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2 
 
 
 
Tudo Por Amor 
Perfect 
Judith McNaught 
 
Tradução Revisada por Karem – orkut 
Revisão Final e Formatação: Vick 
 
 
 
Julie é uma menina que perdeu os pais e vivia num orfanato até que uma família de-
cide adotá-la. Porém ela acredita que não merece, por ser essa uma família de moldes 
perfeitos, coisa que Julie não acreditava ser. Por isso, durante toda sua vida se esforçou 
ao máximo para ser perfeita e se encaixar entre eles. 
Zack nasceu entre os privilegiados, porém num momento de sua vida, sua avó decide 
expusá-lo de casa e se esquecer que ele existe. Consegue seguir adiante como ator e di-
retor de Hollywood, mas a morte de sua mulher durante um estranho acidente durante a 
rodagem de um filme, o converte em um presidiário. Decide fugir para provar sua inocên-
cia e no meio do caminho ele cruza com a doce Julie, tão diferente das falsas atrizes que 
ele estava acostumado. 
 
 3 
Prólogo 
 
1976 
 
 
Margaret Stanhope estava de pé nas portas que davam ao terraço. Suas feições aristocráti-
cas eram uma máscara gélida enquanto observava ao serviçal que nesse momento passava uma 
bandeja de bebidas a seus netos, que acabavam de retornar de distintos colégios privados, para 
passar ali as férias do verão. Além do terraço, no vale, era claramente visível a cidade do Ridgemont, 
Pennsylvania, com suas ruas serpenteantes flanqueadas de árvores, seu prolixo parque, a agradável 
zona comercial e, para a direita, o Clube de Campo. Exatamente no centro do Ridgemont havia uma 
série de edifícios de tijolo; eram as Indústrias Stanhope, a empresa direta ou indiretamente respon-
sável pela prosperidade econômica de quase todas as famílias que viviam no lugar. Como a maioria 
das cidades pequenas, Ridgemont possuía uma rígida hierarquia social, e a família Stanhope ocupa-
va o pináculo dessa estrutura, assim como a mansão Stanhope se erigia sobre a colina mais alta da 
zona. Entretanto, esse dia Margaret Stanhope estava longe de pensar na paisagem que se divisava 
desde seu terraço, nem no elevado nível social que possuía desde seu nascimento e que aumentou 
com seu casamento; só podia pensar no golpe que se dispunha a atirar a seus três odiosos netos. 
Alex, o menor, de dezesseis anos, notou que os olhava e, a contra gosto, tomou uma taça de 
chá gelado da bandeja que lhe oferecia o serviçal, em lugar da taça de champanha que tivesse pre-
ferido. Alex e sua irmã eram idênticos, pensou Margaret com desprezo, enquanto os estudava. Am-
bos eram malcriados, promíscuos e irresponsáveis; bebiam muito, gastavam muito e jogavam muito; 
não eram mais que crianças mimadas que ignoravam por completo o que era a autodisciplina. Mas 
isso estava por chegar a seu fim. 
Seu olhar se posou no serviçal, que nesse momento oferecia a bandeja a Elizabeth. Ao ver 
que sua avó a observava, a menina de dezessete anos lhe dirigiu um olhar desafiante e em um gesto 
infantil se serve duas taças de champanha. Margaret Stanhope a olhou sem fazer nenhum comentá-
rio. Essa garota era a viva imagem de sua mãe, uma mulher superficial, frívola e excessivamente ex-
citada sexualmente, morta oito anos antes quando o automóvel esportivo que conduzia o filho de 
Margaret patinou e derrubou sobre a rota gelada. Nesse acidente morreram ambos, e ficaram órfãos 
os quatro filhos. O disforme policial indicava que os dois estavam bêbados e que viajavam a excessi-
va velocidade. 
Seis meses antes, sem fazer caso de sua idade avançada nem do mau tempo reinante, o ma-
rido da Margaret morreu em um acidente aéreo, enquanto pilotava seu avião rumo a Cozumel, para ir 
pescar. A modelo de vinte e cinco anos que viajava com ele no avião devia ser sua isca de peixe, 
pensou Margaret com pouco habitual crueldade e completo desinteresse. Esses acidentes fatais 
eram uma prova eloqüente da libertinagem e do descuido que durante gerações caracterizou a vida 
de todos os homens da família Stanhope. Todos eles, arrumados, arrogantes e temerários, viveram 
cada dia de suas vidas como se fossem seres indestrutíveis e que não deviam dar conta a ninguém 
de seus atos. 
O resultado foi que Margaret passou toda uma vida agarrando-se a sua maltratada dignidade 
e a seu autocontrole, enquanto o marido gastava sua fortuna a mãos cheias em seus vícios e ensi-
nava a seus netos a viver exatamente da mesma maneira. No ano anterior, enquanto ela dormia no 
piso superior, seu marido levou prostitutas a essa casa e as compartilhou com seus netos. Comparti-
lhou-as com todos, com exceção de Justin. Seu querido Justin... 
 
 4 
Suave, inteligente e trabalhador, Justin foi o único de seus três netos que se parecia com os 
homens de sua família, e Margaret o amou com toda a alma. E agora Justin estava morto, enquanto 
seu irmão Zack seguia vivo e saudável, amargurando-a com sua vitalidade. Margaret voltou à cabeça 
e o viu subir com agilidade os degraus de pedra que conduziam ao terraço, e a explosão de ódio que 
a percorreu ao ver esse moço alto e moreno de dezoito anos foi quase insuportável. 
Zack Benedict Stanhope III, que levava o nome do marido de Margaret, era idêntico ao que foi 
seu avô à mesma idade, mas não era por isso que o odiava. Seu motivo era muito mais forte e Zack 
o conhecia muito bem. Entretanto, faltavam poucos minutos para que por fim pagasse pelo que tinha 
feito... Embora nenhum castigo seria o bastante. Margaret não se sentia capaz de lhe infligir todo o 
castigo que merecia e se desprezava por sua debilidade quase tanto como desprezava a seu neto. 
Esperou até que o serviçal terminou de lhes servir a champanha, depois avançou para o ter-
raço. 
— Sem dúvida devem estar perguntando-se por que organizei esta pequena reunião familiar 
— disse. Zack a observava em silêncio, apoiado contra a balaustrada, mas Margaret alcançou a in-
terceptar o olhar de aborrecimento que trocaram Alex e Elizabeth, sem dúvida ansiosos por fugir dali 
e reunir-se com seus amigos, adolescentes idênticos a eles: amorais de caráter frágil que faziam o 
que lhes dava a vontade porque sabiam que o dinheiro de suas famílias lhes evitaria qualquer con-
seqüência desagradável. — Vejo que estão impacientem — adicionou a avó, dirigindo-se aos que 
acabavam de olhar-se—, assim irei ao ponto. Estou segura de que a nenhum dos dois lhes ocorreu 
pensar em algo tão banal como seu estado financeiro; entretanto, a realidade é que seu avô estava 
muito ocupado por suas "atividades sociais", e muito convencido de sua imortalidade, para estabele-
cer recursos financeiros para vocês depois da morte de seus pais. O resultado é que eu tenho o ple-
no controle da fortuna da família. E se por acaso se perguntam o que significa isso, me apressarei a 
explicá-lo. — Sorriu satisfeita antes de continuar falando. — Em quanto vocês dois continuem estu-
dando em seus respectivos colégios, e se comportem de uma maneira que eu considere aceitável, 
seguirei pagando seus estudos e lhes permitirei conservar seus automóveis. Ponto. 
A primeira reação da Elizabeth foi mais de curiosidade que de alarme. 
— E o que me diz do dinheiro para meus gastos pessoais e do que me fará falta quando in-
gressar o ano que vem na Universidade? 
— Não terá "gastos pessoais". Viverá aqui e assistirá à Universidade do povoado durante os 
primeiros anos. Se ao longo desse tempo demonstra que merece minha confiança, então, e só en-
tão, permitirei que ingresse em outra Universidade. 
— A Universidade do povoado! — exclamou Elizabeth, furiosa—. Não é possível que fale a 
sério! 
— Me coloque a prova, Elizabeth. Me desafie e verá que corto todo laço Com você e então fi-
cará sem um só centavo. E te advirto que se chegar a me inteirar de que você tornou a presenciar 
alguma dessas festas cheias de bêbados, drogados e promíscuos, não voltará a ver um só dólar. — 
voltou-se a olhar para Alexander. — E, se por acaso tem alguma dúvida, isso também vai por você. 
Tampouco voltará para Exeter o outono que vem. Terminaráseus estúdios pré-universitários aqui 
mesmo. 
— Não pode fazer isso! — explodiu Alex — Avô jamais o teria permitido! 
— Não tem direito a nos dizer como devemos viver nossas vidas! — choramingou Elizabeth. 
— Se meu oferecimento não parece bem — informou Margaret com voz de aço —, sugiro que 
consiga trabalho de garçonete em algum restaurante, ou que te procure um negociante de prostitu-
tas, porque essas são as duas carreiras para as que, no momento, está preparada. 
 
 5 
Notou que empalideciam e assentiu, satisfeita. De repente, Alex perguntou: 
— E quanto a Zack? Ele tem notas estupendas em Yale. Suponho que não o obrigará a viver 
aqui. 
Acabava de chegar o momento tão esperado. 
— Não — respondeu—. Não o farei viver aqui, — Voltou-se para Zack para poder lhe ver o 
rosto e espetou: — Vá embora! Vá embora desta casa e não volte nunca mais! Jamais quero voltar a 
te ver nem ouvir o seu nome. 
A não ser porque notou que o moço apertava os dentes, tivesse acreditado que suas palavras 
não tinham nenhum efeito sobre ele. Não pediu explicações, porque não às necessitava. Em realida-
de, desde que a ouviu falar com seus irmãos, ele sem dúvida supunha o que lhe esperava. Ergueu-
se em silêncio e estirou uma mão para tomar as chaves do automóvel que tinha arrojado sobre a 
mesa. Mas antes de que chegasse às tocar, a voz da Margaret o deteve em seco. 
— Deixa essas chaves! Além da roupa que tem posta, não te levará nada desta casa. 
Zack retirou a mão e olhou a seus irmãos, como se esperasse que dissessem algo, mas eles 
estavam muito imersos em sua própria desgraça para poder falar, e tinham medo de ver-se obriga-
dos a compartilhar seu destino se desafiavam de algum jeito à avó. 
A não ser porque notou que o rapaz apertava os dentes, teria acreditado que suas palavras 
não tinham nenhum efeito sobre ele. Não pediu explicações, porque não as necessitava. Em realida-
de, desde que a ouviu falar com seus irmãos, ele sem dúvida supunha o que lhe esperava. Ergueu-
se em silêncio e estirou uma mão para tomar as chaves do automóvel que tinha jogado sobre a me-
sa. Mas antes de que chegasse às tocar, a voz da Margaret o deteve em seco. 
— Deixa essas chaves! Além da roupa que tem posta, não levará nada desta casa. 
Poncho retirou a mão e olhou a seus irmãos, como se esperasse que dissessem algo, mas 
eles estavam muito imersos em sua própria desgraça para poder falar, e tinham medo de ver-se 
obrigados a compartilhar seu destino se desafiavam de algum jeito à avó. 
Margaret detestava os dois menores por sua covardia e sua falta de lealdade, mas ao mesmo 
tempo tratou de que ficasse claro que nenhum deles podia dar a menor amostra de coragem. 
— Se algum de vocês dois ficar em contato com ele, ou permitir que ele fique em contato com 
vocês — advertiu quando Zack começou a baixar os degraus de pedra da terraço— , embora só seja 
que estejam numa mesma festa que também estiver ele, sofrerão seu mesmo destino, compreende-
ram? — Para o neto que se afastava, sua advertência foi distinta. — Zack, se está pensando em se 
refugiar na compaixão de seus amigos, não se incomode. Em Ridgemont, as Indústrias Stanhope 
são a principal fonte de trabalho, e eu sou sua proprietária absoluta. Ninguém quererá te ajudar a ris-
co de cair em meu desagrado... E na perda de seu trabalho. 
A advertência de sua avó o fez voltar-se ao chegar aos pés dos degraus, de onde a olhou 
com tanto desprezo que logo então Margaret compreendeu que seu neto jamais tivera considerado 
sequer a possibilidade de refugiar-se na caridade de seus amigos. Mas o que mais lhe interessou foi 
a expressão que vislumbrou na face de seu neto antes de que ele voltasse a cabeça. Seria angustia 
o que via? Ou fúria? Ou temor? Esperava de todo coração que fossem as três coisas. 
O caminhão se deteve junto ao moço solitário que caminhava pelo encostamento da estrada, 
com uma mochila sport sobre um ombro e a cabeça inclinada como se lutasse contra o vento. 
— Ei! — gritou Charlie Murdock. — Quer que te leve? 
Um par de olhos cor âmbar, de expressão aturdida se cravaram em Charlie e durante alguns 
 
 6 
instantes o moço pareceu desorientado por completo, como se tivesse estado caminhando em esta-
do de sonambulismo. Depois assentiu. Quando subiu à cabine do caminhão, notou o par de calças 
custosas que levavam seu passageiro, os sapatos perfeitamente lustrados, as meias ao tom, o corte 
de cabelo perfeito, e supôs que tinha encontrado um estudante que por algum motivo havia se perdi-
do. Confiando em sua intuição e seus poderes de observação, decidiu conversar com o desconheci-
do. 
— Em que universidade estuda? 
O moço tragou, como se tivesse um nó na garganta, e voltou a cabeça para o guichê, mas 
quando falou sua voz era fria e cortante. 
— Não vou à universidade. 
— Te deixou o automóvel? 
— Não. 
— Sua família vive pelos arredores? 
— Não tenho família. 
A pesar do tom brusco de seu passageiro, Charlie, que tinha três filhos adolescentes, teve a 
sensação de que o moço fazia tremendos esforços por controlar-se e manter a raia suas emoções. 
— Por acaso tem nome? 
— Zack... — respondeu o jovem, e depois de uma breve vacilação, adicionou: —... Benedict. 
— Aonde vai? 
— Aonde você vá. 
— Eu vou até a Costa Oeste. Los Angeles. 
— Perfeito — respondeu o moço em um tom que cortava toda tentativa posterior de conver-
sação—. O lugar não tem importância. 
Quatro horas depois, o desconhecido falou pela primeira vez por vontade própria. 
— Necessitará ajuda para descarregar o caminhão quando chegar a Los Angeles? 
Charlie o olhou de soslaio, analisando suas conclusões iniciais a respeito do Zack Benedict. 
Estava vestido como um rapaz rico e tinha a dicção dos ricos, mas esse rapaz rico em particular se 
achava sem dinheiro, afastado de seu ambiente e em um momento de má sorte. Além disso, estava 
disposto a tragar-se seu orgulho e a fazer trabalhos manuais, coisa que, do ponto de vista do Charlie 
supunha bastante coragem. 
— Por seu aspecto diria que é capaz de levantar coisas pesadas — disse, estudando o corpo 
alto e musculoso de Benedict—. Esteve trabalhando com pesos ou algo assim? 
— Antes lutava boxe em... lutava boxe — se corrigiu. "Na universidade", terminou Charlie 
mentalmente a frase. Talvez porque Benedict recordava a seus próprios filhos a essa idade, quando 
decidiam ganhar a vida por sua conta, ou possivelmente porque pressentiu que os problemas de 
Zack Benedict deviam ser bastante desesperados, Charlie decidiu que lhe daria trabalho. Tendo 
chegado a essa conclusão, estendeu-lhe a mão. 
— Meu nome é Murdock, Charlie Murdock. Não posso te pagar muito, mas pelo menos, 
quando chegarmos a Los Angeles, terá a oportunidade de ver muito cinema. Este caminhão está car-
regado de filmes dos Estúdios Empire. Contrataram-me para as transportar e isso estamos fazendo. 
A indiferença de Benedict ante essa informação de algum jeito aumentou a convicção do 
 
 7 
Charlie de que seu passageiro não só estava falido, mas também não tinha a menor idéia a respeito 
de como solucionar esse problema. 
— Se fizer um bom trabalho, talvez possa recomendá-lo ao escritório de pessoal dos Estú-
dios, quer dizer, sempre que não se incomode empunhar uma vassoura ou quebrar o lombo. 
O passageiro voltou novamente a cabeça para o guichê. Justo no momento em que Charlie 
mudava de idéia e decidia que Zack se considerava muito bom para fazer trabalhos físicos, o jovem 
voltou a falar com uma voz enrouquecida pelo alívio e a gratidão. 
— Obrigado. O agradeço muito. 
 
 
 8 
Capítulo 1 
 
1978 
 
— Sou a senhora Borowski, do serviço público do Lar adotivo LaSalle — anunciou a mulher 
de média idade, enquanto cruzava o tapete oriental rumo à recepcionista, com uma bolsa de com-
pras no braço. Assinalou à garota de onze anos que ia atrás dela e esclareceu com frieza: — E esta 
é Julie Smith. veio para ver a doutora Theresa Wilmer. Voltarei a procurá-laquando terminar de fazer 
minhas compras. 
A recepcionista sorriu à pequena. 
— A doutora Wilmer estará com você em um momentinho, Julie . Enquanto isso sente-se ali e 
preencha este cartão. Esqueci-me de lhe dar isso a vez passada, quando veio. 
Muito consciente de seus jeans desbotados e da velha jaqueta que levava posta, Julie olhou 
com expressão inquieta a elegante sala de espera onde frágeis bonequinhos de porcelana repousa-
vam sobre uma antiga mesa e valiosas esculturas de bronze se apoiavam em pés de mármore. Se-
parando-se todo o possível da mesa cheia desses objetos, Julie se encaminhou a uma cadeira junto 
a um enorme aquário onde exóticos peixes de cores nadavam entre ramos verdes. A suas costas, a 
senhora Borowski voltou a colocar a cabeça para aconselhar a recepcionista: 
— Julie é capaz de roubar algo que não esteja atarraxada. É escorregadia e rápida, assim se-
rá melhor que a vigie de perto. 
Sufocando sua fúria e sua humilhação, Julie se deixou cair em uma cadeira, estirou as pernas 
para frente em um esforço consciente de adotar a atitude de pessoa aborrecida e nada afetada pelo 
horrível comentário da senhora Borowski, mas as cor que tingiam suas bochechas estragaram o efei-
to, além de que suas pernas não chegavam ao piso. 
Instantes depois trocou de postura e olhou aterrorizada o cartão que acabava de lhe entregar 
a recepcionista para que preenchesse. Embora sabia que não poderia escrever as palavras, não ti-
nha mais remedeio que tentá-lo. Apertando os dentes, concentrou-se nas letras que apareciam no 
cartão. A primeira palavra começava com uma letra N como a de Não nos pôsteres de Não Estacio-
nar que se alinhavam pela rua. Sabia o que diziam esses pôsteres porque seus amigos o haviam di-
to. A segunda letra era uma a como a de gato, mas a palavra não era gato. Apertou os dedos ao re-
dor do lápis Amarelo, enquanto lutava contra a familiar sensação de frustração e de furioso desespe-
ro que a curvava cada vez que se esperava que lesse algo. Tinha aprendido a palavra gato na pri-
meira série mas ninguém escrevia jamais essa palavra em nenhuma parte! Enquanto observava as 
palavras incompreensíveis do cartão, perguntou-se com fúria por que seria que as professoras lhes 
ensinavam a ler palavras tolas como gato quando ninguém escrevia jamais a palavra gato fora dos 
estúpidos livros da primeira. 
Mas os livros não são tolos, recordou-se Julie , e as professoras tampouco. Outros meninos 
de sua idade teriam lido esse tolo cartão em um abrir e fechar de olhos. Ela era a que não podia lê-
la, a tola era ela. 
Mas, por outra parte, disse-se que sabia uma quantidade de coisas que os outros meninos 
ignoravam por completo, porque ela se obrigava a prestar atenção às coisas. E tinha notado que 
quando entregavam a alguém algo que devia preencher, quase sempre se supunha que teria que 
começar por escrever seu próprio nome... 
Com cuidado, escreveu J-U-L-I-E--S-M-I-T-H ao longo da parte superior do cartão; depois se 
 
 9 
deteve incapaz de escrever nada mais. Sentiu que começava a zangar-se de novo, e antes de permi-
tir que esse tolo pedaço de papel lhe estragasse o dia, decidiu pensar em algo agradável, como a 
sensação do vento sobre a face, na primavera. Conjurava a visão de si mesmo sob uma grande ár-
vore cheia de folhas, observando os esquilos que brincavam de correr pelos ramos quando a voz da 
recepcionista a tirou de seus pensamentos, enchendo-a de alarme e de culpa. 
- Tem algum problema com o lápis, Julie ? 
Julie cravou a ponta do lápis no seus jeans e a quebrou. 
— Tem a ponta quebrada. 
— Aqui tem outro... . 
— Hoje estou a mão dolorida — mentiu, ficando de pé— Não tenho vontade de escrever. E 
devo ir ao banho. Onde fica? 
— Justo ao lado dos elevadores. A doutora Wilmer te receberá muito em breve, assim que 
não demore. 
— Não demorarei — respondeu respeitosamente Julie . depois de fechar a porta do escritório 
a suas costas, voltou-se a olhar o que tinha escrito e estudou com cuidado as primeiras letras, para 
poder as reconhecer à volta. "P", sussurrou em voz alta para não esquecer-se, "S-I", Satisfeita, per-
correu o longo corredor de tapetes, dobrou à esquerda ao chegar ao final e à direita ao ver o bebedor 
de água, mas quando por fim chegou aos elevadores, viu que ali havia duas portas, sem nenhuma 
letra nelas. Estava quase segura de que deviam ser as portas dos banheiros, porque, entre outra sé-
rie de conhecimentos armazenados, estava o fato de que pelo geral, nos grandes edifícios, as portas 
dos banheiros tinham trincos distintos dos escritórios. O problema era que nenhuma dessas portas 
dizia Homens ou Mulheres, duas palavras que reconhecia, nem tinham essas figurinhas de um ho-
mem e uma mulher que indicavam às pessoas como ela que banheiro deviam usar. Com muita cal-
ma, Julie apoiou a mão em uma das portas, entreabriu e espiou. Retrocedeu ao ver esses estranhos 
sanitários de parede, porque havia outras duas coisas que sabia e que duvidava que as demais garo-
tas soubessem: os homens utilizavam sanitários muito esquisitos. E ficavam loucos se alguma garota 
abria a porta enquanto o faziam. Julie abriu a outra porta e entrou no banheiro correto. 
Consciente de que o tempo passava com rapidez saiu do banheiro e se apressou a retroce-
der seus passos, até chegar à parte do corredor onde devia estar. 
o consultório da doutora Wilmer. Ali começou a estudar com dificuldade os nomes das portas. 
a da doutora Wilmer começava com um P-S-I. Leu a P-E-T da primeira porta e decidiu que devia ter 
memorizado mal as letras, assim que a abriu. Uma desconhecida, de cabelo grisalho, levantou a vis-
ta da máquina de escrever. 
— Sim? 
— Perdão, errei de porta — murmurou Julie , ficando ruborizada — Sabe onde está o consul-
tório da doutora Wilmer? 
— A doutora Wilmer? 
— Sim, você sabe... Wilmer... começa com P-S-I! 
— P-S-I-... Ah! Deve-te referir a Psiquiatras Associados. Esse é o escritório dois mil quinhen-
tos e dezesseis, no outro extremo do corredor. 
Normalmente, Julie teria simulado compreender e continuado a procurar em todos os escritó-
rios até encontrar o que procurava, mas estava muito preocupada com sua demora para atrasar-se 
mais. 
 
 10 
— Pode soletrar isso, por favor? 
— Como? 
— Os números! — exclamou ela com desespero— . Soletre-os assim: três-e seis-nove-e qua-
tro-dois. Diga-me isso assim. 
A mulher a olhou como se se tratasse de uma idiota, coisa que Julie sabia que era, mas lhe 
parecia odioso que o resto das pessoas se desse conta. depois de lançar um suspiro de irritação, a 
mulher lhe fez o que pedia. 
— O consultório da doutora Wilmer é o dois-cinco-um-seis. 
— Dois-cinco-um-seis — repetiu Julie . 
— É a quarta porta à esquerda — adicionou a mulher. 
— Bom! - exclamou Julie , cheia de frustração — por que não disse isso primeiro? 
Ao ouvi-la entrar, a recepcionista da doutora Wilmer levantou a cabeça. 
— Perdeu-se, Julie ? 
— Eu? Como vou me perder? — mentiu a pequena com um enfático movimento da cabeça 
frisada, enquanto retornava ao seu assento. Sem saber que lhe observavam através de algo que pa-
recia um espelho comum, voltou sua atenção ao aquário. O primeiro que notou foi que um dos for-
mosos peixinhos acabava de morrer e que outros dois nadavam a seu redor como se contemplas-
sem a possibilidade de comer-lo. Automaticamente bateu no vidro com um dedo para afugentá-los, 
mas aos poucos instantes os viu retornar. 
— Aqui há um peixinho morto — comunicou à recepcionista, tratando de não parecer muito 
preocupada— Se quiser, posso tirar da água. 
— Esta noite o tirará o pessoal de limpeza, mas obrigado pelo oferecimento. Julie engoliu o 
protesto irado pelo que sentia, era uma desnecessária crueldade para o peixe morto. Não estava cer-
to que deixassem ali um ser tão formoso e tão indefeso. Tomou uma revista da mesa e simulou olhá-
la, mas pela extremidade do olho seguia vigiando os dois peixes predadores. Cadavez que se apro-
ximavam de incomodar a seu camarada morto, Julie olhava a recepcionista para assegurar-se que 
não a estivesse vigiando, e com o ar indiferente do mundo, atingia o vidro para afugenta- los. 
A poucos passos de distância, em seu consultório de frente ao espelho de dupla face, a dou-
tora Theresa Wilmer observava a cena com os olhos iluminados por um sorriso ante a tentativa de 
Julie de proteger ao peixe morto, enquanto mantinha uma fachada de total indiferença para benefício 
da recepcionista. Olhou ao colega que estava a seu lado e disse: 
— Ali tem a "Julie a terrível", quão adolescente alguns pais adotivos oficiais consideraram não 
só "incapaz de aprender", um ser intratável, uma má influência para seus companheiros e uma ba-
gunceira que terminará sendo delinqüente juvenil! Sabia — perguntou com tom de admiração na voz 
— que foi capaz de organizar uma "greve de fome" no LaSalle? Convenceu a quarenta e cinco meni-
nos, quase todos maiores que ela, de que a seguissem em sua exigência de melhor comida. 
O doutor John Frazier olhou a menina pelo espelho de dupla face. 
— Suponho que o fez por uma secreta necessidade de desafiar à autoridade. 
— Não — respondeu com secura a doutora Wilmer— O fez por uma profunda necessidade 
de receber melhor comida. No LaSalle a comida é nutritiva, mas não tem gosto. Asseguro-lhe isso, 
porque eu mesma a provei. 
Frazier dirigiu um olhar de surpresa a sua colega. 
 
 11 
— E o que me diz de seus roubos? Não pode ignorar esse problema. 
— Alguma vez ouviu falar do Robin Hood? 
— É obvio. Por quê? 
— Porque está olhando uma versão adolescente atual do Robin Hood. Julie é tão rápida, que 
é capaz de roubar uma coroa de ouro de uma caneta sem que você dê conta. 
— Não me parece que essa seja uma recomendação para enviá-la a viver com seus inocen-
tes parentes do Texas, que é o que entendo pensa fazer. 
A doutora Wilmer se encolheu de ombros. 
— Julie rouba comida, roupa ou brinquedos, mas nunca fica com nada. Sempre entrega a bo-
ta de cano longo aos meninos menores do LaSalle. 
— Está segura? 
— Absolutamente segura. Comprovei. 
Com um pequeno sorriso relutante, John Frazier estudou a menina. 
— Parece-se mais com o Peter Pan que com o Robin Hood. Não é o que eu esperava, depois 
de ler sua história clínica. 
— Também me surpreendeu - admitiu a doutora Wilmer. 
Segundo o dossiê de Julie , o diretor do orfanato LaSalle, onde nesse momento residia, con-
siderava-a "um problema disciplinador, com predileção por tornasse uma ladra, criar problemas, rou-
bar e vagar em companhia de garotos de má reputação do sexo contrário". Com base em todos es-
ses comentários desfavoráveis, a doutora Wilmer esperava encontrar-se com uma criatura dura e 
beligerante, cujo constante contato com garotos do sexo oposto possivelmente indicasse um prema-
turo desenvolvimento físico e talvez até uma precoce atividade sexual. Por esse motivo ficou estupe-
fata ao ver entrar uma criatura, em seu consultório, dois meses antes, com aspecto de duendezinho 
travesso, vestindo jeans e uma camiseta gasta, com o cabelo curto e encaracolado. Em lugar do pro-
jeto de mulher fatal que a doutora esperava, Julie Smith tinha o rosto de um travesso encantador, 
dominado por um par de enormes olhos de espessas pestanas e de um azul surpreendente. Em con-
traste com essa carinha e esses olhos inocentes, parou em frente ao escritório da doutora em uma 
postura masculina e desafiante, queixo levantado e com as mãos metidas nos bolsos traseiros do 
Jean. | 
A menina cativou Theresa nesse primeiro encontro, mas a fascinação que sentia por Julie 
começou ainda antes disso, quase do momento que, uma noite, em sua casa, abriu o dossiê de Julie 
e começou a ler suas respostas à bateria de testes que formavam parte do processo de avaliação 
que a mesma Theresa tinha desenvolvido. Quando terminou de ler, Theresa compreendia a fundo o 
funcionamento dessa mente infantil, assim como a profundidade de sua pena e os detalhes de seu 
problema: abandonada ao nascer por seus pais biológicos, e duas vezes recusada por pais adotivos, 
Julie não teve mais remedeio que passar sua infância dentro dos limite dos bairros pobres de Chica-
go em uma sucessão de casas super povoadas de casamentos que acolhiam órfãos em troca de 
uma tarifa. Como funcionado, sua única fonte de verdadeiro carinho e calidez humana eram seus 
companheiros, meninos desalinhados, sujos e descuidados, iguais a ela, a quem Julie filosoficamen-
te considerava de "sua mesma classe"; meninos que lhe ensinavam a roubar objetos das lojas e de-
pois a fazê-la ladra com eles. Sua mente rápida e seus dedos ainda mais velozes fizeram com que 
Julie fora tão hábil para ambas as coisas que, por maior que fora a freqüência com que a enviavam a 
um novo lar para órfãos, imediatamente adquiria certa popularidade e respeito entre seus colegas, 
até o ponto de que, alguns meses antes, um grupo de meninos aceitou a lhe mostrar as distintas téc-
 
 12 
nicas que usavam para roubar automóveis, colocando-os em marcha por meio de pontes, uma de-
monstração que teve como resultado todo o grupo fora preso, incluindo Julie , que só era uma obser-
vadora. 
Esse dia marcou a primeiro prisão de Julie e, embora ela o ignorasse, sua primeira verdadeira 
"oportunidade” porque definitivamente foi isso o que a levou a ser tratada pela doutora Wilmer. de-
pois de ser — de algum jeito injustamente — presa por tentativa de roubo de automóveis, Julie foi 
cotada no programa da doutora Wilmer, que incluía uma intensa bateria de testes psicológicos e de 
inteligência, entrevistas pessoais e avaliações conduzidas pelo grupo de psiquiatras e psicólogos vo-
luntários da doutora Wilmer. A finalidade do programa consistia em separar a esses jovens, que se 
encontravam ao cuidado do estado, de uma vida de delinqüência ou de coisas ainda piores. 
No caso de Julie , a doutora Wilmer estava absolutamente decidida a obtê-lo, e quando Terry 
Wilmer colocava algo na cabeça, obtinha-o. Com tal de chegar a sua meta, a doutora Wilmer estava 
disposta a usar todos os meios que tivessem ao seu dispor, incluindo a possibilidade de recrutar o 
apoio de alguns de seus colegas, como Joe Frazier. No caso de Julie , até recorreu à ajuda de pri-
mos longínquos, que estavam longe de ser ricos mas tinham lugar em sua casa e, com um pouco de 
sorte, em seus corações, para receber para uma garota muito especial. 
— Queria que a visse — disse Terry, e correu as cortinas que cobriam o espelho de dupla fa-
ce. Justo nesse momento, Julie ficou de pé, olhou o aquário e colocou ambas as mãos na água. 
— Que diabos...! — começou a dizer Joe Frazier, mas se interrompeu e observou em um si-
lêncio cheio de assombro à pequena que se aproximava da distraída recepcionista, com o peixe mor-
to entre as mãos empapadas. 
Julie sabia que não estava certo que molhasse o tapete, mas não pôde tolerar que esse for-
moso peixinho fosse comido pelos outros. Sem saber com segurança se a recepcionista não tinha 
percebido que se aproximava ou se simplesmente tinha decidido ignorá-la, deteve-se junto a ela. 
— Desculpe-me - disse em voz muito alta, estendendo as mãos. 
A recepcionista, que estava totalmente enfrascada em sua tarefa, sobressaltou-se, fez girar 
sua cadeira e lançou uma surda exclamação ante esse peixe morto e empapado que lhe colocavam 
debaixo do nariz. 
Com cautela, Julie deu um passo atrás, mas insistiu. 
— Está morto — repetiu, lutando para que não notasse na voz a pena que sentia — . Os ou-
tros peixes vão come-lo, e é algo que não suporto ver. Se me empresta um pedaço de papel, envol-
verei-o para que possa colocá-lo em seus papéis. 
Recuperada da impressão, a recepcionista ocultou um sorriso, abriu uma gaveta do escritório 
e tirou vários lenços de papel, que entregou a Julie . 
— Você gostaria de levar isso para enterrá-lo em seu casa? 
Era exatamente o que Julie tinha vontades de fazer, mas pareceuperceber um tom divertido 
na voz da mulher, de maneira que envolveu o peixe com rapidez e o entregou. 
— Não sou tão tola, sabe? Não é mais que um peixe. Não é como se fosse um coelho ou um 
animal especial como esses. 
Do outro lado do espelho, Frazier lançou uma risadinha e balançou a cabeça. 
— Morre de vontade para fazer um enterro com todas as honras para esse peixinho, mas seu 
orgulho a impede de admiti-lo. — ficou sério e perguntou: — E o que me diz de suas dificuldades de 
aprendizagem? Conforme os informe, só possui nível de segunda série. 
 
 13 
Com um desaforo muito pouco profissional, a doutora Wilmer tomou o envelope de papel que 
continha o resultado dos testes de Julie . Passou e disse sorrindo: 
— por que não estuda seu nível de inteligência quando as provas são orais e não tem neces-
sidade de ler? 
Joe Frazier o fez e lançou uma gargalhada. 
— Essa criatura tem um coeficiente intelectual mais alto que o meu! 
— Julie é uma criatura especial em muitos sentidos Joe. Notei assim que vi seu dossiê, mas 
quando a conheci soube que era assim. É valente, sensível e muito inteligente. Sob sua bravura, tem 
uma estranha ternura, uma enorme esperança e um otimismo aos quais se agarra embora a desa-
gradável realidade se encarregue de tratar de destrui-lo. Ela não pode melhorar a sorte que tem na 
vida, de modo que inconscientemente se dedicou a proteger os meninos do lar em que a internem. 
Rouba para eles, minte por eles, e os organiza para que façam greves de fome, e eles a seguem 
sem falar. Aos onze anos é uma líder nata, mas se não a afastamos com rapidez desse ambiente, 
alguns de seus métodos a farão aterrissar em um reformatório e com o tempo em uma cadeia. E 
neste momento, esse não é o pior de seus problemas. 
— O que quer dizer? 
— Quero dizer que, apesar de todos seus maravilhosos atributos, a auto-estima dessa garota 
é tão baixa, que te diria que é quase inexistente. Como nunca foi adotada, está convencida de que 
não vale nada, de que não merece que a amem. E como não sabe ler como outros meninos de sua 
idade, acredita que é tola incapaz de aprender. E o mais apavorante de todo é que se encontra a 
ponto de dar-se por vencida. É uma sonhadora, mas seus sonhos pendem de um fio. E não estou 
disposta a permitir que o potencial, as esperanças e o otimismo de Julie se desperdicem — terminou 
dizendo Theresa com desnecessária veemência. 
Ante seu tom, o doutor Frazier não pôde menos que elevar as sobrancelhas. 
— Me perdoe por dizer isso, Terry, mas não foi você quem me disse para deixar de me en-
volver com um paciente? 
A doutora Wilmer esboçou um sorriso triste, mas não o negou. 
— Era muito mais fácil seguir essa regra quando todos meus pacientes eram meninos de fa-
mílias ricas que se consideravam "pouco privilegiados" se não lhes davam de presente um automó-
vel de cinqüenta mil dólares o dia que faziam dezesseis anos. Espera até ter trabalhado mais com 
meninos como Julie , meninos que dependem do "sistema" que lhes organizamos e que de algum 
jeito se deslizaram por entre as aberturas desse mesmo sistema. Então começará a não poder dor-
mir, embora nunca tenha acontecido com você antes. 
— Suponho que tem razão — disse o doutor Frazier, lhe devolvendo o envelope de papel — . 
Por pura curiosidade, eu gostaria de Saber: por que foi que ninguém adotou Julie ? 
Theresa se encolheu de ombros. 
— Foi uma combinação de má sorte e desacertos. Segundo seu dossiê do Departamento de 
Serviços Infantis e Familiares, abandonaram-na em um beco às poucas horas de nascer. Sua histó-
ria clínica indica que foi um bebê prematuro, nasceu dez semanas antes de tempo. Devido a isso e 
às más condições em que se encontrava quando a levaram ao hospital, até os sete anos teve uma 
larga série de problemas de saúde. Durante todo esse tempo foi hospitalizada com freqüência e era 
muito frágil. 
"O Serviço Familiar encontrou pais adotivos para ela quando tinha dois anos — continuou di-
 
 14 
zendo Theresa— , mas quando se realizavam os procedimentos de adoção, o casal decidiu divorci-
ar-se e a devolveram. Alguns anos depois, voltaram-na a colocar com outro casal, que tinha sido es-
tudado de forma cuidadosa, mas Julie contraiu uma pneumonia e seus novos pais adotivos, que ti-
nham perdido a sua própria filha quando tinha a idade da Julie nesse momento, ficaram emocional-
mente destroçados e renunciaram à adoção. Depois a localizaram com uma família paga, onde devia 
permanecer pouco tempo, mas algumas semanas depois a assistente social que se ocupava do caso 
de Julie ficou gravemente ferida em um acidente e nunca voltou a seu trabalho. A partir desse mo-
mento se inicia a proverbial "comédia de enganos": o dossiê de Julie se extraviou... 
— Como? 
— Não julgue com muita severidade às pessoas do Serviço Familiar. Quase todas são pes-
soas muito dedicadas e conscientes, mas não são mais que seres humanos. Considerando o exces-
so de trabalho e os problemas financeiros que têm, é surpreendente que consigam fazer tudo o que 
fazem. De todos os modos, para abreviar, os pais com quem vivia Julie tinham a casa cheia de me-
ninos que alimentar e supuseram que o Serviço Familiar não conseguia localizar um casal que qui-
sesse Julie porque a pequena não tinha boa saúde. E quando o Serviço Familiar se deu conta de 
que haviam traspapelado o dossiê, Julie já tinha cinco anos e tinha passado da idade mais atraente 
para ser adotada. Além disso tinha um longo histórico de doenças e, quando a tiraram dessa casa 
para colocá-la em outra, começou a ter ataques de asma. Como resultado disso perdeu muitos dias 
de escola da primeira e segunda séries, mas como era "uma menina tão boa" as professoras a fazi-
am passar de série de todas maneiras. O casal em cuja casa vivia já tinha a seu encargo outros três 
meninos com problemas físicos, e estava tão ocupado cuidando deles que não notaram que a 
aprendizagem da Julie não avançava, sobre tudo porque de todos os modos passava de série. Mas 
ao chegar a quarta série, a mesma Julie se deu conta de que não estava à altura de seus compa-
nheiros, e então começou a simular doenças para faltar ao colégio. Quando o casal que a tinha insis-
tiu em que assistisse as aulas, Julie tomou o único caminho que ficava para evitá-lo: cada vez que 
podia-se fazia de ladra e vagava com um grupo de meninos da rua. Como já te disse, é rápida, va-
lente e decidida... por isso eles a ensinaram a roubar mercadoria dos negócios e a evitar que a des-
cobrissem. 
- Já conhece o resto: com o tempo a pegaram roubando e a mandaram ao instituto LaSalle, 
que é aonde enviam aos meninos que não andam bem no sistema de lares de pagamentos. Faz al-
guns meses a capturaram, injustamente, junto com um grupo de meninos maiores que a estavam 
ensinando a fazer arrancar um carro com uma ponte. — Terry lançou uma gargalhada abafada e fi-
nalizou dizendo; — Julie não era mais que uma observadora fascinada, mas sabe fazê-lo. ofereceu-
se a me demonstrar isso, você acredita? Essa menina de enormes olhos inocentes sabe colocar em 
marcha seu carro sem necessidade de uma chave! Entretanto jamais trataria de roubar um automó-
vel. Como te disse, só rouba coisas que podem ser úteis para seus companheiros do LaSalle. 
Com um sorriso, Frazier indicou a parede espelho com a cabeça. 
— Então suponho que um lápis avermelhado, uma caneta e um punhado de caramelos lhes 
serão úteis. 
— O que? 
— Enquanto falava comigo, sua paciente se apropriou de todo isso na sala de espera. 
— Deus Santo! — exclamou a doutora Wilmer, mas sem experimentar verdadeira preocupa-
ção. 
— É rapidíssima! — observou Frazier com um quê de admiração— . Eu a tiraria dali antes de 
que descubra a maneira de tirar o aquário pela porta. Os meninos do LaSalle adorariam ter alguns 
 
 15 
peixinhos tropicais. 
A doutora Wilmer consultou seu relógio. 
— Em qualquer momento me ligarão os Mathison do Texas para me dizer quando estarãodispostos a recebê-la. Quero poder explicar tudo a Julie quando a fizer entrar. — Enquanto falava, se 
ouviu a voz da secretária. 
- A senhora Mathison no telefone, doutora Wilmer. 
— Esse é o telefonema que esperava! — exclamou com alegria a doutora Wilmer. 
Quando terminou de falar, ficou de pé e se encaminhou à porta, feliz ao pensar na surpresa 
que tinha reservada a Julie . 
 
 
 
 16 
Capitulo 2 
 
— Julie — disse da porta — quer entrar, por favor? — E quando Julie entrou e fechou a porta 
a suas costas, Terry adicionou com tom alegre: — Seu programa de testes terminou. Já chegaram 
todos os resultados. 
Em lugar de sentar-se, a jovem paciente permaneceu parada frente a mesa da doutora Wil-
mer, com os pequenos pés levemente separados, as mãos colocadas dentro dos bolsos traseiros do 
Jean. encolheu-se de ombros com aparente indiferença, mas não perguntou pelos resultados dos 
testes, porque Terry sabia que tinha medo de ouvir as respostas. 
— Esses testes eram uma tolice — disse a menina — . Todo o programa é uma tolice. Você 
não pode saber nada sobre mim por uma série de testes e algumas conversa em seu consultório. 
— Nos poucos meses que faz que nos conhecemos, aprendi muitas coisas sobre você, Julie . 
Quer que lhe demonstre isso te contando o que descobri? 
— Não. 
— Por favor, deixe que eu diga o que eu penso. 
Julie suspirou e esboçou um sorriso travesso. 
— O eu queira ou não, você vai fazer do mesmo jeito. 
— Tem razão — aceitou a doutora Wilmer, sufocando um sorriso ante a astúcia do comentá-
rio. Os métodos diretos que se propunha utilizar com Julie eram diferentes dos que estava acostu-
mada a usar, mas Julie era naturalmente intuitiva e tinha muita experiência da rua para deixar-se en-
ganar por palavras açucaradas e verdades pela metade. — Por favor, sente-se — pediu, e assim que 
Julie se deixou cair na cadeira frente a mesa, começou a falar com tranqüila firmeza — Descobri que 
apesar de todos seus atos atrevidos e de coragem, a verdade é que morre de medo cada dia de seu 
vida, Julie . Não sabe quem é, nem o que é, nem o que chegará a ser. 
Como não sabe ler nem escrever, está convencida de que é uma imbecil. Deixou de assistir 
ao colégio porque não está à altura de outros meninos de sua idade e te dói muitíssimo que riam de 
você em classe. Sente-se presa e sem esperanças, e essas são sensações que você odeia. 
"Sabe que renunciaram a você quando estavam por adotá-la, e que sua mãe te abandonou 
ao nascer. Faz muito tempo que decidiu que seus pais biológicos não a quiseram e seus pais adoti-
vos a devolveram, porque se deram conta de que você ia resultar numa pessoa imprestável e porque 
não foi bastante inteligente nem bastante bonita. Assim começou a cortar o cabelo como um homen-
zinho, a negar-se usar roupa de mulher e a roubar coisas, mas segue sentindo-se infeliz. Nada do 
que faça parece ter importância, e aí está o verdadeiro problema: a menos que se meta em confu-
sões, ninguém se importa com o que faça. E você se odeia, porque quer ser importante para alguém. 
A doutora Wilmer fez uma pausa para que Julie absorvesse suas últimas palavras, e logo se-
guiu adiante: 
— Tem uma necessidade tremenda de ser importante para alguém, Julie . Se pudesse pedir 
um só desejo, seria esse. 
Julie sentiu que as lágrimas de humilhação lhe faziam arder os olhos, e piscou para as conter. 
Terry Wilmer não deixou passar inadvertido o rápido piscar e os olhos úmidos, e soube o que 
significavam as lágrimas de Julie : que suas palavras acabavam de dar no alvo. Suavizou o tom de 
sua voz e seguiu falando. 
 
 17 
— Odeia ter esperanças e sonhar, mas não pode evitar, assim inventa histórias maravilhosas 
e as contas aos mais pequenos do LaSalle: histórias de meninos solitários e feios que um dia encon-
tram famílias, amor e felicidade. 
— Está completamente equivocada! — protestou Julie , ficando vermelha até a raiz do cabe-
lo— Está fazendo me fazendo parecer uma... menininha chorona! Eu não preciso que ninguém me 
ame, e os meninos do LaSalle muito menos. Não preciso, e nem quero! Sou feliz... 
— Isso não é verdade. Hoje você e eu vamos nos dizer toda a verdade, e eu ainda não termi-
nei. 
— Manteve o olhar em sua pequena paciente e declarou com suavidade, mas também com 
firmeza: 
— Esta é a verdade, Julie. Durante o tempo em que você esteve neste programa de testes, 
descobrimos que é uma garota valente, maravilhosa e muito inteligente. — Sorriu ao ver a expressão 
surpreendida e incrédula da Julie. — O único motivo pelo qual ainda não aprendeu a ler e escrever é 
por que teve que faltar ao colégio quando estava doente, e logo não pôde alcançar a seus compa-
nheiros. Isso não tem absolutamente nada que ver com sua capacidade de aprender, que é o que 
você chama esperteza e nós chamamos inteligência. O único que falta para colocá-la em dia com 
seus estudos é que durante um tempo alguém te ajude. E além de ser inteligente — continuou, tro-
cando levemente de tema—, tem uma necessidade perfeitamente natural e normal de que a amem 
pelo que é. É bastante sensível, por isso se ofende com facilidade. Também é por isso que você não 
gosta que firam os sentimentos de outros meninos, e então faz grandes esforços por vê-los felizes, e 
os conta histórias e rouba coisas para dá-los. Já sei que te parece odioso ser sensível, mas acredite 
que é uma de seus maiores virtudes. Portanto, a única coisa que temos que fazer é localizar um am-
biente que a ajude a converter-se na jovem mulher que pode chegar a ser... 
Julie empalideceu, pensando que essa palavra ambiente, tão pouco familiar, devia ser sinô-
nimo de alguma instituição, da prisão talvez. 
— Conheço um casal que poderia ser seus pais adotivos ideais: James e Mary Mathison . A 
senhora Mathison foi professora, e está ansiosa por ajudá-la a colocar-se em dia com seus conheci-
mentos escolar. O reverendo Mathison é pastor... 
Julie se levantou de um salto, como se acabassem de lhe queimar o traseiro. 
— Um pastor! — explodiu, meneando a cabeça ao recordar os sermões sobre o fogo do in-
ferno e a condenação que tinha escutado com muita freqüência na igreja — . Não, obrigado, prefiro a 
cadeia! 
— Nunca esteve na cadeia, de modo que não sabe do que está falando — declarou a doutora 
Wilmer e continuou falando do novo lar como se Julie não tivesse nada que dizer a respeito, coisa 
que a menina reconheceu ser a verdade — . Faz vários anos que James e Mary Mathison se muda-
ram a uma pequena cidade do Texas. Têm dois filhos homens que levam cinco e três anos a mais 
que você e, à diferença de outros lares onde estiveste vivendo, ali não haverá outros meninos órfãos. 
Formará parte de uma verdadeira família, Julie . Até terá um quarto próprio, e essas são coisas no-
vas para você. falei com James e com Mary e estão ansiosos por tê-la com eles. 
— Durante quanto tempo? — perguntou Julie , esforçando-se por de não deixar-se levar pela 
excitação quando possivelmente só se tratasse de uma coisa temporária e que de todos os modos 
não funcionaria. 
— Para sempre, caso você goste de estar ali e que esteja disposta a seguir uma regra rígida 
que eles mesmos se impuseram e que também impuseram a seus filhos: a honestidade. Isso signifi-
ca que não poderá voltar a roubar, nem mentir, nem se fazer de ladra no colégio. O único que lhe 
 
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pedem é que seja sincera com eles. Estão convencidos de que o será, e estão ansiosos por tê-la ali 
para que forme parte da família. Faz alguns minutos me chamou por telefone a senhora Mathison , e 
me disse que saía para comprar alguns jogos e coisas que lhe ajudarão a aprender a ler e escrever 
com a maior rapidez possível. Está esperando que chegue para sair com você e comprar coisas para 
seu quarto, porque quer que seja exatamente a seu gosto. 
Julie fazia esforços por conter sua alegria. 
— Suponho que não sabem que polícia já me prendeu, não é? Por estar roubando? 
— Por isso e por tentarum roubo maior, automóveis. Sim, estão inteirados de tudo. 
— E apesar disso querem que viva com eles? — perguntou Julie com tom zombador — . Re-
almente devem estar muito necessitados do dinheiro que o Serviço Familiar paga aos que recebem 
meninos órfãos. 
— O dinheiro não tem absolutamente nada que ver com a decisão dos Mathison ! — retrucou 
a doutora Wilmer, com tom severo— . São uma família muito especial. Não são ricos no que a di-
nheiro se refere, mas se sentem ricos em outros sentidos... porque contam com outras benções que 
querem compartilhar com uma criatura que mereça. 
— E acreditam que eu o mereço? — zombou-se Julie — antes de ter uma entrada na polícia 
ninguém me quis por que me vai querer agora? 
A doutora Wilmer ficou de pé e rodeou o escritório, ignorando a pergunta retórica. 
— Julie — disse com suavidade e esperou até que, a contra gosto, a garota levantou o 
olhar— . Acredito que é a criatura mais merecedora que tive o privilégio de conhecer. — E esse elo-
gio sem aviso foi seguido por um dos poucos gestos físicos de afeto que Julie tinha conhecido em 
sua vida: a doutora Wilmer lhe acariciou a bochecha enquanto dizia: 
— Não sei como conseguiu seguir sendo tão doce e especial como é, mas acredite que me-
rece toda a ajuda que eu possa dar e todo o amor que acredito que encontrará na casa dos Mathison 
. Julie encolheu os ombros, preparando-se para a inevitável desilusão, mas quando ficou de pé des-
cobriu que lhe custava apagar a chama de esperança que havia em seu coração. 
— Não conte com isso, doutora Wilmer. 
A doutora Wilmer sorriu com suavidade. 
— Estou contando com você. É uma garota muito inteligente e intuitiva e saberá o que é bom 
quando o encontrar. 
— Você deve ser realmente boa em seu trabalho — disse Julie , suspirando com uma mescla 
de esperança e de medo pelo futuro— . Quase conseguiu que eu acreditasse em todas essas tolices. 
— Sou excelente em meu trabalho — disse a doutora Wilmer— . E foi muito inteligente e in-
tuitivo de sua parte que tenha se dado conta. — Sorridente, tocou o queixo de Julie e adicionou com 
suave solenidade: 
— Escreverá de vez em quando para me contar como vai? 
— É obvio — disse Julie com outro encolhimento de ombros. 
— Os Mathison não se importam nada com o que fez no passado; acreditam que será hones-
ta com eles de agora em diante. Você também estará disposta a esquecer o passado e a lhes dar a 
possibilidade de te ajudar a ser a pessoa maravilhosa que pode ser? 
Por quê iria alguém me amar agora? Tantas adulações sem precedentes fizeram Julie lançar 
um sorrisinho e levantar os olhos ao céu. 
 
