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História Moderna - UniCesumar

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HISTÓRIA 
MODERNA
PROFESSORAS
Dra. Verônica Karina Ipólito
Me. Vivian Fernandes Carvalho de Almeida
ACESSE AQUI 
O SEU LIVRO 
NA VERSÃO 
DIGITAL!
https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/2347
EXPEDIENTE
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. 
Núcleo de Educação a Distância. IPÓLITO, Verônica Karina; AL-
MEIDA, Vivian Fernandes Carvalho de.
História Moderna. 
Verônica Karina Ipólito; Vivian Fernandes Carvalho de Almeida.
Maringá - PR.: UniCesumar, 2020. Reimpresso em 2023. 
248 p.
“Graduação - EaD”. 
1. História 2. Moderna 3. Ciências Humanas. EaD. I. Título. 
FICHA CATALOGRÁFICA
NEAD - Núcleo de Educação a Distância
Av. Guedner, 1610, Bloco 4Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná
www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 
Coordenador(a) de Conteúdo 
Priscilla Campiolo Manesco Paixão
Projeto Gráfico e Capa
Arthur Cantareli, Jhonny Coelho
e Thayla Guimarães
Editoração
Flávia Thaís Pedroso
Design Educacional
Rossana Costa Giani
Revisão Textual
Carla Cristina Farinha
Ilustração
Welington Vainer
Fotos
Shutterstock CDD - 22 ed. 907.9 
CIP - NBR 12899 - AACR/2
ISBN 978-65-5615-021-5
Impresso por: 
Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679
Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Design Educacional 
Débora Leite Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo 
Spaine Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel 
Fuverki Hey Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard
NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de 
Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de 
EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi
DIREÇÃO UNICESUMAR
BOAS-VINDAS
Neste mundo globalizado e dinâmico, nós tra-
balhamos com princípios éticos e profissiona-
lismo, não somente para oferecer educação de 
qualidade, como, acima de tudo, gerar a con-
versão integral das pessoas ao conhecimento. 
Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profis-
sional, emocional e espiritual.
Assim, iniciamos a Unicesumar em 1990, com 
dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, 
temos mais de 100 mil estudantes espalhados 
em todo o Brasil, nos quatro campi presenciais 
(Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa) e 
em mais de 500 polos de educação a distância 
espalhados por todos os estados do Brasil e, 
também, no exterior, com dezenas de cursos 
de graduação e pós-graduação. Por ano, pro-
duzimos e revisamos 500 livros e distribuímos 
mais de 500 mil exemplares. Somos reconhe-
cidos pelo MEC como uma instituição de exce-
lência, com IGC 4 por sete anos consecutivos 
e estamos entre os 10 maiores grupos educa-
cionais do Brasil.
A rapidez do mundo moderno exige dos edu-
cadores soluções inteligentes para as neces-
sidades de todos. Para continuar relevante, a 
instituição de educação precisa ter, pelo menos, 
três virtudes: inovação, coragem e compromis-
so com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, 
para os cursos de Engenharia, metodologias ati-
vas, as quais visam reunir o melhor do ensino 
presencial e a distância.
Reitor 
Wilson de Matos Silva
Tudo isso para honrarmos a nossa mis-
são, que é promover a educação de qua-
lidade nas diferentes áreas do conheci-
mento, formando profissionais cidadãos 
que contribuam para o desenvolvimento 
de uma sociedade justa e solidária.
P R O F I S S I O N A LT R A J E T Ó R I A
Dra. Verônica Karina Ipólito
Doutora em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universi-
dade Estadual Paulista (Unesp-Assis - 2016). Mestre em História pelo Programa 
de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá (2009). Espe-
cialista em Concepções em Ética e Política pela Faculdade de Filosofia, Ciências e 
Letras de Mandaguari (2010) e em Gestão Escolar pela Universidade Estadual do 
Centro-Oeste (2010). Possui graduação em História pela Universidade Estadual de 
Maringá. Tutora presencial do curso de Pedagogia (EaD/UEM) entre os anos de 
2014 e 2015. Trabalhou como professora colaboradora da Universidade Estadual 
de Maringá (UEM) entre os anos de 2010 e 2012. Atuou como docente em alguns 
cursos de especialização na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari 
(Fafiman) e no Instituto Dimensão. Possui experiência nos seguintes temas: DOPS, 
PCB, movimentos sociais e políticos. 
http://lattes.cnpq.br/2223597676883158
Me. Vivian Fernandes Carvalho de Almeida
Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universida-
de Estadual de Maringá (2012). Especialista em Gestão Escolar pela Universidade 
Estadual do Centro-Oeste (2014). Possui graduação em História pela Universidade 
Estadual de Maringá (2007). Trabalhou como professora do Núcleo de Estado de 
Educação (SEED) entre os anos de 2009 e 2013. Atualmente é professora Formadora 
do Centro Universitário Cesumar e atua como Assessora Pedagógica no desenvol-
vimento de projetos na Educação Básica. Atuando, principalmente, nos seguintes 
temas: ensino de História, História regional, movimentos sociais e políticos.
http://lattes.cnpq.br/6520347316020348 
A P R E S E N TA Ç Ã O D A D I S C I P L I N A
HISTÓRIA MODERNA
Estimado(a) aluno(a), seja bem-vindo(a)! 
É com muita satisfação que apresentamos a você este livro, o qual servirá de base e suporte 
para o desenvolvimento dos conteúdos da disciplina de “História Moderna”, do curso de gra-
duação de Licenciatura em História. Exibiremos uma série de conteúdos que visam fornecer 
a você uma abordagem ampla sobre a história moderna, desde a formação do Estado Mo-
derno até fins do século XVIII, com a Revolução Francesa, dando ênfase a debates teóricos e, 
principalmente, aos desdobramentos do Renascimento na sociedade moderna.
O desafio que se apresenta é expor os conteúdos que compõem essa área do conhecimento 
de forma harmoniosa e coerente, versando sobre os temas de seu interesse, que contribuam 
para a formação e informação no interior do curso ora em desenvolvimento. Esforçamo-nos 
para trazer conteúdos atualizados, inseridos em debates historiográficos recentes discuti-
dos pelos principais professores e pesquisadores da área, mas sem deixar de valorizar a 
importância de clássicos fundamentais para o estudos de tema-chave que compõem esse 
importante período histórico.
Assim, começamos nosso trabalho com o estudo do processo de transição do feudalismo 
para o capitalismo em algumas partes da Europa Ocidental e a formação dos Estados moder-
nos, com destaque para o absolutismo. Não é possível pensarmos na Era Moderna sem nos 
referirmos ao Renascimento, assim, fizemos uma breve retomada das primeiras expressões 
renascentistas identificadas no período de transição entre o período medieval e o moderno. 
Ainda, como expressão do Renascimento, o Humanismo foi o movimento que expressou uma 
profunda transformação nas atitudes dos homens e das mulheres dessa era; nesse senti-
do, abordaremos, também, a Reforma Protestante, nesta segunda unidade, mas a partir da 
percepção de Jean Delumeau e Lucien Febvre, ou seja, abordaremos o contexto histórico e 
os receios sociais que contribuíram para a ampla divulgação e aceitação das críticas e ideias 
apresentadas por Martinho Lutero, o que implica as condições ideológicas da sociedade 
da época. Na sequência, conheceremos as discussões que nortearam as ideias do período, 
teorias acerca da organização do Estado e da economia e algumas transformações sociais 
advindas desse processo. Ainda entre as discussões teóricas, abordaremos as relações en-
tre Estado e sociedade civil na percepção do teórico Thomas Hobbes e dos iluministas John 
Locke e Jean-Jacques Rousseau, buscando conhece as diversas concepções sobre o Estado e 
D A D I S C I P L I N AA P R E S E N TA Ç Ã O
a sociedade. Por fim, analisaremos a divisão dos poderes e o equilíbriopolítico-institucional 
apresentados por Montesquieu.
Nas duas últimas unidades, nos dedicamos às revoluções burguesas que ocorreram na In-
glaterra e França, por isso, apresentaremos os desdobramento desse processo estudando, 
de forma mais detalhada, a Revolução de 1640 e a Revolução Gloriosa, fundamentais para 
a organização política da Inglaterra, bem como a contenção dos direitos exacerbados dos 
governantes, que possibilitaram, de algum modo, uma participação mais efetiva dos grupos 
sociais que, até então, não eram incluídos nos processos e nas decisões políticas. Por fim, 
discutimos o marco final da era moderna, a Revolução Francesa em 1789, responsável por 
valores presentes até a atualidade no âmbito jurídico e democrático. Esperamos que você 
tenha êxito nessa nova caminhada e que possa, de forma autônoma e objetiva, fazer bom 
uso deste material que preparamos especialmente para você! Ótimos estudos!
ÍCONES
Sabe aquela palavra ou aquele termo que você não conhece? Este ele-
mento ajudará você a conceituá-la(o) melhor da maneira mais simples.
conceituando
No fim da unidade, o tema em estudo aparecerá de forma resumida 
para ajudar você a fixar e a memorizar melhor os conceitos aprendidos. 
quadro-resumo
Neste elemento, você fará uma pausa para conhecer um pouco 
mais sobre o assunto em estudo e aprenderá novos conceitos. 
explorando ideias
Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e 
transformar. Aproveite este momento! 
pensando juntos
Enquanto estuda, você encontrará conteúdos relevantes 
online e aprenderá de maneira interativa usando a tecno-
logia a seu favor. 
conecte-se
Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar 
Experience para ter acesso aos conteúdos online. O download do aplicativo 
está disponível nas plataformas: Google Play App Store
CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO
UNIDADE 01 UNIDADE 02
UNIDADE 03
UNIDADE 05
UNIDADE 04
FECHAMENTO
A FORMAÇÃO DO 
ESTADO MODERNO:
TRANSFORMAÇÕES 
POLÍTICAS E 
ECONÔMICAS
10
RENASCIMENTO: 
NOVAS IDEIAS 
CIENTÍFICAS E 
RELIGIOSAS
50
110 
A CAMINHO 
DAS “LUZES” - 
CONCEPÇÕES 
TEÓRICAS ACERCA 
DO ESTADO E DA 
SOCIEDADE
148 
AS REVOLUÇÕES 
INGLESAS DE 1640 E 
1688
190 
A REVOLUÇÃO 
FRANCESA - 1789
235 
CONCLUSÃO GERAL
1
A FORMAÇÃO DO ESTADO
MODERNO:
transformações políticas e
econômicas
PLANO DE ESTUDO 
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: A desintegração do feudalismo e a 
transição para o capitalismo: Europa XIV e XV • A formação dos Estados Modernos • O Estado Absolutista 
e seus teóricos • A importância do Mercantilismo para o Estado Absolutista
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 
A desintegração do feudalismo e a transição para o capitalismo: • Estudar a dissolução do feudalismo 
e o processo de transição para o capitalismo, considerando as mudanças no cenário europeu dos 
séculos XIV e XV • Examinar a formação dos Estados Modernos e suas consequências • Analisar a 
discussão teórica pertinente ao Estado Absolutista • Conhecer o Mercantilismo e suas implicações na 
governança dos Estados europeus.
PROFESSORAS 
Dra. Verônica Karina Ipólito
Me. Vivian Fernandes Carvalho de Almeida
INTRODUÇÃO
No início desta primeira unidade, apresentaremos um pouco o período de 
transição do feudalismo para o capitalismo, o nascimento dos Estados mo-
dernos, os debates sobre o absolutismo e o mercantilismo. Você notará que 
não tivemos a intenção de abordar todos os teóricos desse momento e, tam-
bém, não foi nosso objetivo esgotar as discussões sobre tal assunto. 
Nossa primeira finalidade é fazê-lo(a) refletir sobre o processo de 
transição do feudalismo para o capitalismo em algumas partes da Europa 
Ocidental. Em seguida, detalharemos a formação dos Estados Nacionais, 
recorrendo-se, para isso, à explanação do cenário de transformações vi-
gentes bem como de um debate com especialistas da área. Na sequência, 
analisaremos o absolutismo e seus teóricos (Nicolau Maquiavel, Martinho 
Lutero e João Calvino) bem como a importância do conjunto de ideias e 
práticas econômicas europeias definidas como Mercantilismo. O objetivo 
é compreender a singularidade desses teóricos e suas contribuições para a 
História Moderna, tema de nossa disciplina. Se você compreender as dis-
cussões teóricas sobre os temas propostos, poderá acompanhar melhor as 
outras unidades cujas temáticas estão vinculadas aos acontecimentos his-
tóricos que marcaram o desenvolvimento da sociedade ocidental durante 
o período definido como História Moderna.
Nesta unidade, nossa intenção é prepará-lo(a) de forma que com-
preenda e aprecie a História Moderna, apesar disso, certamente, haverá 
momentos nos quais você precise de materiais extras para auxiliá-lo(a). 
Isso é natural, uma vez que você está iniciando os estudos nesta disciplina. 
Convidamos você, aluno(a), a viajar pelos debates acalorados da transição 
do feudalismo para o capitalismo, o absolutismo e o mercantilismo. Vamos 
lá?! Tenha uma excelente leitura!
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A DESINTEGRAÇÃO
DO FEUDALISMO
e a transição para o
capitalismo – XIV E XV
Ao nos referirmos à questão política e econômica da Europa dos séculos XIV e 
XV, tocamos em mudanças contextuais e teóricas que resultaram na implantação 
do capitalismo. Afinal, hoje em dia, fala-se tanto em capitalismo, mas você, alu-
no(a), sabe o que este termo significa? Em consonância com Hunt e Lautzenheiser 
(2012, p. 30), o capitalismo é:
 “ [...] caracterizado por quatro conjuntos de arranjos institucionais e 
comportamentais: produção de mercadorias, orientada para o merca-
do; propriedade privada dos meios de produção; um grande segmento 
da população que não pode existir, a não ser que venda sua força de 
trabalho no mercado; e comportamento individualista, aquisitivo, ma-
ximizador, da maioria dos indivíduos dentro do sistema econômico.
Para Hobsbawm (2004), o feudalismo não foi um fenômeno global, mas esteve lo-
calizado em partes da Europa, sobretudo nas áreas mediterrânea, central e partes 
da região ocidental. O feudalismo se consolidou como um sistema predominante 
em função da evolução paulatina de uma economia agrária que teria sofrido 
um período de transição em princípios da Idade Média, por volta do século X. 
Além disso, esse sistema experimentou o seu momento áureo a partir do ano 
1000, aproximadamente, até o início do século XIV, período denominado Baixa 
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Idade Média. Este momento foi marcado pelo aumento substancial da população, 
da produção e do comércio manufatureiro e agrícola. É imperativo ressaltar o 
renascimento das cidades, a valorização cultural e uma significativa expansão 
da economia feudo-ocidental, principalmente, impulsionada pelas “cruzadas”, as 
quais fizeram oposição aos muçulmanos, à emigração, à colonização e ao esta-
belecimento de centros de comércio internacionais. Entretanto o período áureo 
do feudalismo, entre os séculos X a XIV, foi perdendo o seu brilho gradualmente, 
com a chamada “crise feudal”, ocorrida entre os séculos XIV a XV e impulsionada 
pelo esgotamento da agricultura feudal em grandes proporções, além do colapso 
da produção manufatureira e do comércio internacional, afetados pela redução 
da população, experiência de revolução social e tensão ideológica.
O século XV até meados do século XVII, por sua vez, experimentou um 
rompimento intenso na base da sociedade feudal (com a Reforma, os traços da 
revolução burguesa na Holanda) e as experiências pioneiras de mercadores e con-
quistadores europeus na América e no Oceano Índico. Karl Marx, em O Capital, 
aponta este momento como sinalizador da era capitalista (MARX, 1996, p. 739). 
A denominada “crise do século XVII”, ocorrida, simultaneamente, com a primeira 
experiência renovadora da sociedade burguesa, a Revolução Inglesa, vivenciou, 
no seu bojo, uma euforia econômica, a qual, em consonância com Hobsbawm 
(2004, p. 205), resultou no êxito da sociedade capitalista em alguns fenômenos, a 
exemplo da Revolução Industrialna Grã-Bretanha, Revolução Americana e Re-
volução Francesa. Todas elas tiveram um caráter, relativamente, simultâneo, muito 
embora se concentrassem em fins do século XVIII. É importante reafirmar que 
tais transformações são aplicáveis, grosso modo, à Europa Ocidental. Em linhas 
gerais, a Europa sofreu um processo de conquista de grandes áreas por povos asiá-
ticos (mongóis, turcos etc.) entre os séculos V ao X. No período correspondente 
aos séculos XV a XVII, partes dessa região foram condicionadas a semicolônias 
de áreas capitalistas do Ocidente em desenvolvimento, configurando-se no que 
Hobsbawm (2004, p. 205) denominou um “processo de refeudalização”. Por isso, 
considera-se que “a transição do feudalismo para o capitalismo é, portanto, um 
processo longo que nada tem de uniforme” (HOBSBAWM, 2004, p. 205).
Podemos dizer que cada uma das fases que consolidaram o feudalismo car-
regava componentes do desenvolvimento capitalista, como na ascensão de ma-
nufaturas têxteis italianas e flamengas, as quais entraram em retrocesso durante 
a crise feudal. Assim, é nítido que o colapso do feudalismo inclui setores mais 
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avançados no desenvolvimento burguês, os quais contribuíram para um aparente 
retrocesso. Em consonância com Hobsbawm (2004, p. 207),
 “ [...] uma coisa interessante acerca da crise do século XIV (por exem-
plo) não é apenas o colapso da agricultura dominial feudal de grande 
escala, mas também o das indústrias têxteis italianas e flamengas, com 
seus empresários capitalistas e proletários assalariados e de uma orga-
nização que chegara quase ao limiar da industrialização. A Inglaterra 
adianta-se, mas a Itália e Flandres, muito maiores, nunca se recuperam 
e portanto diminuiu temporariamente a produção industrial total.
Dobb (2004, p. 210) salienta que não podemos justificar o declínio do feudalismo 
por meio de conceitos vazios, tais como: a “expansão do mercado” ou a “ascensão 
da economia monetária”. Em sua visão, o colapso do sistema feudal iniciou-se 
com revoltas de pequenos produtores que se opunham ao feudalismo. Segundo 
esta concepção, tratou-se de um processo de transição lenta que resultou em 
um aparecimento de relações burguesas de produção. Conforme Dobb (2004), a 
partir do momento em que os pequenos produtores se libertavam da exploração 
feudal – por exemplo, por meio da transição renda-trabalho para a renda-di-
nheiro ou qualquer outro mecanismo que indique a falência desse sistema –, eles 
guardavam uma parte do produto. Dessa forma, tais camponeses encontravam 
ânimo para aprimorar o cultivo e expandi-lo para novas áreas. Essas transforma-
ções contribuíram para alimentar as contradições e limitações do sistema feudal:
 “ Assim se lançaram também as bases para alguma acumulação de 
capital no interior do próprio pequeno modo de produção, e por-
tanto para o começo de um processo de diferenciação de classes no 
interior da economia de pequenos produtores – o conhecido pro-
cesso, presenciado em várias épocas em lugares muito espalhados 
do mundo, no sentido da formação, por um lado, de uma camada 
superior de agricultores progressistas relativamente abastados (os 
kulaks da tradição russa) e, por outro, de uma camada de campo-
neses arruinados. Essa polarização social na aldeia (e, de maneira 
similar, nos artesanatos urbanos) preparou o caminho para a pro-
dução assalariada e, em decorrência, para as relações burguesas de 
produção (DOBB, 2004, p. 212, grifo nosso).
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Dessa forma, de acordo com Dobb (2004), constituiu-se a gênese das relações 
burguesas de produção no bojo da antiga sociedade. Entretanto é importante 
dizer, como já destacou Hobsbawm (2004), que esse processo ocorreu de forma 
vagarosa. Na Inglaterra, por exemplo, demorou alguns séculos, pois devemos 
levar em consideração que houve um desenvolvimento desigual e em distintas 
escalas temporais do processo. Se, por um lado, o descontentamento dos campo-
neses pôde ter sido influenciado pela cobrança rigorosa de obrigações, por outro, 
é bem provável que a predisposição de novas terras, bem como a presença de 
cidades, atraiu campesinos refugiados do campo. Inevitavelmente, esse processo 
gerou escassez de mão-de-obra em terras feudais. A carência de trabalhadores 
nessas localidades ocorreu paralela ao colapso do feudalismo nos séculos XIV e 
XV, ainda que tenha sido um processo sem muita visibilidade. Para Merrington 
(2004, p. 215), a cidade e o campo, na transição para o capitalismo, não estavam 
separados por um hiato.
 “ Longe de ser fixo, muito menos exclusivamente “rural”, o feudalismo foi 
o primeiro modo de produção na história a permitir, por sua própria 
ausência de soberania, um lugar estrutural autônomo para a produção 
urbana e o capital mercantil. Essa “externalidade interna” que permitiu 
o crescimento independente do capital urbano, a conquista de rotas 
comerciais etc., na Europa contrasta vivamente com a “cidade orien-
tal”, imobilizada numa continuidade de relações com a sorte do poder 
imperial, e na qual a fragmentação política estava ausente, exceto em 
períodos de anarquia interna (MERRINGTON, 2004, p. 225-226).
