito de defesa, pois o Juiz deve explicar e fundamentar, em cada uma das fases, os parâmetros utilizados. 1ª Fase: Circunstâncias judiciais do artigo 59 do código penal. 2ª Fase: Agravantes e atenuantes (artigos 61 e 65 do código penal) 3ª Fase: Causas de aumento e diminuição de pena (espalhadas pelo Código). 5.1 1ª Fase – Circunstâncias Judiciais Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conse- quências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (BRASIL, 1940). 64UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena A primeira fase da aplicação da pena tem por objetivo a fixação da pena base. O juiz parte da pena abstratamente aplicada ao delito apurado (ex.: furto simples – reclusão de 1 a 4 anos) e a partir dela, analisa os requisitos do artigo 59, decidindo se a pena base ficará no mínimo legal ou se há necessidade de aumentá-la. Para tanto, o artigo 59 elenca 8 circunstâncias a serem analisadas pelo juiz: culpa- bilidade; antecedentes; personalidade do agente; conduta social; motivos; circunstâncias e consequências do crime; e comportamento da vítima. 5.2 2ª Fase – Agravantes e Atenuantes Ao fim da primeira fase o juiz já possui uma pena base. A segunda fase tem por objetivo verificar se existem circunstâncias agravantes ou atenuantes a incidir sobre a pena base. As circunstâncias agravantes estão previstas nos artigos 61 e 62 do Código Penal e as circunstâncias atenuantes estão previstas nos artigos 65 e 66 do Código Penal. 5.3 3º Fase – Causas de Aumento e Diminuição de Pena Nessa fase o juiz verificará a existência de causas de aumento ou diminuição de pena. Essa é a única fase que permite que a pena seja aplicada abaixo do mínimo ou acima do máximo legal. Vejamos exemplos de causas de aumento e de diminuição da pena: O § 3º do artigo 133 do código penal apresenta causas de aumento de pena, enquanto o parágrafo único do artigo 14 do código penal apresenta uma causa de diminuição. § 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço: I - se o abandono ocorre em lugar ermo; II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou cura- dor da vítima. III - se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos. (BRASIL, 1940) “Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços” (BRASIL, 1940). Para facilitar a compreensão, uma imagem retirada da obra de Guilherme Nucci. 65UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena FIGURA 1 - RESUMO DO SISTEMA TRIFÁSICO Fonte: Nucci (2019b, p. 199) 66UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 6. SUBSTITUTIVOS PENAIS 6.1 Penas Restritivas de Direitos As penas restritivas de direito são espécies das chamadas penas alternativas, pois evitam a colocação do condenado em regime de prisão. Essas penas consistem na imposição de restrições ou obrigações ao condenado. 6.1.1 Espécies de penas restritivas de direito O código penal apresenta um rol, uma relação de penas restritivas de direito que podem ser aplicadas pelo juiz. É importante lembrar que esse rol é taxativo, ou seja, o juiz não pode criar outras espécies de pena restritiva de direitos. a) Prestação pecuniária É a determinação de que o condenado efetue pagamento em dinheiro à vítima, seus dependentes ou a alguma entidade pública ou privada com destinação social. Precisamos ter o cuidado de não confundir a prestação pecuniária com a pena de multa. Elas possuem destinações diferentes. Enquanto a prestação pecuniária se destina à vítima, seus dependentes ou entida- de com destinação social, a pena de multa destina-se ao fundo penitenciário. 67UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena b) Perda de bens ou valores O juiz pode declarar o perdimento, em favor do fundo penitenciário, de bens ou valores de propriedade do condenado, sempre levando em conta o prejuízo causado e/ou os proventos obtidos em consequência do crime. c) Prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas Consiste na realização de tarefas gratuitas (não remuneradas) em estabelecimen- tos assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos etc. É importante que o juiz leve em conta as aptidões do condenado. d) Interdição temporária de direitos É a proibição do exercício de algumas atividades ou direitos pelo prazo da pena. Exemplo: proibição de cargo, função pública ou mandato eletivo; proibição de exercício de profissão; suspensão da autorização para dirigir. e) Limitação de fim de semana Obrigação de o condenado permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa do albergado ou outro estabelecimento adequado. O estabelecimento encaminhará, mensalmente, relatório de cumprimento ao juízo. 6.1.2 Características das penas restritivas a) Autonomia: são penas próprias e não podem ser cumuladas com penas priva- tivas de liberdade. b) Substitutividade: são penas que servem para substituir as penas privativas de liberdade (por isso chamadas de substitutivos penais). Como elas não estão previstas na parte especial do código penal, o juiz deve primeiro aplicar a pena privativa de liberdade e depois substituí-la por restritivas de direito. c) Precariedade: como essas penas substituem as privativas de liberdade, em caso de transgressões da lei, elas podem ser revogadas, retornando à pena privativa. 6.1.3 Requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito a) Em crimes dolosos, que a pena efetivamente aplicada não supere os quatro anos e que no crime não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça à pessoa: b) Em crimes culposos, independentemente da pena aplicada. c) Que não seja reincidente em crime doloso. d) Que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do conde- nado, os motivos e as circunstâncias do crime indiquem que essa substituição seja suficiente. 68UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 6.1.4 Regras para a substituição: 44, § 2º CP Se a pena fixada for igual ou inferior a um ano o juiz pode substituir por multa ou por uma restritiva de direitos. Caso a pena fixada seja superior a um ano, o juiz poderá aplicar duas restritivas de direito ou multa cumulada com uma pena restritiva. 6.1.5 Reconversão em pena privativa de liberdade O juiz determinará arevogação da pena restritiva, transformando-a novamente em privativa de liberdade se: a) houver descumprimento injustificado da medida imposta. Ex.: não prestar os serviços comunitários. b) o condenado cometer falta grave: Ex.: agredir agentes carcerários. c) for condenado a pena privativa de liberdade por outro crime. 6.2 Pena de Multa É a modalidade de sanção penal de caráter patrimonial consistente na entrega de dinheiro ao fundo penitenciário. 6.2.1 Fixação da multa O legislador brasileiro optou por adotar o critério dia-multa para contagem da pena de multa. Nesse sentido, o artigo 49 do código penal dispõe que a pena de multa deverá ser de, no mínimo, 10 a, no máximo, 360 dias multa. A aplicação da pena de multa pelo juiz segue três etapas: 1) Identificação do número de dias multa. O juiz, de acordo com a capacidade financeira do réu, definirá o número de dias multa. 2) Fixação do valor do dia-multa. Atualmente, o critério mais utilizado é a divisão do valor do salário mínimo vigente por 30, fixando, então, o dia-multa em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo. 3) Multiplicação do número de dias-multa pelo valor do dia-multa. Observação importante: nos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher é expressamente vedada a aplicação exclusiva da pena de multa (Art. 17 da Lei 11.340/06). 69UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 7. PUNIBILIDADE E CAUSAS DE EXTINÇÃO Punibilidade é o direito que o Estado tem de aplicar a pena ao caso concreto, sem- pre que praticada uma infração penal. Ocorre que esse direito do Estado não é absoluto, existindo diversas causas que levam à sua extinção. Conforme leciona Guilherme Nucci (2019a), a extinção da punibilidade é o de- saparecimento da pretensão punitiva ou executória do Estado, em razão de específicos obstáculos previstos em lei, por razões de política criminal. A extinção da punibilidade pode ocorrer em dois momentos: a) Antes do trânsito em julgado condenação, eliminando a pretensão punitiva, ou seja, impede a prolação da sentença, afasta os efeitos da sentença proferida e não transi- tada em julgado e mantém o réu como primário. b) Depois do trânsito em julgado condenação, eliminando a pretensão executória e afastando a obrigatoriedade do cumprimento da pena aplicada. Nesta situação o réu será reincidente. 7.1 Causas Extintivas da Punibilidade: Artigo 107 do Código Penal O artigo 107 do código penal apresenta um importante rol de causas extintivas da punibilidade. 70UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena Art. 107 - Extingue-se a punibilidade I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; VII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) VIII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei (BRASIL, 1940). Esse rol trazido pelo artigo não é taxativo, havendo outras hipóteses de extinção da punibilidade espalhadas no ordenamento jurídico, como, por exemplo, o cumprimento da transação penal ou da suspensão condicional do processo, previstos respectivamente nos artigos 76 e 89 da Lei 9.099/95. A extinção da punibilidade deve ser reconhecida de ofício pelo Juiz (independente- mente de manifestação das partes), mas caso isso não aconteça, as partes podem/devem formular o pedido no processo. Vejamos as causas de extinção da punibilidade elencadas pelo artigo 107 do código penal. 7.1.1 Morte do agente Essa hipótese é baseada na regra do artigo 5º, XLV da CF/88, de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado. Com a morte do agente, ninguém mais poderá sofrer as consequências penais do crime, atingindo todos os tipos de pena e os efeitos penais da sentença. Entretanto, a morte do agente não impede a obrigação de reparar o dano nos limites da herança e o perdimento de bens. 7.1.2 Anistia, graça e indulto Anistia, graça e indulto são formas de renúncia do Estado ao direito de punir. Im- portante lembrar que não são oriundas do Poder Judiciário, sendo concedidas pelo Poder Legislativo ou Executivo. A anistia é a clemência estatal concedida por lei ordinária, editada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo poder Executivo (Presidente da república). Nucci (2019a) leciona que a anistia é a declaração pelo Poder Público de que determinados fatos se tornam impuníveis por motivo de utilidade social. 71UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena Um ótimo exemplo de anistia está na Lei 6.683/79, que anistiou todos os crimes políticos que foram praticados no período compreendido entre 02/09/1961 e 15/08/1979 em razão de atos institucionais. É importante ressaltar que a anistia se refere a fatos e não a pessoas específicas, extinguindo todos os efeitos penais. Uma vez concedida a anistia, ela não poderá ser re- vogada, mesmo que por nova lei, pois levaria a inaceitável prejuízo (novatio legis in pejus). A graça é a clemência destinada a uma pessoa determinada, concedido pelo presidente da república a alguma pessoa específica, de modo discricionário e não su- jeito a recurso. A graça pode ser total ou parcial (um crime ou todos) e somente se aplica após o trânsito em julgado da sentença condenatória. O indulto, por sua vez, consiste na clemência destinada a um grupo de senten- ciados, considerando a duração das penas aplicadas, veiculado por decreto presidencial e somente aplicável após o trânsito em julgado da sentença condenatória. CUIDADO! Crimes hediondos (Lei 8.072/90) e equiparados (tráfico, tortura e terro- rismo) não admitem graça e anistia (art. 5º, XLIII, da CF/88). 7.1.3 Abolitio criminis É a lei nova que deixa de considerar determinada conduta como crime. “Art. 2º do CP – Ninguém pode ser punido por fato que a lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória” (BRASIL, 1940). Ocorre quando o Estado, por motivos de política criminal, decide revogar algum crime, extirpando-o do ordenamento jurídico. Exemplo: Artigo 240 do CP – Previa o crime de adultério. Foi revogado pela Lei 11.106/2005 7.1.4 Prescrição, decadência ou perempção Decadência é a perda do direito de promover a ação penal privada, bem como de manifestar a vontade de ver o autor do crime de ação penal pública condicionada ser processado, em razão da inércia do seu titular. “Art. 103 – Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime[...]” (BRASIL, 1940). 72UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena Perempção é uma sanção processual aplicável à ação penal privada, quando o querelante for inerte ou negligente, que implica na extinção da punibilidade. Está prevista no artigo 60 do código de processo penal, nos seguintes termos: Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar- -se-á perempta a ação penal: I - quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos; II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36; III - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais; IV - quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor (BRASIL, 1941). Prescrição é a perda do direito-poder-dever de punir pelo Estado em face do não exercícioda pretensão punitiva (interesse em aplicar a pena) ou da pretensão executória (interesse de executá-la) durante certo tempo. Greco (2020) conceitua como instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter tido capacidade de fazer valer o seu direito de punir em determinado espaço de tempo previsto pela lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade. A prescritibilidade é regra constitucional do direito penal, mas a própria Constituição Federal dispõe sobre algumas hipóteses de crimes que não prescrevem. São elas: - Crime de racismo (art. 5º, inciso XLII, da CF/88). - Ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, inciso XLIV, da CF/88). ATENÇÃO: em julho de 2019, o STF, ao julgar a ADO 26 (ação direta de inconsti- tucionalidade por omissão), enquadrou o crime de homofobia e transfobia no tipo penal do crime de racismo. Com isso, a homofobia e a transfobia também são consideradas crimes imprescritíveis. Espécies de prescrição: ● Prescrição da pretensão punitiva: acontece antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O estado perde o direito de aplicar a pena ao caso concreto. ● Prescrição da pretensão executória: acontece após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O estado perde o direito de executar a pena que foi aplicada na sentença. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm#art36 73UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena 7.1.5 Renúncia ao direito de queixa ou perdão aceito em ação penal privada Ambos os institutos são aplicáveis apenas às ações penais privadas, que, como já vimos em momento anterior, são aquelas em que o Estado transferiu a titularidade ao ofendido ou seu representante legal, cabendo a eles decidir sobre a conveniência ou não de ingressar com o processo criminal contra o agressor. A renúncia é a desistência do direito de propor a ação penal privada, logo, ocorre an- tes de seu início. Já o perdão é a desistência de prosseguir na ação penal privada já proposta. Além da diferença em relação ao momento em que se dá cada um dos institutos, existe um detalhe muito relevante que incide sobre o perdão: necessidade de aceite por parte do querelado (acusado). Caso o acusado não aceite o perdão, o processo seguirá normalmente. 7.1.6 Retratação do agente, quando a lei permitir A retratação é a possibilidade de o agente “voltar atrás”, desfazendo/desdizendo o que havia feito/dito. Normalmente se aplica em situações em que uma pessoa faz uma falsa afirmação e, posteriormente, reconhece seu erro, retirando o que havia dito. São duas situações previstas no ordenamento brasileiro e que admitem a retratação: ● Art. 143 do CP – Atinge os crimes de calúnia e difamação. ● Art. 342, § 2º do CP – Falso testemunho e falsa perícia. 7.1.7 Perdão judicial, quando previsto em lei O perdão judicial é um instituto que permite que o juiz deixe de aplicar a pena à pessoa que praticou um fato típico, ilícito e culpável, a depender das circunstâncias do caso concreto. Para que se aplique, é necessária a expressa autorização legal, não sendo um ato discricionário do julgador. Um dos exemplos mais clássicos de perdão judicial é o contido no § 5º do artigo 121 do Código Penal, que dispõe que nas hipóteses de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. Um exemplo: agente que fica paraplégico em razão de acidente que causou. 74UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena SAIBA MAIS Muitas vezes uma mesma situação pode figurar como agravante genérica do artigo 61 do código penal e como qualificadora do crime, na parte especial. Um exemplo muito claro disso é a agravante de ter o agente praticado o crime com emprego de veneno, que também é qualificadora do crime de homicídio. Nessas situações, o juiz não consi- derará a agravante, mas somente a qualificadora. Isso ocorre para evitar o chamado bis in idem, que seria uma situação em que o agente é duplamente punido pelo mesmo fato. O bis in idem é vedado no nosso ordenamento penal. Fonte: o autor. REFLITA A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualda- de natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Fonte: Barbosa (1999, p. 26). 75UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena CONSIDERAÇÕES FINAIS Finalizamos aqui o estudo da parte geral do direito penal, que talvez seja a mais importante dentro da disciplina pois será utilizada ao longo de todo o estudo das demais unidades de direito penal e processual penal. Nesta segunda unidade estudamos os elementos referentes à pena e sua aplicação, começando pelas etapas da realização do crime (iter criminis). Em seguida aprendemos so-bre o concurso de pessoas e o concurso de crimes, que são, respectivamente, as situações em que várias pessoas praticam um crime em conjunto e a que um mesmo agente pratica vários crimes, recebendo a pena em relação a todos eles. Aprendemos que a ação penal é o instrumento utilizado pelo poder estatal para aplicar a pena ao caso concreto e vimos suas espécies e subespécies, descobrindo que o titular da ação penal pode ser o Ministério Público ou mesmo o ofendido, a depender do crime apurado. Vimos que a pena é aplicada em três fases distintas, devendo o juiz fixá-la de acordo com cada uma das fases até chegar à quantidade de pena a ser aplicada no caso concreto. Por fim, aprendemos que o direito de punir do Estado não é eterno, existindo inú- meras situações em que este direito se perde. São as causas extintivas da punibilidade. Na próxima unidade começaremos o estudo dos crimes em espécie, tanto da parte especial do código penal, quanto de leis especiais. Até logo! 76UNIDADE II Direito Penal e Teoria da Pena MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Direito Penal do Equilíbrio Autor: Rogério Greco Editora: Ímpetus Sinopse: O final do Século XX e o início do XXI evidenciaram a tendência político-criminal de um Direito Penal Máximo, priorizando a sua utilização na defesa dos bens jurídicos, independentemente de seu valor. “Direito Penal do Equilíbrio - Uma visão minimalista do Direito Penal”, chega a sua 11ª edição, revista e atualizada pelo autor Rogério Greco, referência em Direito Penal no país. A obra demonstra que os movimentos radicais (Direito Penal Má- ximo e Abolicionismo) não são capazes de resolver o problema da criminalidade. A sabedoria, como diz o ditado popular, está no equilíbrio. O Direito Penal vem, ao longo dos anos, perdendo o seu foco. O Estado Social foi sendo substituído pelo Estado Penal. A mídia percebeu que o crime, o criminoso e a vítima elevam os índices de audiência, pois existe uma atração mórbida do público em geral pela desgraça alheia. Assim, buscando trazer ao conhecimento do leitor as ferramentas indispensáveis a uma melhor compreensão do tema, além das discussões pertinentes a cada um dos movimentos acima men- cionados, são analisados os princípios penais fundamentais e as teorias criminológicas mais importantes, culminando por concluir sobre a necessidade de adoção de posturas minimalistas que, além de garantirem a liberdade dos cidadãos, sejam capazes de proteger os bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade. O trabalho tem como meta não somente auxiliar a formação aca- dêmica e profissional de todos aqueles que lidam com o Direito Penal, como também estimular a adoção de posturas político-cri- minais que não sejam ofensivas à dignidade do ser humano. FILME/VÍDEO Título: Um sonho de Liberdade Ano: 1995 Sinopse: Em 1946, Andy Dufresne (Tim Robbins), um jovem e bem sucedido banqueiro, tem a sua vida radicalmente modificada ao ser condenado por um crime que nunca cometeu, o homicídio de sua esposa e do amante dela.Ele é mandado para uma prisão que é o pesadelo de qualquer detento, a Penitenciária Estadual de Shawshank, no Maine. Lá ele irá cumprir a pena perpétua. Andy logo será apresentado a Warden Norton (Bob Gunton), o corrupto e cruel agente penitenciário, que usa a Bíblia como arma de controle e ao Capitão Byron Hadley (Clancy Brown) que trata os internos como animais. Andy faz amizade com Ellis Boyd Redding (Morgan Freeman), um prisioneiro que cumpre pena há 20 anos e controla o mercado negro da instituição. 