 19 
— Sim. Com certeza. 
Negando-se a permitir que Julie tirasse a importância de seu novo futuro, Theresa continuou 
dizendo com tom melancólico: 
— Pense nisso, Julie . Mary Mathison sempre quis ter uma filha, mas você é a única garota 
que convidou a ir viver com ela. A partir deste momento, começa de novo, a folha em branco e com 
uma família própria. Está toda lixada, reluzente e nova, como um bebê. Entende? 
Julie abriu a boca para dizer que entendia, mas tinha formado um estranho nó em sua gar-
ganta, assim que só assentiu. 
Theresa Wilmer contemplou esses imensos olhos azuis que a olhavam nessa encantadora 
carinha de duende e nela também formou um nó na garganta quando passou a mão pela cabeça fri-
sada da Julie . 
— Talvez algum dia deixe crescer o cabelo — murmurou, sorrindo— . Será formoso e abun-
dante. 
Julie por fim conseguiu recuperar a voz, e franziu a testa, preocupada. 
— Essa madame... quero dizer, a senhora Mathison ..., você não acredita que ela vai querer 
colocar cachos ou fitas no meu cabelo ou alguma bobagem do estilo, não é? 
— Não, a menos que você queira usá-lo assim. 
O estado de ânimo sentimental da Theresa continuou enquanto observava a saída da Julie . 
Notou que a garota tinha deixado a porta do consultório levemente aberta, e como a secretária tinha 
saído para almoçar, levantou-se e foi fechar. Quando estava para colocar a mão no trinco, viu que 
Julie se separava de seu caminho para aproximar-se da mesinha de centro mas sem deter-se. Logo 
voltou a desviar-se para passar para o escritório da recepcionista. 
Quando se foi, sobre a mesa havia um punhado de caramelos. Sobre o prolixo escritório da 
recepcionista ficaram um lápis avermelhado e uma caneta. 
Uma sensação de satisfação, de orgulho e de triunfo enrouqueceram a voz de Theresa quan-
do sussurrou em direção à menina que se afastava: 
— Não queria que nada arruinasse seu novo princípio, verdade, querida? Assim que eu gos-
to! 
 
 
 
 
 20 
Capítulo 3 
 
O ônibus do colégio se deteve frente a cálida casa de estilo Vitoriano que Julie se permitiu 
considerar sua casa durante os três meses de sua vida com os Mathison . 
— Aqui está, Julie — disse o bondoso chofer, mas quando Julie baixou, nenhum de seus no-
vos amigos se despediu dela como geralmente o faziam. O silêncio frio e cheio de suspeitas que a 
rodeava a encheu de terror ao colocar seus pés sobre a vereda coberta de neve. Um total de dinhei-
ro, reunido pelos alunos da classe de Julie para pagar os almoços da semana, tinha sido roubada do 
escritório da professora. Todos os meninos da classe foram interrogados a respeito, mas foi Julie 
quem ficou no sala-de-aula durante o recreio para dar os toques finais a seu dever de geografia. Julie 
era a principal suspeita, não só por ter contado com a perfeita oportunidade para roubar o dinheiro, 
mas também por ser a recém chegada, a de fora, a garota que vinha da grande cidade cheia de mal-
dade; e como em sua classe nunca tinha acontecido nada semelhante, aos olhos de todos já era cul-
pada. Essa tarde, enquanto esperava fora do escritório do diretor, ouviu que o senhor Duncan dizia a 
sua secretária que teria que chamar o reverendo Mathison e a sua senhora para dizer que o dinheiro 
fora roubado. E sem dúvida o tinha feito, porque o automóvel do reverendo Mathison estava no ca-
minho de entrada da casa, e geralmente ele nunca chegava tão cedo. 
Ao chegar à entrada da cerca de madeira que rodeava o jardim, Julie ficou parada, olhando a 
casa, e seus joelhos tremeram ao pensar que podiam expulsá-la dali. O casal Mathison a tinha dado 
um quarto próprio, com cama com dossel e uma colcha florida, mas não ia sentir saudades disso tan-
to como sentiria saudades dos abraços. E das risadas. E das vozes bonitas de todos. Desde só pen-
sar que não voltaria a ouvir James Mathison lhe dizendo "boa noite, Julie , não esqueça de rezar 
seus orações, querida", tinha vontade de jogar-se de boca sobre a neve e chorar como um bebê. E 
como seguiria vivendo sem ouvir Carl e Ted, a quem já considerava seus irmãos maiores, chaman-
do-a para que jogasse com eles ou para que os acompanhasse ao cinema? Nunca mais voltaria a ir 
à igreja com sua nova família, nem se sentaria no primeiro banco para escutar o reverendo Mathison 
falar com suavidade "do Senhor", enquanto toda a congregação escutava em respeitoso silencio o 
que ele dizia. A princípio essa parte de sua nova vida não a agradou; os serviços religiosos lhe pare-
ciam intermináveis e os bancos eram duros como a pedra, mas logo começou a escutar o que dizia o 
reverendo Mathison . E depois de um par de semanas, quase começou a acreditar que realmente 
existia um Deus bom e cheio de amor, que cuidava de todo o mundo, até de criancinhas de rua como 
Julie Smith. E enquanto permanecia parada na neve, Julie murmurou: 
— Por favor! — dirigindo-se ao Deus do reverendo Mathison , embora soubesse que isso não 
serviria de nada. 
Devia ter sabido que isto era muito bom para que durasse, compreendeu Julie com amargura 
e as lágrimas contra as que tinha estado lutando lhe empaparam a vista. Por um momento se permi-
tiu esperar que lhe dessem uma boa sova em lugar de mandá-la de volta para Chicago, mas sabia 
que não seria assim. Em primeiro lugar seus pais adotivos consideravam que não convinhabater em 
uma criança, mas em troca acreditavam que roubar e mentir eram graves ofensas, totalmente inacei-
táveis aos olhos "do Senhor" e aos deles mesmos. Julie lhes prometeu que não faria nenhuma das 
duas coisas, e ambos tinham acreditado plenamente nela. 
A correia de sua nova mochila de náilon deslizou do ombro esquerdo e a mochila caiu na ne-
ve, mas Julie se sentia muito desgraçada para que lhe importasse. Arrastando-a pela outra correia, 
encaminhou-se aterrorizada para a casa e começou a subir os degraus do alpendre. 
Esfriando sobre a mesa da cozinha havia uma bandeja de bolachas de chocolate, as favoritas 
de Julie . Normalmente o aroma delicioso das bolachas recém assadas davam água na boca; porém, 
 
 21 
nesse dia lhe deu vontade de vomitar, porque Mary Mathison nunca voltaria a fazê-las especialmente 
para ela. A cozinha se achava deserta, e um olhar a sala, confirmou que também estava vazia, mas 
conseguiu ouvir seus irmãos saindo do dormitório que compartilhavam no outro extremo. Com mãos 
trementes, Julie pendurou a correia da mochila, onde levava os livros, em um dos ganchos que havia 
junto à porta da cozinha; depois tirou o casaco acolchoado, pendurou e se encaminhou para o dormi-
tório dos rapazes. 
Carl, seu irmão adotivo de dezesseis anos, viu-a parada na porta do quarto e em seguida lhe 
passou um braço por sobre os ombros. 
— Olá, Julie -Bob! — saudou com tom de brincadeira— . Que te parece nosso novo pôster? 
Geralmente o apelido que a tinha colocado Carl a fazia sorrir; porém, nesse momento lhe deu 
vontade de chorar, porque isso era algo que também nunca voltaria a ouvir. Ted, que tinha dois anos 
menos que Carl, sorriu-lhe e mostrou o pôster do último ídolo cinematográfico de ambos, Zack Bene-
dict. 
— O que te parece, Julie? Não é bárbaro? Algum dia terei uma motocicleta idêntica a do Zack 
Benedict. 
Através de seus olhos cheios de lágrimas, Julie olhou a fotografia ampliada de um moço alto, 
sério, de largos ombros, que estava parado junto a uma motocicleta, com os braços cruzados sobre 
o peito largo e muito bronzeado. 
— É o maior dos atores — concordou ela, aturdida— . Onde estão seu pai e seu mãe? — 
adicionou com voz cortada. Embora seus pais adotivos a haviam convidado formalmente a chamá-
los mamãe e papai, e ela aceitou, Julie sabia que esse privilégio lhe seria negado de agora em dian-
te— . Tenho que falar com eles. — Sua voz já tinha o som das lágrimas ainda não derramadas, mas 
estava decidida a terminar de uma vez por todas com esse inevitável enfrentamento, porque não su-
portava esse medo um só instante mais. 
— Estão em seu dormitório mantendo uma conversa privada — respondeu Ted, sem separar 
o olhar do pôster — . Amanhã de noite, Carl e eu pensamos ir ver o novo filme do Zack Benedict. 
Queríamos te levar conosco, mas está qualificada para maiores de 14 anos porque tem cenas de vio-
lência, assim mamãe não nos deu permissão para te levar. 
Apartou um instante o olhar do pôster e ao ver a face de Julie a animou. — Vamos, pequena, 
não fique tão triste! A levaremos para ver o primeiro filme que... 
A porta do outro extremo do cômodo se abriu, e os pais adotivos de Julie saíram do dormitó-
rio, com expressões sombrias. 
— Acreditei haver ouvido sua a voz, Julie — disse Mary Mathison — . Você gostaria de comer 
algo antes de começar a fazer os deveres? 
O reverendo Mathison olhou a face de sua filha adotiva e disse: 
— Acredito que Julie está muito angustiada para poder concentrar-se nos deveres. Você gos-
taria que conversássemos agora sobre o que te está incomodando, ou prefere que o façamos depois 
de comer? — perguntou, dirigindo-se a ela. 
— Agora — disse Julie em um sussurro. Carl e Ted trocaram um olhar de intriga e preocupa-
ção e começaram a sair, mas Julie balançou a cabeça, lhes fazendo gestos para que ficassem. Será 
melhor que me tire isto de cima em seguida e diante de todos, pensou. Quando seus pais adotivos 
se sentaram na cama de Carl, começou a falar com um fio de voz. 
— Hoje houve um roubo de dinheiro no colégio. 
 
 22 
— Sim, já sabemos — respondeu desapaixonadamente o reverendo Mathison — .O diretor 
da escola nos chamou. O senhor Duncan e sua professora parecem acreditar que é a culpada. 
No caminho de volta do colégio, Julie já tinha decidido que, por dolorosas ou injustas que fos-
sem as coisas que eles lhe dissessem, não suplicaria nem se humilharia. Por desgraça nunca imagi-
nou a incrível dor que sentiria nesse momento em que estava perdendo a sua nova família. Enterrou 
as mãos nos bolsos traseiros dos jeans e inconscientemente adotou uma atitude desafiante, mas pa-
ra seu espanto, começaram a lhe tremer violentamente os ombros e teve que secar essas lágrimas 
odiosas com a manga. 
— Roubou esse dinheiro, Julie ? 
— Não! — A palavra explodiu como um grito de angústia. 
— Então não há nada mais que falar. — O reverendo Mathison e sua esposa ficaram de pé 
como se acabassem de decidir que, além de ladra, era uma mentirosa, e apesar de sua decisão de 
não fazê-lo, Julie começou a suplicar. 
— Eu j-juro que não t-tomei esse dinheiro — soluçou enquanto retorcia a prega do suéter — . 
Eu pro-prometi que não voltaria a mentir nem a roubar, e não fiz. Não fiz! Por favor! Por favor, acredi-
tem! 
— É obvio que acreditamos, Julie . 
— Eu juro que eu mudei, mudei e... — interrompeu-se e abriu os olhou com incredulidade. 
— Vocês... o que? — sussurrou. 
— Julie — disse seu pai adotivo, apoiando uma mão sobre sua bochecha — , quando você 
veio viver com a gente, pedimos que nos desse sua palavra de que não haveria mais roubos nem 
mais mentiras . Quando nos deu sua palavra, nós lhe demos nossa confiança, lembra? 
Julie assentiu, recordando esse momento, três meses antes, com claridade cristalina. Então 
viu o sorriso de sua mãe adotiva e se jogou em seus braços. Mary Mathison a abraçou com força e a 
envolveu em seu perfume de cravos e na silenciosa promessa de uma vida inteira cheia de beijos de 
boa noite e de risadas compartilhadas. 
As lágrimas de Julie surgiram como enchentes. 
— Bom, bom, não chore tanto que adoecerá! — disse James Mathison , sorrindo para sua 
mulher por sobre a cabeça de Julie — . Deixe que sua mãe se encarregue da comida e que o bom 
Deus se encarregue do assunto do dinheiro roubado. 
Ante a menção do "bom Deus", Julie de repente ficou tensa e saiu correndo, enquanto gritava 
por sobre o ombro que voltaria a tempo para colocar a mesa. 
No surpreso silêncio que seguiu a sua abrupta e estranha partida, o reverendo Mathison disse 
com preocupação: 
— Neste momento não deveria ir a nenhuma parte. Ainda está muito angustiada, e dentro de 
um momento terá escurecido, Carl — adicionou — , siga Julie para ver o que faz. 
— Eu também irei — disse Ted, tirando um agasalho do armário. 
A duas quadras da casa, Julie agarrou os gelados cabos de bronze e conseguiu abrir as pe-
sadas portas de bronze da igreja da que seu pai adotivo era pastor. A pálida luz invernal entrava pe-
las altas janelas enquanto ela percorria a nave central e se detinha ao chegar frente ao altar. Sem 
saber exatamente como devia proceder nessas circunstâncias, levantou seu olhar resplandecente 
até a cruz de madeira. depois de alguns instantes de silêncio, falou em voz baixa e tímida. 
 
 23 
— Um milhão de obrigado por fazer com que os Mathison acreditassem em mim. Quer dizer, 
eu sei que Você foi Quem os fez me acreditar, porque este é um milagre da vida real. Não se arre-
penderá — prometeu— . vou ser tão perfeita que farei que todo mundo se orgulhe de mim. — voltou-
se para afastar-se, mas em seguida fixou novamente o olhar no crucifixo. — Ah! E se tiver tempo, 
não poderia se assegurar de que o senhor Duncan descubra quem roubou esse dinheiro? Porque se 
não, jogarão a culpa em mim de todos os modos, e isso não me parece justo. 
Essa noite, depois de comer, Julie limpou seu dormitório, que sempre mantinha impecável, e 
aotomar banho lavou duas vezes detrás das orelhas. Estava decidida a ser perfeita. 
Na segunda-feira da semana seguinte, Billy Nesbitt, um aluno da sétima série, foi descoberto 
com seis garrafas de cerveja que generosamente compartilhava com vários amigos na hora do almo-
ço. Metido dentro do pacote de garrafas vazias havia um envelope que dizia: "Dinheiro para almoços. 
Classe da Srta. Abbot" escrito com a letra da professora de Julie. 
Julie recebeu uma desculpa formal por parte de sua professora na frente de todos seus com-
panheiros, e uma desculpa menos entusiasmada e privada por parte do amargurado senhor Duncan. 
Essa tarde, Julie desceu do ônibus do colégio em frente a igreja, dentro da que esteve quinze 
minutos. Depois correu todo o caminho até sua casa para compartilhar a notícia. Entrou como um 
furacão, com a face vermelha do frio, ansiosa por oferecer a prova determinante que acabaria por 
completo a história do roubo. Correu até a cozinha onde Mary Mathison preparava a comida. 
— Posso provar que não roubei o dinheiro dos almoços! — ofegou, olhando, expectante, para 
sua mãe e seus irmãos. 
Mary Mathison lhe dirigiu um sorriso com carinho e continuou cortando cenouras; Carl quase 
não levantou a vista do plano de planta de uma casa que estava desenhando para seu Projeto dos 
Futuros Arquitetos dos Estados Unidos; Ted lhe dedicou um sorriso distraído e continuou lendo sua 
revista de cinema que tinha a fotografia do Zack Benedict na capa. 
— Nós já sabemos que não roubou esse dinheiro, querida — respondeu por fim a senhora 
Mathison. - Disse que não tinha sido você. 
— É verdade. Disse-nos que não tinha sido você — corroborou Ted, voltando a página da re-
vista. 
— Sim, mas... mas agora posso fazer com que realmente acreditem em mim! Posso prová-lo! 
— exclamou olhando-os por turno. 
A senhora Mathison deixou as cenouras e começou a desabotoar o casaco de Julie . 
— Já o provou — disse com um sorriso suave— . Nos deu sua palavra, lembra? 
— Sim, mas minha palavra não é uma prova real de verdade. Não vale tanto. 
A senhora Mathison a olhou diretamente nos olhos. 
— Sim, Julie — disse com suavidade, mas com firmeza — é. Decididamente é. — E enquanto 
desabotoava o primeiro botão do casaco acolchoado de Julie , adicionou; — E se for tão honesta 
com todos como o é conosco, muito em breve sua palavra será prova suficiente para todo mundo. 
—sua para sempre, não só por um tempo. Sabiam tudo a respeito dela, e apesar disso a se-
guiam amando. Julie se regozijou nesse conhecimento recém adquirido. Se pôs a fazer com maior 
vontade ainda suas tarefas escolares, e ela mesma foi a primeira surpreendida ao comprovar com 
quanta facilidade aprendia. Quando chegou o verão, pediu que a deixassem fazer um curso durante 
as férias, para poder repor com maior rapidez todas as classes perdidas. 
No inverno seguinte Julie foi chamada até a sala, onde, ante o sorriso fascinado de sua nova 
 
 24 
família, abriu seus primeiros presentes de aniversário. Quando terminou de abrir o último pacote e de 
levantar a última parte de papel esmigalhado, James, Mary, Carl e Ted Mathison lhe deram o melhor 
presente de todos. 
Estava dentro de um grande envelope cor marrom, de aspecto pouco importante. O envelope 
continha uma larga folha de papel impresso em letras elaboradas, cujo cabeçalho dizia: Solicitação 
de adoção. 
Julie os olhou com os olhos cheios de lágrimas e apertou o papel contra seu peito. 
— Eu? — perguntou. 
Ted e Carl interpretaram mal o motivo de suas lágrimas e começaram a falar ao mesmo tem-
po, com tom ansioso. 
— Queríamos que fora oficial, Julie , não é mais que isso, para que possa se chamar Mathi-
son igual a nós — explicou Carl. 
— Quer dizer — adicionou Ted — , se não estiver segura, não há nenhuma necessidade de 
seguir adiante com o assunto... — deteve-se quando Julie se jogou em seus braços com tanta força 
que esteve a ponto de fazê-lo cair. 
— Claro que estou segura! — disse ela, fascinada— . Estou segura, estou segura, estou se-
gura! 
Nada podia atrapalhar sua alegria. Essa noite, quando seus irmãos a convidaram para ir ao 
cinema com um grupo de amigos para ver um filme protagonizado pelo herói de todos eles, Zack Be-
nedict, Julie aceitou em seguida, embora não compreendia por que gostavam tanto desse ator. 
Completamente satisfeita, instalou-se na terceira fila do cinema ficou com um de seus irmãos a cada 
lado e olhou distraidamente o filme protagonizado por um homem alto, de cabelo escuro, que não 
sabia fazer mais nada, além de correr corridas de motocicleta, brigar a golpes de punho e colocar 
uma expressão de aborrecido e ser o bastante...frio. 
— O que achou do filme? Não acha que Zack Benedict é fantástico? — perguntou-lhe Ted ao 
sair do cinema em meio a uma multidão de adolescentes que comentavam mais ou menos o mesmo 
que ele. 
A dedicação de Julie a uma honestidade total ganhou por escassa margem a seus desejos de 
mostrar-se de acordo com seus maravilhosos irmãos. 
— Benedict é... bom... parece-me um pouco velho — respondeu, olhando em busca de apoio 
a outras três garotas que os tinham acompanhado ao cinema. 
Ted não saía de seu assombro. 
— Velho? Não tem mais que vinte e um anos, mas viveu a sério! Li em uma revista de cinema 
que a partir dos seis anos ele se sustentou só, que viveu no Oeste e trabalhou em fazendas. É do-
mador de cavalos. Depois, trabalhou em rodeios. Durante um tempo formou parte de uma turma de 
motociclistas... que viajaram por todo o país. Zack Benedict — terminou dizendo Ted com admira-
ção— , é um verdadeiro homem. 
— Mas tem aspecto de... frio — insistiu Julie — . Frio e além disso, um pouco ruim. 
As mulheres do grupo riram a gritos do que Julie considerava uma crítica sensata. 
— Julie — disse Laury Paulson, ainda rindo— , Zack Benedict é maravilhoso e completamen-
te sexy. Todo mundo o considera assim. 
Julie , que sabia que Carl estava secretamente apaixonado por Laureie Paulson, em seguida 
 
 25 
falou com lealdade para seu irmão. 
— Bom, não me parece. Eu não gosto dos olhos dele. São marrons e de expressão ruim. 
— Não tem olhos marrons, e sim esverdeados! Tem olhos incrivelmente atraentes, pergunta a 
qualquer pessoa! 
— Julie não é um bom juiz para esse tipo de coisas — interveio Carl, afastando-se de seu 
amor secreto para entrar no caminho de volta para sua casa— . É muito menina. 
— Devo te dizer que não sou muito menina para saber — respondeu Julie , agarrando o bra-
ço de seus dois irmãos — que Zack Benedict não é tão bom quanto nenhum de vocês dois! 
Ante essa adulação. Carl dirigiu um olhar por sobre o ombro a Laureie Paulson e emendou 
seu julgamento anterior. 
— Entretanto, Julie é muito amadurecida para sua idade. 
Ted seguia enfrascado na vida maravilhosa de seu herói cinematográfico. 
— Imaginem o que deve ser depender da gente mesmo desde tão menino, trabalhar em uma 
fazenda, andar a cavalo, enlaçar carneiros... 
 
 
 
 
 26 
Capítulo 4 
 
1988 
 
 
— Tirem daqui esses malditos bois! Têm um cheiro intolerável! — Sentado em uma cadeira 
móvel de lona negra, com a palavra diretor escrita em cima de seu nome, Zack Benedict ladrou a or-
dem e olhou com fúria o gado que se movia em um curral provisório, construído perto da casa de 
uma fazenda. Logo continuou fazendo notas em seu guia. A fazenda se encontrava a sessenta qui-
lômetros de Dallas, e fora alugado de um bilionário para filmar parte de um filme chamado Destino 
que, na opinião do Variety, possivelmente desse a Zack um Oscar como Melhor Ator e outro em qua-
lidade de Melhor Diretor... Em caso de que alguma vez conseguisse terminar de rodar esse filme que 
todo mundo considerava ser perseguido pela má sorte. 
Até a noite anterior, Zack acreditava que era impossível que as coisas piorassem. Com um 
pressuposto do acordo de 45 milhões de dólares para quatro meses de filmagem. Destino já levava 
um mês de atraso na rodagem e superava emsete milhões o orçamento original, por causa da 
enorme quantidade de problemas absurdos e de acidentes que perseguiram o filme virtualmente 
desde dia do começo da filmagem. 
E agora, depois de meses de demoras e desastres, só faltava filmar duas cenas, mas a satis-
fação que devia embargar Zack tinha sido substituída por uma fúria desenfreada que quase não con-
seguia conter, enquanto fazia inúteis esforços por concentrar-se nas mudanças que queria introduzir 
na cena seguinte. 
Através das portas abertas da cavalariça, Zack conseguia ver alguns contra-regras colocando 
fardos de palha, e os assistentes de iluminação que subiam os andaimes para colocar luzes, enquan-
to os camarógrafos davam as indicações. Em um extremo do parque, sob um monte de carvalhos, os 
trailers reservados para os principais atores formavam um semicírculo, com as persianas abaixadas 
e os ar condicionados acesos, para lutar contra o calor do mês de julho. A seu lado, os caminhões 
que provia refeições e bebidas distribuíam refrescos aos sudorentos integrantes da equipe técnica e 
aos acalorados atores. 
Tanto o elenco como a equipe técnica estava integrados por profissionais acostumados a es-
perar horas inteiras para estar prontos para uns poucos minutos de filmagem. Geralmente, reinava 
uma atmosfera amistosa, e o dia das tomadas finais era diretamente alegre. Normalmente, essa 
mesma gente, que permanecia parada em incômodos grupos perto dos caminhões, teria estado 
dando voltas ao redor de Zack, fazendo brincadeiras a respeito dos torturas que tinham sofrido jun-
tos, ou conversando com entusiasmo sobre a festa com a qual no dia seguinte se celebraria o fim da 
rodagem. Entretanto, depois do acontecido da noite anterior, se podiam evitá-lo, ninguém falava com 
Zack e ninguém esperava que se organizasse uma festa. 
Esse dia, os trinta e oito integrantes do elenco e equipe técnica de Dallas temiam o que podia 
chegar a acontecer nas horas seguintes, portanto, as ordens que normalmente se trocavam em tom 
razoável, nesse dia, gritavam com impaciência, e as indicações que normalmente se cumpriam com 
rapidez, nesse dia se realizavam com a estupidez de gente que está nervosa e desejando terminar 
com algo de uma vez. 
Zack praticamente apalpava as emoções que emanavam de todos os que o rodeavam; a 
compreensão dos que lhe tinham simpatia, a brincadeira satisfeita dos que não a professavam ou 
eram amigos de sua mulher, a ávida curiosidade daqueles a quem ambos funcionavam indiferentes. 
 
 27 
Ao compreender que ninguém tinha ouvido sua ordem de que tirassem dali os bois, Zack 
olhou ao redor em busca do assistente de direção e o viu parado na grama, com os braços nas cintu-
ras e a cabeça para trás, observando decolar ao helicóptero que partia em uma viagem de rotina ao 
laboratório de Dallas onde se processavam os plagiadores do dia. 
— Tommy! — chamou com irritação. 
Tommy Newton se voltou imediatamente e se aproximou, sacudindo-se a terra que tinha gru-
dado nos shorts cor cáqui. De baixa estatura, cabelo castanho, olhos cor de avelã, e óculos com ar-
mação de metal, o assistente de direção de trinta e cinco anos tinha uma aparência estudiosa que 
ocultava um enorme senso de humor e uma energia infatigável. Esse dia, entretanto, nem sequer 
Tommy pôde falar em um tom tranqüilo. Tirou o bloco que levava sob o braço, se por acaso tinha que 
fazer alguma anotação, e perguntou: 
— Chamou-me? 
— Sim, que alguém leve de uma vez esses bois a outro lado, aonde o vento não traga o chei-
ro até aqui — respondeu Zack, sem incomodar-se em levantar o olhar. 
— É obvio, Zack. — Subiu o botão de volume do transmissor que levava na cintura e falou 
com Doug Furlough, o chefe de contra-regras, que fiscalizava aos homens os quais nesse momento 
construíam um curral para a tomada final do dia seguinte. 
— Doug — disse Tommy falando pelo microfone. 
— Sim, Tommy? 
— Peça aos peões da fazenda que levem os bois ao pasto do sul. 
— Pensei que Zack ia precisar deles para a próxima tomada. 
— Mudou que idéia. 
— Está bem, encarregarei-me disso. Podemos começar a desmontar o cenário da casa, ou 
prefere que o deixemos? 
Tommy vacilou, olhou para Zack e repetiu a pergunta. 
— Que o deixem como está — respondeu Zack com tom cortante— . Não quero que o to-
quem até amanhã, quando tiver visto as cópias. Se houver algum problema não quero perder mais 
de dez minutos em preparar outra tomada. 
Depois de repetir a resposta a Doug Furlough, Tommy começou a voltar-se, mas vacilou. 
— Zack — disse por fim com tom sombrio— , suponho que neste momento não está de âni-
mo para ouvir isto, mas esta noite... as coisas vão ser bastante agitadas, e é possível que não tenha 
outra oportunidade para lhe dizer isso. 
Zack se obrigou a demonstrar um interesse que não sentia, enquanto Tommy seguia falando, 
vacilante. 
— Você merece outro par de Oscar por este filme. Várias de seus atuações, e algumas cenas 
que você tirou da Rachel e do Tony, arrepiaram a toda a equipe, e te asseguro que não exagero. 
A simples menção de sua mulher, sobre tudo em relação com Tony Austin, fizeram ferver o 
sangue de Zack, que ficou de pé de um salto, guia em mão. 
— Agradeço o cumprimento — mentiu— . Até dentro de uma hora não haverá suficiente es-
curidão para filmar a próxima cena. Quando tudo esteja pronto nas cavalariças, dê um descanso à 
equipe para que comam algo. Enquanto, eu verificarei como ficou todo. Até então, procurarei algo de 
 
 28 
beber e um lugar onde puder me concentrar. — Assinalou com a cabeça o monte que se elevava à 
borda do parque. — Se me necessitar, estarei ali. 
Dirigiu-se aos caminhões que repartiam refrescos e no instante em que ele passava, a porta 
do trailer de Rachel abriu e ela saiu. Seus olhares se encontraram, todas as conversações se detive-
ram, as cabeças se voltaram e a expectativa vibrou no ar como uma descarga elétrica, mas Zack 
simplesmente deu uma volta para evitar a sua mulher e seguiu seu caminho, detendo-se uns instan-
tes para falar com o assistente do Tony Newton e para fazer alguns comentários intrascendentes 
com um par de duplas. Foi uma atuação estupenda de sua parte, que lhe exigiu um supremo esforço 
de vontade, porque lhe parecia impossível ver Rachel sem recordar tal como a tinha visto an noite 
anterior, quando voltou inesperadamente para a suíte de ambos no Hotel Crescent e a encontrou 
com o Tony Austin. 
Esse dia, mais cedo, tinha advertido a ela que de ultima hora estaria em uma reunião com os 
camarógrafos e os assistentes de direção para analisar algumas idéias novas, e que pensava ficar 
para dormir em seu trailer. Mas quando estava a ponto de começar a reunião, Zack se deu conta de 
que esqueceu suas notas no hotel, e em lugar de mandar alguém procurar, decidiu que ganharia 
tempo se convidava todos a ir ao Crescent com ele. Em um estado de ânimo estranho, posto que por 
fim se aproximava a terminação da rodagem, os seis homens entraram na suíte às escuras, e Zack 
acendeu as luzes. 
— Zack! — gritou Rachel, deslizando-se de cima do corpo do homem nu com quem estava 
deitada no sofá, enquanto agarrava com desespero uma bata e olhava a seu marido com olhos en-
louquecidos pela surpresa. Tony Austin, que co-protagonizaba Destino com ela e Zack, sentou-se de 
um salto. 
— Bem, Zack, tranqüilo! — suplicou, ficando de pé e refugiando-se atrás do sofá ao ver que 
Zack se adiantava— . Não me bata no rosto! — advertiu em um grito quase histérico, ao ver que 
Zack saltava sobre o encosto do sofá— . Ainda tenho que filmar duas cenas e... — Foram precisos 
cinco integrantes da equipe para conter Zack. 
— Se estragar o rosto dele não poderá terminar o maldito filme! — ofegou Doug Furlough, 
segurando um de seus braços braço. 
Zack se liberou dos dois homens e, antes de que pudessem voltar a segurá-lo, com um cálcu-
lo frio e deliberado quebrou duas costelas do Tony. Ofegando, mais de fúria que de cansaço, Zacko 
observou levar-se e ir saindo enquanto outros formavam um círculo ao seu redor. Além da porta 
aberta, meia dúzia de hóspedes do hotel observavam a cena, sem dúvida atraídos pelos gritos de 
Rachel, quem suplicava a Zack que não seguisse castigando a seu amante. Ao vê-los, Zack se adi-
antou com grande rapidez e lhes fechou a porta nos narizes. 
Depois se dirigiu a Rachel, fazendo esforços por controlar uma terrível necessidade de bater 
também nela. 
— Fora de minha vista! — advertiu, enquanto ela se retrocedia, assustada— . Fora daqui, ou 
não serei responsável pelo que aconteça! 
— Não se atreva a me ameaçar, filho da puta arrogante! — retrucou ela com tanto triunfo e 
desprezo na voz que ele ficou paralisado— . Se chega a colocar uma mão em cima de mim, meus 
advogados não se conformarão com a metade de tudo o que tem, ficarei contudo! Entendeu, Zack? 
Vou me divorciar de você. Amanhã meus advogados apresentarão a exigência no tribunal de Los 
Angeles. Tony e eu vamos nos casar! 
Ao dar-se conta de que sua mulher e Austin tinham estado deitando-se a suas costas en-
quanto com toda calma planejavam viver com o dinheiro que havia trabalhado tanto para ganhar, 
 
 29 
Zack perdeu o controle. Tomou ao Rachel do braço e a empurrou para a porta da sala. 
— Antes de permitir que fique com a metade de nada, asseguro que a matarei primeiro. E 
agora, vá embora. 
Ela caiu de joelhos, mas em seguida ficou de pé, apoiou uma mão no trinco e o olhou com o 
rosto convertido em uma máscara de ódio. 
— Se está pensando na possibilidade de manter Tony e eu afastados do set amanhã, nem se 
incomode em tentar. Não é mais que o diretor deste filme. O estúdio investiu nele uma fortuna. O 
obrigarão a terminá-la, e o culparão se fizer algo para demorá-la ou sabotá-la. — Abriu a porta e lhe 
dirigiu um olhar cheia de malícia. — De uma maneira ou de outra, perde. Se não terminar o filme, es-
tará arruinado. E se termina, terá que me dar a metade do que lhe paguem. — E se foi, dando uma 
portada a suas costas. 
Tinha razão com respeito à necessidade de terminar de filmar Destino. Apesar de sua fúria, 
Zack sabia que era assim. Só faltava filmar duas cenas, e Rachel e Tony contracenavam em uma. 
Não tinha outra opção que tolerar sua mulher adúltera e o amante enquanto dirigia essa cena. Apro-
ximou-se do bar, serviu-se um uísque puro, bebeu de um gole e se serviu outro. Aproximou-se da 
janela com o copo na mão e contemplou o perfil luminoso da cidade, enquanto sua fúria e sua pena 
começavam a aquietar-se. Decidiu que à manhã seguinte chamaria a seus advogados e lhes daria 
instruções para que iniciassem os procedimentos do divórcio de acordo com suas condições, não 
com as de Rachel. E que apesar de ter uma considerável fortuna como ator, multiplicou-a muitas ve-
zes graças a espertos investimentos, que estavam ocultos por uma série de complicadas burocracias 
e formas legais que as protegeriam da avareza de Rachel. 
Zack afrouxou a mão com a qual sustentava o copo. Tinha conseguido controlar-se; sobrevi-
veria e seguiria adiante. Sabia que era capaz de fazê-lo... e o faria. Sabia porque muito tempo antes, 
aos dezoito anos, teve que enfrentar uma traição muito mais dolorosa que a de Rachel, e então des-
cobriu que possuía a capacidade de se afastar de qualquer um que o traísse, sem voltar a olhar para 
atrás. Nunca olhava para trás. 
Encaminhou-se ao dormitório, tirou as valises de Rachel do placard e as encheu com sua 
roupa. Depois tomou o telefone que havia junto à cama. 
— Mande um camarero à Suíte Real — pediu a telefonista. Quando instantes depois chegou 
o camarero, Zack entregou as valises de onde se sobressaiam pedaços da roupa do Rachel. — Leve 
estas valises à suíte do senhor Austin — ordenou. 
Nesse momento, se Rachel houvesse retornado para suplicar que a aceitasse de volta, se ti-
vesse podido demonstrar que o motivo do que fez era por que estava drogada, louca e que não sabia 
o que fazia nem dizia, teria sido muito tarde, até no caso de que ele acreditasse. 
Porque, para ele, já estava morta. 
Tão morta como a avó, a irmã e o irmão a quem uma vez tinha amado. Teve que usar toda 
sua força para arrancá-los de seu coração e de sua mente, mas havia conseguido. 
 
 
 
 
 30 
Capítulo 5 
 
Zack fez um esforço para tirar da cabeça a lembrança do acontecido na noite anterior e se 
instalou debaixo de uma árvore, de onde via tudo o que acontecia sem que ninguém o visse ele. Ob-
servou Rachel entrar no trailer de Tony Austin. Os noticiários da manhã tinham abundado em deta-
lhes sensacionalistas da cena da suíte e da briga subseqüente, detalhe que sem dúvida tinham sido 
proporcionados pelos hóspedes do hotel. E agora os jornalistas tinham caído sobre o lugar de filma-
gem e a gente de segurança do estúdio lutava por mantê-los na porta de entrada da fazenda, com 
promessas de uma posterior conferencia de imprensa. Rachel e Tony já tinham feito declarações aos 
meios, mas Zack não tinha a menor intenção de lhes dizer uma única palavra. O assédio jornalístico 
lhe era tão indiferente como a notícia que recebeu essa manhã de que os advogados de Rachel já 
tinham apresentado exigência de divórcio ante os tribunais de Los Angeles. O único que o angustia-
va era ter que dirigir essa última cena entre Rachel e Tony antes de dar por terminado a rodagem. 
Tratava-se de uma cena de sensualidade violenta e não sabia como conseguiria digerir a situação, 
sobretudo diante de toda a equipe técnica. 
Mas uma vez que passasse esse mau momento, tirar Rachel de sua vida ia ser muito mais 
fácil do que acreditou na noite anterior, porque devia admitir que, fossem quais fossem os sentimen-
tos que inspirou nele, três anos antes, quando se casaram, esses sentimentos desapareceram pouco 
depois. Depois, o casamento não foi mais que uma conveniência sexual e social para ambos. Sem 
Rachel, sua vida não seria mais vazia, nem mais carente de sentido, nem mais superficial que duran-
te a maior parte dos últimos dez anos. 
Ante esse pensamento, Zack franziu a testa e se perguntou que motivo haveria para que com 
tanta freqüência sua vida lhe parecesse tão frustante e carente de sentido, sem um propósito impor-
tante, nenhuma gratificação profunda. E entretanto, recordou que nem sempre foi assim... 
Quando chegou a Los Angeles no caminhão de Charlie Murdock, a sobrevivência em si era 
um desafio e o trabalho que conseguiu com ajuda de Charlie, como peão de carga dos Estúdios Em-
pire, pareceu-lhe um triunfo enorme. Um mês depois, o diretor de um filme de segunda categoria de-
cidiu que necessitava alguns extras mais em uma cena e recrutou Zack. O papel só exigia que ele se 
apoiasse contra uma parede de tijolos, com expressão dura e introvertida. O dinheiro que ganhou 
esse dia lhe pareceu uma fortuna. Vários dias depois o diretor mandou chamá-lo outra vez. 
— Zack, rapaz, você tem algo que nós chamamos presença — disse — Fotografa muito bem. 
Em celulóide é uma espécie do James Dean moderno, só que mais alto e mais bom moço que ele. 
Roubou a cena, com apenas estar ali parado. Se sabe atuar, o colocarei no elenco de um filme do 
oeste que começaremos a filmar. 
O que entusiasmou Zack não foi a perspectiva de atuar no cinema, e sim o salário que lhe 
ofereceram. De maneira que aprendeu a atuar. 
Em realidade, não fora muito difícil. Para começar, antes de abandonar a casa de sua avó, 
fazia anos que "atuava", simulando que as coisas não lhe importavam quando, em realidade, lhe im-
portavam muito; além disso tinha decidido obter uma meta; demonstrar a sua avó e a todos os habi-
tantes de Ridgemont que era capaz de sobreviver por seus próprios meios e que prosperaria em 
grande escala. Com tal de obter essa meta, virtualmente estava disposto a fazer algo, por difícil que 
fora. 
Ridgemont era uma cidade pequena e não lhe cabia dúvida de que o detalhe de sua inexpli-
cável partida devia ser do conhecimento de todos. Depois daestréia de seus dois primeiros filmes, 
leu todas as cartas que lhe enviavam suas admiradoras, com a esperança de que alguém o tivesse 
 
 31 
reconhecido. Mas se assim foi, ninguém se incomodou em lhe escrever. 
Depois, durante um tempo fantasiou com a possibilidade de retornar a Ridgemont com dinhei-
ro suficiente para comprar as Indústrias Stanhope e dirigi-las, mas aos vinte e cinco anos, quando já 
tinha alcançado a fortuna necessária para fazer isso, também tinha maturado o suficiente para com-
preender que o fato de comprar a maldita cidade e tudo o que continha não modificaria nada. Para 
então já tinha ganho um Oscar, proclamavam-no um verdadeiro prodígio e o chamavam a "Lenda do 
Futuro". Podia escolher os papéis estrelares que quisesse interpretar, tinha uma fortuna no banco e 
um futuro que tudo fazia supor, seria espetacular. 
Tinha demonstrado a todo mundo que Zack Benedict era capaz de sobreviver e prosperar na 
escala mais fabulosa. Já não tinha nada por que lutar, não ficava nada que demonstrar e a falta de 
ambas as coisas o deixava estranhamente desentusiasmado e vazio. Privado de suas antigas metas, 
Zack procurou outras gratificações. Construiu mansões, comprou iates e conduziu automóveis de 
corrida; escoltou mulheres bonitas a ressonantes reuniões sociais, e depois as levou a cama. Desfru-
tava de seus corpos e muitas vezes também de sua companhia, mas nunca as tomou a sério, e elas 
tampouco esperavam que o fizesse. Zack tinha se convertido em um troféu sexual, procurado tão 
somente pelo prestígio que outorgava dormir com ele e, no caso das atrizes, muito procurado pelas 
influências e conexões que possuía. 
Como todas as superestrelas e símbolos sexuais anteriores a ele, foi também uma vítima de 
seu próprio êxito. Não podia entrar em um elevador ou comer em um restaurante sem que suas ad-
miradoras o perseguissem; as mulheres colocavam em sua mão chaves de suítes de hotel e davam 
generosas gorjetas aos zeladores para que lhes permitissem a entrada a seu quarto. As esposas de 
alguns produtores o convidavam a festas de fim de semana e se levantavam da cama de seus mari-
dos para meter-se na sua. 
Embora com freqüência aproveitava o banquete de oportunidades sexuais e sociais que se 
desdobravam ante ele, uma parte de seu ser — sua consciência ou uma faceta latente de moralidade 
ianque — se sentia enojada ante tanta promiscuidade e superficialidade, ante tanto narcisismo e psi-
copatia, acima de tudo o que convertia a Hollywood em uma rede de esgoto, uma rede de esgoto 
prolijamente desodorizado para proteger a sensibilidade do público. 
Numa manhã despertou e de repente já não pôde seguir tolerando tudo aquilo. Estava farto 
de sexo sem sentido, aborrecido de festas estridentes, cansado de acotovelar-se com atrizes neuró-
ticas e estrelinhas ambiciosas, e completamente aborrecido com a vida que estava vivendo. 
Começou a procurar uma maneira distinta para preencher o vazio de seus dias, um novo de-
safio e um motivo melhor para existir. Como atuar já não lhe parecia um desafio, começou a pensar 
em dirigir. Se chegasse a fracassar como diretor, esse fracasso seria muito ressonante, mas até o 
risco de colocar em jogo sua reputação surtiu nele um efeito estimulante. Dirigir um filme se conver-
teu em sua nova meta, e se propôs a obtê-la com a mesma decisão que o levou a triunfar nas anteri-
ores. O presidente dos Estúdios Empire tratou de convencê-lo para que não tentasse, mas apesar de 
seus pedidos e de seus raciocínios, definitivamente não teve mais remedeio que aceitar, tal como 
Zack esperava. 
O filme cuja direção lhe encarregaram era um filme de suspense de baixo pressuposto cha-
mado Pesadelo e tinha dois papéis protagonistas: um para uma criança de nove anos e outro para 
uma mulher. Para o papel da criança, Empire insistiu no nome de Emily McDaniels, uma ex-
estrelinha infantil que tinha as covinhas de Shirley Tempere e quase treze anos, mas que representa-
ria nove e estava contratada pelo estúdio. A carreira de Emily já se desgastava, estava abaixo; o 
mesmo acontecia com a de uma loira sugestiva chamada Rachel Evans, a quem deram o outro pa-
pel. Em seus filmes anteriores, Rachel Evans sempre tinha feito papéis secundários e nunca de-
 
 32 
monstrou muito talento. 
O estúdio impôs a Zack essas atrizes com o transparente propósito de lhe dar uma lição; para 
que aprendesse que seu forte era atuar, não dirigir. Era quase certeza que o filme não devolveria o 
dinheiro que custasse, e os executivos do estúdio esperavam que com isso terminassem os deva-
neios de seu ator mais cotado e que Zack renunciasse a desperdiçar seu talento detrás das câmaras. 
Zack sabia, mas nada o deteve. Antes de iniciar a produção, dedicou semanas inteiras para 
ver os velhas filmes em que haviam estado Emily e Rachel, e sabia que havia momentos — muito 
breves — nos que Rachel Evans demonstrava possuir certa dose de genuíno talento. Momentos em 
que a "graça" de Emily, que tinha desaparecido com a adolescência, era substituída por uma encan-
tadora doçura que se notava em câmara pois era natural. 
Ao longo das oito semanas de filmagem, Zack conseguiu tudo isso e muito mais de suas duas 
protagonistas femininas. Conseguiu transmitir a ambas sua própria decisão de triunfar; sem dúvida, 
seu bom sentido do momento preciso e da iluminação foram uma ajuda, mas o mais importante foi 
sua maneira intuitiva de saber como utilizar melhor a Rachel e a Emily. 
A princípio, Rachel se enfureceu que por que a criticava e a fizesse repetir inumeráveis vezes 
cada toma, mas quando lhe mostrou as cópias da primeira semana, olhou-o com uma nova expres-
são de respeito em seus olhos verdes. 
— Obrigada, Zack — lhe disse com suavidade— . Pela primeira vez na vida tenho a sensa-
ção de que sei interpretar. 
— Também é como se eu realmente, mas realmente, soubesse dirigir — respondeu ele em 
brincadeira, mas se sentia aliviado, e demonstrou isso. 
Rachel se surpreendeu. 
— Quer dizer que duvidava? Eu acreditei que estava convencido de tudo o que nos tem feito 
fazer! 
— Se quiser que eu diga a verdade, não dormi bem uma única noite desde que começamos a 
filmagem — confessou Zack. E era a primeira vez em anos que se animava em admitir que tinha dú-
vidas a respeito de seu trabalho. Mas esse dia era muito especial. Acabava de comprovar que possu-
ía talento para dirigir. Mais ainda, esse talento recém descoberto iluminaria o futuro de uma simpática 
criatura chamada Emily McDaniels quando os críticos tivessem oportunidade de ver sua esplêndida 
atuação em Pesadelo. Zack sentia tanto carinho por Emily, que o fato de trabalhar com ela o levou a 
desejar ter um filho próprio. Ao observar quão unida era com seu pai e a alegria que ambos comparti-
lhavam, de repente Zack se deu conta de que queria ter uma família. Isso era o que lhe faltava na 
vida: uma esposa e filhos que compartilhassem seus êxitos, uma família com a que pudesse rir e pe-
la que pudesse lutar. 
Rachel e ele celebraram essa noite com uma comida que servida pelo serviçal de Zack. O es-
tado de ânimo confidencial que se iniciou mais cedo quando ambos admitiram as dúvidas que tinham 
tido sobre seus respectivos talentos, conduziu-os a uma intimidade tranqüila que, no caso do Zack, 
não tinha precedentes e resultava terapêutica. Sentados na sala de estar de sua casa, frente a uma 
parede de vidro que dava para o mar, conversaram durante horas, mas não sobre "negócio". Isso 
resultou numa agradável mudança para Zack, que se desesperava por conhecer alguma atriz que 
pudesse falar de outra coisa. 
Terminaram na cama de Zack, onde desfrutaram de uma noite de amor prazenteiro e com 
uma enorme dose de criatividade. A paixão de Rachel parecia autêntica, e não só uma forma de 
agradecimento por ter obtido seu brilho no filme, e isso também o agradou. Em realidade, enquanto 
permaneciam estendidos na cama, Zack se sentia contente com tudo: suas cópias,a sensualidade 
 
 33 
de Rachel, sua inteligência e seu engenho. 
De repente ela se apoiou sobre um cotovelo e se elevou para olhá-lo. 
— O que é o que realmente quer da vida, Zack? — perguntou— Me refiro ao que quer de 
verdade. 
Ele permaneceu uns instantes em silêncio e logo, talvez porque se sentia fraco depois de ho-
ras fazendo amor, ou possivelmente porque estava farto de simular que a vida que se forjou era o 
que queria, respondeu com um quê de zombaria. 
— Uma casinha na planície. 
— O que? Está me dizendo que você gostaria de atuar em uma segunda parte do filme Uma 
casinha na planície? 
— Não, quero dizer que isso é o que eu gostaria de viver. Embora a casa não tem por que es-
tar em uma planície. Estive pensando em comprar uma fazenda nas montanhas. 
— Uma fazenda! Todo mundo sabe que você odeia os cavalos e o gado. — deitou-se de lado 
junto a ele e começou a acaricia-lo com o dedo pelo corpo, do ombro ao estômago. — De onde você 
é, Zack? E por favor, não me conte nenhuma dessas mentiras inventadas pelo estúdio de que cres-
ceu só, que formou parte de um rodeio e depoisse uniu a uma turma de motociclistas. 
O estado de ânimo sincero de Zack não chegava até o extremo de confessar seu passado. 
Nunca tinha feito isso antes e jamais faria. Quando, aos dezoito anos, o departamento de imprensa 
do estúdio começou a interrogá-lo, ele lhes disse com toda frieza que inventassem um passado. Coi-
sa que fizeram. Seu verdadeiro passado estava enterrado e essa conversa tinha seus limites. Seu 
tom evasivo não deu lugar a dúvidas. 
— Não venho de nenhuma parte em especial. 
— Mas estou convencida de que não é um menino vagabundo que cresceu sem saber que 
roupa usar em cada ocasião — insistiu ela— . Tommy Newton me disse que já aos dezoito anos ti-
nha muita classe, um grande "verniz social", como ele o chamou. Isso é tudo o que sabe a seu res-
peito, e trabalhou com você em vários filmes. E nenhuma das atrizes com quem trabalhou sabe nada 
de você tampouco. Glenn Close e Goldie Hawn, Lauren Hutonn e Meryl Streep... todas dizem que é 
maravilhoso trabalhar contigo, mas que é muito reservado com respeito a sua vida privada. Sei por-
que perguntei. 
Zack não tentou ocultar seu desagrado. 
— Está equivocada se acredita que me adula com sua curiosidade. 
— Não posso evitar minha curiosidade — riu ela, beijando o queixo dele — . É o amante ideal 
de todas as mulheres, senhor Benedict, e também é o homem misterioso de Hollywood. Todo mundo 
sabe que nenhuma das mulheres que me precederam nesta cama conseguiu fazer você falar sobre 
algo pessoal. E como agora eu estou aqui, na cama com você, e que esta noite me contou uma 
quantidade de coisas que são pessoais, suponho que te peguei em um momento de debilidade ou 
que... simplesmente talvez... você gosta mais de mim do que das outras. Em qualquer dos dois ca-
sos, devo tratar de descobrir algo a respeito de você que nenhuma outra mulher saiba. Como enten-
derá, aqui o que está em jogo é meu amor próprio feminino. 
Sua franqueza e sua desenvoltura transformaram a irritação de Zack em uma divertida exas-
peração. 
— Se quer que eu continui gostando de você mais que das outras — disse com uma mescla 
de brincadeira e advertência— , não siga tratando de averiguar e fale de algo mais agradável. 
 