Hilton et al. (2004), por sua vez, caracterizam o feudalismo como um sistema 
de produção voltado ao uso. Em sua percepção, a principal fonte de desintegra-
ção está concentrada no crescimento do comércio, o qual teve condições de se 
desenvolver em função da inter-relação entre o campo feudal e as cidades que 
avançavam às suas margens. Tal autor defende que o colapso do feudalismo não 
pode ser considerado interno, mas sim, externo, ou seja, em sua visão, a amplia-
ção do comércio de longa distância se configurou em um efeito externo que 
contribuiu para o declínio do sistema feudal. Hilton et al. (2004) afirmam, ainda, 
que a oferta de produtos, cada vez mais sofisticados para a época, impulsionou a 
superexploração da força de trabalho, resultando, dessa forma, em uma fuga de 
servos para as cidades. Na concepção do autor em tela, isso foi possível em razão 
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da melhoria de posição social e da liberdade de emprego, concedidas apenas 
quando os “burgueses, necessitando de maiores contingentes de mão de obra e 
de mais soldados para fortalecer o seu poderio militar, tudo fizeram para facilitar 
a evasão dos servos à jurisdição de seus amos” (HILTON et al., 2004, p. 48). Na 
verdade, o que Hilton et al. (2004) nos apresentam é que, sem este último argu-
mento, o desenvolvimento das cidades poderia ser interpretado como um efeito 
natural, mas o que estava em jogo eram interesses burgueses que estimularam 
esses servos a abandonarem sua condição jurídica, evadindo do campo e migran-
do para as cidades. Em suma, Hilton et al. (2004) defendem que o comércio de 
longa distância facilitaria a entrada de produtos sofisticados no sistema feudal. 
A ânsia por tais mercadorias fez com que os senhores feudais intensificassem a 
carga de trabalho dos servos, já que esses desejavam mais dinheiro para poder 
comprar esses produtos. Diante dessas condições, os servos passaram a fugir 
para as cidades, resultando na crise do sistema feudal e na concentração, cada 
vez maior, de pessoas nos centros urbanos. Com isso, os burgueses tiraram pro-
veito dessa mão-de-obra a fim de ampliar suas rendas com o comércio interno 
e externo. Para tanto, tiveram que produzir quantidades maiores de produtos 
nas próprias cidades. Segundo Hilton et al. (2004, p. 50), quando começaram a 
se estabelecer os “centros de comércio e entrepostos locais um fator qualitativa-
mente novo surgiu, pois, esses centros, ainda que baseados no comércio a longa 
distância, tornaram-se inevitavelmente geradores de produção de mercadorias, 
por si próprios”. Nessa perspectiva, o artesanato
 “ [...] que era a concretização de uma forma de especialização e de 
divisão do trabalho superior ao que a economia senhorial jamais 
conhecera, não apenas fornecia os bens de que necessitava a própria 
população urbana, como ainda forneciaos que a população rural 
podia comprar com o produto das vendas no mercado da cidade 
(HILTON et al., 2004, p. 41-42).
Dessa forma, o comércio de longa distância estimulou o comércio interno, vi-
rando a página do ínfimo papel que representavam as economias urbanas. Tal 
mudança se revelou como o principal fator na transição de um sistema de pro-
dução de uso para o de troca. Dobb (2004, p. 75), por sua vez, não discorda que 
“o crescimento das cidades mercantis e do comércio desempenharam importante 
papel na aceleração da desintegração do antigo modo de produção”. Entretanto, 
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em sua ótica, o que houve “é que o comércio exerceu sua influência na medida 
em que acentuou os conflitos internos no antigo modo de produção” (DOBB, 
2004, p. 60). Em outras palavras, os conflitos internos, ocorridos no interior do 
feudalismo, seriam a força motriz que desembocou no processo de mudança do 
sistema feudal, impulsionando o crescimento das cidades e, consequentemente, 
a aceleração do comércio, trazendo, no seu bojo, uma diferenciação social típica 
dessa formação econômica. Dobb (2004) e Hilton et al. (2004) concordam que o 
artesanato apenas passou a ser produzido para a troca, por meio das guildas, com 
o surgimento das cidades. Antes disso, o artesanato possuía um caráter de uso, 
não de troca. É importante salientar que devemos pensar no feudalismo com as 
características mencionadas tão somente para nos referirmos à parte ocidental 
da Europa. Enquanto, nesta região, a transição dos laços feudais ocorreu entre 
os séculos XIV e XV, nesse mesmo momento, o Oriente Europeu vivenciava um 
reforço, ou seja, uma reação do feudalismo.
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A FORMAÇÃO
DOS ESTADOS
modernos
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Até fins da Idade Média, a Igreja viu fracassar as inúmeras tentativas que 
empreenderam no esforço de unificar o continente europeu. A tendência adota-
da pelos Estados europeus, a partir de então, foi a de se centralizarem em torno 
do rei. Dessa forma, Anderson (1985) desenvolveu uma análise sobre o Estado 
Nacional Moderno que difere da tradicional interpretação marxista.
A tradicional interpretação marxista é uma referência à visão de Karl Marx. Este, por sua 
vez, defende que o estabelecimento do Estado Nacional Moderno assinalou a consolida-
ção da classe burguesa emergente sobre a classe nobre tradicional. Para Marx, a concreti-
zação do absolutismo teria servido como um instrumento poderoso ao sistema capitalista 
em sua luta contra o feudalismo. 
Fonte: as autoras. 
explorando Ideias
Na ótica de Anderson (1985), o Estado absolutista não foi uma organização de 
dominação, essencialmente, burguesa, mas, ao contrário, caracterizou-se por um 
aparelho de dominação feudal reformulado. Em outras palavras, com a chegada 
do Estado absolutista, apesar das transformações sociais, políticas e econômicas 
que ocorreram, a classe que manteve o domínio sobre a sociedade continuou 
sendo a tradicional nobreza. O que houve foi uma adequação da antiga classe 
feudal como forma de garantir sua hegemonia política e social às novas circuns-
tâncias que se apresentaram com o advento da sociedade moderna. Para An-
derson (1985), o fato de as monarquias absolutas terem introduzido uma série 
de elementos que são considerados capitalistas (como os exércitos regulares, o 
sistema tributário nacional, a burocracia, o mercado unificado, a codificação do 
direito e, uma vez que estes elementos coincidiram com o fim da servidão, uma 
instituição nuclear do primitivo modo de produção feudal), a descrição do ab-
solutismo por Marx (1996), como um Estado de dominação capitalista, parece 
bastante plausível. No entanto Anderson (1985) explica que uma análise mais 
cautelosa do Estado absolutista anula essa perspectiva. 
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Segundo Anderson (1985), a extinção da servidão não significou o fim das rela-
ções feudais no campo. Além disso, a classe dominante, no feudalismo, continuou 
sendo a mesma da Idade Moderna, ou seja, a aristocracia feudal. Tal classe passou 
por diversas modificações, mas não perdeu seu poder de domínio no absolutis-
mo. Nessa direção, o Estado absolutista não poderia ser resultado de rivalidades 
entre nobreza e burguesia, mas sim, o prosseguimento da hegemonia da própria 
nobreza. Para Anderson (1985), o absolutismo teria sido apenas um aparelho de 
dominação feudal, recolocado e reforçado, destinado a sujeitar as massas cam-
ponesas à sua posição social tradicional. 
Figura 1 - A família de Henry VIII: uma alegoria
da sucessão Tudor e do absolutismo inglês /
Fonte: Wikipédia Commons ([2020], on-line)1.
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Com o fim da servidão e a decadência do modo de organização feudal, ocor-
reu a necessidade de uma organização centralizada como forma de aumentar o 
poder e o domínio da nobreza sobre as massas. Por isso, Anderson (1985) afirma 
que os Estados monárquicos foram, em primeiro lugar, instrumentos moder-
nizadores para a manutenção do domínio da nobreza sobre as massas rurais. 
Entretanto, ao mesmo tempo, a aristocracia teve que se habituar a um segun-
do opositor: a burguesia mercantil, que se desenvolvia nas cidades. Portanto, 
quando os Estados absolutistas se constituíram no Ocidente, a sua estrutura foi, 
fundamentalmente, determinada pela necessidade de as classes nobres se rea-
gruparem contra o campesinato, após a desagregação da servidão, mas ela foi, 
secundariamente, determinada pela ascensão de uma burguesia urbana. Nesse 
sentido, para Anderson (1985), a burguesia exerceu apenas um “papel secundário” 
sobre as formas do Estado absolutista. Ainda de acordo com o referido autor, o 
restabelecimento do direito romano, na Europa Ocidental renascentista, foi de 
fundamental importância para o processo de formação do Estado absolutista. Tal 
movimento se configurou como um dos grandes períodos culturais da época, que 
correspondeu às necessidades tanto da nobreza como da burguesia. Pela ótica 
econômica, a recuperação do direito civil clássico correspondia aos interesses vi-
tais da burguesia comercial e manufatureira. Favorecia, grandemente, a expansão 
do capital na cidade e no campo, pois a grande marca do direito romano era sua 
concepção favorável à manutenção da propriedade privada. Do lado político, o 
reflorescimento do direito romano respondia às exigências constitucionais dos 
Estados feudais reorganizados da época. Pelo fato de a sociedade romana ter sido 
centralizada, tinha como base um conjunto de leis que garantiam o sistema de 
governo centralizado. Nessa direção, Anderson (1985) aponta que a opção pela 
adoção do direito romano pelos Estados feudais estava relacionada à tendência 
dos governos monárquicos à crescente centralização dos poderes.
O duplo movimento social, inscrito nas estruturas do absolutismo do Ociden-
te, encontrou a sua concordância jurídica na reintrodução do direito romano. A 
intensificação da propriedade privada somava-se à autoridade pública no topo, 
corporificada pelo poder absoluto do monarca. Os Estados absolutistas ociden-
tais fundamentaram seus novos desígnios em precedentes clássicos: o direito 
romano era a mais poderosa arma intelectual disponível para o seu programa de 
integração territorial e centralismo administrativo (ANDERSON, 1985, p. 27). 
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Outro fator apontado por Anderson 
(1985) e que caracterizou o Estado 
absolutista foram as constantes guer-
ras. Durante todo o período absolu-
tista, as guerras estiveram sempre 
presentes, sendo raros os momentos 
de paz. A constante predisposição 
do Estado para a guerra contrariava 
a lógica capitalista. A função guer-
reira, exercida pela nobreza durante 
o feudalismo, era incompatível com 
a nova racionalidade capitalista. Em 
outras palavras, as guerras geravam 
um ônus muito grande para os co-
fres públicos, suscitando, inevitavel-
mente, mais impostos para a popula-
ção. Mesmo que o Estado absolutista 
tenha sido organizado e conduzido 
pela antiga classe feudal, isto é, a no-
breza, Anderson(1985) aponta que 
a classe burguesa não deixou de se 
beneficiar com a chegada do sistema 
absolutista de governo. Segundo o autor, o Estado absolutista era contínuo e, 
profundamente influenciado pela expansão do capitalismo do início do período 
moderno. Todas as estruturas do Estado absolutista revelavam a influência do 
novo sistema econômico que emergia, embora com predominância, ainda, de 
um modelo econômico antigo. Isso porque a burguesia no Ocidente já era forte 
o bastante para deixar a sua marca no Estado. Com efeito, o paradoxo manifesto 
do absolutismo era que ele representava, fundamentalmente, um aparato para a 
proteção da propriedade e dos privilégios aristocráticos, mas, ao mesmo tempo, os 
meios pelos quais tal proteção era promovida asseguravam os interesses básicos 
das classes mercantis e manufatureiras emergentes. Em síntese, a concentração 
em vigor, durante a formação dos Estados Modernos na Europa Ocidental, sob os 
moldes do absolutismo, beneficiou a nobreza e, involuntariamente, a burguesia.
Figura 2 - Luís XV de França (Luís, o Bem Amado) / 
Fonte: Wikipedia ([2020], on-line)².
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O ESTADO
ABSOLUTISTA
e seus teóricos
Após você ter se informado do cená-
rio europeu que resultou na forma-
ção do Estado absolutista bem como 
as suas principais características, dis-
cutiremos, agora, os seus principais 
teóricos. Estamos falando de Nicolau 
Maquiavel, Martinho Lutero e João 
Calvino! É importante salientar que 
muitos outros teóricos versaram so-
bre esse tema e, também, mereceriam 
destaque, tais como Thomas Hobbes 
e Jean Bodin, entretanto, dado o limi-
te de páginas, concentraremos nossa 
atenção nos três primeiros teóricos.
Figura 3 - Thomas Hobbes (1588-1679) /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)3.
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Bodin (2011), em sua obra Os seis livros 
da república, defendeu a ideia de que o 
rei estaria acima de tudo e de todos por 
uma predestinação divina. Bodin foi o 
primeiro teórico a defender a ideia de 
que o rei tinha autonomia e poder po-
lítico para criar novas leis e impor obe-
diência a elas. No entanto Bodin alega-
va que o rei jamais deveria se tornar um 
tirano. 
Fonte: as autoras. 
explorando Ideias
Em sua obra Leviatã, Hobbes (1983) de-
fendeu a ideia do Contrato Social. De 
acordo com essa teoria, todo homem 
nascia livre, porém toda sociedade 
necessitava de uma autoridade à qual 
todos os membros devessem se sub-
meter como forma de assegurar a paz 
interna e a defesa comum. 
Fonte: as autoras. 
explorando Ideias
Nicolau Maquiavel nasceu no final do século XV, vivendo, portanto, em um pe-
ríodo de transição entre o feudalismo e a Idade Moderna. Seu pensamento foi 
um marco entre duas épocas diferentes e suas obras consagraram uma forma 
moderna de pensar a política e o Estado. Dentre os aspectos mais importantes 
do pensamento de Maquiavel e que caracteriza seu rompimento com o antigo 
pensamento medieval está a defesa do que ele destaca ser um “novo príncipe”, ou 
seja, um monarca moderno compelido com a segurança, a independência nacio-
nal e o bem-estar de todas as classes sociais que faziam parte da sociedade, isto é, 
um príncipe que se confundia com o Estado e que representava os anseios gerais 
da sociedade e não apenas os interesses de determinadas classes ou estamentos 
sociais. O modelo de príncipe proposto por Maquiavel (2011) rompia com o 
tipo de monarca existente durante o período feudal, que atendia, unicamente, 
Figura 4 - Jean Bodin (1530-1596) /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)4.
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aos interesses das classes tradicio-
nais. O aspecto moderno central de 
seu ideário estaria, exatamente, nesse 
ponto, ou seja, no rompimento com 
o modelo de príncipe tradicional e 
na idealização de um novo Estado 
capaz de atender às novas necessi-
dades oriundas das transformações 
políticas, econômicas e sociais que 
estavam em curso na sua época.
Além disso, Maquiavel (2011) 
também valorizava a experiência 
histórica como instrumento de 
educação para os homens em geral. 
Em sua ótica, a principal utilidade 
da história dos grandes persona-
gens e acontecimentos era ensinar e 
transmitir experiência aos homens 
e, principalmente, aos governantes. 
Nesse sentido, a experiência his-
tórica jamais enganava, e o erro era produto do pensamento especulativo. Por 
isso, para escrever O Príncipe, obra na qual ele idealizou o perfeito monarca, 
Maquiavel (2011) baseou-se em sua experiência política, em seu vasto conheci-
mento da história e no estudo das obras clássicas greco-romanas, para conferir 
ao seu discurso um tom realista e não ideológico. Por incrível que pareça, Ma-
quiavel (2011) também usou citações da Bíblia sagrada! Isso mesmo! A ideia era 
legitimar alguns aspectos de sua argumentação, mas, quando recorreu à Bíblia, 
não se apegou às temáticas espirituais e ideológicas. Seu objetivo foi abordar as 
questões político-temporais nas sagradas escrituras. Na verdade, quando lemos a 
obra de Maquiavel, percebemos que o autor faz uma separação entre as questões 
espirituais e as temporais, dando sempre maior valor para as últimas. Por isso, 
Maquiavel se opunha ao envolvimento dos eclesiásticos nas questões temporais. 
Para ele, os príncipes eclesiásticos eram péssimos administradores e, decidida-
mente, estariam muito longe do modelo perfeito de governo; e o modelo perfeito 
de monarca seria aquele que atendesse, necessariamente, aos interesses de seus 
súditos. Por isso, podemos dizer que a preocupação de Maquiavel (2011) estava 
Figura 5 - Nicolau Maquiavel (1469-1527) /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)5.
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centrada na harmonia terrena dos homens, os quais, em sua opinião, passavam 
pela construção de uma nova ordem política, baseada na existência de um Estado 
centralizado e de um governo único. Nessa direção, Maquiavel (2011) inovava, 
profundamente, as concepções de sua época ao apontar as possibilidades de in-
trodução de uma nova ordem política e social que trouxesse bem-estar, segurança 
e felicidade para toda a população.
É melhor ser temido do que amado.
(Nicolau Maquiavel)
pensando juntos
Ligada, profundamente, a essa valorização da prosperidade terrena do homem, 
estava, também, a ideia de que o indivíduo era o responsável por construir sua 
própria felicidade temporal, simbolizando um rompimento com as concepções 
cristãs medievais que pregavam a passividade e o fatalismo humano. Maquiavel 
(2011) utilizou-se da ideia do livre-arbítrio para legitimar seu discurso de que o 
homem era o responsável pela condução de sua vida e de suas escolhas. Assim, 
ele inovou, radicalmente, o pensamento de sua época ao tirar de Deus a respon-
sabilidade dos acontecimentos, das adversidades e dos infortúnios humanos e 
transferir essas responsabilidades para o homem. A este estaria reservada a pos-
sibilidade de mudar os rumos dos acontecimentos por meio do livre-arbítrio 
concedido por Deus. Maquiavel (2011), ao argumentar que o destino do homem 
dependia, em boa parte, de sua ação, tinha o intuito de preparar os italianos para a 
responsabilidade de criação de uma nova ordem política, isto é, a organização de 
um Estado moderno, centralizado e de governo único, que fosse capaz de agregar 
todos os italianos em uma só nação. Nessa direção, o referido autor colocava dois 
princípios que seriam de fundamental importância para o estabelecimento de 
uma nova ordem política: primeiro, a figura de um rei forte e, segundo, leis que 
atendessem aos anseios do povo.
Maquiavel (2011) norteou o seu discurso ao “povo”, que, em seu vocabulário, 
estava representado por uma categoria de homens ligados às atividades mercantis, 
que cresciam cada vez mais na nova sociedade. Nesse sentido, podemos perceber 
que o autor estava sintonizado com os setores sociais modernos e fazia um apelo 
para que o príncipe também harmonizasse-se com essas novas classes que já 
constituíam a maioria na sociedade italiana.
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Para Maquiavel (2011), o monarca da 
sociedade moderna deveria, acima 
de tudo, respeitar as leis da nação e 
os direitos de seus súditos. O príncipe 
deveria saber que não poderia dispor 
das coisas do reino como se fossem 
suas; por exemplo, o novo príncipe 
não poderia achar que as mulheres e 
as propriedades dos súditos lhes per-
tenciam. Assim, podemos perceber o 
quanto as ideias de Maquiavel eram 
modernas para o seu tempo, pois ele 
já conseguia visualizar a separação 
entre o privado e o público bem como 
defender, no início do século XVI, um 
tipo de governo que se aproxima da 
proposta republicana.
Com propósitos distintos de Maquiavel, que se baseou em princípios políticos 
para fundamentar o poder do Estado, Lutero (1995) buscou legitimar o poder 
secular (governamental) e mostrar a importância crucial dessa instituição para 
a manutenção da ordem social mediante um discurso religioso. Segundo Lutero 
(1995), somente o poder do Estado seria capaz de garantir o bem-estar e segu-
rança de todas as pessoas. Porém tal poder deveria ser utilizado de acordo com 
a vontade de Deus para punir os malfeitores e proteger os justos. Isso porque 
existiam, no mundo, duas categorias de pessoas: os cristãos e os não cristãos.
Os cristãos não necessitavam da autoridade secular para o estabelecimento 
da ordem entre eles, porque eram pessoas puras de coração e praticante das leis 
do evangelho, isto é, estavam sob a proteção de Deus. Mas como a grande maio-
ria da população era constituída por não cristãos, pessoas que não obedeciam 
às ordens de Deus, todas as sociedades precisavam da autoridade secular para o 
estabelecimento da ordem entre elas. Nesses moldes, os legítimos cristãos tinham 
que ser submetidos ao governo secular para ajudarem seus irmãos não cristãos, 
que necessitavam de ordens e regras para terem equilíbrio em suas vidas. Assim, 
Figura 6 - Martinho Lutero (1483-1546) /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020, on-line)6.
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o verdadeiro cristão se submetia à autoridade secular apenas com o objetivo 
de ajudar ao seu próximo, o qual não era dotado da mesma pureza e grandeza 
espiritual e, portanto, necessitava de mais controle.