77 Plano de Estudo: ● Crimes contra a pessoa; ● Crimes contra o patrimônio; ● Crimes contra a Administração Pública; ● Lei de Armas; ● Lei de drogas; ● Violência doméstica; ● Crimes de trânsito. Objetivos da Aprendizagem ● Conhecer os principais crimes do código penal; ● Conhecer os principais crimes do Estatuto do Desarmamento; ● Conhecer os principais crimes da Lei de Drogas; ● Conhecer o único crime previsto na Lei de Violência Doméstica; ● Conhecer os principais crimes do Código de Trânsito Brasileiro. UNIDADE III Crimes em Destaque Professor Esp. Carlos Eduardo Pires Gonçalves 78UNIDADE III Crimes em Destaque INTRODUÇÃO Nas unidades anteriores estudamos e aprendemos toda a base do direito penal, contemplada na parte geral do código penal. Após estudarmos os princípios, a teoria do crime e a teoria da pena, chegou a hora de conhecermos os principais crimes do código penal e da legislação penal especial. Começaremos nosso estudo pelos principais crimes do código penal, dando ênfase aos crimes contra a vida, pois tutelam o mais caro dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal. Na sequência veremos os crimes contra o patrimônio mais comuns e, finalizando a parte referente ao código penal, veremos alguns dos crimes contra a administração pública, em especial os de corrupção. Quando o tema chega à legislação penal especial, não há como deixar de analisar os principais crimes contidos na lei de armas, drogas e trânsito, pois são aqueles que cotidianamente chegam às delegacias de polícia e fóruns. Por fim, veremos o único crime previsto na lei de violência doméstica e familiar con- tra a mulher, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, passando pelo aspecto histórico e analisando o tipo penal. Desejo bons estudos. 79UNIDADE III Crimes em Destaque 1. CRIMES CONTRA A PESSOA 1.1 Homicídio – Art 121 do Código Penal A vida é o bem jurídico mais valioso do ser humano, e possui proteção constitucio- nal, no caput do artigo 5º da CF/88. Embora tenha proteção constitucional, não se pode afirmar que o direito à vida seja absoluto, existindo exceções como a pena de morte (art. 5º, inciso XLVII da CF/88), a legítima defesa (art. 25 do CP) e as hipóteses de aborto permitido (art. 128 do CP) O termo homicídio vem do latim homicidium, que significa matar o homem. a) Bem jurídico tutelado: Vida humana extrauterina. Antes do nascimento, a eliminação da vida constitui o crime de aborto (GONÇALVES, 2019). b) Tipo objetivo: ► homicídio simples: caput “Art. 121 - Matar alguém. Pena: Reclusão de 6 a 20 anos” (BRASIL, 1940). Matar significa tirar a vida, ceifar a vida ou provocar a morte de alguém, que, por sua vez, diz respeito ao ser humano vivo. Em síntese, o crime de homicídio consiste em praticar uma ação que cause o resultado morte de um ser humano. 80UNIDADE III Crimes em Destaque O crime de homicídio é doloso, ou seja, é praticado por um agente com vontade livre e consciente de matar, mas é importante saber que também existe uma modalidade culposa, que será analisada à frente. Em regra, o homicídio simples não é considerado crime hediondo. Só será hediondo se for praticado em atividade típica de grupo de extermínio (art. 1º, inciso I, da Lei 8.072/90), como, por exemplo, na situação em que o agente ou agentes matam vários moradores de rua com o objetivo de valorizar uma determinada área urbana. ► homicídio privilegiado: “§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço” (BRASIL, 1940). Trata-se de uma causa de diminuição de pena. Embora a lei diga que o juiz pode reduzir a pena, na verdade se os jurados reconhecerem o privilégio, o juiz deve diminuir a pena, tratando-se de direito subjetivo do acusado. Motivo de relevante valor social diz respeito a algum eventual benefício da coleti- vidade. Por exemplo, uma pessoa, acreditando que a vítima é um traidor da pátria, o mata em benefício do país ou pessoa que mata um famoso criminoso. Já o motivo de relevante valor moral diz respeito aos sentimentos pessoais, nobres ou altruístas, como a piedade e compaixão. O melhor exemplo para essa hipótese talvez seja a eutanásia. Ex.: uma enfermeira resolve desligar os aparelhos de uma pessoa que está sofrendo muito em estado vegetativo e degenerativo. A lei diz ainda que o agente deve estar sob domínio de violenta emoção, em seguida a injusta provocação da vítima. Por emoção temos o estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento (HUNGRIA, 1953). É uma forte, porém, transitória perturbação. Para caracterizar a violenta emoção, terminologia apresentada pela lei, esta deve ser intensa, capaz de alterar o ânimo do agente e tirar-lhe a razão. Exige-se ainda, para caracterização do privilégio, que haja uma injusta provocação da vítima, ou seja, um comportamento da vítima que seja apto a desencadear essa violenta emoção e leve à prática do crime. Exemplos normalmente citados pela doutrina são brinca- deiras de mal gosto, adultério etc. Por fim, é importante que a reação seja imediata à injusta provocação, pois a pre- meditação é incompatível com esta hipótese de privilégio. 81UNIDADE III Crimes em Destaque ► homicídio qualificado: § 2º São formas mais graves do delito de homicídio. Por serem as hipóteses mais gra- ves, todas as formas de homicídio qualificado são consideradas como crime hediondo (art. 1º, inciso I, parte final, da Lei 8.072/90). A pena para o homicídio qualificado é significativamente maior do que a do homicí- dio simples: reclusão de 12 a 30 anos. Vejamos as qualificadoras na ordem em que aparecem no código penal. Qualificadoras: I – se o homicídio é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, ou outro motivo torpe. O homicídio por paga ou promessa de recompensa é também conhecido como homicídio mercenário e ocorre na hipótese em que alguém contrata uma pessoa para executar a vítima mediante pagamento em dinheiro ou qualquer vantagem econômica. Falamos em paga quando a contraprestação é realizada antes do homicídio, ou seja, quando o agente recebe para matar. Já a promessa de recompensa consiste no pagamento futuro. Motivo torpe é o motivo vil, repugnante, moralmente reprovável, como, por exemplo, matar um parente para receber herança (MASSON, 2019). II – Se o homicídio é cometido por motivo fútil. Fútil é o motivo insignificante, pequeno, de pouca importância. Aquele em que existe uma evidente desproporção entre o motivo e o crime praticado. Exemplo: matar um fiscal de trânsito porque lhe multou ou matar alguém por uma dívida de 5 reais. III - Se o homicídio é cometido com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou que possa resultar perigo comum. Veneno é a substância de origem química ou biológica capaz de provocar a morte se introduzida no organismo humano. Fogo é o resultado de combus- tão de produto inflamável. Explosivo é o produto com capacidade de destruir objetos em geral mediante detonação. Asfixia significa supressão da função respiratória, que pode ser mecânica (ex.: enforcamento ou esganadura) ou tóxica (emprego de gás asfixiante). 82UNIDADE III Crimes em Destaque Por tortura tem-se o ato que cause dores ou sofrimentos agudos físicosou mentais na vítima. A lei se refere ainda a outro meio insidioso ou cruel. Meio insidioso consiste no emprego de fraude, uma estratégia. Ex.: retirar o óleo do freio do carro causando um acidente. Já o meio cruel é aquele que causa sofrimento intenso na vítima. Ex.: matar alguém lentamente com muitos golpes de faca em regiões não vitais, para causar o sofrimento. Por fim, qualifica o homicídio o emprego de meio que possa resultar perigo comum, que é aquele que põe em risco, além da vítima, um número indetermi- nado de pessoas. Ex.: causar uma enchente; disparar muitos tiros em meio a uma multidão. IV - Se o homicídio é cometido à traição, de emboscada, ou mediante dis- simulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima. Traição significa enganar. O agente se vale da confiança depositada pela vítima para matar quando esta está desprevenida. A traição pode ser física (ex.: atirar pelas costas) ou moral (ex.: atrair a vítima para a morte). Emboscada é a situação de tocaia, em que o agente aguarda escondido em um determinado local por onde a vítima vai passar. A dissimulação é a ação que oculta a verdadeira intenção. Ex.: criminoso que se veste de policial e simula uma blitz para matar a vítima. O recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima é uma fórmula genérica empregada pelo legislador. Dificultar é diminuir as chances de defesa (ex.: surpresa), e tornar impossível é eliminar completamente as possibilidades de defesa (matar alguém enquanto dorme). V - Se o homicídio é cometido para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Para que essa qualificadora se caracterize, exige-se a existência de outro delito. Assegurar a execução é a situação em que o homicídio é cometido para permitir a prática de outro crime. Exemplo: matar o segurança de um empresário para poder sequestrá-lo. Ocultação se refere à prática do homicídio para esconder um crime anterior. Exemplo: matar a testemunha presencial do crime anterior. 83UNIDADE III Crimes em Destaque Impunidade é evitar que o agente seja punido. Exemplo: o estuprador que mata a pessoa depois de tê-la estuprado para evitar a denúncia/reconhecimento. E, por fim, a vantagem significa garantir o lucro obtido com o crime anterior. Exemplo: matar o coautor do roubo para ficar com o dinheiro todo para si. VI – Se o homicídio é cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Chegamos aqui a um dos pontos de maior relevância dentro do tema das qualificadoras do homicídio. A qualificadora do feminicídio foi incluído pela Lei 13.104/2015 e nos apresenta a situação em que o homicídio é praticado contra mulher por razões da condição do sexo feminino (violência de gênero). O § 2º-A do artigo 121 nos esclarece quando estaremos diante de uma situação em que há razões e condição de sexo feminino: quando há violência doméstica e familiar ou quando há menosprezo ou discriminação à condição de mulher. O inciso I (quando há violência doméstica e familiar) é complementado pelo artigo 5º da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadica- mente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indi- víduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (BRASIL, 2006a). Já o inciso II se refere ao menosprezo à condição de mulher, ou seja, significa desprezo, aversão, repulsa, repugnância. Discriminação significa tratar de for- ma diferente pelo fato de ser mulher. Exemplo: matar uma colega de faculdade porque tem notas melhores, o que não é admissível a uma mulher. Por fim, Cléber Masson (2019, p. 36) tece uma importante consideração: Nesse ponto, é importante destacar que feminicídio e femicídio não se con- fundem. Ambos caracterizam homicídio, mas, enquanto aquele se baseia em razões da condição de sexo feminino, este consiste em qualquer homicídio contra a mulher. Exemplificativamente, se uma mulher matar outra mulher no contexto de uma briga de trânsito, estará configurado o femicídio, mas não o feminicídio. 84UNIDADE III Crimes em Destaque VII – Se o homicídio é cometido contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da FA/88, integrantes do sistema prisional e da Força Nacio- nal de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro, parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição. Essa qualificadora foi incluída no Código Penal pela Lei 13.142/2015 e se refere ao homicídio praticado contra agentes das forças de segurança do Estado. Visa proteger aqueles que arriscam suas vidas em favor da coletividade. São abrangidos os membros das seguintes forças: ● Forças Armadas – Exército, Marinha ou Aeronáutica (art. 142 da CF); ● Polícia Federal (art. 144, I, da CF); ● Polícia Rodoviária Federal (art. 144, II, da CF); ● Polícia Ferroviária Federal (art. 144, III, da CF); ● Polícias Civis (art. 144, IV, da CF); ● Polícias Militares e corpos de Bombeiros Militares (art. 144, V, da CF); ● Guardas Municipais (art. 144, § 8º, da CF); ● Sistema Prisional; ● Força Nacional de Segurança Pública (Lei nº 11.473/2007). ► Homicídio culposo: O parágrafo 3º do artigo 121 do Código Penal dispõe que se o homicídio é praticado mediante imprudência, negligência ou imperícia, a pena será de detenção de 1 a 3 anos. Sobre as modalidades e culpa, remetemos o estudante ao item 5.4 da Unidade I, em que tratamos do elemento subjetivo do delito. ► Objeto material: O objeto material do crime de homicídio é a pessoa que sofre a conduta criminosa, pois o interesse protegido pela norma é a vida (NUCCI, 2020). ► Sujeitos do crime: O sujeito ativo do crime de homicídio pode ser qualquer pessoa, pois a Lei não exige nenhuma qualidade específica para que possa ser autor do crime. O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa. ► Consumação e tentativa: A consumação do homicídio se dá com a morte da vítima, que se verifica com a cessação da atividade encefálica (art. 3º, caput, da Lei 9.434/97). A tentativa é plenamente possível, ocorrendo em qualquer situação em que o agente, iniciando os atos executórios, não consiga causar a morte da vítima por circunstâncias alheias à sua vontade. 85UNIDADE III Crimes em Destaque 1.2 Induzimento, Instigação ou Auxílio a Suicídio ou a Automutilação – Art. 122 Do Código Penal O texto legal desse crime foi recentemente alterado pela Lei 13.968/19, em que se acrescentou a terminologia “automutilação” ao crime. O motivo que levou à alteração da lei foi o jogo mórbido popularmente conhecido como baleia azul, que conta com aproxi- madamente 50 níveis de dificuldade, cujo último é o suicídio, mas também envolve muitas condutas de automutilação, como extirpação de partes do corpo ou cortes na pele. Assim, para fins desse crime, devemos entender o suicídio como a destruição deli- berada da própria vida, e a automutilação como a conduta de lesiona-se ou remover parte de seu próprio corpo. a) Bem jurídico tutelado: Com a alteração trazida pela Lei 13.968/2019, o bem jurídico tutelado passou a ser duplo. Prado (2020, p. 410) bem leciona sobre o tema: “Na primeira parte, tutela-se a vida humana independente. Com a tipificação da conduta de induzir, instigar ou auxiliar a automutilação, protege-se a integridade física, especialmente no que tange à normalidade anatômicado indivíduo”. b) Tipo objetivo: O tipo penal dispõe o seguinte: “Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutila- ção ou prestar-lhe auxílio material para que o faça. Pena: Reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos” (BRASIL, 1940). Induzir significa incutir na mente alheia a ideia do suicídio ou automutilação que até então não existia. Exemplo: “A” tem problemas financeiros e “B” lhe sugere o suicídio. Instigar consiste em reforçar o propósito preexistente. Exemplo: “A” queria se matar e “B” o incentiva ainda mais. E, por fim, prestar auxílio é concorrer materialmente para a prática do suicídio ou automutilação. Exemplo: emprestar a arma de fogo para que alguém se suicide ou ajudar a fazer o nó da corda para o enforcamento. c) Objeto material: O objeto sobre o qual recai o crime é a pessoa que suporta a conduta criminosa, ou seja, aquele contra quem se dirige o induzimento, instigação ou auxílio (MASSON, 2019). d) Sujeitos do crime: O sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa, pois a Lei não exige ne- nhuma qualidade específica para que possa ser autor do crime. O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, desde que tenha discernimento mínimo para entender a situa- 86UNIDADE III Crimes em Destaque ção. Se o sujeito passivo não tiver capacidade de entendimento (ex.: uma criança de 10 anos), o crime poderá ser outro, como homicídio ou lesões corporais, por exemplo. e) Consumação e tentativa: A consumação deste crime se dá com a mera conduta de instigar, induzir ou auxiliar alguém a cometer o suicídio ou a automutilação, independentemente se o ato final ocorre ou não. Sendo um crime de mera conduta, a tentativa não é admissível. 1.3 Infanticídio – Art 123 Do Código Penal A palavra infanticídio tem como sentido etimológico a morte de um infante. a) Bem jurídico tutelado: É a vida humana extrauterina. b) Tipo objetivo: “Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, duran- te o parto ou logo após. Pena: detenção de dois a seis anos” (BRASIL, 1940). Matar tem o sentido de tirar a vida. Esse crime somente pode se caracterizar se praticado durante o estado puerperal, que é o conjunto de alterações físicas e psíquicas que ocorrem no organismo da mulher em razão do fenômeno do parto (MASSON, 2019). A lei também aponta um elemento temporal que deve ser analisado no caso con- creto, consistente na terminologia “durante o parto ou logo após”. Em resumo, o crime em análise consiste na conduta de uma mãe que, sofrendo das alterações físicas e psíquicas decorrentes do parto, mata seu filho durante o parto ou logo após a sua realização. c) Objeto material: É o nascente ou recém-nascido. d) Sujeitos do crime: Em relação aos sujeitos desse crime, é importante ressaltar que somente a mãe poderá ser sujeito ativo, pois somente ela (mãe) poderá estar sob influência do estado puerperal. Da mesma forma, o sujeito passivo só pode ser o nascente ou recém-nascido. e) Consumação e tentativa: O crime se consuma com a morte do nascente ou recém-nascido. A tentativa é possível. 87UNIDADE III Crimes em Destaque 1.4 Aborto – Art. 124, 125, 126 e 127 do Código Penal Aborto é a interrupção da gestação, da qual resulta morte do produto da concepção. A gestação se inicia com a fecundação e, assim sendo, a partir desse momento é possível a existência do crime de aborto. a) Bem jurídico tutelado: Vida humana intrauterina. b) Tipo objetivo: O crime de aborto é tratado em três artigos diferentes do código penal. Vejamos cada uma das hipóteses. ► Autoaborto – Art. 124 do CP. “Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outro lho provoque. Pena: Detenção de 1 a 3 anos” (BRASIL, 1940). Conforme se pode notar da própria leitura do artigo 124, podemos separar esse de- lito em duas partes. A primeira parte consiste na situação em que a própria gestante efetua o procedimento abortivo capaz de levar a morte do feto. Exemplo: golpes com instrumento contundente, quedas propositais, ingestão de medicamentos abortivos. A segunda parte traz o consentimento dado pela gestante para que outra pessoa lhe pratique o aborto. Exemplo: a gestante procura uma “clínica de aborto” e alguém faz o procedimento. ► Aborto provocado por terceiro – Art. 125 do CP. “Art. 125: Provocar aborto, sem o consentimento da gestante. Pena: Reclusão de 3 a 10 anos” (BRASIL, 1940). Nesse caso o aborto é provocado contra a vontade da gestante. Exemplo: namora- do coloca medicamento abortivo na comida da gestante; agressão com o objetivo de causar o aborto. Aqui, como se vê, teremos duas vítimas: o feto e a gestante. ► Aborto provocado por terceiro com consentimento da gestante. – Art. 126 do CP. “Art. 126: Provocar aborto com o consentimento da gestante. Pena: reclusão de 1 a 4 anos” (BRASIL, 1940). Essa é a situação em que o aborto é realizado por terceiro (ex.: médico), mas com o consentimento da gestante. Trata-se, em verdade, de situação complementar àquela prevista no artigo 124, em que a própria gestante consente para o aborto. O parágrafo único desse artigo dispõe que se a gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido por fraude, grave ameaça ou violência, a pena será aquela correspondente ao artigo 125, pois o consentimento é tido como inválido. 