 34 
— Agradável... — deitou-se sobre o peito de Zack, olhou sorridente nos olhos e enroscou os 
dedos no arbusto de pêlo de seu peito. Em conjunto com essa linguagem corporal, Zack esperava 
que dissesse algo sugestivo, mas o tema que Rachel escolheu não pôde menos que fazer graça. — 
Vejamos... já sei que odeia os cavalos, mas que você gosta de motos e de automóveis velozes. Por 
quê? 
— Porque — brincou ele, entrelaçando seus dedos com os dela— eles não se reúnen em 
complor com seus amigos quando você os deixa estacionados, nem o criticam quando lhes dá as 
costas, mas sim vão para onde você quer. 
— Zack — sussurrou ela, apoiando a boca contra a dele— . As motos não são quão únicas 
que vão para onde você quer. Eu também. 
Zack sabia a que se referia. Observou. Ela se deslizou para baixo e inclinou a cabeça. 
À manhã seguinte, Rachel lhe preparou o café da manhã. 
— Eu gostaria de participar de mais um filme, um filme importante, para demonstrar ao públi-
co que sou uma verdadeira atriz — disse enquanto colocava bolinhos no forno. 
Satisfeito e relaxado, Zack a observou mover-se por sua cozinha. Sem vestir roupa sexy nem 
luzir uma extravagante maquiagem, parecia muito mais atraente e imensamente mais bonita. E além 
disso, já tinha descoberto que também era inteligente, sensual e esperta. 
— E depois, o que? — perguntou. 
— Depois eu gostaria de me retirar. Tenho trinta anos. O mesmo que você, quero ter uma 
existência verdadeira, uma vida com sentido, pensando em algo mais que em minha figura e em mi-
nhas rugas. A vida é muito mais que esta terra de fantasia, superficial e reluzente, em que vivemos e 
que infligimos ao resto do mundo. 
Uma declaração sem precedentes como essa da boca de uma atriz converteu Rachel em 
uma baforada de ar fresco para o Zack. Além disso, se pensava não seguir trabalhando, pelo visto 
tinha conhecido a uma mulher a quem lhe interessava como pessoa, não em função do que pudesse 
fazer por sua carreira. Estava pensando nisso quando Rachel se inclinou sobre a mesa da cozinha e 
perguntou com suavidade: 
— Meus sonhos se podem comparar de algum jeito com os seus? 
Zack se deu conta de que ela estava fazendo um oferecimento, e que fazia com uma tranqüi-
la coragem e sem joguinhos. Estudou-a uns instantes em silêncio e logo não fez a menor tentativa de 
ocultar a importância que atribuía ao que estava por lhe perguntar. 
 
— Há filhos em seus sonhos, Rachel? 
Ela respondeu com doçura e sem vacilar. 
— Teus filhos? 
— Meus filhos. 
— Podemos começar agora mesmo? 
Ante a inesperada resposta, Zack lançou uma gargalhada. Então ela se instalou em seus joe-
lhos e a risada se converteu em ternura e em uma esperança vibrante, emoções que ele acreditava 
mortas aos dezoito anos. Deslizou as mãos sob a camisa de Rachel e a ternura se transformou em 
paixão. 
casaram-se quatro meses depois, no gracioso mirante do parque da propriedade de Zack em 
 
 35 
Carmel, na presença de um milhão de convidados, entre os que havia vários governadores e sena-
dores. 
Zack estava sorridente. Era o dia de seu casamento, e o invadia uma sensação de otimismo 
ao imaginar cálidas veladas com filhos sobre os joelhos e o tipo de família que nunca tinha tido. Essa 
festa importante fora idéia de Rachel e ele cedeu, embora tivesse preferido uma cerimônia singela 
com um par de amigos pressente. 
O padrinho do casamento foi o vizinho de Zack em Carmel, o industrial Matt Farrell. Conhece-
ram-se três anos atrás, quando um grupo de admiradoras de Zack subiu a cerca que rodeava a pro-
priedade e em sua fuga fizeram soar o alarme em ambas as residências. Essa noite, Zack e Matt 
descobriram que compartilhavam vários gostos, entre eles o bom uísque, uma tendência à brutalida-
de mais desumana, a intolerância para as falsas pretensões e, mais adiante, uma filosofia similar 
com respeito aos investimentos financeiras. O resultado foi que, além de amigos, terminaram sendo 
sócios em várias empresas. 
Ao estrear, Pesadelo não ganhou um Oscar, nem sequer recebeu uma nominação para o 
prêmio, mas conseguiu juntar lucros, recebeu excelentes críticas e reviveu as cambaleantes carreiras 
de Emily e Rachel. A gratidão de Emily e seu pai foi imensa. Entretanto, Rachel descobriu que ainda 
não estava disposta a renunciar a sua carreira nem a ter o filho que Zack tanto desejava. Em realida-
de, a carreira que antes assegurava não lhe interessar se converteu em uma obsessão que a con-
sumia. Não suportava faltar a uma festa "importante" nem ignorar uma possibilidade de receber pu-
blicidade, por mínima que fora, e mantinha em velo os empregados de Zack, seu secretário,seu che-
fe de relações públicas, para que respondessem a suas exigências sociais e levassem a cabo seus 
ambiciosos planos publicitários. Desesperava até tal ponto sua necessidade de fama e de aplausos, 
que desprezava qualquer atriz mais conhecida do que ela e era tão insegura com respeito a seu ta-
lento, que sentia terror trabalhar em um filme que não estivesse sendo dirigido por Zack. 
O peso da realidade demoliu o otimismo que Zack experimentara no dia de seu casamento. 
Tinha sido enganado por uma atriz inteligente e ambiciosa que estava convencida de que só ele pos-
suía a chave que a conduziria à fama e a fortuna. Zack sabia, mas culpava a si mesmo mais que a 
Rachel. A ambição a levou a casar-se com ele e, embora não gostasse dos métodos que ela tinha 
empregado, Zack compreendia os motivos que a impulsionaram, porque em uma época ele também 
teve necessidade de demonstrar o que valia. 
Por outra parte, ele se casou movido por uma cândida ilusão que o levou a acreditar, embora 
por curto tempo, na imagem de uma parceira fiel, rodeada de crianças felizes de bochechas rosadas 
que lhes pediam que contassem contos na hora de dormir. Por sua própria infância e experiência, ele 
devia saber que essas famílias eram mitos criados por poetas e produtores cinematográficos. E, ante 
essa realidade, a vida voltava a se estender ante ele com uma monotonia insuportável. 
Entre os habitantes de Hollywood afligidos por um problema similar, a solução proscripta ia da 
cocaína a uma variedade de drogas, legais ou não, ou ao consumo de uma garrafa de uísque por 
dia. Mas Zack sentia o mesmo desprezo que sua avó pela debilidade e não estava disposto a aceitar 
muletas emocionais. Assim solucionou seu problema da única maneira que lhe ocorreu. Cada ma-
nhã, mergulhava em seu trabalho, e seguia trabalhando até que, de noite, voltava a cair rendido na 
cama. Em lugar de divorciar-se de Rachel, pensou que, embora seu matrimônio não fora idílico, era 
muito melhor que o de seus avós, e não pior que outros que conhecia. E assim fez uma proposta a 
sua mulher: podia escolher entre divorciar-se ou baixar ao nível de suas ambições e tranqüilizar-se 
um pouco, em cujo caso a concederia seu desejo de dirigi-la em outro filme. Com sabedoria, e agra-
decida, Rachel aceitou esta segunda possibilidade. 
Depois do êxito de Pesadelo o estúdio estava ansioso por permitir que Zack protagonizasse e 
 
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dirigisse o filme que quisesse. Ele adorou o guia de um filme de suspense e ação chamada "O ga-
nhador fica contudo", que tinha papéis de protagonistas para ele e Rachel, e Empire investiu o di-
nheiro para produzi-la. Colocando em jogo uma combinação de paciência, adulações, aciduas críti-
cas e uma ocasional demonstração de gélido mau humor, Zack conseguiu manipularRachel e resto 
do elenco até que renderam o que ele pretendia, e logo dirigiu as luzes e os ângulos das câmaras 
para que o captassem. 
Os resultados foram espetaculares. Rachel recebeu uma nominação da Academia de Ciên-
cias Cinematográficas por sua interpretação. Zack ganhou um Oscar como Melhor Ator, e outro como 
Melhor Diretor. Este último prêmio não fez mais que confirmar o que os magnatas de Hollywood já 
sabiam: que Zack era um gênio como diretor. 
Os dois Oscar proporcionaram uma tremenda satisfação em Zack, mas nem a mais mínima 
paz interior. Embora ele nem sequer se desse conta disso. Zack já não esperava essa paz interior, e 
com toda deliberação se mantinha muito ocupado, para não a sentir saudades. Em sua necessidade 
de desafios, durante os dois anos seguintes dirigiu e protagonizou outras dois filmes: um filme erótico 
de suspense e ação que protagonizou com o Glenn Close e um filme de aventuras em que trabalhou 
com a Kim Bassinger. 
Andava em busca de um novo desafio quando voou a Carmel para concretizar um negócio 
com Matt Farrell. Essa noite procurou algo para ler e se topou com um livro que devia ter sido esque-
cido ali por algum convidado. Muito antes de terminar de lê-lo, Zack sabia já que Destino seria seu 
próximo filme. 
Ao dia seguinte entrou no escritório do presidente dos Estúdios Empire e lhe entregou o livro. 
— Aqui tem meu novo filme, Irwin. 
Irwin Levine leu a orelha do livro, apoiou-se contra o respaldo da poltrona e suspirou. 
— Está bem. Falemos de negócios. Quando quer começar a filmar Destino? Já pensou em 
alguém para os papéis principais? 
— Eu farei o papel do marido, e eu gostaria que, se estiver disponível, Diana Coperland inter-
prete o da esposa. Rachel seria excelente para a amante. Emily McDaniels para a filha. 
Irwin elevou as sobrancelhas. 
— Rachel terá um de seus ataques de nervos se lhe oferecermos um papel que não seja de 
protagonista. 
— Dela me encarregarei eu — assegurou Zack. Rachel e Levine se detestavam mutuamente, 
embora nenhum dos dois explicasse jamais o motivo de tanto ódio. Zack suspeitava que anos antes 
deviam ter tido uma aventura que terminou mau. 
— Se ainda não se decidiu por alguém para o papel do segundo personagem masculino — 
continuou dizendo Levine, um tanto vacilante — tenho que te pedir um favor. Consideraria a possibi-
lidade de dá-lo a Tony Austin? 
— Nunca! — respondeu Zack diretamente. O vício de Austin por álcool e drogas era tão le-
gendária quanto seus outros vícios, e era um homem em quem não se podia confiar. Sua última 
overdose acidental, quando começava a filmar um filme para o Empire, obrigou-o a ficar durante seis 
meses em um centro de reabilitação, e outro ator teve que assumir seu papel. 
— Tony quer voltar a trabalhar e ser colocado a prova — explicou Levine com paciência— . 
Os médicos me asseguram que abandonou seus hábitos e que é um homem novo. Esta vez me in-
clino a acreditar. 
 
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Zack se encolheu de ombros. 
— E no que diferencia esta vez das demais? 
— Em que esta vez, quando chegou ao Cedars-Sinaí, já estava virtualmente morto. Conse-
guiram trazê-lo de volta a vida, mas a experiência o aterrorizou e está disposto a amadurecer e co-
meçar a trabalhar a sério. Eu gostaria de dar a ele uma possibilidade, um novo princípio. — Na voz 
do Levine apareceu uma nota piedosa. — É a única coisa decente que podemos fazer, Zack. Esta-
mos todos juntos nesta terra. Devemos cuidar uns dos outros. Temos que dar trabalho a Tony por-
que está acabado e porque... 
— E porque te deve uma montanha de dinheiro por esse filme que nunca terminou de filmar 
— adicionou Zack. 
— Bom, sim, deve-nos uma quantidade importante de dinheiro por esse filme — admitiu Levi-
ne a contra gosto— . Mas veio me ver e me pediu que permitisse pagar sua dívida com trabalho, pa-
ra poder demonstrar que agora é confiável. E já que pelo visto é invulnerável a um pedido piedoso, 
considere os motivos práticos pelos que nos convém utilizá-lo. Que apesar de toda a má publicidade 
que tem feito, o público segue adorando-o. Segue sendo o moço mau, equivocado e que todas as 
mulheres querem consolar. 
Zack vacilou. Se Austin realmente se reformou, era perfeito para o papel. Aos trinta e três 
anos, sua atitude loira e juvenil tinha as marcas da dissipação, coisa que de algum jeito o fazia mais 
fascinante para as mulheres de doze a noventa anos. O nome de Austin era particularmente bilhetei-
ro. o do Zack também; juntos teriam a possibilidade de estabelecer um verdadeiro recorde de venda 
de entradas. E dado que, como parte de seu cachê por dirigir Destino, Zack tentava obter uma impor-
tante percentagem ds lucros do filme, esse era um ponto que influía em sua decisão. 
Também era o fato de que, até bêbado, Austin era melhor ator que muitos outros, e pensando 
bem era perfeito para o papel. Por outra parte, o fato de utilizar a Austin nesse filme significaria fazer 
um favor ao Empire, e Zack estava decidido que, em troca, eles lhe fizessem concessões. Por esse 
motivo decidiu ocultar o entusiasmo que lhe produzia a idéia. 
— Permitirei fazer uma prova, mas já advirto que não me entusiasmapensar em me conver-
ter na babá de um drogado, reformado ou não. 
Levine se levantou para estreitar a mão de Zack. O projeto já estava em marcha e esse aper-
tão de mãos iniciava a rodada de negociações contratuais. 
Diana Copeland não pôde aceitar o papel de esposa de Zack porque tinha um compromisso 
anterior, de modo que Zack deu o papel a Rachel. Algumas semanas depois, os planos de Diana se 
modificaram, mas então Zack já tinha a obrigação moral e legal de permitir que Rachel conservasse 
o papel de protagonista. Para sua surpresa, Diana pediu o papel secundário da amante. Emily 
McDaniels aceitou fascinada o papel da filha adolescente, e Tony Austin ficou com o do outro perso-
nagem masculino. Os papéis secundários se distribuíram sem dificuldade e Zack reuniu a todos seus 
técnicos prediletos para formar a escola do filme. 
Um mês depois de iniciada a rodagem de Destino, começou-se a correr os rumores de que, 
apesar de que a filmagem estava infestada de acidentes e demoras, as cópias — as porções do filme 
que se enviavam dia a dia ao laboratório para ser processadas— eram fantásticas. Toda Hollywood 
começou a pre-dizer que o filme ganharia várias nominações para os prêmios da Academia. 
 
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Capitulo 06 
 
Um ruído de passos no pasto arrancou Zack de suas lembranças. Ao olhar por sobre o ombro 
viu que, no crepúsculo, Tommy Newton se aproximava. 
— A equipe técnica está jantando, e nas cavalariças tudo está pronto — informou. 
— Perfeito. Irei verificar todos os detalhes — disse Zack, ficando de pé. Já o tinha feito mais 
cedo, mas não gostava de deixar nada ao azar, e além do mais, isso proporcionada uma desculpa 
para não ter que conversar com outros durante um momento. — Esta noite não ensaiaremos a cena 
— informou— . Trataremos de fazer a tomada diretamente. 
— Muito bem, farei correr a voz — disse Tommy, assentindo. 
Uma vez dentro da cavalariça, Zack estudou o cenário onde se filmaria a última cena impor-
tante do filme. Nos últimos meses, a história tinha cobrado vida frente às câmaras, mais vibrante e 
cheia de suspense do que ele acreditava. Era a história de uma mulher capturada entre o amor por 
sua filha e o preocupado magnata que era seu marido, e seu apaixonado romance com um homem 
bonito e inútil, que a necessitava e sentia por ela uma perigosa obsessão. Zack interpretava o papel 
do marido pouco carinhoso. Emily McDaniels era a filha adolescente a quem não interessavam os 
luxos que proporcionavam seus pais e que só desejava que a dessem mais atenção. 
A maioria das cenas tinham sido filmadas fora de seqüência, como era habitual, mas, por 
uma necessidade logística, as últimas duas cenas que faltavam filmar eram as últimas do filme. Na 
que se estava por rodar, Rachel se encontrava com seu amante na cavalariça, onde tinham tido lugar 
grande parte de seus encontros amorosos. Obrigada a vê-lo "uma única vez mais" porque, em caso 
contrário, ele revelaria a aventura que tiveram ao marido e à filha, Rachel oculta uma arma na cava-
lariça, com a que pensava amedrontá-lo para que se afaste dali. Quando ele trata de obrigá-la a fa-
zer amor, ela o ameaça com a arma, e na luta subseqüente, ambos acabam feridos. A cena devia 
ser violentamente sexual e a tarefa de Zack como diretor era obter que fosse muito sexual e muito 
violenta. 
Percorreu lentamente o corredor que dividia em duas a cavalariça escura, olhando a seu re-
dor. Tudo estava exatamente como ele desejava: os cavalos nos boxes que se alinhavam à esquer-
da, apareciam os focinhos quando ele passava. Renda, freios e outros elementos de montar pendu-
rados na parede oposta; as celas estavam colocadas em pendurador de madeira; sobre uma mesa 
contra a parede de um extremo se encontravam os distintos elementos necessários para escovar e 
polir os cavalos. 
O verdadeiro foco da cena se centrava nessa mesa do extremo do corredor, junto a alguns 
montes de pasto, onde os dois protagonistas lutariam. Os montes de pasto estavam em seu lugar, e 
a arma que se utilizaria na cena se encontrava sobre a mesa, escondida entre garrafas de linimentos 
e escovas. Acima, nos andamies, uma segunda câmara já estava enfocada para as portas duplas 
para capturar Emily quando entrasse a cavalo depois de ouvir os disparos. Todos os refletores se 
encontravam também em seu lugar. 
Com o joelho, Zack empurrou a mesa uns centímetros para a esquerda, depois mudou de lu-
gar um par de garrafas que havia sobre ela e mexeu apenas a arma para que estivesse dentro do 
rastro de foco da câmara, mas fez isso mais porque estava nervoso do que por uma verdadeira ne-
cessidade. Sam Hudgins, o diretor de fotografia, e Linda Tompkins, a cenógrafa, já tinham realizado 
seu impecável trabalho de transportar as idéias de Sam a um set completo em todos seus detalhes e 
que criava exatamente o efeito desejado. De repente, Zack sentiu necessidade de começar de uma 
vez e passar quanto antes o mau momento. Encaminhou-se à porta e suas pegadas ressonaram so-
 
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bre o piso de mosaicos. 
Enormes refletores iluminavam o flanco das cavalariças, onde os integrantes da equipe comi-
am ante mesas de picnique, ou sentados no pasto. Tommy viu Zack em seguida e ante um movimen-
to de cabeça do diretor, anunciou: 
— Bom, dentro de dez minutos começamos! 
Houve um movimento geral quando o pessoal da equipe técnica ficaram de pé para dirigir-se 
a seu lugar de trabalho ou para aproximar-se, pressurosos, à mesa do bufê para servir-se outra be-
bida fresca. Em um esforço por cortar gastos desnecessários do pressuposto já excedido, Zack só 
mantinha ali às pessoas mais imprescindíveis da equipe, e tinha enviado de retorno à Costa Oeste a 
todos outros, incluindo o segundo e terceiro assistentes de direção e vários assistentes de produção. 
Até sem contar com ajuda, Tommy Newton se virava para dirigir à perfeição todos os detalhes. Zack 
o viu enviar seu único assistente de produção ao trailer de Austin, da qual instantes depois sairam 
Rachel e Tony, seguidos por seus cabeleireiros e maquiadora. Tony parecia inquieto e levemente 
doente; Zack esperava que as costelas quebradas o estivessem matando de dor. Quanto a Rachel, 
passou junto a Zack com a cabeça em alto de gesto arrogante... uma rainha que não está disposta a 
dar contas a ninguém. Emily McDaniels andava de um lado para o outro na frente de seu pai, ensai-
ando suas falas. No momento em que Rachel passou a seu lado, levantou a vista e em seu rosto se 
fez uma expressão de profunda antipatia, mas em seguida olhou para seu pai e seguiu ensaiando. 
Considerando que a princípio Emily tinha simpatia por Rachel, Zack atribuiu sua atitude à lealdade 
que sentia por ele, e se emocionou. No momento em que esticava a mão para pegar um sandwich da 
mesa do bufê, sobressaltou-se com a voz suave e pormenorizada de Diana Copeland. 
— Zack? 
Zack se voltou, levantando as sobrancelhas, surpreso. 
— O que faz aqui? Eu pensei que esta manhã viajava a Los Angeles. - Diana parecia inqui-
eta. 
— Isso pensava, mas quando me inteirei do que aconteceu ontem à noite no hotel, decidi fi-
car para te fazer companhia esta noite. 
— Por que? — perguntou Zack, quase com rudeza. 
— Por dois motivos — respondeu Diana, desesperada por fazê-lo entender que falava com 
sinceridade— . Em primeiro lugar, para te dar apóio moral, no caso de que precise. 
— Não preciso — respondeu amavelmente Zack— . E qual é o outro motivo? 
Diana olhou as orgulhosas feições de Zack, os olhos esverdeados que a olhavam com frieza 
desde debaixo das espessas pestanas, e compreendeu que, com suas palavras, tinha dado a im-
pressão de que tinha pena dele. Nervosa pelo olhar fixo de Zack e pelo prolongado silêncio, por fim 
explodiu. 
— Olhe, não sei como dizer isto... mas... mas acredito que Rachel é uma imbecil! E se eu pu-
desse fazer algo pra te ajudar, peço por favor que me permita isso. E, Zack — terminou com profun-
do sentimento— , eu trabalharia comvocê em qualquer momento, em qualquer lugar, e em qualquer 
papel. Queria que também soubesse isso. 
Notou que a indecifrável expressão de Zack se convertia em um sorriso divertido e se deu 
conta de que suas palavras o tinham levado a acreditar que atrás de suas amostras de lealdade se 
ocultava a ambição. 
— Obrigado, Diana — disse Zack com uma cortesia que a fez sentir ainda mais tola— . Que 
 
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seu representante me chame dentro de alguns meses, quando estiver armando o elenco de meu 
próximo filme. 
Diana o observou afastar-se com passos largos e seguros, usando uma camiseta azul escura 
que destacava seus ombros largos, uma calça cáqui que se ajustava a seus estreitos quadris... um 
corpo magro e forte mas que tinha a graça de um leão... os olhos do leão... 
o orgulho do leão. O único estragava a comparação era o cabelo, pensou Diana. Era tão es-
curo que parecia negro. Ruborizando-se por causa do desconforto que sentia e da derrota que aca-
bava de sofrer, apoiou-se contra uma árvore e olhou para Tommy, que tinha estado parado junto a 
Zack durante quase todo o diálogo. 
— Que maneira de me envergonhar! Não é verdade, Tommy? 
— Sim, acredito que acaba de fazer a pior interpretação de seu vida. 
— Zack acredita que o que quero é que me dê um papel em um de seus filmes. 
— E não é assim? 
Diana o dirigiu um olhar assassino, que Tommy não viu porque nesse momento observava 
Rachel e Tony Austin. Depois de uns, instantes ela disse: 
— Como é possível que essa filha de puta prefira Tony Austin? Como pode? 
— Talvez ela goste de se sentir necessária — respondeu Tommy— . A verdade, Zack não 
necessita a ninguém. Tony, ao contrário, necessita a todo mundo. 
— Você quer dizer utiliza a todo mundo — corrigiu Diana com desprezo — . Esse Adonis loiro 
em realidade não é mais que um vampiro; devora as pessoas, as seca e depois, quando já não são 
úteis, as joga lixo. 
— Você deve saber bem disso — respondeu ele, mas deslizou um braço sobre os ombros de 
Diana e os apertou com carinho. 
— Ele me mandava encontrar com o narcotraficante que fornecia droga. Em uma dessas 
oportunidades me colocaram na cadeia por posse de drogas e quando o chamei para que me tirasse 
sob fiança, ficou furioso porque me deixei capturar. Aterrorizei-me tanto que chamei o estúdio, e eles 
pagaram a fiança e tamparam o assunto. Depois me deixaram todo os custos legais. 
— Mas é evidente que Tony deve ter qualidades que o redimem, porque se não, você não te-
ria se apaixonado por ele. 
— Quando me apaixonei por ele, tinha vinte anos e os atores me fascinavam — contra-
atacou ela— . E você? Que desculpa tem? 
— Será uma crise de meia idade? — perguntou ele em uma frágil tentativa de humor. 
— É uma pena que o tenham ressucitado depois de sua última overdose. 
As luzes do interior da cavalariça começavam a acender-se e Tommy assinalou com a cabe-
ça nessa direção. 
— Vamos... Começa o espetáculo. 
Em seu próprio trailer, Zack lavou apressadamente o rosto e o peito com água fria, colocou 
uma camisa limpa e saiu. Deteve-se ao ver que o pai de Emily andava de um lado para outro em 
frente ao trailer de sua filha. 
— Emily não está na cavalariça? — perguntou Zack. 
— Não, ainda não, Zack. Faz dias que não se sente bem por causa do calor — explicou Ge-
 
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orge McDaniels— . Além disso, não é bom que tenha tido que passar tanto tempo ao sol. Não seria 
possível que ficasse no trailer, onde tem ar condicionado, até o momento em que realmente a neces-
site? Quero dizer, com certeza você terá que fazer várias tomadas com a Rachel e o Austin antes de 
que Emily faça sua entrada em cena. 
Em qualquer outra circunstância, a sugestão de fazer o diretor esperar para que uma pessoa 
do elenco estivesse cômoda, teria merecido uma resposta cortante. Mas Zack, como todo mundo, 
sentia carinho por Emily, de maneira que respondeu com pouca habitual tranqüilidade: 
— Isso está completamente fora de questão, e você sabe, George. Além disso, Emily é uma 
garota muito bem disposta. Agüentará o calor sem queixar-se enquanto espera sua entrada em cena. 
— Mas... Bom, irei buscá-la — decidiu George, ao ver que a expressão do Zack ficava amea-
çadora. 
Normalmente, Zack sentia um profundo desprezo pelos pais de atores infantis, mas no caso 
do pai de Emily era distinto. Sua mulher tinha abandonado a ambos quando Emily era apenas um 
bebê. Por pura coincidência, um produtor viu a menina bonita e cheia de covinhas jogando no parque 
com seu pai. Quando propôs que Emily trabalhasse em um filme, George McDaniels renunciou a seu 
próprio trabalho para acompanhar a filha no set durante o dia e começou a trabalhar de noite. Pare-
cia-lhe menos provável que "corrompessem" sua filha se a deixasse só com uma babá pelas noites 
em lugar de permitir que a companhasse de dia ao estúdio. Apenas isso já tinha proporcionado o 
respeito de Zack por ele, mas além disso, todos sabiam que George investia cada centavo que ga-
nhava sua filha em um fundo em nome dela. O única coisa que realmente o importava era o bem-
estar de Emily, e o carinho deu seus frutos. Emily era uma boa garota, coisa surpreendente no ambi-
ente de Hollywood e dos atores infantis. Não bebia, nem se drogava, não se deitava com ninguém, 
era amável e decente, e Zack sabia que tudo isso se devia aos cuidados que seu pai tinha proporci-
onado sempre. 
Quando Zack estava perto da cavalariça, Emily se aproximou correndo. 
— Suba esse cavalo e vejamos se podemos terminar com o assunto! — disse Zack. 
— Estou preparada, Zack — respondeu a garota, com os olhos cheios de angustia ao pensar 
na situação difícil que ele devia tolerar. Depois desapareceu na esquina, onde dois ajudantes a espe-
ravam com o cavalo que devia montar. 
Zack sabia que não teria muitas possibilidades de obter que a cena fora perfeita na primeira 
tentativa, com ensaio ou sem ele, mas considerando todo o acontecido na noite anterior, queria tirar 
essa cena de cima das costas com o menor número de tomadas possível. A atmosfera carregada 
que havia entre ele, sua mulher e o amante só pioraria cada vez que tivessem que repetir essa cena 
sexual e explosiva. 
Uma sombra saiu da porta e a voz cuidadosamente modulada e conciliatória de Tony Austin 
deteve Zack em seco. 
— Olhe, Zack, esta cena já será bastante difícil sem que a pioremos com nossa inimizade por 
causa de Rachel — disse, movendo-se para a luz— . Você e eu somos adultos, homens sofisticados 
e com experiência. Proponho que ajamos de acordo com isso. — E lhe estendeu a mão. 
Zack contemplou com desprezo a mão estendida, e logo a Austin. 
— Por que não vai à merda? — respondeu. 
 
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Capítulo 7 
 
Uma tensão espessa e quente pendia como um fio fino sobre a cavalariça quando Zack pas-
sou junto aos pressente e se encaminhou para o set em penumbras. Sam Hudgins já se encontrava 
junto à câmara localizada no piso, e Zack se deteve frente ao par de monitores conectados às lentes 
de ambas as câmaras, que o permitiam ver exatamente o que enfocavam. Fez um gesto com a ca-
beça para Tommy e as coisas começaram a mover-se na seqüência prevista. 
— Luzes! — ordenou ao assistente de direção. 
Ouviu-se o som metálico dos interruptores e os gigantescos refletores cobraram vida, alagan-
do o set com uma luz calorosa e branca. Zack meteu as mãos nos bolsos e estudou as imagens de 
ambos os monitores. Ninguém falava, ninguém tossia, ninguém se movia, mas ele quase não tinha 
consciência do silêncio pouco habitual. Durante anos tinha compensado o que faltava na vida mergu-
lhando por completo em seu trabalho e bloqueando todo o resto; nesse instante voltou a fazê-lo sem 
necessidade de realizar um esforço consciente. No momento, a cena que estavam por filmar era o 
único que importava; essa cena era sua filha, sua amante, seu futuro, e esquadrinhou cada detalhe 
do que se via em ambos os monitores. 
Acima, nos andamies, um assistente e um eletricista esperavam instruçõespara mover uma 
luz ou mudar o ângulo de um refletor se necessário. O chefe de sons estava localizado detrás da 
câmara do piso, esperando indicações, e havia outros dois eletricistas junto a uma grua, que olha-
vam o segundo camarógrafo que se encontrava sentado a seis metros de altura para poder tomar a 
cena desde esse ângulo. Havia uma série de contra-regras preparados para mover qualquer detalhe 
da cena que Zack quisesse que se mudasse de posição; o chefe de som tinha os auriculares pendu-
randos no pescoço, pronto para colocá-los os e a "script" sustentava o guia em uma mão e um cro-
nômetro na outra. 
A seu lado, uma assistente de produção escrevia na prancheta o número que marcaria a to-
mada quando Zack desse ordem de iniciar a rodagem. Tony e Rachel esperavam a um lado. 
Satisfeito, Zack assentiu e olhou para Sam. 
— O que te parece? 
O diretor de fotografia apoiou um olho no visor da câmara para dar um último olhar. 
— Essa mesa me incomoda um pouco, Zack — disse, sem separar o olho da câmara— . Eu a 
aproximaria mais aos montes de pasto. 
Ao ouvi-lo, dois contra-regras se adiantaram, pegaram a mesa e a moveram um centímetro 
por vez, observando Sam quem, sem separar o olho da câmara, dirigia-os com uma mão levantada. 
— Ali está bem. Exatamente ali. Ansioso por começar a filmar, Zack olhou ao camarógrafo lo-
calizado sobre a grua. 
— Eles? Como vêem daí? 
— Vejo-o bem, Zack. 
depois de olhar por última vez a seu redor, Zack fez um gesto a Tommy para que fizesse a ro-
tineira advertência de silêncio e atenção, embora no set reinasse o silêncio de uma tumba. 
— Silêncio, por favor! Todos a seu lugar. Este não é um ensaio. Faremos diretamente uma 
tomada. 
Tony e Rachel se localizaram em seus respectivos lugares marcados no piso, e enquanto um 
 
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maquiador passava um pouco de pó sobre a frente suada de Tony e uma vestidora alisava a blusa 
do vestido de Rachel, Zack começou a fazer sua habitual recapitulação da cena que estavam por fil-
mar. 
— Bom — disse com tom cortante e decidido— , já conhecem a história e seu fim. Talvez 
possamos obter na primeira tentativa. Se não for assim, utilizaremos esta tomada como um ensaio. 
— Olhou para Rachel, mas se dirigiu a ela com o nome da personagem, como o fazia sempre. — Jo-
hanna, você entra na cavalariça sabendo que ali, em alguma parte, Rick está a espera. Sabe o que 
ele quer de você. Tem medo, e ele teme você. Quando começa a tratar de te seduzir, sua decisão se 
debilita, mas só alguns instantes... e devem ser instantes muito quentes — terminou dizendo Zack, 
decidindo que não era necessário especificar o tipo de paixão que esperava ver entre ela e seu 
amante na vida real— . Compreendido? — perguntou— . Muito quentes! 
— Compreendido — respondeu ela, e só uma piscada de seus olhos verdes traiu certa in-
quietação ante o que estava por fazer frente a uma quantidade de gente. 
Zack se virou para Tony, que já estava em seu lugar. 
— Faz mais de uma hora que espera aqui por Johanna — recordou em tom cortante — . Te-
me que não venha e se odeia por desejá-la. Está obcecado com ela, e pensa na possibilidade de ir 
na casa e dizer à filha, à governanta, a qualquer um que queira escutar, que se deitou com ela. Sen-
te-se humilhado porque o esteve evitando e porque tem que se encontrar com ela na cavalariça, en-
quanto o marido dorme em sua cama. Quando chega e passa a seu lado sem te ver, toda a fúria e a 
angústia que durante meses estiveram crescendo em seu interior, explodem. A odeia, mas assim 
que a toca volta a desejá-la e está decidido a obter que ela também o deseje. Obriga-a a te beijar e 
percebe sua resposta inicial. Mas quando Johanna muda de atitude e começa a lutar, já se deixou 
levar tanto pela paixão que não pode acreditar que queira que se detenha. E não acredita até que ela 
pega a arma e aponta para você. 
Então se enfurece. Perde o controle. Agarra a arma e quando dispara está muito enfurecido 
para compreender que foi acidental. Toda a paixão e obsessão que ela inspira se converte em ira 
enquanto luta por tirar a arma dela. A pistola dispara pela segunda vez, Rachel se desaba no piso e 
então você deixa cair a arma... está doente de remorsos e de medo porque se dá conta de que está 
ferida gravemente. Ouve Emily... vacila e logo foge. — Incapaz de ocultar por completo o ódio que 
sentia, Zack adicionou com tom ácido: — É capaz de fazer isso? 
— Sim — respondeu Austin com sarcasmo— . Acredito que sou capaz. 
— Então faça e terminemos de uma vez com esta charada nauseabunda — retrucou Zack, 
sem poder conter-se. voltou-se para Rachel e adicionou: 
— Você não pensava usar a arma contra ele, e quando se dispara quero que demonstre que 
está horrorizada... tão horrorizada que não reage com suficiente rapidez quando aponta para você. 
Sem esperar resposta, Zack se voltou para Emily e falou com voz mais suave. 
— Emily, você ouve os disparos e entra a cavalo. Sua mãe está ferida mas consciente, e 
compreende que não é uma ferida mortal. Está aterrorizada. O amante de sua mãe foge para o ca-
minhão, e você pega o telefone e chama uma ambulância. Depois chama a seu pai. De acordo? 
— E o que acontesse com o Tony... quero dizer, Rick? Eu não deveria dar uns passos como 
se pensasse persegui-lo, ou tomar a arma como se pensasse ir atrás dele? 
Normalmente tudo isso teria sido coberto em um ensaio e Zack compreendeu que tinha sido 
um tolo em acreditar que podiam fazer a tomada direta, sem ensaiá-la, sobre tudo porque desde o 
dia anterior pensava na possibilidade de que não fosse Rachel quem disparasse o primeiro tiro, em-
 
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bora isso fosse o que marcava o guia. Depois de uma breve vacilação, balançou a cabeça ante a 
pergunta de Emily. 
— A primeira vez o faremos tal como está escrito. Depois, se for necessário, improvisaremos. 
— Olhou o elenco e a equipe técnica. — Alguma pergunta? — perguntou em tom cortante. Esperou 
alguns instantes e ao ver que ninguém falava, fez um gesto a Tommy. 
— Adiante — disse. 
— Desliguem o ar condicionado — ordenou Tommy. O chefe de som colocou os auriculares, 
ambos os camarógrafos se inclinaram para frente e Zack se colocou entre a câmara e os monitores 
para poder ver ao mesmo tempo os monitores e aos atores. 
— Luz vermelha, por favor — pediu, para que as luzes vermelhas se acendessem fora da ca-
valariça indicando que estavam filmando— . Câmara. — Esperou a confirmação de que as câmaras 
e o som estivessem rodando à velocidade indicada. 
— Rodando! — exclamou o camarógrafo da grua. 
— Rodando! — exclamou Sam Hudgins. 
— Som! — disse o chefe de som. 
— Marquem! — ordenou Zack e a assistente de produção se adiantou com rapidez para colo-
car frente à câmara de Sam a prancheta que marcava o número de tomada e de seqüência. 
— Cena 126, toma 1 — anunciou, repetindo o que estava escrito. Bateu ambas as partes da 
prancheta para que os editores do filme pudessem sincronizar o som com a ação e saiu para o outro 
lado com rapidez. 
— Ação! — ordenou Zack. 
Rachel entrou na cavalariça , movendo-se nervosamente. Olhou de um lado a outro, com o 
rosto convertido em uma máscara de terror, apreensão e excitação. 
— Rick? — perguntou com voz tremida, e quando o amante oculto estendeu uma mão para 
ela, seu grito afogado foi perfeito. 
Parado junto à câmara, com os braços cruzados sobre o peito, Zack observava tudo com 
olhos entreabertos e olhar impessoal, mas quando Austin começou a beijar Rachel e a arrastou para 
os pastos, tudo começou a andar mau. Austin estava incômodo e sua atuação era pouco natural. 
— Cortem! — gritou Zack, furioso ao compreender que a esse passo possivelmente se veria 
obrigado a observar Austin manuseando e beijando repetidas vezes a sua mulher. Adiantou-se à luz 
e dirigiu ao ator um glacial olhar de desprezo. — Em meu quarto de hotel não a estava beijando co-
mo uma criançinha inesperiente, Austin. Por que não repete essa cena em lugar desta atuação de 
aficionadoque nos está oferecendo? 
Austin ficou avermelhado como um tomate. 
— Deus, Zack! por que não age como um adulto neste assunto...? 
Ignorando-o, Zack se virou para Rachel, que o olhava soltando faíscas pelos olhos, e falou 
com uma crueldade pouco comum. 
— E quanto a você, supõe-se que também está quente, e não arrumando as unhas enquanto 
ele a manuseia. 
As duas tomadas seguintes foram boas, e toda a equipe soube, mas em ambas as oportuni-
dades Zack as deteve antes de que Rachel 
 
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pudesse pegar a arma, e os obrigou a repeti-la. Em parte o fez porque de repente lhe produ-
zia uma perversa satisfação obrigá-los a repetir em público os atos adúlteros que o tinham feito ficar 
como um imbecil, mas sobre tudo porque sentia que a cena ainda não era perfeita. 
— Cortem! — gritou, interrompendo a quarta toma e adiantando-se. 
Austin se levantou do pasto, furioso e disposto a brigar, abraçando Rachel, em quem por fim 
tinha surgido sensibilidade suficiente como para que também ela se sentisse envergonhada e furiosa. 
— Olhe, sádico filho de puta, nessas últimas duas tomadas não houve nada de mau! Foram 
perfeitas — gritou Austin, mas Zack o ignorou e decidiu provar a cena com as mudanças que tinha 
considerado no dia anterior. 
— Calem a boca e escutem! — ordenou de mau humor — . vamos fazer isto de outra manei-
ra. Apesar do que pensou o autor ao escrever esta cena, a realidade é que quando Johanna dispara 
contra seu amante, embora seja acidental, perde toda nossa simpatia. O homem esteve sexual e 
emocionalmente obcecado por ela, e ela o usou para encher suas próprias necessidades, mas nunca 
teve a menor intenção de abandonar a seu marido por ele. Assim Johanna tem que ser ferida antes 
que ele, porque se não Rick se converte na única vítima neste filme, e no fundo o que nos está di-
zendo o resumo é que todos somos vítimas. 
Zack ouviu o murmúrio de surpresa e aprovação que surgia de todos os pressente, mas não 
necessitava disso para reforçar sua decisão. Agora sabia que tinha razão. Sabia com o mesmo ins-
tinto visceral que lhe tinha permitido ganhar a Nominação da Academia por um filme que parecia de 
segunda classe até que ele se encarregou de dirigi-la. voltou-se para Rachel e Tony, que, apesar de 
si mesmos, pareciam impressionados pela mudança, e falou com tom cortante. 
— Uma vez mais e acredito que o teremos.O único que têm que fazer é investir no final da lu-
ta pela arma, para que a primeira ferida seja Johanna. 
— E depois o que? — perguntou Tony— O que faço ao me dar conta de que a feri? 
Zack se deteve um instante para pensar e em seguida respondeu com decisão: 
— Então deixa que ela se apodere da arma. Não foi sua intenção feri-la, mas ela não sabe. 
Retrocede, mas ela tem a arma e aponta para você, chorando... por si mesma e por você. Segue re-
trocedendo. Rachel — disse, voltando-se para ela, enfrascado em seus pensamentos— , quero te 
ver soluçar, depois fecha os olhos e aperta o gatilho. — Em seguida Zack voltou para sua posição 
inicial. — Marquem-na... 
A assistente se colocou frente à câmara com a prancheta. 
— Cena 126, toma 5! 
— Ação! 
Essa seria a última toma, uma tomada perfeita... 
Zack soube ao ver Austin agarrando Rachel e obrigando-a a recostar-se contra os montes de 
pasto, devorando-a com as mãos e os lábios. Nesse momento não havia diálogo, mas depois se gra-
varia o som, de modo que quando Rachel tomou a arma e a colocou entre ambos, Zack a incentivou 
a lutar com mais força. 
— Luta! — ladrou. E em um arranque de ironia adicionou: — Imagina que sou eu! 
A frase funcionou, porque Rachel se retorceu e atingiu com fúria os ombros de Tony, até se 
apoderar da arma. 
Mais tarde se incluiria um verdadeiro disparo na banda de som, em lugar do suave pop da ba-
 
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la de aguerro que havia na arma, e Zack observou Tony que a tirava das mãos e esperou o momento 
ideal da luta para ordenar o disparo. Nesse instante Tony apertaria o gatilho, e Rachel cairia para 
trás e apertaria o pacote de sangue falso que levava oculto no ombro. Esse era o momento! 
— Disparo! — gritou Zack e o corpo de Rachel se estremeceu com violência quando o tiro 
explodiu com força na cavalariça, ressonando contra o teto de chapas metálicas. 
Todo mundo ficou petrificado, momentaneamente imobilizados pelo som inesperado do tiro 
quando só divia haver ouvido o pop do disparo de aguerro. Rachel se deslizou lentamente dos bra-
ços de Tony e se desabou no piso, mas a falsa mancha de sangue não se estendeu por seu ombro. 
— Que merda...? — começou a dizer Zack, adiantando-se velozmente. Tony já se inclinava 
sobre ela, mas Zack o afastou de um empurrão. — Rachel? — disse, voltando-a. Tinha um pequeno 
orifício no peito, do qual começava a emanar um fio de sangue. O primeiro pensamento coerente de 
Zack, enquanto pedia a gritos que alguém fora em busca da ambulância e dos médicos, enquanto 
buscava o pulso inexistente, foi que essa ferida não podia ser fatal. 
Rachel quase não sangrava, a ferida estava mais perto da clavícula que do coração, e além 
disso havia médicos a poucos passos de distância, como o requeria a lei. Formou-se um pandemô-
nio; ouviam-se uivos de mulheres, gritos de homens, e a equipe se aproximava formando uma sufo-
cante multidão. — Atrás! — gritou Zack, e como não podia encontrar o pulso de Rachel, começou a 
fazer respiração boca a boca. 
Transcorreu uma hora enquanto Zack permanecia junto às portas da cavalariça, algo afasta-
do dos outros, esperando notícias dos médicos e da policia que rodeavam Rachel. Havia autos patru-
lheiros e ambulâncias estacionados por todo o parque, e suas atemorizantes luzes vermelhas e azuis 
giravam na noite silenciosa e úmida. 
Rachel estava morta. Pressentia, sabia. Já se tinha enfrentado uma vez com a morte, conhe-
cia seu rosto. Mas apesar de tudo, não podia acreditar. 
A polícia já tinha interrogado Tony e aos camarógrafos. Agora começavam a interrogar a to-
dos os que se encontravam pressentem quando aconteceu. Mas não perguntavam a Zack o que ele 
tinha visto. E, com a escassa capacidade que ficava para pensar, Zack achou muito estranho que 
não quisessem falar com ele. 
Então viu algo que lhe gelou o sangue. Os policiais que tinham passado os laços por toda a 
zona, abriam-se para dar passo a um automóvel escuro. Zack conseguiu ler o emblema que tinha 
inscrito na porta: "Investigador do Condado". 
Todos os outros também o viram. Emily começou a soluçar nos braços de seu pai e Zack ou-
viu a selvagem maldição que lançou Austin, seguida por um reconfortante murmúrio de palavras pro-
nunciadas por Tommy. Diana olhava fixo o automóvel do investigador, com o rosto pálido e tenso, e 
todos os outros simplesmente... olhavam-se uns aos outros. 
Mas ninguém o olhava, nem tratava de aproximar-se e, apesar de que preferia isso, e que 
apesar se seu estado de confusão total, isso pareceu um pouco estranho para Zack. 
 
 
 
 
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Capitulo 8 
 
Durante o dia seguinte, todo o elenco e a equipe técnica permaneceu em quarentena dentro 
do hotel para ser interrogados pela polícia. Zack estava preso por um estupor inquieto; a polícia se 
negava a dar informação, enquanto que os meios jornalísticos não faziam mais que difundir notícias 
para todo o país a respeito do acontecimento. Segundo o programa da NBC que Zack viu ao meio 
dia, a arma que matou Rachel estava carregada com uma bala de ponta oca, desenhada para abrir-
se no momento do impacto, infligindo uma destruição total em uma ampla zona do corpo, em lugar 
de atravessá-lo simplesmente. Esse era o motivo de que a morte tivesse sido instantânea. O noticiá-
rio da tarde da CBS apresentou um perito em balística que, com um ponteiro e um diagrama do cor-
po de Rachel, explicou ao país o mal exato que a bala tinha causado e o lugar onde se alojou o pro-
jétil. Zack apagou o televisor, foi ao banheiro e vomitou. Rachel estava morta, e apesar de que no 
casamento de ambos não haviaverdadeiro amor, apesar de que ela pensava divorciar-se dele para 
casar-se com Tony, ele não conseguia se convencer de que ela estava morta, nem aceitar a forma 
horrível dessa morte. As notícias das dez da noite propagadas pela emissora ABC foram uma bomba 
verbal para ele ao anunciar que, de acordo com os resultados da autópsia que acabava de ser dada 
a publicidade, Rachel Evans Benedict estava grávida de seis semanas. Zack se afundou no sofá e 
fechou os olhos, tragando bílis, com a sensação de que se encontrava no olho de um furacão que o 
fazia girar sem piedade. Rachel estava grávida. 
Mas ele não era o pai da criatura. Fazia meses que não se deitava com ela. Sem barbear-se, 
e sem poder comer, andou pela suíte perguntando-se se todos os outros estariam trancados em su-
as respectivas suítes e, em caso contrário, por que nenhum deles tinha ido conversar com ele, dar os 
pêsames, ou simplesmente passar o tempo em sua companhia. O telefonista do hotel não dava pre-
visão para responder as chamadas de gente de Hollywood, mais interessada em averiguar detalhes 
que em expressar seus pêsames pela morte de Rachel. De maneira que Zack se negou a receber 
chamadas, com exceção de Matt Farrell, e passava o tempo todo perguntando-se quem podia ter 
odiado Rachel até o ponto de querer vê-la morta. À medida que transcorriam as horas, começou a 
suspeitar de cada uma das pessoas presentes no set, por um motivo absurdo ou por outro, e entre-
tanto, cada vez descartava a esse suspeito e procurava a outro, porque as causas de sua anterior 
suspeita eram absolutamente inacreditáveis. 
No fundo de seu ser tinha consciência de que talvez a polícia acreditasse que ele tinha fortes 
motivos para assassinar a sua mulher, e entretanto os considerava tão ridículos que se convenceu 
de que a polícia também o veria assim. 
Dois dias depois da morte de Rachel, Zack respondeu a uma batida na porta da suíte e se to-
pou com os dois detetives que o tinham interrogado no dia anterior. 
— Senhor Benedict — começou a dizer um deles, mas a paciência de Zack tinha chegado a 
seu limite. 
— Por que merda perdem o tempo comigo? — explodiu— . Exijo saber que progressos têm 
feito na busca do assassino da minha mulher! 
Estava tão furioso que se surpreendeu quando um dos homens, que tinha entrado no quarto, 
colocado-se a suas costas, de repente o empurrou para a parede, agarrou-lhe os punhos e Zack sen-
tiu o contato frio das algemas ao tempo que o outro dizia: 
— Zack Benedict, está detido pelo assassinato de Rachel Evans. Tem direito a guardar silên-
cio, tem direito a chamar um advogado. No caso de que não possa pagar a um advogado... 
 