De acordo com Lutero (1995), se não existissem leis e governo, uma vez que 
o mundo possui um caráter maléfico e, apenas um ser humano em mil era um 
verdadeiro cristão, as pessoas destruiriam umas às outras. Como existia um nú-
mero muito maior, no mundo, de pessoas cruéis do que de pessoas justas, seria 
um grande erro querer governar toda uma nação ou o mundo inteiro somente 
pelas leis do evangelho. Em função dessa realidade, Deus instituiu dois governos: 
o governo espiritual, regido pelas leis do evangelho, e o governo secular, que 
reprimia os maus e os não cristãos bem como os obrigava a permanecer em paz, 
submetidos às leis. Assim, o poder secular era necessário para que se mantivesse 
a estabilidade e a paz das nações, ou seja, somente o poder secular seria capaz de 
manter a ordem pública. Lutero (1995) não se preocupou apenas em legitimar o 
poder secular, mas buscou, também, esclarecer os limites do campo de influência 
que esse poder deveria exercer. Desse modo, Lutero (1995) discutiu uma ques-
tão que o incomodava profundamente: a confusão entre os poderes temporal e 
espiritual. Para esse teórico, cada um dos poderes citados exercia um papel mui-
to importante para a manutenção da sociedade, porém os dois poderes jamais 
deveriam se misturar. A Igreja deveria preocupar-se com assuntos pertinentes à 
religião, ao passo que o príncipe deveria cuidar dos assuntos políticos, sem inter-
vir nas questões religiosas. Lutero (1995) ainda destacou que o governo secular 
possuía autoridade para legislar sobre as questões materiais, isto é, sobre questões 
exteriores. Todavia, no que dizia respeito à alma, Deus não permitia que qualquer 
outra instituição governasse em seu lugar. Onde a autoridade secular tomava ao 
seu cargo legislar em relação à alma, invadia o que pertencia ao governo de Deus. 
Dessa forma, nas coisas que diziam respeito à salvação das almas, nada deveria 
ser ensinado ou aceito, a não ser a palavra de Deus. Com esse discurso, Lutero 
(1995) estava atacando os príncipes que diziam governar em nome de Deus e 
que se autodenominavam “príncipes cristãos”. O citado autor denunciava como 
irresponsabilidade o fato de príncipes pretenderem legislar em nome da fé. Ele 
questionava com que autoridade esses governantes ousavam julgar um tema tão 
secreto, espiritual e escondido como a religião cristã. 
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Do mesmo modo que Lutero (1995) criticou arduamente a interferência do 
poder secular nos assuntos relacionados à religião e à fé, ele também atacou a 
intervenção do poder espiritual sobre os assuntos relacionados à política. 
De acordo com Lutero (1995), o papa e os bispos deveriam ser efetivos fun-
cionários de Deus, de modo que deveriam se preocupar apenas em pregar a pa-
lavra de Deus. Porém muitos deles se tornaram príncipes seculares, governando 
por meio de leis que diziam respeito apenas à vida material. Assim, ao invés de 
governarem, no plano interior, as almas com a palavra de Deus, tão somente 
governavam castelos, burgos, regiões e povos, ou seja, bens restritos ao mundo 
externo. Segundo Lutero (1995), não deveria haver confusão entre os poderes. 
Os assuntos que competiam, exclusivamente, à política não deveriam ser tratados 
pelos religiosos, assim como as questões de ordem espiritual não deveriam ser 
tratadas pelos príncipes. A ordem e a estabilidade do Estado, somente, poderiam 
ser mantidas se essa condição fosse respeitada. Lutero (1995) também forneceu 
uma série de conselhos aos príncipes ao apontar atitudes que os governantes de-
veriam ter para se tornarem, verdadeiramente, justos. De acordo com esse autor, 
era necessária uma mudança de postura por parte dos príncipes, pois estes abusa-
vam da violência para alcançar seus objetivos, mas Deus não gostava de violência. 
Um príncipe que queria ser um verdadeiro cristão deveria abandonar qualquer 
pretensão de dominar as pessoas por meio da força, pois as ações que brotavam 
do amor não eram feitas pelo próprio prazer, mas, antes, visavam ao bem-estar e 
à honra dos outros. Um príncipe justo deveria, em primeiro lugar, buscar o bem 
de seus súditos, além de pensar no que seria bom e vantajoso para todo o seu 
reino, e não, exclusivamente, pensar em seu próprio bem e vantagem pessoal.
É importante destacarmos que Lutero não estava preocupado em defender 
o Estado Unificado (a forma mais moderna de autoridade). No entanto sua obra 
tem fundamental importância para a compreensão do processo de estabeleci-
mento do Estado Moderno, porque representou uma quebra dos parâmetros 
tradicionais da sociedade ao propor a divisão entre os poderes temporal e espiri-
tual. A obra de Lutero (1995) opera no sentido de uma desestruturação da antiga 
organização da Igreja Romana, onde havia uma completa confusão entre ques-
tões religiosas com questões políticas. De maneira similar a Maquiavel e Lutero, 
Calvino (1995) também legitimará o poder secular, evidenciando a necessidade 
da manutenção da ordem pública por meio do controle exercido pelo governo.
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Você sabia que Calvino, assim como 
Lutero e Maquiavel também funda-
mentou sua tese a partir da leitura 
da Bíblia? Embora interpretassem as 
sagradas escrituras cada qual da sua 
forma, é importante salientar que 
Calvino a referenciou para legitimar 
o poder secular. Mas, diferentemente 
de Lutero, Calvino explicou que o rei-
no espiritual de Cristo e o governo ci-
vil eram coisas muitos distintas uma 
da outra, porém essa distinção entre 
os dois governos não implicava, de 
modo algum, que eles fossem incom-
patíveis entre si. Ao contrário dessa 
hipótese, a finalidade do governo se-
cular seria a de proporcionar a justi-
ça, a paz, a tranquilidade para toda 
a sociedade, assim como favorecer e 
proteger a culto exterior a Deus, de-
fender a religiãoe a boa condição da 
igreja. Em outras palavras, Calvino acreditava que o poder secular deveria intervir 
nas questões religiosas e promover as condições para que as pessoas tivessem fé.
Para Calvino (1995), seria uma pretensão tola acreditar que a Igreja de Deus 
pudesse ser grande o suficiente a ponto de tornar supérfluos todos os outros go-
vernos e leis. De acordo com o autor, a ordem civil era fundamental para o bom 
funcionamento da sociedade, pois a ordem pública impedia idolatrias, sacrilégios 
e blasfêmias contra o nome de Deus, promovia a tranquilidade e segurança das 
pessoas bem como zelava pela conduta íntegra e decência de todos. Em resumo, 
a ordem civil apoiava uma forma pública de religião entre os cristãos e de hu-
manidade entre os homens. Segundo Calvino (1995), mais que uma importância 
fundamental para o bom funcionamento da ordem pública, o governo secular 
tinha uma missão divina. Isto é, aos governantes (príncipes) havia sido dada por 
Deus uma autoridade divina, por isso deviam ser respeitados como os próprios 
Figura 7 - João Calvino (1509-1564) /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)7.
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representantes de Deus na terra. Nesse sentido, não deveria haver dúvidas de 
que, aos olhos de Deus, a autoridade civil não era, simplesmente, uma vocação 
sagrada e legítima, mas a mais sagrada e honrosa de todas as vocações. Por serem 
investidos do poder em função de uma vontade de Deus, seria um grande equí-
voco afirmar que os monarcas não poderiam legislar sobre as questões de ordem 
religiosa, restringindo-se apenas aos assuntos políticos. Os príncipes haviam sido 
designados para proteger e defender a inocência, a propriedade, a honestidade, a 
tranquilidade e a fé cristã, ou seja, eram responsáveis pela paz e bem-estar geral 
de toda sociedade. Não só deveriam garantir as questões de ordens públicas, mas 
também tinham como obrigação dar respaldo para as questões de cunho espi-
ritual. Ainda de acordo com Calvino (1995), o primeiro dever dos súditos para 
com seus magistrados consistia em acatar o cargo de seus superiores com a mais 
alta consideração possível, isto é, as pessoas deveriam reconhecer os príncipes 
como uma comissão delegada por Deus e, portanto, reverenciá-los na qualidade 
de ministros e representantes divinos. Assim, os súditos precisariam se submeter 
aos príncipes não por medo do castigo, mas porque deveriam satisfazer os seus 
governantes, pois estariam obedecendo ao próprio Deus. Nessa direção, os sú-
ditos deviam obediência aos seus governantes, deveriam acatar suas leis, aceitar 
suas responsabilidades na defesa pública, pagar os impostos e tudo o mais que 
lhe fosse ordenado, de modo que toda a alma deveria ser submetida ao poder, 
porque quem resistia ao poder resistia às ordens de Deus.
Calvino (1995) afirmava que, mesmos aqueles príncipes que não eram dignos 
de serem chamados de “filhos de Deus”, que eram tiranos, injustos, cruéis, deso-
nestos etc., deveriam ser respeitados pelo povo, pois, da mesma forma que um 
príncipe justo e caridoso era um enviado de Deus como prova de sua bondade, os 
príncipes que governavam de forma injusta e tirana eram enviados de Deus para 
castigar os homens. Ambos os modelos de príncipes estavam, igualmente, equi-
pados com a sagrada autoridade. Utilizando esses argumentos, Calvino (1995) 
legitimava o poder secular, independentemente da conduta do príncipe. Se este 
fosse um governante benevolente e justo, seria uma demonstração da infinita 
bondade de Deus, mas se fosse tirano e cruel, significaria que Deus estava casti-
gando o povo por seus pecados. Portanto, um príncipe jamais poderia ser tratado 
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segundo seus méritos ou conduta, mas deveria ser respeitado por sua condição 
superior, a qual era, por si só, demonstração suficiente de legitimidade divina. A 
exceção a essa obediência incondicional ao poder secular apenas seria legitimada 
em caso de ofensa por parte dos monarcas às leis de Deus (leia-se as doutrinas 
calvinistas). Em consonância com Calvino, Deus era o rei dos reis. Em primeiro 
lugar, deveríamos obedecer às suas palavras. Qualquer lei que fosse ordenada ao 
contrário do que havia sido escrito por Deus deveria ser desconsiderada. Dessa 
maneira, vimos que Calvino (1995) teve uma posição bastante relevante na cons-
trução da legitimidade do poder secular, pois, para ele, a autoridade do governo 
civil seria, praticamente, absoluta e deveria apenas ser contrariada se ferisse às 
verdadeiras doutrinas de Cristo, que eram as doutrinas calvinistas. Nos demais 
quesitos, Calvino conferiu uma autoridade ao Estado que chega a ser autoritária, 
pois afirma que mesmo os governos tiranos deveriam ser respeitados.
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A IMPORTÂNCIA
DO MERCANTILISMO
para o Estado absolutista
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Apresentar, em tão poucas páginas, um tema como esse é um grande desafio, por-
tanto, nosso objetivo não será abarcar discussões teóricas e produções bibliográficas 
realizadas ao longo da história, ou mesmo, discorrer sobre a História do conceito, 
pretendemos, sim, introduzir você, caro(a) aluno(a), ao tema, destacando, assim, 
como o conceito é definido na atualidade, bem como alguns cuidados com o uso 
do mesmo; apresentar algumas de suas características fundamentais; e inseri-lo, 
mesmo que superficialmente, no contexto histórico ao qual pertence. É evidente 
que muitos teóricos discorreram acerca de seus princípios, dentre esses, podemos 
citar: Thomas Mün (1571-1641), autor da obra Discurso sobre o comércio entre 
Inglaterra e as Índias Ocidentais; Gerard de Malynes (1586-1626) e Josiah Child 
(1630-1699) na Inglaterra; Jean-Baptist Colbert (1619-1683), ministro de Luís XIV 
na França; Giovanni Botero (1544-1617) e Antonio Serra (1580-?), na Itália; Luis de 
Molina (1535-1600) e Sancho de Moncada (início do século XVII), na Espanha; e 
Duarte Ribeiro de Macedo (1618-1680) em Portugal. Porém, ainda que esses au-
tores fossem perspicazes, o Mercantilismo não nasceu da imaginação dos mesmos.
Essa doutrina foi formulada lentamente como resposta ao contexto da se-
gunda metade do século XV; em outras palavras, o Mercantilismo surgiu como 
resposta ao processo de decomposição da sociedade feudal, emergência das novas 
forças sociais ligadas ao comércio e à produção de mercadorias. Esse contexto foi 
apresentado nas páginas anteriores desta obra, mas para que retomemos algumas 
ideias, vejamos as palavras de Mendes (2011, p. 101):
 “ Era a época da formação dos Estados nacionais e da Monarquia ab-
soluta. A reorganização da sociedade em novas bases contou, tam-
bém, e principalmente, com a ação do Estado absolutista. Diga-se 
de passagem, esta ação foi decisiva para dar à sociedade uma nova 
configuração. O Mercantilismo formulou os preceitos que orien-
taram o Estado nesta ação, construindo, por conseguinte, uma das 
expressões teóricas desta nova fase. Assim, foi se configurando uma 
política que, entre outras coisas, orientava-se no sentido do controle 
da produção e do comércio com vistas, principalmente, a incentivar 
as manufaturas, protegendo-as da concorrência externa.
Precisamos ser objetivos, então, iniciaremos essa discussão esclarecendo que, 
geralmente, a historiografia classifica como “mercantilista” o período entre os 
séculos XV até final do século XVIII. Para Hugon (1974), o termo mercantilista 
está associado às ideias e aos sistemas econômicos que ocorreram na Europa, de 
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1450 a 1750. É importante, porém, pontuar que o conceito “mercantilismo” ul-
trapassa o peso de uma simples palavra ou sistema, ele deve ser concebido como 
“um produto das condições específicas de um determinado período histórico do 
Ocidente, caracterizado pela transição do feudalismo ao capitalismo” (FALCON, 
1981, p. 9). Segundo Deyon (2001), o Mercantilismo é uma “criação” posterior ao 
objeto que busca denominar. Falcon (1981) complementa que, apenas no século 
XIX, o termo Merkantilismus foi utilizado pela primeira vez, pordefinição da 
“escola histórica alemã”. Antes dessa denominação, no século XVIII, seus adver-
sários, os fisiocratas e economistas clássicos, denominavam-no como “sistema 
mercantil” ou “comércio”. Outra observação válida: é um grande equívoco de-
nominar “mercantilismo” como ideias ou práticas econômicas que apresentam 
como característica básica a intervenção do Estado na economia. Sem dúvida, o 
intervencionismo, o qual abordaremos nas próximas páginas, é um dos principais 
aspectos de destaque do Mercantilismo, mas não foi o único; então, é fundamental 
que você, aluno(a), tenha isso em mente. Nesse sentido, é imprescindível que 
você compreenda que nem o termo “mercantilismo” é contemporâneo ao objeto 
que pretende nomear, e, menos ainda, o objeto nomeado apresentou, em algum 
momento histórico, a coerência interna que nos habituamos a imaginar; em ou-
tras palavras, o termo não carrega, em seu cerne, uma ideologia econômica ou 
política única (FALCON, 1981).
Se o conceito mercantilismo apresenta tais características, ele é exemplo de um anacro-
nismo histórico?
pensando juntos
Observe, aluno(a), a complexidade de um conceito tão corriqueiramente utiliza-
do em nossa área! Mas isso não significa que devemos deixar de utilizá-lo, mesmo 
porque trata-se de um dos principais conceitos e características do período que 
denominamos Idade Moderna. Então, o que fazer? Devemos buscar compreen-
dê-lo! Para que, enquanto historiadores, possamos entender sua importância 
dentro do contexto histórico ao qual pertence. Então, fica a dica! Não se contente 
com essas poucas páginas, aprofunde-se no tema por meio dos clássicos e his-
toriografias. Tendo isso posto, podemos dar mais um passo na compreensão do 
conceito, utilizando as palavras de Falcon (1981, p. 11):
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 “ [...] acreditamos que o mercantilismo deve ser entendido como o 
conjunto de ideias e práticas econômicas europeias e, principalmen-
te, a política econômica dos Estados modernos europeus durante o 
período situado entre os séculos XV / XVI e XVIII [...] se atentarmos 
para a expressão “política econômica”, podemos recuperar a afirmação 
de Eli Heckscher de que “o Estado foi o sujeito e o objeto da política 
mercantilista”, isto é, o mercantilismo foi, principalmente, a política 
econômica dos Estados modernos europeus, absolutistas [...].
Nesse sentido, o mercantilismo caracteriza-se como uma política econômica 
que se destacava pela intervenção do Estado na economia e que vigorava entre 
as nações europeias ocidentais, particularmente, Inglaterra e França.
O Mercantilismo foi, em sua essência, a política econômica de uma época de “acumula-
ção primitiva”. Posicionamento bastante esclarecedor, se entendermos essa acumulação 
primitiva como a acumulação que precedeu a produção capitalista, ou seja, acumulação 
prévia a Adam Smith. Isso significa afirmar que houve, antes da acumulação capitalista, 
várias formas de acumulação não capitalista. 
Fonte: adaptado de Dobb (2004).
conceituando
Segundo Hunt e Sherman (1977, p. 51), o Mercantilismo surgiu em uma época em 
que a concentração de ouro e prata, na Europa, era escassa; em outras palavras, 
a quantidade de moeda em circulação era insuficiente para o desenvolvimento 
do comércio. Nessas condições, medidas intituladas metalistas ou bulionistas, 
que consistiam na conservação do ouro e prata em território nacional, fortale-
ceram-se e se mantiveram até os séculos XVI e XVII. Nesse sentido, os referidos 
autores destacam que, devido ao momento em que o acúmulo de barras de metais 
preciosos era o meio para que se participasse, de forma rápida, na expansão co-
mercial no século XVI, a primeira fase do mercantilismo foi a política de acúmulo 
de metais preciosos, em outras palavras, o chamado metalismo ou bulionismo.
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As teorias metalistas surgiram dos mesmos autores que defendiam a “teoria da balança 
comercial”. Vejamos, a título de exemplo: Antônio Serra “Não é meu propósito discutir 
aqui quão importante é, tanto para os povos como para os príncipes, que abundem num 
reino o ouro e a prata...” A. de Montchrétien: “O ouro e a prata suprem as necessidades 
de todos os homens”.
Fonte: adaptado de Falcon (1981).
conceituando
As políticas metalistas ou bulionistas foram implantadas para atrair o ouro e a 
prata para os territórios nacionais bem como para garantir que esses numerários 
permanecessem neles, por meio das proibições de exportação. O objetivo dos mer-
cantilistas, ao aumentar a entrada de ouro e prata para dentro do país, era conseguir 
um saldo favorável na balança comercial, isto é, maximizar a entrada de moedas no 
país, ao mesmo tempo em que se evitava a sua saída (HUNT; SHERMAN,1977).
Na teoria da balança comercial, a economia de um país é comparada à economia de uma 
empresa mercantil. Assim, é fundamental que se venda mais ao exterior, o que possibilita 
o ingresso de riqueza, no caso da percepção da época, significa a entrada de mais moedas. 
Fonte: adaptado de Falcon (1981).
conceituando
De forma simplificada, as ações políticas mercantilistas defendiam uma série de 
medidas das quais, de um lado, se destacavam a proibição ou restrição às importa-
ções de produtos manufaturados e, por outro lado, o incentivo à exportação. Com 
essas medidas, buscava-se proteger as manufaturas nacionais de concorrências 
estrangeiras. O Mercantilismo defendia, também, a proibição da exportação das 
matérias-primas e dos meios de subsistência e o estímulo à importação, buscando, 
com isso, aumentar a oferta de matérias-primas e meios de subsistência dentro do 
território nacional, para torná-los mais acessíveis. Para alcançar esse objetivo, era 
comum diminuir o valor da mão-de-obra por meio da redução dos salários e de-
preciar o valor das mercadorias; com isso, favorecia-se as manufaturas nacionais, 
tornando seus produtos mais competitivos internacionalmente. Assim, essa ação 
contribuiria, diretamente, para a entrada de moedas no país. Ainda sob o pretex-
to de que uma nação precisava exportar mais do que importar para enriquecer, 
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outra medida corriqueira merece ser destacada, o incentivo às importações com 
prêmios. Um exemplo de premiação era a diminuição ou isenção de impostos 
aos empresários que tinham como foco a exportação de suas mercadorias. Mün 
(1755, p. 7 apud MENDES, 2011, p. 102), no livro Discurso sobre o comércio entre 
Inglaterra e as Índias Orientais, afirma que
 “ Embora um reino possa enriquecer por presentes recebidos ou por 
compras feitas de algumas outras nações, ainda assim tais coisas in-
certas e de pequena consideração quando acontecem. O meio ordi-
nário de aumentar nossas riquezas é nosso tesouro é nosso comércio 
exterior, pelo que devemos sempre observar esta regra: vender mais 
aos estrangeiros anualmente do que consumirmos deles em valor.