88UNIDADE III Crimes em Destaque c) Objeto material: O objeto sobre o qual recai o crime em comento é o feto. d) Sujeitos do crime: Quanto ao sujeito ativo, é necessária uma especial atenção ao delito do artigo 124, pois neste, somente a gestante poderá ser sujeito ativo. Nas demais hipóteses, qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo. O sujeito passivo será sempre o feto. e) Consumação e tentativa: A consumação se dá com a morte do feto, resultante da interrupção da gravidez dolosa, sendo a tentativa possível em todas as modalidades. 1.4.1 Aborto legal ou permitido – art 128 do código penal Apesar de o aborto ser, em regra, considerado crime, o artigo 128 apresenta duas hipóteses em que não haverá ilicitude, ou seja, não se considerará crime, a prática abortiva. Art. 128: Não se pune o aborto praticado por médico: I - Se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário). II - Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (BRASIL, 1940). 1.5 Lesões Corporais – Art 129 do Código Penal Lesão corporal é qualquer conduta humana direcionada a ofender a integridade corporal ou à saúde de outra pessoa. a) Bem jurídico tutelado: Integridade física e saúde das pessoas b) Tipo objetivo: ► Lesões corporais de natureza leve; 129, caput, do CP. “Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou saúde de outrem. Pena: Detenção, de 3 meses a 1 ano” (BRASIL, 1940). Ofender a integridade corporal é causar, mediante agressão, algum tipo de dano anatô- mico na pessoa. Ex.: escoriações, equimoses, cortes, fraturas, fissuras, hematomas, rompimento de tendões, queimaduras etc. É importante saber que a ofensa à integridade corporal, para fins de caracterização desse crime, pressupõe rompimento de vasos sanguíneos, sendo que a dor, desacompanhada de lesão, não constitui o delito. A ofensa à saúde se caracteriza por perturbações fisiológicas ou mentais. As perturba- ções fisiológicas são desarranjos no funcionamento de algum órgão ou função humana. Ex.: vômitos, paralisia momentânea. Perturbações mentais consistem na alteração prejudicial da atividade cerebral. Ex.: convulsão, choque nervoso, depressão etc. 89UNIDADE III Crimes em Destaque ► Lesões corporais graves: § 1º O crime de lesões corporais possui três gradações, de acordo com o resultado do crime. A hipótese do caput do artigo 129 constitui a lesão corporal de natureza leve. Já o § 1º elenca os resultados que transformam a lesão em grave, e o § 2º apresenta as situações que levam às lesões gravíssimas. I – Se resulta incapacidadepara as ocupações habituais por mais de 30 dias. Atividade habitual é qualquer ocupação rotineira da vítima. Ex.: trabalhar, estu- dar, alimentar-se, praticar esportes, andar etc. II – Se resulta perigo de vida. Perigo de vida é a possibilidade grave e imediata de morte. Deve ser concreto e atestado por perícia médica, que deve especificar em que consiste tal perigo. Ex.: grande perda de sangue que gerou risco de choque hemorrágico; ferimento em órgão vital; necessidade de cirurgia de emergência. III – Se resulta debilidade permanente de membro, sentido ou função. Debilidade é a redução ou enfraquecimento na capacidade de utilização de um membro, sentido ou função. Na debilidade, a capacidade funcional ainda existe, mas é reduzida. A debilidade deve ser irreversível para caracterizar este inciso. IV – Se resulta aceleração do parto. Neste caso, exige-se que a agressão provoque a antecipação de um parto, com nascimento prematuro. O feto deve ser expulso e nascer com vida, se não pode caracterizar o aborto. ► Lesões corporais gravíssimas: § 2º I – Se resulta incapacidade permanente para o trabalho. Devem ser analisados os critérios médicos condizentes com a aposentadoria por invalidez. II – Se resulta enfermidade incurável. Alteração prejudicial da saúde por processo patológico, físico ou psíquico, que não pode ser combatida com os recursos da medicina à época do crime. Deve ser provada por exame pericial. III – Se resulta perda ou inutilização de membro, sentido ou função. 90UNIDADE III Crimes em Destaque A perda pode se dar por mutilação (perda imediata e decorrente da ação) ou por amputação (decorre de intervenção cirúrgica imposta por necessidade de salvar a vítima). A inutilização é a incapacidade de utilização do membro, sentido ou função. Ex.: extirpação da mão. Gera inutilização do membro. IV – Se resulta deformidade permanente. A deformidade permanente é o dano estético considerável, permanente, em local visível e que cause impressão vexatória na vítima. V – Se resulta aborto. Essa hipótese precisa ser analisada com cuidado para não levar a interpretação equivocada.Não podemos confundir essa hipótese com o crime de aborto. No crime que estamos estudando, apesar de existir um resultado aborto, ele não é quisto pelo agente. A vontade do agente aqui é dirigida para a lesão, porém, em decorrência dessa agressão, ocorre o resultado aborto. ► Lesões Corporais seguidas de morte: § 3º Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado e nem assumiu o risco de produzi-lo. O agente tem vontade de lesionar e causa a morte culposamente. Ex.: agente desfere um soco contra a vítima e esta vem a cair e bater com a cabeça, morrendo de Traumatismo crânio-encefálico. ► Lesões Corporais Privilegiada: § 4º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de 1/6 a 1/3. c) Objeto material: O ser humano que suporta a agressão. d) Sujeitos do crime: Neste crime, tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa. e) Consumação e tentativa: A consumação se dá com a efetiva lesão à integridade corporal ou saúde da vítima, sendo a tentativa possível. 91UNIDADE III Crimes em Destaque 2. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO Cléber Masson (2019, p. 301) ensina que o fundamento dos crimes contra o pa- trimônio, no âmbito de uma visão constitucional do Direito Penal, encontra-se no art. 5º, caput, da Constituição Federal: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili- dade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Desta forma, o legislador, considerando que a propriedade está no rol dos direitos fundamentais da pessoa, incriminou as condutas a ele lesivas. 2.1 Furto – Art. 155 do Código Penal a) Bem jurídico tutelado: Tutela-se o patrimônio, que é o complexo de bens ou interesses de valor econômico de uma pessoa (MASSON, 2019). b) Tipo objetivo: “Art. 155 - Subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel. Pena: reclusão de 1 a 4 anos e multa” (BRASIL, 1940). Subtrair significa retirar algo de alguém. Essa subtração tem como objetivo ficar com a coisa para si ou para outrem, ou seja, pode ser destinada tanto ao próprio agente quanto a terceiros. 92UNIDADE III Crimes em Destaque É claro que para que haja o furto, a coisa/objeto subtraído precisa ser alheia, não pertencente àquele que pratica a subtração, pois se a coisa for do próprio agente não se trata de subtração. E, por fim, o crime de furto se refere a coisas móveis, que são bens corpóreos susce- tíveis de serem transportado de um lugar para outro. c) Objeto material: É o patrimônio. d) Sujeitos do crime: Tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa. e) Consumação e tentativa: Consuma-se o furto com a posse da res furtiva (coisa subtraída), ainda que por breve espaço de tempo e seguida de perseguição da vítima, não havendo a necessidade de posse mansa, pacífica ou desvigiada. A tentativa é possível. f) Furto praticado durante o repouso noturno: § 1º. Por entender que é um momento de menor vigilância sobre o patrimônio, o legisla- dor entendeu que a pena deve ser aumentada de um terço se o crime é praticado durante o repouso noturno, que consiste no intervalo existente entre o horário que as pessoas se recolhem e despertam. É um critério bastante variável e depende das características do local. g) Furto privilegiado: § 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1 a 2 terços ou aplicar somente a pena de multa. Primariedade significa não ser reincidente, não ter sido condenado por crime anterior. Já o pequeno valor da coisa, para a jurisprudência brasileira, é o bem que não ultrapassa o valor de um salário mínimo. h) Furto qualificado: § 4º. Assim como em outros crimes, a depender da forma ou das circunstâncias em que é praticado, o furto recebe uma pena diferenciada – reclusão de 2 a 8 anos, e multa – por se tratar de hipóteses qualificadas. A seguir listamos as qualificadoras. ► Com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa. Destruição: comportamento que faz desaparecer alguma coisa. Ex.: explodir um cofre. Rompimento: atividade consistente em deteriorar o objeto, como arrombar, cortar, serrar, furar etc. Ex.: abrir um cofre com uma serra. Obstáculo: barreira que protege o bem. 93UNIDADE III Crimes em Destaque ► Com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza. Abuso de confiança: ocorre quando a vítima deposita a confiança na pessoa e há traição. Ex.: funcionária doméstica que fica sozinha na casa da vítima e furta. Fraude: artifício. Meio enganoso empregado pelo agente para diminuir a vigilân- cia da vítima. Ex.: fingir ser funcionário de alguma empresa telefônica, TV etc. Escalada: utilização de via anormal de acesso a um recinto fechado. Destreza: habilidade especial do agente. Ex.: conseguir tirar uma carteira do bolso da vítima sem que ela perceba. ► Com emprego de chave falsa. Instrumento com ou sem forma de chave que se utiliza no lugar da verdade. Os exemplos mais comuns de chave falsa são as michas ou gazuas. ► Mediante concurso de duas ou mais pessoas. Quando o crime é praticado e concurso de agentes. Os adolescentes e elementos não identificados também entram nesta contagem de pessoas. ► Outras hipóteses qualificadoras. O código penal elenca, ainda, outras hipóteses qualificadoras. § 4º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. § 5º A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor quevenha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. § 6º A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em par- tes no local da subtração. § 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtra- ção for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isolada- mente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego (BRASIL, 1940). 2.2 Roubo – Art. 157 do Código Penal a) Bem jurídico tutelado: Tutela-se o patrimônio, que é o complexo de bens ou interesses de valor econômico de uma pessoa (MASSON, 2019). b) Tipo objetivo: Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante gra- ve ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência. Pena: reclusão de 4 a 10 anos e multa (BRASIL, 1940). O roubo, embora seja um crime parecido com o furto, possui algumas diferenças significativas.Subtrair significa retirar algo de alguém. Essa subtração tem como objetivo ficar com a coisa para si ou para outrem, ou seja, pode ser destinada tanto ao próprio agente quanto a terceiros. 94UNIDADE III Crimes em Destaque Para que se configure o crime, a coisa/objeto subtraída precisa ser alheia, não pertencente àquele que pratica a subtração. Assim como no furto, o objeto do crime de roubo são as coisas móveis, ou seja, bens corpóreos suscetíveis de serem transportados de um lugar para outro. A grande diferença entre o roubo e o furto surge no meio praticado, pois na prática do roubo, há emprego de violência, grave ameaça ou algum outro meio de impossibilite a vítima de resistir à ação. Masson (2019, p. 358) leciona que, Em verdade, o roubo é a soma dos crimes de furto e de lesão corporal leve (CP, art. 155 + art. 129, caput), quando praticado com violência à pessoa (própria ou imprópria), ou então de furto e de ameaça (CP, art. 155 + art. 147), se cometido com emprego de grave ameaça. Violência consiste na agressão física, corporal. A grave ameaça é violência moral, consistente em uma promessa de mal grave, iminente e verossímil. Quando a lei se refere à impossibilidade de resistência, está se referindo àquilo que a doutrina chama de violência imprópria, pois, embora sem emprego de força ou ameaça, o agente consegue privar a vítima do poder agir, como ocorre no clássico exemplo popularmente chamado de “boa noite, Cinderela”, em que o agente dopa a vítima e posteriormente subtrai seus bens. c) Objeto material: É o patrimônio, a coisa alheia móvel. d) Sujeitos do crime: Mais uma vez estamos diante de um crime comum, em que tanto a vítima quanto o autor podem ser qualquer pessoa. e) Consumação e tentativa: O roubo consuma-se com o efetivo apossamento da coisa, ainda que por lapso temporal exíguo, na posse tranquila do sujeito ativo, que dela pode dispor. Por ser delito de resultado, é pacífica a admissibilidade da tentativa (PRADO, 2020). f) Roubo Impróprio: § 1º. É importante saber que o § 1º do artigo 157 do Código Penal prevê uma segunda espécie de roubo, o chamado roubo impróprio. Guilherme Nucci (2020, p. 344), ao lecionar sobre o roubo, o faz da seguinte forma: O modelo abstrato de conduta do caput configura o roubo próprio, isto é, a autêntica forma de realização do roubo. O agente usa a violência ou a grave ameaça para retirar os bens da vítima. Entretanto, existe uma segunda for- ma, prevista no § 1.º, denominada de roubo impróprio, que se realiza quando o autor da subtração conseguiu a coisa sem se valer dos típicos instrumentos para dobrar a resistência da vítima, mas é levado a empregar violência ou grave ameaça após ter o bem em suas mãos, tendo por finalidade assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa definitivamente. 95UNIDADE III Crimes em Destaque Assim, pratica o roubo em sua modalidade imprópria o agente que, após subtrair a coisa, emprega a violência ou a grave ameaça com o objetivo de assegurar a impunidade do crime ou a detenção do objeto subtraído. A grande diferença entre o roubo próprio e o impróprio está na inversão das con- dutas. No próprio, a violência ocorre antes da subtração. No impróprio, a violência ocorre após a subtração. g) Roubo Majorado: § 2º. O crime de roubo possui a pena aumenta de 1/3 (um terço) se for praticado em uma das seguintes situações: ● Concurso de duas ou mais pessoas. Aumenta a pena do roubo se ele for praticado por duas ou mais pessoas, seja em situação de coautoria ou participação. A não identificação dos coautores não impede o reconhecimento da majorante. Da mesma forma, a presença de adolescentes também não obsta o reconheci- mento da majorante. ● Se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância. Visa proteger as pessoas que trabalham com transporte de valores (ex.: carro forte, transportadores de joias etc.). ● Se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. Aumenta a pena se o roubo for de veículo cujo destino seja outro estado ou o exterior. Ex.: roubo de carro para levar ao Paraguai. ● Se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. Em todo roubo, quando a vítima está sendo assaltada, está privada de liberda- de, no entanto, a causa de aumento de pena no inciso V, indica que a vítima deve ser colocada em um local em que sua liberdade é privada (ex.: levada para algum local, ficar presa no porta-malas do carro enquanto o roubo é praticado). ● Se a violência é exercida com emprego de arma branca. Armas brancas são aquelas que não empregam pólvora. Os exemplos clássicos de armas brancas são espadas, facas, adagas etc. 96UNIDADE III Crimes em Destaque h) Novas majorantes: § 2º-A e 2º-B O § 2º-A determina que a pena será aumentada em 2/3 (dois terços) se a violência ou ameaça é exercida pelo emprego de arma de fogo ou se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum (BRASIL, 1940). Já o § 2º-B dispõe que se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, aplica-se em dobro a pena prevista no caput. Essa hipótese foi acrescentada pelo chamado “pacote anticrime”, que trouxe, dentre suas disposições, um tratamento mais rígido para todos os crimes que envolvam armas de uso proibido ou restrito. i) Roubo qualificado: § 3º Se da violência empregada no crime resultar lesão corporal grave, a pena será de reclusão de 7 a 18 anos e multa (BRASIL, 1940). A lei refere-se apenas às lesões graves, mas abrange também as gravíssimas. A lesão leve fica absorvida pelo crime de roubo simples. Já se a da violência empregada resultar em morte da vítima, a pena será de reclu- são de 20 a 30 anos e multa. Estamos aqui diante da situação conhecida como Latrocínio. Latrocínio é crime contra o patrimônio qualificado pela morte. O agente quer o patrimônio e, para alcançá-lo, ele mata a vítima (a morte é o meio e o patrimônio é o fim). O latrocínio se consuma com a morte da vítima, independentemente da efetiva subtração do bem. Nesse sentido, dispõe a súmula 610 do Supremo Tribunal Federal: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não se realize o agente a subtração de bens da vítima. A consumação do latrocínio acompanha a consumação da morte”. 2.3 Extorsão – Art 158 do Código Penal a) Bem jurídico tutelado: Tutela-se, neste crime, tanto o patrimônio quanto a liberdade individual ou integri- dade física. b) Tipo objetivo: Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Pena: Reclusão, de quatro a dez anos, e multa (BRASIL, 1940). O núcleo (verbo) do tipo é constranger, que tem o significado obrigar,retirando a possibilidade de autodeterminação da vítima. 97UNIDADE III Crimes em Destaque Esse constrangimento é praticado mediante violência ou grave ameaça, que como já vimos, são, respectivamente, a violência física (agressão física) e a violência moral (pro- messa de mal grave). É importante ressaltar que nesse crime, existe um objetivo bem delimitado pelo legislador, consistente no intuito de obter indevida vantagem econômica. Este elemento se refere a vantagem de caráter econômico. Assim, o agente constrange alguém, mediante violência ou grave ameaça e com o objetivo de obter uma vantagem econômica a fazer, deixar de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa. Um dos mais clássicos e corriqueiros exemplos do crime de extorsão é o falso sequestro por telefone, em que o agente constrange a depositar determinada quantia de dinheiro sob o pretexto de que irá matar um familiar (grave ameaça). c) Objeto material: A pessoa contra quem se dirige o constrangimento. d) Sujeitos do crime: Tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa. e) Consumação e tentativa: A consumação ocorre quando a vítima faz, deixa de fazer ou tolera algo em razão da violência ou grave ameaça. Ex.: sujeito obriga a vítima a preencher e assinar um cheque. A tentativa é possível. Ex.: sujeito liga para a vítima com a ameaça e exigência e a vítima o ignora. h) Causa de aumento de pena: § 1º De acordo com o código penal, a pena prevista é aumentada de um terço até metade se é cometido por duas ou mais pessoas (concurso de agentes) ou com emprego de arma (veja que a lei não se refere a arma de fogo, podendo abranger, também, as armas brancas) (BRASIL, 1940). 