 48 
Capitulo 09 
 
— Senhoras e senhores do jurado, já escutaram o escandalizaste testemunho e viram as 
provas incontrovertíveis de... — Alton Peterson, o fiscal, permaneceu perfeitamente imóvel, olhando 
com seus olhos penetrantes a cada um dos doze jurados do Condado de Dallas, que deviam decidir 
o resultado desse julgamento que tinha conseguido atrair a atenção de todo o país com suas escan-
dalosas revelações de adultério e assassinato cometidos por superestrelas de Hollywood. 
Fora da sala da corte, buliam repórteres de todas partes do mundo, à espera de conhecer o 
menor detalhe do julgamento contra Zack Benedict. Em uma época o encheram de louvores e de 
adulações; 
agora informavam com uma satisfação ainda maior a respeito de cada detalhe de sua caída, 
para fascinar a um público que os digeria junto com suas refeições na hora dos noticiários. 
— Ouviram as provas — recordou Peterson ao jurado com tom enfático, continuando com 
seu resumo final— , o testemunho irrepreensível de dúzias de testemunhas, algumas das quais eram 
amigas do Benedict. Sabem que a noite antes de que Rachel Evans fora assassinada, Zack Benedict 
a descobriu nua em braços de Tony Austin. Sabem que Benedict se enfureceu até o ponto de que 
vários integrantes de sua equipe tivessem de contê-lo e afastá-lo de Austin. Escutaram os testemu-
nhos de hóspedes do hotel que se encontravam no vestíbulo, fora da suíte de Benedict, e que ouvi-
ram a forte discussão que seguiu. Pelo testemunho dessas pessoas estão inteiradas de que Rachel 
Evans disse a Benedict que pensava divorciar-se dele para casar-se com o Anthony Austin e que 
nesse divórcio pensava ficar com a metade de sua fortuna. 
Essas mesmas testemunhas afirmam que Benedict advertiu a sua mulher, e cito textualmente 
suas palavras... — Peterson fez uma pausa para consultar suas notas, mas foi um golpe de efeito, 
porque dentro da sala ninguém podia esquecer a ameaça. Elevando a voz para obter uma ênfase 
maior, Peterson disse: — A matarei antes de permitir que você e Austin fiquem com a metade de na-
da! 
O fiscal se inclinou para apoiar-se no corrimão do camarote do jurado e os olhou, um por um. 
"E efetivamente a matou, senhoras e senhores. Matou-a a sangue frio junto com a criatura 
inocente que ela levava em seu seio! Vocês sabem que o fez, e eu também. Mas a forma que fez 
converte a este crime em algo ainda mais enojado, mais odioso, porque demonstra a classe de 
monstro que é Zack Benedict. 
Voltou-se e começou a andar. Recapitulou o crime e a forma em que foi cometido. Logo che-
gou a sua conclusão. "Zack Benedict não assassinou a sua mulher sem premeditação, em um ata-
que de fúria e paixão, como podia havê-lo feito um assassino comum. Não, ele não! Esperou vinte e 
quatro horas para poder terminar primeiro seu precioso filme, e então escolheu um método de vin-
gança tão fora do comum, concebido com tanto sangue-frio, que dá vontade de vomitar. Carregou 
uma arma com balas de ponta oca, e a último momento, quando filmavam a cena final do filme, mo-
dificou o roteiro para que fora sua esposa e não Anthony Austin quem recebesse a bala durante a 
falsa luta. Alton fez outra pausa e voltou a apoiar-se no corrimão do camarote do jurado. 
— Estas não são minhas conjeturas. Escutaram testemunhos que demonstram cada palavra 
do que acabo de dizer. Na tarde do crime, enquanto o resto do elenco e a equipe tomavam um des-
canso para comer, Zack Benedict entrou só na cavalariça, ostensivamente para arrumar alguns deta-
lhes do set. Várias pessoas o viram entrar, ele mesmo admitiu ter entrado, e entretanto ninguém pô-
de notar uma mudança posterior no set. Que fazia ali dentro Benedict? Vocês sabem o que fazia! 
Trocava as inofensivas balas de festim com as que um assistente declarou ter carregado a arma, por 
 
 49 
mortíferas balas de ponta oca. Recordo-lhes uma vez mais que na arma se encontraram as impres-
sões digitais de Benedict. As suas, e só as suas, que deixou ali sem dúvida por engano, depois de 
ter limpado a arma. E uma vez que acabou com seus preparativos, terminou de uma boa vez com 
seus malvados intuitos, como teria feito um criminoso comum? Não, ele não. — Alton se virou para 
olhar o acusado e não teve necessidade de fingir ódio nem nojo quando adicionou: — Zack Benedict 
permaneceu de pé junto a um camarógrafo nessa cavalariça, observando as carícias que se davam 
sua mulher e o amante, e os obrigou a fazê-lo uma e outra vez! Deteve-os cada vez que sua esposa 
estava para pegar a arma. E logo, quando já se "divertiu" o bastante, quando já considerou que tinha 
vingado seus ciúmes doentios, quando já não pôde prolongar o instante que o roteiro exigia... o mo-
mento em que sua mulher devia tomar a arma e dispará-la contra Tony Austin... Zack Benedict modi-
ficou o roteiro! 
Peterson girou e assinalou Zack com um dedo, enquanto sua voz ressonava cheia de ódio. 
À manhã seguinte, o jurado se retirou para debater o veredicto, e Zack, que se encontrava em 
liberdade depois de pagar uma fiança de um milhão de dólares, retornou a sua suíte do Crescent, 
onde considerou seriamente a possibilidade de tratar de fugir para América do Sul ou de tratar de as-
sassinar Austin. Tony lhe parecia o suspeito mais lógico, mas nem seus próprios advogados nemos 
detetives privados que tinham contratado puderam encontrar nenhuma prova que o incriminasse, 
salvo o fato de que continuava com seu custoso hábito de consumir drogas, um hábito que tinha es-
tado em melhores condições de continuar se Rachel se casasse com ele depois de divorciar-se do 
Zack. Além disso, se a último momento Zack não tivesse decidido modificar o roteiro, Tony, e não 
Rachel, teria recebido o disparo. Zack tratou de recordar se alguma vez mencionou a Tony que não 
gostava do final e que estava pensando na possibilidade de mudá-lo. 
Às vezes pensava em voz alta e falava idéias diante de outros, e depois não recordava. Fazia 
notas sobre a possível mudança em seu exemplar do roteiro, que em muitas ocasiões deixou em dis-
tintas partes, mas todas as testemunhas negaram saber nada a respeito. 
Andava pela suíte como um tigre enjaulado, amaldiçoando o destino, Rachel e a si mesmo. 
Repassou uma e outra vez o discurso final de seu advogado, tratando de convencer-se de que Arthur 
Handler tinha conseguido persuadir ao jurado de que não devia condená-lo. A única defesa plausível 
que pôde dar Handler foi que Zack tinha que ser um completo idiota para cometer um crime tão evi-
dente, quando sabia que todas as provas o incriminariam diretamente. Quando durante o julgamento 
saltou a reluzir que Zack era dono de uma importante coleção de armas e que estava familiarizado 
com distintos tipos de pistolas e balas, Handler tratou de assinalar que dado que isso era assim, 
Zack devia ser capaz de trocar as balas sem deixar, com estupidez incrível, suas impressões digitais 
na arma. 
A idéia de tratar de fugir para América do Sul e depois desaparecer rondava a mente de Zack, 
mas não era uma boa idéia, e sabia. Para começar, se fugisse, embora o jurado tivesse decidido dei-
xá-lo em liberdade, o consideraria culpado. Em segundo lugar, seu rosto era tão conhecido, sobre 
tudo depois da cobertura jornalística do julgamento, que fosse aonde fosse descobririam aos poucos 
minutos. A única coisa boa que tinha surgido de todo o assunto era que Tony Austin nunca voltaria a 
trabalhar em cinema, agora que seus vícios e perversões tinham saído à luz. Na manhã seguinte, 
quando chamaram a sua porta, a tensão e a frustração o tinham atado todos os músculos do corpo. 
Abriu a porta de um puxão e franziu o cenho ao encontrar-se com o único amigo em quem confiava 
implicitamente. Zack não queria que Matt Farrell assistisse ao julgamento, em parte porque se sentia 
humilhado, e em parte porque não queria que a culpa que lhe atribuíam manchasse o famoso indus-
trial. Dado que Matt tinha estado na Europa até o dia anterior, negociando a compra de uma empre-
sa, Zack não achou difícil mostrar-se otimista cada vez que o chamava por telefone. Mas nesse mo-
mento a expressão sombria de seu amigo lhe indicou que sabia a verdade e que por esse motivo ti-
 
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nha vindo a Dallas. 
— Não demonstre tanta alegria por me ver — disse Matt com secura, entrando na suíte. 
— Eu disse que não havia motivo para que viesse — respondeu Zack, fechando a porta— . 
Neste momento o jurado está deliberando. Tudo sairá bem. 
— Em cujo caso — respondeu Matt sem alterar-se pelo pouco entusiasmado recebimento— , 
podemos nos entreter jogando um pouco de pôquer. Tem um aspecto terrível — adicionou, tomando 
o telefone para encomendar um imenso café da manhã para dois. 
— Isto é como nos velhos tempos em Carmel, quando jogávamos com freqüência. Só que ali 
sempre jogávamos de noite... — disse Matt enquanto embaralhava as cartas. 
Só que então a vida, de Zack não pendia de um fio... 
O pensamento flutuou no pesado silêncio, que foi quebrado por um som agudo da campainha 
do telefone. 
Zack atendeu, escutou e ficou de pé. 
— O jurado chegou a um veredicto. Tenho que ir. 
— Acompanharei — disse Matt. 
— Não é necessário — respondeu Zack, lutando contra o pânico que ameaçava invadi-lo - 
Meus advogados estão vindo me buscar. — Olhou para Matt e foi até seu escritório. — Tenho que te 
pedir um favor. — Tirou um documento de uma gaveta e o entregou 
— Preparei se por acaso algo chega a sair mau. É um poder geral que te outorga o direito de 
agir por mim em qualquer assunto que se refira a minhas finanças ou a meus bens. 
Matt Farrell olhou o documento e ficou pálido ante essa prova de que obviamente Zack não 
acreditava ter muitas possibilidades de ser declarado inocente. 
— Não é mais que uma formalidade, estou seguro de que nunca terá necessidade de usá-lo 
— mentiu Zack. 
— Eu também — respondeu Matt com idêntica falta de veracidade. 
Ambos se olharam. Eram quase da mesma altura, textura física e cor de tez, e mostravam a 
mesma falsa expressão de confiança. Quando Zack tomou seu sobretudo, Matt limpou a garganta e 
disse a contra gosto: 
— Se... se tivesse que utilizar este poder, o que quer que faça? 
Zack se atou a gravata frente ao espelho, encolheu-se de ombros e respondeu com uma frus-
trada tentativa de humor. 
— Tente não me afundar, nada mais. 
 
Uma hora mais tarde, na sala do tribunal, de pé junto a seus advogados, Zack observou o ofi-
cial que nesse momento entregava ao juiz o veredicto do jurado. Como se as palavras tivessem sido 
pronunciadas em um túnel longínquo, ouviu o juiz dizer: 
— ... culpado de assassinato em primeiro grau... 
Logo Zack escutou outro veredicto, mais terrível que o primeiro: 
— O castigo será de quarenta e cinco anos de cárcere, a serem cumpridos no Departamento 
de Justiça Criminal do Texas, situado em Amarillo... Como se trata de uma sentença de mais de 
 
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quinze anos de cárcere, fica negada toda possibilidade de soltura por fiança... O prisioneiro fica em 
custódia... 
Zack se negou a fazer um só gesto. Negou-se a fazer alguma coisa que pudesse revelar a 
verdade que uivava por dentro. 
Permaneceu rígido e erguido, mesmo quando alguém tomou seus punhos, as colocou detrás 
das costas e colocou as algemas. 
 
 
 
 
 52 
Capítulo 10 
 
— Cuidado, senhorita Mathison ! — A aguda advertência feita pelo menino da cadeira de ro-
das chegou muito tarde; Julie levava a bola de basquete pelo centro da quadra de esportes, rindo 
enquanto se preparava para jogá-la ao cesto, quando um pé enganchou com uma cadeira de rodas e 
voou pelo ar, para cair dramaticamente no piso. 
— Senhorita Mathison ! Senhorita Mathison ! — No ginásio retumbavam os gritos das crian-
ças inválidas das sessões de ginástica que Julie fiscalizava depois das horas de aula, quando termi-
navam suas tarefas de professora. De repente esteve rodeada de meninos em cadeiras de rodas ou 
que se apoiavam em muletas. 
— Está bem, senhorita Mathison ?— perguntavam a coro— . Se machucou, senhorita Mathi-
son ? 
— É obvio que me machuquei! — respondeu Julie em brincadeira, se apoiando sobre os co-
tovelos e separando o cabelo dos olhos— . Tenho o orgulho muito, muito machucado. 
No momento em que rodava sobre si mesmo para ficar de pé, em seu campo de visão entra-
ram uns sapatos muito lustrados, meias marrons e um par de calças de poliéster. 
— Senhorita Mathison ! — exclamou o diretor da escola, olhando com ar feroz as marcas so-
bre o reluzente piso de seu ginásio— . Isto não se parece em nada a uma partida de basquete. O 
que está fazendo? 
Apesar de que nesse momento Julie era professora da terceira série na Escola Elementar de 
Keaton, suas relações com o diretor, senhor Duncan, não tinham melhorado muito desde que quinze 
anos antes ele a acusou de roubar o dinheiro para os almoços de sua classe. 
Embora o senhor Duncan não mais colocava em dúvida a integridade de Julie , sua maneira 
constante de transgredir as regras da escola resultava uma perpétua moléstia. Não só isso, mas 
também vivia incomodando-o com idéias inovadoras e, quando ele as vetava, ela obtinha o apoio 
moral do resto do povoado e, se era necessário, o apoio financeiro de distintos cidadãos. Como re-
sultado de uma de suas idéias, a escola contavaagora com um programa atlético especial para cri-
anças com incapacidades físicas, que Julie tinha criado e que modificava constantemente com o que 
o senhor Duncan considerava um frívolo desinteresse por seus procedimentos pre estabelecidos. 
Assim que colocou em marcha seu programa para crianças incapacitadas, no ano anterior, a senhori-
ta Mathison inventou outro movimento e não havia modo de detê-la. Agora impulsionava uma cam-
panha para acabar com o analfabetismo entre as mulheres de Keaton e seus arredores. A única coi-
sa que precisou para que iniciasse essa tarefa foi que descobrisse que a esposa do porteiro da esco-
la não sabia ler. Julie Mathison a convidou a sua própria casa, onde começou a lhe dar aulas, mas 
acabou que a mulher do porteiro conhecia outra mulher que não sabia ler, e essa conhecia outra 
mais, que a sua vez conhecia outra, e essa outra. Em pouco tempo Existia para ensinar a ler oito mu-
lheres e a senhorita Mathison pediu que, para ensinar a suas novas alunas, permitisse que ela utili-
zasse sua sala de aula duas vezes por semana, depois do horário de aula. 
Quando o senhor Duncan protestou pelo incremento dos custos que supunha manter as sala 
de aula em funcionamento no horário da noite, ela respondeu que nesse caso falaria com o diretor da 
escola secundária do povoado. Antes de ficar como um ogro quando o diretor da escola secundária 
cedesse ante os olhos azuis e o brilhante sorriso da senhorita Mathison , o senhor Duncan permitiu 
que se utilizasse sua sala de aula da terceira série para esses fins. Pouco, ela decidiu que necessita-
va material especial para acelerar o processo de aprendizagem das mulheres adultas. E como des-
cobriu o senhor Duncan em sua constante frustração, uma vez que Julie Mathison colocava uma 
 
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idéia na cabeça, não se detinha até convertê-la em realidade. Quando estava convencida de que ti-
nha razão, de que havia algo importante em jogo, Julie Mathison possuía uma teimosia pouco co-
mum, cheia de um otimismo enérgico e ilimitado, que o senhor Duncan achava muito irritante. 
Nesse momento estava decidida a conseguir o material especial que faltava e ele estava se-
guro de que seu pedido de dois dias de licença para viajar a Amarillo de algum jeito se relacionava 
com esse dinheiro que precisava obter. Sabia que Julie tinha convencido ao opulento avô de um de 
seus alunos deficientes — um homem que casualmente vivia em Amarillo — de que doasse recursos 
para a compra de parte do equipamento que precisava no programa de ginástica. Agora o senhor 
Duncan suspeitava que tentava cair sobre o despreparado cidadão para insisti-lo a doasse recursos 
para seu programa contra o analfabetismo de mulheres adultas. Com a cara lavada como tinha nes-
se momento, e seu cabelo castanho que caía até os ombros preso em um rabo-de-cavalo, Julie Ma-
thison tinha um ar de integridade e de juvenil vitalidade que enganou ao senhor Duncan quando a 
contratou, fazendo-o acreditar que se tratava de uma garota doce, bonita e pouco complicada. De 
pouco mais de um metro e sessenta de estatura, tinha ossos finos e pernas largas, nariz elegante, 
maçãs do rosto clássicas e uma boca generosa e suave. Entretanto, não sabia como era a verdadei-
ra personalidade da possuidora. 
Ocultando sua impaciência interior, o senhor Duncan esperou até que sua jovem professora 
terminasse com sua "equipe", alisasse seu traje de ginástica e passasse as mãos pelo cabelo antes 
de dignar-se a explicar os motivos de sua pouco habitual visita ao ginásio a essa hora. 
— Seu irmão Ted ligou. Eu era o único que estava lá em cima e atendi o telefone — explicou 
com irritação— . Me pediu para que dissesse que sua mãe quer que vá comer às oito, e que seu ir-
mão Carl emprestará o carro para essa viagem. Ele... é... mencionou que você pensa viajar a Amaril-
lo. Não tinha comentado isso comigo quando me pediu os dias de licença por motivos pessoais. 
— Sim, Amarillo — disse Julie com um sorriso de inocência que não fez mais que colocar o 
diretor em guarda. 
— Tem amigos em Amarillo? — perguntou ele, levantando as sobrancelhas, em um gesto in-
quisitivo. 
Julie ia a Amarillo para ver o fino parente de uma de suas crianças deficientes, com a espe-
rança de convencê-lo a doar um total de dinheiro para seu programa contra o analfabetismo de mu-
lheres adultas... mas tinha o horrível pressentimento de que o senhor Duncan já suspeitava. 
— Só faltarei dois dias — disse, evasiva— . Já arrumei uma substituta para minhas aulas. 
— Amarillo fica a várias centenas de quilômetros de distância. Deve ter coisas importantes 
que fazer ali. 
Em lugar de responder, Julie levantou a manga do traje de ginástica, olhou seu relógio de 
pulso e exclamou: 
— Meu deus! Já são quatro e meia! Será melhor que me apresse... Devo ir pra casa, tomar 
banho e estar de volta para minha aula das seis da tarde. 
O caminho até sua casa a obrigou a cruzar o centro comercial de Keaton, quatro lojas e ou-
tros negócios que rodeavam o velho tribunal. Ao chegar a Keaton quando criança, a pequena cidade 
texana sem avenidas nem arranha-céu, pareceu estranha e desconhecida, mas muito em breve 
aprendeu a amar suas ruas tranqüilas e sua atmosfera amistosa. Nos últimos quinze anos, o povoa-
do não tinha mudado muito. Estava igual a sempre, pitoresco e bonito, com seu formoso pavilhão 
branco no centro do parque municipal e suas ruas de paralelepípedos rodeadas de negócios e de 
casas imaculadamente cuidadas. Embora a população tivesse crescido de três mil para cinco mil al-
mas, Keaton absorveu a seus novos cidadãos dentro de seu próprio estilo de vida, em lugar de per-
 
 54 
mitir que o alterassem. A maior parte de seus habitantes seguia indo a igreja nos domingos, os ho-
mens seguiam se reunindo no Elk Clube nas primeiras sexta-feira de cada mês, e as férias de verão 
seguiam se celebrando da mesma maneira tradicional. Os residentes originais de Keaton chegavam 
a essas festividades a cavalo ou em carros. Agora chegavam em pickups ou em automóveis, mas a 
música e as risadas ainda ressonavam no ar do verão, o mesmo que antes. Era um lugar onde as 
pessoas se agarravam com força às velhas amizades, às velhas tradições, às velhas lembranças. 
Era também um lugar onde todo mundo sabia tudo a respeito de todos. 
Agora Julie formava parte de tudo isso; amava a sensação de segurança, de pertencer a al-
gum lugar que aquela cidade dava, e nos onze anos que vivia ali, tinha evitado tudo o que pudesse 
provocar a censura dos comentários. Durante a adolescência, só saía com os escassos meninos que 
mereciam a aprovação de seus pais e de toda a cidade, e só assistia com eles a atividades do colé-
gio ou a castas atividades da igreja. Jamais violou um regulamento de trânsito ou uma regra preesta-
belecida. Viveu na casa de seus pais enquanto estudava, até no ano anterior, quando por fim alugou 
sua própria casinha no lado norte da cidade. Mantinha essa casa acolhedora, e depois do anoitecer 
nunca permitia a entrada de homens que não formassem parte de sua família. 
Na década de 1980, outras jovens de sua idade teriam protestado contra essas restrições, 
auto impostas ou não, mas esse não era o caso de Julie . Ela tinha encontrado um verdadeiro lar, 
uma família que a queria, respeitava e dava toda sua confiança, e estava decidida a ser digna deles. 
Tão eficazes foram seus esforços que, já adulta, Julie Mathison era a cidadã modelo de Keaton. 
Além de ensinar na escola e de entregar voluntariamente seu tempo ao programa de ginástica para 
crianças com incapacidades físicas, e de ensinar a ler mulheres adultas, também ensinava na escola 
dominical, cantava no coro, cozinhava tortas para as feiras da igreja, e tecia para ajudar a reunir re-
cursos para uma nova sede para os bombeiros. 
Com absoluta decisão tinha erradicado todo rastro da temerária e impulsiva menina de rua 
que foi em uma época. E entretanto, todos os sacrifícios que faziaa recompensavam até tal ponto 
que sempre tinha a sensação de ser ela a que saía ganhando. Adorava trabalhar com crianças, e a 
fascinava ensinar os adultos. Tinha conseguido uma vida perfeita. Só que algumas vezes, de noite e 
quando estava só, não podia evitar a sensação de que todo isso não era perfeito. Havia algo falso, 
faltava algo, ou existia algo que estava desconjurado. Tinha a sensação de que havia inventado um 
papel que devia interpretar, e não estava segura do que devia fazer no futuro. 
No ano anterior, quando chegou o novo pastor assistente para ajudar o pai da Julie , deu-se 
conta de algo que devia ter considerado muito antes: necessitava um marido e uma família própria a 
quem amar. E Greg também. Falaram da possibilidade de se casar, mas Julie quis esperar até estar 
segura, e agora Greg estava na Florida com sua própria congregação, ainda esperando que ela se 
decidisse. Os fofoqueiros do povoado, que aprovavam por completo o jovem pastor como marido de 
Julie , sofreram uma forte desilusão quando no mês passado Greg se afastou sem comprometer-se 
oficialmente com ela. Objetivamente, Julie também aprovava Greg. Só que às vezes, tarde, de noite, 
perseguiam-na essas dúvidas vagas e inexplicáveis... 
 
 
 
 
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Capitulo 11 
 
Com o quadril apoiado contra a mesa, Julie sorriu para as sete mulheres de entre vinte e ses-
senta anos que estava ensinando a ler. Apesar de que recém as conhecia, já a tinham conquistado 
com sua determinação, sua coragem e sua intensidade. Faltavam apenas vinte minutos para a hora 
em que devia estar na casa de seus pais, onde comeria, mas não tinha vontade de terminar essa au-
la. A contra gosto, olhou seu relógio. 
— Bom, acredito que com isso basta por esta noite. Alguém quer perguntar algo a respeito 
dos deveres para a semana que vem, ou há algo que queiram dizer? 
Sete pares de olhos de expressão sincera se cravaram nela. Rosalie Silmet, de vinte e cinco 
anos e mãe solteira, levantou a mão e falou com acanhamento. 
— Bom, todas queremos lhe dizer o muito que significa para nós o que está fazendo. Me es-
colheram para que dissesse, porque até agora sou a que melhor lê. Queremos que saiba até que 
ponto mudou a nossa vida. Algumas — olhou para Pauline Perkins que acabava de unir-se à classe 
por insistência de Rosalind - não acreditam que possa chegar a nos ensinar a ler, mas estamos dis-
postas a dar a possibilidade de que faça isso. 
Seguindo a direção do olhar de Rosalind, Julie observou à mulher morena, de ar solene, ao 
redor dos quarenta anos, e falou com suavidade. 
— Por que acredita que não poderá aprender a ler, Pauline? 
A mulher ficou de pé, como se estivesse por dirigir-se a uma pessoa de grande importância, e 
admitiu com dolorosa dignidade: 
— Meu marido diz que se não fosse estúpida teria aprendido a ler quando era garota. Meus fi-
lhos dizem o mesmo. Dizem que estou fazendo você perder tempo. Vim porque Rosalind diz que es-
tá aprendendo a ler com muita rapidez e que ela também não se acreditava capaz de conseguir. En-
tão me disse que tentasse durante algumas semanas. 
O resto das mulheres pressente assentiu, e Julie fechou os olhos antes de admitir algo que ti-
nha conservado em segredo durante tantos anos. 
— Eu sei que todas podem aprender a ler. Tenho provas de que não saber ler não quer dizer 
que alguém seja tola. E posso demonstrar. 
— Como? — perguntou diretamente Pauline. Julie respirou fundo antes de falar. 
— Sei porque quando cheguei a Keaton estava na quarta série e não sabia ler tão bem como 
lê Rosalind depois de umas semanas de aula. Eu sei o que alguém sente quando acredita que é mui-
to tola para aprender. Sei o que se sente quando a gente percorre um corredor sem poder ler os no-
mes escritos nas portas. E sei como é tentar esconder do resto das pessoas para que não riam. Eu 
não rio de vocês. Nunca rirei de vocês. Porque sei algo mais... sei a coragem que tem que ter cada 
uma de vocês para vir aqui duas vezes por semana. 
As mulheres a olhavam com a boca aberta. 
— É verdade isso? — perguntou Pauline— . Você não sabia ler? 
— É absolutamente verdade — afirmou Julie , mantendo o olhar nela— . Por isso quero ensi-
nar a vocês. Por isso estou decidida a conseguir todos os novos equipamentos que existem na atua-
lidade para ajudar os adulto a lerem. Confiem em mim — pediu, endireitando-se— . Encontrarei a 
maneira de conseguir todas essas coisas. Para isso viajo amanhã a Amarillo. Neste momento, o úni-
co que peço é que tenham um pouco de fé em mim. E em vocês mesmas. 
 
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— Eu tenho muita fé em você — brincou Peggy Listrom, ficando de pé e recolhendo seus ma-
teriais— . Mas ainda não sei se tenho fé em mim mesma. — Não posso acreditar que disse isso! — 
respondeu Julie — No começo da aula não a ouvi dizendo que esta semana pôde ler alguns nomes 
de ruas? 
Quando Peggy sorriu e levantou o bebê que dormia em uma cadeira a seu lado, Julie decidiu 
que nessa etapa tão prematura era necessário quer e forçasse o entusiasmo. 
— Antes de irem, eu gostaria que lembrassem por que queriam aprender a ler. O que me diz, 
Rosalie? 
— Isso é fácil. Quero ir à cidade, onde há trabalho de sobra, mas não consigo emprego por-
que não sei preencher uma solicitação. E sem saber ler não conseguiria um trabalho que valesse a 
pena. 
Outras duas mulheres assentiram, e Julie olhou para Pauline. 
— Acredito que algum dia poderei fazer isso. Quer dizer, tenho boas idéias e sei contar histó-
rias em voz alta, só que não sei escrever. Escuto livros gravados, você sabe, os que se gravam para 
os cegos, embora eu não seja cega. E entretanto, às vezes sinto que sou. Tenho a sensação de es-
tar dentro de um túnel escuro, só que sem saída, mas agora acredito que possivelmente exista luz. 
Se realmente consegue aprender a ler. 
Essas confissões trouxeram uma chuva de outras confissões, e Julie começou a compreen-
der a vida que essas mulheres se viam obrigadas a viver. Nenhuma delas tinha a menor auto-estima, 
era evidente que seus maridos ou os homens com quem viviam zombavam delas e as maltratavam, 
e o pior era que elas mesmas não acreditavam merecer nada melhor. Quando Julie fechou a porta 
da sala-de-aula a suas costas, estava dez minutos atrasada para a comida na casa de seus pais, e 
estava mais empenhada que nunca a conseguir o dinheiro necessário para que essas mulheres ti-
vessem a seu alcance todos os elementos para aprender a ler com mais rapidez. 
 
 
 
 57 
Capítulo 12 
 
O carro de patrulha de Ted estava estacionado frente à casa de seus pais, e Carl caminhava 
para a casa, conversando com ele. O Blazer azul de Carl, que insistia que ela devia levar a Amarillo 
em lugar de seu próprio carro, menos confiável, achava-se estacionado no caminho de entrada e Ju-
lie parou o seu ao lado. Ted e Carl se viraram para esperá-la, e até depois de tantos anos, ela ainda 
voltou a sentir um orgulho profundo e uma sensação de assombro ao ver o altos e bonitos que eram 
seus irmãos, cálidos e carinhosos que seguiam sendo com ela. 
— Olá, irmã! — exclamou Ted, envolvendo-a em um abraço. 
— Olá! — respondeu ela, devolvendo o abraço— . Como anda o direito? — Ted era xerife as-
sistente de Keaton, mas acabava de se formar de advogado e esperava que aprovassem sua tese 
para começar a exercer. 
— Progredindo! — respondeu ele em brincadeira— . Hoje entreguei uma citação à senhora 
Herkowitz. Com isso ganhei o dia. — Apesar de sua tentativa de humor, em sua voz se notava o ci-
nismo que tinha desde fazia três anos, do fracasso de seu casamento com a filha do cidadão mais 
rico do Keaton. A experiência doeu e o endureceu. A família sabia e lamentava profundamente. 
Por sua parte, Carl levava seis meses de casado, e era todo sorrisos e otimismo. Ele também 
a abraçou. 
— Esta noite Sara não pôde vir comer, ainda não se recuperou do resfriado — explicou. 
A luz do alpendre estava acesa e Mary Mathison apareceu na porta, com um aventalatado à 
cintura. Além de alguns fios cinzas no cabelo e o fato de que, desde que teve um enfarte, tomava a 
vida com mais tranqüilidade, seguia tão bonita, vital e cálida como sempre. 
— Apressem-se, meninos! — exclamou— . A comida se esfria. 
Detrás dela estava o reverendo Mathison , alto e erguido; agora usava óculos permanentes e 
tinha o cabelo quase completamente cinza. 
— Apressem-se! — exclamou, enquanto batia os homens nas costas e abraçava Julie . 
Ao longo dos anos, o único que tinha mudado nas refeições da família Mathison era que ago-
ra Mary Mathison preferia usar a sala de jantar e tratar essas refeições como ocasiões especiais, 
porque seus três filhos eram adultos e cada um tinha sua própria casa. Mas as refeições em si não 
tinham mudado; seguiam sendo uma ocasião para compartilhar risadas e experiências, um momento 
para mencionar problemas e oferecer soluções. 
— Como anda a construção da casa de Addleson? — perguntou o pai de Julie a Carl. 
— Não muito bem. Se quiser que te confesse a verdade, está me deixando louco. O bombeiro 
conectou a água quente às torneiras de água fria, o eletricista conectou a luz do alpendre à instala-
ção evacuadora, assim quando a gente decide eliminar o lixo, a luz do alpendre acende. 
Pelo general Julie era pormenorizada com os problemas e tribulações do negócio da constru-
ção de seu irmão, mas nesse momento a preocupação de Carl lhe pareceu mais divertida que an-
gustiante. 
— Acalme-se. Addleson não o julgará mal por haver atrasado uns dias na construção da casa 
— acalmou o reverendo Mathison — É um homem justo. Sabe que é o melhor construtor deste lado 
de Dallas. 
— Tem razão — concordou Carl— . Falemos de algo mais alegre. Faz semanas que anda 
 
 58 
com evasivas, Julie . Diga, vai se casar com o Greg ou não? 
— OH! — exclamou ela— . Bom eu... nós... — Toda a família a contemplou divertida enquan-
to ela arrumava os talheres ao seu lado no prato e depois movia o purê para que o desenho ficasse 
no centro. Ted lançou uma gargalhada e Julie se deteve, ruborizada. Desde a infância, cada vez que 
se sentia indecisa ou preocupada, tinha uma repentina e compulsiva necessidade de endireitar obje-
tos e colocá-los em uma ordem perfeita, fosse o armário de seu dormitório, os armários da cozinha 
ou os cobertos na mesa. Dirigiu um olhar tímido a seus irmãos. — Suponho que sim. Algum dia. 
Ainda seguia pensando no assunto quando se separaram para retornar a suas respectivas 
casas. depois de despedir-se de seus pais, encaminharam-se para o Blazer de Carl. 
— Sopra vento norte para o Texas — comunicou Ted, estremecendo-se de frio— . Se chegar 
a nevar lá em cima, ficará feliz de ter um veículo com tração nas quatro rodas. Quem dera Carl não 
necessitasse seu telefone na pickup. Sentiria-me mais tranqüilo se tivesse podido deixá-lo no Blazer. 
— Não se preocupe por mim, estarei perfeitamente bem — tranqüilizou Julie , beijando a bo-
checha do irmão. Enquanto se afastava, olhou-o pelo espelho retrovisor. Ted estava parado na vere-
da, com as mãos nos bolsos; um homem loiro, alto, magro, atraente, com uma expressão fria e de-
sesperançada. Era a mesma expressão que lhe havia visto muitas vezes desde seu divórcio com Ka-
therine Cahill. Katherine tinha sido a melhor amiga de Julie , e ainda seguia sendo, apesar de haver 
se mudado para Dallas. Nem Katherine nem Ted falavam mau um do outro com ela, e lhe custava 
compreender como duas pessoas a quem queria tanto não pudessem se amar. Julie colocou de lado 
esse pensamento deprimente e começou a pensar em sua viagem a Amarillo do dia seguinte. Espe-
rava que não nevasse. 
— Ouça, Zack — o murmúrio era apenas audível— . O que vai fazer se depois de amanhã 
começar a nevar, como anuncia o jornal do tempo? — Domínio Sandini se inclinou da cama de aci-
ma e olhou ao homem estendido na cama inferior, que tinha o olhar cravado pra cima. — Ouviu, 
Zack? — adicionou em um sussurro um pouco mais forte. 
Zack deixou de pensar em sua iminente fuga e nos riscos que possuía, virou lentamente a 
cabeça e olhou a seu companheiro de cela da Penitenciária Estatal de Amarillo, um homem magro, 
de pele cor oliva e de uns trinta anos, que conhecia seus planos de fuga porque participava deles. O 
tio de Domínio interpretava uma parte muito importante nesses planos. Era um levantador de apostas 
aposentado, de acordo com a informação da biblioteca da prisão, com supostas conexões na Máfia 
de Las Vegas. Zack tinha pago uma verdadeira fortuna a Enrico Sandini para que facilitasse o cami-
nho uma vez que conseguisse fugir. E fez isso apoiando-se na recomendação de Domínio, quem as-
segurava que seu tio era "um homem honrado". Entretanto, transcorreriam algumas horas antes de 
que soubesse se o dinheiro que pediu a Matt Farrell transferisse à conta bancária do Sandini na Suí-
ça lhe serviria para algo. 
— Não se preocupe. Eu me encarregarei de tudo — disse, em resposta à pergunta de Domí-
nio. 
— Bom, quando se "encarregar de tudo" não se esqueça que me deve dez dólares. Lembra? 
— Pagarei isso quando sair daqui— assegurou Zack. E se por acaso alguém escutava, adici-
onou: — Algum dia. 
Com um sorriso conspirador, Sandini se recostou em seu colchão e começou a ler a carta 
que acabava de receber esse dia. 
Dez malditos dólares... pensou Zack sombriamente, recordando os tempos em que dava gor-
jetas de dez dólares a camareiros e a mensageiros com tanta indiferença como se tratasse de dinhei-
ro falso. Mas nesse inferno onde tinha vivido nos últimos cinco anos, as pessoas assassinavam por 
 
 59 
dez dólares. Ali com dez dólares se podia comprar tudo o que estivesse disponível, de um pacote de 
cigarros de maconha ou um punhado de sedativos ou excitantes, até revistas dedicadas a toda clas-
se de perversidades. 
Esses eram alguns dos pequenos "luxos" que se podia comprar ali. Geralmente, Zack tratava 
de não pensar em sua forma de vida anterior; se o fazia, essa cela de três metros por quatro com um 
lavatório, um inodoro e uma beliche pareciam ainda mais insuportáveis, mas nesse momento, depois 
de ter decidido que fugiria ou morreria tentando, queria recordar. Essas lembranças reforçariam sua 
decisão, apesar dos riscos e o custo que implicava. Queria recordar a fúria que sentiu no primeiro dia 
quando a porta da cela se fechou atrás dele, e ao dia seguinte quando uma turma de presos o rodea-
ram no pátio da prisão e zombaram dele. 
"Vem, atorzinho de cinema, nos ensine como ganhou todas essas brigas nos filmes." 
Uma fúria cega e irracional o impulsionou a atacar ao maior do grupo; fúria e um escuro dese-
jo de terminar ali mesmo e agora com sua vida, o mais rápido possível, mas não antes de infligir dor 
a esse homem que pretendia atormentá-lo. E assim o fez. Zack estava em bom estado físico, e os 
movimentos que tinha aprendido para suas falsas brigas nos papéis de "mau" do cinema não foram 
em vão. Quando a briga terminou, Zack tinha três costelas quebradas e um rim afetado, mas seu 
oponente estava muitíssimo pior. 
Seu triunfo valeu uma semana de encarceramento solitário, mas depois disso ninguém voltou 
a zombar-se dele. Correu rumores de que era um louco, e ninguém se interpunha em seu caminho. 
Depois de tudo, era um assassino sentenciado, não uma trombadinha qualquer. E isso também fez 
com que o tratassem com certo respeito. 
Demorou três anos para compreender que o caminho mais fácil era o bom comportamento, 
que implicava aceitar o jogo como um bom soldadinho. E assim fez, até chegou a tomar certa simpa-
tia a alguns sentenciados, mas em todos esses anos nunca conheceu um instante de paz. Só teria 
tido paz aceitando seu destino, mas nunca, nem por um instante em tantos anos de prisão, pôde fa-
zer o que os outros aconselhavam: aceitar seu confinamento. Isso era algo que não faria jamais. 
Aprendeu a render-se ao jogo e simular que havia se "adaptado", mas a verdade era justamente o 
contrário. A verdade eraque cada manhã, quando abria os olhos, começava sua batalha interior e 
continuava até que por fim voltava a ficar dormido. Tinha que sair dali antes de ficar louco. Seu plano 
era sólido: todas as quartas-feiras, Hadley, o diretor da cadeia, que a dirigia como se tratasse de algo 
próprio, assistia a uma reunião comunitária em Amarillo; Zack era seu chofer, e Sandini seu ajudante. 
Esse dia era quarta-feira e tudo o que Zack necessitava para fugir estava esperando em Amarillo, 
mas a último momento, Hadley comunicou que a reunião suspendeu até sexta-feira. Zack apertou os 
dentes. Se não fosse por essa demora, já estaria em liberdade. Ou morto. Agora teria que esperar 
dois dias mais para levar a cabo sua tentativa de fuga, e não sabia se seria capaz de suportar tanta 
tensão. 
Fechou os olhos e repassou o plano. Estava cheio de dúvidas, mas Dominic Sandini era con-
fiável, de maneira que contava com ajuda dentro da cadeia. Supunha-se que tudo que vinha do exte-
rior tinha sido coberto por Enrico Sandini: dinheiro, transporte e uma nova identidade. 
— Deus Santo! — A exclamação de Sandini tirou Zack dos pensamentos de sua fuga. — Gi-
na vai se casar! — Agitou a carta que tinha estado lendo, e quando Zack o olhou com o rosto inex-
pressivo, repetiu em voz mais alta. — Ouviu o que eu disse, Zack? Minha irmã Gina se casa dentro 
de duas semanas! Casa-se com o Frank Dorelli. 
— Parece uma escolha acertada — respondeu Zack— , considerando que foi quem a engra-
vidou. 
 
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— Sim, mas como já disse, mamãe não estava disposta a permitir que se casasse com ele. 
— Porque Frank é um tubarão solitário — supôs Zack depois de recordar durante alguns ins-
tantes o que sabia do noivo. 
— Não! Quer dizer, um homem tem que ganhar a vida. Isso mamãe entende. Frank empresta 
dinheiro a gente que necessita, isso é tudo. 
— E se não podem devolver quebra suas pernas. 
Ao ver a expressão de Sandini, Zack lamentou imediatamente seu sarcasmo. Apesar de que 
Sandini tinha roubado vinte e seis automóveis e sofrido dezesseis prisões antes de fazer vinte e oito 
anos, havia algo muito ingênuo e infantil nesse pequeno e magro italiano. Só faltavam quatro sema-
nas para que finalizasse sua condenação. Sandini era um verdadeiro galo de briga, sempre disposto 
a brigar, e sentia uma intensa lealdade para com Zack, cujos filmes adorava. Tinha uma família 
enorme e muito particular que o visitava com regularidade nona cadeia. Quando se inteiraram de que 
Zack era seu companheiro de cela, a princípio ficaram intimidados, mas ao descobrir que nunca re-
cebia visitas, esqueceram quem era e o adotaram como se fosse um parente a mais. Zack preferia 
que o deixassem só e em paz, o que demonstrou com clareza ignorando-os por completo. Foi um 
esforço inútil. 
Quanto mais tentava evitá-los, com mais insistência o rodeavam formando um grupo carinho-
so e alegre. Antes de que Zack se desse conta do que tinha acontecido, começou a receber beijos 
terminantes da mamãe Sandini e das irmãs e primas de Domínio. Bebês de mãos pegajosas e sorri-
sos cheios de amor, ele os colocava nos joelhos, enquanto as mães conversavam sobre os assuntos 
da enorme família de Dominic, e Zack fazia esforços sobre-humanos para lembrar os nomes de to-
dos enquanto mantinha o olhar alerta para esquivar os caramelos que os pequenos tinham nas mãos 
e que de todos os modos sempre terminavam presos a seu cabelo. Sentado em um banco do pátio 
lotado da cadeia, viu um bebezinho gordinho da família Sandini que dava seus primeiros passos, e 
que lhe estendeu as mãos em busca de ajuda, em lugar de recorrer para isso a algum de seus múlti-
plos parentes. 
A família de Dominic o envolvia em sua calidez, e quando iam embora, duas vezes por mês, 
mandavam salames gordurentos envoltos em papel marrom, o mesmo que a Dominic. E embora o 
salame parecia indigesto, Zack sempre comia um pouco, e quando as primas Sandini começaram a 
lhe escrever e a lhe pedir autógrafos, Zack sempre respondia. Mamãe Sandini enviava cartões em 
seus aniversários, e o desafiava por ser muito magro. E nas poucas ocasiões em que Zack teve von-
tades de rir, invariavelmente a causa foi Sandini. De alguma estranha maneira, sentia-se mais perto 
de Sandini e de sua família do que jamais havia sentido da sua. 
Tratando de arrumar o comentário duro que acabava de fazer sobre o futuro cunhado de 
Sandini, Zack disse com ar solene. 
— Pensando bem, os bancos fazem o mesmo. Quando a gente não pode pagar, jogam na 
rua as viúvas e os órfãos. 
— Exatamente! — exclamou Sandini, assentindo e recuperando seu bom humor. 
Zack compreendeu que era um alívio poder deixar de lado suas preocupações sobre as even-
tualidades que podiam apresentar-se em seu plano de fuga e que eram impossíveis de controlar, as-
sim decidiu continuar com o tema da notícia que Sandini acabava de receber. 
— Se sua mãe não falava nada da profissão do Frank nem de suas visitas na cadeia, por que 
se opõe que Gina se case com ele? 
— Já disse isso, Zack — respondeu Sandini— . Frank já esteve casado, pela igreja, e agora 
 
 61 
está divorciado, assim está excomungado. 
— Tem razão, tinha esquecido — disse Zack, fazendo um esforço por não sorrir. 
Sandini voltou a se entreter em sua carta. 
— Gina te manda lembrança. Mamãe também. Mamãe diz que você não escreve o bastante 
e que não come o bastante. 
Zack olhou o relógio de pulso de plástico que o permitiam usar e ficou de pé. 
— Vamos, Sandini. É hora de outra recontagem de prisioneiros. 
 
 
 
 
 62 
Capítulo 13 
 
As gêmeas Eldridge, velhas vizinhas da Julie , estavam sentadas na rede do alpendre diantei-
ro de sua casa, a localização favorita de ambas, de onde podiam observar os movimentos e ativida-
des de todos os vizinhos ao longo das quatro quadras da rua Elm. Nesse momento, ambas as soltei-
ronas observavam Julie que colocava sua valise no assento traseiro do Blazer. 
— Bom dia, Julie — saudou Flossie Eldridge, e Julie se voltou sobressaltada ao comprovar 
que as duas senhoras de cabelo branco já estavam levantadas às 6 da manhã. 
— Bom dia, senhorita Flossie — respondeu, encaminhando-se por volta delas para as saudar 
com maior respeito— . bom dia, senhorita Ada. - 
Apesar de terem mais de setenta ânus, as senhoras seguiam sendo parecidas, um parecido 
que reforçava a hábito de toda uma vida de usar vestidos idênticos. Entretanto ali terminava a seme-
lhança entre elas, porque Flossie era gordinha, doce, dócil e alegre, enquanto sua irmã era magra, 
amargurada, dominante e intrometida. 
— É uma bonita manhã — adicionou a senhorita Flossie, se envolvendo em seu chalé para 
se proteger do ar frio de janeiro— . Estes dias mornos que se apresentam de vez em quando decidi-
damente obtêm que o inverno pareça mais curto e mais passível, não é certo, Julie ? 
Mas antes de que Julie pudesse responder, Ada Eldridge foi diretamente ao tema que lhe in-
teressava. 
— Vai de novo, Julie ? Mas se quase não faz umas semanas que voltou! 
— Só estarei ausente dois dias. 
— Outra viagem de negócios, ou esta vez se trata de uma viagem de prazer? — insistiu Ada. 
— Mais bem diria que é uma viagem de negócios. 
Ada levantou as sobrancelhas, exigindo informação adicional, e Julie decidiu ceder para não 
ser grosseira. 
— Vou até Amarillo, onde tratarei de conseguir uma doação para meu programa de luta con-
tra o analfabetismo. 
Ada assentiu, digerindo a informação. 
— Soube que seu irmão tem problemas para terminar a casa do prefeito Addleson. 
— Carl é o melhor construtor da zona. Justamente por isso o arquiteto do prefeito o contratou. 
Nessa casa todo está feito a medida. E isso requer tempo e paciência. — Ada abriu a boca para con-
tinuar com sua inquisição, mas Julie se adiantou. Olhou seu relógio e disse com rapidez: — Será me-
lhor que eu vá. Tenho uma longa viagem por diante. Adeus, senhorita Flossie. Senhorita Ada. 
— Tome cuidado — advertiu a senhorita Flossie— -. Dizem quevem um ar frio desde Amaril-
lo, que chegará aqui amanhã ou depois. Lá neva muito. Suponho que não quererá ficar presa em 
uma tormenta de neve. 
Julie dedicou um carinhoso sorriso à gêmea gordinha. 
— Não se preocupe. Vou no Blazer do Carl. Além disso o prognóstico meteorológico anuncia 
só vinte por cento de probabilidades de que neve aqui. 
As duas senhoras ficaram observando o Blazer que retrocedia pelo caminho de entrada. Logo 
a senhorita Flossie lançou um suspiro. 
 
 63 
— Julie vive uma vida tão aventureira! O verão passado viajou a Paris, França, com esse 
grupo de professoras, e no ano anterior foi conhecer o Grand Cannion. Decididamente não faz mais 
que viajar. 
— Assim como os vagabundos — respondeu a senhorita Ada com tom ácido— . Se me per-
guntar isso, te direi que acredito que deveria ficar em sua casa e casar-se com esse pastor assisten-
te , enquanto ainda tenha possibilidades de fazê-lo. 
Ao invés de submeter-se a uma inútil e desagradável confrontação com sua gêmea, Flossie 
fez o que fazia sempre: simplesmente trocou de tema. 
— O reverendo Mathison e sua senhora devem estar muito orgulhosos de todos os seus fi-
lhos. 
— Não o estariam se soubessem que Ted passa a metade de suas noites com essa garota 
com quem anda agora. Irma Bauder comentou que faz duas noites, ouviu arrancar seu carro depois 
das quatro da madrugada. 
A expressão de Flossie se tornou sonhadora. 
— Ah, mas Ada! Considere que talvez tenham muito de que falar. Aposto que já estão apai-
xonados! 
— Estão quentes! — retrucou Ada— . E você segue sendo uma tola romântica, igual a sua 
mãe. Papai sempre dizia. 
— Você é filha de mamãe, Ada — assinalou Flossie com cautela. 
— Mas eu me pareço com papai. Não tenho nenhum parecido com ela. 
— Mamãe morreu quando éramos bebês, assim não pode estar tão segura. 
— Estou segura porque papai sempre o dizia. Dizia que você foi uma tola, igual a mamãe, e 
que eu era forte, igual a ele. Se recordar, foi por esse motivo que me deixou o controle de sua fortu-
na... porque não se pode confiar em que você saiba cuidar. Assim que eu tive que cuidar das duas. 
Flossie olhou as mãos gordinhas que tinha entrelaçadas sobre a saia. Não respondeu. 
 
 
 
 
 64 
Capítulo 14 
 
Zack estava parado de frente ao pequeno espelho que havia sobre os lavatórios, olhando 
sem ver seu reflexo, e dizendo-se que esse dia, Hadley não voltaria a mudar de planos. Nesse mo-
mento entrou apressadamente Sandini com expressão de contida excitação, e olhou com cautela por 
sobre o ombro para ver se havia mais alguém. Satisfeito de que ninguém pudesse ouvi-los, aproxi-
mou-se de Zack e disse em um sussurro: 
— Hadley mandou avisar que queria sair para Amarillo às três em ponto. Este é o dia! 
Fazia tanto que a tensão e a impaciência rodeavam a Zack, que não podia convencer-se de 
que tinha chegado o momento tão esperado. Dois largos anos de simular que aceitava o sistema, de 
converter-se em um prisioneiro modelo para que confiassem nele e lhe concedessem uma série de 
prerrogativas, tantos meses de planejar e pensar... por fim frutificavam. Dentro de poucas horas, e 
sempre que a demora não tivesse causado danos irreparáveis a seus acertos, estaria a caminho em 
um automóvel alugado e com uma nova identidade, seguindo um plano minuciosamente planejado, e 
com passagens de avião que levariam às autoridades a procurar uma agulha em um palheiro. 
Colocando-se no lavatório vizinho, Sandini disse: 
— Deus, queria ir com você! eu adoraria poder assistir ao casamento de Gina. 
Zack se inclinou para lavar o rosto com água fria, mas percebeu o tom de excitação da voz do 
Sandini. 
— Nem sonhe! Você sairá daqui dentro de quatro semanas — adicionou tomando uma toalha 
do toallero. 
— Sim — concedeu Sandini— . Tem razão. Olhe, tome isto — adicionou estendendo a mão. 
— O que é? — perguntou Zack enquanto secava o rosto. Jogou a toalha e tomou o pedaço 
de papel que Sandini oferecia. 
— É a direção e o número de telefone de mamãe. Se as coisas não saiam como as planeja, 
contate em seguida a mamãe, e ela te colocará em contato com meu tio. Ele tem conexões em todas 
as partes — disse — . Já sei que você duvida de que cumpra com tudo o que pediu, mas dentro de 
algumas horas comprovará que tudo o que necessita o espera em Amarillo. Meu tio é um grande 
homem — adicionou com orgulho. 
Zack abaixou distraídamente as mangas camisa de algodão de presidiário, tratando de não 
pensar em nada nesse momento, mas quando tentou abotoar, notou que tremiam suas mãos. Pen-
sou que devia tranqüilizar-se. 
Nesse momento Sandini mudou de tema. 
— É uma sorte que Hadley goste que as pessoas o reconheça quando dirige o carro dele. Se 
tivesse o... 
Ambos se sobressaltaram quando outro prisionero entrou e assinalou o caminho de saída 
com o polegar. 
— Mova-se, Sandini! — disse de mau modo— . E você também, Benedict! O diretor quer que 
seu carro esteja pronto dentro de cinco minutos. 
 
 65 
Capítulo 15 
 
— bom dia, Benedict — disse Hadley quando Zack bateu na porta da residência do diretor da 
prisão, localizada perto dos portões de entrada dos terrenos da penitenciária— . Vejo que seu aspec-
to é tão sombrio e desagradável como sempre. Antes de ir —adicionou— , leve Hitler para fazer sua 
caminhada pelo pátio. — Enquanto falava entregou a Zack a coleira que segurava um enorme cão 
Doberman. 
— Eu não sou seu maldito serviçal — retrucou Zack, e um lento sorriso se estendeu pela face 
do Hadley. 
— Então está cansando de aproveitar minha bondade e liberdade que dá porque dirige bem? 
Tem vontade de passar um tempo em minha sala de conferências, Benedict? 
Zack se amaldiçoou interiormente por permitir que justamente esse dia em que tinha tanto 
que perder, notasse o ódio que lhe inspirava esse homem. Encolheu-se de ombros e tomou a cor-
reia. 
— Não especialmente — respondeu. 
Embora Hadley media pouco mais de um metro sessenta, tinha um ego gigantesco e manei-
ras amáveis que ocultavam uma maldade sádica e psicopata que todo mundo conhecia, talvez com a 
exceção dos integrantes da Comissão Estatal de Correções, que ignoravam ou não tinham em conta 
a alta taxa de mortalidade atribuída a "briga entre sentenciados" ou "tentativas de fuga" dentro da 
prisão a seu cargo. A "sala de conferências" era sua maneira de denominar o quarto a prova de 
sons, vizinho ao escritório de Hadley. Os prisioneiros que causavam algum desagrado eram arrasta-
dos ali, esperneando e suando de terror; ao sair eram levados a enfermaria, a encarceramento solitá-
rio ou ao necrotério. 
Hadley tinha um prazer sádico ao ver um homem retorcendo-se e gritando de dor; em reali-
dade não foi o bom comportamento de Zack que o fez nomeá-lo seu chofer; foi sua vaidade. Fasci-
nava-o que Zack Benedict tivesse que estar a seu serviço, e que fizesse tudo o que o ordenasse. 
Zack considerava que era algo agradavelmente irônico que em definitiva fora a vaidade do Hadley o 
que proporcionaria a possibilidade de fugir. 
Abotoou-se o saco e olhou para cima. Fazia muito frio e o céu estava nublado. Ia nevar. 
 