Suponha-se que, quando esse reino estiver cheio com ferro, pano, es-
tanho, chumbo e outras commodities nativas, nós exportamos anual-
mente o extra da produção para os países estrangeiros, com o valor 
total de dois milhões e duzentas mil libras, com as quais compramos 
e trazemos produtos estrangeiros para nosso uso e consumo. Essas 
importações somam dois milhões de libras anualmente. Mantendo 
essa ordem sempre estável no nosso comércio, podemos deduzir que 
o reino será enriquecido, anualmente, pelo valor de duzentas mil li-
bras, o que fará nosso tesouro aumentar constantemente, pois aquilo 
do que nosso estoque que não é retornado para nós como bem de 
consumo, deve, necessariamente, retornar como tesouro. 
Não foi sem motivo que essa obra foi considerada por Smith (1983) um manifesto 
das ideias mercantilistas. Considerando a importância, manifesta por Mün (1755 
apud MENDES, 2011), acerca da importância do comércio com as colônias, é 
cabível uma observação: os mercantilistas defendiam que as colônias represen-
tavam um mercado exclusivo e que deveria ser explorado, assim, nas palavras de 
Mendes (2011, p. 102):“ [...] em razão do pacto colonial, os colonos tinham à sua disposição 
o mercado metropolitano para os seus produtos. De um lado, as 
metrópoles teriam que, primeiramente, importar as mercadorias das 
suas colônias; por outro, as colônias tinham que consumir os produ-
tos manufaturados da metrópole. Desse modo, com o pacto colonial, 
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assegurava-se o mercado para os produtos de ambos os lados. Cabe 
salientar que, nessas condições, as duas partes, por serem produtoras 
e consumidoras de mercadorias, saíam beneficiadas. Os colonos se 
dedicariam às atividades que poderiam exercer nas circunstâncias 
reinantes nas colônias e consumiriam os produtos metropolitanos 
que eles próprios não tinham condições de produzir ou, caso tives-
sem, somente a um custo muito elevado. Os metropolitanos, por 
sua vez, receberiam das colônias as mercadorias que também não 
possuíam condições de produzir e, ao mesmo tempo, teriam um 
mercado à sua disposição para colocar seus produtos.
Basicamente, na percepção mercantilista, a troca de produtos entre colônia, com 
a matéria-prima, e metrópole, com produtos manufaturados, era um negócio 
rentável para ambas as partes, pois proporcionaria o aumento de produção, uma 
vez que se dedicariam às atividades específicas.
O Pacto Colonial ou Exclusivo Metropolitano foi uma das medidas protecionistas apli-
cadas pelas políticas mercantilistas e que beneficiava, consideravelmente, as metrópoles 
na Era das Grandes Navegações, uma vez que o Pacto Colonial garantia que as colônias 
manteriam comércio exclusivo com suas metrópoles colonizadoras.
Fonte: as autoras.
explorando Ideias
As percepções, no entanto, mudam com o passar dos anos e, ao longo do século 
XVIII, em diversos países, surgiram críticos do Mercantilismo. Dentre os mais 
importantes, podemos citar David Hume, que, em 1752, reuniu diversos ensaios 
na obra intitulada Escritos sobre economia. Hume (1986, p. 227 apud MENDES, 
2011, p.103) abordou temas fundamentais para a economia, como: juros, moeda, 
comércio, refinamento de manufaturas (luxo) e balança comercial. Logo no início 
de sua obra, é possível identificar o vigor de sua oposição ao Mercantilismo:
 “ Tendo me empenhado em eliminar um tipo de preocupação mal-
fundada que tanto prevalece entre as nações comerciantes, pode 
não ser inoportuno mencionar outro, que parece igualmente sem 
fundamento. Nada é mais comum nos Estados que fizeram algum 
avanço no comércio do que encarar o progresso de seus vizinhos 
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com suspeita, considerar todos os Estados comerciantes como seus 
rivais, e supor que seja impossível para qualquer deles prosperar 
senão à custa de si próprios. Contrariamente a esta opinião estreita e 
maldosa, ousarei afirmar que o crescimento da riqueza e do comér-
cio em qualquer nação, em vez de prejudicar, geralmente promove 
a riqueza e o comércio de todos os seus vizinhos e que um Estado 
dificilmente poderá levar seu comércio e indústria, quando todos os 
Estados vizinhos estão imersos na ignorância, no ócio e na barbárie.
Nesse sentido, as análises e críticas 
ao Mercantilismo se ampliaram, 
amadureceram progressivamente e 
foram questionadas, justamente, na 
base ideológica que, desde seus pri-
mórdios, defendeu o protecionismo, 
ou seja, a intervenção do Estado na 
economia. Isso porque o contexto vi-
venciado no fim da Idade Média, com 
o declínio do feudalismo, não tinha 
mais sentido, não respondia mais às 
necessidades econômicas da socieda-
de moderna. É nesse momento que 
Smith (1983) apresenta uma crítica 
bem formulada e madura ao Mercan-
tilismo, lançando, então, as bases do 
liberalismo. De forma simplificada, 
o referido autor apresenta críticas à 
intervenção do poder público, de-
monstrando os problemas propor-
cionados pelo protecionismo. Em seus apontamentos, Smith (1983) destaca que 
a sociedade, para funcionar de forma regular, não precisava de regulamentação, 
mas sim, de liberdade para produzir e comercializar. Como coroamento dessa 
tese, ele concluiu que, por meio dessa liberdade, as forças produtivas poderiam se 
Figura 8 - Adam Smith (1723-1790) / Fonte: Wi-
kimedia Commons ([2020], on-line)8. 
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desenvolver e, progressivamente, a sociedade se desenvolveria também. Sua tese 
apresentava a ideia de que a economia tinha uma “ordem natural”, influência das 
teorias dos fisiocratas iluministas (MENDES, 2011). Aqui, apenas é importante 
destacar que, segundo Mendes, na percepção de Smith,
 “ [...] a produção e a distribuição da riqueza, era um organismo que 
funcionava segundo determinadas leis, como a da oferta e da pro-
cura, a do valor e, por conseguinte não necessitava da intervenção 
do Estado para funcionar. Assim, pleitear a liberdade de produção 
e de comércio significava exigir que as leis de funcionamento da 
economia atuassem livremente, sem nenhum tipo de regulação ou 
controle (MENDES, 2011, p. 104).
Claro que as discussões acerca da economia não terminaram por aqui, inclusi-
ve Adam Smith foi questionado e criticado no decorrer da História, mas, sem 
dúvida, sua obra é um marco para concluirmos nossa apresentação acerca des-
sa introdução aos estudos sobre o Mercantilismo. Por fim, apresentamos, aqui, 
exemplos de críticos do Mercantilismo, no entanto a mesma observação acerca 
dos teóricos mercantilistas cabe aos seus críticos, eles, também, não surgiram 
do nada! Pelo contrário, somente após séculos de observações, análises, compa-
rações e críticas às práticas e instituições de seu tempo, que puderam formular 
suas percepções. Como é impossível apresentarmos, em poucas páginas, toda 
essa trajetória, orientamos que, você, caro(a) aluno(a), busque, nos clássicos, o 
aprofundamento necessário para compreender, de forma ampla, esse tema que 
se mostra tão amplo e complexo, que é o desenvolvimento do Mercantilismo ao 
longo da História.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), nesta unidade, conhecemos o processo de transição do feuda-
lismo para o capitalismo em algumas partes da Europa Ocidental e a formação 
dos Estados modernos, com destaque para o absolutismo e o mercantilismo, os 
quais, talvez, você já tenha ouvido falar ou conhecido em sua formação. É impor-
tante lembrá-lo(a) que os conteúdos que vimos não têm como finalidade, apenas, 
a confecção de trabalhos acadêmicos, visto que, em vários momentos do nosso 
cotidiano, deparamo-nos com notícias relacionadas a remanescentes desses sis-
temas políticos e econômicos, mediante as quais se torna necessário analisá-los 
sobre um viés crítico baseado em um conhecimento de causa.
Nesta unidade, vimos, também, os principais teóricos desse contexto histó-
rico. Eles viveram em uma época na qual a Europa Ocidental estava passando 
por diversas transformações e grandes crises, como a desestruturação do sistema 
feudal, revoltas camponesas, entre outras, as quais ocorriam em todos os países 
europeus praticamente, nos séculos XV e XVI, e que colocavam tais regiões em 
situação de grande instabilidade política, social e econômica. 
Conforme analisamos, ao longo desta unidade, pudemos depreender que a 
expansão comercial e o mercantilismo caracterizam-se por organizações que 
sinalizam o momento de transição histórica entre período feudal e sociedade 
moderna. Essas organizações atenderam às necessidades de um dado momento 
histórico, isto é, vieram ao encontro das aspirações de determinado período e 
sociedade, atendendo aos interesses de determinados grupos e indivíduos. 
Evidentemente, os autores analisados, respeitadas as singularidades de cada 
opinião, podem ser vistos como pensadores que buscavam soluções para a situa-
ção de desordem e indefinição pela qual suas sociedades passavam. Tais pensa-
dores buscaram evidenciar a necessidade da manutenção da ordem pública por 
meio do controle exercido pelo Estado, um tema que nos convida a refletir sobre 
a atual conjuntura.
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na prática
1. A concentração de poder que ocorreu, durante aformação dos Estados Modernos, 
sob os moldes do Absolutismo, na Europa Ocidental, teria beneficiado quais setores? 
Assinale a alternativa correta.
a) Beneficiou o clero e, integralmente, os camponeses.
b) Beneficiou os escravos e, majoritariamente, os camponeses.
c) Beneficiou a nobreza e, involuntariamente, a burguesia.
d) Beneficiou o clero e, maciçamente, a nobreza.
e) Beneficiou a burguesia e, em grande quantidade, a nobreza.
2. Segundo Lutero (1995), somente, o poder do Estado seria capaz de garantir o bem-
-estar e segurança de todas as pessoas, porém tal poder deveria ser utilizado de 
acordo com a vontade de Deus, para punir os malfeitores e proteger os justos. Isso 
porque existiam, no mundo, duas categorias de pessoas: os cristãos e os não cris-
tãos. Seguindo o raciocínio de Lutero, assinale a alternativa que melhor explique o 
significado de cristãos e de não cristãos.
a) Os cristãos não necessitavam das leis do evangelho, pois estavam sob a prote-
ção de Deus. Mas, como a grande maioria da população era constituída por não 
cristãos, pessoas que não obedeciam às ordens de Deus, todas as sociedades 
precisavam da autoridade secular para o estabelecimento da ordem entre elas. 
Nesses moldes, os legítimos cristãos tinham que ser submetidos ao governo 
secular para ajudar seus irmãos não cristãos.
b) Os cristãos não necessitavam da autoridade religiosa para o estabelecimento da 
ordem entre eles, porque eram pessoas puras de coração e praticante das leis do 
evangelho, isto é, estavam sob a proteção de Deus. Mas, como a grande maioria 
da população era constituída por não cristãos, pessoas que não obedeciam às 
ordens de Deus, todas as sociedades precisavam da autoridade religiosa para o 
estabelecimento da ordem entre elas. Nesses moldes, os legítimos cristãos tinham 
que ser submetidos ao governo secular para ajudar seus irmãos não cristãos.
42
na prática
c) Os cristãos necessitavam da autoridade secular para o estabelecimento da ordem 
entre eles, porque não eram pessoas puras de coração e praticante das leis do 
evangelho, isto é, estavam sob a proteção de Deus. Mas, como a grande maioria 
da população era constituída por não cristãos, pessoas que obedeciam às ordens 
de Deus, todas as sociedades precisavam da autoridade secular para o estabeleci-
mento da ordem entre elas. Nesses moldes, os legítimos não cristãos tinham que 
ser submetidos ao governo secular para ajudar seus irmãos não cristãos.
d) Os não cristãos não necessitavam da autoridade secular para o estabelecimento 
da ordem entre eles, porque eram pessoas puras de coração e praticante das leis 
do evangelho, isto é, estavam sob a proteção de Deus. Mas, como a grande maioria 
da população era constituída por cristãos, pessoas que não obedeciam às ordens 
de Deus, todas as sociedades precisavam da autoridade secular para o estabeleci-
mento da ordem entre elas. Nesses moldes, os legítimos não cristãos tinham que 
ser submetidos ao governo secular para ajudar seus irmãos não cristãos.
e) Os cristãos não necessitavam da autoridade secular para o estabelecimento da 
ordem entre eles, porque eram pessoas puras de coração e praticante das leis do 
evangelho, isto é, estavam sob a proteção de Deus. Mas, como a grande maioria 
da população era constituída por não cristãos, pessoas que não obedeciam às 
ordens de Deus, todas as sociedades precisavam da autoridade secular para o es-
tabelecimento da ordem entre elas. Nesses moldes, os legítimos cristãos tinham 
que ser submetidos ao governo secular para ajudar seus irmãos não cristãos.
3. De acordo com Calvino (1995), a ordem civil apoiava uma forma pública de religião 
entre os cristãos e de humanidade entre os homens. Assinale a alternativa que aponte 
a concepção de Calvino sobre a relação entre o poder dos monarcas e o poder divino.
a) Para Calvino, mais que uma importância fundamental para o bom funcionamen-
to da ordem pública, o governo secular tinha uma missão divina, isto é, aos 
governantes (príncipes) havia sido dada por Deus uma autoridade divina, por 
isso deviam ser respeitados como os próprios representantes de Deus na terra.
b) Para Calvino, mais que uma importância fundamental para o bom funcionamento 
da ordem pública, o governo do monarca tinha uma missão terrena, isto é, aos 
governantes (príncipes) havia sido dado o poder sobre assuntos burocráticos, 
não havendo qualquer relação com o poder divino.
43
na prática
c) Para Calvino, o governo do rei não tinha uma missão divina, isto é, aos governan-
tes (príncipes) havia sido concedida a autoridade, tão somente, a assuntos de 
ordem terrena, competindo à Igreja comandar os pensamentos relacionados a 
Deus. Portanto, o poder que competia ao monarca jamais poderia se misturar 
ao poder divino.
d) Para Calvino, o governo secular não possuía uma missão divina, isto é, os gover-
nantes (príncipes) deveriam se preocupar apenas com assuntos de cunho civil e 
material, competindo à Igreja orquestrar temas relacionados a Deus. Portanto, 
poder secular e poder espiritual deveriam ser mantidos em esferas distintas e 
não poderiam interferir um no outro.
e) Para Calvino, o governo secular tinha uma missão econômica, isto é, aos go-
vernantes (príncipes) havia sido dada a competência de reger a arrecadação 
de impostos, a administração sob o comércio e a contabilidade das receitas do 
reino. Por isso, o poder do monarca deveria estar separado de outras esferas, 
tais como a cultural e religiosa.
4. De acordo com Hobsbawm (2004), o feudalismo não foi um fenômeno global, mas 
esteve localizado em partes da Europa. Levando em consideração esta informação, 
explique a chamada “crise feudal” (séculos XIV a XV) e o rompimento na base da 
sociedade feudal (século XV a meados do século XVIII).
5. A tendência adotada pelos Estados europeus, a partir de fins da Idade Média, foi a de 
centralizar o poder em torno do rei. Partindo disso, explique por que, para Anderson 
(1985), o Estado absolutista não foi uma organização de dominação, essencialmente, 
burguesa, mas caracterizou-se por um aparelho de dominação feudal reformulado.
6. O modelo de príncipe proposto por Maquiavel (2011) rompia com o tipo de monarca 
existente durante o período feudal, que atendia, unicamente, aos interesses das 
classes tradicionais. Tendo como base esta informação, descreva as características 
ideais de um príncipe na visão de Maquiavel.
44
aprimore-se
ADAM SMITH E A EXPLICAÇÃO DO MERCADO COMO ORDEM SOCIAL: 
UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-FILOSÓFICA
[...] Hume (1711-1776) publica aos 28 anos sua obra-prima, O tratado da natureza 
humana, em três tomos: os dois primeiros em 1739, e o terceiro em 1740, quase 
vinte anos antes da TSM de Adam Smith. É decisiva a influência de Hume sobre 
Adam Smith. Ambos partilharam na mesma época dos ensinamentos do mestre de 
Glasgow, Francis Hutcheson.6 O estudo do Tratado revela um tratamento sofistica-
do em inúmeras questões de ordem filosófica. Hume oferece solução para algumas 
questões pendentes no campo da fundamentação do homem, para a explicação 
da ordem social, retirando o homem do estado de natureza e concebendo-o nos 
marcos da sociedade civil. Entre outros pontos importantes de sua obra, podemos 
afirmar que Hume: (i) substitui definitivamente a razão pela paixão na compreensão 
do comportamento humano: ‘a razão’, diz o autor, ‘é e deve ser escrava das paixões’; 
(ii) elabora um novo tratamento ao dualismo da ética anglo-saxônia e ao princípio 
das paixões compensadoras, substituindo o altruísmo de Hutcheson (altruísmo × 
egoísmo) pela simpatia, elemento este que se torna central na sua obra: ‘Nenhu-
ma qualidade é mais interessante na natureza humana que a nossa propensão em 
simpatizar com os outros e se comunicar com os seus sentimentos’; (iii) funda a 
sociabilidade no desejo de ganho comum a todos os homens. ‘A avareza ou o amor 
ao ganho é uma paixão universal que age em todos os homens...’ Esse desejo de 
ganho não é apenas um aspecto da natureza, mas uma exigêncialógica necessária, 
a coerência de um mundo no qual a sociabilidade procede dos indivíduos. O desejo 
de melhorar de condição, expresso anteriormente em desejo de poder, passa para 
o desejo de ganho ou de melhorar sua própria condição; (iv) articula, como Locke, o 
desejo do homem ao trabalho, sendo este ‘a única maneira do homem obter coisas’. 
O homem, além de um ser do desejo, é também um ser de necessidade, e a socie-
dade aparece para Hume com um meio útil de obter certos fins, realizando desejos 
e resolvendo necessidades; (v) explora uma questão importante da filosofia moral, 
45
aprimore-se
que é o sentimento e o julgamento de aprovação, estabelecendo a necessidade de 
uma análise comportamental que leve em conta as relações intersubjetivas. Sua 
idéia de que ‘os espíritos dos homens são espelhos uns para os outros’ enriquecerá 
a noção de sujeito smithiano (Dupuy, 1992), exigindo tratamento mais sofisticado 
do que a míope identificação desse agente ao homem econômico racional, erro que 
muitos autores de História do Pensamento Econômico cometeram, influenciados 
pela apropriação indevida de Adam Smith feita pelos neoclássicos. 
A partir da trajetória desses autores, estamos com todos os elementos para 
construir a inteligibilidade dessa ordem dessacralizada, como Adam Smith o fez, 
tendo em vista essa radical abertura para os modernos. Tendo como pré-condição 
o direito liberal, que garante o direito à vida, à liberdade e à propriedade (tomados 
de Hobbes e Locke), a ordem social estaria assentada no seu fundamento último: o 
indivíduo e suas paixões mobilizadoras. Estas paixões não estariam mais associadas 
ao desejo de poder e glória (Hobbes, Montesquieu), mas transmutadas na paixão de 
ganhar dinheiro, de acumular infinitamente, de comprar toda sorte de mercadorias, 
e sedimentariam o interesse privado da busca constante de melhorar sua própria 
condição (Hume). Esta paixão calma, estável e universal, no sentido de ser comum 
a todos os homens, estaria livre das idéias de vício e de pecado (Mandeville) e teria 
como grande aliada a razão expressa na previsibilidade e na prudência. No segundo 
plano, teríamos um operador, a mão invisível, que, substituindo o legislador, per-
mitiria que a busca desses interesses não resultasse na guerra (Hobbes), mas na 
paz, expressão do interesse coletivo realizado. O mercado, como fator de integração 
social, atinge todos os planos e, superando o comércio entre nações (Montesquieu), 
se traduziria no próprio mecanismo de organização da sociedade liberal. A mão in-
visível, em substituição ao legislador, se tornaria, portanto, o operador último dessa 
nova ordem social. Esta adquiriria autonomia explicativa nos fundamentos do indi-
víduo e descartaria para a explicação de sua emergência o contrato social (Hobbes).
46
aprimore-se
Retenhamos, portanto, este ponto de abertura, entendamos que se trata de um 
desafio muito maior do que a historiografia apressada nos quer impor e mergulhe-
mos no autor mais lido e discutido da História do Pensamento Econômico. Farei 
uso do debate em torno de Das Adam Smith Problem, não apenas para retomar a 
questão da unidade ou não de sua obra, como também para mostrar que o fio con-
dutor filosófico revela as questões cruciais subentendidas por trás do debate. Que 
a leitura cuidadosa da obra de Smith e as múltiplas reflexões sobre ela constante-
mente renovadas no tempo testemunhem não apenas a sua riqueza, mas também 
a natureza filosófica do autor, recolocando em outras bases a discussão sobre o 
nascimento da economia [...].
Fonte: Ganem (2000, p. 18-19).
47
eu recomendo!