2.4 Estelionato – Art. 171 do Código Penal O estelionato é, em essência, um crime que se pratica por meio de uma conduta fraudulenta, pois o agente, de alguma forma, engana a vítima para obter sua vantagem. Como bem ressalta Masson (2019), no lugar da clandestinidade, da violência física ou da ameaça, no estelionato o agente utiliza o engano para afetar o patrimônio da vítima. a) Bem jurídico tutelado: É o patrimônio da vítima. b) Tipo objetivo: Art. 171 - Obter para si ou para outrem vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Pena: Reclusão, de um a cinco anos, e multa (BRASIL, 1940) 98UNIDADE III Crimes em Destaque O verbo do tipo é obter, que no contexto do estelionato significa ter para si ou para um terceiro, uma vantagem que não lhe é de direito. É claro que tratamos aqui de uma vantagem de natureza econômica, pois o agente busca o lucro em prejuízo da vítima. Para praticar o crime, o agente pode induzir a vítima ao erro, que traz a ideia de per- suadir alguém, criando uma situação falsa, ou mesmo se aproveitar de um erro já existente, mantendo a vítima nesta situação enganosa. Os meios de execução desse crime são o artifício (fraude material), em que o agente utiliza algum instrumento ou objeto para enganar a vítima (ex.: vestir uniforme de uma oficina mecânica para que a vítima lhe entregue o carro; ardil (fraude moral), consistente em uma conversa ou história enganosa (ex.: alegar ser especialista em relógios para que a vítima lhe entregue o bem para limpeza de rotina); ou ainda qualquer outro meio fraudulento. c) Objeto material: Tutela-se o patrimônio. d) Sujeitos do crime: Tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa. e) Consumação e tentativa: A consumação ocorre com a obtenção da vantagem em prejuízo alheio. A tentativa é possível. Ex.: réu preso em flagrante após enganar a vítima, mas antes de obter a vantagem. f) Estelionato privilegiado: § 1º Se o criminoso é primário e o prejuízo é de pequeno valor, o juiz poderá diminuir a pena em um a dois terços ou aplicar somente a multa, na forma prevista pelo artigo 155, § 2º, do Código Penal. g) Figuras equiparadas: § 2º Para além das hipóteses previstas no caput do artigo, o legislador apresentou algumas figuras equiparadas, ou seja, pratica também o crime de estelionato a pessoa que: I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria; II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inaliená- vel, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas cir- cunstâncias; III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado; IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entre- gar a alguém; V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro; VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento (BRASIL, 1940). 99UNIDADE III Crimes em Destaque 3. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 3.1 Corrupção Passiva – Art. 317 do CP O termo corrupção é normalmente ligado a uma negociata, ou seja, um pacto ilícito, em prejuízo do Estado. a) Bem jurídico tutelado: Tutela-se a administração pública, em especial a probidade dos agentes públicos que são impedidos de receber vantagens indevidas. b) Tipo objetivo: Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indireta- mente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem. Pena: Detenção, de três meses a um ano, e multa (BRASIL, 1940). São três as condutas (verbos) previstas nesse tipo penal: solicitar, receber ou acei- tar promessa. Solicitar tem o significado de pedir, requerer, enquanto receber apresenta a ideia de aceitar algo que lhe foi oferecido. Aceitar promessas é consentir com o recebimento de alguma coisa no futuro. No caso do crime ora analisado, as condutas são referentes a vantagens indevidas, que, no contexto do funcionalismo público, se refere ao recebimento de qualquer coisa que não tenha expressa relação de legalidade com a função executada. Assim, comete o crime 100UNIDADE III Crimes em Destaque de corrupção passiva o policial que aceita determinada quantia em dinheiro para deixar de aplicar uma multa de trânsito, por exemplo. É importante ressaltar que o tipo penal prevê que a vantagem indevida pode ser destinada ao próprio agente ou a terceiro. Assim, também comete o crime de corrupção passiva o funcionário público que deixa de praticar algum ato de ofício pela contraprestação de receber um cargo ou emprego para seu filho, por exemplo. c) Causa de aumento de pena: § 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) se, em consequência da vantagem ou pro- messa, o agente retarda ou deixa de praticar ato de ofício, ou pratica ato infringindo o dever funcional. A lei trata, aqui, do exaurimento do crime, ou seja, o agente recebeu a vantagem ou aceitou a promessa para deixar de praticar algum ato e realmente o faz. É importante já adiantar que o simples fato de o agente aceitar a vantagem indevida, por si só, já caracteriza o crime. d) Objeto material: É a vantagem indevida (MASSON, 2020). f) Sujeitos do crime: O sujeito ativo desse crime somente pode ser o funcionário público. O sujeito pas- sivo é o Estado. g) Consumação e tentativa: Consuma-se com a prática de qualquer dos verbos do tipo (solicitar, receber, aceitar), sendo a tentativa admissível. Masson (2020, p. 627) exemplifica a tentativa: “O funcionário público remete ao particular uma carta, na qual solicita a entrega de vantagem indevida, mas a missiva é interceptada pelo Ministério Público (com ordem judicial), que investigava o comportamento suspeito do indivíduo”. 3.2 Prevaricação – Art. 319 do CP Prevaricar, nas lições de Cléber Masson (2020), é ser infiel ao dever de ofício, à profissãoexercida. a) Bem jurídico tutelado: Tutela-se a administração pública. b) Tipo objetivo: Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sen- timento pessoal. Pena: Detenção, de três meses a um ano, e multa. (BRASIL, 1940) 101UNIDADE III Crimes em Destaque O crime consiste na conduta do funcionário público que retarda (atrasa, procrastina) ou deixa de praticar (não fazer), de modo indevido, ou seja, ilegalmente, com infração de seu dever funcional, um ato de ofício, que são aquelas condutas inerentes à função pública. Da mesma forma, pratica o crime o funcionário público que pratica algum ato contra disposição expressa da lei, ou seja, contraria as determinações que constam expressamen- te de texto legal. O legislador trouxe a informação de que, para que se caracterize o delito em análise, as condutas descritas no tipo devem ser práticas com a finalidade de satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Interesse é alguma vantagem auferida pelo agente (econômica ou não), enquanto sentimento pessoal tem a ver com relação afetiva (ex.: fazer um favor, vingança). A título de exemplo, pratica o crime de prevaricação o servidor do poder judiciário que não dá o devido andamento ao processo porque possui inimizade com o advogado de uma das partes. c) Objeto material: São os atos de ofício, ou seja, aqueles praticados por funcionário público em decor- rência de sua atividade. d) Sujeitos do crime: O sujeito ativo desse crime é o funcionário público, tendo como sujeito passivo o Estado. e) Consumação e tentativa: A consumação se verifica quando o funcionário retarda, deixa de praticar ou pratica o ato contra disposição expressa de lei. Masson (2020, p. 369) ensina que a tentativa só é possível na modalidade “praticar contra disposição expressa”, pois se trata de uma conduta ativa, um fazer. 3.3 Corrupção Ativa – Art. 333 do CP a) Bem jurídico tutelado: Tutela-se a administração pública. b) Tipo objetivo: “Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Pena: Reclusão, de dois a doze anos, e multa” (BRASIL, 1940). Temos aqui o extremo oposto do crime de corrupção passiva (Art. 317 do CP). Se na corrupção passiva incrimina-se a conduta do funcionário público que recebe ou solicita a vantagem indevida, no crime de corrupção passiva enquadra-se o particular corruptor. 102UNIDADE III Crimes em Destaque O tipo penal prevê a conduta de oferecer (propor, apresentar) ou prometer (obrigar- -se a entrega ou realização futura) de uma vantagem indevida para que o agente público pratique, omita ou retarde um ato de ofício. Tem-se aqui a incriminação, a título de exemplo, do particular que, abordado por um policial rodoviário lhe oferece uma quantia em dinheiro para que não lavre a multa por excesso de velocidade. c) Causa de aumento de pena: Parágrafo único. A pena é aumentada em 1/3 (um terço) se, em consequência da vantagem ou promessa, o agente retarda ou deixa de praticar ato de ofício, ou prática ato infringindo o dever funcional. d) Objeto material: É a vantagem indevida oferecida ao agente público. e) Sujeitos do crime: Nesse crime o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, enquanto o sujeito passivo é o Estado, que se vê afetado pela conduta do particular que busca corromper o funciona- mento das instituições. f) Consumação e tentativa: Consuma-se com a prática de qualquer dos verbos do tipo (oferecer ou prometer) e a tentativa é possível, como na conduta da pessoa que coloca uma nota de 100 reais dentro de sua habilitação para entregar ao policial que, por sua vez, não a visualiza. 103UNIDADE III Crimes em Destaque 4. LEI DE ARMAS 4.1 Posse Ilegal de Arma de Fogo – Art. 12 da Lei 10.826/03 a) Bem jurídico tutelado: Incolumidade pública (preservação da segurança pública). b) Tipo objetivo: Art. 12 - Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou mu- nição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regula- mentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabe- lecimento ou empresa. Pena: Detenção, de um a três anos, e multa (BRASIL, 2003). O tipo penal incrimina as condutas de possuir (ter em seu poder, estar na posse) e manter sob sua guarda (preservar ou guardar em nome de terceiro), armas de fogo (instrumen- tos que, mediante energia proveniente de pólvora, disparam projéteis), acessórios (artefatos que quando acoplados à arma melhoram o desempenho) ou munições (projéteis acoplados a cartuchos carregados com pólvora), sem possuir a devida autorização legal para tanto. Esse crime refere-se expressamente às armas de fogo de uso permitido, conceito que se extrai da união do artigo 2º, inciso I, do decreto 9.847/198 com a portaria 1222/199. As armas de uso proibido ou restrito ficam abrangidas pelo crime disposto no artigo 16 da Lei 10.826/03, que será analisado posteriormente. 8 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9847.htm 9 Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-1.222-de-12-de-agosto-de-2019-210735786 104UNIDADE III Crimes em Destaque Entretanto, para a caracterização do delito em comento, ainda é necessário que esteja preenchido o requisito referente ao local em que se encontra essa arma. A lei informa que o crime de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido somente se caracteriza se a arma estiver no interior da residência do agente ou em seu local de trabalho, desde que ele seja o titular do estabelecimento ou da empresa. c) Objeto material: São as armas de fogo, acessórios e munições de uso permitido. d) Sujeitos do crime: O sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo é o Estado. e) Consumação e tentativa: Consuma-se o crime no exato instante em que a arma ingressa na residência ou no local de trabalho de titularidade do agente. Considerando que se trata de um crime que se consuma pelo simples ingresso da arma, a tentativa será inadmissível. 4.2 Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Permitido – Art. 14 da Lei 10.826/03 a) Bem jurídico tutelado: Incolumidade pública (preservação da segurança pública). b) Tipo objetivo: Art. 14 - Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar ama de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena: Reclusão, de dois a quatro anos, e multa (BRASIL, 2003). O tipo penal apresenta 13 verbos. Portar (trazer consigo para pronta utilização), deter (ter em sua posse sob titularida- de de terceiro); adquirir (obtenção da propriedade de algo); receber (obter, entrar na posse); ter em depósito (manter em reservatório ou armazenado); transportar (conduzir a arma de um local para outro); ceder, ainda que gratuitamente (passar a outrem a posse da arma, dar); emprestar (entregar a alguém com o objetivo de receber de volta); remeter (enviar a algum lugar desacompanhado do agente); empregar (utilizar a arma para finalidades que não sejam disparar); manter sob sua guarda (tomar conta em nome de terceiro); e ocultar (esconder, dificultar ou impedir o encontro), sem a autorização legal para tanto. O tipo penal abrange as armas de fogo (instrumentos que, mediante energia prove- niente de pólvora, disparam projéteis), acessórios (artefatos que quando acoplados à arma melhoram o desempenho) ou munições (projéteis acoplados a cartuchos carregados com pólvora), de uso permitido, conceito que se extrai da união do artigo 2º, inciso I, do decreto 9.847/1910 com a portaria 1222/1911. 10 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9847.htm11 Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-1.222-de-12-de-agosto-de-2019-210735786 105UNIDADE III Crimes em Destaque c) Objeto material: São as armas de fogo, acessórios e munições de uso permitido. d) Sujeitos do crime: O sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo é o Estado. e) Consumação e tentativa: Consuma-se o crime com a prática de qualquer dos verbos do tipo. A tentativa é possível, porém, como são treze verbos distintos, tem-se a necessidade de averiguar se a tentativa de um verbo não caracteriza a consumação de outro verbo (LIMA, 2020). A tentativa de portar uma arma de fogo pode, claramente, configurar a consumação do verbo adquirir. 4.3 Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Restrito – Art. 16 da Lei 10.826/03 a) Bem jurídico tutelado: Incolumidade pública (preservação da segurança pública). b) Tipo objetivo: Art. 16 - Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena: Reclusão, de três a seis anos, e multa (BRASIL, 2003). Possuir (ter a posse); deter (ter em sua posse sob titularidade de terceiro); portar (trazer consigo para pronta utilização), adquirir (obtenção da propriedade de algo); fornecer (abastecer, prover); receber (obter, entrar na posse); ter em depósito (manter em reservató- rio ou armazenado); transportar (conduzir a arma de um local para outro); ceder, ainda que gratuitamente (passar a outrem a posse da arma, dar); emprestar (entregar a alguém com o objetivo de receber de volta); remeter (enviar a algum lugar desacompanhado do agente); empregar (utilizar a arma para finalidades que não sejam disparar); manter sob sua guarda (tomar conta em nome de terceiro); e ocultar (esconder, dificultar ou impedir o encontro), sem a autorização legal para tanto. Esse tipo penal abrange as armas de fogo (instrumentos que, mediante energia proveniente de pólvora, disparam projéteis), acessórios (artefatos que quando acoplados à arma melhoram o desempenho) ou munições (projéteis acoplados a cartuchos carregados com pólvora), de uso restrito, conceito que se extrai da união do artigo 2º, incisos II e III, do decreto 9.847/1912 com a portaria 1222/1913. 12 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9847.htm 13 Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-1.222-de-12-de-agosto-de-2019-210735786 106UNIDADE III Crimes em Destaque c) Objeto material: São as armas de fogo, acessórios e munições de uso permitido. d) Sujeitos do crime: O sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo é o Estado. e) Consumação e tentativa: Consuma-se o crime com a prática de qualquer dos verbos do tipo. A tentativa é possível. f) Figuras Equiparadas: Parágrafo primeiro. O legislador elencou no parágrafo primeiro as condutas que são equiparadas às do caput, ou seja, também incorre nesse crime quem: I – Suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação da arma de fogo ou artefato: II – modificar as características da arma de fogo ou torna-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito, ou para fins de dificultar ou de qual- quer modo induzir a erro a autoridade policial, perito ou juiz. III – Possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com nume- ração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado. V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente. VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar de qualquer forma, munição ou explosivo (BRASIL, 2003). 107UNIDADE III Crimes em Destaque 5. LEI DE DROGAS 5.1 Tráfico de Drogas – Art. 33 da Lei 11.343/06 a) Bem jurídico tutelado: Tutela-se a saúde pública. b) Tipo objetivo: Art. 33 - Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, ven- der, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação le- gal ou regulamentar: Pena: Reclusão, de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (qui- nhentos) a 1500 (mil e quinhentos) dias-multa (BRASIL, 2006b). O tipo penal elenca os seguintes núcleos: importar (trazer do exterior para o Brasil); exportar (levar para fora do Brasil); remeter (enviar para algum lugar dentro do território na- cional); preparar (obter algo por meio de composição de elementos ou combinação de subs- tâncias); produzir (dar origem ou criar algo); fabricar (produção em grande escala); adquirir (comprar, adquirir a título oneroso); vender (alienar por preço); expor à venda (apresentar, colocar à mostra para venda); oferecer (sugerir a alguém que aceite droga); ter em depósito (manter armazenado ou em estoque); transportar (levar de um local para outro com emprego de meios de locomoção); guardar (tomar conta de algo); prescrever (receitar ou indicar); ministrar (aplicar ou administrar); entregar a consumo (dar para alguém usar, abrangendo qualquer forma de tradição); e fornecer (entregar ou dar de modo contínuo), sem a devida autorização do poder público. 108UNIDADE III Crimes em Destaque Drogas são substâncias capazes de causar dependência física ou psíquica, cujas es- pécies constam da portaria nº. 344/98 da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária14. c) Condutas equiparadas: § 1º. O § 1º do artigo 33 elenca diversas condutas que são equiparadas ao tráfico de drogas. Como se vê pelo texto legal, são referentes às matérias-primas destinadas à pro- dução de drogas, semeadura, cultivo e colheita de drogas e ainda a utilização de locais e bens para o fim de tráfico de drogas. I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação le- gal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em maté- ria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, pos- se, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utili- ze, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determi- nação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas (BRASIL, 2006b). Assim, com o objetivo de evitar que qualquer atividade relacionada à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas fique impune, o legislador optou por descrever essas condutas acessórias no § 1º (LIMA, 2020). d) Induzimento, instigação ou auxílio ao uso indevido de droga: § 2º. “§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena — detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa”. O parágrafo 2º do artigo 33 da Lei 11.343/06 incrimina a conduta daquele que induz, criando a ideia, instiga, reforçando uma ideia preexistente, ou auxilia materialmente alguém ao uso indevido de drogas. e) Cessão gratuita e eventual de drogas: § 3º. § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena: detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (sete- centos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo daspenas previs- tas no art. 28 (BRASIL, 2006b). A conduta aqui prevista refere-se àquela pessoa que oferece drogas a amigos, co- legas, parentes etc., para juntos consumirem. Para que se configure essa conduta, quatro são os requisitos que precisam ser preenchidos: a) oferecimento eventual (não pode ser algo comum, cotidiano); b) sem objetivo de lucro (não pode haver qualquer contraprestação); c) pessoa do relacionamento (pessoas próximas, amigos, parentes etc.); d) consumo conjunto. 