 
 
 
 66 
Capítulo 16 
 
Instalado no assento traseiro do automóvel, Wayne Hadley colocou as notas de sua confe-
rência na pasta, afrouxou-se a gravata, estirou as pernas e exalou um suspiro de satisfação ao ver 
os dois presidiários que iam no assento dianteiro. Sandini não era mais que um trombadinha, um tipo 
que não valia nada. O único motivo de que o tivesse a seu serviço era que algum de seus parentes 
devia ter conhecidos dentro do sistema, e tinha chegado a ordem de que Domínio Sandini devia re-
ceber um trato especial. Sandini não proporcionava diversão nem prestígio; não obtinha o menor 
prazer atacando-o. Ah, mas Benedict era outra história! Benedict era um ator de cinema, um símbolo 
sexual, um magnata que antes tinha avião próprio e limusines conduzidas por chofer. Benedict tinha 
sido um tipo importante e agora serviaa ele. Existe justiça neste mundo, pensou Hadley. Verdadeira 
justiça. E o que era mais importante, embora Benedict tratasse de ocultá-lo, às vezes Hadley conse-
guia transpassar sua grosa pele, fazendo-o retorcer-se e sofrer pelo que já não podia ter, mas não 
era fácil. Nem sequer estava seguro de lhe infligir uma dor quando o obrigava a ver vídeos dos últi-
mos filmes ou das entregas de prêmios da Academia. Com esse prazenteiro pensamento na mente, 
Hadley procurou o tema indicado e decidiu falar de sexo. Quando antes de chegar ao destino o au-
tomóvel se deteve ante um semáforo, perguntou com tom amável: 
— Bonito, rico e famoso, as mulheres lhe rogavam que se deitasse com elas, não é certo Be-
nedict? Alguma vez pensa em mulheres, no que se sente ao tocá-las, ao cheirá-las? Mas é provável 
que você não goste tanto de sexo. Se fosse bom na cama, a loira com quem estava casado não teria 
andado com esse homem, Austin, verdade? 
Pelo espelho retrovisor pôde ver que Benedict endurecia o queixo e supôs que o tinha afeta-
do esse tema de sexo, não o nome de Austin. 
— Se alguma vez reduzissem a pena... e em seu caso eu não contaria com que eu o reco-
mendasse... quando sair terá que conformar-se com prostitutas. 
As mulheres são todas umas putas, mas até as putas tem escrúpulos e não gostam de deitar-
se com sujos ex-presidiários, sabia? — Apesar de seus desejos de manter uma fachada de urbani-
dade em todo momento ante a porcaria que eram os presidiários, Hadley sempre achava difícil con-
ter seu temperamento, e nesse momento o sentiu surgir. — Responda minhas perguntas, filho da pu-
ta, se não quiser passar o resto do mês em confinamento solitário! — Então se deu conta de que ha-
via ultrapassado, e prosseguiu com tom quase amável. — Em suas boas épocas até tinha chofer 
próprio, não era? E agora olhe-se: você é meu chofer. É uma prova de que Deus existe. — Ao ver o 
edifício de vidro ao qual se dirigiam, Hadley se ergueu em seu assento e se ajustou a gravata— . Al-
guma vez se perguntou o que aconteceu com todo seu dinheiro, quer dizer, o que ficou depois de 
pagar os advogados? 
Em resposta, Zack cravou os freios e deteve o automóvel com um chiado frente ao edifício. 
Lançando maldições em voz baixa, Hadley juntou os papéis que se deslizaram ao piso e esperou em 
vão que Zack baixasse para abrir sua porta. 
— Filho da puta insolente! Não sei o que está acontecendo com você hoje, mas já me encar-
regarei de você na volta. E agora, tire seu traseiro desse assento e me abra a porta de uma vez! 
Zack desceu do automóvel, sem prestar atenção ao vento gélido que fazia ondular a leve ja-
queta branca, mas preocupado pela neve que tinha começado a cair com força. Cinco minutos mais 
e iniciaria a fuga. Abriu a porta do automóvel com um ar zombador. 
— Pode descer por seus próprios meios ou necessita que o eleve? 
— Asseguro que é a última vez que me provoca — Advertiu Hadley, descendo do automóvel 
 
 67 
e pegando a pasta— . Na volta aprenderá uma lição. 
— Conteve seu mau humor e olhou para Sandini, que tinha a vista cravada no vazio, em uma 
tentativa por parecer dócil e surdo. — Você tem suas obrigações, Sandini. Faça de uma vez e volte 
em seguida. E você — ordenou dirigindo-se a Zack— , vá até esse armazém da vereda da frente e 
compre um bom queijo importado e um pouco de fruta fresca. Depois espere no automóvel. Termina-
rei dentro de uma hora e meia. E tenha o motor quente e em marcha! 
Sem esperar resposta, Hadley se afastou pela vereda. A suas costas, os dois sentenciados o 
olharam, esperando que entrasse no edifício. 
— Que filho da puta! — disse Sandini em voz baixa. Em seguida se voltou para Zack. — 
Chegou o momento. Boa sorte. — Levantou a vista para olhar as nuvens carregadas de neve. — Isto 
tem todo o aspecto de um verdadeiro temporal de neve. 
Ignorando o problema do tempo, Zack falou com rapidez. 
— Já sabe o que tem que fazer. Não se separe do plano, e pelo amor de Deus, não modifique 
uma palavra de sua versão! Se fizer exatamente tudo o que te disse, terminarão te considerando um 
herói em lugar de um cúmplice. 
Algo no sorriso preguiçoso de Sandini e em sua postura inquieta alarmou Zack. Com clarida-
de e em poucas palavras repetiu o plano que antes só podiam falar em sussurros. 
— Dom, quero que faça exatamente o que decidimos. Deixe a lista de compras de Hadley no 
piso do carro. Faça seus deveres durante uma hora, e logo diga à empregada da loja que se esque-
ceu a lista no automóvel e não está seguro de que comprou tudo o que devia. Diga que vai procurar 
a lista, então você volta para o carro. O encontrará fechado com chave. — Enquanto falava, Zack ti-
rou das mãos de Sandini a lista e a jogou dentro do carro; depois fechou a porta e jogou chave para 
ele. Com uma calma que interiormente não sentia, pegou Sandini pelo braço e o empurrou com fir-
meza para a esquina. 
Quando tiveram luz verde, cruzaram a rua sem pressa; eram dois homens como tantos, só 
que vestiam calças brancas e jaquetas brancas com as letras PEA escritas nas costas. Quando se 
aproximavam da loja, Zack continuou falando em voz baixa. 
— Quando chegar ao carro e descobrir que a porta está fechada, vá até o armazém da loja 
em frente, espere um momento e depois pergunte ao empregado se ele viu alguém parecido a mim. 
Quando disserem que não, se dirija à livraria e à farmácia e faça a mesma pergunta. Quando volta-
rem a dizer que não, vá diretamente ao edifício onde entrou o diretor da penitenciária e pergunte on-
de se realiza a reunião em que ele deve ditar uma conferência. Diga a todo mundo que o deve infor-
mar de uma possível tentativa de fuga. Os empregados de todos os negócios que entrou antes, veri-
ficarão sua história, e dado que você vai avisar ao diretor que não estou aqui meia hora antes de que 
ele saia e descubra por si mesmo, convencerar-se de que é tão inocente como um recém-nascido. 
Até é provável que te deixe sair antes para assistir ao casamento da Gina. 
Em lugar de um apertão de mãos, Sandini sorriu e levantou ambos os polegares. 
— Deixe de se preocupar por mim e se coloque em marcha. 
Zack assentiu e começou a afastar-se. De repente se virou. 
— Sandini? — disse com tom solene. 
— Sim, Zack? 
— Vou sentir saudades. 
— Sim, eu sei. 
 
 68 
— Dê lembranças a sua mamãe. Diga a suas irmãs que sempre serão minhas protagonistas 
preferidas — adicionou, antes de voltar-se e afastar-se a passo rápido. 
O armazém se encontrava na esquina, com uma entrada que dava à rua do edifício onde es-
tava Hadley, e outra na rua lateral. Zack fez um esforço por não desviar um ápice de seu plano origi-
nal e entrou pela porta principal. Se por acaso Hadley o estava observando, coisa que às vezes fa-
zia, deteve-se junto à porta e contou até trinta. 
Cinco minutos mais tarde se encontrava a várias quadras de distância, com a jaqueta da pri-
são dobrada sob o braço, caminhando com rapidez para seu primeiro destino: o banheiro de homens 
da estação de serviço da rua Court. Com o coração batendo rapidamente de medo e de tensão, cru-
zou a rua Court com semáforo vermelho, entre um táxi e um caminhão reboque que tinha reduzido a 
velocidade para dobrar à direita, e então viu o que procurava: uma cupé negra, com placa de Illinois, 
estacionada na metade da quadra. Apesar de que chegava dois dias atrasado para buscá-lo, o au-
tomóvel ainda estava ali. 
Com a cabeça inclinada e as mãos nos bolsos, começou a caminhar a uma velocidade nor-
mal. Começava a nevar com força quando passou junto à Corvette cor de vinho estacionada frente 
aos fornecedores de nafta, e se encaminhou ao banheiro de homens localizado a um lado da esta-
ção de serviço. Segurou o trinco e tratou de fazê-lo girar. Estava fechado com chave! Resistiu a ten-
tação de jogar-se contra a porta e tratar de abri-la com o ombro, e em troca agarrou o trinco e o sa-
cudiu com força. Uma furiosa voz de homem gritou de dentro: 
— Paciência umpouquinho, amigo! Não baixe as calças ainda! Já saio. 
Alguns minutos mais tarde o ocupante do banheiro finalmente saiu, abriu a porta e se enca-
minhou para a Corvette vinho que estava junto aos fornecedores. À suas costas, Zack saiu do es-
conderijo onde se refugiou, entrou no banheiro de homens, fechou com cuidado a porta com chave 
atrás dele, com o olhar cravado no balde transbordante de lixo que havia dentro do banheiro. Se al-
guém o tinha esvaziado nos últimos dois dias, sua sorte se acabava. 
Derrubou seu conteúdo. Saíram umas toalhas de papel e algumas latas de cerveja. Sacudiu, 
e depois — do fundo— saíram duas bolsas de náilon que foram cair sobre o piso de linóleo. Abriu a 
primeira bolsa com uma mão enquanto com a outra começava a desabotoar camisa. Tirou um par de 
jeans de seu tamanho, um suéter negro pouco chamativo, uma jaqueta, um par de botas e um par de 
óculos escuros de motociclista. A outra bolsa continha um mapa de Colorado com sua rota marcada 
em vermelho, uma lista de direções escrita a máquina até seu destino final — uma casa isolada nas 
montanhas de Colorado — , dois envelopes marrons, uma pistola automática calibre 45, uma caixa 
de balas, uma navalha e um jogo de chaves que sabia que seviria para arrancar a cupé negra esta-
cionada na rua da frente. A navalha o surpreendeu. Sem dúvida Sandini considerou que um prisio-
neiro bem vestido não podia deixar de ter uma. 
Interiormente, Zack tinha grandes duvida de que o engano durasse muito tempo, e também 
duvidava de poder chegar a seu primeiro destino antes de que o matassem. Mas nesse instante, na-
da disso tinha importância. No momento o único importante era que estava em liberdade no caminho 
para a fronteira entre o Texas e Oklahoma, situada a cento e quarenta quilômetros ao norte. 
Portanto, nesse momento o único com que tinha que se preocupar era cruzar as fronteiras de 
dois estados, chegar à segurança dessa casa sem ser visto por ninguém, e, uma vez ali, controlar 
sua impaciência enquanto esperava que se aplacasse o furor inicial causado por sua fuga, para po-
der embarcar-se na segunda etapa de seu plano. 
Tomou a pistola, carregou-a, revisou o seguro e a meteu no bolso junto com um punhado de 
cédulas de vinte dólares; depois pegou as bolsas e as chaves do automóvel e abriu a porta. Iria con-
 
 69 
seguir, estava a caminho. 
Dobrou a esquina do edifício e baixou à calçada, encaminhando-se a seu carro. De repente 
se deteve em seco, sem poder acreditar no que via. Nesse momento, o caminhão de reboque com o 
que tinha cruzado na rua rumo à estação de serviço alguns minutos antes, rebocava uma cupé negra 
com placa de Illinois. 
Durante uns segundos Zack permaneceu imóvel, observando-o afastar-se entre o trânsito. A 
suas costas, ouviu que um dos empregados da estação de serviço dizia a outro: 
— Disse que esse automóvel estava abandonado. Faz três dias que o deixaram ali. 
Essas palavras tiraram Zack de sua momentânea paralisia. Ficavam duas opções: voltar para 
o banheiro dos homens, colocar novamente a roupa de presidiário e deixar o plano para outra opor-
tunidade, ou improvisar a partir dali. Em realidade, não existia alternativa. Não pensava voltar para a 
cadeia; antes morto. Uma vez que decidiu, fez o único que ficava para fazer: correu para a esquina 
em busca do único meio seguro de sair da cidade. Um ônibus se aproximava pela rua. De um pape-
leiro tomou um diário usado, parou o ônibus e subiu. 
Segurando o jornal na frente do rosto, como se estivesse entretido na leitura de um artigo, 
avançou pelo corredor, passando junto a um grupo de estudantes que conversavam sobre o próximo 
jogo de futebol, e se instalou na parte traseira do ônibus. Durante os vinte minutos que transcorreram 
com agônica lentidão, o ônibus ziguezagueou entre o trânsito, baixando passageiros em quase todas 
as esquinas; depois dobrou à direita, rumo ao caminho que conduzia à rota inter-estadual. Quando a 
inter-estadual esteve à vista, no ônibus não ficavam mais que meia dúzia de ruidosos estudantes, e 
todos ficaram de pé para descer em um lugar que pelo visto era uma cervejaria a que iam habitual-
mente. 
Zack não teve outra alternativa; desceu pela porta traseira e começou a caminhar para um 
cruzamento, a um quilômetro e meio de distância, onde sabia que a rota inter-estadual e o caminho 
se uniam. A única opção que tinha era pedir carona com o dedo, e essa opção só duraria um máximo 
de meia hora. Quando Hadley se inteirasse de sua fuga, todos os policiais que se encontrassem em 
um raio de setenta e cinco quilômetros estariam procurando por Zack e fixariam sua atenção em to-
dos os que se achassem fazendo dedo no caminho. 
A neve lhe pegava ao cabelo e formava redemoinhos ao redor de seus pés; inclinou a cabeça 
para defender do vento. Vários caminhões passaram rugindo a seu lado, mas os condutores ignora-
ram seu polegar levantado. Zack lutou contra a premonição do fracasso. Na rota, o trânsito era pesa-
do, mas era evidente que todo mundo estava apressado para chegar a seu destino antes de que se 
desencadeasse a tormenta, e ninguém se detinha para recolher um pedestre. 
Na intercessão das rotas havia uma antiga estação de serviço com um café onde viu dois au-
tomóveis na ampla área de estacionamento: um Blazer azul e uma caminhonete marrom. Zack se 
aproximou, carregando suas bolsas, e ao passar junto às vidraças do café olhou com cuidado a seus 
ocupantes. Em uma das mesas havia uma mulher só e em outro uma mãe com dois filhos pequenos. 
Zack amaldiçoou em voz baixa ao comprovar que ambos os automóveis pertenciam a mulheres, pois 
não era provável que nenhuma delas aceitasse levá-lo. Sem cortar o passo, continuou caminhando 
para o final do edifício, onde estavam estacionados os automóveis, perguntando-se se algum teria a 
chave posta. Mesmo assim, sabia que seria uma loucura roubar um desses automóveis, porque para 
sair do estacionamento teria que passar frente às janelas do café. Se o fazia, a proprietária do auto-
móvel chamaria à polícia por telefone, descrevendo tanto o veículo quanto o ladrão até antes de que 
conseguisse afastar-se dali. E para pior, ali de cima poderiam ver para onde se dirigia pela inter-
estadual. 
 
 70 
Talvez pensasse algum meio de obter que uma das mulheres o levasse quando saísse do ca-
fé. 
Se com dinheiro não conseguisse convencê-las, convenceria-as com a arma. Deus Santo! 
Devia haver uma maneira melhor de sair dali. 
Frente a ele, os caminhões passavam rugindo pela inter-estadual, levantando neve com as 
rodas. Zack olhou seu relógio. Tinha transcorrido quase uma hora desde que Hadley chegou a sua 
reunião. Já não se animava a tratar de pedir carona na rua. Se Sandini tivesse seguido suas instru-
ções, em pouco mais de cinco minutos Hadley estaria dando o alarme. E como chamado por seu 
pensamento, de repente apareceu o patrulheiro de um xerife local, que reduziu a velocidade e entrou 
no estacionamento do café, a quarenta metros do lugar onde Zack se ocultava, e se aproximou. 
Instintivamente, Zack se escondeu, simulando observar uma roda do Blazer e nesse momen-
to teve uma inspiração... muito tarde, possivelmente, mas talvez não. Tirou a navalha da bolsa de 
lona e a cravou no pneu do Blazer. Pela extremidade do olho viu que o patrulheiro se detinha detrás 
dele. Em lugar de lhe perguntar que estava fazendo rondando ao redor do café com um par de bol-
sas do gênero, o xerife tirou a conclusão lógica. 
— Parece que tem uma roda murcha... 
— É claro que sim! — respondeu Zack batendo na roda, mas sem olhar para trás — . Minha 
mulher me advertiu que esta roda perdia ar... — O resto da frase foi abafada pelo frenético alto-
falante do automóvel da polícia e, sem dizer uma palavra mais, o xerife arrancou, acelerou e saiu do 
estacionamento com a sirene apitando. Instantes depois Zack ouviu sirenes que soavam desde todas 
as direções e logo viu uma série de patrulheiros que avançavama toda velocidade pela rua, com as 
luzes vermelhas girando. 
Zack soube que as autoridades já estavam inteiradas de que havia um sentenciado fugitivo. 
Acabava de começar a caçada. 
Dentro do café, Julie pegou sua carteira e tirou dinheiro para pagar a conta. Sua visita ao se-
nhor Vernon tinham sido mais bem-sucedida do que esperava, e aceitou o convite de ficar para pas-
sar mais tempo do previsto com ele e sua esposa, coisa a que ela não pôde negar. Esperavam-na 
cinco horas de viagem, talvez mais com essa neve, mas tinha um cheque volumoso na carteira, e 
estava tão excitada que os quilômetros voariam. Olhou seu relógio, pegou o recipiente térmico que 
tinha levado para que o enchessem de café, sorriu para as crianças que acompanhavam a sua mãe 
na outra mesa, e se encaminhou ao caixa para pagar sua conta. 
Ao sair do edifício se deteve surpreendida ao ver que de repente um carro de patrulha cor-
rendo frente a ela e saía a toda velocidade rumo à rua acionando a sirene. Distraída pelo patrulheiro, 
não notou a presença de um homem de cabelo escuro, escondido junto à roda traseira de seu carro 
do lado do condutor, até que praticamente tropeçou com ele. O homem, muito alto, ficou de pé ab-
ruptamente, e ela retrocedeu com cautela, falando com voz alarmada e cheia de desconfiança. 
— O que está fazendo aqui? — perguntou, franzindo a testa ante sua própria imagem que se 
refletia nas lentes espelhadas dos óculos de motociclista do desconhecido. 
Zack conseguiu esboçar algo parecido a um sorriso, porque sua mente voltava a funcionar e 
agora sabia exatamente como ia obter que se oferecesse para levá-lo. Imaginação e capacidade de 
improvisação tinham sido duas de suas grandes virtudes como diretor cinematográfico. Indicou com 
a cabeça a roda, que estava obviamente murcha, e disse: 
— Pensava trocar a roda, se tiver um macaquinho. 
Julie se arrependeu de sua rudeza. 
 
 71 
— Lamento haver falado nesse tom, mas me assustuou. Estava distraída olhando a o carro 
da polícia que saiu a toda velocidade. 
— Aquele era Joe Loomis, o policial local — improvisou Zack com tom amável, falando como 
se o policial fosse amigo seu— . Joe recebeu um chamado urgente e teve que ir, se não me teria da-
do uma mão com sua roda. 
Desaparecido todo temor, sorriu. 
— É muito amável de sua parte — disse, abrindo a mala do Blazer em busca do macaqui-
nho— . Este carro é do meu irmão. O macaquinho deve estar aqui, em alguma parte, mas não sei 
onde. 
— Aí está — disse Zack, que localizou o que procuravam em seguida e o tirou da mala — . 
Isto só tomará uns minutos— adicionou. Estava apressado, mas já não sentia pânico. A mulher acre-
ditava que era amigo do xerife e portanto digno de confiança, e depois de que trocasse a roda, teria o 
dever moral de oferecer-se a levá-lo. Uma vez que se achassem em caminho, a polícia não prestaria 
atenção, porque estariam procurando um homem que viajava só, e se alguém os via, dariam a im-
pressão de que era o marido trocando uma roda enquanto sua mulher olhava. — Para onde vai? — 
perguntou-lhe, enquanto tirava a borracha cravada. 
— Para o Leste, rumo a Dallas por um longo trecho, e depois ao sul — respondeu Julie , ad-
mirando a habilidade com que o desconhecido trocava o pneu. Tinha uma voz agradável, suave e 
profunda, e um queixo forte e quadrado. Seu cabelo era escuro, e muito abundante, mas mal corta-
do, e Julie se perguntou que aspecto teria sem esses pesados óculos de motociclista com lentes es-
pelhadas. Parecia um bom moço, decidiu, mas não era sua atitude o que a impulsionava a olhar seu 
perfil, e sim outra coisa, algo que não alcançava a definir. Deixou de pensar no assunto, e abraçando 
o recipiente térmico de café iniciou uma amável conversação. 
— Trabalha por aqui? 
— Não mais. Supunha-se que amanhã deveria começar um novo trabalho, mas tenho que es-
tar ali às sete da manhã se não quiser que o dêem a outro. 
— Terminou de levantar o automóvel e começou a afrouxar as porcas do pneu; depois assi-
nalou com a cabeça as bolsas que Julie não tinha visto porque o carro ocultava. — supunha-se que 
um amigo passaria para me buscar faz duas horas para me levar parte do caminho — adicionou— , 
mas imagino que deve haver acontecido algo que o impediu de vir. 
— E faz duas horas que o espera aqui fora? — perguntou Julie — .Deve estar congelado! 
Zack manteve o rosto voltado para o outro lado, concentrado em sua tarefa, e Julie teve que 
conter uma repentina urgência por inclinar-se a olhá-lo desde mais perto. 
— Quer uma taça de café? 
— Eu adoraria. 
Em lugar de beber o que estava no recipiente térmico, Julie se encaminhou de volta ao café. 
— Irei pegar. Como gosta? 
— Puro — respondeu Zack, lutando por conter sua frustração. A mulher se dirigia ao sudeste 
de Amarillo, enquanto que seu destino se encontrava a seiscentos quilômetros ao noroeste. Olhou 
seu relógio e começou a trabalhar com maior rapidez. Já tinha transcorrido quase uma hora e meia 
desde que se afastou do automóvel do diretor do cárcere, e o risco de que o capturassem crescia a 
cada minuto que permanecia perto de Amarillo. Era necessário que viajasse com essa mulher, não 
tinha importância para onde fosse. Agora o único que importava era colocar alguns quilômetros entre 
 
 72 
ele e Amarillo. Podia viajar uma hora com essa mulher e depois voltar por algum outro meio. 
A garçonete preparou o café, e quando Julie voltou com uma taça fumegante, seu salvador 
quase tinha terminado de trocar a roda. Já havia quase cinco centímetros de neve no chão e o vento 
gélido, cada vez mais forte, abria o casaco de Julie e a fazia lacrimejar. Viu que o homem se esfre-
gava as mãos e pensou no novo trabalho que o esperava ao dia seguinte... se conseguisse chegar. 
Sabia que no Texas havia escassez de trabalho, e considerando que esse indivíduo não tinha auto-
móvel, o mais provável era que estivesse sem dinheiro. Quando ele ficou de pé, notou que tinha je-
ans novos, pelo corte perfeito que ostentavam. Possivelmente os tivesse comprado para impressio-
nar bem a seu futuro empregador, decidiu Julie , e ante esse pensamento a percorreu uma onda de 
simpatia por ele. 
Até então, Julie jamais tinha se oferecido para levar a um desconhecido a alguma parte em 
seu automóvel, pois os riscos eram muito grandes, mas decidiu que essa vez o faria, não só porque 
tinha trocado a roda para ela, ou porque parecia um homem agradável, mas também por um simples 
par de jeans, novos e imaculados, obviamente comprados por um homem sem trabalho que colocava 
toda sua esperança de um futuro melhor em um emprego que não se materializaria a menos que al-
guém o levasse pelo menos parte do trajeto para seu destino. 
— Pelo visto já terminou — disse Julie , aproximando-se. Estendeu a taça de café que ele 
pegou com mãos tremendo de frio. Tinha um ar de dignidade que a impedia de oferecer dinheiro, 
mas se por acaso preferia isso a que o levasse, o ofereceu de todas maneiras. — Eu gostaria de pa-
gar por haver trocado a roda. — Ao ver que ele negava com a cabeça, adicionou: 
— Nesse caso, quer que o leve? vou tomar a rota inter-estadual Leste. 
— Agradeceria se me levasse — disse Zack com um meio sorriso, enquanto levantava as 
bolsas que estavam junto ao automóvel— . Eu também viajo para o Leste. 
Quando subiram ao automóvel, disse que se chamava Alan Aldrich. Julie se apresentou como 
Julie Mathison , mas para assegurar-se de que se desse conta de que estava se oferecendo para 
levá-lo e nada mais, a outra vez que falou, dirigiu-se a ele como senhor Aldrich. A partir desse mo-
mento ele a chamou senhorita Mathison . 
depois disso Julie relaxou por completo. A formalidade disso "senhorita Mathison " era com-
pletamente tranqüilizante, assim como a imediata aceitação da situação por parte dele. Mas ao notar 
que o desconhecido se mantinha silencioso e distante, Julie começou a desejar não ter insistido em 
tanta formalidade. Sabia que nãoera hábil para ocultar seus pensamentos e portanto ele deve ter 
compreendido em seguida que estava colocando-o em seu lugar... um insulto desnecessário, consi-
derando que só a tinha demonstrado bondade e galanteria ao trocar a roda de seu automóvel. 
 
 
 
 
 73 
Capitulo 17 
 
Recém depois de ter viajado durante mais de dez minutos, Zack sentiu que começava a alivi-
ar a tensão que tinha no peito e respirou fundo. Sua primeira respiração fácil desde fazia horas. Não, 
meses. Anos. As sensações de inutilidade e de indefinição o tinham torturado durante tanto tempo 
que agora sentia um alívio enorme. Um automóvel avermelhado apareceu rugindo junto a eles, cru-
zou diante do Blazer para sair da inter-estadual e por apenas uns centímetros não se chocou... e só 
porque a que sua jovem acompanhante manobrou com surpreendente habilidade esse difícil veículo 
com tração nas quatro rodas. Por desgraça, também dirigia muito rápido, com a agressividade e a 
falta de medo do perigo típica dos texanos. 
Estava pensando em alguma maneira de sugerir que o deixasse dirigir, quando ela disse, 
com tom divertido: 
— Relaxe. Viajaremos mais devagar. Não quis assustá-lo. 
— Em nenhum momento tive medo — respondeu ele com tom desnecessariamente cortante. 
Ela o olhou de esguelha e esboçou um sorriso lento, de conhecedora. 
— Está se agarrando com as duas mãos ao tabuleiro de instrumentos. Pelo geral, isso é o 
que faz uma pessoa quando tem medo. 
Nesse momento Zack compreendeu duas coisas ao mesmo tempo: tinha passado tanto tem-
po na cadeia, que a conversa distraida com alguém do sexo oposto resultava algo estranho e incô-
modo, e o sorriso de Julie Mathison era tão fascinante que tirava o fôlego. Esse sorriso resplandecia 
em seus olhos e iluminava todo seu rosto, transformando o que não era mais que uma face bonita 
em algo por completo cativante. 
E já que pensar nela era imensamente preferível a pensar em coisas que ainda não podia 
controlar, Zack centrou em Julie todos seus pensamentos. Além de um pouco de batom nos lábios, 
não se maquiava, e havia nela tanta frescura, uma simplicidade tão grande em sua maneira de pen-
tear esse cabelo castanho brilhante e sedoso, que por um momento ele pensou que não podia ter 
mais de vinte anos. Mas por outro lado parecia muito confiada e segura de si para ter tão pouca ida-
de. 
— Quantos anos tem? — perguntou Zack de repente, mas em seguida fez uma careta ante a 
falta de tato de sua pergunta. Obviamente se não o capturassem e voltassem a mete-lo na cadeia, 
teria que voltar a aprender algumas coisas que considerava inatas nele... como a mais rudimentar 
cortesia e a maneira correta de conversar com mulheres. 
Em lugar de mostrar-se irritada pela pergunta, o dirigiu outro de seus hipnotizastes sorrisos e 
respondeu com tom divertido: 
— Vinte e seis anos. 
— Meu deus! — ouviu-se exclamar Zack, horrorizado por sua falta de tato— . Quero dizer que 
não parece ter essa idade — explicou. 
Ela pareceu pressentir seu desconforto, porque riu em voz baixa. 
— Provavelmente seja porque faz poucas semanas que cumpri os vinte e seis. 
Zack não confiava bastante em si mesmo para responder algo espontâneo, de modo que cra-
vou o olhar na meia lua que cavavam na neve o limpador de pára-brisas, enquanto analisava sua se-
guinte pergunta para que não fora tão grosseira como a anterior. Ocorreu-lhe uma que parecia segu-
ra. 
 
 74 
— E o que você faz? 
— Sou professora. 
— Não tem aspecto de professora. 
Deu-se conta de que Julie sufocava um sorriso. Desorientado e confuso por suas reações im-
previsíveis, perguntou com certa secura: 
— Disse algo divertido? 
Julie balançou a cabeça. 
— Não é nada. Mas isso é o que diz quase todas as pessoas mais velhas. 
Zack não soube com segurança se referia a ele como uma "pessoa mais velha" porque pare-
cia uma antigüidade para ela, ou se tratava de uma brincadeira em vingança por seus equivocados 
comentários a respeito de sua idade e aparência. Nisso pensava quando perguntou a ele o que ele 
fazia, e Zack respondeu o primeiro que lhe passou pela cabeça. 
— Trabalho em construção. 
— Sério? Meu irmão também trabalha em uma construção... é construtor empreiteiro. Que ti-
po de trabalho de construção faz? 
Zack quase não sabia que extremo do martelo se utilizava para cravar um prego, e desejou 
fervorosamente ter eleito um trabalho mais raro ou, melhor ainda, ter guardado silêncio. 
— Paredes — respondeu com tom vago— . Construo paredes. 
Ela separou a vista do caminho, coisa que alarmou ainda mais ao Zack. 
— Paredes? — repetiu com tom intrigado— . Eu perguntava se tinha alguma especialidade. 
— Sim. Paredes — insistiu Zack, furioso consigo mesmo por ter iniciado essa conversa - é 
minha especialidade: levanto paredes. 
Julie pensou que devia havê-lo interpretado mal a primeira vez. 
— Ah! É pedreiro. É obvio! 
— Isso mesmo. 
— Nesse caso me surpreende que custe conseguir um trabalho. Há grande demanda de bons 
pedreiros. 
— É que não sou bom — declarou Zack dando amostras evidentes de que não o interessava 
seguir essa conversa. 
Ante a resposta, Julie sufocou uma gargalhada e se concentrou no caminho. Esse homem 
era muito pouco comum. Custava decidir se gostava dele e a alegrava sua companhia... ou não. E 
tampouco conseguia superar a sensação de que ele lembrava alguém. Desejou poder ver sua face 
sem esses óculos, para saber a quem se parecia. 
A cidade desapareceu do espelho retrovisor e o céu do anoitecer se fez um cinza detestável e 
pesado. O silêncio pendia dentro do automóvel e grandes flocos de neve caiam no pára-brisa. Quan-
do fazia ao redor de meia hora que viajavam, Zack olhou pelo espelho retrovisor externo de seu la-
do... e congelou o sangue. Atrás deles, como a meio quilômetro de distancia e aproximando-se com 
rapidez, avançava um carro de polícia com as luzes vermelhas e azuis girando furiosamente. 
Um segundo depois, começou a soar a sirene. A mulher que viajava a seu lado também ou-
viu; levantou o pé do acelerador e dirigiu o Blazer para a sarjeta. Zack colocou a mão no bolso do 
 
 75 
saco e apertou a pistola, apesar de que nesse momento não tinha uma idéia precisa do que pensava 
fazer se o policial os obrigava a deter-se. O outro carro se achava tão perto que ele conseguia ver 
que não havia um a não ser dois policiais no assento dianteiro. Rodearam o Blazer... 
E continuaram a marcha. 
— Deve ter havido um acidente lá adiante — disse Julie ao chegar ao topo de uma colina e 
deter-se detrás de uma fila de carros de cinco quilômetros de comprimento sobre a rua nevada. Ins-
tantes depois passaram duas ambulâncias. 
A descarga de adrenalina de Zack diminuiu, deixando-o estremecido e frágil. Teve a sensa-
ção de que de repente tinha excedido sua capacidade de reagir com uma emoção violenta ante algo, 
provavelmente devia ser porque fazia dois dias que esperava poder levar a cabo um plano de fuga 
cuidadosamente concebido cuja absoluta simplicidade garantia seu êxito. E assim teria sido se 
Hadley não tivesse adiado sua viagem a Amarillo. Tudo o que tinha saído mal era resultado disso. 
Já nem sequer sabia com segurança se seu contato seguia em Detroit, esperando que o 
chamasse para alugar um automóvel e dirigir-se a Windsor. E até que estivessem mais longe de 
Amarillo, não se animava a deter-se em um telefone. Embora Colorado só se encontrava a duzentos 
quilômetros de Amarillo, com uma pequena parte de território de Oklahoma no meio, para chegar de-
via viajar para o noroeste. Em troca, nesse momento se encaminhava para o sudeste. Pensando que 
talvez seu mapa de Colorado incluíra um braço dos territórios do Texas e de Oklahoma, decidiu ocu-
par seu tempo em algo produtivo, procurando uma nova rota que o levasse até ali de onde se encon-
trava. 
— Acredito que me convém consultar um mapa — disse, voltando-se em seu assento. 
Como era natural, Julie supôs que queria verificar a rua que deviaseguir para chegar à cida-
de onde o esperava seu novo trabalho. 
— Aonde tem que ir? — perguntou. 
— Ellerton — respondeu ele com um leve sorriso, enquanto se estirava para alcançar uma de 
suas duas bolsas— . Me fizeram a entrevista para o trabalho em Amarillo, mas nunca estive no Eller-
ton — esclareceu para que não fizesse perguntas sobre o lugar. 
— Acredito que nunca ouvi falar do Ellerton. — Minutos depois, quando ele voltou a dobrar 
cuidadosamente o mapa, perguntou: — Encontrou Ellerton no mapa? 
— Não. — Para dissuadi-la de seguir fazendo perguntas sobre a localização de uma cidade 
inexistente, mostrou-lhe a página escrita à máquina que cobria o mapa e se inclinou para voltar a 
guardá-lo na bolsa. — Mas aqui tenho instruções detalhadas, de maneira que o encontrarei. 
Ela assentiu, mas com o olhar fixo em uma saída da auto-estrada. 
— Acredito que ali sairei da estrada e tomarei um caminho lateral para evitar o engarrafamen-
to de trânsito causado pelo acidente. 
— Boa idéia. 
A saída os conduziu a um caminho lateral que corria mais ou menos paralelo à estrada até 
que começou a virar à direita. 
— Talvez depois de tudo não tenha sido uma boa idéia — disse ela alguns instantes depois, 
ao ver que o caminho se afastava da estrada. 
Zack não respondeu. Em seguida diante deles, na estação de serviço do cruzamento de ca-
minhos, havia um telefone público. 
 
 76 
— Se não a incomoda parar um momento, teria que fazer uma chamada telefônica. Não de-
morarei mais que um par de minutos. 
— Não me incomoda absolutamente. — Julie deteve o Blazer debaixo do farol, perto do tele-
fone público, e o observou cruzar frente aos faróis do automóvel. Tinha anoitecido antes do habitual 
e a tormenta parecia persegui-los. A neve caía com inusitada força. Julie decidiu tirar o casaco e co-
locar um suéter que seria mais cômodo para dirigir. Ligou o rádio com a esperança de escutar um 
prognóstico meteorológico, depois desceu do automóvel, aproximou-se da mala e o abriu. 
Sem deixar de escutar se por acaso transmitiam um prognóstico do tempo, tirou a mala, pe-
gou um suéter da valise e olhou o mapa que sobressaía de uma das bolsas de seu companheiro de 
viagem. Como ela não tinha levado mapa e não estava completamente segura de que esse caminho 
se cruzaria com a inter-estadual ou se separava tanto de sua rota que seu passageiro talvez prefe-
risse que o levasse outra carona, decidiu consultar seu mapa. Antes dirigiu um olhar para o telefone 
público, com intenções de levantar o mapa, para lhe pedir permissão de consultá-lo, mas ele tava de 
costas e parecia estar falando. Decidindo que não era possível que o homem tivesse nenhuma obje-
ção, Julie separou a folha escrita à máquina e abriu o mapa que ele tinha estado estudando. 
Estendeu-o sobre a tampa da mala do automóvel e sustentou seus extremos para que não 
fosse levado pelo vento. Demorou alguns instantes em compreender que não era um mapa do Te-
xas, mas sim de Colorado. Intrigada, olhou as prolixas instruções que estavam no mapa. "Exatamen-
te 39,5 quilômetros depois de ter passado a cidade de Stanton — dizia— chegará a um cruzamento 
de caminhos sem placas indicadoras. Depois disso, comece a procurar um caminho de terra estreito 
que sai para a direita e desaparece entre as árvores. A casa se encontra ao final desse caminho, 
mais ou menos a sete quilômetros e meio do lugar onde dobrou, e não é visível da rua nem desde 
nenhum ponto da montanha." 
Julie abriu a boca, surpreendida. Então seu passageiro não se encaminhava a um trabalho 
em uma pequena cidade do Texas, a não ser a uma casa em Colorado? 
Pela rádio, o locutor deu fim aos avisos comerciais e disse: 
"Em instantes lhes daremos os últimos dados da tormenta que se dirige até nós, mas antes 
temos algumas notícias sobre os últimos acontecimentos do escritório do xerife..." 
Julie quase não o escutou. Olhava fixo a esse homem alto que falava por telefone e voltou a 
sentir a estranha inquietação de que havia algo familiar nele. Seguia de costas, mas tinha tirado os 
óculos e nesse momento os tinha na mão. Como se pressentisse que o olhava, voltou a cabeça para 
ela. Entrecerrou os olhos ao ver que tinha o mapa aberto nas mãos, e nesse mesmo instante Julie 
viu o rosto pela primeira vez, iluminada e sem óculos. 
"Esta tarde, aproximadamente às quatro - dizia a voz do locutor - os oficiais da penitenciária 
descobriram que Zack Benedict, o assassino sentenciado, tinha fugido enquanto se encontrava em 
Amarillo..." 
Momentaneamente paralisada, Julie olhou fixo a face de seu acompanhante. 
E o reconheceu. 
— Não! — exclamou. Nesse mesmo instante ele deixou cair o fone e correu para ela. Julie 
correu para o assento dianteiro do carro, abriu a porta de um puxão, mergulhou dentro e alcançou a 
baixar a trava que fechava a porta do lado contrário, justo no momento em que ele abria a porta e lhe 
agarrava o punho. Com uma força incrível, nascida do puro terror, Julie conseguiu liberar o braço e 
jogar-se pela porta aberta. Atingiu o piso com o quadril, ficou de pé e começou a correr, escorregan-
do-se sobre a neve, enquanto pedia auxílio a gritos, embora sabia que nas proximidades não havia 
ninguém que pudesse ouvi-la. Ele a alcançou antes de que tivesse conseguido correr cinco metros, 
 
 77 
obrigou-a a girar sobre si mesmo e a colocou contra o capô do Blazer. 
— Fique quieta e cale a boca! 
— Leve o carro — gritou Julie — . Leve e me deixe aqui! 
Ignorando-a, Zack olhou por sobre o ombro o mapa de Colorado que voou e que o vento jo-
gou contra um latão de lixo a cinco metros de distância. Como em câmara lenta, Julie o viu tirar do 
bolso um objeto negro e brilhante, apontar, enquanto retrocedia e levantava o mapa. Uma arma. 
Deus bendito, tinha uma arma! 
Começou a tremer incontrolavelmente enquanto escutava, em uma espécie de incredulidade 
histérica, a voz do locutor do noticiário que confirmava: 
"Acredita-se que Benedict está armado, e é perigoso. Em caso de que alguém o veja, deve in-
formar imediatamente seu paradeiro à polícia de Amarillo. Os cidadãos não devem tratar de aproxi-
mar-se. O segundo sentenciado que fugiu, Dominic Sandini, foi capturado e está sob custódia..." 
Julie não se sustentava na pernas, quando o viu aproximar-se, com a arma em uma mão e o 
mapa na outra. Um par de faróis apareceram pela colina, a menos de meio quilômetro de distância. 
Zack voltou a colocar a arma no bolso para mantê-la fora da vista, mas não tirou do bolso a mão com 
que a sustentava. 
— Entre no carro — ordenou. 
Julie olhou por sobre o ombro esquerdo a pickup que se aproximava, calculando as possibili-
dades de evitar que a baleassem ou de poder atrair a atenção do condutor antes de que Zack Bene-
dict desse um tiro. 
— Nem tente — advertiu ele com tom ameaçador. 
Com o coração que batia contra as costelas, Julie viu que a pickup dobrava à esquerda no 
cruzamento, mas não desobedeceu a ordem de seu captor. Ali não, ainda não. Seu instinto a adver-
tia que esse lance de caminho deserto estava muito isolado para que pudesse fazer algo sem que a 
matassem. 
— Mova-se de uma vez! — Zack tomou um braço e a obrigou a aproximar-se do assento do 
condutor. Ao abrigo da escuridão de uma tarde de inverno e sob a neve, Julie Mathison caminhava 
vacilante junto a um assassino condenado que a ameaçava com uma arma. Teve a apavorante sen-
sação de que ambos estavam vivendo uma cena de algum dos filmes protagonizados por Benedict... 
o filme em que a refém morria. 
 
 
 
 
 78 
Capitulo 18 
 
As mãos tremiam com tanta violência que teve que procurar tateando as chaves do contato e 
quando tratou de colocar o motor em marcha esteve a ponto de abafá-lo porque o medo lhe estre-
mecia as pernas. Ele a observava, impávido, do assento do passageiro. 
— Vamos de uma vez! — ordenou quando o motor esteve em marcha. Julie conseguiu ma-
nobrar o automóvel e levá-lo até o extremo do estacionamento, masao chegar ao caminho o deteve. 
Estava tão paralisada de terror, que não encontrava as palavras indicadas para fazer a pergunta ne-
cessária. 
— Disse que vamos! 
— Para aonde? — O som de sua voz, choroso e tímido lhe pareceu odioso, e ao homem que 
ia a seu lado também, por infundir um terror tão incontrolável. 
— De de volta para onde saímos. 
— De volta? 
— Já me ouviu. 
A essa hora, o trânsito da interestadual, coberta de neve, avançava a passo de homem. Den-
tro do automóvel, a tensão e o silêncio resultavam sufocantes. Fazendo esforços para acalmar seus 
nervos enquanto pensava em alguma possibilidade de fuga, Julie elevou uma mão tremente para 
trocar a estação de rádio, segura de que ele ordenaria que não o fizesse. Ao ver que Zack não dizia 
nada, moveu a agulha pelo dial até ouvir a voz de um locutor que com voz exuberante apresentava 
uma canção do oeste. 
Enquanto ressonava a canção, Julie observou os ocupantes dos automóveis vizinhos, gente 
que se dirigia a suas casas depois de um longo dia de trabalho. O homem do Explorer que ia a seu 
lado escutava a mesma estação de rádio e tamborilava no volante com os dedos, seguindo o ritmo 
da música. Olhou-a, notou que ela o olhava, fez uma amável inclinação de cabeça e voltou a cravar a 
vista na estrada. Julie se deu conta de que não tinha notado nada anormal. Para ele todo era normal, 
e se esse homem tivesse estado sentado no Blazer onde se encontrava ela, para Julie também teria 
parecido perfeitamente natural; George Strait cantava, como era normal, estrada estava lotada de 
automobilistas ansiosos de voltar para suas casas, coisa também normal, e a neve era bonita, coisa 
perfeitamente normal. Todo era normal. 
Com uma exceção. 
A seu lado viajava um assassino fugitivo que a ameaçava com uma arma. Foi essa cálida 
aparência de normalidade, em contraposição com a enlouquecedora realidade da situação o que de 
repente conduziu Julie da paralisia à ação. O trânsito começou a avançar, e de seu desespero nas-
ceu a inspiração. Já tinham passado junto a vários locais inundados em ambos os lados do caminho. 
Se conseguisse simular que o automóvel patinava para o acostamento da direita e virava com força à 
esquerda no momento em que caíam, era provável que sua porta ficasse em condições de ser aberta 
enquanto que a dele se obstruiria. A mutreta sem dúvida teria funcionado em seu carro, mas não es-
tava segura da reação que teria o Blazer, com sua tração nas quatro rodas. 
A seu lado, Zack notou que Julie olhava repetidas vezes o acostamento da estrada. Percebeu 
o pânico cada vez maior da mulher, e soube que em qualquer momento o medo a levaria a fazer algo 
desesperado. 
— Tranqüilize-se! — ordenou. 
 
 79 
De repente a capacidade de medo de Julie chegou a seu limite e do terror passou à fúria. 
— Diz que me tranqüilize! — explodiu com voz tremente, voltando-se para olhá-lo, jogando fa-
íscas pelos olhos— . Em nome de Deus, como pretende que me tranqüilize quando você está senta-
do ai, me apontando uma arma? Quer me explicar isso? 
Tem razão, pensou Zack, e antes de que fizesse algo que o levasse a ser capturado, decidiu 
que seria conveniente para ambos que ela se tranqüilizasse. 
— Só peço que mantenha a calma — pediu. Julie olhou para frente. O trânsito começava a 
ser algo menos denso e aumentava a velocidade, e ela começou a calcular a possibilidade de chocar 
o Blazer contra outro automóvel para provocar um acidente em série. Nesse caso terei que chamar à 
polícia. Isso seria uma grande coisa. 
Mas provavelmente ela e outros automobilistas inocentes terminassem baleados por Zack 
Benedict. 
Isso seria extremamente negativo. 
Julie se perguntava se a arma de Benedict estaria totalmente carregada com quatro balas e 
se seria realmente capaz de massacrar as pessoas inocentes, quando falou com a voz tranqüila e 
condescendente que os adultos utilizam ao falar com crianças histéricas. 
— Não acontecerá nada com você, Julie . Se fizer o que digo, asseguro que estará bem. Eu 
preciso chegar à fronteira do estado, e você tem um carro, é assim de simples. A menos que este 
carro seja tão importante para você que esteja disposta a arriscar sua vida por ele, o único que tem 
que fazer é dirigir sem atrair a atenção de ninguém. Se formos detidos por algum policial, haverá tiros 
e você estará no meio. Assim comporte-se como uma boa garota, e tranqüilize-se. 
— Se quiser que me tranqüilize — retrucou ela, sem poder suportar seu tom de superiorida-
de— , deixe que eu segure essa arma e lhe mostre como tranqüilizar-se! — Notou que Benedict 
franzia a testa, mas não fez nenhum movimento. Julie estava por acreditar que não tinha intenções 
de lhe fazer mal... se que ela não colocasse em perigo sua fuga. Essa possibilidade teve o efeito 
perverso de aplacar seu temor e simultaneamente desencadear toda a fúria que experimentava pelas 
torturas que ele já a tinha feito padecer. — É mais — continuou dizendo com irritação— , não me fale 
como se fosse uma criatura, e não me chame Julie ! Tratava-me de senhorita Mathison quando eu 
acreditava que era um homem decente e agradável, que necessitava trabalho e que tinha comprado 
esses m-malditos jeans para impressionar a seu p-patrão. Se não tivesse sido por esses malditos j-
jeans, eu não estaria metida nesta confusão. — Para seu próprio horror, de repente Julie sentiu que 
seus estavam se enchendo de lágrimas, de maneira que lhe dirigiu um olhar que esperava fosse de 
desdém, e logo fixou a vista no caminho. 
Zack elevou as sobrancelhas e a contemplou em um impassível silêncio, mas em seu interior 
se sentiu impressionado pela inesperada demonstração de valentia da moça. Voltou a cabeça para 
olhar o trânsito que avançava diante deles e a espessa nevada que poucas horas antes tinha pareci-
do uma maldição mas que em realidade tinha distraído à polícia, que devia encarregar-se dos auto-
móveis inundados, antes de começar a buscá-lo. Por fim considerou o golpe de sorte que tinha sido 
que, em lugar de estar no pequeno automóvel alugado que foi retirado da rua pelo caminhão de re-
boque, encontrar-se nesse pesado veículo com tração nas quatro rodas que podia avançar por qual-
quer classe de caminho em lugar de ficar atolado nos atalhos transitados das montanhas de Colora-
do onde se dirigia. 
Deu-se conta de que todas as demoras e problemas que enfrentou, e que o enfureceram, em 
definitiva resultavam vantajosos. Chegaria a Colorado... graças a Julie Mathison . À "senhorita Mathi-
son ", corrigiu-se interiormente com um sorriso, enquanto se acomodava em seu assento. Mas seu 
 
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instante de diversão desapareceu por causa de algo que tinha ouvido no noticiário e começava a 
preocupá-lo. Referiam-se a Domínio Sandini como "o outro presidiário fugitivo a quem conseguiram 
recapturar". Se Sandini havia atendido ao plano, Hadley deveria estar exaltando a lealdade de um de 
seus prisioneiros, em lugar de referir-se a ele como um presidiário a quem tinham conseguido captu-
rar. 
Zack se disse que devia ter havido uma confusão na notícia emitida pela rádio e que essa era 
a causa do engano com respeito a Sandini, e se concentrou na professora jovem e imaculada que 
viajava a seu lado. Embora nesse momento necessitava com desespero tanto a ela como ao auto-
móvel, a mulher também era uma complicação para seus planos. Possivelmente soubesse que se 
dirigia a Colorado; mais ainda, era bastante provável que tivesse tido o tempo suficiente de estudar o 
mapa como para logo informar à polícia a respeito da localização do esconderijo de Zack. Se a dei-
xava na fronteira entre o Texas e Oklahoma ou um pouco mais ao norte, na fronteira entre Oklahoma 
e Colorado, ela poderia informar às autoridades para onde ele se dirigia e, além disso, dar todos os 
detalhes do carro que dirigia. A essas alturas, seu rosto teria aparecido já em todas as telas de tele-
visão do país, de modo que não podia nem sonhar alugar ou compraroutro carro sem ser reconheci-
do. Além disso, queria que a polícia acreditasse que tinha conseguido voar até Detroit e cruzar o Ca-
nadá. 
Pelo visto, Julie Mathison era uma bênção e uma desgraça em seus planos. 
Inclinou-se para o assento traseiro para pegar o recipiente térmico com café, pensou nos úl-
timos comentários de Julie e iniciou o que considerou um bom tema de conversa. Em um tom desin-
teressado e pouco ameaçador, perguntou: 
— O que que tem meus jeans? 
Ela ficou olhando-o, completamente confundida. 
— O que? 
— Você disse algo com respeito a que meus "malditos jeans" foram o único motivo pelo que 
me ofereceu carona — explicou Zack, servindo café— . O que têm de mau meus jeans? 
Julie conteve uma gargalhada de risada furiosa. Enquanto ela se preocupava com sua própria 
vida, o preocupava uma declaração que se referia a moda! 
— O que quis dizer? — insistiu Zack. Quando Julie estava a ponto de responder de mau mo-
do, pensou em duas coisas ao mesmo tempo: que era uma loucura contrariar a um homem armado e 
que se conseguia que ele baixasse a guarda, iniciando uma conversação distraída, aumentariam 
bastante suas possibilidades de sair com vida dessa situação. Suspirou fundo e tratou de falar em 
um tom amável e neutro, sem separar a vista do caminho. 
— Notei que seus jeans eram novos. 
— E o que tem a ver isso com que tenha decidido me dar uma carona? 
A amargura que lhe provocava sua própria imbecilidade se traduziu na voz de Julie . 
— Como não tinha carro e deu a entender que estava sem trabalho, supus que devia estar 
em um mau momento financeiro. Depois comentou que esperava conseguir um novo emprego, e no-
tei a raia de seus jeans... — Deixou a frase sem terminar ao dar-se conta de que, em vez do homem 
pobre que ela tinha acreditado, em realidade esse indivíduo era multimilionário e ator de cinema. 
— Siga — pediu ele, intrigado. 
— Tirei a conclusão óbvia, pelo amor de Deus! Supus que comprou jeans novos para impres-
sionar bem seu patrão, e imaginei quão importante devia ser para você esse trabalho, e as ilusões 
que teria feito ao comprá-los, e não pude suportar a idéia de que todas suas esperanças fossem por 
 
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água abaixo se eu não oferece se uma carona. Assim, embora nunca na vida dei carona a um des-
conhecido, não pude suportar que você perdesse essa oportunidade. 
Zack não só estava surpreso, mas também se sentia emocionado. Uma bondade como essa, 
uma bondade que de algum jeito significava um risco e um sacrifício pessoal, era algo que tinha es-
tado ausente de sua existência durante todos os anos que passou na cadeia. E até antes. Colocou 
de lado esse pensamento tão pouco tranqüilizador. 
— Então imaginou tudo isso por de um par de jeans? Tem uma imaginação galopante! — 
adicionou com um irônico movimento de cabeça. 
— É evidente que além disso não sou muito hábil julgando caráter — adicionou Julie com 
amargura. Pela extremidade do olho viu que ele estendia o braço esquerdo para ela; deu um salto e 
sufocou um grito antes de dar-se conta de que só oferecia uma taça de café. 
— Pensei que talvez isto a ajudaria — explicou Zack em voz baixa, quase como desculpando-
se por havê-la assustado. 
— Não existe o menor perigo de que fique dormida ao volante, obrigado. 
— De todos os modos, beba um pouco — ordenou Zack, decidido a tranqüilizá-la embora 
soubesse que sua presença era a causa do terror que ela sentia— . Isso fará com que... — Vacilou, 
sem encontrar as palavras indicadas, e por fim adicionou: — Fará com que as coisas pareçam mais 
normais. 
Julie se virou para olhá-lo, transmitindo às claras que a "preocupação" que ele mostrava por 
ela não só parecia repulsiva mas também uma loucura. Estava a ponto de dizer isso quando lembrou 
da arma que ele levava no bolso, de maneira que aceitou o café com mão tremendo e se voltou a 
olhar o caminho enquanto o bebia. 
A seu lado, Zack notou como tremia a taça de café quando ela a levava aos lábios, e sentiu 
uma ridícula necessidade de desculpar-se por havê-la aterrorizado assim. Ao estudar seu rosto à luz 
do tabuleiro, observou que tinha um perfil bonito, com um nariz pequeno, queixo obstinado e maçãs 
do rosto altos. Além disso tem olhos magníficos, pensou, recordando a forma como tinha jogando 
faíscas instantes antes. Olhos espetaculares. Sentiu uma pontada de culpa e vergonha por utilizar e 
atemorizar a essa mulher inocente que só tratou de comportar-se como uma boa samaritana... E 
considerando que tinha toda a intenção de seguir usando-a, sentiu-se o monstro que todo mundo 
considerava que era. Para sossegar sua consciência, decidiu facilitar as coisas como possível, o que 
o levou a seguir conversando. 
Tinha notado que a moça não usava aliança, coisa que significava que não estava casada. 
Tratou de recordar os temas de conversa da gente civilizada "de fora”, e por fim perguntou: 
— Gosta de ensinar? 
Ela se voltou de novo para olhá-lo, com esses olhos incríveis cheios de dissimulado rancor. 
— Espera converse com você temas corriqueiros? 
— Sim! — retrucou ele, furioso ante sua relutância em fazer com que ele facilitasse a situação 
— . É justamente o que pretendo. Comece a falar! 
— Eu adoro ensinar — respondeu Julie com a voz tremendo, odiando que ele pudesse intimi-
dá-la com tanta facilidade— . Até onde pretende que o leve? — perguntou ao passar ante um indica-
dor que assinalava que a fronteira de Oklahoma se encontrava a trinta quilômetros de distância. 
— Até a Oklahoma — respondeu Zack. 
Era uma verdade pela metade. 
 
