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Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. UNIDADE I MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE: A EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM CONTEXTO Prof.ª Me. Rebeca Muceniecks OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM O objetivo desta unidade é possibilitar ao acadêmico a compreensão de que para refletir sobre educação ambiental é necessário analisar primeiramente o contexto no qual esta educação está inserida. Vivemos em uma sociedade específica, com um modo de produção e um modelo de desenvolvimento próprio, que precisam ser considerados em nosso estudo. Plano de Estudo Serão estudados nesta unidade os seguintes tópicos: 1. Conceitos importantes para o estudo da Educação Ambiental. 2. Sociedade capitalista e meio ambiente: uma relação problemática. 3. Modelos de desenvolvimento. 4. As três globalizações. Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. CONVERSA INICIAL A preocupação com as atitudes que as pessoas têm em sua relação com o meio ambiente aumentou nas últimas décadas, alterando o padrão de comportamento e criando um ideal “politicamente correto” de como devemos agir para preservar a natureza e melhorar nossa relação com o planeta em que vivemos. Separar o lixo, não desperdiçar água, preferir produtos orgânicos, entre outros, são ações que passaram a ter uma valorização social e podem definir se uma pessoa é considerada “consciente” ou “negligente” em suas responsabilidades como cidadão. Diariamente observamos na mídia, o incentivo para a adoção de uma vida mais saudável e em harmonia com o meio ambiente, o estímulo para a mudança de hábitos e práticas que há apenas duas ou três décadas, não eram tão valorizados assim. O que será que mudou nas últimas décadas para que tais ações passassem a ter mais importância do que antes? Por que é mais grave poluir um rio hoje do que era na década de 1970? Será que na década de 1980 não era importante reduzir o montante de lixo produzido? A emissão de gases tóxicos na atmosfera não era prejudicial ao planeta, trinta anos atrás? As pessoas passaram a ter conhecimentos mais profundos sobre o lugar onde vivem ou mudaram seu comportamento por influência da mídia? Para responder a estes questionamentos, é necessário que nós conheçamos a nossa sociedade e as mudanças pelas quais ela tem passado. É preciso que nós aprendamos a identificar os diversos sujeitos que atuam na sociedade (governos, grandes bancos, empresas multinacionais, movimentos sociais, sindicatos, grupos da sociedade civil organizada, entre outros), para assim entender que os rumos que a sociedade toma são resultado do embate entre os interesses destes diversos sujeitos. Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. 1. CONCEITOS IMPORTANTES PARA O ESTUDO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL As sociedades e as pessoas que dela fazem parte estão sempre em transformação. Às vezes, a dinâmica estabelecida pelos homens em suas relações sociais contribui para a manutenção da ordem existente, enquanto, em outros momentos, busca sua superação. Os homens organizam sua vida de modo que possam satisfazer suas necessidades básicas, como se alimentar, ter o que vestir e onde morar. A forma como produzem para atender essas necessidades é o que caracteriza cada sociedade. Nossa sociedade é organizada pelo que chamamos de “modo de produção” capitalista. Você sabe o que é uma sociedade capitalista? É uma sociedade dividida em classes, baseada na apropriação privada dos meios de produção (ferramentas, local de produção, matéria-prima, entre outros) e organizada em torno do mercado. Os trabalhadores que não possuem os meios de produção vendem sua própria força de trabalho, para assim sobreviver. A produção é negociada e vendida pelo capitalista, mas os ganhos não são divididos com todos os que trabalharam. Para eles, uma pequena parcela é repassada em forma de salário, enquanto o grande montante fica para o dono do negócio. Nessa sociedade, tudo pode ser transformado em mercadoria, ou seja, pode gerar lucro, inclusive a educação e o meio ambiente. Para gerar lucro constante, esse sistema de produção destrói e desperdiça recursos naturais. Em uma sociedade desigual como essa, há uma disputa pela apropriação dos recursos naturais. Vamos pensar juntos: proprietários de terra julgam-se “autorizados” a usufruir dos elementos da natureza de acordo com sua