Mercantilismo e transição
Autor: Francisco Falcon
Editora: Brasiliense
Sinopse: o autor parte do pressuposto de que o mercantilismo 
pode ser caracterizado como uma transição do período feudal 
para o capitalismo. Trata-se, em sua visão, de um conjunto de 
práticas e ideias econômicas típicas da Europa no alvorecer dos 
Estados Modernos.
livro
Agonia e êxtase
Ano: 1965
Sinopse: aborda a história do famoso artista Michelangelo com o 
seu patrocinador, o Papa Júlio II. Apesar de destacar o âmbito cul-
tural, a produção apresenta as principais mudanças que caracte-
rizaram o período de transição do feudalismo para o capitalismo.
filme
Do feudalismo ao capitalismo: transições
Autor: Samuel Sérgio Salinas
Editora: Atual
Sinopse: o autor analisa o momento anterior ao feudalismo para 
melhor compreender os fatores que resultaram em sua crise, ao 
mesmo tempo em que nascia o capitalismo. Salinas destaca al-
guns elementos que caracterizaram a passagem da Idade Média 
para a Idade Moderna, tais como: as cruzadas, o renascimento comercial e urba-
no, o fortalecimento da burguesia, a criação dos Estados Nacionais, o Renasci-
mento, a Reforma Protestante bem como a expansão ultramarina e a articulação 
do antigo sistema colonial.
livro
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eu recomendo!
Decameron
Ano: 1970
Sinopse: além de trabalhar com dez contos de Boccaccio, o fil-
me traz, de forma satírica, a vida em Nápoles na época do re-
nascimento cultural. A forma como esse momento é abordado, 
no filme, permite uma compreensão clara do renascimento, do 
mercantilismo, de costumes e hábitos do período em tela.
filme
Sem dúvida, a obra O Príncipe, de autoria de Nicolau Maquiavel, suscitou e ainda 
desperta inúmeros debates. Para melhor compreender a importância dessa obra, 
assista ao documentário sugerido a seguir! É imperdível!
https://www.youtube.com/watch?v=LUDOnaqziLo
conecte-se
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
anotações
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RENASCIMENTO:
NOVAS IDEIAS
científicas e religiosas
PROFESSORAS 
Dra. Verônica Karina Ipólito
Me. Vivian Fernandes Carvalho de Almeida
PLANO DE ESTUDO 
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: Renascimento: “nascer de novo” • 
Heranças do ensino medieval • Antes da ciência da razão: abalos no pensamento medieval • Ciência e 
fé no Renascimento • Nascimento e afirmação da Reforma: a Reforma por quê?
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 
Identificar o conjunto de transformações de ordem artística, cultural e científica possibilitadas pelo 
Movimento Renascentista • Compreender que a Igreja manteve significativa influência por meio do 
modelo de ensino medieval durante o período moderno • Perceber que a Era Moderna não é sinôni-
mo de ruptura entre fé e razão • Demonstrar as contribuições da Igreja no desenvolvimento científico 
• Analisar o contexto histórico que contribuiu para a afirmação da Reforma Protestante e identificar 
permanências medievais na sociedade moderna.
INTRODUÇÃO
A Europa, entre os séculos XIII e XVII, foi marcada por um conjunto de 
transformações de ordem artística, cultural e científica que ficou conhe-
cido como Renascimento. Nesse sentido, remete-se à passagem da Idade 
Média para a Moderna. Entretanto, ao contrário do que possa parecer, esse 
momento histórico, bem como o próprio movimento renascentista, não 
pode ser entendido como uma radical ruptura da Era Moderna com o 
mundo medieval. Por isso, ao longo desta unidade, esforçamo-nos para 
esclarecer as razões de ser, agir e pensar do homem renascentista, assim 
como demonstraremos que os homens da Era Moderna ainda prendiam-se 
a muitas heranças medievais.
Infelizmente, não temos como examinar todos os aspectos desse perío-
do da história intelectual europeia, assim, concentramo-nos no exame de 
aspectos científicos e religiosos. Nosso propósito, portanto, é bem restrito, 
limitado ao que se poderia chamar de campo científico. Mais corretamente, 
a formação de uma relação ambígua entre ciência e religião, uma vez que 
o discurso científico se constitui em debates com o discurso religioso, e o 
campo da ciência de forma entrelaçado ao campo teológico.
No decorrer de nossas abordagens, esperamos que você desconstrua a 
ideia de que o Renascimento foi um momento de rupturas abruptas entre 
ciência e religião, pois esse período da História não conseguiu realizar,plenamente, esta separação, mas, sem dúvidas, foi nesse período que ela 
se iniciou. Foi com o Renascimento, também, que surgiram, no interior 
do próprio campo teológico, novas formulações que marcaram a moder-
nidade e, com ela, as novas ciências e a concepção do homem. Com essas 
abordagens, esperamos que você, caro(a) acadêmico(a), adquira as bases 
para compreender melhor a sociedade moderna. Boa leitura!
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RENASCIMENTO:
“NASCER DE NOVO”
O termo Renascimento é um conceito histórico que se refere a um conjunto de 
mudanças que marcaram a passagem da Era Medieval para a Moderna. É com-
plicado, porém, definirmos um período cronológico exato para esse movimento. 
Alguns estudiosos definem como marco do Renascimento as obras de Giotto di 
Bondone (1266-1337), nessa perspectiva, entre o fim do século XIII e o início do 
século XIV, seria o início do movimento renascentista; outros, porém, determi-
nam que o início do movimento se deu em meados do mesmo século XIV, com 
a queda de Constantinopla, uma vez que tal fato possibilitou a vinda de eruditos 
clássicos do Império Bizantino para a Itália. Há, ainda, quem diga que foi no 
século XV, com o desenho do domo da catedral de Florença, feito em 1420, por 
Brunelleschi (1377-1446). Diante de tantas opiniões distintas, percebemos que 
o enfoque de cada pesquisa contribui para diversas delimitações. Desse modo, 
adotaremos a concepção de que o Renascimento, sendo um movimento que 
aborda diversos campos, teve início com o alvorecer do século XIV, consolidou-se 
no século XV e se estendeu até o século XVII.
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Giotto di Bondone (1266-1337) foi um pintor e arquiteto italiano que produziu obras que 
manifestavam um princípio estético diferente daquele da Idade Média, dentre as obras de 
Giotto Bondone destacam-se O Beijo de Judas, A Lamentação e Julgamento Final.
Fonte: as autoras.
explorando Ideias
Figura 1 - Escola de Atenas de Rafael Sanzio /
Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)9. 
O conceito histórico não se origina, diretamente, da observação e da percepção, “ele não 
é dado”, mas, como o nome indica, é “construído” a partir dos dados da experiência indi-
vidual, do conteúdo, bem como da observação e da percepção. Nesse sentido, o conceito 
Renascimento, assim como tantos outros, foi definido pela percepção que se tem acerca 
do período histórico ou da sociedade da época. Considerando que novas pesquisas po-
dem apresentar outras informações acerca de um período histórico, como a exemplo da 
Idade Média, que antes era definida como “Idade das Trevas”, podemos afirmar que um 
conceito pode ser revisto? 
Fonte: as autoras.
conceituando
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Quando nos referimos ao Renascimento, é comum pensarmos, primeiramente, 
nas letras, nas artes plásticas e na arquitetura. Inclusive, ao nos referirmos a estas 
áreas, podemos nos referir ao movimento, de forma mais direcionada, como Re-
nascimento Cultural. Entretanto ele foi muito mais amplo, pois envolveu o âmbito 
filosófico, científico, político, pedagógico e religioso. Isso mesmo, o religioso! 
Nesse sentido, podemos pensar na Reforma Protestante como parte desse grande 
movimento conhecido como Renascimento. Aproveitando o ensejo, é interessan-
te destacarmos que esse conjunto de transformações que ocorreram na Europa, 
foi tão significativo e diversificado que podemos nos referir ao mesmo no plural, 
Figura 2 - O Beijo de Judas, criação entre 1304-1306, por Giotto di Bondone (1266-1337) / Fonte: 
Wikipédia ([2020], on-line)10.
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como Renascimentos, fazendo jus à amplitude do mesmo. Porém, como todo 
conceito é definido pela História, precisamos ter cuidado ao fazer uso deste; dessa 
forma, Manoel (2011, p. 75-76) destaca duas cautelas iniciais ao nos referirmos a 
esse conceito: “A primeira é ter presente que o Renascimento foi um movimento 
europeu, com início na Itália, razão de ser primeiramente conhecido como Re-
nascimento italiano”. Então, é necessário nos atentarmos a essa informação, uma 
vez que, comumente, deparamo-nos com literaturas históricas, ou mesmo, ver-
tentes historiográficas extremamente europeizantes e ocidentalistas, que fazem 
referência ao Renascimento como um fenômeno mundial. Não podemos negar 
que o movimento renascentista foi um fenômeno, assim como, com o passar do 
tempo, as trocas culturais, impulsionadas pelo mercado burguês em ascensão, 
por meio de viagens terrestres e além-mar, contribuíram para que o movimento 
influenciasse outros povos fora do território europeu. Afinal, “[...] o nascimento 
das cidades assinala o começo de uma nova era na história interna da Europa 
Ocidental” (PIRENNE, 1977, p. 168) e, com ela, o nascimento da burguesia e do 
comércio. Com isso, o processo “civilizatório” burguês alcançou todos os recantos 
do planeta, como bem pontuou Ribeiro (1987). Assim sendo, com o avanço do 
comércio e da burguesia, o movimento renascentista alcançou proporções mun-
diais, o que é diferente de se afirmar que teve início como tal. A segunda cautela, 
segundo Manoel (2011), que merece destaque, é o conteúdo do Renascimento, 
isso porque também é comum encontrarmos, em obras literárias, ou mesmo em 
manuais, uma abordagem que apresenta o movimento renascentista abarcando, 
especificamente, as artes plásticas e a arquitetura do Renascimento italiano. Oras, 
apontamos, anteriormente, que o Renascimento é amplo e que abarcou inúmeras 
áreas de conhecimento, mas essas informações são tão facilmente encontradas 
que essa cautela merece ser destacada. Inclusive, não precisamos citar autores 
para demonstrar o quanto a arte e a arquitetura se destacam no tema; com um 
exercício, é possível que você perceba essa característica. Caríssimo(a), pense 
em três representantes do movimento renascentista e confira se dois deles, ou 
mesmo os três, são artistas ou arquitetos! Quando colocamos esse exercício em 
prática, os exemplos referem-se a alguns poucos nomes e, geralmente, destacam, 
prioritariamente, exemplos do Renascimento Cultural, enquanto outras manifes-
tações do Renascimento, como o Humanismo ou a própria Reforma Protestante, 
são raramente lembradas. Dentre os nomes mais comuns a serem citados estão:
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 ■ Michelangelo Buonarroti (1475-1564), italiano, autor de esculturas (como 
Davi, Pietá e Moisés) e mundialmente conhecido pela pintura dos afres-
cos da Capela Sistina, no Vaticano. E não podemos esquecer da Cúpula 
da Basílica de São Pedro, como importante produção arquitetônica.
 ■ Rafael Sanzio (1483-1520), famoso por suas pinturas de madonas (repre-
sentações da Virgem Maria com o Menino Jesus).
 ■ Sandro Botticelli (1445-1510), famoso por seus retratos e afrescos pro-
duzidos para a Capela Sistina, no Vaticano.
 ■ Leonardo da Vinci (1452-1519), autor de Mona Lisa, Última Ceia, dentre 
outras obras, sendo considerado o maior nome do Renascimento.
É muito comum que artistas e arquitetos sejam lembrados, enquanto filósofos 
humanistas e cientistas ficam no esquecimento. Vejamos alguns nomes entre 
essas áreas:
 ■ Nicolau Maquiavel (1469-1527), fundador da ciência política moderna.
 ■ Nicolau Copérnico (1473-1543), responsável pela teoria heliocêntrica.
 ■ Tycho Brahe (1546-1601), teórico do movimento dos astros.
 ■ Kepler (1571-1630), criador da teoria da trajetória elíptica dos planetas 
ao redor do Sol.
 ■ Erasmo de Rotterdam (1466-1536), holandês, humanista do Renascimen-
to, conhecido pela obra Elogio da Loucura e por suas críticas severas à 
Igreja Católica romana.
 ■ Tomás Morus (1478-1535), inglês, político, chanceler do reino na Ingla-
terra e autor da, até hoje, discutida obra Utopia.
Nomes que, apesar de não se destacarem na memória social, são verdadeiros 
 “ [...] gênios do Renascimento científico não só por suas descober-
tas, mas também pela compreensão de que a ciência só conseguiria 
evoluir em um ambiente de plena liberdade de pensamento e pes-
quisa, livre, portanto, das imposições da escolástica medievale dos 
princípios das Sete Artes Liberais (MANOEL, 2011, p. 85).
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Não sendo possível citarmos ou 
abordarmos todos os nomes e obras 
significativas para esse período his-
tórico, gostaríamos de destacar, ao 
menos, Dante Alighieri (1265-1321), 
pois, ao transitar entre várias áreas, 
ele é, de certa forma, um bom exem-
plo do homem moderno, cheio de 
ideias novas e valores morais e reli-
giosos medievais. Dante foi escritor, 
poeta e político florentino que traba-
lhou para a fixação da língua italiana 
e se destacou com a obra La Divina 
Commedia (A Divina Comédia), 
uma das obras mais importantes da 
história da humanidade, pois, apesar 
de artística, também é política:
 “ Declarava Dante com essas palavras que a “Divina Comédia” é um 
poema alegórico. Não somente no poema há alegorias particulares, 
mas o poema, na sua intereza, tem uma significação, ou melhor, 
várias significações alegóricas.
Muitas foram as interpretações que da “Divina Comédia” se fizeram 
sob esse ponto de vista. Alguns comentadores puseram em maior 
evidência o seu sentido moral e teológico; outros consideram o 
poema dantesco como uma obra de inspiração política e ligada in-
timamente às vicissitudes pessoais do poeta.
Não são, porém, as intenções alegóricas que consagram a imor-
talidade da “Comédia” dantesca, à qual os pósteros atribuíram a 
qualificação de divina. A “Divina Comédia” é, principalmente, uma 
formidável obra de fantasia e de representação poética, talvez um 
dos pontos limites que a inteligência humana pode alcançar (CLE-
MENTE, 2019, on-line)12.
Figura 3 - Erasmo de Roterdã (1466-1536) /
Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)11.
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Essa obra, para nós historiadores, é uma fonte riquíssima para compreendermos 
um pouco da mente dos homens da Era Moderna que, apesar de se esforçarem 
para se libertarem dos anseios religiosos da Idade Média, não conseguiam negar 
essa herança cultural e moral (DELUMEAU, 1989). Na unidade referente à Re-
forma Protestante, abordaremos, de forma mais detalhada, as questões destacadas 
por Delumeau (1989) acerca dos anseios medievais ainda presentes na sociedade 
moderna; mas vejamos uma amostra dessa importante característica do homem 
moderno, por meio dessa obra intitulada Divina Comédia:
 “ Por mim se vai das dores à morada,
Por mim se vai ao padecer eterno,
Por mim se vai à gente condenada.
Moveu Justiça o Autor meu sempiterno,
Formado fui por divinal possança,
Sabedoria suma e amor supremo.
No existir, ser nenhum a mim se avança,
Não sendo eterno, e eu eternal perduro:
Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança! (ALIGHIERI, 2003, p. 31).
Figura 4 - O Inferno de Dante, por Sandro Botticelli / Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)13.
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Todo homem carrega valores morais e/ou religiosos de sociedade passadas, mas, 
como a Era Moderna ficou marcada como um momento de ruptura, é importante 
que, já no início desta unidade, você comece a rever esta percepção, pois um de 
nossos objetivos é desconstruí-la. Pois bem, considerando que as transformações 
renascentistas não foram apenas artísticas e, apesar de terem surgido na Europa, 
especificamente, na Itália, influenciaram o mundo; assim, é válido nos questio-
narmos: quais realidades históricas são expressas pelo conceito Renascimento? 
Como resposta a esta pergunta, Manoel (2011, p. 76) pontua:
 “ [...] podemos considerar que as transformações renascentistas con-
figuraram-se como a falência histórica do medievo europeu, o início 
da consolidação do mercado e da civilização burguesa em âmbito 
mundial, tendo como eixo de sustentação e movimento um novo 
conceito de homem e de Humanidade que irão determinar as fei-
ções da Era Moderna.
Convidamos você a uma nova reflexão, caro(a) acadêmico(a). Encontramos, na 
literatura que aborda o tema, que o movimento renascentista tem como caracte-
rística a recuperação artística, literária, política ou mesmo jurídica da Antiguida-
de Clássica; e, aqui, entra nossa indagação: por que a sociedade dos séculos XIV, 
XV e XVI tentou pular o longo período medieval e buscou inspiração em uma 
cultura longínqua? Manoel (2011, p. 76) pontua sobre esta questão:
 “ É certo que o Renascimento faz parte do conjunto dos fatos que 
marcaram a falência medieval e o início da consolidação do mun-
do moderno. Por isso, a nova sociedade que se estruturava tinha 
a necessidade de criar novas ideias, do cultural ao científico, do 
econômico ao político, do filosófico ao teológico, passando pelo 
pedagógico, mas não dispunha nem das ferramentas conceituais 
eficazes, nem de paradigmas onde se espelhar para essa construção. 
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Para entendermos melhor essas questões, precisamos voltar para o mundo das 
ideias da sociedade medieval, em particular, nos séculos posteriores ao século 
VIII, particularmente, após a produção da Summa Theologica, obra de Santo 
Tomás de Aquino (1225-1274) e, mais, precisamos entender o quanto, apesar 
da tentativa de alguns representantes dessa sociedade de se libertarem das in-
fluências da sociedade medieva, os valores e temores medievais se mantiveram 
presentes na sociedade moderna (DELUMEAU, 1989). São sobre estas questões 
que nos debruçaremos nas próximas páginas.
O Humanismo
colocou o homem como centro do 
universo, a partir dele os feitos 
humanos passaram a ser valorizados 
e atribuídos à capacidade humana e 
não mais como obra divina.
A Ciência
e o crescente interesse dessa 
sociedade pela forma como o 
mundo funciona possibilitaram o 
desenvolvimento de campos 
diversos, como arquitetura, 
medicina, astronomia, entre outros.
Os artistas
também buscaram a perfeição 
se inspirando na arte e nas 
técnicas da Antiguidade, o 
que proporcionou grandes 
feitos com a compreensão da 
perspectiva.
Os textos clássicos
foram inspiração para inúmeros 
pensadores renascentistas, com 
isso, os filósofos da Antiguidade 
foram fonte para o conhecimento 
construído na modernidade.
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HERANÇAS
DO ENSINO
medieval
Para compreendermos a força da influência da Igreja Católica na sociedade eu-
ropeia, precisamos voltar um pouco no tempo e retomarmos alguns aconteci-
mentos do período medieval:
 “ Do século VIII em diante, a Igreja Católica romana foi se consti-
tuindo como Estado - os Estados Pontifícios ou Estados da Igre-
ja - acumulando territórios sobre os quais detinha o controle. Os 
Estados Pontifícios tiveram sua origem no ano de 756, quando Pe-
pino, o Breve (714-768), fez a doação ao Papa de uma vasta exten-
são territorial para a constituição do Patrimônio de São Pedro, em 
agradecimento por sua vitória sobre os lombardos. Apesar disso, o 
ano emblemático de sua constituição foi o de 800, quando o papa 
Leão III (750-816) coroou Carlos Magno (747-814) como rei dos 
francos, dando origem ao Reino Franco. Naquele momento foram 
doados outros territórios à Igreja Católica romana, aumentando a 
extensão dos Estados Pontifícios, que duraram até o movimento de 
unificação da Itália, em 1849 (MANOEL, 2011, p. 77).
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Observe, caro(a) aluno(a), que, segundo este breve relato, a Igreja cresceu em 
força e poder de forma inegável, pois passou a exercer controle político, cultu-
ral e, principalmente, ideológico sobre a sociedade europeia, sem obstáculo ou 
oposição significativa. Quais as razões para esse controle? Muitas poderiam ser 
destacadas, mas como não temos espaço para tantas abordagens, destacaremos 
uma em particular: o controle da Igreja sobre o conhecimento bem como de 
sua produção e distribuição. Entretanto é importante lembramos que a Europa 
é vasta, o que significa que não é porque a maior parte do território apresenta 
uma característica que, no decorrer desse longo período, situações singulares 
não possam ter ocorrido. Pois bem, observe, atentamente, o que Pirenne (1977, 
p. 180-181) informa acerca de escolas em regiões urbanas da Europa e o quanto 
elas contribuíram para o capital moral da Idade Média:“ Sem dúvida, a cultura intelectual foi dominada por considerações 
práticas que, antes do período do Renascimento, a impediram de 
tomar um largo desenvolvimento. Mas apresenta logo esse cará-
ter de ser uma cultura exclusivamente laica. A partir de meados 
do século XII, os conselheiros municipais preocupavam-se para as 
crianças da burguesia escolas que são as primeiras escolas laicas da 
Europa desde o fim da Antiguidade. Devido a elas, o ensino cessa de 
repartir exclusivamente os seus benefícios pelos noviços dos mos-
teiros e pelos futuros padres das paróquias. Sendo o conhecimento 
da leitura e da escrita indispensável à prática do comércio, não é já 
só reservado aos membros do clero.