 82 
Capítulo 19 
 
— Estamos no Oklahoma — assinalou Julie assim que passaram pela placa que indicava o 
cruzamento de um estado a outro. 
Ele deu um olhar entre sombrio e divertido. 
— Já sei. 
— Bom. Quando pensa descer do carro? 
— Siga dirigindo. 
— Seguir dirigindo? — exclamou ela, em um ataque de fúria nervosa— . Olhe, seu miserável, 
não penso levá-lo até Colorado! 
Zack acabava de obter sua resposta: Julie sabia aonde ia ele. 
- Me nego a fazer isso! — advertiu Julie com voz tremente, sem dar-se conta de que acabava 
de selar seu destino— . Não posso. 
Zack respondeu, com plena consciência da batalha que lhe apresentaria: 
— Sim, senhorita Mathison , pode. E fará. 
Sua calma absoluta foi a gota que transbordou o copo. 
— Vá ao diabo! — exclamou Julie e, antes de que ele pudesse impedir, girou violentamente o 
volante para a direita. O veículo patinou e se deslocou. Então ela cravou os freios e o deteve de re-
pente. — Fique com o carro!— suplicou— . Leve o carro e me deixe aqui. Não direi a ninguém que o 
vi nem que sei para onde se dirige. Juro que não o direi a ninguém. 
Zack fez um esforço por conter sua fúria e tratou de tranqüilizá-la, tirando importância da situ-
ação. 
— Nos filmes, as pessoas sempre prometem isso mesmo — comentou quase com amabilida-
de, enquanto olhava por sobre o ombro os automóveis que passavam voando junto a eles— . Sem-
pre me pareceu que soava falso. 
— Mas isto não é um filme! 
— Entretanto tem que admitir que é uma promessa absurda — respondeu ele com um leve 
sorriso— . Sabe que é. Admita, Julie . 
Escandalizada ao ver que ele tratava de brincar com ela, como se fossem amigos, Julie ficou 
olhando-o em um furioso silêncio. Sabia que tinha razão a respeito de que a promessa era ridícula, 
mas se negava a admiti-lo. 
— Realmente não pode pretender que eu acredite que você não me denunciará, depois que a 
seqüestrei e roubei seu carro — continuou dizendo ele, suavizando um pouco a voz — , e que estará 
tão agradecida que manterá uma promessa feita em momentos de extremo temor. Não parece uma 
loucura? 
— E você pretende que eu debata um tema de psicologia com você, quando minha vida está 
em perigo?— explodiu ela. 
— Compreendo que esteja assustada, mas sua vida não corre perigo, a menos que você 
mesma crie esse perigo. 
Talvez fora por causa da extenuação, ou o timbre da voz de Zack, ou a firmeza de seu olhar,mas ao contemplar sua expressão solene, Julie descobriu que acreditava nele. 
 
 83 
— Não quero que você sofra nenhum mal — continuou dizendo Zack— , e não sofrerá, então 
não faça nada que chame a atenção ou que alerte a polícia... 
— Em cujo caso — interrompeu Julie com amargura, saindo de seu transe— , vai estourar 
meus miolos com sua pistola. Isso é extremamente reconfortante, senhor Benedict. Obrigada. 
Zack voltou a fazer um esforço por controlar seu temperamento e explicou: 
— Se a polícia tratar de me capturar, terão que me matar, porque não penso me render. E 
considerando a mentalidade da maioria dos policiais, existe uma forte possibilidade de que você 
acabe ferida ou morta no confronto. Não quero que isso aconteça. Entende? 
Furiosa consigo mesma por ceder ante as palavras suaves de um assassino, Julie separou a 
vista do rosto de Zack e olhou pelo guichê. 
— Realmente acredita que poderá me convencer de que é Sir Galahad em lugar de um 
monstro depravado? 
— É evidente que não — respondeu ele com irritação. Ao ver que ela se negava a voltar a 
olhá-lo, lançou um suspiro de impaciência e falou com tom cortante. — Basta de conversa e comece 
a dirigir. Preciso encontrar um telefone público em alguma das saídas da estrada. 
Ao notar a frieza com que falava, Julie compreendeu quão tola tinha sido ao ignorar sua ten-
tativa "amistosa" e adotar uma atitude de antagonismo. Em lugar disso, o que deveria estar fazendo, 
pensou enquanto conduzia o automóvel de volta para estrada, era convence-lo de que se resignou e 
estava disposta a obedecer. Enquanto os flocos de neve dançavam frente aos faróis, pensou nas 
possíveis maneiras de liberar-se, porque nesse momento estava convencida de que o mais provável 
era que Benedict a obrigasse a cruzar o estado de Oklahoma e ainda mais, o de Colorado também. 
Encontrar a maneira de atrapalhar seus planos e fugir não só era uma necessidade, mas também um 
desafio. E para obtê-lo, sabia que devia ser objetiva e conseguir que o medo e a fúria não nublassem 
sua inteligência. E deveria ser capaz de fazê-lo, recordou-se Julie . depois de tudo não era precisa-
mente uma flor de estufa, sempre protegida dos males deste mundo. Viveu os primeiros onze anos 
de sua vida nas ruas de Chicago, e não o fez mal! Decidiu tratar de encarar o problema como se fora 
simplesmente a trama de uma das novelas policiais que adorava ler. Sempre teve a sensação de que 
algumas das heroínas dessas novelas se comportavam com uma sublime estupidez, que era justa-
mente o que ela tinha feito ao criar um antagonismo entre ela e seu seqüestrador. 
Uma heroína inteligente teria feito o contrário, teria encontrado a maneira de obter que Bene-
dict se relaxasse e baixasse a guarda por completo. E se o conseguia, suas possibilidades de fugir 
— e de obter que voltassem a trancá-lo na cadeia onde lhe correspondia estar — aumentariam 
enormemente. Para chegar a essa meta, trataria de simular que considerava que esse pesadelo era 
uma aventura, e talvez até que estava do lado de seu captor, coisa que exigiria uma interpretação 
estrelar, mas estava disposta a tentar. 
Apesar de ter grandes dúvidas com respeito a suas possibilidades de triunfo, de repente Julie 
se sentiu invadida por uma bendita tranqüilidade e uma forte decisão que acabaram com seus temo-
res e esclareceram seus pensamentos. Esperou alguns instantes antes de falar, para que sua capitu-
lação não parecesse muito repentina nem parecesse suspeita. Depois respirou fundo para acalmar-
se e tratou de injetar uma nota de arrependimento em sua voz. 
— Senhor Benedict — disse, conseguindo olhá-lo de soslaio e até sorrir— , agradeço o que 
disse sobre não ter intenções de me fazer mal. Não quis ser sarcástica. O que acontece é que tinha 
medo. 
— E agora não tem? — perguntou ele com a voz carregada de cepticismo. 
— Bom... sim — se apressou a assegurar Julie — . Mas nem tanto. Justamente a isso me re-
 
 84 
feria. 
— Posso perguntar a que se deve esta repentina transformação? No que pensava enquanto 
esteve tão silenciosa? 
— Em um livro — respondeu ela, porque lhe pareceu uma resposta segura— . Em um ro-
mance de mistério. 
— Em algum que tem lido? Ou em uma que está pensando escrever? 
Julie abriu a boca mas não pronunciou nenhuma palavra. De repente se deu conta de que 
Benedict acabava de proporcionar o meio perfeito para destrui-lo. 
— Sempre quis escrever um romance policial — improvisou— , e me acaba de ocorrer que is-
to pode ser... bom... uma investigação de primeira linha. 
— Entendo. 
Julie lhe dirigiu outro olhar de soslaio, e se surpreendeu com a calidez do sorriso dele. Este 
demônio seria capaz de encantar a uma serpente, pensou, recordando esse mesmo sorriso quando 
se refletia nas telas cinematográficas e aumentava a temperatura de todo o público feminino. 
— Você é uma jovem notavelmente valente, Julie . 
Ela sufocou sua irada exigência de ser chamada senhorita Mathison . 
— Em realidade, sou a maior covarde do mundo, senhor... 
— Meu nome é Zack — interrompeu ele, e em seu tom impassível ela voltou a perceber o in-
dício de uma suspeita. 
— Zack — se corrigiu com rapidez— . Tem razão, o lógico seria que nos chamássemos por 
nossos primeiros nomes, já que vamos estar juntos durante... 
— Um tempo — adicionou ele, e Julie teve que fazer um esforço heróico para ocultar a frus-
tração e a fúria que lhe provocou sua resposta evasiva. 
— Durante um tempo — repetiu, cuidando de manter um tom neutro— . Bom, suponho que 
isso bastará para que possa fazer uma investigação preliminar. — Vacilou, pensando o que devia 
perguntar. — Você... bom... você, consideraria a possibilidade de me dar alguns dados a respeito do 
que é a vida em uma cadeia? Isso me seria de grande ajuda para meu livro. 
— Sério? 
Estava aterrorizando-a com esses sutis e mutáveis tons de voz. Julie jamais tinha conhecido 
um homem ou uma mulher capaz de transmitir tanto com imperceptíveis mudanças de tom, assim 
como tampouco tinha ouvido na vida uma voz como a de Zack. Seu timbre de barítono podia girar de 
um instante a outro da amabilidade à diversão, do gélido ao detestável. Em resposta a sua pergunta, 
Julie assentiu com vigor e tratou de rebater o tom cético de Zack injetando energia e convicção ao 
seu. 
— É obvio! — Em um relâmpago de inspiração, deu-se conta de que talvez, se ele acreditas-
se que estava ao seu lado, seria mais provável que baixasse o guarda. — ouvi falar de uma quanti-
dade de gente inocente que foi enviada a prisão. Você é inocente? 
— Todos os sentenciados asseguram que são inocentes. 
— Sim, mas você é? — insistiu, tratando de que dissesse que sim, para poder simular que 
acreditava. 
— O jurado disse que era culpado. 
 
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— Não é a primeira vez que um jurado se equivoca. 
— Doze cidadãos honestos e respeitáveis — respondeu ele com voz fria e cheia de ódio— 
decidiram que era culpado. 
— Estou segura de que devem ter tratado de ser objetivos. 
— Mentira! — exclamou Zack com tanta fúria que Julie apertou o volante com força, presa de 
outro ataque de medo-— . Declararam-me culpado porque era rico e famoso! — exclamou quase em 
um rugido — . Eu os estudei durante o julgamento, e quanto mais o promotor falava sobre minha vida 
privilegiada e sobre a amoralidade das pessoas de Hollywood, mais sedento de meu sangue ficava o 
jurado. Todos esses malditos santarrões, temerosos de Deus, sabiam que existia uma "dúvida razo-
ável" de que eu tivesse cometido o assassinato e por isso não se animaram a recomendar que con-
denasse a morte. Todos olhavam muito a série de Perry Maçom... supuseram que se eu não era o 
assassino, devia estar em condições de demonstrar quem era. 
Ante a fúria de sua voz, Julie sentiu que as palmas de suas mãos começavam a transpirar. 
Deu-se conta de que, agora mais que nunca, era vital fazê-lo acreditar que estava a seu lado. 
— Mas não foi culpado, verdade? Simplesmente não pôde provarquem era o verdadeiro as-
sassino de seu mulher, não é assim? — perseverou com voz tremente. 
— E isso o que importa? — perguntou ele. 
— E-eu me importo. 
Zack a estudou uns instantes em gélido silêncio, e de repente sua voz sofreu uma dessas 
mudanças inesperadas. 
— Se realmente se importar, então te direi que não, que eu não a matei — assegurou com 
suavidade. 
Estava mentindo, é obvio. Tinha que ser uma mentira. 
— Acredito. — E para terminar de convencê-lo adicionou: — E sendo inocente, tem todo o di-
reito do mundo de tratar de fugir da cadeia. 
A resposta de Zack foi um silêncio longo e incômodo, durante o qual Julie sentiu que ele 
examinava atentamente cada facção de seu rosto. 
— A placa dizia que adiante há um telefone — disse Zack de repente— . Quando o vir, para o 
carro. 
— Está bem. 
O telefone estava junto ao caminho, e Julie estacionou no acostamento. Olhou pelo espelho 
retrovisor, com a esperança de ver um caminhão ou algum outro veículo, mas quase não havia trân-
sito no caminho coberto de neve. A voz de Zack a fez voltar a cabeça no momento em que ele tirava 
as chaves do aceso. 
— Espero — disse com tom irônico— que não pense que duvido de sua palavra quando diz 
que acredita em minha inocência e que se alegra de que tenha fugido. Levo as chaves do carro por-
que sou um homem muito precavido. 
Julie mesma se surpreendeu quando pôde balançar a cabeça e dizer, com tom convincente: 
— Não o culpo. 
Com um leve sorriso, Zack saiu do carro, mas manteve a mão no bolso, como se quisesse 
recordá-la de que tinha uma arma, e deixou sua porta aberta, sem dúvida para poder ver o que ela 
fazia enquanto ele falava ao telefone. Além de tratar de correr com mais rapidez que ele, e de arris-
 
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car-se a receber uma bala, nesse momento Julie não tinha nenhuma possibilidade de fuga, mas po-
dia começar a preparar-se para o futuro. Quando Zack baixava, disse com a maior inocência possí-
vel: 
— Se importaria se eu tirasse papel e um lápis da carteira para poder tomar algumas nota 
enquanto fala por telefone...? Já sabe a que me refiro: posso anotar sensações e detalhes que talvez 
me sirvam para meu livro. 
E antes de que ele pudesse negar-se, coisa que esteve a ponto de fazer, Julie pegou caute-
losamente a bolsa do assento traseiro, 
enquanto assinalava os motivos pelos que ele não devia negar-se a seu pedido. 
— Escrever sempre me calma os nervos — assegurou— , e se quiser, pode revisar minha 
bolsa. Verá que não tenho outra chave e nenhuma classe de arma. — Para demonstrá-lo, abriu a 
bolsa e a mostrou. Ele deu um olhar impaciente e preocupado que a fez sentir que nem por um ins-
tante tinha acreditado sua história de querer escrever um livro e que a seguia com a história para que 
ela continuasse mostrando-se dócil. 
— Adiante — disse, devolvendo a bolsa. Ao ver que ele se afastava, Julie tirou um pequeno 
anotador e um lápis. Quando Zack levantou o fone e colocou moedas no telefone, escreveu a mesma 
mensagem em três diferentes folhas de papel: Chamem à polícia fui seqüestrada. Pela extremidade 
do olho notou que ele a observava, e esperou até que se voltou para falar. Então arrancou as primei-
ras três folhas, dobrou-as pela metade e as meteu no bolso exterior da bolsa, onde ficaria mais fácil 
pegar. Voltou a abrir o anotador e ficou olhando-o, enquanto procurava freneticamente uma maneira 
de passar as notas a alguém que pudesse ajudá-la. Quando lhe ocorreu uma idéia possível, olhou 
para Zack para assegurar-se de que não a observava e colocou uma das notas dentro de um bilhete 
dobrado de dez dólares. 
Tinha concebido um plano, estava-o executando, e saber que de algum jeito começava a con-
trolar seu futuro, fez desaparecer grande parte de seu pânico. O resto dessa tranqüilidade recém en-
contrada se devia a outra coisa: a instintiva, mas forte sensação de que Benedict não tinha mentido 
ao dizer que não queria machucá-la. 
— Conseguiu falar com a pessoa que procurava? — perguntou com amabilidade. 
Ele a olhou com os olhos entrecerrados, e Julie teve a sensação de haver sobre-atuado com 
sua falsa "camaradagem". 
— Não. A pessoa que procuro não estava em seu quarto. Voltarei a tentar me comunicar com 
ele dentro de meia hora. — Enquanto Julie digeria essa parte de inútil informação, Zack pegou sua 
bolsa e tirou o anotador. 
— Como medida de precaução — disse com tom irônico, enquanto abria o anotador— . Su-
ponho que entende, não? 
— Entendo perfeitamente — respondeu Julie , entre divertida e mortificada ao ver que o quei-
xo de Benedict se afrouxava ao ler o que tinha escrito. 
— E? — perguntou, abrindo os olhos com aparente inocência— . O que você acha? 
Ele fechou o anotador e voltou a guardá-lo na bolsa. 
— Acredito que se realmente pensar todo isso, é muito inocente para andar solta pelo mundo. 
— Sou muito inocente — assegurou ela com tom ansioso, colocando em marcha o motor do 
automóvel. Era bárbaro, fabuloso que ele a considerasse tola e cândida. 
 
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Capitulo 20 
 
Viajaram em silencio durante a meia hora seguinte; só trocaram um ocasional comentário so-
bre o mau tempo e as péssimas condições climáticas para viajar, mas Julie observava o lado do ca-
minho, esperando uma placa indicadora que permitisse colocar em prática seu plano. Qualquer placa 
indicadora que anunciasse a proximidade de um restaurante de fast food serviria. Quando por fim viu 
uma, os batimentos de seu coração se aceleraram. 
— Já sei que não queria entrar em um restaurante, mas eu estou morta de fome — disse em 
tom agradável— . A placa diz que dentro de pouco chegaremos a um McDonald'S. Poderíamos pedir 
algo de comer no Drive true. 
Ele olhou o relógio e começou a balançar a cabeça, de maneira que Julie se apressou a se-
guir falando. 
— Preciso comer algo cada duas horas porque tenho... — vacilou um instante procurando 
freneticamente o termo médico exato para um problema que ela não padecia. — ...hipoglucemia! Sin-
to muito, mas se não como algo, sinto-me frágil, desmaio-me e... 
— Está bem, pararemos aqui. 
Julie teve que fazer um esforço por conter um grito de triunfo quando saiu da auto-estrada e 
divisou os arcos do McDonald'S. O restaurante se elevava entre dois terrenos abertos, com um par-
que de diversões infantis a um de seus lados. 
— Paramos bem a tempo — disse Julie — , porque estou tão enjoada que não teria podido 
seguir dirigindo muito mais. 
Ignorando os olhos entreabertos de Zack, Julie entrou no McDonald'S. Apesar da tormenta, 
havia vários automóveis no estacionamento, embora não tantos como ela tivesse desejado, e conse-
guiu ver algumas famílias sentadas dentro do restaurante. Seguiu as indicações das placas, rodeou o 
edifício e se deteve frente à janela onde se despachavam refeições diretamente aos automóveis. 
— O que vais comer? — perguntou. 
Antes de ir para a cadeia Zack preferia ficar todo o dia sem comer do que entrar em um res-
taurante de fast food. Mas nesse momento descobriu que sua boca enchia de água ante o simples 
pensamento de um hambúrguer com batatas fritas. Essa é uma das coisas que a liberdade nos pro-
porciona, pensou depois de dizer a Julie o que queria comer. A liberdade fazia com que o ar pare-
cesse mais puro e a comida mais gostosa. Também convertia o homem em um ser mais tenso e 
desconfiado, porque havia algo no sorriso excessivamente brilhante de sua prisioneira que o enchia 
de suspeitas. Com seus enormes olhos azuis e seu sorriso suave parecia fresca e ingênua, mas ti-
nha passado com muita rapidez de ser uma prisioneira aterrorizada e uma refém furiosa a sua atual 
atitude de aliada e amistosa. 
Julie repetiu a ordem junto ao microfone: dois hambúrgueres, duas batatas fritas, duas Cocas. 
— São $5,09 — informou uma voz pelo alto-falante— . Por favor dirija-se a primeira janela. 
Quando Julie deteve o automóvel ante a janela, notou que Zack colocava a mão no bolso em 
busca de dinheiro, e sacudiu a cabeça com decisão,enquanto abria a carteira. 
— Eu pagarei — disse, conseguindo olhá-lo nos olhos— . Eu convidei. Insisto. 
Depois de um instante de vacilação, Zack tirou a mão do bolso, mas franziu o sobrancelha 
com gesto de desconfiança. 
 
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— É muito amável de seu parte. 
— Eu sou assim. — Falava como um periquito enquanto tirava o bilhete de dez dólares que 
continha a nota na qual advertia que tinha sido seqüestrada. Incapaz de seguir olhando para Zack, 
desviou a vista para adolescente na janela que a olhava com expressão de aborrecida impaciência. 
— São $5,09 — informou. 
Julie deu a ela uma cédula de dez dólares e a olhou fixo, com expressão implorante. Sua vida 
dependia dessa adolescente de aspecto aborrecido e cabelo sujeito em uma rabo-de-cavalo. Como 
em câmara lenta, viu-a desdobrar o bilhete de dez dólares... A pequena nota se desprendeu e caiu 
no chão... A moça se inclinou, recolheu-a, tirou da boca a goma de mascar... ergueu-se... Olhou para 
Julie ... 
— Isto é dele? — perguntou com a nota na mão, olhando aos ocupantes do do carro, sem ler 
o que estava escrito. 
— Não sei — respondeu Julie , tratando de obrigá-la a ler o que dizia— . Talvez. O que diz...? 
— começou a dizer, mas sufocou um grito quando Zack Benedict agarrou seu braço com uma mão e 
cravou a pistola na cintura. 
— Não se preocupe — disse estendendo a mão— . Essa nota é minha. É parte de uma brin-
cadeira. — A menina olhou a nota, mas era impossível saber se a tinha lido antes de estender-la pa-
ra Zack. 
— Aqui está, senhor — disse, inclinando-se e passando a nota a Zack. Julie apertou os den-
tes quando Benedict dedicou a ela um sorriso falso que fez com que a moça se ruborizasse de pra-
zer enquanto contava o troco que devia devolver a Julie . — Aqui está o pedido — adicionou. 
Automaticamente Julie tomou as sacolas de comida e as Cocas, enquanto com o rosto pálido 
rogava em silencio à moça que chamasse a polícia, o gerente, alguém! Passou as sacolas para Be-
nedict sem olhá-lo de frente. As mãos tremiam com tanta violência que quase derrubou a coca. En-
quanto colocava o carro em movimento e se afastava da janela de atendimento, esperou alguma tipo 
de reação por parte dele, mas não estava preparada para a explosão de fúria de Zack. 
— Idiota imbecil! Está querendo que eu a mate? Estacione o carro ali, no estacionamento, 
onde essa garota possa nos ver. Está olhando para nós. 
Julie obedeceu enquanto respirava com agitação. 
— Coma isto — ordenou ele, praticamente colocando o hambúrguer na boca dela —. E sorria 
depois de cada mordida, ou juro Por Deus que... 
Julie voltou a obedecer. Mastigava sem sentir o gosto da comida, fazendo esforços para tran-
qüilizar seus nervos desfeitos para poder voltar a pensar. Dentro do carro, a tensão crescia até que 
se converteu em algo vivo. Julie decidiu falar, simplesmente para quebrar o silêncio. 
— M-me passa m-minha C-coca, por favor? — pediu, estendendo a mão para o piso onde es-
tavam as bebidas. Zack agarrou seu punho com uma força que ameaçava quebrar seus ossos frá-
geis. 
— Está me machucando! — gritou Julie , presa de uma nova onda de pânico. Apertou o pu-
nho ainda com mais força antes de soltá-la de repente. Ela se refugiou contra a porta do automóvel, 
apoiou a cabeça contra o escosto e fechou os olhos, enquanto massageava o punho dolorido. Até 
esse momento, Benedict não tinha tratado de fazer mal e ela se deixou enganar, convencida de que 
não era um criminoso depravado, mas sim um homem que se vingou de sua mulher em um ato de 
ciúmes e loucura. Por que — se perguntou com desespero— acreditei que não seria capaz de matar 
 
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a uma mulher a quem tinha tomado como refém ou a uma pobre adolescente que poderia ter feito 
soar o alarme que resultasse em sua captura? A resposta era que tinha sido enganada pelas lem-
branças, lembranças das maravilhosas histórias que publicavam sobre ele nas revistas, lembranças 
de tantas horas passadas no cinema com seus irmãos, e mais adiante, com seus amigos, companhi-
as de quem admiravam Zack e até fantasiavam a seu respeito. 
Aos onze anos parecia incompreensível que seus irmãos e todos seus amigos considerassem 
que Zack Benedict fosse uma pessoa tão especial, mas poucos anos depois compreendeu perfeita-
mente. Era bom moço, inalcançável, atraente, cínico, inteligente e rude. E como Julie tinha estado na 
Europa enquanto estava ocorrendo o famoso julgamento, desconhecia todos os detalhes sórdidos do 
caso, que poderiam ter apagado todas essas bonitas imagens que no cinema pareciam tão autênti-
cas. A lamentável verdade era que quando assegurou que era inocente, pareceu possível que esti-
vesse dizendo a verdade, porque considerou lógico que fugisse da cadeia para demonstrar sua ino-
cência. E por alguma razão incompreensível, uma pequena parte de seu ser ainda se agarrava a es-
sa possibilidade, possivelmente porque assim era mais fácil superar seu temor; mas isso não diminu-
ía seu desespero por afastar-se dele. Embora fosse inocente do crime pelo qual tinha sido preso, is-
so não significava que não estivesse disposto a matar para impedir que voltassem a prendê-lo. E is-
so se era inocente... um se muito pouco provável. 
Estremeceu-se de medo ao ouvir o rangido de uma das sacolas no chão. 
— Tome — disse ele, estendendo uma Coca. Sem olhá-lo, Julie pegou com a vista fixa no pá-
ra-brisa do automóvel. Nesse momento compreendeu que sua única esperança de encapar sem que 
ninguém ficasse ferido ou morto consistia em facilitar a possibilidade de que ele fosse embora com o 
carro, deixando-a para atrás. O que significava que devia descer do carro e à vista de algumas tes-
temunhas. Acabava de fracassar com sua primeira tentativa de fuga; agora ele sabia que estava o 
suficientemente desesperada para voltar a tentá-lo. Estaria esperando. Vigiando-a. portanto, quando 
voltasse a tentar, tudo devia ser perfeito. Instintivamente sabia que não era provável que vivesse pa-
ra tentar uma terceira vez. Pelo menos já não tinha necessidade de seguir simulando que estava de 
seu lado. 
— Vamos! — ordenou ele de mau jeito. Em silêncio, Julie colocou o carro em movimento e 
saiu do estacionamento. 
Quinze minutos depois, ele voltou a ordenar que parasse junto a um telefone público, e fez 
outra ligação. Não havia tornado a pronunciar uma palavra, salvo para ordená-la a parar, e Julie sus-
peitava que ele devia saber que o silêncio fazia com que ela ficasse ainda mais nervosa que qual-
quer outra coisa que pudesse fazer para intimidá-la. Essa vez, enquanto falava por telefone, não dei-
xou de olhá-la um só instante. Quando voltou para o carro, Julie não pôde seguir suportando um ins-
tante mais esse silêncio. Fez um olhar altivo, assinalou o telefone público com a cabeça e disse: 
— Más notícias? 
Ante uma rebelião tão incansável, Zack conteve um sorriso. O rosto bonito de Julie ocultava 
uma coragem obstinada e uma inteligência que o deixavam continuamente despreparado. Em vez de 
responder que acabava de receber muito boas notícias, encolheu-se de ombros. Deu-se conta de 
que o silêncio a incomodava. 
— Continue dirigindo — ordenou. Recostou-se contra o encosto do assento e estirou as per-
nas. 
Poucas horas depois, um homem muito parecido a ele sairia de Detroit e entraria no Canadá 
pelo túnel de Windsor. Na fronteira se comportaria de maneira tal que os empregados da alfândega o 
recordariam. Quando Zack continuasse em liberdade um ou dois dias, esses empregados alfandegá-
 
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rios lembrariam dele e notificariam às autoridades americanas que era provável que o fugitivo tivesse 
entrado no Canadá. Então a caça a Zack Benedict se centraria nesse país, deixando-o em liberdade 
de continuar com o resto de seu plano. Portanto, durante uma semana, o mais provável era que não 
tivesse nada a fazer, salvo relaxar-se e entreter-se em sua liberdade. 
Isso, se não fosse por sua encomenda refém. Ela era o único empecilho em suas possibilida-des de relaxar. Um enorme empecilho, pensou Zack, posto que pelo visto não era tão fácil de subju-
gar como acreditou no começo. Nesse momento dirigia devagar e dava a ele olhadas cheias de irri-
tação. 
— Qual é o problema? — perguntou Zack. 
— O problema é que preciso ir ao banheiro. 
— Mais tarde! 
— Mas... — Zack a olhou e Julie se deu conta de que não valia a pena discutir. Uma hora de-
pois cruzaram a fronteira de Colorado, e ele falou pela primeira vez. 
— Um pouco mais adiante há um estacionamento para caminhões. Abandone a estrada na 
próxima saída e se o lugar parecer seguro, vamos parar ali. 
O lugar parecia muito movimentado ele e não gostou, de maneira que transcorreu outra meia 
hora antes de que encontrassem uma estação de serviço relativamente deserta, com o encarregado 
localizado entre os fornecedores, de modo que podia pagar a gasolina sem entrar no escritório, e 
com banheiros na parte exterior do edifício. 
— Desceremos — ordenou — . Caminhe lentamente — advertiu quando ela saltou do auto-
móvel e se encaminhou para o banheiro. Segorou o cotovelo dela para ajudá-la a caminhar pela ne-
ve e se manteve junto a ela. Quando chegaram no banheiro, em lugar de soltar seu braço, abriu a 
porta e deixou um espaço para que ela pasasse. Julie explodiu. 
Zack a ignorou e estudou o pequeno banheiro, procurando janelas. Ao ver que não havia, sol-
tou-a. 
— SE aprece. E aconselho que não faça nenhuma tolice. 
— Como o que? Me enforcar com papel higiênico? Saia daqui, maldito! 
Liberou seu braço de um puxão e entrou. Justo nesse momento lhe ocorreu a solução óbvia: 
fecharia a porta com chave e ficaria dentro. Lançando um grito de triunfo para seus adentros, fez gi-
rar a fechadura com a ponta dos dedos ao mesmo tempo que dava uma portada e apoiava um om-
bro contra a porta. A porta se fechou com um satisfatório ruído metálico, mas a fechadura parecia 
não encaixar, e Julie teve a desagradável sensação de que ele sustentava o trinco do outro lado para 
impedir que se fechasse. 
De fora, Zack moveu o trinco, que girou nas mãos da Julie , e o tom de divertida resignação 
de seu seqüestrador lhe indicou que não estava equivocada. 
— Dou um minuto e meio. Depois abrirei a porta, Julie . 
Bárbaro! Além disso deve ser um pervertido, pensou ela enquanto terminava com o que tinha 
ido fazer. Estava lavando as mãos com água gelada quando ele abriu a porta e anunciou: 
— Acabou o tempo. 
Em lugar de subir no Blazer, Zack ficou atrás, com as mãos metidas nos bolsos, empunhando 
a arma. 
— Encha o tanque de gasolina — ordenou, acotovelando-se contra o automóvel e observan-
 
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do-a— . Pagamento — adicionou, mantendo a face voltada para outro lado para que não o vissem. 
Por um momento, o sentido de economia de Julie pesou mais que sua frustração e seu medo, 
e já começava a protestar quando viu que Zack lhe estendia duas notas de vinte dólares. Seu res-
sentimento aumentou ao comprovar que ele reprimia um meio sorriso. 
— Tenho a impressão de que esta situação está começando a te divertir! — disse com amar-
gura, arrancando o dinheiro da mão dele. 
Zack observou seus ombros rígidos e se recordou que seria muito mais inteligente e benéfico 
tratar de neutralizar parte da hostilidade dessa garota, como tinha tentado antes. E seria ainda me-
lhor conseguir colocá-la de bom humor. Assim disse com uma risadinha: 
— Tem toda a razão do mundo. Acredito que estou começando a me divertir. 
— Cretino! — respondeu ela. 
O amanhecer tingia de rosado o céu cinza quando Julie pensou que possivelmente Benedict 
ficou adormecido. Tinha-a obrigado a viajar por caminhos secundários, evitando as estradas. Assim, 
viajar na neve era tão traiçoeiro que quase não tinha podido ir a uma velocidade de quarenta e cinco 
quilômetros por hora. Em três oportunidades tiveram que deter-se horas inteiras, por causa de aci-
dentes, mas ele a obrigava a seguir adiante. Durante toda a noite os noticiários dos rádios difundiram 
notícias de sua fuga, mas quanto mais entravam em Colorado, menos se falava do tema, sem dúvida 
porque ninguém esperava que se dirigisse para o norte, longe dos principais aeroportos, estações 
ferroviárias e de ônibus. A placa pela qual tinham passado há um quilômetro atrás indicava que se 
aproximavam de uma zona de piqueniques e de descanso, e Julie rezava que ali houvesse pelo me-
nos alguns caminhões, com os condutores dormidos nas cabines. Pensava entrar na zona de des-
canso e, quando se achasse perto dos caminhões, frear o Blazer, saltar do automóvel e pedir ajuda 
em voz tão alta para despertar os motoristas adormecidos. Depois, se sua fantasia se convertia em 
realidade, vários robustos caminhoneiros — preferentemente homens gigantescos e armados — 
despertariam, saltariam dos caminhões e iriam em sua ajuda. Lutariam com Zack Benedict, jogariam-
no no piso, desarmariam-no e chamariam a polícia pelas rádios de seus caminhões. 
Essa era a melhor das possibilidades, mas até no pior dos casos, se só acordasse um cami-
nhoneiro que decidisse investigar o motivo de seus gritos, estava relativamente segura de poder li-
vrar-se de Zack Benedict. 
Porque do momento em que criasse o alarme e atraísse a atenção, a única coisa sensata que 
ele podia fazer era fugir no Blazer. Não ganhava nada ficando ali e atirar nela, e logo ir matando a 
um caminhoneiro atrás de outro, quando o primeiro disparo alertasse a todos os outro. Isso seria bur-
rice e Zack Benedict não tinha um cabelo de burro. 
Julie se sentia tão segura disso que estava disposta a apostar sua vida. 
Dirigiu-lhe outro olhar de soslaio, para assegurar-se de que dormia. Zack tinha os braços cru-
zados sobre o peito, as largas pernas estiradas, a cabeça apoiada contra a janela. Sua respiração 
era sincronizada e tranqüila. 
Estava dormido. 
Regozijada, Julie levantou o pé do acelerador, com suavidade, pouco a pouco, impercepti-
velmente. Observava o velocímetro que desceu de sessenta e cinco quilômetros por hora a sessen-
ta, depois a cinqüenta e cinco. Para poder entrar na zona de descanso sem uma mudança repentina 
de velocidade que pudesse despertar a seu passageiro, devia estar viajando a não mais de quarenta 
quilômetros por hora quando chegasse à saída. Manteve a velocidade a cinqüenta e cinco durante 
um minuto, depois voltou a levantar o pé do acelerador, com a perna tremendo por medo de que a 
 
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mudança se notasse. Quando o automóvel começou a avançar a quarenta e cinco quilômetros, Julie 
subiu apenas o volume da rádio para compensar a falta de ruído do motor no interior do veículo. 
A zona de descanso ainda se encontrava a meio quilômetro de distância, protegida por uma 
série de pinheiros, quando Julie reduziu ainda mais a velocidade e começou a girar suavemente o 
volante para sair da estrada. Rogou a Deus que houvesse caminhões estacionados, conteve o fôle-
go, rodeou as árvores e logo respirou aliviada. Havia três caminhões estacionados frente aos banhei-
ros, e embora à luz do amanhecer não percebeu movimento algum, pareceu-lhe escutar o motor de 
um dos veículos. Com o coração saltando dentro do peito, resistiu a tentação de agir em seguida. 
Para que suas possibilidades fossem maiores, devia estar muito perto dos caminhões para 
poder chegar à porta da cabine de algum deles antes de que Benedict a alcançasse. 
Quando estavam a dez metros de distância do primeiro caminhão, Julie teve a absoluta segu-
rança de que esse tinha o motor em marcha e se preparou para frear; tão pendente se achava da 
cabine do caminhão, que saltou de surpresa quando, de repente, Zack Benedict se ergueu em seu 
assento. 
— Que demônios...! — começou a dizer, mas Julie não lhe deu oportunidade de terminar a 
frase. Cravou os freios, abriu a porta de um puxão e se jogou do automóvel em movimento, aterris-
sando de frente sobre a neve. Em meio de um redemoinho de dor e de medo viu que a roda traseira 
do Blazer passava a poucos centímetros de sua mãoantes de que o automóvel se detivesse. 
— Socorro! — gritou, ajoelhando-se. Lutava por ficar de pé, mas escorregava na neve.— So-
corro! 
Corria para a cabine do caminhão mais próximo quando Benedict saltou como uma tromba do 
Blazer, rodeou-o e começou a correr atrás dela, bloqueando o caminho. Para evitá-lo, Julie mudou 
de direção. 
— Por favor, que alguém me ajude! — gritou, correndo pela neve em um esforço por chegar 
ao banheiro e fechar a porta. A sua esquerda viu que se abria a porta da cabine de um caminhão e 
que o condutor baixava, franzindo o cenho ante a comoção; a suas costas ouvia os passos de Bene-
dict sobre a neve. — Socorro! — gritou ao caminhoneiro e olhou por sobre o ombro bem a tempo pa-
ra ver Benedict recolhendo um punhado de neve. A bola de neve bateu com força em seu ombro e 
ela seguiu correndo enquanto gritava. — Detenham-no! É...! 
A forte gargalhada de Benedict abafou suas palavras. 
— Basta de tolices, Julie ! — gritou enquanto se jogava sobre ela— . Está acordando todo 
mundo! 
Julie tratou de encher os pulmões de ar para voltar a gritar, mas estava debaixo de Benedict e 
sem fôlego; seus olhos aterrorizados se achavam a só centímetros de distância dos furiosos dele, 
que sorria para enganar o caminhoneiro. Ofegando, Julie afastou o rosto para gritar, mas Benedict a 
cobriu com um punhado de neve úmida. Cega e abafando-se, ouviu-o dizer em um sussurro selva-
gem, enquanto tomava os punhos e os sustentava por sobre a cabeça dela: 
— Se esse homem se aproximar, matarei-o. — Agarrou os punhos de Julie com mais força. 
— Maldito seja! É isso o que quer? Que alguém morra por você? 
Incapaz de falar, Julie soluçou e balançou a cabeça, com os olhos fechados com força, inca-
paz da vista de seu seqüestrador, incapaz de tolerar a idéia de ter estado tão perto da liberdade, e 
tudo para nada, para isso... para terminar de costas na neve, apertada sob o peso do corpo de Be-
nedict, com o quadril dolorido pela caída do Blazer. 
Benedict respirou fundo e falou com furiosa urgência. 
 
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— Venha para cá e me beije. E que pareça real porque se não o matarei! — antes de que ela 
pudesse reagir, apertou sua boca contra a dela. Julie abriu os olhos e olhou o caminhoneiro que se 
aproximava com cautela, franzindo a testa e tentando ver seus rostos. — Maldita seja! Me abrace! 
A boca de Zack aprisionava a sua, a arma que tinha no bolso lhe cravava no estômago, mas 
agora tinha os punhos livres. Podia lutar e era provável que o caminhoneiro de rosto jovial sob uma 
boina negra que dizia Pete se desse conta de que algo andava mau e fosse em sua ajuda. 
E então morreria. 
Benedict tinha ordenado que o abraçasse e que "parecesse real". Como um fantoche, Julie 
levantou da neve os braços que pesavam tremendamente e os deixou cair sobre os ombros de Be-
nedict, mas não pôde obrigar-se a fazer mais que isso... 
Zack tomou o gosto de seus lábios tensos sob os seus; sentiu seu corpo rígido como uma 
pedra sob seu peso, e supôs que estava juntando forças para sua próxima tentativa que, com a aju-
da de três caminhoneiros, colocaria fim a sua breve liberdade e a sua vida. Pela extremidade do olho 
notou que o caminhoneiro cortava o passo, mas seguia avançando e sua expressão era cada vez 
mais cética e cautelosa. Tudo isso e mais passou pela mente de Zack durante os três segundos que 
permaneceram ali simulando — em uma forma muito pouco convincente — que se beijavam. 
Em um último esforço por impedir que acontecesse o inevitável, Zack apoiou a boca junto à 
orelha da Julie e pronunciou uma palavra que fazia muitos anos que não usava. 
— Por favor! — Apertou os braços ao redor dessa mulher que permanecia tão rígida e repetiu 
com uma urgência que não pôde impedir: — Por favor, Julie ! 
Ao escutar a súplica de seu seqüestrador, Julie teve a sensação de que de repente o mundo 
se tornasse louco. 
Instantes depois, Zack apoiou os lábios sobre os seus e sussurrou com tom atormentado: 
— Eu não matei ninguém. Juro! — A súplica e o desespero que se percebia em sua voz se 
refletiam com eloqüência em seu beijo, e obtiveram o que as ameaças e a irritação não tinham con-
seguido: Julie vacilou, tinha a sensação de que o que acabava de ouvir era verdade. 
Atordoada pelas mensagens confusas que se entrecruzavam em sua mente, sacrificou seu 
futuro imediato em altares da segurança de um caminhoneiro. Impulsionada pela necessidade de 
salvar a vida desse homem, e por algo menos sensato e completamente inexplicável, Julie conteve 
suas lágrimas inúteis, deslizou as mãos sobre os ombros de Zack Benedict e aceitou seu beijo. As-
sim que o fez, ele pressentiu que acabava de aceitar; percorreu-o um estremecimento e seus lábios 
se suavizaram. Sem perceber que o ruído de passos se detinha na neve, Julie permitiu que Zack 
abrisse seus lábios, e por sua própria vontade, fechou os dedos ao redor de seu pescoço e os desli-
zou pelo cabelo suave e espesso de sua nuca. Percebeu que ele inalava profundamente quando lhe 
devolveu o beijo, e de repente todo começou a mudar. Estava beijando-a de verdade, deslizou as 
mãos sobre seus ombros e depois as enterrou em seu cabelo úmido, levantando sua face para apro-
ximá-la a sua boca faminta. 
Desde alguma parte, no alto, a voz de um homem com sotaque texano perguntou: 
— Bom, senhora, necessita de ajuda ou não? 
Julie o ouviu e tratou de balançar a cabeça, mas a boca que com tanta ferocidade cobria a 
sua tinha roubado sua capacidade de falar. Em alguma parte, no fundo de seu ser, sabia que tudo 
isso não era mais que uma atuação em benefício do caminhoneiro; sabia com tanta claridade como 
sabia que não ficava mais remédio que participar da cena. Mas nesse caso, por que não podia pelo 
menos balançar a cabeça ou abrir os olhos? 
 
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Não, suponho que não necessita nenhuma ajuda — decidiu o caminhoneiro, lançando uma ri-
sadinha — . E você, senhor? Necessita ajuda no que está fazendo? Porque se for assim, eu me ofe-
reço... 
Zack levantou a cabeça há tempo suficiente para perder contato com a boca da Julie , e sua 
voz soou rouca e suave. 
— Procure sua própria mulher — brincou com o caminhoneiro - Esta é minha. — As últimas 
palavras as sussurrou contra os lábios de Julie antes de que sua boca voltasse a entrar em contato 
com a dela; a rodeou com seus braços e passou a língua tentativamente ao redor dos lábios dela pa-
ra separá-los, apoiando seus quadris firmes e exigentes contra os dela. Com um silencioso gemido 
de rendição, Julie se entregou a um beijo que foi o mais ardente, sexual e insistente que tinha prova-
do na vida. 
A cinqüenta metros de distância se abriu a porta da cabine de outro caminhão e uma nova 
voz de homem exclamou: 
— Diga, Pete, o que está acontecendo lá na neve? 
— O que acha que está acontecendo, homem? Um casal de adultos brincam de ser meninos, 
atiram-se bolas de neve e fazem carinhos. 
— Eu mais bem diria que farão um bebê se não se contiverem. 
Talvez foi a nova voz de homem, ou a repentina consciência de que seu seqüestrador estava 
se excitando fisicamente, o que fez Julie voltar a realidade. Ou possivelmente foi a batida da porta da 
cabine de um caminhão seguido do rugido de um motor quando o enorme caminhão começou a 
afastar-se da zona de descanso. Fora qual fosse a causa, apoiou ambas as mãos contra os ombros 
do Zack e o empurrou, mas isso exigiu um esforço enorme. Presa do pânico por sua inexplicável le-
targia, empurrou com mais força. 
— Basta! — exclamou em voz baixa— . Basta! O caminhoneiro já se foi. 
Surpreso pelo tom de pranto que havia na voz da Julie , Zack levantou a cabeça e olhou fixo 
sua pele úmida e sua boca suave com uma fome que era difícil de controlar. A deliciosa doçura de 
sua rendição, a maravilhosa sensação de tê-la em seus braços e sua suavidade quase o convence-
ram de que era lógico fazer amor na neve, ao amanhecer. Olhou a seu redor e ficou de pé a contra 
gosto. Não compreendia bem por queJulie tinha decidido não advertir ao caminhoneiro do que real-
mente acontecia, mas fossem quais fossem seus motivos, estava em dívida com ela e não podia lhe 
pagar violando-a no meio da neve. Estendeu-lhe uma mão em silêncio e não pôde menos que sorrir 
quando a mesma mulher que instantes antes se derreteu entre seus braços, recuperou suas defesas, 
ignorou seu gesto e se levantou por seus próprios meios. 
— Estou empapada e coberta de neve — se queixou, cuidando de não olhá-lo . 
Em um gesto automático, Zack estendeu uma mão para tirar a neve dela, mas ela saltou para 
trás para evitá-lo, enquanto limpava os braços e a parte traseira dos jeans. 
— Não pense que tem o direito de me tocar, só pelo que acaba de acontecer! — advertiu-lhe, 
mas Zack estava admirado pelos resultados desse beijo: os enormes olhos de Julie luziam brilhan-
tes, e sua pele de porcelana, com tons de rosa. Quando estava agitada e um pouco excitada, como 
nesse momento, Julie Mathison tirava o fôlego. Além disso, era valente e muito bondosa, porque 
embora ele não pôde dobrá-la com ameaças ou com crueldade, de algum jeito respondeu ao deses-
pero de sua súplica. 
— Só te permiti me beijar porque compreendi que tinha razão, não há nenhuma necessidade 
de que ninguém morra porque eu tenho medo. E agora, sigamos viagem e terminemos de uma vez 
 
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com esta penosa experiência. 
— Pela amargura de seu tom, suponho que voltamos a ser adversários, não, senhorita Mathi-
son ? 
— É obvio que somos adversários! — respondeu ela— . O levarei aonde queira ir, sem mais 
mutretas, mas vamos esclarecer uma coisa: assim que chegue, me deixará em liberdade para que 
eu vá, de acordo? 
— De acordo — mentiu Zack. 
— Então vamos. 
Zack a seguiu, sacudindo a neve da jaqueta. Enquanto caminhavam até o automóvel, obser-
vou seu cabelo movido pelo vento, e o gracioso balanço de seus estreitos quadris. A julgar por suas 
palavras e pela rigidez de seus ombros, não cabia dúvida de que estava resolvida a evitar todo en-
contro romântico entre ambos. 
Nisso, como em todo o resto, Zack estava agora firmemente decidido a obter uma meta com-
pletamente oposta a da Julie . Tinha saboreado seus lábios, e percebido que respondiam aos seus. 
Seus sentidos esfomeados queriam gozar do banquete completo. 
Uma parte de sua mente advertia que qualquer classe de relação sexual com sua refém era 
uma verdadeira loucura. Complicaria toda a situação, e não precisava mais complicações. 
Outra parte de sua mente escutava o clamor de seu corpo excitado e argumentava que uma 
relação assim seria inteligente. Depois de tudo, os reféns felizes se convertiam em cúmplices. Além 
disso, eram uma companhia muito mais satisfatória. 
Zack decidiu tratar de seduzi-la, mas não porque Julie possuísse qualidades que a faziam 
querê-la, que o intrigavam e atraíam, nem porque sentisse uma especial ternura por ela. 
Em lugar disso, disse-se que seduziria a Julie Mathison porque era algo prático. E, é obvio, 
extremamente agradável. 
Com uma galanteria totalmente ausente antes do beijo, e que Julie considerou por completo 
ridicula — e até alarmante nessas alteradas circunstâncias — , acompanhou-a até o assento do con-
dutor, mas não teve necessidade de abrir a porta para ela, que tinha ficado aberta depois da frustra-
da tentativa de fuga. Fechou a porta do automóvel e rodeou o veículo pela frente, mas ao ocupar seu 
assento notou que ela fazia uma careta e que continha a respiração ao mudar de posição. 
— O que foi? 
— Quando saltei do carro, e depois quando me jogou na neve, machuquei o quadril e a perna 
— respondeu Julie com amargura, furiosa consigo mesma por ter gozado desse beijo — . Suponho 
que isso o encherá de preocupação e de remorsos. 
— Sim, assim é — respondeu ele com suavidade. Ela desviou o olhar, absolutamente decidi-
da a não acreditar numa mentira tão impossível. Esse homem era um assassino condenado e não 
devia, não se permitia a voltar a esquecer disso. 
— Estou com fome — anunciou, porque foi o primeiro que lhe ocorreu dizer. Mas soube que 
acabava de equivocar-se quando ele cravou o olhar em seus lábios. 
— Eu também. 
Ela elevou o queixo em um gesto altivo e colocou o motor em marcha. 
A resposta de Zack foi uma risadinha suave. 
 