14 Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/1998/prt0344_12_05_1998_rep.html 109UNIDADE III Crimes em Destaque Devidamente preenchidos todos esses requisitos, o agente não incorrerá na con- duta do caput do artigo 33 (tráfico de drogas), mas sim no § 3º que, claramente, é mais benéfico ao acusado. f) Objeto material: São as drogas, na forma prevista pela portaria 344/98 da ANVISA. g) Sujeitos do crime: Masson e Marçal (2019) lecionam que, com exceção do núcleo prescrever – que configura crime próprio ou especial, pois somente pode ser praticado pelo médico ou pelo dentista –, os demais verbos contidos no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, podem ser cometidos por qualquer pessoa. O sujeito passivo é a coletividade. h) Consumação e tentativa: A consumação se dá com a prática de qualquer dos verbos do tipo. A tentativa é possível, mas de difícil caracterização pois normalmente a tentativa de um verbo configura a consumação de outro. 5.2 Associação para Fins de Tráfico – Art. 35 da Lei 11.343/06 a) Bem jurídico tutelado: Saúde Pública b) Tipo objetivo: Art. 35 - Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reitera- damente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1, ou 34 desta lei. Pena: Reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecen- tos) a 1200 (mil e duzentos) dias-multa (BRASIL, 2006b). Esse crime se caracteriza quando duas ou mais pessoas se reúnem, se juntam, para o fim de praticar o crime de tráfico de drogas. A lei não faz exigência sobre a quantida- de de crimes de tráfico a serem praticados, bastando um único para configurar o tipo penal. Apesar disso, a associação exige estabilidade e permanência, ou seja, leva-se em conta o grau de organização dos agentes. Ex.: duas pessoas que se encontram e resolvem vender drogas em um local não caracteriza a associação. c) Objeto material: Saúde pública. d) Sujeitos do crime: O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa (no mínimo duas), tendo como sujeito passivo a coletividade. e) Consumação e tentativa: Consuma-se com a associação, independente da efetiva prática de delitos preten- didos, não sendo admissível a tentativa. 110UNIDADE III Crimes em Destaque 6. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 6.1 Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência – Art. 24-a da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) Com o advento da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), surgiram em nosso orde- namento as chamadas medidas protetivas de urgência, previstas nos artigos 22, 23 e 24 da referida Lei, que tem como objetivo a proteção da vítima, de seu patrimônio ou mesmo gerar obrigações ao agressor. Questão interessante surgiu quando tais medidas passaram a ser descumpridas pelos agressores. Questionava-se: esse descumprimento das medidas protetivas, caracte- rizaria o crime de desobediência (art. 330 do CP) ou não? Duas posições surgiram na doutrina e jurisprudência: 1ª Posição: SIM, o descumprimento dessas medidas de urgência caracterizaria o crime de desobediência porque, indiscutivelmente, o agressor estaria desobedecendo uma ordem emanada pelo Poder Judiciário (deferimento das medidas). 2ª Posição: NÃO, porque apesar de ser uma ordem judicial, a própria Lei Maria da Penha estabeleceu uma consequência legal decorrente do descumprimento, consistente na substituição ou cumulação de outras medidas, ou ainda a possibilidade de decretação da prisão preventiva. Assim, como a Lei apresenta uma solução para o descumprimento, não poderia ser configurado o crime de desobediência. Essa segunda posição foi a que prevaleceu nos Tribunais Superiores. 111UNIDADE III Crimes em Destaque Em razão disso e diante dos contínuos descumprimentos das medidas protetivas, em 04 de abril de 2018 entrou em vigor a Lei 13.641/18, que acrescentou o artigo 24-A à lei Maria da Penha, sendo este o único crime previsto em tal Lei. a) Bem jurídico tutelado: Administração da Justiça. Embora previsto na Lei Maria da Penha, que protege a mulher, como se trata de descumprimento de determinação legal, o crime tutela a administração da justiça. b) Tipo objetivo: “Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos” (BRASIL, 2006a). Descumprir significa desobedecer, transgredir uma determinação, que, no caso do tipo penal, é uma decisão judicial (aquela proferida pelo poder judiciário) que defere medidas protetivas de urgência, que são as medidas que podem ser deferidas em favor da vítima de um crime como forma de proteção, previstas nesta lei (nos artigos 22, 23 e 24 da Lei Maria da Penha). c) Objeto material: É a decisão judicial que aplicou as medidas protetivas de urgência. d) Sujeitos do crime: Sujeito ativo desse crime é a pessoa que se encontra submetida ao cumprimento das medidas protetivas, ou seja, o agressor. Quanto ao sujeito passivo, temos dois. O sujeito primário é o Estado (administração da justiça). Secundariamente, a mulher vítima da violência também pode ser sujeito passivo. e) Consumação e tentativa: Consuma-se no exato instante em que o agente descumpre a medida protetiva apli- cada. Ex.: medida de proibição de contato com a vítima. O crime se consuma com o simples contato entre agressor e vítima. A tentativa é possível. Ex.: agente tenta se aproximar da vítima mas é impedido por terceiros. 112UNIDADE III Crimes em Destaque 7. CRIMES DE TRÂNSITO 7.1 Homicídio Culposo na Direção de Veículo Automotor – Art. 302 da Lei 9.503/97 Originalmente, todas as hipóteses de homicídio culposo eram abrangidas pelo § 3º do artigo 121 do Código Penal. Com a entrada em vigor do Código de Trânsito, em 23 de janeiro de 1998, os homi- cídios culposos praticados na direção de veículo automotor passaram a ser considerados como uma modalidade especial de homicídio culposo na direção de veículo automotor. Observando o texto legal de modo mais cuidadoso, constata-se que a técnica le- gislativa empregada não é das melhores, porém, evidentemente a definição desse crime se socorre das disposições do homicídio culposo previsto pelo Código Penal (art. 121, § 3º). O Prof. Renato Lima afirma em sua obra Legislação Penal Especial Comentada (2020. p. 1195) que, talvez, a melhor redação para o artigo seria “Provocar culposamente a morte de alguém, na direção de veículo automotor”. a) Bem jurídico tutelado: Tratando-se de hipótese de homicídio, o bem jurídico tutelado é a vida humana extrauterina. b) Tipo objetivo: “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor” (BRASIL, 1997b). 113UNIDADE III Crimes em Destaque Inicialmente, a mera leitura do texto legal não deixa claro em que consiste o homicí- dio culposo, então precisamos nos socorrer do Código Penal para entender essa situação. O artigo 18, inciso II do CP dispõe que o crime culposo ocorre “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia” (BRASIL, 1940). Então temos que saber em que consiste essas três modalidades de culpa. Imprudência: é a violação das regras de conduta ensinadas pela experiência. É um comportamento positivo (uma ação) praticada de modo impensado, precipitado, sem tomar as devidas precauções. Ex.: dirigir em velocidade acima do limite permitido; dirigir pela contramão;furar preferencial ou sinal vermelho etc. Negligência: é a forma omissiva de culpa. É um deixar de fazer algo que deveria ser feito. Um desleixo. Ex.: deixar de fazer as manutenções regulares no freio de um cami- nhão; não trocar os pneus que estão “carecas”. Imperícia: é a falta de aptidão, de capacidade, para a realização de uma conduta, vinculada a alguma atividade profissional. Ex.: um motorista profissional de ônibus que não consegue calcular bem uma ultrapassagem ou a faz em local proibido, causando um acidente. Como se trata de um crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, esSa parte final se trata de elemento especializante (é um plus em relação ao homicídio culposo do CP). De acordo com o CTB (anexo I), veículo automotor é conceituado como: Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para transporte viário de pessoas e coisas, ou para tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas ou coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico) (BRASIL, 1997b). São abrangidos: automóveis, motocicletas, motonetas, camionetas, micro-ônibus, motor-home, tratores, colheitadeiras etc. c) Objeto material: É o ser humano que morreu. d) Sujeitos do crime: Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, assim como o sujeito passivo. e) Consumação e tentativa: Consuma-se com a morte da vítima (cessação da atividade encefálica – Art. 3º da Lei 9.434/97). Tratando-se de crime culposo, não admite tentativa. Não é possível que um resultado não quisto seja tentado. f) causas de aumento de pena: §1º. Dispõe o § 1º que a pena aumenta em 1/3 (um terço) se o agente: 114UNIDADE III Crimes em Destaque I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II – praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros (BRASIL, 1997b). g) Hipótese qualificada: § 3º. Se na prática do homicídio culposo o agente conduzia o veículo sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, a pena será de reclusão de 5 a 8 anos, além da suspensão da habilitação ou permissão para dirigir. 7.2 Lesões Corporais Culposas na Direção de Veículo Automotor – Art. 302 da Lei 9.503/97 a) Bem jurídico tutelado: Integridade corporal e saúde do ser humano. b) Tipo objetivo: “Art. 303 - Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor” (BRASIL, 1997b). Assim como no crime anterior, o tipo penal não deixa claro em que consiste a lesão corporal culposa, então precisamos nos socorrer do Código Penal para entender esta situação. O artigo 129 do CP dispõe que lesão corporal é a conduta de quem ofende a integridade corporal ou a saúde de outrem, ou seja, é o dano anatômico decorrente de uma agressão ou perturbações fisiológicas ou mentais, também decorrente dessas agressões (BRASIL, 1940). Posto isso, o artigo 18, inciso II do CP dispõe que o crime culposo ocorre “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia” (BRASIL, 1940). Então temos que saber em que consiste essas três modalidades de culpa. Imprudência: é a violação das regras de conduta ensinadas pela experiência. É um comportamento positivo (uma ação) praticada de modo impensado, precipitado, sem tomar as devidas precauções. Ex.: dirigir em velocidade acima do limite permitido; dirigir pela contramão; furar preferencial ou sinal vermelho etc. Negligência: É a forma omissiva de culpa. É um deixar de fazer algo que deveria ser feito. Um desleixo. Ex.: deixar de fazer as manutenções regulares no freio de um cami- nhão; não trocar os pneus que estão “carecas”; Imperícia: é a falta de aptidão, de capacidade, para a realização de uma conduta, vinculada a alguma atividade profissional. Ex.: um motorista profissional de ônibus que não consegue calcular bem uma ultrapassagem ou a faz em local proibido, causando um acidente. c) Objeto material: É o ser humano que sofreu as lesões. 115UNIDADE III Crimes em Destaque d) Sujeitos do crime: Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, assim como o sujeito passivo. e) Consumação e tentativa: Consuma-se com a efetiva lesão à integridade corporal ou saúde da vítima. Tratan- do-se de crime culposo, não admite tentativa. Não é possível que um resultado não quisto seja tentado. f) Hipótese qualificada: § 2º. O § 2º elenca duas situações em que o crime de lesões corporais culposas na direção de veículo automotor receberá uma pena mais gravosa: reclusão de 5 a 8 anos, além da suspensão da habilitação ou permissão para dirigir. Se na prática do homicídio culposo o agente conduzia o veículo sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. Se a conduta resultar em lesão corporal de natureza grave (art. 129, § 1º, do CP) ou gravíssima (art. 129, § 2º, do CP) (BRASIL, 1940). CUIDADO: O fato de a lesão causada ser grave ou gravíssima não muda o elemen- to subjetivo do crime, que continua sendo CULPOSO. A única influência é que o legislador entendeu que esse resultado mais gravoso merece uma pena maior. 7.3. Embriaguez ao Volante – Art. 306 da Lei 9.503/97 a) Bem jurídico tutelado: Segurança viária b) Tipo objetivo: Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que deter- mine dependência. Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por: I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de san- gue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. § 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemu- nhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. § 3º O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de al- coolemia ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. § 4º Poderá ser empregado qualquer aparelho homologado pelo Instituto Na- cional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO - para se determi- nar o previsto no caput (BRASIL, 1997b). Conduzir significa guiar ou dirigir, no caso do tipo penal, um veículo automotor, colocando-o em movimento por acionamento de seus mecanismos, com a capacidade psi- 116UNIDADE III Crimes em Destaque comotora alterada (alterações da capacidade cognitiva, sensorial, psíquica e motora) pela influência de álcool (bebidas alcoólicas em geral) ou outra substância psicoativa (drogas lícitas ou ilícitas, como remédios de uso controlado, maconha, cocaína etc.). O legislador apresenta também a forma adequada de aferir a capacidade psicomo- tora alterada. Ou se verifica pela concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue (ou 0,3 miligramas por litro de ar alveolar), ou por sinais que indiquem a alteração psicomotora (ex.: dificuldade de falar, olhos vermelhos, dificuldade de equilíbrio, odor etílico, fala desconexa etc.). c) Objeto material: Segurança viária. d) Sujeitos do crime: O sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo é a coletividade. e) Consumação e tentativa: Consuma-se com a condução do veículo com a capacidade psicomotora alterada, não sendo possível a tentativa. SAIBAMAIS O Prof. Renato Brasileiro Lima, em sua obra Legislação Penal Especial Comentada (2020) ensina que nas hipóteses em que o agente conduz seu automóvel embriagado e causa um homicídio culposo na direção de veículo automotor responderá pelos dois crimes, pois o homicídio culposo na direção de veículo automotor e embriaguez ao vo- lante tutelam bens jurídicos distintos e se configuram em momentos distintos, devendo, então, as penas de ambos os crimes serem somadas. Fonte: o autor. REFLITA “Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiça, luta pela justiça” (Eduardo Couture). 117UNIDADE III Crimes em Destaque CONSIDERAÇÕES FINAIS Caros alunos, nesta unidade estudamos os crimes em espécie, abordando os prin- cipais crimes previstos no código penal e também na legislação penal especial. Vimos os crimes contra a vida, contra o patrimônio e contra a administração pública, todos previstos no código penal, além dos principais crimes previstos na lei de drogas, de armas, no código de trânsito e na lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. Aprendemos quais são os bens jurídicos tutelados, o conteúdo referente ao tipo objetivo e subjetivo de cada um dos crimes, bem como quem são os sujeitos dos crimes e demais detalhes relevantes do tipo penal. Chegando ao fim desta unidade já temos uma noção completa do direito penal, pois conhecemos toda a parte geral, que dividimos nas unidades I e II, abordando a teoria do crime e a teoria da pena, bem como a parte especial, abordada nesta unidade III. Na próxima unidade trataremos da parte referente ao processo penal, conhecendo o inquérito policial, o procedimento comum ordinário e o procedimento do juizado especial criminal, além, é claro, da execução penal e práticas restaurativas. Nos vemos em breve. Até logo! 118UNIDADE III Crimes em Destaque LEITURA COMPLEMENTAR Encomendar drogas, mesmo sem a entrega efetiva, configura tráfico. Por se tratar de crime de conteúdo variado, basta a prática de uma das 18 condutas relacionadas no artigo 33 da Lei 11.343/2006 para que haja a consumação do tráfico de drogas. Assim, mesmo que não tenha ocorrido a entrega da droga, o ato de encomendar já é suficiente para configurar o crime. O ato de encomendar drogas, mesmo que ela não seja entregue, configura o crime de tráfico. A decisão é da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao reformar decisão que havia absolvido quatro homens do crime de tráfico — três que encomendaram entorpecentes para vender no estabelecimento em que estavam presos e um que intermediou a compra. Eles foram condenados em primeiro grau, após terem adquirido a droga para ven- dê-la no centro de reeducação de Campo Belo (MG). No entanto, a droga foi apreendida antes da entrega, graças a uma denúncia anônima, segundo a qual um mototáxi levaria a substância acondicionada em produtos de higiene. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que os réus não cometeram o crime, pois sua consumação teria sido impedida pela apreensão. Para o TJ-MG, a intenção, ainda que traduzida em algum ato preparatório, não pode ser punida, pois os detentos e o intermediário da compra não tiveram a posse dos entorpecentes. No recurso ao STJ, o Ministério Público de Minas Gerais argumentou que o simples ajuste de vontades — quando da encomenda da droga pelos três detentos — já constituiu conduta abrangida pelo verbo “adquirir”. Quanto ao intermediário, o órgão ministerial alegou que a sua conduta estaria abarcada pelos verbos “oferecer”, “fornecer”, “preparar” e “reme- ter”, pois também teria sido responsável por acondicionar a substância nas embalagens de produtos de higiene. O relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, explicou que o crime descrito no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006 é unissubsistente, “de maneira que a realização da conduta esgota a concretização do delito”. Para ele, é inconcebível falar em meros atos preparatórios. O ministro acrescentou, ainda, que não é necessário para a configuração do deli- to que a substância entorpecente seja encontrada em poder do acusado ou que ela tenha sido efetivamente entregue ao seu destinatário final. 119UNIDADE III Crimes em Destaque Ao citar precedentes do STJ, o ministro ressaltou que, para haver a consumação do ilícito, basta a prática de uma das 18 condutas relacionadas ao tráfico de drogas: importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer. Para Rogério Schietti, em razão da multiplicidade de verbos nucleares previstos na lei (crime de ação múltipla ou de conteúdo variado), é inequívoca a conclusão de que o delito ocorreu na forma consumada, na modalidade “adquirir” em relação aos acusados que já estavam presos, e nas modalidades “oferecer”, “fornecer”, “preparar” e “remeter” no caso do intermediário. O relator lembrou que a fundamentação do MP-MG está na mesma linha da juris- prudência do STJ: o simples ajuste de vontades sobre o objeto, quando da encomenda da droga, basta para constituir a conduta abrangida pelo verbo “adquirir”. “Raciocínio semelhante é empregado naqueles casos em que há interceptação da droga que seria remetida do Brasil, pela via postal, para o exterior, hipóteses em que este Superior Tribunal também entende não haver falar em tentativa, mas em crime de tráfico de drogas consumado”, afirmou. Fonte: Brasil (2020). 120UNIDADE III Crimes em Destaque MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: O direito penal da guerra às drogas. Autor: Luis Carlos Valois. Editora: D´Plácido Sinopse: A leitura do trabalho que ora se prefacia, de autoria de Luís Carlos Honório de Valois Coelho, O Direito Penal da Guerra às Drogas, originalmen- te uma tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e aprovada com distinção e recomendação à publicação, tra- duz uma biografia e um retrato do seu autor. Valois, como todos o chamamos, é pessoa singular e de sua singularidade advém de seu trabalho. Aquilo que faz ou fez espelha como ele é. Aquilo que é, de alguma maneira, é o último capítulo do que fez. Sua obra é ímpar. Sim! Verdadeiramente sem par na aca- demia.” Sérgio Salomão Shecaira Professor Titular da USP; Mestre e doutor em direito penal (USP); Livre-docente em criminologia (USP); Pós-doutor em criminologia (Universidade do País Vasco). FILME/VÍDEO Título: Zodíaco Ano: 2007 Sinopse: 1º de agosto de 1969. Três cartas diferentes chegam aos jornais San Francisco Chronicle, San Francisco Examiner e Vallejo Times-Herald, enviadas pelo mesmo remetente. A carta enviada ao Chronicle trazia a con- fissão de um assassino e as três juntas formavam um código que suposta- mente revelaria a identidade do criminoso. O assassino exigia que as cartas fossem publicadas, caso contrário mais pessoas morreriam. Um casal de Salinas consegue decodificar a mensagem, mas é Robert Graysmith (Jake Gyllenhaal), um tímido cartunista, quem descobre sua intenção oculta: uma referência ao filme “Zaroff, o Caçador de Vidas” (1932). Os assassinatos e as cartas se sucedem, provocando pânico na população de San Francisco. 