vontade, o que acarreta em diversos problemas ambientais. É por isso que dizemos que a questão ambiental não é “neutra”, os seja, existem diversos interesses políticos e econômicos em jogo, quando discutimos sobre a preservação do meio ambiente. E o que seria o meio ambiente? A definição que usaremos para a continuação de nosso estudo será a de Chang (2004, p.1). De acordo com o autor, “[...] meio ambiente compreende Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. não só a biosfera, mas também a sociedade e a sua economia, onde as dinâmicas e lógicas intrínsecas de cada esfera são diferentes e frequentemente conflitam”. Essa definição nos mostra que o homem faz parte do meio ambiente e, por isso, discutir sobre ele não é apenas falar sobre a proteção de florestas, poluição da água ou preservação de espécies, mas refletir sobre as contradições sociais causadas pela concentração de riqueza de poucos contra a pobreza de muitos. Destacamos também a definição de Reigota (2012, p.36): Defino meio ambiente como: um lugar determinado e/ou percebido onde estão em relação dinâmica e em constante interação os aspectos naturais e sociais. Essas relações acarretam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e políticos de transformações da natureza e da sociedade. Ao refletir sobre o meio ambiente em nossa sociedade capitalista, alguns autores vão além e chamam o contexto de destruição ambiental de crise da humanidade: “[...] um novo tipo de crise, [...] que começou com uma situação na qual a natureza, tratada sem a menor contemplação e atacada pelo homem no marco do capitalismo, reage agora de forma brutal” (CHESNAIS, 2008, p.2). Você deve ter reparado, nas últimas três décadas, como os desastres naturais têm aumentado e se tornado incontroláveis. Tremores de terra, furacões, tornados, tsunamis, tempestades e alagamentos, cada vez mais fortes e recorrentes. O aumento destas catástrofes é identificado por pesquisas científicas e nos alertam sobre o impacto das ações da humanidade no meio ambiente. No Brasil, podemos verificar os dados apurados por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que indicam que “[...] a média de desastres ocorridos na década de 70 foi de 90 eventos por ano, saltando para mais de 260 eventos na década de 90” (MARCELINO, 2007, p.10). A pesquisa aponta como principais fatores para este considerável aumento: crescimento populacional, aumento dos bolsões de pobreza e acumulação de capital em áreas de risco. Ou seja, a ação do homem está diretamente ligada a esses eventos. Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. 2. SOCIEDADE CAPITALISTA E MEIO AMBIENTE: UMA RELAÇÃO PROBLEMÁTICA A educação deve ser concebida, em cada sociedade, para atender interesses sociais e individuais ao mesmo tempo. Para que a dinâmica social não seja excludente, a combinação desses interesses deve ser o ponto de partida para a elaboração dos conteúdos de ensino, das práticas pedagógicas e da relação da escola com a comunidade (SANTOS, 1999, p.1). Ofilósofo húngaro Mészaros (2007, p.7) explica que no capitalismo não é isso o que ocorre. De acordo com ele, a educação tem servido para fornecer conhecimento e mão de obra para a produção. A educação capitalista cria e propaga “[...] um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhum tipo de alternativa à gestão da sociedade [...]”. O que isso significa? Significa que uma das principais funções da educação, dentro da lógica do capital, é produzir o máximo de conformidade ou consenso que puder, para garantir a manutenção da ordem posta. Essa conformidade também se estende às práticas ambientais. Na década de 1970, o capitalismo mundial enfrentou uma grave crise. Para superar essa crise e manter-se como forma de organização da sociedade, ele precisou se reestruturar. Para isso, houve um grande incentivo para a aceleração do desenvolvimento de novas pesquisas e tecnologias, em uma velocidade e proporção que antes não eram conhecidas. As áreas das telecomunicações e da informática podem nos mostrar como esse avanço foi evidente: hoje você tem a possibilidade de estudar em uma modalidade conhecida como “educação à distância”, pois existe uma tecnologia que permite a interação entre alunos, tutores e professores, mesmo que estes estejam em tempos e lugares diferentes. As barreiras causadas pela distância e pelas fronteiras entre os países passaram a ser derrubadas! Esses avanços permitiram às indústrias mudar a forma