Pois é, caro(a) aluno(a)! Independentemente da área de conhecimento, raramente 
não encontramos exceções à regra, assim, tenha muito cuidado antes de generali-
zar qualquer informação. As informações que trazemos, com pesquisas historio-
gráficas, são formuladas a partir de documentos e fundamentadas em métodos 
e teorias, mas isso não significa que novos documentos não surjam e nos guiem 
por caminhos distintos dos traçados até então.
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Dito isso, voltemos ao que se pode considerar a predominância da Igreja Católica 
romana sobre as organizações educacionais, a partir do século VIII. Como citamos 
anteriormente, a Europa é um território amplo, com diversas culturas, organizações 
sociais e políticas, desse modo, a relação da Igreja com os grupos sociais deve ser 
considerada com base nessa característica, ou seja, devemos ter em mente que os 
domínios da Igreja sobre os sistemas educacionais não foram totais, nem homo-
gêneos. Segundo Pirenne (1977), a presença de escolas municipais foi identificada 
em regiões com “vida urbana”, e, considerando o lento processo de renascimento 
das cidades, essa urbanização foi lenta, assim como não significa que toda cidade 
tinha uma escola municipal aos moldes apresentados por Pirenne.
A burguesia, por trabalhar diretamente com o comércio, dependia de determinados co-
nhecimentos, como os cálculos matemáticos, por exemplo, eram fundamentais em uma 
época em que não se tinha calculadoras para auxiliar nas contas. Henri Pirenne destaca 
que: “O burguês iniciou-se nele muito antes do nobre, porque o que não era para o nobre 
mais que um luxo intelectual era para o burguês uma necessidade diária”.
Fonte: adaptado de Pirenne (1977, p. 181).
explorando Ideias
Figura 5 - Copista medieval /
Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)14. 
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De qualquer forma, a Igreja não deixou de reivindicar o controle ou, ao menos, a 
vigilância sobre as escolas municipais, o que provocou numerosas desavenças entre 
ela e as autoridades urbanas, desse modo, Pirenne (1977, p. 181) ainda pontua que:
 “ A questão religiosa é naturalmente alheia a estes debates. Não ti-
veram outra causa excepto o desejo das cidades de conservarem a 
superintendência sobre as escolas criadas por elas e das quais en-
tendiam conservar a direcção.
De resto, o ensino dessas escolas limitou-se, até à época do Renasci-
mento, à instrução elementar. Todos aqueles que queriam um saber 
mais completo deviam dirigir-se às instituições do clero. Foi destas 
que saíram os letrados [...]. 
Com ou sem as escolas municipais, porém, a Igreja Católica romana se constituiu 
sobre o esfacelamento do Império Romano e se fortaleceu com as ligações com 
o Império Carolíngio. Nesse processo, ela assumiu o controle do sistema educa-
cional existente, “criando ou reorganizando desde as escolas primárias ligadas 
às abadias e catedrais até as universidades, passando pelo próprio sistema de 
formação interna do clero” (MANOEL, 2011, p. 78). Considerando que o sistema 
educacional da época estava em situação precária e que, independentemente da 
idade, o educando passava pelo acompanhamento do clero, a instituição passou 
a controlar a produção de ideias e a organização do conhecimento. Vale destacar, 
porém, que o sistema educacional era de acesso a uma parcela ínfima da popu-
lação medieval, isso significa que a leitura e a escrita eram do conhecimento de 
poucos indivíduos comuns. Essa característica possibilitou que a instituição se 
infiltrasse em questões políticas e administrativas da sociedade feudal, o que 
favoreceu, no monopólio quase absoluto, a produção e circulação de ideias entre 
os séculos IX e XV (MANOEL, 2011).
A percepção acerca de uma situação pode variar muito e depende da posição de quem 
analisa! Juan Donoso Cortes (1809-1853), teórico conservador do catolicismo, por exem-
plo, referia-se à Idade Média como o esplendor da civilização, porque foi uma época em 
que a sociedade se subordinava aos preceitos católicos e ao controle da Igreja.
Fonte: as autoras.
explorando Ideias
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Não há dúvidas que, no decorrer desses longos seis séculos, heresias e questio-
namentos estiveram presentes entre a sociedade medieval; se pesquisarmos, não 
encontraremos apenas uma ou duas tentativas de se estabelecer uma forma de 
pensar diferente da definida pela Igreja, encontraremos várias, no entanto, elas 
foram caladas e sufocadas pelo sistema já fundamentado da própria instituição. E, 
quando as ideias insurgentes ameaçavam, de alguma forma, os dogmas da Igreja, 
esta se apropriava deles, como no caso da filosofia aristotélica.
 “ Quando a ameaça aos seus dogmas provinha de doutrinas geradas 
externamente à instituição católica, ela se apropriava do novo modo 
de pensar e o reelaborava conforme suas doutrinas.
Esse foi exatamente o caso da filosofia aristotélica, reintroduzida pe-
los árabes na Europa católica. Percebendo que se tratava de um sério 
oponente às suas doutrinas, a Igreja dela se apoderou, fundindo-a 
com seus dogmas. Esse trabalho foi eficazmente realizado por San-
to Tomás de Aquino (1979), especialmente na Summa Theológica 
(MANOEL, 2011, p. 78).
Historicamente, percebemos que 
“os fundamentos da episteme ca-
tólica consolidaram-se ao longo 
dos séculos e foram se tornando 
dominantes à medida que a Igreja 
Católica romana se fortalecia como 
instituição central da Europa na Ida-
de Média” (MANOEL, 2011, p. 78). 
Com isso, quando voltamos para o 
período renascentista, esse conjunto 
de conhecimentos católicos já estava, 
plenamente, fundamentado nas te-
ses escolásticas e se consolidava nas 
sete Artes Liberais, constituídas pelo 
Trivium (Gramática, Dialética e Re-
tórica) e o Quadrivium (Geometria, 
Aritmética, Astronomia e Harmonia 
– música) (MANOEL, 2011).
Figura 6 - As sete Artes Liberais / Fonte: Wikipé-
dia ([2020], on-line)15.
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O conjunto de disciplina do Trivium era predominante na área acadêmica, o 
que influenciou o desenvolvimento científico europeu. Isso porque o Trivium 
apoiava-se na análise do discurso, uma vez que as disciplinas que o compunham 
analisavam as questões gramaticais e acerca da oratória, por meio da Gramática, 
da Retórica e da Dialética, e se voltava à arte do debate. Desse modo, o predo-
mínio do Trivium, no ambiente acadêmico, direcionou a produção do conheci-
mento produzido, no período medieval, à arte dos debates, pouco se voltando à 
investigação do homem ou da natureza. O Quadrivium, por sua vez, composto 
pela Geometria, Aritmética, Astronomia e Harmonia (música), disciplinas que 
direcionavam os estudos à investigação do homem e da natureza, foi subordina-
do ao Trivium. Vale, ainda, destacar que as principais preocupações da época se 
voltavam para a Astronomia, o que, em tese, proporcionaria um direcionamento 
menos sacralizado; no entanto a Astronomia era, até então, fundamentada nas 
teses de Ptolomeu (83-161 d. C.), para quem a terra era o centro do universo. Ca-
racterística que explica porque os estudiosos do período medieval não consegui-
ram ultrapassar a concepção estática e geocêntrica em qualquer saber produzido 
no período (MANOEL, 2011).
A organização educacional, portanto, concentrada nas sete Artes Liberais, 
com ênfase no Trivium, influenciou odirecionamento da produção do saber 
medieval. Entretanto essa influência ultrapassou as percepções acerca das regras 
astronômicas, pois a influência de São Tomás de Aquino foi tão intensa que suas 
ideias estão em evidência na Igreja Católica romana ainda hoje. Em agosto de 
1879, o papa Leão XIII (1810-1903), por meio da Encíclica Aeterni Patris ([s. d.],-
fonte online), a filosofia tomista-aristotélica foi elevada pela Igreja à condição de 
filosofia oficial da cristandade. Vejamos um pequeno fragmento do documento: 
 “ Em todas essas doutrinas principais que a inteligência humana 
não pode receber naturalmente, é muito justo que a filosofia use 
de seu método, de seus princípios e argumentos; contudo, não de 
tal maneira que pareça querer suprimir a divina autoridade. Antes, 
constatando que as coisas conhecidas por revelação gozam de uma 
veracidade indiscutível e que as que se opõem à fé também repug-
nam a reta razão, deve ter presente o filósofo católico que violará 
de vez os decretos da fé e da razão, se abraçar algum princípio que 
ele saiba que repugna a doutrina revelada (PAPA LEÃO XIII, [s. 
d.], p. 7-8).
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Nesta pequena citação, percebemos, claramente, a presença e força da chamada 
doutrina da “revelação divina”, que muito influenciou o processo de constru-
ção de conhecimento que estamos abordando nesta unidade. Assim, podemos 
afirmar, sem receio, que o tomismo aristotélico foi tão significativo para essa 
instituição que, ainda é, nos dias atuais, o alicerce teórico de toda filosofia oficial 
do catolicismo. Desse modo, aluno(a), tente imaginar a força dessas ideias sobre 
as pessoas que viveram na Era Moderna, pois, somente assim, você perceberá o 
quão ambíguo foram os sentimentos dessa sociedade.
3 
ANTES DA CIÊNCIA
DA RAZÃO:
abalos no pensamento
medieval
Apesar da força da Igreja bem como da filosofia tomista, no desenvolvimento 
científico desse período, sabemos que, a partir dos séculos XV e XVI, o predo-
mínio da Igreja foi profundamente desestruturado pela emergência das ideias e 
atitudes do homem moderno, de certa forma, lideradas pela burguesia e por todo 
um processo de aceleração contínua que ocorria na Europa. Entre as raízes dessa 
aceleração, está o que conhecemos por Humanismo renascentista (XV e XVI), um 
dos “braços” do movimento renascentista, responsável por profundas mudanças 
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na maneira de pensar dos homens que viveram nesse período. Até então, a Igreja 
Católica romana havia desenvolvido um modelo de teoria do conhecimento que 
podemos chamar de teocêntrico. Isso significava, primeiro, que Deus é o centro 
de toda e qualquer sabedoria que o homem possa alcançar; e, segundo, que é do 
próprio Deus que provém a luz, ou seja, a revelação que permite ao homem chegar 
ao verdadeiro conhecimento (MANOEL, 2011). A isso denominamos doutrina 
da “revelação divina”, e isso significa dizer que toda busca pelo conhecimento 
deveria seguir um único caminho, qual seja
 “ [...]obedecer às diretrizes da doutrina católica, porque esta, sendo 
ela mesma uma revelação divina, era a única possibilidade de levar 
a inteligência humana ao verdadeiro conhecimento, isto é, ao co-
nhecimento de Deus.
Se, conforme a doutrina católica, o homem deveria ter por única 
preocupação a busca do verdadeiro saber e, por meio dele, a sal-
vação da alma, qualquer conhecimento que não tivesse por base a 
crença em Deus e por resultado a demonstração de sua existência 
constituir-se-ia em um falso saber, portanto, um perigo para a fé e 
para a alma humanas (MANOEL, 2011, p. 79).
Nesse sentido, o único resultado aceitável para os caminhos trilhados pela in-
teligência humana eram os que seguiam o que era estabelecido pela tradição 
católica, o da teologia. Em outras palavras, a inteligência humana não deveria 
buscar respostas na investigação científica da natureza ou reflexões filosóficas 
em torno das relações sociais e da história da humanidade, pois, neste caminho, 
não estavam as palavras e as leis de Deus. É evidente que uma atitude como essa 
provocou estagnação na ciência e na filosofia, e áreas como biologia, anatomia, 
entre outras, foram taxadas como desnecessárias ou mesmo ofensivas ao caminho 
de Deus e, por isso, não se desenvolveram nesse período.
O Homem Vitruviano ou Homem de Vitrúvio é um desenho de Leonardo da Vinci (1452-
1519). A obra foi produzida em 1490 e além de representar um ideal beleza, equilíbrio e 
harmonia defendidos na antiguidade ele também é um demonstra a proximidade de Da 
Vinci ao humanismo e Antropocentrismo muito difundidos durante o Renascimento.
Fonte: a autora
explorando Ideias
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Figura 7 - Homem Vitruviano (desenho de Leonardo Da Vinci) / Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)16.
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Clausse (1977, p. 128) informa-nos acerca dessa situação que:
 “ [...] a cultura geral da Idade Média vai reduzir-se a um formalismo 
extremo, que exclui toda possibilidade de discutir a verdade filosó-
fica. Cultivar o corpo e praticar a experiência sensível era tender ao 
pecado. O homem deve elevar-se acima das tentações e das distra-
ções oferecidas pelo mundo material e conservar o olhar voltado 
para a salvação eterna que o outro mundo lhe reserva. 
Dentre inúmeros exemplos que desvalorizam o saber produzido pelo homem, 
Clausse (1977, p. 128) faz referência ao posicionamento do Monge Otloh do sé-
culo X: “[...] os amigos da sabedoria terrena podem ficar com seu Cícero, nós, nós 
queremos seguir o Cristo, que escolheu não letrados, mas pescadores por discípu-
los [...]”. Palavras que elevavam a ignorância à condição de virtude, justificando, 
assim, a atitude católica da época (MANOEL, 2011). É importante esclarecermos 
que se as especulações filosóficas e científicas não foram incentivadas como ou-
tras áreas no período medieval, não foi por falta de condições materiais, ou seja, 
por falta de recursos. Afinal, povos que viveram em tempos mais longínquos não 
deixaram de investigar a natureza por falta de recursos, os gregos são exemplos 
dessa curiosidade científica. O que nos leva a concluir que, se durante a Idade 
Média, o saber científico se restringiu a um saber sacralizado, foi por questões 
culturais e ideológicas direcionadas pela própria Igreja Católica romana acerca 
do mundo. Esta atitude reforçou, de forma predominante, a posição dos teólogos 
em relação aos filósofos, tornando, com isso, a filosofia um apêndice da teologia. 
O filósofo medievalista Gilson (1965, p. 491) sintetiza os princípios teóricos me-
dievais com as seguintes palavras:
 “ [...] quando uma conclusão filosófica contradiz um dogma (teológi-
co) achamo-nos ante um sinal inquestionável de que tal conclusão 
é falsa. A razão, devidamente advertida, deve criticar-se a si mesma 
e retomar o ponto onde o erro se produziu.
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Manoel (2011, p. 80) explica, ainda, que
 “ [...] a Igreja estabeleceu um tribunal do conhecimento, um tribunal 
epistemológico, que, de um lado, somente referendava aquele co-
nhecimento que tivesse Deus como início e fim e se subordinasse a 
seus dogmas teológicos e, de outro, condenava outras descobertas 
e elaborações da inteligência humana.
Percebemos, portanto, que, nessa percepção epistemológica, a razão era inferior à 
fé, e a filosofia inferior à teologia. Hierarquia que, em momentos de contradição, 
validava a teologia, por direito natural, enquanto que a filosofia estaria sempre 
errada. Por outro lado, uma coisa é afirmar que a produção de saber foi direciona-
da pela Igreja, outra é afirmar que ela foi inexistente; desse modo, precisamos ter 
muito cuidado com essa observação e é sobre essa questão que nos debruçaremos 
mais à frente. Com o Renascimento ou, ao menos, a partir dele, percebe-se um 
contexto de oposição à sociedade medieval e ao predomínio da religião católica. 
Em relação à produção de conhecimento, houve um deslocamento do centro de 
interesses, situação que provocou mudanças consideráveis na doutrinacatólica. 
Temos, então, o Humanismo renascentista que, apesar de não negar a existência 
de Deus, tornou o homem o centro das investigações humanas. O Humanismo 
foi, portanto, uma “violenta reação ao modo de pensar, de educar, de exprimir, e, 
podemos afirmar, foi uma reação à maneira de viver da Idade Média” (MANOEL, 
2011, p. 81). Isso porque os pensadores renascentistas não se mantiveram, apenas, 
na retomada de pensadores da Antiguidade:
 “ [...] mas chegaram a estabelecer uma espécie de tribunal epistemo-
lógico. Se, antes, o que valia era o saber referente a Deus e à salvação 
da alma, as novas realidades concretas e intelectuais do Renasci-
mento, e da Era Moderna em geral, estabeleceram que o homem 
era o centro de preocupações do próprio homem. Abriram, assim, 
espaço para pesquisas e especulações livres do controle do tribu-
nal católico. Abandonando as disputas retóricas sobre gramática e 
lógica, dever-se-ia enveredar pelos caminhos da moderna ciência 
(MANOEL, 2011, p. 81).
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Essas novas ou renovadas formas de pensar provocaram mudanças profundas 
na produção do conhecimento, definido pela teoria católica, que, até então, era 
representada pela “revelação divina”. Estas transformações, porém, só foram pos-
síveis graças às experiências fisiológicas dos homens com o mundo natural que 
os cercavam. Mais ainda, essa transformação é análoga à redefinição do objeto de 
conhecimento científico, ou seja, a partir desse momento, o homem passou a ser 
encarado como objeto privilegiado do interesse do saber moderno. A essa nova 
forma de pensar e se relacionar com o mundo e com o conhecimento intitulou-
-se Humanismo renascentista. Desse momento em diante, a razão humana, ou 
seja, o raciocínio humano, substituiria o espaço antes ocupado pelas sete Artes 
Liberais e a Teologia católica.
 “ Livre das peias religiosas, o saber humano produziria as plenas luzes 
da razão e das ciências que viriam substituir [...] o obscurantismo 
medieval. Não por acaso, os pensadores europeus do século XVIII 
e do início do XIX autodenominaram-se Iluministas e, como tais, 
consideravam-se encarregados pela História Humana de iluminar 
a humanidade com seu saber racional e científico, expulsando as 
trevas medievais (MANOEL, 2011, p. 82).
Começa-se, então, a delinear-se um novo processo de produção do conhecimen-
to, que é, comumente, denominado Racionalismo. Porém é importante salientar 
que não houve rupturas abruptas nos fundamentos do cristianismo católico, o que 
implica estender a mesma afirmação aos ideais e aos valores morais medievais. 
Devemos pensar esse processo como uma mudança gradativa que abrangeu as-
pectos social, cultural, religioso e científico, no decorrer da Era Moderna. Outro 
aspecto que também deve ser ponderado é a ideia de que a ciência não caminhava 
com a religião. Observe que há uma grande diferença entre afirmar que as teorias 
e fundamentos adotados pela Igreja não contribuíram com o desenvolvimento das 
investigações da natureza e afirmar que a Igreja não incentivou a ciência. Assim, 
vale a pena nos debruçarmos sobre essa questão nas próximas linhas.
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RUPTURA
Muitos estudiosos do período fazem uso do conceito de ruptura para se referir às mudan-
ças que ocorreram entre o período medieval e o moderno, no entanto, observa-se muito 
mais as permanências que rompimentos completos tanto na ciência como na cultura, na 
moral e, principalmente, na religião. Em Nascimento e Afirmação da Reforma, Jean Delu-
meau aborda as razões da Reforma Protestante e apresenta um trabalho maravilhoso, 
demonstrando, por meio de diversos documentos, a “confusão” entre o medievo e o mo-
derno no decorrer do período que contempla o Renascimento. Mais à frente, abordare-
mos uma pequena parte dessa obra para apresentarmos a Reforma, mas é uma leitura 
muito válida para qualquer pessoa que esteja interessada no período.
Fonte: as autoras.
conceituando
4 
CIÊNCIA E FÉ
NO RENASCIMENTO
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Na atualidade, você, aluno(a), deve concordar, ao menos, em parte, que ciência 
e religião são pensadas como opostas. Como tentamos demonstrar nas páginas 
anteriores, isso ocorre, em parte, porque a ciência ocidental se constituiu dentro 
do campo teológico ou, de certa forma, apresentou estreita relação com ele. E 
você já deve ter percebido que o Renascimento é um período privilegiado para 
clarear um pouco esse complexo processo. Já havíamos pontuado no início dessa 
unidade, mas vale lembrar que é muito difícil apresentarmos linearidades nesse 
processo e, por outro lado, não foi nosso intuito apresentarmos sequências de 
eventos ou fazermos relações de causas e efeitos. Nosso objetivo maior é que você 
compreenda o Renascimento como um período cheio de significados e, mais que 
identificar o que ocorreu nesse contexto histórico, que você compreenda um pou-
quinho dos porquês intrínsecos a ele. Salientados estes aspectos, nos voltemos, 
então, à questão ciência e religião.
Woortmann (1997) compara a relação entre ciência e religião com a da magia 
e a ciência; tão altos os muros levantados em torno dessas duas formas de se pen-
sar o mundo, o autor faz a seguinte observação: num certo sentido, opor religião 
à ciência é uma maneira de opor "primitivos" ao Ocidente civilizado – mesmo 
depois de ter o Iluminismo forjado a noção de "religião natural" (ou por causa 
disso) – e de "construir" o Ocidente (WOORTMANN, 1997, p. 3). Em seu tra-
balho, Woortmann cita inúmeros pesquisadores, principalmente, antropólogos, 
mas o ponto é que o contraste entre essas duas áreas sempre estava em evidência. 