 96 
Capítulo 21 
 
— Onde demônios pode estar? — Carl Mathison andava pelo pequeno cubículo que seu ir-
mão ocupava no escritório do xerife de Keaton; logo se deteve e olhou para Ted, jogando faíscas pe-
los olhos. — Você é policial, e ela é uma pessoa desaparecida, por que não faz algo, maldito seja! 
— Não pode considerá-la desaparecida até que pelo menos passem vinte e quatro horas sem 
que recebamos suas notícias — respondeu Ted, mas em seus olhos azuis já se pintava a preocupa-
ção quando adicionou: — Sabe que até esse momento não posso fazer nada através dos meios ofi-
ciais. 
— E você sabe — respondeu Carl, furioso— que Julie não é uma pessoa que muda de pla-
nos de repente; já sabe como é metódica. E se teve uma absoluta necessidade de modificar seus 
planos, teria telefonado. Além disso, sabia que esta manhã eu precisaria do carro. 
— Tem razão. — Ted se aproximou da janela. Com a mão apoiada sobre a pistola semiauto-
mática que levava na cintura, olhou distraído os automóveis estacionados frente à praça do povoado. 
Quando voltou a falar, fez com voz vacilante, como se temesse expressar seus pensamentos. — On-
tem, Zack Benedict fugiu de Amarillo. Ganhou a confiança do diretor do presídio e era seu chofer. 
Fugiu depois de levá-lo a povoado de Amarillo. 
— Sim, já ouvi a notícia. Mas, o que tem que ver? 
— Benedict, ou pelo menos um homem que responde à descrição geral de Benedict, foi visto 
em um restaurante perto da estrada inter-estadual. 
Com muita lentidão, com enorme cuidado. Carl deixou sobre a mesa o grampeador que tinha 
na mão e olhou fixo a seu irmão menor. 
— Aonde quer chegar? 
— Benedict foi visto perto de um veículo muito parecido a seu Blazer. A garçonete do restau-
rante acha que o viu subir no Blazer com uma mulher que parou para pedir um café e um sanduíche 
- Ted se afastou da janela e a contra gosto olhou a seu irmão— . Há cinco minutos falei com a gar-
çonete, de forma extra-oficial, é obvio. A descrição que me deu da mulher que se afastou com Bene-
dict no Blazer coincide com a Julie . 
— Meu deus! 
A empregada do escritório, uma mulher de meia idade, com cabelo grisalho e bochecha de 
bulldog furioso, escutava a conversa dos irmãos enquanto preenchia formulários e esperava a che-
gada de um ajudante do xerife. Nesse momento levantou o olhar e viu um resplandecente BMW 
vermelho conversível que estacionava junto ao carro patrulha de Ted. Quando do automóvel desceu 
uma formosa morena, de ao redor de vinte e cinco anos, a mulher apertou os olhos e se virou para 
os irmãos Mathison . 
— Nunca chove, mas quando chove, é de dilúvio — advertiu a Ted, e quando ambos a olha-
ram, assinalou a janela com a cabeça e explicou: — Olhem quem voltou para o povoado, a Cadela 
Rica em pessoa. 
Apesar de fazer um esforço para não sentir nada nem demonstrar a menor reação ao ver sua 
ex mulher, Ted Mathison ficou tenso. 
— A Europa deve ser aborrecida nesta época do ano — comentou, enquanto olhava com in-
solência as curvas perfeitas e as pernas largas da morena, que desapareceu na loja de umas costu-
reiras. 
 
 97 
— Comentam que Flossie e Ada Eldridge vão fazer o vestido de noiva — informou a empre-
gada da delegacia de polícia— . A seda, as rendas e todos os adornos chegam de Paris por avião, 
mas a Senhorita Alta e Poderosa quis que o vestido fosse feito pelas irmãs Eldridge porque assegura 
que ninguém costura como elas. — De repente se deu conta de que talvez Ted Mathison não se inte-
ressasse a ouvir os detalhes do extravagante casamento de sua ex-mulher com outro homem, assim 
que o olhou e disse: — Sinto muito. Fui uma tola. 
— Não se desculpe, não me importa nem um pouco o que elafaça — disse Ted com total 
franqueza. 
Saber que Katherine Cahill pensasse casar-se, esta vez com um multimilionário de Dallas de 
cinqüenta anos, não o interessava nem o surpreendia. 
Tinha lido a notícia nos jornais, que falavam dos aviões a jato do noivo, sua mansão de vinte 
e dois cômodos e sua suposta amizade com o presidente, mas nada disso lhe provocava ciúmes 
nem inveja. — Proponho irmos falar com mamãe e papai — disse, colocando a jaqueta e sustentan-
do a porta para que Carl o precedesse— . Sabem que Julie não voltou ontem à noite e estão doentes 
de preocupação. Talvez eles conheçam algum detalhe de seus planos que eu não saiba. 
Acabavam de atravessar a rua quando se abriu a porta da loja das irmãs Eldridge para que 
Katherine saísse . A moça se deteve em seco ao topar-se com seu ex-marido, mas Ted simplesmen-
te a saudou com uma inclinação de cabeça, esse tipo de saudação que alguém dá a uma pessoa 
desconhecida e sem importância, e abriu a porta de seu carro. Mas pelo visto Katherine tinha uma 
idéia distinta — e mais correta — a respeito da maneira como deviam se tratar os casais que se en-
contravam pela primeira vez depois de seu divórcio. Negando-se a ser ignorada, adiantou-se e sua 
voz de pessoa culta obrigou Ted a deter-se. 
— Ted? — disse. Dedicou-lhe um breve e amável sorriso a Carl e voltou a dirigir-se a seu ex-
marido. 
— Realmente pensava se afastar sem me cumprimentar? 
— Era exatamente o que ia fazer — respondeu ele com rosto impassível, por ter registrado 
um tom mais suave e sombrio na voz do Katherine . 
Ela se adiantou e estendeu a mão. 
— Você parece... bem — Terminou a frase com tom inseguro quando notou que Ted ignorava 
a mão que lhe oferecia. Ao ver que ele não respondia, dirigiu um olhar de súplica a Carl. — Você 
também está bem, Carl. Soube que te casou com Sara Wakefield. 
Na vidraça do salão de beleza do povoado apareceram os rostos de várias mulheres, de ca-
chos, que espiavam a cena com total naturalidade. Ted perdeu a paciência. 
— Terminou com suas amabilidades? — perguntou com sarcasmo— . Está provocando uma 
cena. 
Katherine observou de soslaio a vidraça do salão, mas perseverou em sua atitude, apesar do 
rubor de humilhação que tingia suas bochechas ante a atitude de desprezo de Ted. 
— Julie me escreveu dizendo que você se formou como advogado. 
Ele lhe deu as costas e abriu a porta do carro. Katherine levantou o queixo com gesto orgu-
lhoso. 
— Me vou casar com Spencer Hayward. A senhorita Flossie e a senhorita Ada estão fazendo 
o meu vestido de noiva. 
— Estou seguro de que se alegram por ter esse trabalho, embora você o proporcione — disse 
 
 98 
Ted, subindo ao automóvel. 
Ela apoiou uma mão na porta para impedir que a fechasse. 
— Você mudou — disse. 
— Em troca você não. 
— Sim, é obvio que mudei. 
— Katherine — disse ele, com tom contundente— , não me importa se tiver mudado ou não. 
Fechou a porta nos narizes dela, colocou em marcha o motor e arrancou, observando pelo 
espelho retrovisor que ela endireitava os ombros com a dignidade com que essa gente rica e privile-
giada parecia nascer. Depois se virou e dirigiu um olhar assassino às mulheres do salão. Se não a 
desprezasse tanto, Ted teria admirado a coragem que demonstrou Katherine ante uma humilhação 
pública como a que acabava de fazê-la passar, mas já não sentia admiração, nem ciúmes, nem nada 
por ela. O único que sentia era uma vaga pena pelo homem que estava por casar-se com uma mu-
lher que não era mais que um enfeite: Bonita, vazia e insubstancial. Como tinha aprendido ele, à for-
ça de muitas dores e desilusões, Katherine Cahill Mathison era malcriada, imatura, egoísta e vaido-
sa. 
O pai de Katherine era dono de poços de petróleo e de uma fazenda, mas preferia passar boa 
parte de seu tempo em Keaton, onde tinha nascido e onde desfrutava de uma posição de induvidável 
destaque. E embora Katherine tenha crescido no povoado, a partir dos doze anos sempre esteve em 
colégios elegantes. Ted nunca cruzou com ela até que tinha dezenove anos e foi passar as férias em 
Keaton. Os pais estavam na Europa, mas insistiram em que a garota ficasse ali como castigo por ter 
faltado tanto as aulas que esteve a ponto de perder o ano. Em um de seus típicos ataques de fúria, 
que Ted chegaria a conhecer tão bem depois, Katherine se vingou de seus pais convidando a vinte 
amigos para passar um mês em sua casa. Em uma das festas que ofereceu houve tiros e chamaram 
à polícia. 
Ted chegou com outro xerife para colocar ordem, e a mesma Katherine abriu a porta para ele 
com expressão atemorizada e só coberta por um muito pequeno biquíni que exibia quase todos os 
centímetros de seu corpo curvilíneo e bronzeado. 
— Eu os chamei — explicou, falando com fervuras e assinalando a parte traseira da casa on-
de grandes janelas se abriam para uma piscina de natação e uma série de terraços de onde se via 
todo o povoado de Keaton— . Meus amigos estão lá fora, mas a festa está se transformando um 
pouco desenfreada e pegaram as armas de meu pai, tenho medo de que firam alguém! 
Na piscina, Ted e seu companheiro encontraram vinte jovens, vários deles nus, todos bêba-
dos ou drogados com maconha, brincando na água ou disparando tiros no terraço. Impor tranqüilida-
de na festa foi fácil; assim que um dos convidados gritou: "Chegou a polícia!", o ambiente se esclare-
ceu. Os nadadores saíram da piscina e os que atiravam ao alvo entregaram as armas, com uma 
alarmante exceção: um moço de vinte e três anos, muito dopado com maconha, decidiu simular uma 
cena do Rambo com o Ted como adversário. Quando apontou para Ted com sua arma, Katherine 
gritou e o outro policial tirou sua pistola, mas Ted fez gestos de que a guardasse outra vez. 
— Aqui não haverá nenhum problema — disse ao rapaz. E adicionou, improvisando com ra-
pidez: 
— Meu companheiro e eu devemos desfrutar da festa. Katherine nos convidou. — Olhou-a 
sorridente. 
— Diga que nos convidou, Kat 
 
 99 
O apelido que acabava de inventar, seguindo a inspiração do momento, bem pôde salvar uma 
vida, porque o rapaz se surpreendeu até o ponto de baixar a arma, ou possivelmente acreditou real-
mente que Ted era amigo da família. Katherine , que jamais tinha tido apelido algum, colaborou 
apressando-se a rodear Ted com seus braços. 
— É obvio que os convidei. Branden! — disse ao jovem, com apenas um pequeno tremor na 
voz e sem separar o olhar da arma que seu amigo ainda empunhava. 
Só com a intenção de seguir simulando, Ted a rodeou com um braço e se inclinou para lhe 
dizer algo ao ouvido. Por acidente ou por intuito da fatalidade, Katherine não compreendeu o gesto e 
ficou nas pontas de pé para beijá-lo na boca. Ted entreabriu os lábios, surpreso, mas automatica-
mente abraçou Katherine com força e de repente ela o estava beijando com ardor. Sempre em forma 
automática, Ted respondeu à inesperada paixão da garota e o desejo endureceu seu corpo. Introdu-
ziu a língua entre os lábios ansiosos de Katherine e devolveu o beijo, enquanto um grupo de jovens 
ricos, bêbados, drogados e vitoreantes os contemplavam e outro rapaz chamado Branden o amea-
çava com uma arma. 
— Está bem, está bem, o cara é dos "bons"! — gritou Branden— . Então por que não segui-
mos disparando um pouco mais? 
Ted soltou Katherine e se aproximou do rapaz com passo elástico, relaxado, e um sorriso no 
rosto. 
— Como disse que te chamava? — perguntou Brandon ao vê-lo aproximar-se. 
— Sou o oficial Mathison — respondeu Ted com tom cortante enquanto lhe arrancava a arma 
da mão, o fazia girar sobre si mesmo e colocava as esposas — E você como se chama? 
— Brandon Barrister III — foi a furiosa resposta— . Sou filho do senador Barrister. — Em sua 
voz apareceu um tom de queixa e de desagrado. — Farei um trato com você, Mathison . Se me tirar 
essas algemas e for embora daqui de uma vez, não direi a meu pai como nos tratou esta noite. Es-
queceremos este incidente. 
— Não,sou eu que farei um trato com você — respondeu Ted, empurrando-o para a casa — . 
Se me disser onde está sua maconha, deixarei você passar uma noite tranqüila na cela sem fazer 
um prontuário pela dúzia de acusações que me ocorrem neste momento... todas as quais seriam 
uma vergonha para seu pai, o senador. 
— Brandon — disse uma das garotas ao ver que o rapaz resistia a aceitar— , o que propõe o 
oficial é realmente muito melhor. Faz o que ele diz. 
Um pouco mais suave ao observar a reação dos outros meninos, Ted disse: 
— E isto vai para todos. Entrem na casa, juntem a maconha e qualquer outra droga que te-
nham e tragam para a sala de estar. — voltou-se para o Katherine, que o olhava com um sorriso. — 
Você também, senhorita Cahill. O sorriso dela foi ainda mais cálido e em sua voz houve um quê de 
acanhamento. 
— Eu gosto mais de Kat que senhorita Cahill. Parada ali, com a luz da lua que batia em seu 
cabelo, luzindo um biquíni sexy e um sorriso arrebatador, estava tão deliciosa que Ted teve que re-
cordar-se de que era muito jovem para ele, e além disso, muito rica e muito malcriada. Tudo isso foi 
ainda mais difícil de lembrar durante os dias seguintes, porque Katherine Cahill possuía a mesma 
determinação de seus antepassados que cruzaram meio continente para estabelecer-se em terras 
petroleiras. 
Aparecia continuamente em todos os lugares aonde Ted fosse, e não se deixava intimidar pe-
la frieza com que ele a tratava. Depois de três semanas de infrutífera perseguição, Katherine tentou 
 
 100 
um plano final e desesperado: às dez da noite chamou à polícia para denunciar um roubo inexistente, 
depois de assegurar-se de que Ted estava de guarda. 
Quando ele chegou, estava parada na porta, luzindo uma sedutora bata de seda negra, com 
uma bandeja de algo que denominou canapés em uma mão e uma taça que tinha preparado na ou-
tra. Ao dar-se conta de que a denúncia de roubo não tinha sido mais que uma mutreta infantil, os 
nervos de Ted não resistiram. Já que não se podia permitir o luxo de aproveitar o que lhe oferecia, 
por mais que o desejasse, ou por mais vontade que tivesse de estar com ela, deixou-se levar pelo 
mau humor. 
— Que diabos quer de mim, Katherine ? 
— Quero que entre e que se sente e que desfrute da comida maravilhosa que preparei — 
respondeu ela, dando espaço para ele passar e mostrando com a cabeça a mesa da sala de jantar 
iluminada com velas e posta com reluzentes talheres de prata e taças de resplandecente cristal. 
Para seu horror, Ted chegou a considerar a possibilidade de ficar. Morria de vontade de sen-
tar-se ante essa mesa e contemplar o rosto de Katherine à luz das velas enquanto saboreava o vinho 
gelado; queria comer com lentidão, desfrutando de cada mordida, com a segurança de que a sobre-
mesa seria ela. Desejava-a com tanto desespero que quase não suportava estar ali parado sem 
abraçá-la. Então falou com a maior dureza possível, atacando o que instintivamente sabia era seu 
ponto mais vulnerável: sua juventude. 
— Deixe de agir como uma criancinha mal criada! — exclamou, ignorando o desgosto que o 
invadiu ao ver que ela retrocedia como se acabasse de lhe dar uma bofetada— . Não sei que diabos 
quer de mim nem o que acredita que vai obter com tudo isto, mas a advirto que está perdendo seu 
tempo e o meu. 
Ela estava visivelmente agitada, mas deu um olhar direto e franco e Ted não pôde menos que 
admirar sua valentia ante um desprezo tão cruel. 
— Me apaixonei por você na noite que colocou ordem na festa — disse com simplicidade. 
— Não diga tolices! As pessoas não se apaixonam em cinco minutos! 
Ela conseguiu sorrir ante a vulgaridade de Ted, e perseverou. 
— Essa noite, quando me beijou, você também sentiu algo por mim... algo forte e especial e... 
— O que senti foi uma luxúria comum, corrente e indiscriminada — retrucou ele— , assim que 
tire essas fantasias infantis e deixe de me pentelhar. É necessário que diga com mais claridade? 
Ela se deu por vencida com um leve movimento negativo de cabeça. 
— Não — sussurrou— , ficou perfeitamente claro. Ted assentiu e se virou para ir, mas ela o 
deteve. 
— Se realmente quiser que me esqueça de você, de nós, suponho que este é o adeus. 
— Sim, é o adeus — confirmou Ted. 
— Então me dê um beijo de despedida e acreditarei. É o trato que ofereço. 
— Pelo amor de Deus! — explodiu ele, mas cedeu a seu "trato". Ou, mais corretamente, a 
seu próprio desejo. A tomou em seus braços, beijou-a com deliberada rudeza, esmagando os lábios 
suaves da garota, depois a afastou de um empurrão enquanto algo em seu interior gritava protestan-
do pelo que acabava de fazer... e pelo que tinha perdido ao fazê-lo. 
Ela levou os dedos aos lábios machucados e em seus olhos cheios de lágrimas se pintou 
uma expressão de acusação e amargura. 
 
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— Mentiroso! — exclamou. E fechou a porta. Durante as duas semanas seguintes, Ted tirou o 
chapéu procurando-a em todas partes, estivesse de folga, patrulhando as ruas ou trabalhando no es-
critório, e quando não a via nem conseguia enxergar seu Corvette branco se sentia... decepcionado. 
Vazio. Decidiu que Katherine devia ter abandonado Keaton para dirigir-se a qualquer lugar aonde 
fossem as garotas ricas quando se aborreciam durante o verão. Na semana seguinte, quando de-
nunciaram a presença de um ladrão perto da casa dos Cahill, Ted se deu conta do quanto obcecado 
estava por Katherine . Disse-se que era seu dever dirigir-se até sua casa... para assegurar-se de que 
se encontrava a salvo. Havia luz em uma janela traseira da casa, e Ted desceu do automóvel... com 
lentidão, a contra gosto, como se suas pernas compreendessem o que sua mente negava... que o 
fato de que estivesse ali podia ter desastrosos resultados. 
Levantou a mão para tocar o campainha... e a deixou cair. Isto é uma loucura, decidiu, vol-
tando-se. Mas girou sobre si mesmo quando a porta da frente se abriu... e ali estava ela. Até vestindo 
shorts brancos e uma blusa rosada, Katherine Cahill era tão bonita que entorpecia sua mente. Entre-
tanto, essa noite estava diferente; tinha uma expressão distante e um tom de voz suave e sincero, 
sem vestígios de flerte. 
— Quer algo, oficial Mathison ? 
Frente a sua maturidade tão tranqüila e direta, Ted se sentiu um reverendo tolo. 
— Houve um roubo não longe daqui — explicou— . Vim para revisar... 
Para sua incredulidade, ela começou a fechar a porta nos seus narizes e Ted se ouviu cha-
mando-a. Chamou-a antes de poder controlar-se. 
— Katherine ! Não... 
A porta voltou a abrir e Katherine o olhou, sorrindo apenas, com a cabeça levemente inclina-
da, esperando. 
— O que quer? — repetiu, cravando seu olhar no dele. 
— Deus! Não sei... 
— É obvio que sabe. E mais — adicionou com um estranho tom de brincadeira— , não acre-
dito que corresponda que o filho do reverendo Mathison , o pastor de Keaton, ande mentindo a res-
peito de seus sentimentos nem tomando o nome de Deus em vão. 
— Ah! Disso se trata? — perguntou Ted, completamente desequilibrado; era como um ho-
mem a ponto de se render e que se agarra a qualquer ramo para se salvar do destino que está por 
abraçar — . Você acha sexualmente divertido se deitar com o filho de um pastor? 
— Alguém falou de sexo, oficial? 
— Agora entendo — disse Ted com desprezo, percebendo o fato de que o estava chamado 
por seu posto — . Os policiais a atraem, verdade? Acredita que se deitando com... 
— De novo o sexo! Não pode pensar em outra coisa? 
Confundido e furioso consigo mesmo, Ted meteu as mãos nos bolsos e a olhou carrancudo. 
— Se o que quer não é se deitar comigo, que diabos é então? 
Ela avançou para o alpendre, com aspecto mais valente e tranquilo que o de Ted, mas ele es-
tendeu as mãos e a aproximou de seu corpo faminto. 
— O que quero é me casar com você — respondeu com suavidade— . E por favor, não chin-
gue! 
 
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— Se casar! — explodiu Ted. 
— Parece escandalizado, querido. 
— Está louca! 
— Por você— conveio ela. Ficou nas pontas dos pés, deslizou as mãos pelo peito de Ted, 
rodeou-lhe o pescoço com elas e ele ardeu como se Katherine fosse uma tocha que acabava de 
acendê-lo. — Dou a oportunidade de compensar por ter me machucado da última vez que me beijou. 
Eu não gostei. 
Indefeso, Ted baixou a cabeça, apoiou os lábios sobre os de Katherine e os percorreu com a 
língua. Ela lançou um gemido e isso fez com que Ted perdesse todo controle. Apoderou-se de sua 
boca, passou-lhe as mãos pelo corpo, tomou os quadris para as apertar contra os seus, mas seu bei-
jo foi mais suave, mais profundo. Ela tinha um gosto celestial, seus seios turgentes enchiam suas 
mãos e seu corpo encaixava no seu como se tivessem sido esculpidos o um para o outro. Muitos mi-
nutos depois, por fim, Ted conseguiu separar a cabeça e falar, mas sua voz estava rouca de desejo e 
não conseguia tirar as mãos da cintura de Katherine . 
— Estamos loucos, os dois. 
— Loucos um pelo outro — conveio ela — . Considero que setembro é um mês maravilhoso 
para casar-se, não acha? 
— Não. — Ela jogou atrás a cabeça e o olhou— . Eu gosto mais de agosto — se ouviu dizer 
Ted. 
— Poderíamos nos casar em agosto, o dia que faço vinte anos, mas agosto é um mês muito 
quente. 
— Não tão quente como estou eu neste momento. 
Ela tratou de censurá-lo por seu comentário, mas terminou rendo e brincou. 
— Me escandaliza ouvir essas palavras da boca do filho de um pastor. 
— Não sou mais que um homem comum, Katherine — advertiu ele, mas não queria que ela 
acreditasse. Não. Queria que o achasse um ser tão extraordinário como ela o fazia sentir: poderoso, 
suave, forte, sábio. Mas apesar de tudo, achou que ela merecia ter mais tempo para saber quem e 
como era ele. 
— Setembro me parece perfeito. 
— Mas acho que não me parece perfeito— respondeu ela, olhando-o com um sorriso zomba-
dor— . Me refiro a que seu pai é ministro e isso possivelmente signifique que insistirá em esperar até 
depois de que nos tenhamos casado. 
Ted conseguiu simular inocência e confusão. 
— Para que? 
— Para fazer amor. 
— O ministro é meu pai, não eu. 
— Então, faça amor comigo. 
— Não tão rápido! — De repente Ted se encontrou na incômoda situação de ter que adotar 
uma postura com respeito ao tipo de casamento que queria, quando uma hora antes nem tinha pas-
sado pela sua cabeça a possibilidade de casar-se. — Não aceitarei um só centavo do dinheiro de 
seu pai. Se nos casarmos, será a mulher de um policial até que eu me torne advogado. 
 
 103 
— Está bem. 
— Seu pai não aio gostar da idéia de que se case comigo. 
— Papai se adaptará. 
E Ted descobriu que tinha razão. Quando se tratava de dirigir as pessoas, Katherine era um 
gênio. Todo mundo, incluindo seus pais, adaptava-se a seus caprichos. Todo mundo, menos Ted. 
Depois de seis meses de casamento, seguia sem adaptar-se a viver em uma casa que nunca se lim-
pava e a comer comidas enlatadas. E sobre tudo, não conseguia adaptar-se aos maus humores e as 
exigências irracionais de sua mulher. 
Katherine nunca quis ser uma esposa para Ted, no verdadeiro sentido da palavra, e decidi-
damente não queria ser mãe. Dois anos depois de haver se casado, ficou furiosa ao dar-se conta de 
que estava grávida, e se sentiu feliz quando conseguiu abortar. Sua reação ante a gravidez foi a gota 
que encheu o copo do Ted, o motivo que o fez decidir conceder o divórcio com o qual ela o ameaça-
va cada vez que ele se negava a dar algo que ela queria. A voz do Carl interrompeu as lembranças 
de Ted. 
— Não tem sentido que mencionemos o nome de Benedict a mamãe e papai. Se Julie estiver 
em perigo, que eles o fato ignorem o maior tempo possível. 
— Eu concordo. 
 
 104 
Capítulo 22 
 
— Estamos perdidos! Estou segura de que nos perdemos! Aonde vamos, por amor de Deus? 
O que pode haver lá encima, além de um acampamento de exploração florestal deserto? — A voz de 
Julie tremia de tensão nervosa enquanto tratava de ver algo através da neve que caía sobre o pára-
brisa. Acabavam de abandonar a rota para tomar um caminho inclinado que subia a montanha em 
uma interminável série de curvas fechadas, curvas que a deixariam nervosa no verão; nesse momen-
to, com a neve escorregadia e a má visibilidade que complicavam as coisas, essa ascensão a deixa-
va em pânico. E justo quando ela pensava que era impossível que o caminho piorasse, dobraram por 
um atalho serpenteante tão estreito que os ramos dos pinheiros que o rodeavam escovavam os os 
lados do carro. 
— Já sei que está cansada — disse Zack— . Se eu não soubesse que assim que se mostras-
se uma ocasião, você tentaria saltar do carro, teria dirigido eu para que pudesse descansar. 
Desde esse beijo, quase doze horas antes, ele a tratava com uma cálida cortesia que Julie 
achava muito mais alarmante que sua anterior fúria, porque não podia desprender-se da sensação 
de que Zack tinha alterado seus planos... e o uso que tentava fazer dela. O resultado foi que Julie 
respondia a todos seus agradáveis esforços por iniciar uma conversa com comentários agudos e 
pungentes que a faziam sentir um arrepio. E também culpava a ele por isso. 
Ignorando as palavras do Zack, encolheu-se de ombros com frieza. 
— Segundo o mapa e as indicações, vamos em direção correta, mas não havia nenhuma in-
dicação sobre um caminho que subisse em linha reta. Isto é um carro e não um avião! 
Benedict ofereceu um refrigerante que tinham comprado em uma estação de serviço, onde 
também carregaram gasolina e ele a tinha acompanhado outra vez até o banheiro. Assim como a vez 
anterior, a impediu de fechar a porta com chave e inspecionou o banheiro antes de que se fossem, 
para ver se não tinha deixado algum bilhete. Quando ofereceu o refrigerante sem responder a seus 
queixa pelas traiçoeiras condições do caminho, Julie decidiu guardar silêncio. Em outras circunstân-
cias, teria ficado fascinada com o panorama majestoso das montanhas cobertas de neve e dos altos 
pinheiros, mas resultava impossível desfrutar de da paisagem quando necessitava de toda sua con-
centração e de suas forças simplesmente para que o carro seguisse avançando na direção correta. 
Julie supunha que por fim se aproximavam de seu destino, porque fazia mais de vinte minutos que 
tinham abandonado o último caminho decente. Nesse momento subiam uma montanha, em plena 
tormenta de neve, e por um atalho que só era alguns centímetros mais largo que o automóvel. 
— Espero que quem deu esse mapa e as indicações soubesse o que fazia — disse Julie . 
— Sério? — brincou ele— . Supus que teria esperanças de que nos tivéssemos perdido. Ela 
ignorou o tom divertido de sua voz. 
— Eu adoraria que você estivesse perdido, mas não tenho o menor desejo de me perder com 
você! O assunto é que faz mais de vinte e quatro horas que dirijo com este clima terrível e por cami-
nhos espantosos, e estou extenuada... — interrompeu-se, alarmada, ao ver uma estreita ponte de 
madeira. Até dois dias antes, o tempo tinha sido surpreendentemente cálido em Colorado e, ao der-
reter-se, a neve aumentou o leito dos arroios como esse, que se converteram em pequenos rios 
transbordados. — Essa ponte não parece segura. O arroio está muito crescido... 
— Não temos alternativa. — Julie advertiu preocupação na voz do Benedict, e o medo a fez 
apertar o freio. 
— Não penso cruzar essa maldita ponte! 
 
 105 
Zack não tinha chegado até ali para voltar atrás. Além disso, era impossível dar a volta nesse 
estreito atalho coberto de neve. Também era impossível retroceder e baixar a montanha marcha ré 
por essas curvas fechadas. O atalho tinha sido limpado recentemente, talvez essa mesma manhã, 
como se Matt Farrell tivesse ouvido da fuga de Zack e adivinhado por que seu amigo pediu, várias 
semanas antes, que chamasse por telefone a uma determinada pessoa e lhe desse indicações deta-
lhadas da maneira de como chegar à casa da montanha. Sem dúvida Matt se encarregou de que al-
gumcuidador limpasse o atalho para assegurar-se de que, se tentasse, Zack podia chegar. Entretan-
to, a ponte não parecia segura. O arroio arrastava grandes ramos de árvores e a água corria com 
tanta velocidade que submetia a estrutura de madeira a um enorme esforço. 
— Saia do carro — ordenou Zack depois de alguns instantes de silêncio. 
— Sair do carro? Em uma hora estarei congelada e morta! Era isso o que queria durante todo 
este tempo? Me obrigar a dirigir até aqui, para depois me deixar morrer na neve? — Durante todo o 
dia, nenhum de seus comentários desagradáveis conseguiu apagar o bom humor do Zack, mas nes-
se momento foi exatamente isso o que fizeram suas palavras agitadas; Julie notou que ele apertava 
os dentes quando falou com um gelado tom de irritação. 
— Saia do carro! — repetiu— . Eu vou dirigir para atravessar a ponte. Se resistir, você poderá 
atravessar depois a pé e subir no carro do outro lado. 
Não foi necessário que repetisse. Amassando-se dentro de seu suéter, Julie abriu a porta e 
desceu do carro, mas o alívio que lhe provocava estar a salvo se converteu em outra coisa, em algo 
que naquelas circunstâncias era completamente absurdo. Ao ver que Zack se localizava atrás do vo-
lante, sentiu-se culpada por ter abandonado o carro, envergonhada de sua covardia e preocupada 
com a sorte que podia correr ele. 
E isso foi antes de que ele se inclinasse para o assento traseiro, de onde pegou o casaco de 
Julie e duas mantas de Carl, passou para ela pela porta aberta, dizendo: 
— Se a ponte não agüentar, busque um lugar onde o arroio seja estreito e permita cruzá-lo a 
pé. Na parte superior da montanha há uma casa com telefone e comida em abundância. Pode ligar 
pedindo auxílio e esperar ali que passe a tormenta e que cheguem para te buscar. 
Zack havia dito "se a ponte não agüentar" sem um quê de emoção na voz nem no rosto, e Ju-
lie se estremeceu ao comprovar que Zack Benedict era capaz de arriscar sua vida sem a menor pre-
ocupação. Se a ponte não resistisse, ele e o pesado automóvel se precipitariam a esse arroio fundo 
e gelado. Julie agarrou a porta para impedir que a fechasse. 
— Se a ponte não resiste — disse— , jogarei um galho ou um ramo ou algo para que possa 
agarrá-la e chegar até a borda. 
Assim que ela terminou de falar, Zack fechou a porta, e Julie se estremeceu e se cobriu com 
as mantas e o casaco. As rodas do carro giraram na neve até que se firmaram e o carro começou a 
avançar com lentidão. Julie conteve o fôlego e começou a murmurar desordenadas orações, enquan-
to caminhava para a ponte. Uma vez ali, olhou a água turbulenta, tratando de calcular sua profundi-
dade. Passavam velozmente enormes troncos que giravam sobre si mesmos. Agarrou um grosso 
ramo de ao redor de dois metros e meio de comprimento e o afundou. Ao comprovar que não tocava 
o fundo, deixou-se levar pelo pânico. 
— Espera! — gritou, tratando de fazer-se ouvir por sobre o bramido do vento — Podemos 
deixar o carro aqui e seguirmos os dois a pé! 
Se Zack a ouviu, ignorou-a por completo. O motor bramava enquanto as rodas giravam em 
falso e logo se firmavam; então o carro saltou para frente e adquiriu a força necessária para avançar 
pela neve, rumo à ponte. De repente Julie ouviu que as madeiras da ponte chiavam e gritou: 
 
 106 
— Não tente! A ponte não resistirá! Desce! Desce do carro! 
Era muito tarde. O Blazer avançava sobre as madeiras rangentes, esparramando neve. As 
rodas giravam, agarravam-se ao piso e voltavam a girar em falso, mas a tração nas quatro rodas 
cumpriu seu dever. 
Com as mantas obstinadas contra o peito, enquanto a neve revoava a seu redor, Julie per-
maneceu em um estado de indefesa paralisia, obrigada a presenciar algo que era impossível impedir. 
Não voltou a respirar até que o automóvel e seu louco condutor chegaram sãos e salvos à 
borda oposta, e então a invadiu uma perversa sensação de fúria contra ele, por havê-la feito sofrer 
um novo terror. Cruzou a ponte, abriu a porta do acompanhante e subiu no carro. 
— Conseguimos! — exclamou Zack. Julie lhe dirigiu um olhar assassino. 
— O que conseguimos? 
A resposta a sua pergunta chegou aos poucos instantes, depois da última curva do caminho 
de montanha. Em um espaço do denso bosque de pinheiros se elevava uma casa magnífica constru-
ída em pedra e madeira de cedro, e rodeada de balcões de madeira com enormes janelas. 
— Chegar até aqui — respondeu ele. 
— Pelo amor de Deus! Quem construiu esta casa aqui acima? Um ermitão? 
— Alguém a quem gosta da privacidade e a solidão. 
— É de algum parente? — perguntou ela, com repentina desconfiança. 
— Não. 
— O dono está informado de que pensa usar sua casa como esconderijo enquanto a polícia 
está trás de você? 
— Você faz muitas perguntas — respondeu ele, ao tempo que detinha o veículo junto à casa 
e descia — . Mas a resposta é não. — Caminhou até o lado dela do carro e lhe abriu a porta. — Va-
mos. 
— Vamos? — explodiu Julie , apertando-se contra o encosto do assento— . Disse que quan-
do chegássemos a este lugar, me deixaria em liberdade. 
— Menti. 
— Cretino! E pensar que acreditei! — exclamou Julie , mas ela também mentia. Durante todo 
o dia tinha tratado de ignorar o que seu sentido comum lhe advertia: Benedict a manteria a seu lado 
para impedir que dissesse à polícia qual era seu paradeiro; se a deixava ir agora, não tinha nenhuma 
maneira de impedir que ela fizesse isso. 
— Julie — disse ele com tensa paciência— , não faça com que tudo isto seja mais difícil para 
você. Terá que ficar aqui alguns dias, e te asseguro que não é um lugar desagradável para passar 
um tempo. — E com essas palavras, tomou as chaves do carro e avançou para a casa. Durante uma 
fração de segundo Julie se sentiu muito furiosa e desgraçada para poder mover-se, mas depois pis-
cou para conter as lágrimas que apareciam em seus olhos, e desceu do automóvel. Tremendo incon-
trolavelmente no vento gelado, o seguiu. Rodeou o corpo com os braços e o observou tentar abrir a 
porta. Estava fechada com chave. Zack a sacudiu com força. A porta não cedeu. Benedict soltou o 
trinco e ficou ali alguns instantes, com as mãos nas cinturas, enfrascado em seus pensamentos. Julie 
começou a trincar os dentes. 
— E a-agora o q-q-ue? — perguntou— . C-c-como p-p-pensa e-e-entrar? 
 
 107 
Zack lhe dirigiu um olhar irônico. 
— Como acha? — Sem esperar resposta, voltou-se e se encaminhou para a terraço que ro-
deava a parte oposta da casa. Julie trotava atrás dele, gelada e furiosa. 
— Vai quebrar uma janela, não é? — especulou com desagrado. Logo olhou os gigantescos 
painéis de vidro que se elevavam até o teto, pelo menos a sete metros e meio de altura. — Se que-
brar um desses vidros, cairão em cima de você e te farão em pedaços. 
— Não alimente essa esperança — respondeu ele, observando vários montículos de neve 
que obviamente se acumularam sobre algo que havia debaixo. Começou a cavar a neve de um des-
ses montículos de onde tirou um grande vaso de barro que levantou e levou até a porta traseira. 
— E agora o que faz? 
— Adivinha. 
— Como quer que eu saiba? — perguntou Julie de mau jeito — . O criminoso é você, não eu. 
— É verdade, mas me condenaram por assassino, não por ladrão. 
Com incredulidade, Julie o contemplou cavando a terra congelada do vaso de barro; depois 
jogou este contra a parede da casa e o quebrou, esparramando a terra sobre a neve, junto à 
porta de entrada. Em silêncio, escondeu-se e começou a atingir a terra com o punho, enquan-
to Julie o observava com crescente surpresa e incredulidade. 
— Está tendo um ataque de mau humor? — perguntou. 
— Não, senhorita Mathison — respondeu ele com exagerada paciência, enquanto tomava um 
punhado de terra e o desfazia com os dedos— . Procuro uma chave. 
— Ninguém que se possa permitir uma casa como esta e fazer construir um caminho que su-
ba pela montanha vai ser tão cândido para esconder a chave em um vaso de barro! Está perdendo otempo. 
— Sempre foi tão reclamona? — perguntou ele, balançando a cabeça com irritação. 
— Reclamona! — exclamou Julie com a voz abafada pela frustração— . Você rouba meu car-
ro, me toma como refém, ameaça me matar, e agora tem o... descaramento de criticar minha manei-
ra de ser? — Seu discurso se interrompeu quando ele levantou um objeto prateado coberto de terra: 
uma chave que Zack inseriu na fechadura. Com um exagerado floreio, abriu a porta e a convidou a 
entrar 
— Já concordamos que, no que se refere a você, quebrei todas as regras de etiqueta. Agora 
proponho que entre e olhe a seu redor, enquanto eu tiro nossas coisas do carro. Por que não tenta 
relaxar? — adicionou— . Descansa um pouco. Desfruta da paisagem. Pensa nisto como em umas 
férias. 
Julie o olhou com a boca aberta, logo fechou o queixo com fúria e disse com voz irada: 
— Eu não estou de férias! Sou uma refém, e não pretenda que eu esqueça disso! 
Como resposta, lhe dirigiu um largo olhar sofredor, como se ela fosse difícil, assim Julie en-
trou na casa. Dentro, esse retiro da montanha era de uma vez rústico e surpreendentemente luxuo-
so, construído ao redor de uma gigantesca residência central em forma de hexágono com três portas 
que davam cada uma a um dormitório em suíte. Os altos tetos de madeira se apoiavam sobre gigan-
tescos troncos de cedro, e uma escada de caracol conduzia a um loft no que se alinhavam formosas 
bibliotecas. Quatro das seis paredes eram de vidro e ofereciam uma paisagem da montanha que, Ju-
lie supôs, devia ser esplendoroso em um dia claro. Na quinta parede, construída em pedra, elevava-
 
 108 
se uma enorme chaminé. Frente à chaminé havia um longo sofá em forma de L, estofado em couro. 
Diante das janelas havia duas poltronas e várias turcas estofadas em tecido raiado, idêntica a dos 
almofadões descuidadamente jogados sobre o sofá. Um grosso carpete cobria o piso. Em qualquer 
outro momento, Julie teria se admirado ante esse lugar, que era o mais bonito que tinha visto em sua 
vida, mas nesse instante estava muito desgostada e faminta para emprestar muita atenção. 
Encaminhou-se à zona da cozinha, que se estendia ao longo da parede posterior da casa, di-
vidida do living por um alto mostrador com seis bancos estofados em couro. O estômago ressonou 
ao olhar os armários de cedro e a geladeira, mas seu apetite já perdia a batalha frente à extenuação. 
Com a sensação de ser uma ladra, abriu um armário que continha pratos e copos, depois ou-
tro que continha — felizmente— uma variedade de mantimentos enlatados. Decidida a preparar um 
sanduíche e deitar-se, já estava para tomar uma lata de atum quando Zack abriu a porta traseira e a 
viu. 
— Posso me atrever a esperar que tenha inclinações domésticas? — perguntou enquanto ti-
rava as botas de neve. 
— Está me perguntando se sei cozinhar? 
— Sim. 
— Para você, não. — Julie voltou a colocar em seu lugar a lata de atum e fechou a porta do 
armário enquanto seu estômago lançava um grunhido de protesto. 
— Deus, que cabeça dura é! 
Esfregando as mãos geladas, Zack acendeu a calefação; depois se encaminhou à geladeira e 
abriu a porta do freezer. Ao aparecer, Julie viu dúzias de grossos bifes, costelas de porco, enormes 
assados, alguns pacotes envoltos em papel especial para freezer, e caixas e mais caixas de verdu-
ras, algumas cruas e outras já cozidas. Era um espetáculo digno de um gourmet. Ficou com água na 
boca ao ver que Zack pegava um bife de cinco centímetros de grossura, mas a extenuação já a ven-
cia. O alívio que lhe produzia estar em uma casa cálida em lugar do carro, e de ter chegado ao desti-
no depois de uma viagem interminável e tensa, de repente a fez sentir-se frágil, e se deu conta de 
que mais que comida, o que precisava era uma ducha quente e dormir um momento. 
— Tenho que dormir — disse, já sem poder reunir a força necessária para falar com tom im-
perativo e frio — . Onde, por favor? 
Algo na palidez da Julie e em seus olhos pesados de sonho fez com que Zack respondesse 
sem discutir. 
— O dormitório fica aqui — disse, girando sobre seus calcanhares e encaminhando-se a uma 
porta que dava ao living. Quando acendeu a luz, Julie se encontrou em um dormitório enorme, com 
chaminé e um banheiro em suíte, de mármore negro e paredes de espelho. Notou a presença de um 
telefone sobre a mesa de luz, e Zack o viu ao mesmo tempo. 
— Tem seu banheiro próprio — explicou ele desnecessariamente, enquanto se aproximava 
da mesa de luz e desligava o telefone, que meteu sob o braço. 
— Mas vejo que não tem telefone — adicionou Julie com amarga resignação enquanto se di-
rigia de retorno ao living em busca de sua valise. 
A suas costas, Zack revisou as portas do banheiro e do dormitório; depois a segurou pelo 
braço quando ela se inclinava para levantar sua valise. 
— Olhe — disse— , será melhor que estabeleçamos já mesmo as regras. A situação é a se-
guinte: não há nenhuma outra casa na montanha. Eu tenho as chaves do carro, de maneira que sua 
 
 109 
única possibilidade de fugir seria a pé, em cujo caso, congelaria e morreria de frio antes de chegar à 
estrada. Tanto a porta do dormitório como a do banheiro têm esses ferrolhos inúteis que qualquer um 
pode abrir com um arame, assim não recomendo que tente se trancar ali dentro, porque seria perda 
de tempo, e além disso um confinamento inútil para você. Está de acordo comigo até agora? 
Julie fez um inútil esforço para liberar seu braço. 
— Não sou uma retardada. 
— Bom. Então suponho que terá dado conta de que poderá se mover livremente pela casa. 
— Me mover com liberdade? Como se fosse um cão beagle treinado, não é? 
— Não exatamente — respondeu Zack, e em seus lábios apareceu um sorriso enquanto per-
corria com o olhar o abundante e ondulado cabelo castanho da Julie e sua figura fina e inquieta— . 
Melhor diria como um assustado e vivaz setter irlandês. 
Julie abriu a boca para lhe dar a azeda resposta que merecia, mas antes de poder pronunciar 
uma sozinha palavra, voltou a bocejar. 
 
 110 
Capitulo 23 
 
Despertou um aroma delicioso de carne assada. Apenas consciente de que a enorme cama 
sobre a que dormia era muito grande para ser a dela, Julie rodou sobre si mesma para ficar deitada 
de costas, completamente desorientada. Piscou na quase total escuridão de uma residência que não 
parecia familiar e virou o rosto para o lado contrário, procurando a pálida fonte de luz, que resultou 
ser uma pequena separação entre as grossas cortinas que cobriam a janela. Luz de lua. Durante al-
guns felizes instantes acreditou estar em um hotel de luxo, em algum lugar de férias. 
Olhou o relógio digital da mesa de cabeçeira. Ali, onde fora que estivesse, eram as oito e vin-
te da noite. Fazia frio na residência... um frio profundo que a fez descartar a possibilidade de estar na 
Califórnia ou na Flórida. Então começou a pensar que nos quartos de hotel nunca havia aroma de 
comida. Estava em alguma casa, não em um hotel, e se ouviam passos no quarto seguinte. 
Pesados passos de homem... 
A realidade a atingiu como um murro na boca do estômago e se sentou na cama, descobriu-
se, ficou de pé, com uma descarga de adrenalina. Deu um passo para a janela, porque seu meca-
nismo instintivo de fuga reagiu antes que sua mente. As pernas arrepiaram e ela olhou com incredu-
lidade o que tinha colocado: uma camiseta de homem que tirou da cômoda depois de tomar banho. 
Recordou as palavras de seu seqüestrador: "Tenho as chaves do carro e nesta montanha não há ou-
tras casas... Se tentar fugir a pé, morrerá congelada... Os ferrolhos das portas podem se abrir com 
facilidade... Pode se mover com liberdade pela casa..." 
— Simplesmente relaxe — disse Julie em voz alta, mas nesse momento estava descansada e 
completamente alerta, e por sua mente se precipitavam possíveis vias de escapamento, nenhuma 
das quais era nem remotamente acessível. Além disso estava morta de fome. Acima de tudo a comi-
da, decidiu;depois tratarei de encontrar a maneira de sair daqui. 
Tirou da valise os jeans que tinha usado na viagem a Amarillo. depois de tomar banho tinha 
lavado sua roupa interior, que ainda estava empapada. Com os jeans na mão, investigou o amplo 
closet cheio de suéteres de homem cuidadosamente dobrados nas prateleiras, desejando poder ficar 
com roupa limpa. Escolheu um grosso suéter de pescador cor creme e o colocou frente a si. Chega-
va-lhe até os joelhos. Encolheu os ombros, decidindo que seu aspecto não importava, e que o grosso 
suéter dissimularia o fato de que não usaria sutiã. O colocou. antes de deitar lavou e secou o cabelo, 
de modo que só tinha que escovar agora. Pegou a bolsa para colocar um pouco de rouge, mas mu-
dou de idéia. Arrumar-se para o encontro com um preso, não só era desnecessário mas também 
possivelmente um enorme engano, considerando esse beijo sobre a neve no qual ela tinha participa-
do essa manhã ao amanhecer. 
Esse beijo... 
Tinha a sensação de que não tinham transcorrido umas poucas horas, a não ser semanas 
desde que Zack a beijou, e agora que estava descansada e alerta se sentia segura de que o único 
interesse que ele tinha nela se relacionava com sua própria segurança. Não se tratava de nada se-
xual. 
Decididamente não era algo sexual. 
Por favor, Deus! Que não tenha nada que ver com o sexual! 
Ao contemplar-se refletida nos espelhos das paredes do banheiro, tranqüilizou-se. Sempre ti-
nha estado muito ocupada e preocupada para pensar muito em sua aparência. As poucas vezes que 
se tomou ao trabalho de estudá-la, teve a sensação de que seu rosto era algo estranho, com feições 
 
 111 
bastante surpreendentes e muito proeminentes, como os olhos e os maçãs do rosto. Entretanto, nes-
se momento, seu aspecto a fascinou. Vestindo um jeans e um suéter muito grande, com o cabelo es-
covado e a face lavada, não podia parecer sexualmente atraente para nenhum homem, sobre tudo 
tratando-se de um que se deitou com centenas de magníficas e fascinantes mulheres famosas. O 
interesse de Zack por ela não seria sexual, decidiu Julie com total segurança. 
Depois de respirar fundo, segurou o trinco e o fez girar, sem vontade de enfrentar seu se-
qüestrador, mas disposta a fazê-lo... e com um pouco de sorte, enfrentar-se também com uma delici-
osa comida. A porta do dormitório não estava fechada com chave. 
Abriu a porta em silêncio e passou para o cômodo principal da casa. Durante uma fração de 
segundo, a beleza da cena a deixou completamente desorientada. Um fogo crepitava na chaminé, as 
luzes do teto iluminavam o lugar com suavidade, sobre a mesa redonda havia velas acesas cuja luz 
se refletia sobre as taças de cristal que Zack tinha colocado sobre a coberta de linho. Talvez fossem 
as velas e as taças de vinho que produziram a impressão de que estava se introduzindo em uma ce-
na de sedução, ou possivelmente foram as luzes suaves e a música romântica que surgia do som. 
Julie se aproximou da cozinha onde estava Zack Benedict, e falou, tentando infundir em sua voz um 
tom brusco e formal. Benedict estava de costas enquanto tirava algo da churrasqueira. 
— Esperamos visitas? — perguntou Julie . Ele se virou para olhá-la e um inesperado sorriso 
prazeroso se estendeu por seu rosto quando a estudou dos pés a cabeça. Julie teve a impossível e 
desagradável impressão de que gostava do que via, uma impressão que reforçou sua maneira de 
levantar a taça de vinho em uma espécie de brinde. 
— Não sei por que, mas com esse suéter tão grande fica adorável! 
Embora tarde, Julie se deu conta de que depois de cinco anos de cadeia, qualquer mulher pa-
receria atraente, e retrocedeu um passo. 
— O último que me interessa parecer agradável para você. Pode ter certeza de que antes 
preferiria colocar minha própria roupa, apesar de que não está limpa — disse ela, girando sobre seus 
calcanhares. 
— Julie ! — exclamou ele, já sem rastros de cordialidade na voz. 
Ela se virou em seguida, surpreendida e alarmada pelas rápidas mudanças de humor desse 
homem. Retrocedeu outro passo com cautela, enquanto ele lhe aproximava com uma taça de vinho 
em cada mão. 
— Beba algo — ordenou, entregando a ela uma taça de cristal— . Beba, maldita seja! — Fez 
um visível esforço por suavizar seu tom de voz. — Ajudará a relaxar. 
— E para que vou me relaxar? — perguntou ela com obstinação. 
Apesar de seu gesto teimoso e seu tom rebelde, havia um pequeno tremor de medo em sua 
voz e, ao percebê-lo, a irritação do Zack se evaporou. Julie tinha demonstrado enorme coragem e 
um espírito infatigável durante as últimas vinte e quatro horas; lutou tão obstinadamente com ele que 
chegou a fazê-lo acreditar que nem sequer tinha medo dele. Mas nesse momento, ao olhá-la, notou 
que os sofrimentos que tinha infligido nela tinham deixado escuras olheiras debaixo de seus olhos 
gloriosos, e que sua pele rígida estava muito pálida. 
É uma moça surpreendente, pensou, valente, boa e corajosa como o próprio diabo. Talvez se 
não gostasse dela — se não gostasse dela tanto — não se importaria que o estivesse olhando como 
se ele fosse um animal perigoso. Teve a prudência de conter sua necessidade de apoiar uma mão 
contra sua bochecha para tranqüilizá-la, coisa que sem dúvida teria causado nela o pior dos pânicos, 
e de desculpar-se por havê-la seqüestrado, gesto que teria parecido hipócrita, mas fez algo que se 
 
 112 
prometeu não voltar a fazer em sua vida: tentou de convencê-la de sua inocência. 
— Faz um momento pedi que você relaxasse e que... — começou a dizer, mas ela o inter-
rompeu. 
— Não me pediu isso, ordenou que me relaxasse. 
O repreendimento provocou um sorriso nele. 
— Agora estou pedindo. 
 Completamente surpreendida pela suavidade de Zack, Julie bebeu um gole de vinho, tentan-
do ganhar tempo, tranqüilizar seus sentidos confusos, enquanto ele seguia parado a sessenta centí-
metros de distância. De repente deu-se conta de que, enquanto ela dormia, Zack tinha tomado ba-
nho, se barbeado e que, vestindo uma calça e um suéter negros, Zack Benedict uma aparência muito 
melhor do que na tela de cinema. Quando voltou a falar, sua voz profunda seguia tão suave e atraen-
te quanto instantes antes. 
— No caminho para aqui me perguntou se era inocente do crime pelo qual estive na cadeia, e 
a primeira vez respondi com petulância e a segunda sem vontade. Agora, sincera e voluntariamente, 
quero dizer a verdade... 
Julie apartou o olhar e o pôs no vinho cor rubi de sua taça, temerosa de que seu estado de 
cansaço e debilidade a fizessem acreditar na mentira que ele estava para dizer. 
— Olhe ma mim, Julie . 
Com uma mistura de medo e expectativa, Julie elevou o olhar e o fixou nos olhos esverdea-
dos de Zack. 
— Eu não matei nem planejei o assassinato da minha mulher nem de ninguém mais. Conde-
naram-me por um crime que não cometi. Eu gostaria que pelo menos acreditasse que existe a possi-
bilidade de que o que eu digo é verdade. 
Ela o olhou nos olhos, sem comprometer-se, mas de repente lembrou da cena vivida na pon-
te, ao invés de insistir com que ela a atravessasse dirigindo, a fez descer do carro, deu mantas para 
ela se abrigar se a ponte naõ chegasse a resistir e ele que se virasse quando o automóvel caísse 
nesse arroio profundo e gelado. Recordou o desespero de sua voz quando a beijou na neve, supli-
cando que seguisse o que pedia para não ter que ferir o caminhoneiro. Zack tinha uma arma no bol-
so, mas nem sequer tentou usá-la. E depois lembrou de seu beijo... esse beijo urgente e duro que de 
repente se fez suave, insistente e sensual. Ao amanhecer dessa manhã, fazia esforços para esque-
cer esse beijo, mas nesse momento voltou a recordar, vibrante, vivo e perigosamente excitante. E 
essas lembranças se combinaram com o tom sedutor da voz de Benedict quando adicionou: 
— Esta é minha primeira noite normal em mais de cinco anos. Se a polícia me seguir de per-
to, será a última. Se estivesse disposta acooperar, eu gostaria de desfrutá-la. 
De repente, Julie se sentiu inclinada a cooperar. Em primeiro lugar, apesar de ter dormido um 
momento, estava mentalmente extenuada e não se sentia em condições de discutir com ele; além 
disso, estava esfomeada e farta de ter medo. Mas a lembrança desse beijo não tem nada que ver 
com minha capitulação, absolutamente nada!, disse-se. Assim como tampouco teve nada a ver com 
essa repentina e impossível convicção de que Zack estava dizendo a verdade. 
— Sou inocente desse crime — repetiu ele com mais ênfase, sem deixar de olhá-la. 
As palavras a atingiram, mas, apesar disso, resistiu, tentando não permitir que suas tolas 
emoções superassem sua inteligência. 
— Se não conseguir acreditar — adicionou ele com um suspiro— , pelo menos não seria ca-
 
 113 
paz de simular que acredita e cooperar comigo esta noite? 
Julie lutou contra uma forte necessidade de assentir, e perguntou com cautela: 
— A que tipo de "cooperação" se refere? 
— Eu gostaria que conversássemos — respondeu Zack— . Conversar com uma mulher inte-
ligente é um prazer esquecido para mim. Assim como uma boa comida, uma chaminé, a luz da lua 
nas janelas, boa música, portas em lugar de grades, e a presença de uma mulher bonita. — E adici-
onou com tom persuasivo: — Se me conceder uma trégua, eu me encarregarei de cozinhar. 
Julie vacilou, surpreendida por sua referência a uma mulher bonita, mas em seguida decidiu 
que só tinha sido um elogio sem importância. Estava oferecendo uma noite sem tensões nem medos, 
e seus nervos desfeitos clamavam por um momento de alívio. Que mal havia no que ele estava ofe-
recendo? Sobre tudo se realmente era inocente. 
— Irá cozinhar todos os dias? — perguntou. 
Zack assentiu, e um lento sorriso se estendeu por seu rosto quando se deu conta de que Julie 
estava a ponto de aceitar, e o inesperado encanto desse sorriso surtiu um efeito traiçoeiro no ritmo 
dos batimentos do coração de Julie . 
— Está bem — aceitou ela, sem poder evitar um leve sorriso apesar de sua decisão de mos-
trar-se longínqua e inacessível:— . Mas só aceitarei se também se comprometer a limpar a cozinha. 
Ante isso, Zack não pôde menos que rir abertamente. 
— Suas condições são muito duras, mas aceito. Sente-se enquanto termino de cozinhar. 
Julie obedeceu e se instalou em um dos bancos, de frente ao mostrador que dividia a cozinha 
da sala. 
— Me fale de você — pediu Zack, tirando do forno uma batata assada. 
Julie bebeu outro gole de vinho para criar coragem. 
— O que quer saber? 
— Coisas básicas, para começar — disse Zack com ar indiferente—Disse que não é casada. 
Está divorciada? 
Ela balançou a cabeça. 
— Nunca me casei. 
— Comprometida ? 
— Greg e eu estamos pensando nesse assunto. 
— O que é o que para pensar? 
Julie se engasgou com seu vinho. Sufocou uma risada de desconforto. 
— Na realidade não acredito que essa pergunta entre na categoria de informação básica. 
— Possivelmente não — aceitou ele com um sorriso— . Bom, o que os impede de comprome-
terem-se? 
Para seu desgosto, Julie sentiu que se ruborizava ante o olhar divertido de Zack, mas res-
pondeu com admirável tranqüilidade. 
— Queremos estar seguros de ser compatíveis... que nossas metas e filosofias sejam as 
mesmas. 
 