de produzir, pois, com o uso de novas tecnologias, todo o processo podia ser feito de maneira mais rápida e eficiente. Outra consequência desse progresso foi a integração Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. econômica: as economias dos diversos países do mundo ficaram interligadas de tal maneira que, quando uma delas entra em crise, todas as outras podem ser afetadas. Também faz parte desse novo momento do capitalismo a desregulamentação do comércio entre os países, a liberdade de movimento para mercadorias e a superação, pelo menos teórica, das fronteiras nacionais para as pessoas. Ou seja, esse processo é o fenômeno que conhecemos popularmente como globalização. Para Santos (2005, p.23), “a globalização é, de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista” e só pode ser compreendida na análise articulada do estado das técnicas disponíveis e do estado da política. O autor afirma que o uso das técnicas (da tecnologia) está sempre interligado ao uso político que se faz das mesmas. A evolução técnica-científica alcançada nas últimas décadas poderia permitir que as pessoas ampliassem seu acesso ao conhecimento produzido historicamente em relação ao planeta, ao meio ambiente, às sociedades existentes, às pessoas que compõem cada realidade. Entretanto, a simples difusão de notícias não informa realmente as pessoas. Explicando melhor: boa parte das pessoas da atualidade tem acesso à internet, aos noticiários e outras mídias que trazem uma gama enorme de informações e causam a sensação de que estamos “conectados”, “antenados”. Entretanto, os meios de informação são propriedade privada, o que faz com que as informações também sejam propriedade privada. As empresas e Estados que se apropriam dos meios de informação têm o poder de selecionar e manipular os dados que alcançam a população, alterando o imperativo de “informar” para “convencer”. Que fique claro que o progresso da ciência não é a razão para o crescente distanciamento entre ricos e pobres! Ao contrário, o aumento da concentração de riqueza nas mãos de pequena parcela da população mundial reforça o argumento anteriormente defendido de que o uso das técnicas (da tecnologia) nunca ocorre separado de intenção e ação política (SANTOS, 2005). De acordo com Santos (1999, p.3), a realidade da globalização em curso coloca em risco os princípios fundamentais da educação, substituindo-os por Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. propostas que valorizam a profissionalização precoce e a fragmentação da formação. Para o autor, as noções clássicas de democracia, cidadania, república e individualidade “[...] constituem matéria predileta do marketing político, mas, graças a um jogo de espelhos, apenas comparecem como retórica, enquanto são outros os valores da nova ética [...]”. Este autor está nos explicando que, para manter a ordem existente, que privilegia uma parte da população em detrimento de todo o restante, as forças políticas que mantêm o capitalismo fazem uso de palavras esvaziadas de seu real significado. Palavras que nos fazem pensar em uma sociedade igualitária, porém, utilizadas apenas para o convencimento de que a ordem posta pode ser eficiente e justa. Nas últimas quatro décadas, o uso do conjunto de tecnologias avançadas pelos atores hegemônicos da sociedade capitalista (os governos dos países centrais, as grandes multinacionais e bancos de financiamento), demonstra a utilização predatória do meio ambiente e a interferência contínua sobre a natureza, visando o progresso e indicando o risco real de um esgotamento ambiental. De acordo com o economista francês Chesnais (2001), os grandes grupos industriais se interessam pelos países em desenvolvimento por três motivos específicos. O primeiro foco de interesse é fazer uso do mercado interno de alguns desses países. O segundo interesse é o de conseguir mão de obra de base, disciplinada e qualificada, em países que muitas vezes não possuem uma legislação trabalhista consolidada. Sem as exigências legais, não terão que se preocupar com direitos e investimentos na condição de vida da população – é a famosa mão de obra barata. O terceiro motivo para o interesse de grupos industriais nos países em desenvolvimento é o fornecimento de matérias-primas, ainda que os países ricos tenham diminuído o grau de dependência desse provimento mediante a utilização de recursos tecnológicos. Novos materiais são criados em laboratórios como produto da inteligência humana, permitindo que os homens utilizem não apenas o que está disponível na natureza, mas, como afirma Santos (2005), primeiro concebam os objetos que desejam usar, para depois produzir artificialmente a matéria-prima indispensável a sua fabricação. Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. Em resumo, o que explicamos até aqui é que, além dos efeitos nefastos do capitalismo para a classe trabalhadora e para a grande maioria da população, esse modo de produção promove a depredação dos recursos naturais e a poluição industrial, pois visa sempre o lucro. Foster (2007) é um sociólogo que busca entender as relações entre sociedade e meio ambiente. Este autor aponta que a relação destrutiva que existe entre o capitalismo e o ambiente não foi identificada somente agora, mas é discutida por analistas da sociedade desde o início do século XIX. Estes estudiosos evidenciavam como as mudanças no modo de produção transformavam a relação da humanidade com a natureza. Sobre a relação entre a humanidade e a natureza, Foster (2007) destaca a concepção trazida de Karl Marx (1848-1883), chamada de fratura metabólica. Esta concepção sugere que a lógica do capital, de sucessiva acumulação, resultaria em uma ruptura no metabolismo entre a sociedade e a natureza. Marx desenvolveu esse conceito a partir da ciência biológica, influenciado pelo trabalho de Liebig (1803-1873), um importante químico da sua época, que analisava a contradição ecológica da agricultura capitalista industrializada, em que as condições naturais de reprodução do solo eram destruídas. Como resultado dessa reflexão, Marx aplicou oconceito de metabolismo para a análise das relações socioecológicas, destacando que toda vida se baseia em processos metabólicos entre os organismos e seu ambiente. Foladori (2001, p.2) explica que este conceito marxiano de “metabolismo social” é central para o materialismo histórico: Marx entende por metabolismo social, o processo por meio do qual a sociedade humana transforma a natureza externa e, ao fazê-lo, transforma sua natureza interna. A ação de transformar a natureza externa constitui o processo de trabalho, e seu efeito sobre a natureza interna se manifesta na forma como se estabelecem as relações sociais de produção. A afirmação acima pode ser encontrada também no seguinte trecho: “O trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, [...] em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza” (MARX, 1985, p.149). A ruptura metabólica, ou seja, a separação Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. entre o homem e a natureza, produz o que chamamos de alienação, pois o homem perde o acesso aos recursos naturais necessários para garantir a sua reprodução. Foster (2007, p.11) adverte que o princípio da fratura metabólica é complexo e tem uma aplicação muito ampla, entretanto, ressalta a necessidade de uma restauração metabólica, ou seja, de uma restauração da natureza, por meio de uma produção sustentável, diferente da existente no modo de produção capitalista. “A única resposta para a destruição ecológica do capitalismo é revolucionar as nossas relações produtivas de uma forma que permita uma restauração metabólica”. Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. 3. MODELOS DE DESENVOLVIMENTO Essas constatações sobre o sistema de organização da sociedade capitalista nos levam à reflexão sobre o modelo de desenvolvimento que vem sendo colocado em prática nas últimas décadas, com ampla participação das empresas multinacionais, de alguns governos e de agências internacionais. Para compreendermos o modelo de desenvolvimento atual, vamos primeiramente pensar: o que significa o vocábulo “desenvolvimento”? O dicionário Silveira Bueno (1988) define o termo, de uma maneira muito simplista, da seguinte forma: 1. “Ação ou efeito de desenvolver”; 2. “Crescimento”. O termo “desenvolvimento” constantemente tem seu significado entendido como equivalente a “crescimento econômico”, isto é, crescimento dos meios de produção, aumento da produtividade, evolução das tecnologias e maior acúmulo de riquezas. Said (2005) alega que essa é uma interpretação equivocada, pois confunde desenvolvimento com modernidade e progresso. Se o conceito de desenvolvimento corresponde à ideia de progresso, este termo, por sua vez, é compreendido como sinônimo de dominação da natureza. Nessa perspectiva, ser desenvolvido é ser tudo aquilo que se afasta da natureza para evidenciar os constructos