Figura 8 - A Criação de Adão (1511) 
por Michelangelo Buonarotti /
Fonte: Wikimédia Commons ([2020], on-line)17.
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Não temos condições de destrinchar esse tema em detalhes, mas queremos que 
você desmistifique a ideia de que religião e ciência nunca dialogam, ou mesmo, 
a de que a Igreja se opunha, de forma rígida, a todo desenvolvimento científico 
durante o Renascimento. Em outras palavras, queremos ampliar um pouco mais 
sua percepção acerca desse momento da História. Nesse sentido, buscamos abor-
dar três questões simples nesta aula:
1. Os cientistas do período renascentistas tinham como objetivo confrontar 
a religião?
2. As descobertas científicas, realmente, não eram aceitas pela Igreja?
3. A Igreja, realmente, opunha-se, radicalmente, ao desenvolvimento científico?
Para responder à primeira questão, podemos iniciar fazendo uso do Aforismo 
LXXXIX Bacon (1973, p. 65, grifo nosso), em que ele demonstra que não deseja 
uma ruptura com a doutrina cristã e, acerca dessa situação, faz uma severa crítica 
aos que temiam aos resultados dos estudos realizados nessa época:
 “ [...] parecem temer que a investigação da natureza acabe por subver-
ter ou abalar a autoridade da religião, sobretudo para os ignorantes. 
Mas estes dois últimos temores parecem-nos saber inteiramente a 
um instinto próprio dos animais, como se os homens, no recesso 
de suas mentes e no segredo de suas reflexões, desconfiassem e du-
vidassem da firmeza da religião e do império da fé sobre a razão e, 
por isso, temessem o risco da investigação da verdade da natureza. 
Contudo, bem consideradas as coisas, a filosofia natural, depois 
da palavra de Deus, é a melhor medicina contra a superstição e o 
alimento mais substancioso da fé.
A questão, porém, é que Bacon era um homem de seu tempo e, como muitos 
estudiosos renascentistas, era um homem de fé, o que não significa dizer que, por 
causa disso, deixou de expressar suas opiniões ou mesmo suas críticas à Igreja 
Católica romana. Aprofundando-se em sua obra, podemos identificar críticas 
ferrenhas ao domínio católico sobre as universidades bem como ao sistema de 
produção e divulgação deste saber. Vejamos a tese que Bacon (1973, p. 65) sus-
tentou no Aforismo XC: 
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 “ [...] costumes das instituições escolares, das academias, colégios e 
estabelecimentos semelhantes, destinadosà sede dos homens dou-
tos e cultivo do saber, tudo dispõe de forma adversa ao progresso 
da ciência. De fato, as lições e os exercícios estão de tal maneira 
dispostos que não é fácil venha a mente de alguém pensar ou se con-
centrar em algo diferente do rotineiro. Pois os estudos dos homens, 
nesses locais, estão encerrados, como em um cárcere, em escritos 
de alguns autores.
Precisamos, portanto, ter cuidado ao pensarmos na Era Moderna como uma 
época de ruptura entre a ciência e religião, ou mesmo, na relação entre as pessoas 
e as instituições de seu tempo. Porém, continuemos com nossas análises. Voltemo-
-nos, agora, para outro importante nome da Era Moderna e, claro, renascentista, 
Galileu Galilei. Ao nos referirmos a Galileu é interessante pontuarmos que, por 
muito tempo, ele foi considerado, praticamente, um mártir da Inquisição. Num-
bers (2013, p. 19) destaca que muitos mitos foram divulgados dentro do tema 
“ciência e religião”, dentre os nomes mais destacados está o de Galileu Galilei, 
como o alguém que “foi perseguido pela Igreja por divulgar a noção copernicana 
de que a Terra gira ao redor do Sol e em quase todas essas narrativas ele é preso, 
torturado e temia por sua vida”. Não queremos minimizar o que Galileu sofreu 
com a pressão imposta pela instituição, pois foi, sim, terrível, mas é importante 
esclarecer que a situação foi bem mais amena do que, por séculos, foi divulgado, 
então, tentaremos entender um pouco essa situação. Em 24/02/1616, os teólogos 
do Santo Ofício censuraram a tese de Nicolau Copérnico, publicada na obra As 
revoluções dos orbes celestes; em 05/03/1616, a obra foi inserida no Índice de 
obra proibidas pela Igreja (Index) (GALILEI, 2009). Dezessete anos depois, no 
início de 1633, Galileu foi intimado pelo tribunal do Santo Ofício a comparecer 
em Roma, pela violação de uma instrução papal. Em Roma, ele foi hospedado na 
Embaixada da Toscana (é importante destacar que ele não foi para uma prisão). 
Após a declaração de que era culpado, passou algumas semanas no palácio do 
bispo de Sena, como convidado, e só após esse tempo no palácio, ele passou a 
cumprir a pena de prisão domiciliar, passando, assim, o resto de sua vida em sua 
casa de campo nos arredores de Florença (NUMBERS, 2013). Sem dúvida, não foi 
uma situação ideal, pois ninguém quer passar a vida confinado em sua residência, 
independentemente se esse local é ou não agradável, mas temos que concor-
dar que essa situação “está longe de ser a história que tem sido contada através 
dos séculos”, além disso, é fundamental considerarmos que, “as evidências mais 
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convincentes em favor do heliocentrismo ainda não haviam sido descobertas, o 
seu grande argumento empírico tinha a ver com as marés, que, em retrospecto, 
mostrou-se equivocado” (NUMBERS, 2013, p. 13). Esse processo envolvendo 
Galileu é, sim, bastante complexo, há, até certo ponto, a perseguição ao cientista; 
que, segundo Numbers (2013), era uma pessoa muito difícil e se esforçou na 
tentativa de antagonizar amigos e inimigos; e, como, comumente, deparamo-nos 
em processos variados, teve pessoas que o apoiavam e outras que se opunham 
a ele. Entretanto, apesar deste ser um dos processos mais importantes do perío-
do histórico que estamos estudando, não são apenas os mitos que surgiram em 
torno do mesmo que nos interessa. Assim como fizemos com Bacon, queremos 
que você tenha conhecimento de algumas declarações apresentadas por Galileu 
e compreenda sua relação entre a ciência e a sua fé. Por meio de inúmeras cartas, 
Galileu torna evidente que o conflito entre a ciência e a revelação bíblica só pode-
ria ser aparente, pois, em sua percepção, ambas eram verdadeiras. Galileu, como 
católico, admitia que a Bíblia era imune de erro, quem erra é seu intérprete que 
não teve a capacidade de captar, corretamente, o sentido do texto sagrado, não 
por intenção, mas pela preocupação em ser fiel ao que apresenta, literalmente, a 
sagrada escritura.
 “ [...] parece-me que fosse proposto com muitíssima prudência por 
esta e concedido e estabelecido por V. P. que a Sagrada Escritura 
não pode nunca mentir ou errar, mas serem os seus decretos de 
absoluta e inviolável verdade. Só teria acrescentar que, se bem a 
Escritura não pode errar, não menos poderia vezes errar algum dos 
seus intérpretes e expositores, de vários modos. Entre estes, um seria 
muitíssimo grave e frequente; quando quisesse deter-se sempre no 
puro significado das palavras; porque, assim, apareceriam aí não 
apenas diversas contradições, mas graves heresias e mesmo blasfê-
mias. [...] é necessário que os sábios expositores mostrem os sentidos 
verdadeiros e acrescentem-lhes as razões particulares por que foram 
proferidas tais palavras.
Assentado, portanto, que a Escritura, em muitas passagens, não apenas 
admite, mas necessita necessariamente de exposições diferentes do sig-
nificado aparente das palavras, parece-me que, nas discussões naturais, 
deveria ser deixado no último lugar (GALILEI, 2009, p. 18-19). 
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Galileu ainda ponderava acerca da finalidade da Bíblia, que, para ele, tratava-se 
de um texto de ensinamento religioso e moral e não de um texto de ciência da 
natureza, em uma carta enviada à Cristina de Lorena, o estudioso cita um famoso 
epigrama atribuído ao Cardeal Barônio: “A intenção do Espírito Santo é ensinar-
-nos como se vai para o céu e não como vai o céu” (GALILEI, 2009, p. 11). Desse 
modo, o autor conclui que seria um erro procurar, nos ensinamentos bíblicos, 
qualquer ensinamento científico. Seria, portanto, um desrespeito para o texto 
sagrado servir de contraponto para questões as quais o texto não foi destinado. 
Muitas são as explicações apresentadas por Galileu, buscando, assim, demonstrar 
que a ciência, de forma alguma, buscava invalidar a veracidade da palavra sagrada. 
Caríssimo(a), você não precisa concordar com as ideias e interpretações aqui 
expostas, mas acreditamos que os documentos aqui apresentados são suficientes 
para demonstrar que os estudiosos ou cientistas do período moderno não ti-
nham, como, geralmente, faz-se entender, a intenção de confrontar a religião com 
seus estudos e descobertas. Porém, de forma alguma, essas situações são simples 
de se compreender; por trás desses documentos, há muito mais a se observar. 
Nesse sentido, orientamos que, enquanto estudioso(a), você tenha contato com 
os documentos aqui citados e busque, nesses documentos, mais informações para 
ampliar sua percepção acerca desse complexo período histórico.
A oposição pura e simples não se encaixa nessa história. Ademais, alguns historiadores 
enfatizaram o papel positivo da Igreja Católica. John Hildebrandt afirmou que nenhuma 
instituição deu maior apoio a astronomia durante os 600 anos entre os séculos XII e XVIII 
que a Igreja Católica, e Michael Skank afirma que no mesmo período nenhuma outra 
instituição deu maior apoio a todas as ciências. Ele se referia ao apoio às universidades, 
principal local para ensino e pesquisa científicos. Portanto, é necessário que equilibramos 
as coisas. Sim, a Igreja Católica por vezes se opôs a certas concepções científicas, mas, 
em geral, apoiou muita ciência. A história não é tão simples como aqueles que criaram os 
mitos queriam que acreditássemos.
Fonte: Numbers (2013, p. 13).
explorando Ideias
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Até o presente momento, citamos cientistas, estudiosos que, apesar de demons-
trarem ser homens de fé, não eram representantes da Igreja. Por isso, para dis-
correr acerca das outras duas questões (se as descobertas científicas, realmente, 
não eram aceitas pela Igreja e se a esta, realmente, opunha-se, radicalmente, ao 
desenvolvimento científico), voltaremos, a partir de agora, ao posicionamento 
de um importante sujeito histórico, o padre jesuíta Antônio Vieira. Para auxiliar 
com essas questões, observemos as percepções de Costa e Menezes (2012, p. 370), 
acerca do posicionamento da Igreja, a partir da análise de uma peça de teatroescrita no início do século XX:
 “ A representação de Brecht encontra apoio em grande parte da his-
toriografia que se dedica ao estudo da Igreja romana no início da 
modernidade. De forma predominante, essa instituição é tida como 
conservadora e contrária às transformações culturais daquela épo-
ca. Vista de uma forma panorâmica, de fato, é inegável que a Igreja 
foi avessa às novidades da modernidade. No entanto, esse processo 
não foi linear. Ao contrário, comportou avanços e recuos, idas e 
vindas, e se, em determinados momentos, o fogo da Inquisição pu-
rificou os hereges, em outros, houve pontífices que estimularam o 
conhecimento da natureza.
Diferentemente do que Bretch retrata em sua peça teatral, os autores citados de-
monstram que a Igreja não se colocava, necessariamente, contra o estudo da natu-
reza, mas, ao contrário, diversos clérigos, inclusive jesuítas, interessaram-se e con-
tribuíram para o desenvolvimento do saber acerca do mundo natural, no decorrer 
da Modernidade. Dentre esses clérigos, está o jesuíta português Antônio Vieira. O 
que se destaca no posicionamento de Antônio Vieira é que, “ao explicar os fenôme-
nos da naturais, ora ele recorria aos textos sagrados, aos argumentos da fé, ora ele 
recorria a postulados produzidos pelos ‘matemáticos’ da modernidade” (COSTA; 
MENEZES, 2012, p. 370). Situação que, aparentemente, indicava uma tensão entre 
a racionalidade e o conhecimento revelado; em outras palavras, entre o novo co-
nhecimento produzido pelos observadores da natureza e o conhecimento revelado 
por meio da sagrada escritura. Inclusive, por causa desse posicionamento, muitas 
conclusões antagônicas foram apresentadas acerca de Vieira, pela dificuldade em 
interpretar seu posicionamento acerca de determinados fenômenos. Observem 
esta explicação sobre a interpretação de Vieira acerca dos cometas:
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 “ Para Vieira, os cometas haviam sido criados por Deus no início dos 
tempos com a finalidade de serem emissários de mensagens divinas 
para os homens. Nesse sentido, Deus teria reservado aos cometas um 
papel semelhante ao dos profetas. Dependendo de sua intensidade, 
duração e formato, um cometa poderia ser emissário de bons ou maus 
presságios. Para o jesuíta, de maneira geral, um cometa em forma 
de palma podia significar bons presságios, já na forma de espada, 
problemas. Ressalte-se que a forma não era a única característica a 
ser interpretada; aspectos como cor, intensidade, tamanho, brilho e 
velocidade também deveriam ser considerados. De qualquer forma, 
a passagem de um cometa significava uma mensagem divina a ser 
interpretada, pois, na época de Vieira, encontrava-se disseminada a 
crença “de que era no céu que mais de uma vez Deus inscrevia os 
avisos que entendia comunicar aos homens”(Cidade, 1953, p. IX). 
Contudo, embora a interpretação mística dos cometas fosse bastante 
disseminada, na época de Vieira os estudiosos já afirmavam que “os 
cometas constituíam fenômenos naturais, talvez de natureza atmos-
férica”, e procuravam “explicações lógicas para os efeitos maléficos que 
lhes atribuíam” (COSTA; MENEZES, 2012, p. 371).
A análise do jesuíta acerca dos cometas é longa, ele analisou não apenas os come-
tas que puderam ser observados em sua época, mas outros descritos em tempos 
passados, inclusive muitas dessas análises, percebe-se uma interpretação bastante 
mística, mas a questão, caro(a) aluno(a), é que Vieira não observou e analisou 
apenas cometas! Quem se dedicar à obra de Vieira se deparará com muitas re-
ferências às teorias cosmológicas apresentadas na época, como as de Nicolau 
Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642). 
Vejamos algumas das análises apresentadas por Vieira acerca de um cometa 
visto em 1689: 
 “ [...] a figura de palma [do cometa], na qual [...] e na côr, que era 
de ouro, creram todos que prognosticava felicidades; também seu 
movimento era tão veloz, que nunca se viu semelhante em outro, 
com que demonstrava que os efeitos não tardariam muito (VIEIRA, 
1928, t. III, p. 586-587, grifo nosso).
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Em outros documentos, o referido padre conclui que os cometas causaram secas, 
esterilidade, fome, inundações, tempestades e, também, foram responsáveis pela 
morte da população e anunciaram desastres políticos, que poderiam ser “instituí-
dos por Deus para significar a morte dos príncipes e reis” (VIEIRA, 1953a, p. 19). 
Vieira (1953a, p. 23-24 apud COSTA; MENEZES, 2012, p. 370-371) relacionou a 
morte de D. Sebastião a cometas, como demonstra este documento: 
 “ No ano de 1577, preparando-se em Portugal a jornada de El-rei D. 
Sebastião à África [...] estava o Reino e a Corte dividida em duas 
opiniões: a dos moços e aduladores, [...] e a dos velhos e sisudos, 
[...] A um deles se conta perguntou o Rei de que cor era o medo; ao 
que ele respondeu:
- Da cor da prudência. Senão quando aparece neste mesmo tempo 
um grande cometa, como mandado por Deus para decidir a questão. 
Todos o viam, e a cada um parecia da cor dos seus olhos e do seu 
afecto. Os aduladores, fazendo do nome verbo, diziam que o mesmo 
cometa desde o Céu estava bradando ao Rei que cometesse a em-
presa, e dizendo-lhe Deus por ele: cometa, cometa. Assim se creu e 
com tão cegos aplausos, que partido o escudo das sagradas quinas, 
já iam bordadas ao lado delas nos dóceis (que depois foram lutos) 
as armas imperiais de Marrocos.
Partiu enfim, a armada, e deu-se a infeliz batalha, sucedeu a morte de 
El-rei D. Sebastião ou a falta dele, que é o mesmo; e este foi o efeito 
daquele cometa, que durou até o fim do ano.
Se você leu com atenção os exemplos citados, nesse momento, é provável que 
você interprete o olhar do padre, ou se preferir, a cosmologia “vieiriana” (COSTA; 
MENEZES, 2012), como totalmente mística. No entanto lembre-se que, anterior-
mente, informamos que esse é um dos clérigos que buscou conhecer os avanços 
do conhecimento moderno acerca da observação da natureza, o que envolve os 
estudos da astronomia do século XVII e não da atual. O fato de Vieira não julgar 
necessário incluir a fundamentação teórica do período acerca dos comentas não 
deve invalidar seu interesse nos estudos dos astros. Novamente, nosso objetivo 
em apresentar as ambiguidades das percepções dos homens daquele tempo é 
para lembrá-lo(a) que o conhecimento que temos, hoje, não era vislumbrado 
e, muito menos, comprovado naquela época. Em um sermão, no dia de Santa 
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Bárbara, Vieira (1959, p. 203 apud COSTA; MENEZES, 2012, p. 371) declara: 
“Grande ciência geométrica é necessária para entre dois pontos inconstantes tirar 
uma linha certamente recta, qual a de seguir a bala para se empregar com efeito”, 
o que chama atenção é que, nessa época, Newton e Galilei já haviam demons-
trado, em seus estudos sobre gravitação, que a gravidade interferia na trajetória 
de um projétil de modo que este não seguiria em linha reta, mas em parabólica. 
É importante salientar que, posteriormente, nos séculos XIII e início do XIX, o 
distanciamento entre a ciência e a religião será mais intenso, não é à toa que esses 
estudiosos se autointitularam iluministas, já que se consideravam os responsáveis, 
pela História Humana, de “iluminar a humanidade” com um saber racional e 
científico, livre das “amarras da religião”, expulsando do campo do conhecimento 
as trevas medievais. Porém, mesmo se tratando do Iluminismo e de toda a fé na 
ciência que se percebe no século XIX, precisamos tomar muito cuidado com a 
interpretação de que houve rupturas, ou mesmo, revoluções na relação entre a 
ciência e a religião. Afinal, somos seres complexos, e isso demanda relações com-
plexas com tudo que nos cerca.
Em um de seus sermões, Vieira considerava, de forma positiva, a utilização das armas de 
fogo nas batalhas, pois, segundo seu entendimento, a utilização da pólvora tinha equali-
zado os homens na guerra.
“E que cousa boa trouxe ao mundo a pólvora? Um desengano universal, de que nenhum 
homem se deve fiar nas suaspróprias forças. Antigamente havia Aquiles, havia Hércules, 
havia Sanções: Depois que a pólvora veio ao mundo, acabou-se a valentia dos braços. Um 
pigmeu com duas onças de pólvora pode derrubar o maior gigante”.
Fonte: adaptado de Vieira (1959, p. 211).
explorando Ideias
Outro exemplo com referência aos estudos astronômicos de Copérnico e de-
monstração de que ele conhecia os estudos “matemáticos” modernos pode ser 
encontrado no Sermão da Primeira Dominga do Advento. Vale observar que o 
livro de Copérnico ao qual Vieira se referiu é As revoluções dos orbes celestes, 
publicado em 1543, e a obra foi incluída na relação dos livros proibidos pela 
Igreja, o Index, em 1616, quando o religioso tinha apenas oitos anos.
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 “ Copérnico, insigne matemático do próximo século, inventou um sis-
tema do mundo, em que demonstrou, ou quis demonstrar (posto que 
erradamente), que não era o sol o que se movia e rodeava o mundo, 
senão que esta mesma terra em que vivemos, sem nós o sentirmos, é 
a que se move, e anda sempre à roda. De sorte que, quando a terra dá 
meia volta, então se descobre o Sol, e dizemos que nasce, e quando 
acaba de dar a outra meia volta então lhe desaparece o Sol, e dize-
mos que se põe. E a maravilha deste novo intento, é que na suposição 
dele corre todo o governo do universo, e as proporções dos astros e 
medidas dos tempos, com a mesma pontualidade e certeza com que 
até agora se tinham observado e estabelecido na suposição contrária 
(VIEIRA, 1959, p. 82 apud COSTA; MENEZES, 2012, p. 372).