 114 
— Tenho a impressão de que estão tentando ganhar tempo. Vive com esse tal de Greg? 
— É obvio que não! — respondeu Julie com tom de censura, e Zack levantou as sobrance-
lhas como se a achasse pitorescamente divertida. 
— Então vive com alguma amiga? 
— Vivo só. 
— Nem marido nem amigas — disse ele, servindo mais vinho— . Então neste momento nin-
guém a procura nem se pergunta onde estará? 
— Tenhou certeza de que muita gente está me procurando. 
— Quem, por exemplo? 
— Meus pais, para começar. Já devem estar completamente frenéticos e ligando para todo 
mundo para ver se alguém tem minhas notícias. A quem ligaram primeiro deve ter sido meu irmão 
Ted. Carl também estará me procurando. O Blazer é dele, e acredite que a esta hora meus irmãos 
devem ter organizado uma verdadeira caçada. 
— Ted é seu irmão construtor? 
— Não — declarou Julie com divertida satisfação— . Meu irmão Ted é xerife de Keaton. 
A reação de Zack foi gratificantemente aguda. 
— Tem um irmão xerife! — Para lavar a desagradável informação, bebeu um grande gole de 
vinho e perguntou com clara ironia: — E suponho que seu pai será juiz? 
— Não. É o pastor do povoado. 
— Meu Deus! 
— Exatamente. Esse é seu empregador. Deus. 
— De todas as mulheres do Texas — disse Zack balançando a cabeça com ar sombrio— , ar-
rumei essa para seqüestrar. Irmã de um xerife e filha de um pastor. Os jornalistas ganharão o dia 
quando descobrirem quem é. 
A breve sensação de poderio que Julie experimentou ao ver seu alarme funcionou ainda mais 
forte que o vinho que estava bebendo. Assentiu com ar alegre e prometeu: 
— As pessoas temerosas da lei de todas as partes te procurará com cães e com armas, e os 
americanos temerosos de Deus rogarão para que o encontrem o quanto antes. 
Zack encheu sua taça o vinho com o que restava na garrafa e bebeu tudo de um gole. 
— Ótimo! 
O estado de ânimo jovial de seu seqüestrador tinha sido um alívio tão grande para ela, que 
Julie lamentou sua perda e tratou de dizer algo que o restaurasse. 
— O que vamos comer esta noite? — perguntou por fim. 
A pergunta tirou Zack de seus pensamentos e ele voltou para a cozinha. 
— Algo simples — respondeu— . Não sou grande coisa como cozinheiro. — Cobriu o que 
preparava com seus largos ombros e falou sem se virar para ela. — Sente no sofá. Eu levarei a co-
mida. 
Julie assentiu, desceu do banco e notou que a segunda taça de vinho a tinha afetado; sentia-
se muito relaxada. Enquanto Zack a seguia com os pratos, instalou-se no sofá, próxima a mesa re-
 
 115 
donda de frente para o fogo. Sobre a mesa, Zack colocou dois pratos, um dos quais continha um bife 
suculento com uma batata assada. 
Em frente a Julie , colocou um prato com o conteúdo de uma lata de atum. Isso era todo. Sem 
verduras nem acompanhamento. Nada. 
Depois de ficar com água na boca durante tanto tempo pensando nesse bife largo e suculen-
to, a reação da Julie ante essa parte pouco apetecível de atum, redondo e sem adorno algum, foi 
imediata e despreparada. Olhou para Zack com fúria, com a boca aberta de surpresa e desilusão. 
Não era isso o que queria mais cedo? — perguntou ele com inocência— . Ou preferiria um bi-
fe suculento como o que deixei na cozinha? 
Algo na brincadeira juvenil, algo no sorriso de Zack e em seus olhos sorridentes provocou 
uma inesperada, incontrolável e estranha reação em Julie . Uma risada. E logo começou a rir as gar-
galhadas. Ainda ria quando ele voltou com o outro prato e o colocou em frente a ela. 
— Disto você gosta um pouco mais? 
— Bom — respondeu ela, tratando de conservar um aspecto severo, apesar da risada que 
ainda dançava em seus olhos— , posso perdoá-lo por ter me seqüestrado e por me aterrorizar, mas 
era imperdoável que me oferecesse atum enquanto você devorava um bife! 
Julie teria se conformado comendo em pacífico silêncio, mas quando cortou o primeiro peda-
ço de carne, ele notou que tinha o punho machucado e perguntou o que tinha acontecido. 
— É um machucado que me fiz jogando futebol — explicou ela. 
— O que? 
— A semana passada, quando estava jogando futebol, fizeram-me cair. 
— Quem fez isso foi algum zagueiro grandão? 
— Não, quem fez isso foi uma criança em uma enorme cadeira de rodas. 
— O que? 
Era evidente que ele estava precisando de conversa como havia dito e, enquanto comiam, 
Julie relatou a partida em versão abreviada. 
— A culpa foi minha — assegurou, sorrindo ante a lembrança— . Eu não entendo muito de fu-
tebol, mas não me surpreenderia que algum de meus meninos terminasse participando da Olimpíada 
de Futebol em Cadeira de Rodas. 
Zack notou a doçura com que disse "meus meninos", e o brilho de seus olhos quando falavadeles, e se maravilhou ante a capacidade de compaixão e a doçura dessa mulher. Como não queria 
que deixasse de falar, procurou outro tema. 
— O que fazia em Amarillo no dia que nos conhecemos? — perguntou. 
— Tinha ido ver o avô de um de meus alunos com problemas físicos. É um homem muito rico 
e tinha a esperança de poder convencê-lo de que doasse dinheiro para um programa de alfabetiza-
ção para adultos que estou organizando na escola. 
— E conseguiu? 
— Sim. Tenho seu cheque na carteira. 
— O que a levou a ser professora? — perguntou Zack, com uma estranha necessidade de 
seguir ouvindo-a falar. Compreendeu que acabava de escolher o tema indicado quando ela deu um 
sorriso arrebatador e se embarcou imediatamente em uma explicação. 
 
 116 
— Eu adoro os meninos e o ensino é uma profissão antiga e respeitável. 
— Respeitável? — repetiu ele, sobressaltado pela sutil extravagância da definição— . Acredi-
to que, hoje em dia, ser "respeitável" não é algo que preocupe a muita gente. Por que é tão importan-
te para você? 
Julie evitou com um encolhimento de ombros esse comentário muito perceptivo. 
— Sou filha de um pastor e Keaton é uma cidade pequena. 
— Compreendo — disse Zack, embora na realidade não compreendia nada — . Mas há ou-
tras profissões igualmente respeitáveis. 
— Sim, mas nelas não me poderia trabalhar com pessoas tão maravilhosas como com as 
quais trabalho agora. 
um pouco envergonhada por seu entusiasmo tão emotivo, Julie voltou a guardar silêncio e se 
concentrou na comida. 
 
 117 
Capítulo 24 
 
Quando terminou de comer, Zack se jogou no sofá e cruzou as pernas, observando as cha-
mas que dançavam na chaminé, enquanto permitia que sua refém terminasse a comida sem mais 
interrupções. Tratou de se concentrar na seguinte etapa de sua viagem, mas em seu atual estado de 
relaxamento, se sentia mais inclinado a pensar na surpreendente — e perversa — mutreta do destino 
que fez Julie Mathison estar ali, sentada frente a ele. Durante as largas semanas que dedicou a pla-
nejar cada detalhe de sua fuga... durante as noites intermináveis em que permaneceu acordado em 
sua cela pensando na primeira noite que passaria nessa casa, nunca supôs que não estaria só. Por 
mil motivos, teria sido melhor que estivesse, mas agora que ela se encontrava ali, não podia trancá-
la sob sete chaves em seu quarto, apenas proporcionar comida e simular que não existia. Entretanto, 
depois da última hora passada em sua companhia, sentia-se tentado a fazer exatamente isso, por-
que ela o estava obrigando a reconhecer todas as coisas que tinha perdido em sua vida, e a refletir 
sobre elas... essas coisas que lhe seguiriam faltando durante o resto de sua existência. No término 
de uma semana, voltaria a estar fugindo, e no lugar aonde se dirigia não haveria luxuosas casas de 
montanha com fogos acolhedores, não existiriam conversas sobre crianças com problemas físicos, 
nem decorosas professoras da terceira série com olhos parecidos com os de um anjo e um sorriso 
capaz de derreter as pedras. Não recordava ter visto jamais uma mulher cujo rosto se iluminasse 
como se iluminou o de Julie quando falou desses meninos. Conhecia mulheres ambiciosas cujo rosto 
se iluminava ante a possibilidade de obter um papel em um filme ou de que lhes dessem de presente 
uma jóia; tinha visto as melhores atrizes do mundo — no cenário e fora dele, na cama e fora dela — 
em interpretações convincentes de apaixonada ternura e de amor, mas até essa noite, nunca, mas 
nunca, tinha sido testemunha desses sentimentos convertidos em realidade. 
Quando tinha dezoito anos, sentado na cabine de um caminhão, rumo Los Angeles, e quase 
afogado pelas lágrimas que se negava a derramar, jurou-se que jamais, jamais olharia para trás, que 
nunca se perguntaria o que podia ter sido sua vida "se as coisas tivessem sido distintas". E entretan-
to nesse momento, aos trinta e cinco anos, quando estava endurecido por tudo o que tinha visto e 
feito, ao olhar a Julie Mathison sucumbia à tentação da dúvida. Enquanto levava a taça de conhaque 
aos lábios e observava a chuva de faíscas que se desprendiam da lenha, perguntou-se o que teria 
acontecido se tivesse conhecido a alguém como ela quando era jovem. Teria sido ela capaz de sal-
vá-lo de si mesmo, de ensiná-lo a perdoar, de suavizar seu coração, de encher os espaços vazios de 
sua vida? Teria sido capaz de lhe proporcionar metas mais importantes e construtivas que a aquisi-
ção de riquezas, poder e reconhecimento que tinham dado forma a sua vida? Com alguém como Ju-
lie em sua cama, teria experiente algo melhor, mais profundo, mais duradouro que o efêmero prazer 
de um orgasmo? 
Tardiamente o atingiu compreender o quanto eram improváveis seus pensamentos, e se ma-
ravilhou ante sua própria tolice. Onde diabos teria podido conhecer alguém parecida com a Julie Ma-
thison ? Até os dezoito anos viveu sempre rodeado de serventes e familiares, cuja presença somente 
era um permanente aviso de sua superioridade social. Nesse tempo, a filha de um ministro do povo-
ado, como Julie Mathison , jamais teria entrado em sua esfera social. 
Não, não a teria conhecido nessa época, e nem em Hollywood teria podido conhecer alguém 
como ela. Mas se por alguma mutreta do destino tivesse conhecido ali a Julie ?, perguntou-se Zack, 
com o sobrecenho franzido de concentração. 
Se de algum jeito ela tivesse sobrevivido intacta nesse mar de depravações sociais, de auto 
indulgência sem limites e da urgente ambição que era Hollywood, ele teria notado realmente sua 
presença, ou ela teria sido completamente eclipsada a seus olhos por mulheres mais mundanas e 
fascinantes? Se Julie se apresentasse em seu escritório em Beverly Drive a lhe pedisse para fazer 
 
 118 
uma prova cinematográfica, teria notado ele essa formosa face de ossos excelentes, esses olhos in-
críveis, essa figura perfeita? Ou teria passado tudo despercebido porque não era espetacularmente 
formosa? E se ela tivesse passado uma hora em seu escritório, conversando com ele como fez essa 
noite, teria apreciado sua esperteza, sua inteligência, sua não simulada candura? Ou teria tratado de 
livrar-se dela porque não falava sobre "o negócio" nem dava nenhuma indicação de querer deitar-se 
com ele, que teriam sido seus dois interesses principais? 
Zack fez girar a taça entre as mãos enquanto contemplava as respostas dessas perguntas 
teóricas, tratando de ser honesto consigo mesmo. Depois de alguns instantes, decidiu que teria no-
tado as feições delicadas de Julie Mathison , sua pele resplandecente, seus olhos impactastes. De-
pois de todo, era um perito em beleza feminina, convencional ou não, assim não teria podido passá-
la por alto. E sim, teria apreciado sua candura tão direta, e teria se emocionado ante sua compaixão 
e sua suavidade, ante sua doçura, assim como tinha se emocionado essa noite. Entretanto não teria 
feito uma prova cinematográfica com ela. 
Tampouco teria recomendado que ficasse nas mãos de um bom fotógrafo que pudesse cap-
tar essa frescura juvenil tão americana, para convertê-la em uma modelo de um milhão de dólares, 
apesar de que Julie tinha passado fazia tempo da idade nas quais iniciam as modelos. 
No lugar disso, Zack acreditava com toda honestidade que a tiraria com rapidez de seu escri-
tório, aconselhando que voltasse para sua casa, casasse com seu quase noivo, que tivesse filhos e 
uma vida com sentido. Porque até em seus momentos de maior insensibilidade, jamais iria querer 
que uma pessoa tão excelente e pura como Julie Mathison fosse manuseada, utilizada e corrompida 
por Hollywood ou por ele mesmo. 
Mas se apesar de seus conselhos, Julie tivesse insistido em permanecer de todos os modos 
em Hollywood, teria se deitado com ela depois, se ela estivesse de acordo e quando estivesse? 
Não. 
Teria querido fazê-lo? 
Não! 
Teria querido mantê-la perto, talvez vendo-a na hora do almoço, pelas tardes ou convidando-
a a festas?Não, Por Deus! 
Por que não? 
Zack já sabia exatamente por que não, mas de todos os modos a olhou, para confirmar o que 
sentia. Julie estava sentada no sofá, a luz das chamas iluminavam seu cabelo brilhante, e ela olhava 
o bonito quadro que pendurava sobre a chaminé... seu perfil era tão sereno e inocente como o de 
uma criança do coro durante a missa de Véspera de natal. E era por isso que não teria querido tê-la 
por perto antes de ir para a cadeia, e também por isso não queria tê-la perto nesse momento. 
Embora cronologicamente só fosse nove anos mais velho, era séculos mais velho que Julie 
em experiência, e grande parte dessa experiência não era da classe que ela teria admirado nem 
aprovado... e isso antes de que o condenassem a cadeia. Em comparação com o juvenil idealismo 
de Julie , Zack se sentia terrivelmente velho e gasto. 
O fato de que nesse momento a achasse atraente e desejável apesar de estar vestida nesse 
grosso suéter, e o fato de ter uma ereção nesse mesmo instante, fizeram-no sentir um velho sujo, 
desagradável e luxurioso. 
Por outra parte, nessa noite, Julie também conseguiu fazê-lo rir, e isso era algo que Zack 
 
 119 
apreciava. 
De repente lhe ocorreu que Julie não tinha feito uma única pergunta a respeito de sua antiga 
vida no mundo do cinema. Não recordava ter conhecido uma única mulher — ou para o caso um só 
homem — que não o tivesse proclamado seu ator de cinema favorito para acossá-lo logo com per-
guntas a respeito de sua vida pessoal e os outros atores a quem admirava. Até os réus mais duros e 
sedentos de sangue da prisão se mostraram impressionados por seu passado e ansiosos por lhe di-
zer quais de seus filmes tinham gostado mais. Pelo geral, essa atitude inquisitiva o desgostava e até 
provocava irritação. Mas nesse momento ficou chateado por que Julie Mathison agisse como se não 
tivesse ouvido falar dele. Talvez nesse escuro povoado onde vive nem sequer tenham um cinema, 
decidiu. Talvez em sua vida inteira, tão protegida, nunca tivesse visto um filme. 
Talvez... Deus! Talvez... só visse filmes aptos para menores de 15 anos! Em troca, os que ele 
filmava eram absolutamente reservados para pessoas maiores, de critério formado, porque seu con-
teúdo era profano, violento, cheio de sexo ou as três coisas juntas. Para sua irritação, de repente 
Zack se sentiu envergonhado disso, que era outra boa razão pela qual jamais teria eleito sair com 
uma mulher como Julie . 
Estava tão enfrascado em seus pensamentos, que se sobressaltou quando ela falou com um 
sorriso vacilante. 
— Não parece estar desfrutando muito da noite. 
— Estava pensando na possibilidade de ver o noticiário — respondeu ele com tom vago. 
Julie , que tinha tido inquieta consciência do silêncio carrancudo de Zack, aceitou com alegria 
a oportunidade que lhe apresentava de ocupar-se em algo que não fosse pensar se seria realmente 
inocente de ter cometido um assassinato... e se voltaria a beijá-la antes de que a noite chegasse a 
seu fim. 
— Parece uma boa idéia — respondeu, ficando de pé e tomando seu prato — . por que não 
se encarrega de procurar um canal onde transmitam notícias, enquanto eu lavo os pratos? 
— Para que depois me acuse de não ter cumprido o nosso trato? De maneira nenhuma! Os 
pratos lavo eu! 
Julie o olhou levantar a mesa e levar todo à cozinha. 
Durante a última hora, haviam tornado a angustiá-la todo tipo de dúvidas a respeito de sua 
inocência. Lembrou a maneira furiosa com que se referiu ao jurado que o condenou. Recordou o 
tremendo desespero que havia em sua voz quando, estando atirados na neve, suplicou que o beijas-
se para sossegar as suspeitas do caminhoneiro. "Por favor! Juro que não matei ninguém!" 
Nesse momento, Zack semeou em sua mente uma traiçoeira semente de dúvida com respeito 
a sua culpabilidade; e dezessete horas depois, essa semente jogava raízes em seu interior, alimen-
tada pelo horror que lhe produzia a possibilidade de que um inocente tivesse passado cinco largos 
anos na cadeia. Outros elementos que tampouco conseguia controlar se combinavam para fazê-la 
sentir por ele coisas como a lembrança desse beijo tão faminto, o estremecimento que o percorreu 
quando se deu conta de que ela tinha rendido por fim. Na realidade durante a maior parte do tempo 
que estiveram juntos, tratou-a com respeito, quase com cortesia. 
Pela décima segunda vez na última meia hora, disse-se que um verdadeiro assassino sem 
dúvida não se incomodaria em beijar uma mulher com suavidade, e que tampouco a trataria com a 
bondade e o humor com que Zack a tratava. 
Sua mente a advertia de que era uma verdadeira tolice acreditar que um jurado pudesse ha-
ver se equivocado; mas essa noite, cada vez que olhava para Zack, seu instinto dizia aos gritos que 
 
 120 
era inocente. E de ser assim, parecia intolerável pensar no que devia ter sofrido. 
Zack retornou a sala, ligou a televisão e se sentou de frente para ela, estirando suas largas 
pernas. 
— Depois das notícias, assistiremos o que você quiser — disse, com a atenção já posta na 
tela tamanho gigante. 
— Bom — respondeu Julie , estudando-o. Havia uma força indomável cinzelada em suas 
apostas feições, determinação em seu queixo, arrogância no queixo, inteligência e força em cada um 
de seus traços. Muito tempo antes, Julie tinha lido dúzias de artigos a respeito de Zack, artigos escri-
tos por jornalistas do mundo do cinema e por críticos famosos. Muitas vezes tratavam de defini-lo 
comparando-o com outros grandes atores que o precederam. Julie recordava a um desses críticos 
que o converteu em um conglomerado humano ao dizer que Zack Benedict possuía o magnetismo 
animal de um Sam Connery juvenil, o talento de um Newman, o carisma do Costner, o machismo de 
um jovem Eastwood, a suave sofisticação de Warren Beatty, a variabilidade de Michael Douglas e o 
atrativo de Harrison Ford. 
E nesse momento, depois de quase dois dias de estar constantemente com ele, Julie decidiu 
que nenhum desses artigos o descrevia bem, e que a câmara tampouco fazia justiça, e compreendeu 
vagamente por que: na vida real, Zack possuía uma força interior e um carisma poderosos que não 
tinham nenhuma relação com sua alta estatura, nem com seus ombros largos, nem com seu famoso 
sorriso zombador. 
Havia algo mais... a sensação que Julie tinha cada vez que o olhava, de que, além de seus 
anos na prisão, Zack Benedict já tinha feito e visto tudo o que um homem podia ver e fazer, e que 
todas essas experiências estavam permanentemente encerradas depois de um muro impenetrável 
de amável urbanidade, de preguiçoso encanto, e de um par de penetrantes olhos dourados. Mais à 
frente do alcance de nenhuma mulher. 
E Julie compreendeu que ali residia seu verdadeiro atrativo: no desafio que guardava. Apesar 
de tudo o que lhe tinha feito durante os últimos dois dias, Zack Benedict fazia com que ela — e pos-
sivelmente todas as demais mulheres que o conheciam ou que o tinham visto em cinema — quisesse 
ultrapassar essa barreira. Para descobrir o que havia debaixo, para suavizá-lo, para encontrar ao 
menino que devia ter sido, para obter que o homem em quem se converteu risse a gargalhadas ou 
ficasse terno de puro amor. 
De repente Julie se conteve e fez uma severa advertência a si mesma. Nada disso importava! 
O única coisa importante era saber se era culpado ou inocente do assassinato de sua mulher. Diri-
giu-lhe outro olhar de soslaio e sentiu que se derretia. 
Era inocente. Sabia. Sentia. E de só pensar que tanta beleza e inteligência tivessem perma-
necido encarceradas durante cinco largos anos, ficou com um nó na garganta. Imaginou uma cela, o 
ruído das portas de grades quando se fechavam, os gritos dos guardas, os homens trabalhando em 
lavanderias e seus recreios no pátio da prisão, privados de toda liberdade e intimidade. Privados de 
sua dignidade. 
A voz do locutor a fez voltar para a realidade: "Daremos notícias estatais e locais, assim comoda tormenta de neve que se dirige para cá, depois de fazer uma conexão com a rede nacional pela 
que Tom Brokaw nos proporcione notícias de especial importância". Julie ficou de pé, muito nervosa 
para ficar sentada e sem fazer nada. 
— Vou procurar um copo de água — informou, já a caminho da cozinha, mas a voz de Tom 
Brokaw a deteve em seco. 
"Boa noite, senhoras e senhores. Zack Benedict, que em uma época foi considerado um dos 
 
 121 
mais importantes atores de Hollywood e um brilhante diretor de cinema, fugiu faz dois dias da Peni-
tenciária Estatal de Amarillo, onde cumpria uma condenação de quarenta e cinco anos de prisão pelo 
assassinato maquiavélico de sua esposa, a atriz Rachel Evans, em 1988." 
Julie se virou a tempo para ver uma fotografia de Zack vestindo o uniforme da prisão com um 
número que lhe cruzava o peito. Voltou a entrar na sala, como hipnotizada pelo que via, ouvia e sen-
tia enquanto Brokaw continuava: "acredita-se que Benedict viaja com esta mulher..." 
Julie lançou um ofego ao ver na tela uma fotografia dela, tirada no ano anterior com seus alu-
nos da terceira série. 
"As autoridades do Texas informam que a mulher, Julie Mathison , de vinte e seis anos, foi 
vista pela última vez faz dois dias em Amarillo, quando um homem cuja descrição coincide com a de 
Benedict subiu em sua companhia a um Chevrolet Blazer azul. No princípio as autoridades acredita-
ram que a senhorita Mathison tinha sido tomada como refém contra sua vontade..." 
— No princípio? — explodiu Julie , olhando para Zack, que ficava lentamente de pé — . O 
que quer dizer isso de no princípio? 
A resposta foi imediata e horripilante, quando Brokaw continuou dizendo: "A teoria de que era 
uma refém ficou desacreditada esta tarde, quando Peter Golash, um condutor de caminhão, informou 
ter visto um casal que respondia às descrições de Benedict e Mathison , esta manhã ao amanhecer, 
em um terreno de descanso para caminhões do Colorado..." 
Em seguida a tela foi preenchida com o rosto alegre de Pete Golash, e o que disse fez com 
que Julie se sentisse doente de vergonha e fúria: "Esses dois estavam lutando com bolas de neve 
como se fossem um par de meninos. Estou absolutamente seguro de que a mulher era Julie Mathi-
son ! De todos os modos, ela tropeçou e caiu e Benedict se atirou por cima e em seguida começaram 
a se fazer carinhos e a se beijar. Se ela era uma refém, asseguro que não agia como tal." 
— OH, Deus! — exclamou Julie , envolvendo o corpo com os braços e tragando a bílis que 
lhe subia à garganta. Em poucos instantes, a desagradável realidade tinha invadido a atmosfera fal-
samente acolhedora da casa da montanha, e ela se voltou para o homem que a tinha levado até ali, 
vendo-o como o que realmente era; um condenado, como o viu na tela de televisão, com uma série 
de números cruzando seu peito. Mas antes de que Julie conseguisse recompor-se, outra cena pior e 
mais angustiante apareceu na tela enquanto o locutor dizia: "Nosso enviado especial, Bill Morrow, 
encontra-se em Keaton, Texas, onde Mathison vive e se desempenha como professora da terceira 
série na escola primária. Bill pôde obter uma breve entrevista com os pais da jovem, o reverendo 
James Mathison e sua senhora..." 
Julie lançou um grito de incredulidade ao ver o rosto solene e cheio de dignidade de seu pai, 
quem, com sua voz enfática e confiada, tratava de convencer ao mundo da inocência de sua filha. 
"Se Julie estiver com Benedict, é contra sua vontade. Esse caminhoneiro que diz o contrário se equi-
voca com respeito ao que viu ou ao que acreditou que acontecia — assegurou dirigindo um severo 
olhar de desaprovação aos jornalistas, que começaram a lhe fazer perguntas aos gritos — . Não te-
nho nada mais a declarar." 
Presa de ondas de vergonha, Julie separou a vista do televisor para olhar através de suas lá-
grimas para Zack Benedict, que se aproximou apressadamente. 
— Cretino! — exclamou retrocedendo. 
— Julie ! — exclamou Zack, tomando-a pelos ombros, em um vão intento de consolá-la. 
— Não me toque! — gritou ela, tratando de separar as mãos dele, retorcendo-se para afastar-
se, enquanto uma corrente de soluços escapava de sua boca — . Meu pai é um pastor! — soluçou— 
 
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. É um homem respeitado, e você converteu sua filha em uma prostituta pública! Sou professora! — 
gritou, presa de um ataque de histeria — . Ensino a crianças pequenas! Acredita que me permitirão 
seguir ensinando, agora que sou um escândalo nacional que anda se jogando na neve com assassi-
nos fugitivos? 
Compreender que era possível que Julie tivesse razão foi uma bofetada para Zack, que agar-
rou os braços dela com mais força. 
— Julie ... 
— Dediquei os últimos quinze anos de minha vida tentando ser perfeita — soluçou ela, lutan-
do para liberar-se dele— . Me tornei professora para que pudessem estar orgulhosos de mim. Vou... 
vou à igreja e ensino na escola dominical. Depois disto não me deixarão voltar a ensinar em nenhu-
ma parte... 
De repente Zack não pôde seguir suportando o peso da dor de Julie , nem a consciência de 
sua própria culpabilidade. 
— Não chore mais, por favor! — sussurrou, tomando-a em seus braços. Pegou a cabeça dela 
entre suas mãos e a apertou contra seu peito — . Eu entendo, e lamento. Quando tudo isto terminar, 
obrigarei-os a ver a verdade. 
— Diz que entende? — repetiu ela com amargo desprezo, olhando-o com o rosto acusador 
empapado de lágrimas— . Como alguém como você vai entender o que eu sinto? 
Alguém como ele. Um monstro como ele. 
— Ah, se eu entendo! — ladrou ele, afastando-a de si e sacudindo-a até que a obrigou a olhá-
lo — . Compreendo exatamente o que se sente quando alguém é desprezado por algo que não fez! 
Julie conteve seus protestos pela rudeza com que ele a tratava, ao registrar a fúria de seu 
rosto e a dor que havia em seus olhos. Zack cravava os dedos nos seus braços e sua voz vibrava de 
emoção. 
— Eu não matei a ninguém! Ouviu? Minta e diga que acredita! Só te peço que diga isso! Que-
ro ouvir alguém dizendo! 
Depois de experimentar em pequena medida o que ele devia sentir se fosse realmente ino-
cente, Julie se encolheu interiormente ao pensar no que esse homem podia estar sentindo. Se era 
inocente... Tragou com força e estudou com os olhos empapados o rosto de Zack. Então expressou 
em voz alta seus pensamentos. 
— Acredito! — sussurrou enquanto novas lágrimas começavam a correr por suas boche-
chas— . Juro que acredito! 
Zack percebeu a sinceridade em sua voz chorosa; viu nascer uma verdadeira compaixão em 
seus olhos azuis e, no profundo de seu ser, começou a se rachar e derreter o muro de gelo com que 
tinha rodeado seu coração durante anos. Elevou uma mão, apoiou-a contra a bochecha suave de 
Julie e tentou enxugar com o polegar suas lágrimas quentes. 
— Não chore por mim! — murmurou com voz rouca. 
— Acredito em você! — repetiu Julie , e a terna ferocidade de sua voz demoliu o que restava 
da reserva de Zack. Em sua garganta se formou um nó de emoção muito pouco familiar, e durante 
um instante permaneceu ali, imobilizado pelo que via, ouvia e sentia. As lágrimas corriam livremente 
pelas bochechas de Julie , empapando a mão dele; seus olhos o olhavam como flores azuis, e ela 
mordia o lábio inferior, tratando de impedir que tremesse. 
— Não chore, por favor! — sussurrou Zack, enquanto baixava sua boca até a dela, para im-
 
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pedir que tremessem os lábios — . Por favor, por favor, não...! — Ao primeiro contato de seus lábios 
com os dele, Julie ficou rígida, contendo o fôlego. Zack ignorava se o que a paralisava era o temor ou 
a surpresa. Não sabia e nesse momento também não o importava. Seu único desejo era abraçá-la, 
saborear os sentimentos doces que cresciam em seu interior — a primeira doçura que experimenta-
va em anos— e compartilhar tudo com ela. 
Dizendo-se que não devia se apressar, que era necessário que se contentasse com o que ela 
estivesse disposta a permitir,deslizou os lábios ao redor do contorno dos dela, saboreando o gosto 
salgado de suas lágrimas. Disse-se que não devia apressá-la, que não devia forçá-la, mas enquanto 
se advertia, começou a fazer ambas as coisas. 
— Me beije! — pediu, e a ternura indefesa que percebeu em sua própria voz pareceu tão es-
tranha como os outros sentimentos que o percorriam — . Me Beije! — repetiu, passando a ponta da 
língua por seus lábios— . Abra a boca! — E quando ela obedeceu e se apoiou contra ele, apertando 
seus lábios entreabertos contra os seus, Zack quase lançou um gemido de prazer. O desejo, primiti-
vo e potente, percorreu-lhe as veias, e de repente começou a agir por puro instinto. Apertou-a com 
mais força, apoiou os quadris contra os dela, enquanto com os lábios a obrigava a abrir mais os seus 
e introduzia a língua na boca de Julie . Fez com que ela retrocedesse até que ficou de costas contra 
a parede e a beijou com toda a força persuasiva de que dispunha. Cobriu a boca dela com a sua, 
provocou-a com a língua, colocou as mãos sob o suéter e percorreu com elas a coluna vertebral. A 
pele nua e suave de Julie era como cetim líquido sob suas mãos, enquanto acariciava a estreita cin-
tura e as costas. Até que por fim se permitiu procurar seus seios. Quando os tocou, ela se apertou 
contra ele e lançou um gemido, e esse som doce quase fez com que Zack se perdesse; todo o seu 
corpo começou a palpitar enquanto com os dedos explorava cada centímetro de seios e mamilos, os 
lábios presos aos dela, a língua explorando, faminta. 
Para Julie , o que ele estava fazendo era como estar aprisionada dentro de um casulo de uma 
sensualidade perigosa e apavorante, onde ela não tinha nenhuma possibilidade de controle sobre 
nada. Nem sobre si mesma. Sob a exploração dos dedos largos de Zack seu seios começavam a 
arder; contra sua vontade, seu corpo inflamado se amoldava aos endurecidos contornos do dele; e 
seus lábios entreabertos davam as boas vindas a constante invasão de sua língua. 
Zack sentiu quando ela enterrou os dedos no cabelo suave de sua nuca. 
— Deus, como é doce! — sussurrou enquanto pegava os mamilos entre seus dedos, para 
obrigá-los a endurecer e a dar prazer— . Pequena — murmurou com voz rouca— , é tão endiabra-
damente bonita...! 
Talvez fosse o termo carinhoso que utilizou — um que estava segura de haver ouvido ele 
usar em um filme — ou possivelmente foi seu uso ridículo da palavra bonita o que quebrou o feitiço 
sensual que a tinha prendido, mas Julie tomou consciência de que o tinha visto interpretar essa 
mesma cena dúzias de vezes, com dúzias de atrizes verdadeiramente bonitas. Só que nesse mo-
mento, era sua pele a que explorava com tanta prática e segurança. 
— Basta! — advertiu com tom agudo. Liberou-se dos braços de Zack, afastou-o de um em-
purrão e baixou o suéter. Durante um instante, ele permaneceu imóvel, respirando fundo, com os 
braços caídos nos lados, completamente desorientado. Julie estava ruborizada pelo desejo, um de-
sejo que ainda resplandecia em seus olhos gloriosos, mas dava a sensação de que queria correr pa-
ra a porta. Com suavidade, como se se dirigisse a um potro espantado, Zack perguntou: 
— O que acontece, pequena...? 
— Não siga com isso! — explodiu ela— . Eu não sou sua "pequena"; essa foi outra mulher 
que interpretava com você outra cena parecida com esta. Não quero ouvir você me chamar assim. 
 
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Tampouco quero que me diga que sou bonita. 
Zack sacudiu a cabeça. Embora tarde, deu-se conta de que Julie respirava entrecortadamen-
te e o observava como se esperasse que saltasse em cima dela, arrancasse suas roupa e a violasse. 
Então que falou com muito cuidado e em voz muito baixa. 
— Tem medo de mim, Julie ? 
— É obvio que não! — respondeu ela com tom cortante, mas assim que disse soube que era 
mentira. Quando o beijo começou, advertiu instintivamente que, de algum jeito, para Zack, beijá-la 
representava uma forma de limpar-se, e quis brindar-lhe. Mas agora que seu coração se agarrava a 
esse beijo e exigia que desse mais, muito mais, estava aterrorizada. Porque isso era o que ela queria 
fazer. Queria sentir as mãos de Zack sobre sua pele nua, e seu corpo introduzindo-se no dela. Du-
rante os instantes em que permaneceu em silêncio, ele sem dúvida tinha substituído a paixão pela 
irritação, porque quando falou, sua voz já não era suave nem bondosa, a não ser fria, cortante e du-
ra. 
— Se não tiver medo de mim, o que a está incomodando? Ou será que pode dar um pouco 
de compreensão a um condenado, mas não quer tê-lo muito perto? É isso? 
Julie teve vontades de bater no piso com o pé ante a falta de lógica de Zack e sua própria es-
tupidez ao ter permitido que as coisas chegassem tão longe. 
— Não se trata de que tenha nojo de você, se a isso refere. 
Ele adotou uma atitude de aborrecimento. 
— E então o que é, se posso perguntar? 
— Não deveria precisar perguntar! — respondeu ela, tirando o cabelo da frente dos olhos en-
quanto olhava desesperada ao seu redor, procurando algo que fazer, uma maneira de restaurar a 
ordem em um mundo que, de repente, encontrava-se alarmantemente fora de seu controle — Não 
sou um animal — começou a dizer. De repente seu olhar se posou em um quadro que estava torcido, 
e se apressou a endireitá-lo. 
— E acha que eu sou? Um animal? É isso? 
Presa por suas perguntas e suas proximidade, Julie olhou por sobre o ombro e viu um almo-
fadão no piso. 
— Acho — disse enquanto se encaminhava para o almofadão— , que é um homem que du-
rante cinco anos esteve trancado e longe das mulheres. 
— Isso é verdade. Sou. E daí? 
Julie colocou o almofadão em ângulo reto contra o sofá e começou a se sentir mais controla-
da, agora que havia posto certa distancia entre ambos. 
— De maneira que — explicou, e até conseguiu lhe dirigir uma risadinha por cima do sofá — 
entendo que para você qualquer mulher deve ser... — Zack franziu a sobrancelha e ela começou a 
endireitar apressadamente o resto dos almofadões, mas perseverou em suas explicações. — Para 
você, depois de estar tanto tempo na cadeia, qualquer mulher deve ser como um... um banquete pa-
ra um homem esfomeado. Qualquer mulher — enfatizou— : Quer dizer, não me importou deixar que 
me beijasse se isso lhe fazia sentir, bom... melhor. 
Zack se sentia humilhado e o enfurecia descobrir que Julie o considerava um animal a quem 
atirava migalhas de sentimentos humanos, um mendigo faminto de sexo a quem, a contra gosto, es-
tava disposta a conceder um beijo. 
 
 125 
— Quanta nobreza, senhorita Mathison ! — zombou-se, ignorando a palidez de Julie quando 
seguiu dizendo com deliberada crueldade:— sacrificou duas vezes sua preciosa pessoa por mim. 
Mas, contrariamente ao que pensa, até um animal como eu é capaz de conter-se e de discriminar. 
Em síntese, Julie , talvez considere que é um "banquete", mas para este homem, por esfomeado de 
sexo que esteja, é completamente resistível. 
Em seu atual estado de agitação, para Julie essa fúria volátil, mas tangível, era apavorante e 
incompreensível. 
Retrocedeu, envolvendo o corpo com os braços, para tratar de defender-se de quantas feri-
das Zack infligia em suas emoções em carne viva. 
Zack leu cada uma de suas reações nesses olhos expressivos, e satisfeito de haver feito o 
maior mal possível, girou sobre seus calcanhares e se encaminhou ao gabinete que havia junto a te-
levisão, onde começou a revisar os nomes dos filmes gravados que continha. 
Julie soube que acabava de ser descartada como um lenço de papel usado e sumariamente 
despedida, mas seu orgulho se rebelou ante a possibilidade de arrastar-se a seu quarto como um 
coelho ferido. Recusava-se a derramar uma única lágrima e a demonstrar emoção. encaminhou-se 
até a mesa e começou a endireitar as revistas que a cobriam. A gélida ordem de Zack a obrigou a 
erguer-se, assombrada. 
— Vá para a cama! E de todos os modos, o que é? uma espécie de dona-de-casa compulsi-
va? 
As revistascaíram ao piso e o olhou jogando faíscas pelos olhos, mas obedeceu. 
Pela extremidade do olho, Zack a observou retirar-se, notando o queixo orgulhosamente ele-
vado e a graça de seu passo. Mas, com a habilidade que tinha aperfeiçoado dos dezoito anos, vol-
tou-se e descartou por completo Julie Mathison de seus pensamentos. Em troca se concentrou no 
relatório jornalístico de Tom Brokaw que Julie tinha interrompido com sua explosão de irritação. Zack 
teria jurado que enquanto tratava de consolá-la, Brokaw havia dito algo sobre Dominic Sandini. Insta-
lou-se no sofá e franziu a sobrancelha. Seria bom se tivesse podido ouvir exatamente o que era! Mas 
duas horas depois haveria outro noticiário, ou pelo menos a recapitulação das notícias do dia. Zack 
apoiou os pés sobre a mesa, recostou as costas contra o encosto do sofá e decidiu esperar. Lem-
brou do rosto de Sandini com seu sorriso travesso e sorriu. 
Em todos esses anos, havia só dois homens a quem tinha chegado a considerar verdadeiros 
amigos. Matt Farrell, e o outro, Dominic Sandini. O sorriso de Zack cresceu ao considerar o quanto 
eram diferentes. Matt Farrell era um magnata de fama mundial; a amizade entre ele e Zack se apoia-
va em interesses comuns e em um profundo respeito mútuo. 
Dominic Sandini era uma trombadinha que não tinha nada em comum com Zack, e Zack não 
tinha feito nada para ganhar seu respeito e sua lealdade. E entretanto, Sandini as brindou, livremente 
e sem reservas. Quebrou o muro do isolamento de Zack com brincadeiras tolas e com contos gracio-
sos sobre sua família numerosa e pouco convencional. Depois, e sem que Zack se desse conta, com 
toda intenção Sandini o incluiu em sua família. 
Tal como esperava, justo antes de meia-noite, voltaram a passar a reportagem de Brokaw, 
junto com um breve vídeo que Zack tinha visto mais cedo. O vídeo mostrava a Dom, com as mãos 
detrás da cabeça, algemado, no momento em que o colocavam aos empurrões no assento traseiro 
de um carro patrulheiro de Amarillo, uma hora depois da fuga do Zack. Mas o que o fez franzir o ce-
nho foram as palavras do jornalista. "Dominic Sandini, de trinta anos, o segundo sentenciado que 
tentou fugir, foi recapturado depois de uma breve topada com a polícia. Foi transferido à Penitenciá-
ria Estatal de Amarillo, para ser interrogado. Ali compartilhou uma cela com Benedict, que segue 
 
 126 
sendo um fugitivo. O diretor da Penitenciária, Wayne Hadley, descreveu Sandini como um homem 
extremamente perigoso." Zack se inclinou para olhar com atenção a tela do televisor. Sentiu um alí-
vio ao comprovar que Dom não parecia ter sido maltratado pela polícia de Amarillo. E entretanto, o 
que se dizia a respeito dele não tinha sentido. 
O jornalismo e Hadley deveriam estar tratando a Dom como um herói, um condenado refor-
mado que deu o alarme ante a fuga de um companheiro. No dia anterior, quando os noticiários se 
referiam a Dom como "o segundo preso que tentou fugir", Zack supôs que se tratava de um engano, 
que ainda não tinham tido a oportunidade de entrevistar Hadley para uma idéia exata dos fatos. Mas 
já tinham esperado tempo mais que suficiente e sem dúvida entrevistaram diretor da cadeia. Entre-
tanto, Hadley descrevia Sandini como perigoso. Por que diabos faria isso, perguntou-se Zack, se de-
veria estar recebendo os elogios da sociedade ante a comprovação de que um dos presos em quem 
depositou sua confiança demonstrou ser digno dela? 
A resposta era impensável, inacreditável: Hadley não acreditou na história de Dominic. Não, 
isso era impossível, pensou Zack, porque ele se assegurou de que o álibi de Dom fosse seguro. 
O que só deixava outra possibilidade: que Hadley tivesse acreditado na história de Dom, mas 
estivesse muito enfurecido pela fuga de Zack para deixar que Sadini ficasse sem castigo. Zack não 
tinha contado com isso; supôs que o ego gigantesco de Hadley o levaria a elogiar Dom, sobre tudo 
considerando a atenção que o caso tinha despertado na imprensa. Nunca imaginou que a maldade 
dr Hadley poderia mais que seu ego ou seu sentido comum, mas se assim era, os métodos que 
Hadley chegasse a colocar em prática para vingar-se em Dom seriam apavorantes e brutais. Na pri-
são corriam as histórias mais espantosas de castigos físicos, alguns deles fatais, que tinham tido lu-
gar na infame sala de conferências de Hadley, com a ajuda de vários de seus guardas preferidos. A 
desculpa pelos corpos feridos e cheios de machucados que depois chegavam à enfermaria ou ao 
necrotério da cadeia, era sempre "danos sofridos pelo prisioneiro durante uma tentativa de fuga". 
O alarme de Zack se converteu em pânico quando antes de terminar o noticiário, o locutor in-
formou: "Temos uma notícia de último momento, referente à fuga de Benedict-Sandini da cadeia es-
tadual. Segundo a declaração dada a publicidade faz uma hora pelo diretor do presídio de Amarillo, 
Domínio Sandini fez uma segunda tentativa de fuga enquanto era interrogado a respeito de sua res-
ponsabilidade na fuga de Benedict. Três guardas sofreram lesões antes de que Sandini pudesse ser 
recapturado e submetido. O prisioneiro foi conduzido à enfermaria da cadeia, onde se informa que 
seu estado é crítico. Ainda não pudemos obter detalhes a respeito da natureza e gravidade de suas 
lesões." 
Zack ficou petrificado de espanto e fúria, seu estômago se embrulhou e jogou a cabeça para 
trás para não vomitar. Ficou com o olhar cravado no teto, tragando convulsivamente, enquanto re-
cordava a face sorridente e as brincadeiras tolas de Dominic. 
O locutor continuou falando, mas ele nem o escutou. 
"Confirmaram-se rumores de um levantamento dos detentos da Penitenciária Estatal de Ama-
rillo, e se informa que Ann Richards, governadora do Texas, está considerando a possibilidade de 
que, se ser necessário, intervenha a Guarda Nacional. Pelo visto, aproveitando a atenção que os 
meios colocaram na fuga de Benedict-Sandini, os prisioneiros da cadeia de Amarillo protestam pelo 
que denominam desnecessária crueldade por parte de certos funcionários e empregados, pelas más 
condições de vida e a péssima comida da prisão." 
Muito depois de que a estação de televisão deixou de transmitir, Zack permanecia onde esta-
va, tão atormentado e desesperado que não conseguia reunir as forças necessárias para se levantar 
do sofá. A decisão de escapar e sobreviver que o manteve lúcido durante os últimos cinco anos pou-
co a pouco ia se esfumando. Tinha a sensação de que a morte sempre tinha estado a seu lado ou 
 
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acossando-o por atrás, e de repente se sentiu cansado de fugir dela. Primeiro morreram seus pais, 
depois seu irmão, logo seu avô e por último sua mulher. Se Sandini chegava a morrer, o único culpa-
do seria ele. Zack teve a sensação de que sobre ele pesava uma espécie de maldição macabra que 
condenava a todos seus seres queridos a uma morte prematura. Mas apesar de seu desespero, deu-
se conta de que esses pensamentos eram perigosos, desequilibrados e insanos. Sentiu que os laços 
que o atavam à sensatez estavam se convertendo em algo muito, muito frágil. 
 
 128 
Capitulo 25 
 
Enquanto sustentava em uma mão o pequeno atado de roupa que acabava de tirar da seca-
dora, Julie cruzou a sala deserta, descalça e com o cabelo recém lavado, rumo ao quarto onde tinha 
passado uma noite de insônia. Eram onze da manhã e, a julgar pelo som da água, supôs que Zack 
também se levantou tarde e que nesse momento estava tomando banho. 
Entrecerrou os olhos para lutar contra a dor de cabeça, e cumpriu com o ritual de secar o ca-
belo. Depois o escovou e colocou os jeans e o suéter do dia de sua viagem a Amarillo. Tinha a sen-
sação de que desde essa manhã, três dias antes, tinham transcorrido semanas, porque essa foi a 
última vez em que tudo parecia normal. Em troca, nesse momento já nada era normal, e menos que 
nada eram seus sentimentos a respeito de si mesma. Foi tomada como refém por um prisioneiro, um 
acontecimento

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