humanos, como a valorização do urbano, do industrializado e a banalização do campo. Quanto maior fosse a capacidade de uma sociedade de dominar a natureza, fazendo uso irrestrito de seus recursos, mais desenvolvida ela seria (PORTO-GONÇALVES, 2006). A partir do século XVIII, a concepção de progresso está de tal forma arraigada no pensamento das pessoas, sendo constantemente assimilada como desenvolvimento, que não apenas os que defendem o padrão de produção e consumo capitalista assumem esse conceito. Os opositores do capital também fizeram esta relação por muito tempo. Porto-Gonçalves (2006) considera que a tendência de igualar desenvolvimento e progresso está presente de modo a compor um projeto civilizatório, tanto por defensores dos princípios mercadológicos quanto por aqueles que se Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. denominam socialistas: Um socialismo que também permanecia produtivista, com sua ideia de oferecer para todos aquilo que o capitalismo oferecia somente para alguns. É conhecida a proposta do secretário geral do Partido Comunista Francês, Georges Marchais, de que todos tinham direito ao automóvel o que, na verdade, longe do socialismo, só nos levaria todos ao congestionamento (PORTO-GONÇALVES, 2006, p.62). Esse modelo de desenvolvimento passou a ser criticado a partir da década de 1960, ao mesmo tempo em que surgiam os primeiros movimentos de defesa do meio ambiente. A criação desses grupos não foi o suficiente para que a crítica ao modelo vigente e ao padrão de consumo exagerado alcançasse sucesso junto ao grande público. As discussões sobre o subdesenvolvimento dos países mais pobres levavam as pessoas a acreditarem que somente o “desenvolvimento/progresso” traria melhores condições de vida aos desfavorecidos. Vamos tentar entender melhor essa questão? Os países mais pobres eram considerados “atrasados”, subdesenvolvidos em relação aos países centrais do sistema capitalista. A compreensão vigente era de que esses países não alcançavam a riqueza, pois precisavam se desenvolver, precisavam se modernizar, igualar seu padrão de produção e consumo aos países mais industrializados. Riqueza seria todos terem acesso a um alto padrão de consumo. Entretanto, a busca pela superação das injustiças sociais entre as pessoas e os povos não significa tornar todos iguais a um único padrão dominante, um padrão estadunidense ou europeu, por exemplo. Na sociedade capitalista, ao invés de serem produzidas as mercadorias necessárias aos seres humanos, a produção é determinada de acordo com o interesse das empresas, pela lógica da constante expansão e lucro. As pessoas são sempre incentivadas a consumir. Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. Fique por dentro A HISTÓRIA DAS COISAS: A história das coisas é um documentário produzido por Annie Leonard, que analisa os efeitos devastadores dos atuais padrões de produção e consumo na sociedade capitalista. Acesse: http://www.youtube.com/watch?v=7qFiGMSnNjw A formação de um pensamento único leva-nos a crer que existem povos atrasados e outros adiantados “[...] como se houvesse um relógio que servisse de parâmetro universal” (PORTO-GOLÇALVES, 2006, p.64). Tendo como base o pensamento aristotélico, o Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano (2007, p.252) define desenvolvimento como “movimento para o melhor”. Considerando a gravidade dos problemas ambientais e sociais que enfrentamos, deveríamos nos movimentar em qual direção para alcançar a melhor qualidade de vida para toda a população? Em direção ao consumo? Princípios de preservação, ética e solidariedade, entre outros, seriam fundamentais para a mudança do paradigma de desenvolvimento presente na sociedade capitalista, que beneficia pequena parcela da população, enquanto muitos permanecem na pobreza. http://www.youtube.com/watch?v=7qFiGMSnNjw Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. 4. AS TRÊS GLOBALIZAÇÕES Em uma das últimas obras do geógrafo Milton Santos, “Por uma outra globalização”, em que analisa o mundo contemporâneo globalizado, o autor anuncia que vivemos em um “mundo confuso e confusamente percebido” (2005, p.17). O intenso progresso das ciências e das técnicas transmite uma imagem distorcida de realidade e, se quisermos entendê-la para além das aparências, devemos considerar três formas de apreensão da globalização. De acordo com Santos (2005, p.18) “O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: aglobalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização”. Vamos examinar melhor essas três concepções de mundo. 