121 Plano de Estudo: ● Inquérito policial; ● Procedimento comum ordinário; ● Juizado especial criminal; ● Execução penal; ● Sistemas penitenciários; ● Penas alternativas, mediação e práticas restaurativas. Objetivos da Aprendizagem: ● Conhecer os principais pontos do direito processual penal; ● Analisar o inquérito policial como forma de investigação preliminar; ● Verificar e aprender os pontos fundamentais do procedimento comum ordinário; ● Entender o funcionamento do juizado especial criminal; ● Conhecer os pontos focais da execução penal; ● Estudar os sistemas penitenciários ao longo da história; ● Conhecer a justiça restaurativa e a mediação como formas de solução deconflitos. UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários Professor Esp. Carlos Eduardo Pires Gonçalves 122UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários INTRODUÇÃO Olá, aluno(a). Chegamos à última unidade de nossa disciplina e, após conhecermos os pontos mais relevantes da teoria do crime, teoria da pena e os principais crimes do código penal e da legislação penal especial, vamos estudar a parte processual da justiça criminal. Como veremos, o processo penal é o instrumento pelo qual se aplica a pena ao caso concreto e, para tanto, existem procedimentos importantes que precisam ser realiza- dos para atingir este objetivo. Iniciaremos pelo estudo do inquérito policial, instrumento destinado à apuração da prática de um crime e de sua autoria, conhecendo todos os seus trâmites. Ato contínuo, conheceremos o procedimento comum ordinário, o maior e mais garantistas dos procedimentos penais, destinado à apuração dos crimes e produção das provas que levem ao deslinde do feito. Para além do procedimento comum ordinário, analisaremos também o procedimen- to do juizado especial criminal, com suas peculiaridades e instrumentos específicos. Vencida a etapa procedimental, conheceremos um pouco da execução penal, que surge após a condenação através do processo penal, os sistemas penitenciários existentes e, ao fim, saberemos um pouco mais sobre práticas alternativas e restaurativas para solu- ção dos conflitos penais. Desejo um ótimo estudo. 123UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 1. INQUÉRITO POLICIAL Antes de adentrar ao estudo do inquérito policial propriamente dito, é necessário que entendamos que o processo penal possui um caráter instrumental, ou seja, se trata de um instrumento, um meio pelo qual se aplica a lei penal ao caso concreto. Assim, toda vez que um crime é praticado, surge para o Estado o jus puniendi (direito de punir), mas é sabido que esse direito de punir não pode ser executado ao livre arbítrio do poder estatal, sendo necessário que haja um processo penal para, ao final, em caso de comprovação da existência do crime e de quem é o seu autor, poder-se aplicar a pena. O inquérito policial é o primeiro passo desse instrumento, pois praticado o crime, existe a necessidade de uma apuração de como ocorreu e de quem praticou. Essa apura- ção é feita, em regra, por meio de um inquérito policial. Aury Lopes Junior (2018) afirma que o inquérito policial constitui o conjunto de ati- vidades desenvolvidas pela Autoridade Policial, a partir de uma notícia-crime, com caráter prévio e de natureza preparatória em relação ao processo penal. Norberto Avena (2020), em conceito complementar ao citado, leciona que o inquérito policial é conjunto de diligências realizadas pela autoridade policial para obtenção de elemen- tos que apontem a autoria e comprovem a materialidade das infrações penais investigadas. Embora não seja a única, o inquérito policial é a forma mais comum e conhecida de investigação preliminar, situando-se na fase pré-processual e tem por objetivo apurar a prova da materialidade e os indícios suficientes de autoria, ou seja, a existência de um crime e quem o praticou, servindo como base para o Ministério Público (na ação penal pública) ou para o querelante (na ação penal privada) para o oferecimento da inicial acusatória. 124UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 1.1 Natureza Jurídica Apesar de haver alguma divergência doutrinária sobre a natureza jurídica do in- quérito policial, prevalece o entendimento de que se trata de um procedimento de índole meramente administrativa, que possui caráter informativo e preparatório da ação penal (RANGEL, 2020, p. 69). 1.2 Características Procedimento escrito: todos os atos devem ser formalizados em forma escrita e rubricada (assinada) pela autoridade policial. Oficiosidade: o inquérito policial deve, em regra, ser instaurado de ofício pela Au- toridade Policial. Tomando ciência da infração penal, o Delegado de Polícia deve instaurar o IP. São exceções a esse princípio as investigações de crimes de ação penal privada ou pública condicionada à representação, pois em ambos os casos, o inquérito só poderá ser instaurado com anuência do ofendido. Oficialidade: a investigação deve ser conduzida e realizada por agentes oficiais do Estado, sendo vedada a delegação de investigação a particulares. Discricionariedade: a persecução no inquérito policial concentra-se na figura do Delegado, cabendo a ele determinar, com discricionariedade, quais diligências são impor- tantes e devem ser realizadas. Inquisitivo: a doutrina majoritária sustenta que o inquérito policial não possui as garantias da ampla defesa e do contraditório, sendo o delegado de polícia o responsável pela produção das provas e decisão final sobre o indiciamento ou não do investigado. Indisponibilidade: uma vez instaurado, não cabe ao Delegado de Polícia determi- nar o arquivamento do inquérito policial, ainda que venha a constatar a atipicidade do fato. O arquivamento somente pode ser promovido pelo Ministério Público. Sigiloso: o inquérito policial tem caráter sigiloso, porém devem ser analisados os dois tipos de sigilo: a) sigilo interno, que é a limitação da informação aos sujeitos da investigação e seus advogados, e b) sigilo externo, consistente na limitação da informação para o público externo, a sociedade em geral. Em regra, somente este último se aplica ao inquérito policial. 125UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 1.3 Titularidade/Presidência do Inquérito Policial Conforme salienta Guilherme Madeira Dezem (2020), presidir o inquérito policial significa possuir a atribuição para sua condução, ou seja, possui o controle para determinar os rumos da investigação. O titular/presidente do inquérito policial é a Autoridade Policial, que para fins pro- cessuais penais é o Delegado de Polícia (civil ou Federal). 1.4 Atos de Iniciação Apesar de o inquérito policial não possuir uma sequência ordenada de atos prevista na Lei, existem quatro formas de iniciá-lo. a) De ofício/Portaria É a forma mais comum de início do inquérito policial. Portaria é o ato administrativo do delegado que declara instaurado, de ofício, o inquérito policial. Aplica-se às situações em que a notícia de um crime chega diretamente ao delegado de polícia, por exemplo, por meio de um boletim de ocorrências registrado pela vítima ou até mesmo pelo noticiário jornalístico. Tratando-se de crime de ação penal pública, a autoridade policial deve instaurar imediatamente o inquérito e iniciar as investigações. b) Requisição O termo requisição, por si só, traz a ideia de uma exigência com base em lei. A requisição, enquanto ato de iniciação do inquérito policial, ocorre quando a notícia do crime chega ao conhecimento do membro do Ministério Público ou do Juiz e estes requisitam à autoridade policial que instaure o inquérito policial. c) Requerimento do ofendido A vítima ou seu representante legal poderão levar, de maneira direta, ao conheci- mento da autoridade policial a existência de um crime do qual tenham sido vítimas. A lei não exige formalidades nesse requerimento, embora o CPP diga que sempre que possível esse requerimento deve conter a narração do fato criminoso, a individualização da pessoa a ser investigada e o rol de testemunhas. d) Auto de prisão em flagrante Quando uma pessoa é presa em flagrante, delito pela prática de uma infração penal, o auto de prisão em flagrante, que é a formalização (materialização) da prisão, por si só, já serve como ato inicial da investigação. 126UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 1.5 Prazos O princípio da razoável duração do processo (CF, 5º, LXXVIII) incide também sobre o inquérito policial e, em razão disso, os inquéritos possuem prazos delimitados para serem concluídos. O código de processo penal disciplinao prazo do inquérito policial no artigo 10: Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela (BRASIL, 1941). 1.6 Finalização O inquérito policial se encerra com um relatório da Autoridade Policial (art. 10, § 1º, do CP), em que será realizada a exposição objetiva e impessoal do que foi investigado, não cabendo ao Delegado de Polícia expor sua opinião jurídica sobre o fato. 127UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 2. PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO Uma ação penal é composta por diversos atos processuais. O procedimento é o modo pelo qual esses diversos atos se relacionam e se organizam, mantendo uma ordem pré-definida durante o processo (LIMA, 2020, p.1391). Em nossa legislação existem diversos procedimentos, porém o mais importante é o procedimento comum ordinário, pois se trata do mais amplo, com as maiores possibilidades de exercício de defesa por parte do acusado. Para além disso, o procedimento comum ordinário serve como base para todos os demais procedimentos existentes. Assim, vamos conhecer os principais pontos do procedimento comum ordinário, na ordem em que eles aparecem no processo. 2.1 Denúncia e Queixa-Crime Quando estudamos o tema das ações penais vimos que existem duas espécies, a ação penal pública e a ação penal privada. A denúncia é a petição inicial da ação penal pública, e a Queixa-Crime é a petição inicial da ação penal privada. Enquanto a denúncia é oferecida pelo membro do Ministério Público, órgão constitucionalmente imbuído da ação penal pública (art. 129, inciso I, da CF/88), a queixa-crime é oferecida pelo querelante, através de seu advogado. 128UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários O prazo para o oferecimento da denúncia está previsto no artigo 46 do Código de Processo Penal. Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público rece- ber novamente os autos (BRASIL, 1941). A queixa-crime também possui prazo para seu oferecimento, porém, tem relação direta com o conhecimento de quem é o autor do crime. O artigo 38 do CPP determina que a queixa-crime deve ser oferecida no prazo de seis meses, a contar do conhecimento da autoria da infração penal, sob pena de decadência (e consequente extinção da punibilidade). O conteúdo de ambas as petições iniciais é indicado pelo artigo 41 do código de processo penal: “Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas” (BRASIL, 1941). Uma vez oferecida a petição inicial, ela será encaminhada ao juiz competente para análise sobre o seu recebimento (que dará início ao processo) ou rejeição (que encerrará o processo). Caso o juiz constate que a denúncia ou queixa-crime preenchem todos os requisitos legais, deverá recebê-la, dando seguimento ao processo com a citação do acusado. Porém, existem situações em que o juiz deverá rejeitar a acusação, cujas hipóteses estão previstas no artigo 395 do código de processo penal. 2.2 Citação A citação é o ato formal pelo qual o acusado é chamado a compor o processo (ROSA, 2020), comunicando ao acusado da existência de um processo em trâmite no qual é acusado, dando-lhe, também, pleno conhecimento do teor dessa acusação. A principal função da citação é efetivar os dois mais importantes princípios consti- tucionais do processo penal: a ampla defesa e o contraditório. Ao cientificar o acusado de que existe um processo contra ele e qual o teor desse processo, efetiva-se a ampla defesa, permitindo-lhe o conhecimento e a escolha dos meios de defesa necessários. Ao chamá-lo a responder o processo, efetiva-se o contraditório, que consiste na possibilidade de reação a todos os atos do processo. Devidamente citado, o réu apresentará, por meio de seu defensor, a resposta à acusação. 129UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 2.3 Resposta Escrita A resposta escrita é um ato obrigatório no processo penal, pois é a primeira mani- festação do acusado nos autos. Deve ser apresentada a partir de advogado, porém, se o acusado não tiver advo- gado constituído (contratado), o Juiz deverá nomear um defensor para apresentação da resposta escrita. O prazo para apresentação da resposta escrita é de dez dias a contar da data da cita- ção, podendo o acusado arguir matérias preliminares de mérito (como extinção da punibilidade, por exemplo), apresentar justificações, requerer produção de provas, apresentar documentos, arrolar suas testemunhas ou alegar qualquer tipo de matéria que interesse à sua defesa. Apresentada a resposta à acusação, o processo já contará com a petição inicial acusatória e a resposta do réu, sendo o processo encaminhado novamente ao juiz para análise da possibilidade de absolvição sumária ou designação de data para realização da audiência de instrução, debates e julgamento. 2.4 Absolvição Sumária Absolvição sumária é o julgamento antecipado da causa nas hipóteses previstas em lei. Para que seja possível a absolvição sumária, exige-se a certeza da existência de uma das causas elencadas pela lei, pois, em caso de dúvida, o processo deve manter seu curso normal. As hipóteses de absolvição sumária estão previstas no artigo 397 do código de processo penal: ● Presença de manifesta causa excludente de ilicitude. Ex.: legítima defesa. ● Presença de manifesta causa excludente de culpabilidade. Ex.: ausência de potencial consciência da ilicitude. ● Fato narrado não constituir crime. Ex.: se for constatada que o produto que se acreditava ser droga em verdade não o era. ● Causa extintiva da punibilidade. Ex.: prescrição. Não sendo caso de absolvição sumária, o juiz designará a audiência de instrução, debates e julgamento. 130UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 2.5 Audiência de Instrução, Debates e Julgamento De acordo com o código de processo penal, essa audiência deverá ser realizada no prazo de até 60 dias. Nessa audiência ocorrerá a oitiva da vítima (se houver), das testemunhas de acu- sação e defesa, peritos e o interrogatório do acusado. Em sequência, o juiz abrirá a palavra às partes para os debates orais, conceden- do-lhes o prazo de 20 minutos, com a possibilidade de prorrogação por mais 10 minutos, seguindo a ordem: acusação, assistente de acusação (se houver) e defesa (sempre a última a falar). Por fim, o juiz poderá proferir sua sentença na própria audiência ou fazê-lo no prazo de 10 dias. 131UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 3. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL O juizado especial criminal foi criado pela Lei 9.099/95 e a ideia do legislador, con- forme disposto no artigo 62 da Lei 9.099/95, é que o procedimento comum sumaríssimo seja simplificado e desburocratizado, devendo seguir as regras da oralidade, informalidade, celeridade, economia processual, prioridade de reparação do dano e preferência pela apli- cação de pena não privativa de liberdade. O procedimento comum sumaríssimo está previsto na Lei 9.099/95, que trata tanto do juizado especial cível quanto do criminal. O artigo 61 da Lei 9.099/95 delimita a competência dos Juizados Especiais Criminais às infrações penais de menor potencial ofensivo, consistentes nos crimes cuja pena máxima nãoseja superior a dois anos e todas as contravenções penais. “Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa” (BRASIL, 1995). Assim, analisemos o trâmite dos processos no juizado especial criminal. 3.1 Termo Circunstanciado de Infração Penal Diferentemente dos demais procedimentos previstos no código de processo penal e legislação especial, os feitos do procedimento comum sumaríssimo não necessitam, em regra, de instauração de inquérito policial, não cabendo também a prisão em flagrante do acusado (art. 69 da Lei 9.099/95). 132UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários Nos procedimentos dessa natureza, constatada a infração, a Autoridade Policial deverá lavrar o Termo Circunstanciado de Infração Penal (TCIP), que se trata, em verdade, de um boletim de ocorrências mais elaborado, contendo a qualificação do autor e da vítima da infração, o resumo dos fatos, as testemunhas da ocorrência e, se necessário, a requisição de exames técnicos e periciais cabíveis. Em sequência, a autoridade policial encaminhará ao Juizado Especial Criminal o termo circunstanciado, já designando data para o comparecimento do autor do fato e da vítima naquele juízo para a audiência preliminar. 3.2 Audiência Preliminar Trata-se de uma audiência realizada nas dependências do Juizado Especial Cri- minal em que estão presentes o representante do Ministério Público, o autor do fato e seu advogado, e a vítima, que também poderá ser representada por seu advogado. Essa audiência se dividirá em dois atos. 3.2.1 Tentativa de composição civil Ao iniciar a audiência preliminar, as partes podem realizar composição civil, che- gando a um acordo sobre a reparação dos danos eventualmente causados pela prática delituosa. Chegando a um acordo, o juízo irá homologá-lo e terá a validade de título exe- cutivo judicial. 3.2.2 Proposta de transação penal A transação penal é uma proposta realizada pelo membro do Ministério Público, ainda na fase preliminar, em que há uma espécie de barganha, deixando de dar início ao processo desde que o autor da infração aceite a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa. É importante lembrar que aceita e cumprida a transação penal, não se admitirá a culpa pelo fato praticado, também não levando à reincidência bem como aos maus antece- dentes (DEZEM, 2020, p. 1087). O cumprimento das condições assumidas na aceitação da transação penal levará à extinção da punibilidade do agente, enquanto o descumprimento acarretará o prossegui- mento do processo, com o oferecimento da inicial acusatória. 133UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 3.3 Denúncia Não havendo composição civil ou transação penal, o representante do Ministério Público oferecerá a denúncia ao fim da audiência preliminar, devendo ser observados os mesmos requisitos já analisados no item 2.2, ocasião em que o juiz irá designar a data para a audiência de instrução, debates e julgamento. 3.4 Audiência de Instrução, Debates e Julgamento O primeiro ato da audiência será uma nova tentativa de composição entre as partes. Não havendo composição, o juiz abrirá a palavra à defesa para apresentação de sua defesa preliminar de modo oral. Apresentada a defesa, o juiz fará o recebimento ou rejeição da acusação e, re- cebendo-a, a audiência seguirá o mesmo padrão da audiência do procedimento comum ordinário: oitiva a vítima (se houver), das testemunhas de acusação e defesa, peritos e o interrogatório do acusado. Em sequência, o juiz abrirá a palavra às partes para os debates orais, concedendo- -lhes o prazo de 20 minutos, com a possibilidade de prorrogação por mais 10 minutos, seguindo a ordem: acusação, assistente de acusação (se houver) e defesa (sempre a última a falar) e, por fim, o juiz proferirá sua sentença. 134UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 4. EXECUÇÃO PENAL Se analisarmos o processo penal como um todo, constataremos que existem fases bem delimitadas para a apuração e eventual punição de uma infração penal. Como já vi- mos, a primeira fase é a investigação preliminar que, na legislação brasileira, é realizada, em regra, por meio de um inquérito policial, cujo objetivo primordial é apurar a existência do crime e dos indícios suficientes de sua autoria. Uma vez concluída a investigação, tem início a segunda etapa, que é a ação penal, iniciada por denúncia ou queixa-crime e desenvolvida a partir de um procedimento pre- visto pelo código de processo penal. A ação penal tem como objetivo verificar se o crime realmente existe e se a pessoa que está sendo acusada é mesmo a autora. Não havendo essa comprovação, o réu será absolvido. Havendo a comprovação, o réu será condenado e o juiz, por meio da sentença penal condenatória, aplicará uma pena compatível com a culpabilidade do acusado. Imposta a pena pela sentença e transitada em julgado a decisão (tornando-se imutável), surge então a necessidade de se executar a pena. Nesse ponto ingressa a execução penal. Nucci (2018) leciona que a execução penal se trata da fase processual em que o Estado faz valer a pretensão executória da pena, tornando efetiva a punição do agente e buscando a concretude das finalidades da sanção penal. Em resumo, a execução penal é o ramo do direito criminal que determina a forma do cumprimento das penas. 135UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 4.1 Das Penas Privativas de Liberdade Penas privativas de liberdade são aquelas que retiram o direito de locomoção em razão de prisão por tempo determinado. De acordo com o Código Penal, o máximo de pena que uma pessoa pode cumprir é 40 anos, conforme dispõe o artigo 75, já com a nova regra trazida pelo pacote anticrime (Lei 13.964/19). As penas privativas de liberdade podem ser cumpridas em três regimes diferentes: fechado, semiaberto e aberto, cabendo ao juiz sentenciante fixar o regime de cumprimento da pena de acordo com o que dispõe o código penal. O condenado à pena superior a oito anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro anos e não exceda a 8 oito, poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto; e o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. 4.1.1 Progressão de regime É a passagem, durante o cumprimento da pena, de um regime mais grave para outro mais brando (ex.: fechado → semiaberto → aberto). A progressão deve sempre seguir a gradação dos regimes, ou seja, não se admite a progressão por salto (ex.: do fechado direto para o aberto). O artigo 112 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), já com a nova redação dada pelo pacote anticrime, apresenta os requisitos exigidos para a progressão. Como requisito objetivo, exige-se o cumprimento de uma parcela da pena nas seguintes quantidades: I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prá- tica de crime hediondo ou equiparado, se for primário; VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; b) condenado por exercer o comando,individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prá- tica de crime hediondo ou equiparado; VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicio- nal (BRASIL, 1984). Como requisito subjetivo a lei exige o bom comportamento carcerário, consistente na adaptação ao novo regime e ausência de faltas graves. 136UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 4.1.2 Regressão de regime Consiste no retorno ao regime mais gravoso quando o beneficiado praticar novo fato definido como crime doloso ou falta grave, sofrer condenação por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime, ou frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta. 4.2 Regras para Cumprimento do Regime Fechado Exame criminológico: é realizado um exame de natureza física e psicológica para classificação do preso e sua colocação no local adequado dentro do presídio. Trabalho interno: o preso pode trabalhar durante o dia, mas somente no interior do presídio, de acordo com suas aptidões. Ex.: pode realizar serviços de conservação da unidade. Trabalho externo: é admitido apenas em obras ou serviços públicos, desde que tomadas as cautelas para evitar fuga. Autorizações de saída: poderão sair, mediante escolta, nos seguintes casos: a) falecimento ou doença grave de cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão; b) em caso de necessidade de tratamento médico. 4.3 Regras para Cumprimento do Regime Semiaberto Exame criminológico: é realizado um exame para classificação do preso e sua colocação no local adequado dentro do presídio. Para o regime semiaberto, o código penal diz ser obrigatório, porém a Lei de execução penal afirma se tratar de medida facultativa. De acordo com a jurisprudência, prevalece a disposição da Lei de execução penal. Trabalho interno: o preso pode trabalhar durante o dia na colônia penal agrícola ou industrial – maior liberdade. Trabalho externo: é admitido em qualquer estabelecimento. Autorizações de saída: poderão sair, mediante escolta, nos seguintes casos: a) falecimento ou doença grave de cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão; b) em caso de necessidade de tratamento médico. Saída temporária: para o regime semiaberto, a legislação permite algumas hi- póteses de saída desvigiada. As hipóteses são para visitar a família, frequentar cursos profissionalizantes ou instituições de ensino na comarca da execução e para participar de atividades que visem o retorno ao convívio social. 137UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários As saídas temporárias serão autorizadas pelo juiz da execução quando o preso tiver bom comportamento, ter cumprido no mínimo 1/6 da pena (primário) ou ¼ (reincidente), a saída for compatível com os objetivos da pena. 4.4 Regras para Cumprimento do Regime Aberto O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do con- denado. Trata-se de um regime em que o condenado possui bastante liberdade durante o dia, com recolhimento no período noturno e dias de folga. Durante o cumprimento do regime aberto, o condenado deve exercer alguma ativi- dade externa obrigatória, como trabalho, frequência a curso ou outra atividade autorizada, devendo recolher-se, como já afirmado, em casa do albergado no período noturno e nos dias de folga. 138UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 5. SISTEMAS PENITENCIÁRIOS A expressão “sistemas penitenciários” possuem direta relação com a forma de cumprimento das penas, em especial as penas privativas de liberdade. Ao longo da história das prisões, vários sistemas penitenciários foram apresenta- dos, sendo os mais conhecidos o sistema pensilvânico, o sistema auburniano e o sistema progressivo, sendo este último o adotado pela legislação brasileira. O sistema pensilvânico era extremamente rigoroso, adotando um sistema de isolamento absoluto entre os presos. Nesse sistema o preso era recolhido à sua cela, não podendo trabalhar ou receber visitas, sendo estimulado ao arrependimento pela leitura da bíblia (GRECO, 2015). Cezar Roberto Bitencourt (2017, p. 63) leciona que As características essenciais dessa forma de purgar a pena fundamentam-se no isolamento celular dos intervalos, na obrigação estrita do silêncio, na me- ditação e na oração. Esse sistema reduzia drasticamente os gastos com vi- gilância, e a segregação individual impedia a possibilidade de introduzir uma organização do tipo industrial nas prisões. O sistema pensilvânico sofreu severas críticas em razão do torturante efeito do isolamento total e silêncio imposto aos presos, havendo diversos estudos concluindo que o resultado desse isolamento era desastroso (BITENCOURT, 2017). 139UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários Em sequência, dadas as inúmeras críticas sofridas pelo sistema pensilvânico, surgiu o sistema auburniano, por volta do ano de 1796, que ainda adotava a prática do si- lêncio absoluto entre os reclusos, mas, diferentemente do sistema anterior, permitia alguma prática de conversas entre os presos e os guardas. Bitencourt (2017) ressalta que os detentos não podiam falar entre si, somente com os guardas, com licença prévia e em voz baixa. Um dos pontos mais importantes do sistema auburniano era o trabalho, pois tinha a ideia de que o trabalho seria uma importante forma de educar o preso e incorporar-se à força de trabalho quando de sua libertação. Neste ponto, mais uma vez invocamos as palavras de Bitencourt (2017, p. 72): O sistema auburniano pretendeu definir o trabalho sob um ponto de vista idealista, considerando-o como um agente de transformação, de reforma. Essa concepção ainda encontra fortes defensores. Tem-se vinculado a ati- vidade laboral, o ensino de um ofício, com a reforma e reabilitação do de- linquente, isto é, tem-se considerado o trabalho como meio de tratamento. Quando o recluso desenvolve disciplinadamente uma atividade laboral dentro da prisão, isso tem sido considerado um sintoma inequívoco de que se en- contra no caminho da ressocialização. Com a evolução dos estudos acerca dos sistemas e formas de cumprimento de pena, bem como a partir das críticas e dificuldades apresentadas pelos sistemas filadélfico e auburniano, no final do século XIX surge o sistema progressivo de cumprimento de pena. O sistema progressivo traz a ideia do abandono dos regimes celulares (isolamento total dos presos), enfocando-se, cada vez mais, na recuperação do delinquente e sua pre- paração gradual para o retorno ao convívio social. O sistema progressivo distribui o tempo do cumprimento da pena em diversos períodos, com gradações de privilégios diferenciados, de modo que o recluso, conforme sua boa conduta e aproveitamento das práticas reformadores e ressocializadores da pena, evolua de regime até chegar ao ponto de terminar o cumprimento da sua pena já reintegra- do à sociedade. Assim como já dito anteriormente, a nossa legislação penal adota o sistema pro- gressivo de cumprimento de pena, possuindo três estágios ou regimes, fechado, semiaberto e aberto, e o condenado, conforme evolui no cumprimento de sua pena e de acordo com seus méritos e bom comportamento, vai progredindo de um regime mais severo para outro mais brando até que, no regime aberto, já se encontra reinserido na sociedade, devendo trabalhar ou estudar durante o dia e recolher-se em casa do albergado no período noturno. 140UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 6. PENAS ALTERNATIVAS, MEDIAÇÃO E PRÁTICAS RESTAURATIVAS 6.1 Penas Alternativas As penas restritivas de direitosão espécies das chamadas penas alternativas, pois evitam a colocação do condenado em regime de prisão. Estas penas consistem na imposição de restrições ou obrigações ao condenado. 6.1.1 Espécies de penas restritivas de direito O código penal apresenta um rol, uma relação de penas restritivas de direito que podem ser aplicadas pelo juiz. É importante lembrar que esse rol é taxativo, ou seja, o juiz não pode criar outras espécies de pena restritiva de direitos. a) Prestação pecuniária É a determinação de que o condenado efetue pagamento em dinheiro à vítima, seus dependentes ou a alguma entidade pública ou privada com destinação social. Precisamos ter o cuidado de não confundir a prestação pecuniária com a pena de multa. Elas possuem destinações diferentes. Enquanto a prestação pecuniária se destina à vítima, seus dependentes ou entida- de com destinação social, a pena de multa destina-se ao fundo penitenciário. b) Perda de bens ou valores O juiz pode declarar o perdimento, em favor do fundo penitenciário, de bens ou valores de propriedade do condenado, sempre levando em conta o prejuízo causado e/ou os proventos obtidos em consequência do crime. 141UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários c) Prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas Consiste na realização de tarefas gratuitas (não remuneradas) em estabelecimen- tos assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos etc. É importante que o juiz leve em conta as aptidões do condenado. d) Interdição temporária de direitos É a proibição do exercício de algumas atividades ou direitos pelo prazo da pena. Exemplo: proibição de cargo, função pública ou mandato eletivo; proibição de exercício de profissão; suspensão da autorização para dirigir. e) Limitação de fim de semana Obrigação de o condenado permanecer, aos sábados e domingos, por 5 horas diárias, em casa do albergado ou outro estabelecimento adequado. O estabelecimento encaminhará, mensalmente, relatório de cumprimento ao Juízo. 6.2 Práticas Restaurativas A justiça restaurativa busca a resolução dos conflitos a partir de acordos, sempre buscando conciliar as partes a fim de resolver a questão sem a necessidade de um proce- dimento litigioso. A justiça restaurativa se contrapõe à justiça retributiva, pois nesta última, o foco é a punição do infrator. Indiscutivelmente, a justiça penal brasileira possui, ao menos até o momento, caráter retributivo (NUCCI, 2018, p. 652). Masson (2020, p. 461), ao tratar das práticas restaurativas, leciona que A justiça restaurativa tem como principal finalidade, portanto, não a impo- sição da pena, mas o reequilíbrio das relações entre agressor e agredido, contando para tanto com o auxílio da comunidade, inicialmente atacada, mas posteriormente desempenhando papel decisivo na restauração da paz social. Nesse contexto, vislumbra-se a justiça com ênfase na reparação do mal pro- porcionado pelo crime, compreendido como uma violação às pessoas e aos relacionamentos coletivos, e não como uma ruptura com o Estado. No Brasil, a Lei 9.099/95 (lei dos juizados especiais) deu um primeiro passo em direção às práticas restaurativas ao admitir a possibilidade de resolução do conflito através da composição civil, que ocorre na audiência preliminar. Em interessante artigo publicado junto ao site do Ministério Público do Paraná, Bonavides e Silva (2019, p. 9) concluem que O uso de práticas restaurativas, previamente a qualquer intervenção penal, permitindo que os envolvidos construam coletivamente um acordo para a res- ponsabilização do ofensor, com a reparação, ainda que simbólica, à vítima, e, assim, promova a harmonização das relações sociais, tendo como referencial tanto o direito quanto os sentimentos, necessidades e expectativas dos en- volvidos, torna juridicamente desnecessária a persecução penal da conduta, por falta de justa causa. 142UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 6.3 Mediação A mediação é uma das modalidades de práticas restaurativas, consistente em um processo informal e flexível na qual uma terceira pessoa alheia à discussão (o mediador) age com o objetivo de buscar a solução do conflito através de acordo (FARIA, 2012). A ideia central é que o mediador atue a partir de uma posição neutra, equidistante das partes, de modo a resolver o conflito com a obtenção de um resultado produtivo e eficiente para ambos os envolvidos. Embora de grande utilidade e aplicação em outras áreas do direito, a mediação não possui aplicabilidade efetiva, ao menos momentaneamente, na esfera penal, principalmente em razão dos interesses envolvidos, normalmente indisponíveis. Entretanto, como bem ressalta Ana Paula Faria (2012, p. 9), é necessário compreender que a mediação penal, como ferramenta da justiça restaurativa, amplia os propósitos do ordenamento jurídico, possibilita o exer- cício da cidadania e a efetivação do Estado Democrático de Direito, principal- mente no que tange à instrumentalização do princípio da dignidade humana. A tendência é que a justiça negociada e as práticas restaurativas apliquem-se, cada vez mais, a todos os ramos do direito, buscando a solução dos conflitos de modo pacífico e sem a necessidade de intervenção estatal. SAIBA MAIS O processo penal brasileiro adota de modo expresso o sistema acusatório, que garante aos acusados o direito de ampla defesa e contraditório, além de separar as funções de produção de prova e acusação, julgamento e defesa. Esse sistema é oposto ao chamado sistema inquisitivo, em que a mesma pessoa que acusa e produz provas, ao final julga, deixando evidente sua “contaminação” pelo interesse em obter o resultado condenatório. Fonte: o autor. REFLITA “O fim do direito não é abolir nem restringir, mas preservar e ampliar a liberdade” (John Locke) 143UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários LEITURA COMPLEMENTAR Sistemas processuais: acusatório Francisco Sannini Neto A origem do sistema acusatório está ligada ao Direito Grego, sendo que a perse- cução penal se desenvolve com a participação direta do povo no exercício da acusação. Conforme analisado na coluna anterior, o problema desse sistema na sua versão original residia exatamente nesse fato, uma vez que a acusação realizada pelos particula- res era falha e passou a exigir uma postura mais ativa por parte dos magistrados, o que, eventualmente, acabou acarretando o surgimento do sistema inquisitivo. Contudo, com a Revolução Francesa e suas novas ideologias de valorização do homem e dos direitos fundamentais, o sistema inquisitivo perdeu força e o sistema acusa- tório foi paulatinamente ressurgindo das cinzas. Dessa vez, todavia, percebeu-se que o mesmo erro não poderia ser repetido, ou seja, a acusação não poderia ficar nas mãos de particulares. Assim, foi necessária uma divisão da persecução penal em duas fases distintas, sendo que a responsabilidade pela acusação agora ficaria a cargo do próprio Estado, porém, por meio de um órgão distinto do juiz. É exatamente nesse ponto que surge o Ministério Público. Aury Lopes Jr., ao citar Carnelutti, nos ensina que há um nexo entre o sistema inquisitivo e o Ministério Público, justamente devido à necessidade de dividir a atividade estatal em duas partes. Nesse contexto, o Ministério Público seria uma parte fabricada, que surge da necessidade do sistema acusatório e garante a imparcialidade do juiz (LOPES JR., 2015, p. 118). Dentro dessa nova perspectiva, é impossível não reconhecer que o Ministério Público é parte no processo penal, parte esta responsável pelo exercício de uma pretensão acusatória. Somente com essa divisão de funções o sistema processual fica perfeito, havendo, assim, uma parte acusadora, outra responsável pela defesa, e um juiz imparcial na ponta da pirâmide. É preciso que a doutrina processual penal desmistifique o mito de que o Ministério Público é um sujeito imparcial, que só objetivapromover a justiça. Aliás, quando tratamos de processo penal, o ideal seria que os representantes do Ministério Público fossem cha- mados de “promotores de acusação” e não “promotores de justiça”. 144UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários O fato de um promotor pleitear, por exemplo, a absolvição do réu em alegações finais, não significa que ele seja um sujeito imparcial. Lembramos que, como agente pú- blico, o promotor deve pautar sua atuação pelo princípio da legalidade, o que impossibilita a efetivação da acusação sem que haja, ao menos, a prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria. Ora, seria mesmo absurdo que um órgão pertencente ao Estado, que deve atuar de acordo com a lei (expressão da vontade geral), procedesse ao seu arrepio, pleiteando a condenação de um suspeito sem respaldo probatório para tanto. Não podemos, destarte, incidir no erro de acreditar que uma mesma pessoa possa ser capaz de executar duas funções tão antagônicas como acusar e defender, não se po- dendo, outrossim, confundir a observância da legalidade com uma suposta imparcialidade (LOPES JR., 2015, p. 119). Nessa mesma linha de raciocínio, justamente em virtude de o Ministério Público ser parte no processo penal, somos absolutamente contrários ao seu poder investigatório. Isto, pois, como pode um agente do Estado conduzir uma investigação com a devi- da e necessária imparcialidade, se ele já vislumbra no horizonte uma futura batalha judicial a ser travada?! Mais do que isso, quais seriam as garantias do investigado diante de uma investigação conduzida pelo próprio órgão responsável pela sua acusação posterior? Não podemos olvidar que a investigação preliminar não se direciona exclusivamen- te à acusação, sendo que em inúmeras situações a investigação acaba atuando em sentido contrário, ou seja, fornecendo elementos que servem ao próprio investigado, demonstrando, assim, a desnecessidade de submetê-lo a uma fase processual. É exatamente esse o papel do inquérito policial, que não tem vínculo nem com a acusação e nem com a defesa, sendo compromissado apenas com a verdade e com a jus- tiça, servindo como um verdadeiro filtro processual, impedindo que acusações infundadas desemboquem em um processo. Feitas essas observações, consignamos que a adoção do sistema acusatório, além de exigir a divisão da persecução penal em duas fases distintas (investigação e processo), concentrando as ações processuais (acusação, defesa e julgamento) em pessoas diferen- tes, também demanda a observância de outras características, especialmente no que se refere à postura do juiz, que, necessariamente, deve abster-se de participar da produção de provas, deixando essa função apenas para as partes (acusação e defesa). Somente assim a imparcialidade do juiz restará preservada e o sistema acusatório será respeitado. 145UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários Aury LOPES JR. (2015, p. 109) destaca que o juiz “deve resignar-se com as conse- quências de uma atividade incompleta das partes, tendo que decidir com base no material defeituoso que lhe foi proporcionado”. É essa a premissa elementar do sistema acusatório, que exige a inércia judicial mesmo diante de eventuais falhas oriundas da atividade acusatória. Raciocínio semelhante deve ser observado no que diz respeito à defesa. Com a criação do Ministério Público o Estado conseguiu mitigar os problemas decorrentes de uma atividade acusatória mal administrada. Nesse sentido, se faz necessário que o Estado também se preocupe em criar e manter um serviço público de defesa, o que deve ser feito por meio do fortalecimento das Defensorias Públicas. Somente assim nós poderíamos ter um sistema acusatório perfeito. Frente ao exposto, podemos sintetizar as principais características de um sistema acusatório puro da seguinte forma: 1-) distinção entre as atividades de acusar, defender e julgar; 2-) a iniciativa probatória cabe exclusivamente às partes; 3-) a figura do juiz deve se manter inerte e imparcial, sem qualquer participação na atividade probatória; 4-) predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes do processo; 5-) vigora a publicidade e a oralidade; 6) observância do contraditório e da ampla defesa; 7-) inexistência de um sistema tarifado de provas, prevalecendo o livre convencimento motivado do julgador; 8-) possibilidade de revisão das decisões por meio do duplo grau de jurisdição; 9-) existência de coisa julgada; 10-) o imputado deve ser tratado como sujeito de direito (desde a investi- gação criminal) e não como objeto de direito. Fonte: Neto (2017). 146UNIDADE IV Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: O processo Autor: Franz Kafka Ano: 1925 Editora: Companhia de Bolso Sinopse: A história de Josef K. atravessa os anos sem perder nada do seu vigor. Ao contrário, a banalização da violência irracional no século XX acrescentou a ela o fascínio dos romances realistas. Na sua luta para descobrir por que o acusam, por quem é acusado e que lei ampara a acusação, K. defronta permanentemente com a impossibilidade de escolher um caminho que lhe pareça sensato ou lógico, pois o processo de que é vítima segue leis próprias: as leis do arbítrio. FILME/VÍDEO Título: As duas faces de um crime Ano: 1996 Sinopse: Em Chicago, um arcebispo (Stanley Anderson) assas- sinado com 78 facadas. O crime choca a opinião pública e tudo indica que o assassino é um jovem de 19 anos (Edward Norton), que foi preso com as roupas cobertas de sangue da vítima. No en- tanto, um ex-promotor (Richard Gere) que se tornou um advogado bem-sucedido se propõe a defendê-lo, sem cobrar honorários, tendo um motivo para isto: adora ser coberto pela mídia, além de ter uma incrível necessidade de vencer. 147 REFERÊNCIAS AVENA, Norberto. Processo Penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. BARBOSA, Rui. Oração aos moços. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Casa Rui Barbosa, 1999. BARROS, Clóvis. Shinsetsu: o poder da gentileza. São Paulo: Planeta, 2018. BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão – causas e alternativas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. BONAVIDES, Samia Saad Galllotti; SILVA, Mário Edson Passerino Fischer. As práticas restaurativas como alternativa ao processo penal: da proposta de ressignificação do caso penal a uma necessária concretização do princípio da última ratio. RJLB, Curitiba, ano 6, n. 3, 2019. Disponível em: https://site.mppr.mp.br/arquivos/Image/Nupia/Tese_Aprova- da_e_Publicada.pdf. Acesso em: 20 jan. 2021. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Emendas Constitucionais de Revisão. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm. Acesso em: 03 jan. 2021. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, 1940. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 05 jan. 2021. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasí- lia, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado. htm. Acesso em: 18 jan. 2021. BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e co- mercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Brasília, 2003. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826compilado.htm. Acesso em: 15 jan. 2021. BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Fe- deral, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência 148 contra a Mulher; dispõesobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, 2006a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 15 jan. 2021. BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, aten- ção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília, 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 03 jan. 2021 BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o at. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília, 2015. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm. Acesso em: 15 jan. 2021. BRASIL. Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979. Concede anistia e dá outras providências. Brasília, 1979. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6683.htm. Acesso em: 12 jan. 2021. BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 18 jan. 2021. BRASIL. Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm. Acesso em: 15 jan. 2021. BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília, 1995. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 18 jan. 2021. BRASIL. Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transporte e tratamento e dá outras providências. Brasília, 1997a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9434.htm. Acesso em: 15 jan. 2021. BRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Brasília, 1997b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503compilado. htm. Acesso em: 15 jan. 2021. 149 BRASIL. Secretaria de Vigilância e Saúde. Portaria nº 344, de 12 de maio de 1998. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Brasília, 1998. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/1998/ prt0344_12_05_1998_rep.html. Acesso em: 05 jan. 2021. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Encomendar drogas, mesmo sem a entrega efetiva, configura crime de tráfico. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/ Paginas/Comunicacao/Noticias/Encomendar-drogas--mesmo-sem-a-entrega-efetiva--con- figura-crime-de-trafico.aspx. Acesso em: 03 jan. 2021. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula da jurisprudência nº. 610. Brasília: 1987. Dis- ponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 24 março 2021. BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte geral, volume 1. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2020. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – v. 1 – parte geral. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal – parte geral – volume único. 8. ed. Salvador: Juspodvm, 2020. DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de processo penal. 6. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. ESTEFAM, André. Direito penal - parte geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal parte geral esquema- tizado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. FARIA, Ana Paula. Mediação penal: um novo olhar sobre a justiça penal. Belo Ho- rizonte, 2012. Disponível em: https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/hand- le/123456789/1106/6%20R%20Mediacao%20penal%20-%20ana%20paula.pdf?sequen- ce=1. Acesso em: 22 jan. 2021. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Curso de direito penal: parte especial – vol. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Vol. 1. Parte geral. 22. ed. Niterói: Ímpetus, 2020. 150 GRECO, Rogério. Sistema prisional: colapso atual e soluções alternativas. Niterói: Ímpetus, 2015. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953. JESUS, Damasio Evangelista; ESTEFAM, André. Direito penal 1. Parte geral. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patrícia. Manual de direito penal parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal: volume único. 8. ed. Salvador: Juspo- divm, 2020. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. MASSON, Cléber. Direito penal – parte especial (arts. 121 a 212). 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. MASSON, Cléber. Direito penal – parte especial (arts. 213 a 359-H). 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. MASSON, Cléber. Direito penal – parte geral. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. MASSON, Cléber; MARÇAL, Vinicius. Lei de drogas: aspectos penais e processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2019. MELO, Lya Maria de Loiola; RODRIGUES, José Dias Oliveira; VIANA, Larissa de Assis. Causa supralegal de exclusão da ilicitude: o consentimento do ofendido. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59962/causa-supralegal-de-exclusao-de-ilicitude-o-consenti- mento-do-ofendido. Acesso em: 03 jan. 2021. NETO, Francisco Sannini. Canal ciências criminais. 2017. Disponível em: https://canalcien- ciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/425468970/sistemas-processuais-acusatorio. Acesso em: 03 jan. 2021. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte especial: arts. 121 a 212 do código penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 151 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de execução penal. Rio de Janeiro: Forense, 2018. PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral e parte especial. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2020. ROSA, Alexandre Morais. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 6. ed. Flo- rianópolis: EMais, 2020. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 6. ed. Curitiba: IPCP, 2014. ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasilei- ro. v.1. Parte geral. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 152 CONCLUSÃO GERAL Querido(a) aluno(a), Com a confecção deste material, dividido em quatro unidades, tentei trazer para você os principais conceitos do direito penal e do processo penal. As disciplinas (penal e processo penal) são extensas, com muitos detalhes que demandam cuidados para não prejudicar o seu entendimento, mas acredito que o objetivo geral foi atendido. Iniciamos os nossos estudos com a parte geral do código penal, em especial a principiologia que circunda a disciplina, com o objetivo de compreender o ponto crucial da parte geral, a teoria do crime. Após estudarmos de modo detalhado a teoria do crime e o conceito analítico de crime, passamos ao estudo da teoria da pena e seus detalhes, tais como o concurso de crimes e a forma de aplicação da pena. Com a finalização da Unidade II, você já conhece o que de mais importante existe na parte geral do código penal e, por isso, iniciamos o estudo dos crimes em espécie na Unidade III, onde conhecemos, detalhadamente, os crimes mais importantes do código penal e tambémda legislação penal especial. Finalizamos nossos estudos com a Unidade IV, em que conhecemos a importância do processo penal para a concretização do direito penal, com a aplicação da lei ao caso concreto. Vimos o inquérito policial como forma de investigação do crime e de sua autoria e o procedimento comum ordinário, o mais amplo e mais utilizado procedimento empregado na formação da culpa do agente, culminando com uma sentença condenatória ou absolutória. Por fim, conhecemos as diretrizes gerais da execução penal e das práticas restaurativas. Com isso tudo, você está apto(a) a seguir seus estudos, ampliando seus horizontes e desenvolvendo suas habilidades jurídicas. Um grande abraço e até uma próxima oportunidade. +55 (44) 3045 9898 Rua Getúlio Vargas, 333 - Centro CEP 87.702-200 - Paranavaí - PR www.unifatecie.edu.br/editora-edufatecie edufatecie@fatecie.edu.br EduFatecie E D I T O R A APRESENTAÇÃO DO MATERIAL SUMÁRIO UNIDADE I - DIREITO PENAL E TEORIA DO CRIME INTRODUÇÃO 1. DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA 1.1 Conceitos Fundamentais 1.2 Funções do Direito Penal 2. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL 2.1 Princípio da Legalidade 2.1.1 Vertentes do princípio da legalidade 2.2 Princípio da Individualização da Pena 2.3 Princípio da Alteridade 2.4 Princípio da Adequação Social 2.5 Princípio da Intervenção Mínima 2.6 Princípio da Insignificância 3. LEI PENAL NO TEMPO E ESPAÇO 3.1 Lei Penal no Tempo 3.1.1 Lei penal excepcional e temporária 3.2 Tempo do Crime 3.3 Lei penal no Espaço 3.4 Lugar do Crime 4. SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO 5. CONCEITO DE CRIME: AÇÃO / OMISSÃO TÍPICA 5.1 Fato Típico 5.1.1 Conduta 5.1.1.1 Formas de conduta 5.1.1.2 Teoria finalista da ação 5.1.1.3 Espécies de crimes omissivos 5.2 Resultado 5.2.1 Classificação dos crimes quanto ao resultado naturalístico 5.2.2 Classificação dos crimes quanto ao resultado jurídico 5.3 Nexo de Causalidade 5.3.1 Teoria aplicada ao nexo de causalidade: teoria da equivalência dos antecedentes 5.4 Tipicidade 5.5 Elemento subjetivo do crime 5.5.1 Dolo 5.5.1.1 Teorias sobre o dolo 5.5.1.2 Espécies de dolo 5.5.2 Culpa 5.5.2.1 Elementos do crime culposo 5.5.2.2 Espécies de culpa 6. CONCEITO DE CRIME: ILÍCITA 6.1 Causas Excludentes de Ilicitude 6.1.1 Estado de necessidade - art. 24 do código penal 6.1.1.1 Requisitos para a aplicação do estado de necessidade 6.1.2 Legítima defesa - Art. 25 do código penal 6.1.2.1 Requisitos para a aplicação da legítima defesa 6.1.3 Estrito cumprimento do dever legal - Art. 23, inciso III primeira parte do código penal 6.1.4 Exercício regular de direito - art. 23, inciso III, parte final do código penal 7. CONCEITO DE CRIME: CULPÁVEL 7.1 Elementos da Culpabilidade 7.1.1 Imputabilidade 7.1.1.1 Inimputabilidade por imaturidade natural 7.1.2 Inimputabilidade por doença mental 7.1.3 Inimputabilidade pela embriaguez completa e involuntária 7.2 Potencial Consciência da Ilicitude 7.2.1 Classificação do erro de proibição 7.2.1.1 Direto 7.2.1.2 Indireto 7.2.1.3 Mandamental 7.2.2 Consequências do erro de proibição 7.3 Exigibilidade de Conduta Diversa 7.3.1 Coação moral irresistível 7.3.2 Obediência hierárquica à ordem superior não manifestamente ilegal CONSIDERAÇÕES FINAIS LEITURA COMPLEMENTAR MATERIAL COMPLEMENTAR UNIDADE II - DIREITO PENAL E TEORIA DA PENA INTRODUÇÃO 1. ETAPAS DA REALIZAÇÃO DO CRIME 1.1 Consumação e Tentativa 1.1.1 Consumação 1.1.2 Tentativa 1.1.2.1 Espécies de tentativa 1.1.2.2 Redução de pena e critério 2. CONCURSO DE PESSOAS 2.1 Requisitos para a existência do concurso de agentes 2.2 Sujeitos no Concurso de Agentes 2.2.1 Autoria e coautoria 2.2.2 Participação 3. CONCURSO DE CRIMES 3.1 Concurso Material 3.2 Concurso Formal 3.2.1 Espécies de concurso formal 3.2.2 Forma de aplicação da pena 3.2.3 Concurso material benéfico 3.3 Continuidade Delitiva ou Crime Continuado 3.3.1 Requisitos para aplicação da continuidade delitiva 3.3.2 Forma de aplicação da pena 4. AÇÃO PENAL 4.1 Ação Penal Pública 4.1.1 Ação penal pública incondicionada 4.1.2 Ação penal pública condicionada 4.2 Ação Penal Privada 4.2.1 Espécies de ação penal privada 4.2.2 Prazo 5. TEORIA DA PENA: APLICAÇÃO 5.1 1ª Fase - Circunstâncias Judiciais 5.2 2ª Fase - Agravantes e Atenuantes 5.3 3ª Fase - Causas de Aumento e Diminuição de Pena 6. SUBSTITUTIVOS PENAIS 6.1 Penas Restritivas de Direitos 6.1.1 Espécies de penas restritivas de direito 6.1.2 Características das penas restritivas 6.1.3 Requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito 6.1.4 Regras para a substituição: 44, § 2º CP 6.1.5 Reconversão em pena privativa de liberdade 6.2 Pena de Multa 6.2.1 Fixação da multa 7. PUNIBILIDADE E CAUSAS DE EXTINÇÃO 7.1 Causas Extintivas da Punibilidade: Artigo 107 do Código Penal 7.1.1 Morte do Agente 7.1.2 Anistia, graça e indulto 7.1.3 Abolitio criminis 7.1.4 Prescrição, decadência ou perempção 7.1.5 Renúncia ao direito de queixa ou perdão aceito em ação penal privada 7.1.6 Retratação do agente, quando a lei permitir 7.1.7 Perdão judicial, quando previsto em lei CONSIDERAÇÕES FINAIS MATERIAL COMPLEMENTAR UNIDADE III - CRIMES EM DESTAQUE INTRODUÇÃO 1. CRIMES CONTRA A PESSOA 1.1 Homicídio - Art. 121 do Código Penal 1.2 Induzimento, Instigação ou Auxílio à Suicídio ou a Automutilação - Art. 122 do Código Penal 1.3 Infanticídio - Art. 123 do Código Penal 1.4 Aborto - Art. 124, 125, 126 e 127 do Código Penal 1.4.1 Aborto legal ou permitido - Art. 128 do código penal 2. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO 2.1 Furto - Art. 155 do Código Penal 2.2 Roubo - Art. 157 do Código Penal 2.3 Extorsão - Art. 158 do Código Penal 2.4 Estelionato - Art. 171 do Código Penal 3. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 3.1 Corrupção Passiva - Art. 317 do CP 3.2 Prevaricação - Art. 319 do CP 3.3 Corrupção Ativa - Art. 333 do CP 4. LEI DE ARMAS 4.1 Posse Ilegal de Arma de Fogo - Art. 12 da Lei 10.826/03 4.2 Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Permitido - Art. 14 da Lei 10.826/03 4.3 Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Restrito - Art. 16 da Lei 10.826/03 5. LEI DE DROGAS 5.1 Tráfico de Drogas - Art. 33 da Lei 11.343/06 5.2 Associação para Fins de Tráfico - Art. 35 da Lei 11.343/06 6. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 6.1 Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência - Art. 24-a da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) 7. CRIMES DE TRÂNSITO 7.1 Homicídio Culposo na Direção de Veículo Automotor - Art. 302 da Lei 9.503/97 7.2 Lesões Corporais Culposas na Direção de Veículo Automotor - Art. 302 da Lei 9.503/97 7.3 Embriaguez ao Volante - Art. 306 da Lei. 9.503/97 CONSIDERAÇÕES FINAIS LEITURA COMPLEMENTAR MATERIAL COMPLEMENTAR UNIDADE IV - PROCESSO, EXECUÇÃO PENAL E SISTEMAS PENITENCIÁRIOS INTRODUÇÃO 1. INQUÉRITO POLICIAL 1.1 Natureza Jurídica 1.2 Características 1.3 Titularidade / Presidência do Inquérito Policial 1.4 Atos de Iniciação 1.5 Prazos 1.6 Finalização 2. PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO 2.1 Denúncia e Queixa-Crime 2.2 Citação 2.3 Resposta Escrita 2.4 Absolvição Sumária 2.5 Audiência de Instrução, Debates e Julgamento 3. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 3.1 Termo Circunstanciado de Infração Penal 3.2 Audiência Preliminar 3.2.1 Tentativa de composição civil 3.2.2 Proposta de transação penal 3.3 Denúncia 3.4 Audiência de Instrução, Debates e Julgamento 4. EXECUÇÃO PENAL 4.1 Das Penas Privativas de Liberdade 4.1.1 Progressão de regime 4.1.2 Regressão de regime 4.2 Regras para Cumprimento do Regime Fechado 4.3 Regras para Cumprimento do Regime Semiaberto 4.4 Regras para Cumprimento do Regime Aberto 5. SISTEMAS PENITENCIÁRIOS 6. PENAS ALTERNATIVAS, MEDIAÇÃO E PRÁTICAS RESTAURATIVAS 6.1 Penas Alternativas 6.1.1 Espécies de penas restritivas de direito 6.2 Práticas Restaurativas 6.3 Mediação LEITURA COMPLEMENTAR MATERIAL COMPLEMENTAR REFERÊNCIAS CONCLUSÃO GERAL