4.1. O mundo como nos fazem ver: a globalização como fábula O autor explica que inúmeras ideias equivocadas são repetidas incansavelmente para a população (por meio de mídias, governos, empresas, ONGs, etc.), até o ponto em que estas informações passam a ser consideradas como base sólida e verdadeira para a interpretação do mundo. Vamos citar dois exemplos: o primeiro é a noção de aldeia global, que quer fazer crer que a difusão instantânea de notícias informa as pessoas verdadeiramente. Essa noção não pode ser aceita sem considerarmos que os veículos de comunicação são propriedade privada e estão nas mãos poucos grupos empresariais. Moraes (2013, s/p) apresenta números, no mínimo, alarmantes: Os quatro maiores conglomerados de mídia latino-americanos – Globo do Brasil; Televisa do México; Cisneros da Venezuela; e Clarín da Argentina –, juntos, retêm 60% do faturamento total dos mercados latino-americanos. Para se ter uma ideia dos níveis recordes de concentração, basta saber que Clarín controla 31% da circulação dos jornais, 40,5% da receita da TV aberta e 23,2% da TV paga; Globo responde por 16,2% da mídia impressa, 54% da TV aberta e 44% da TV paga; Televisa e TV Azteca formam um duopólio, acumulando 69% e 31,37% da TV aberta, respectivamente. No Brasil, é aguda a Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. concentração na televisão aberta. De acordo com levantamento do projeto Os Donos da Mídia, seis redes privadas (Globo, SBT, Record, Band, Rede TV e CNT) dominam o mercado de televisão no Brasil. Essas redes privadas controlam, em conjunto, 138 dos 668 veículos existentes (TVs, rádios e jornais) e 92% da audiência televisiva. A Globo, além de metade da audiência, segue com ampla supremacia na captação de verbas publicitárias e patrocínios. Outra noção confusa é a da superação das barreiras de tempo e espaço. Todos estão interligados e o mundo está ao alcance das mãos. Mas será que todos podem realmente viajar o mundo todo? Todos têm acesso aos benefícios dessa nova forma de se relacionar das nações? O que podemos identificar é que as barreiras caíram sim, mas principalmente para os conglomerados empresariais, que podem livremente escolher os países em que querem estabelecer suas unidades de produção. Quais países? Aqueles que possuem leis trabalhistas, fiscais e ambientais frágeis, em que estarão autorizados a explorar bens naturais e mão de obra barata. Uma empresa internacional de grande porte, como a Boeing, por exemplo, utiliza para a construção de seus potentes aviões cerca de 7500 fornecedores localizados em 73 países diferentes. Para termos um exemplo brasileiro, destacamos a empresa têxtil Hering, que conta com pelo menos 4000 fornecedores de países como China, Índia, Bangladesh, Indonésia, Tailândia, Vietnã, Uruguai, Peru e Taiwan. 4.2. O mundo como é: a globalização como perversidade O resultado real da globalização, para a maior parte da humanidade, é o de perversidade nas mais variadas formas: desemprego, pobreza, fome, doença e desabrigo. Segue o paradoxo: é a concentração de riqueza de uns à custa da pobreza de muitos; desenvolvimento de tecnologias avançadas para a construção de habitações, mas que não são disponibilizadas ao grande público; avanços médicos que permanecem inacessíveis aos doentes que não podem pagar. Para completar o quadro da perversidade, há a adesão de comportamentos competitivos: “alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como os egoísmos, cinismos, a corrupção (SANTOS, 2005, p. 20)”. http://www.donosdamidia.com.br/ Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. Reflita “Tirania do dinheiro e tirania da informação são os pilares da produção da história atual do capitalismo globalizado. Sem o controle dos espíritos seria impossível a regulação pelas finanças” (SANTOS, 2005, p. 35). 4.3. O mundo como pode ser: uma outra globalização A tecnologia produzida e utilizada para sustentar a globalização perversa pode ser utilizada para outros fins, em prol da humanidade como um todo e essa seria uma nova forma de globalização. Santos (2005) enumera alguns fatos que indicam a possibilidade dessa construção coletiva e, entre eles, destacamos a enorme mistura de povos, culturas e crenças em todos os continentes. Há uma grande concentração de pessoas vivendo em áreas cada vez menores, essa condição contribui para uma troca contínua de experiências e crescente dinamismo social. Santos (2005) chama esse fenômeno de sociodiversidade e o aponta como um motor de mudanças sociais. A nova paisagem social resultaria do abandono e da superação do modelo atual e sua substituição por um outro, capaz de garantir para o maior número a satisfação das necessidades essenciais a uma vida humana digna, relegando a uma posição secundária necessidades fabricadas, impostas por meio da publicidade e do consumo conspícuo (SANTOS, 2005, p.72). A intensa difusão de informações pelos meios de comunicação, que contribuem para a formação de um pensamento único e submisso ao sistema estabelecido, também pode servir de ferramenta para o desenvolvimento de um novo pensamento, que reverte os efeitos destruidores da globalização atual. Das grandes massas oprimidas podem surgir movimentos de resistência que se alastrem e alcancem cada vez porções maiores da sociedade. Apenas com esse movimento e interação será possível pensar em uma outra globalização. Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. Indicação de leitura A GLOBALIZAÇÃO DA NATUREZA E A NATUREZA DA GLOBALIZAÇÃO Autor: Carlos Walter Porto-Gonçalves Idioma: Português Editora: Civilização Brasileira Assunto: Globalização Edição: 1ª Ano: 2006 Resumo: A devastação ambiental e suas consequências para a humanidade vêm sendo amplamente estudadas por todos aqueles interessados na preservação do planeta. Nesta obra, Carlos Walter pretende discutir a natureza do processo de globalização e as contradições que ele gera no campo ambiental. Fonte: LIVRARIA MUNDO DA LEITURA, 2017 POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO: DO PENSAMENTO ÚNICO À CONSCIÊNCIA UNIVERSAL Autor: Milton Santos Idioma: Português Editora: Record Assunto: Globalização Edição: 12 Ano: 2005 Resumo: Nesta obra, o geógrafo Milton Santos defende a idéia de que é preciso uma nova interpretação do mundo contemporâneo, uma análise multidisciplinar, que tenha condições de destacar a ideologia na produção da história, além de mostrar os limites do seu discurso frente à realidade vivida pela maioria dos países do mundo. A proposta deste livro é levar uma mensagem de esperança na construção de um novo universalismo, menos excludente. Fonte: RECORD, 2017 Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. CONCLUSÃO Para finalizar esta primeira unidade de estudo, precisamos salientar que os problemas ambientais foram histórica e socialmente construídos. A noção de valor que a humanidade tem do meio ambiente representa a relação existente entre os homens na sociedade: é uma relação caracterizada pela dominação, do homem sobre outros homens e do homem sobre a natureza. A educação é uma ferramenta estratégica para o alcance dos objetivos da classe dominante e para a formação de bases consensuais, por isso ela é utilizada pelas agências internacionais e governosnacionais para garantir a manutenção do sistema. Em contrapartida, a educação – bem como a educação ambiental – é ferramenta para a conscientização e superação das graves contradições sociais que enfrentamos. Consideramos ser necessária a construção de uma política nacional de Educação Ambiental, uma política que contemple a luta daqueles que atuam na elaboração de alternativas ao modelo de desenvolvimento estabelecido. A educação ambiental pode e deve ser utilizada como uma das chaves para a transformação social, para a superação das relações de dominação e depredação. Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. REFERÊNCIAS CHANG, Man Yu. A economia Ambiental. In: Abordagens econômicas da questão ambiental atual (curso). Curitiba: IAP /SEMA, 2004. CHESNAIS, François. Crise vem por a nu os limites históricos do sistema capitalista. O comuneiro (Revista Eletrônica). n.7, set. 2008. Disponível em: <http://www.ocomuneiro.com/nr7_02_francoischesnais.html> Acesso em nov. 2013. CHESNAIS, François. Mundialização: o capital financeiro no comando. Revista Outubro. São Paulo, n.5, p.7-28,out. 2001. Desenvolvimento. ABBAGNONI, Nicola. Dicionário de filosofia. 5. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. pp.252-253. FOLADORI, Guilhermo. O metabolismo com a natureza. Revista Crítica Marxista, Campinas, n.12, 2001a. p.105-117. Disponível em: <http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/05folad.pdf>. Acesso em dez. 2013. FOSTER, John Bellamy. A ecologia da destruição. 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