Atenção, caro(a) aluno(a)! Vieira é um homem de seu tempo, o que significa 
que o fato dele considerar errada a teoria copernicana acerca do movimento 
dos planetas, ele estava em acordo com os seus contemporâneos. Na verdade, 
se nos voltarmos para as discussões em torno da obra Da revolução dos Orbes 
Celestes, apesar de ter sido publicada em 1543, até o início do século XVIII, além 
de Galileu e Kepler, foram poucos os estudiosos que concordaram com as ideias 
apresentadas no livro de Copérnico. Mas não para aí, Vieira, ainda, debruçou-se 
sobre outros estudos, dentre eles, as análises com base na ciência nascente da Era 
Moderna, acerca do movimento dos planetas, a origem do arco-íris, além de, em 
vários momentos, demonstrar conhecer os escritos de Descartes. E, apesar de 
demonstrar, claramente, sua dedicação aos estudos da ciência moderna, é impor-
tante destacar que, em seus sermões, Vieira “não mostra o conhecimento empírico 
da realidade material em si mesmo” , apesar de ficar clara sua subordinação aos 
objetivos da pregação, o religioso mostra por meio de seus sermões os avanços 
produzidos pela ciência moderna e por incrível que pareça, são por meio dos 
“textos proféticos que ele questiona o predomínio do saber ‘antigo’ e faz apologia 
da ciência moderna” (COSTA; MENEZES, 2012, p. 372).
Tudo é colocado em dúvida; talvez tenha sido este o sentido do Renascimento, época das 
audácias. O homem não tem mais o que o dirija; talvez essa tenha sido a revolução.
(Klaas Woortmann)
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Vejamos um exemplo desses textos:
 “ A primeira ocasião que os Padres tiveram para não poderem en-
tender em seu tempo o sentido literal e histórico daqueles textos 
proféticos, era a falta que então havia no Mundo da verdadeira e 
exacta cosmografia, e a errada opinião, ou de que o globo da Terra 
era perfeitamente esférico, ou de que as partes opostas às que naque-
le tempo se conheciam, eram só desertas, senão ainda inabitáveis. 
Esse sentimento, que foi de muitos filósofos antigos, se tinha entre 
os Padres por verdade muito certa e averiguada, negando geral-
mente a opinião, ou a fama, de haver os que então já se chamavam 
antípodas. Posto que os princípios por que os Padres os negavam, 
não eram entre todos as mesmas razões filosóficas, em que alguns 
se fundavam, que então (antes da experiência) tinham nome de 
razões, e hoje depois delas nos parecem ridículas (VIEIRA, 1953b, 
p. 200, grifos nossos).
Para Vieira (1953b), portanto, foi graças à “correta cosmologia” da modernidade que 
possibilitou aos homens de sua época uma “correta” interpretação dos textos sagrados, 
de forma que as explicações equivocadas da natureza, produzidas pelos antigos, pa-
reciam-lhe “ridículas”; e, por meio da obra História do futuro, o jesuíta complementa 
isso. Nesse texto, “o jesuíta fez uso do livro de Santo Agostinho ‘Das Retractações’, que 
afirmava que ‘errar em alguma cousa é fraqueza de homens; acertar em tudo é per-
feição de anjos’” (COSTA; MENEZES, 2012, p. 375) . Essa afirmação serviu para que 
ele validasse a ciência moderna, pois tal frase significa afirmar que
 “ [...] como homens, e não anjos, os “Santos Padres” eram passíveis 
de erros e, dessa forma, erraram ao interpretar os textos proféticos 
canônicos. No entanto, teriam sido induzidos ao erro pela falta de 
conhecimento do mundo natural. Vejamos como Vieira mostra a 
origem de tal erro (COSTA; MENEZES, 2012, p. 375).
Vieira utilizou, ainda, as palavras de Santo Agostinho para exaltar as descobertas 
possibilitadas pelas grandes navegações, uma vez que esse avanço humano, tam-
bém, indicou os erros de filósofos antigos, bem como, também, proporcionou a 
correta interpretação das escrituras. Fazemos questão de destacar essa afirma-
ção, pois não se concebia que a escritura estava incorreta, o erro era sempre do 
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homem e nunca do sagrado na percepção não apenas de Vieira, mas de muitos 
homens desse tempo, como Bacon e Galileu, como demonstramos nas páginas 
anteriores, e muitos outros.
Colombo e os continentes
Como ressalta McGrane (1989), a astronomia copernicana não foi a única "revolução para-
digmática" do Renascimento. Deixando de lado possíveis discussões sobre esse conceito de 
Kuhn (1970), as ideias de Copérnico operaram sobre o pensamento ocidental junto com as 
consequências das descobertas de Colombo e dos navegadores portugueses. Em conjunto 
com a astronomia copernicana, e anterior a ela, a descoberta do Novo Mundo trouxe con-
sigo a invenção de um mundo novo. A descoberta da América, expressão hoje considerada 
"politicamente incorreta", teve um outro significado na época em que ocorreu: mais do que 
descobrir um outro continente, representou um redescobrimento da Europa.
As duas "revoluções" - astronômica e geográfica - tiveram uma consequência fundamen-
tal, como mostra McGrane: a homogeneização do espaço e o descentramento do mundo. 
Com Copérnico, a Terra e os demais planetas são da mesma natureza e estão submetidos 
às mesmas leis, e se assim é, em todos os lugares podem existir homens, o que colocava 
o problema acima referido face ao texto bíblico. Com Colombo surgem outros 31 mundos 
em nosso planeta, também habitáveis e, de fato, habitados por outros homens, o que 
coloca, no plano geográfico, o mesmo problema relativo às Escrituras.
As descobertas geográficas do período renascentista fazem com que a Europa se torne 
um continente entre outros, assim como a Terra se tornou um planeta entre outros.
Fonte: Woortmann (1997, p. 30).
explorando Ideias
Nunca a cidade dos homens se quis tão exatamente idêntica à Cidade de Deus, que lhe 
serve de protótipo escatológico, bloqueando nela o passado, o presente e o futuro.
(Gorges Gusdorf)
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NASCIMENTO E AFIRMAÇÃO
DA REFORMA:
a Reforma por quê?
Para compreendermos a Reforma Protestante, precisamos permear o contexto 
ou razões que levaram a um “enfraquecimento do poder da Igreja”. O historiador 
Jean Delumeau, em sua obra Nascimento e Afirmação da Reforma, apresentou 
um contexto riquíssimo acerca dessas razões. Assim, vale a pena iniciarmos nos-
sos estudos a partir de algumas observações destacadas pelo autor, uma vez que, 
enquanto historiadores e professores, é fundamental entendermos os “porquês” 
da Reforma. Delumeau (1989) destaca que é insuficiente afirmar que os Refor-
madores deixaram a Igreja romana por conta da devassidãodesta, isso porque, 
no tempo de Gregório VII e São Bernardo, já existiam tanto ou mais abusos que 
na época da Reforma, em outras palavras, devassidão já era identificada no século 
XI. Outro fato citado pelo historiador para justificar essa tese é que o humanista 
Erasmo de Roterdã não aderiu à Reforma, mesmo sendo tão rígido com papas, 
bispos, padres e monges em sua principal obra Elogia da Loucura (1511). Sobre 
seus estudos, em torno dos diversos documentos analisados, complementa que:
 “ Inversamente, quando no século XVII, a Igreja católica tinha corri-
gido a maior parte das fraquezas disciplinares que podia-se legiti-
mamente lhe censurar no século precedente, as diferentes confissões 
reformadas não procuraram regressar à obediência de Roma. As 
causas da Reforma foram então mais profundas “que o desregra-
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mento de cônegos epicuristas e os excessos de temperamento das 
freirinhas [...]”. Na Confissão de Augsburgo, quando se depararam 
com os abusos, não se tratará de costumes dos monges, mas da “co-
munhão sob uma única espécie, da missa instituída como sacrifício, 
do celibato eclesiástico, dos votos da religião, dos jejuns e abstinên-
cias impostos aos fiéis” (DELUMEAU, 1989, p. 59-60).
É evidente que os desvios sacerdotais abalaram, sim, a sociedade moderna, João 
Bouchet afirmava, em 1512, que: “Nossos grandes abusos são a todos tão públi-
cos que lavradores, mercadores e mecânicos os vão contando em grande irrisão 
[...]” (FEBVRE, 2012, p. 19 apud DELUMEAU, 1989, p. 60). Mas, como a referida 
citação evidencia o escândalo que permeou a Igreja no decorrer do século XVI, 
a instituição foi abalada porque atacavam concepções católicas, como a missa. 
Nesse sentido, devemos considerar que as causas da Reforma são muito mais 
complexas e surgiram antes das teses afixadas por Martinho Lutero em 1517. 
Doravante, não podemos ignorar que o protestantismo se consolidou a partir de 
três doutrinas, elaboradas por Lutero (DELUMEAU, 1989):
 ■ A justificação pela fé.
 ■ O sacerdócio universal.
 ■ A infalibilidade apenas da Bíblia.
Essas três doutrinas não foram formuladas do nada, elas são o fundamento da 
doutrina protestante, pois respondiam aos anseios da sociedade da época; em 
outras palavras, trata-se de uma teologia que respondia às necessidades religiosas 
do seu tempo. Por isso, para compreendermos essa sociedade, precisamos com-
preender um pouco dos receios desses homens e mulheres; e, para isso, buscare-
mos articular essas três doutrinas a acontecimentos e característica da sociedade 
moderna. A sociedade que antecedeu o século XVI convivia com a morte de 
forma constante e carregava um sentimento de culpabilidade contínua, basta 
pensarmos no contexto que permeou a Europa nos séculos anteriores: Guerra 
dos Cem Anos; A peste negra; a loucura de Carlos VI; o Grande Cisma que se 
prolongou durante 30 anos; a Guerra das Duas Rosas. Numerosas crises e catás-
trofes que abalavam e desorientavam os espíritos.
A Igreja Católica dava, como justificativa para tantas desgraças, o pecado da 
humanidade e das pessoas; diante do monopólio, quase milenar, da Igreja, não se 
tinha dúvida que todo mal que recaía sobre os homens era castigo divino. Delu-
meau (1989, p. 60) destaca que: “Se tantas pessoas na Europa, de níveis culturais e 
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econômicos diferentes, optaram pela Reforma, foi por esta ter sido em primeiro 
lugar uma resposta religiosa a uma grande angústia coletiva”. Exemplos dessa at-
mosfera angustiante foram expressos em diversas obras artísticas, e Jerônimo Bosch 
pode ser citado como documento histórico, uma vez que inúmeras obras do artista 
expressaram a força das crenças e dos dogmas católicos nesse período, vejamos:
Figura 9 - O Julgamento Final / Fonte: Wikimedia ([2020], on-line)18.
Figura 10 - Tentações de Santo Antão / Fonte: Wikipedia ([2020], on-line)19.
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Assim como os dogmas da Igreja eram fundamentados na crença do pecado da 
humanidade, seus seguidores tinham a certeza da indignidade humana! Pois bem, 
caro(a) aluno(a), mas o medo coletivo não se manteve no plano das ideias, uma 
vez que documentos emitidos pela Igreja, de certa forma, confirmavam a exis-
tência de boa parte dos personagens que atormentavam a sociedade. Em 1484, a 
bula Summis desiderantes de Inocêncio VIII e, em 1487, O Martelo da Feiticeiras 
são documentos que encorajavam a busca e a punição das pessoas suspeitas de 
se entregarem a satanás. Em outras palavras, esses documentos formalizaram e 
validaram os medos e superstições (DELUMEAU, 1989). 
Observe alguns dos temas abordados na obra Malleus Maleficarum:
1. Se a crença na existência de seres como as bruxas, é parte essencial da fé católica, e 
manter com obstinação opinião contrária, tem um manifesto conteúdo de heresia? 
Sobre se é uma heresia afirmar que as bruxas existem.
2. Se concorda com a Fé Católica a afirmação de que para produzir algum efeito de ma-
gia o diabo tem que colaborar intimamente com o bruxo, ou se um sem o outro, isto 
é, o diabo sem o bruxo ou inversamente, pode produzir esse efeito.
3. A respeito das bruxas que copulam com demônios. Porque as mulheres são as prin-
cipais adeptas às superstições malignas?
4. Porque a superstição se encontra antes de tudo nas mulheres?
5. Que tipo de mulher é supersticiosa e bruxa mais que qualquer outra?
6. O método de pregar às pessoas sobre o amor enaltecido.
Fonte: Kramer e Sprenger (2007, p. 3).
explorando Ideias
Essa leitura sinistra intensificou a atmosfera de pessimismo e inquietude dessa 
época, e a justiça dos homens se tornou ainda mais dura do que nunca. Com o 
direcionamento da Igreja, é evidenciado o horror religioso ao pecado; ausência 
quase completa de “circunstâncias atenuantes”; crueldade judiciária (suplícios); 
superstição exacerbada; crença nos sabás diabólicos, voos de feiticeiras. Já ima-
ginou um cenário como esse?! Medonho não?! Mas o horror não parava por aí! 
Diante de tantas desgraças, esperavam-se, ainda, a vinda do Anticristo e, por todos 
os lados, podia-se encontrar pregadores exaltados e, muitas vezes, suspeitos que 
falavam às multidões da ruína próxima de Roma e da Igreja e faziam entrever 
horríveis catástrofes. O Apocalipse era um tema muito citado por todos os lados 
da Europa nessa época.
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 “ Ora o reino deste inimigo de Deus e do gênero humano, na cren-
ça popular, não devia preceder senão um pouco do juízo final. Os 
artistas representavam então à porfia na pedra e nos livros, sobre 
paredes e vitrais, este tema do julgamento final dum mundo pecador 
(DELUMEAU, 1989, p. 61).
Dentre os artistas que representaram 
o tema, podemos citar, novamente, 
Jerônimo Bosch, mas, também, des-
tacou-se a obra Apocalipse, composta 
por 15 xilogravuras datáveis de cerca 
de 1496-1498, do alemão Albrecht 
Dürer. Considerando que essas obras 
são documentos imprescindíveis para 
compreendermos a História, observe, 
atentamente, os exemplos a seguir:
Figura 11 - Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse 
/ Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)20.
Figura 12 - A Abertura do Sexto Selo (A) e A mulher vestida de luz e o dragão das sete cabeças (B) 
/ Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)21; 22.
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Diante desse contexto, a preocupação com a salvação pessoal era eminente, quem 
não se preocuparia com sua salvação?! Assim, é importante que você perceba 
que essa preocupação não permeou apenas a Idade Média, ela se manteve na Era 
Moderna, e se você se voltar para algumas situações, identificará aspectos desse 
medo, ainda, na atualidade. Assim sendo, em finais do século XV, cada fiel, inclu-
sive, os principais representantes da Reforma Protestante, interrogava-se, com 
angústia, como conseguiria escapar dos tormentos eternos. Martinho Lutero, no 
início do século XVI, o principal reformador, em suas primeiras reflexões acerca 
da questão do pecado, só tinha uma preocupação: a sua salvação! (FEBVRE, 
2017). Diante dessa preocupaçãoquase palpável, em meados do século XV, o 
culto à Virgem Maria surgiu como uma forma de defesa contra a morte terrena 
e a morte eterna, mas, junto a Virgem, outros cultos tiveram origem. Podemos 
destacar, a partir das pesquisas sobre o período que nunca foi tão difundido o 
culto aos santos – fim do século XV e início do XVI. Além do culto à Maria e aos 
santos, estavam em evidência: a disputada por relíquias; confrarias se formavam 
com inúmeros padroeiros; imagens se multiplicavam (quase talismãs); e, claro, 
as conhecidas indulgências eram “concedidas”. Delumeau (1989, p. 64) descreve 
a busca pelas “defesas”, citadas anteriormente, da seguinte forma:
 “ A Igreja ensina com segurança que, para obter indulgências, é neces-
sário se confessar e comungar. Por outro lado, ela não fazia depender 
em absoluto a recepção de uma indulgência do pagamento duma 
esmola. Porém – não tenhamos dúvidas – as populações do Oci-
dente medieval, timoradas, exaltadas, pouco instruídas, por vezes à 
beira do desespero, acreditavam ser possível “comprar” a salvação.
Sim, pois tudo tinha um preço! Nessa época, um canto fúnebre que surgiu, no 
século XIV, foi constantemente cantado, o Dies irae (Dia de ira):
 “ Que pavor p’ro pecador,
Quando vier nosso Senhor
A tudo examinar com rigor!...
Pobre de mim, que excusa alegar?
Que patrono invocar,
Com mais santos a recear?...
Temível dia em que o homem, de luto,
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Se erguer de ataúde,
No julgamento de seu orgulho! (DELUMEAU, 1989, p. 66)
Nessa parte da canção/oração, o fiel está completamente sozinho, diante apenas 
do Juiz, não há Virgem ou santo em auxílio ao pecador. Mas ao mesmo tempo 
que o canto expressa um pessimismo profundo, ele também expressa uma pro-
funda misericórdia: “Juiz rigoroso, Senhor absoluto, Salvação gratuita de teus 
eleitos, fonte de amor, dê minha salvação” (DELUMEAU, 1989, p. 66). Com isso, 
percebe-se uma confusão significativa acerca da relação de Deus com a huma-
nidade. Inclusive, entre os próprios representantes da Igreja, era possível encon-
trar esperança como na corrente agostiniana da qual pertenceram reformadores 
anteriores a Lutero, como Bradwardine, Wyclif e Gerson (DELUMEAU, 1989). 
A questão é que a resposta para essa angústia coletiva acerca da salvação, foi a 
doutrina luterana da Justificação pela fé. E, apesar de suas incertezas, Lutero (1996 
apud DELUMEAU, 1989, p. 67) declara:
 “ Parai de atormentar-vos! Deus não é um juiz severo, mas um pai 
compadecido. Seja o que for que fizerdes, sois e continuareis sendo 
pecadores a vida inteira. Porém, se crerdes no Redentor, vós estais 
já salvos. Tende confiança!
Observando esse cenário, você deve se perguntar: ninguém questionou as “solu-
ções” ofertadas pela Igreja? Sim, questionavam, muitos questionaram, mas nem 
todos tiveram as condições ideias para que suas palavras fossem absorvidas de 
forma a enfrentar a instituição mais forte do período. Inclusive, Lutero também 
sofreu como toda sociedade, pois ele era um homem de seu tempo. Assombrado 
pela angústia de suas dúvidas, doravante a esse conjunto de medo, respeito e 
dúvida, deu vazão a uma das doutrinas elaboradas por ele: a Justificação pela fé. 
O que essa doutrina traz de novo? Ela levanta muitas questões em torno do 
problema da justiça. Para a Igreja Católica, bem como acreditava Lutero, para que 
o homem fosse aceito por Deus, era necessário que ele fosse justo. No entanto, 
como demonstramos nas páginas anteriores, a sociedade via o homem como uma 
criatura baixa e torpe, em constante degradação; por isso, era comum se voltar, 
muito mais, para o que era mau; e, se a vida era dura e dolorosa, era porque o ho-
mem merecia sofrer, assim, o medo deveria ser o combustível que impulsionava 
a sociedade a buscar a salvação, que, nesse contexto, era praticamente impossível! 
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Então, na percepção de Lutero, era impossível para o homem se tornar justo 
mediante a explicação da Igreja, o que o levou a concepção de que, se o homem 
é salvo, é porque Deus o aceita.
 “ Mas a impossibilidade está exatamente em o homem se tornar jus-
to. Entre a santidade de Deus e a abjeção da criatura, o abismo se 
estende tanto que, alçando com braços ridiculamente curtos essas 
escadinhas irrisórias – as boas obras -, o homem parece grotesco a 
ponto de fazer esquecer sua blasfêmia. Pois apenas Deus é capaz de 
eliminar o abismo, dirigindo-se ao homem, envolvendo-o em um 
amor eficaz, em um amor que, penetrando a criatura, regenera-a, 
eleva-a até o criador (FEBVRE, 2017, p. 74).
Claro que, no decorrer da história, essa conclusão foi criticada, houve aqueles 
que não viram, nessa doutrina, contribuição ou mudança alguma. O padre Henri 
Suso Denifle, por exemplo, estudioso que dedicou boa parte de sua vida estudan-
do e criticando as interpretações e ações de Martinho Lutero, afirmou que este 
“deveria saber que a Igreja professa, expressamente, que pela justificação Deus 
torna o homem justo” (FEBVRE, 2017, p. 74), assim, o que ele inventou de novo? 
Não é nossa intenção analisarmos as diferenças epistemológicas, linguísticas 
ou teológicas da doutrina de Lutero, pois, sem dúvidas, houve, sim, muitas con-
tradições (FEBVRE, 2017). O que não se pode negar que essa primeira doutrina 
luterana foi uma resposta à angústia presente nas orações do período e, se a mu-
dança não estava na proposta, com certeza, esteve na forma como ela foi apresen-
tada ao povo, pois apaziguou as angústias que habitavam o íntimo daqueles que 
a receberam. O que nos leva à segunda doutrina de Lutero. Vale, ainda, observar 
que pairava, na sociedade, um sentimento de abandono, pois havia uma supe-
rabundância de padres, mas faltavam “pastores”. Havia um afastamento muito 
grande entre a população e os clérigos:
 “ Excessos destes contribuíram certamente para pôr em causa o pró-
prio valor dos sacramentos. Em todo o caso, uma das principais 
características da piedade do século XV é a tendência a se afastar 
da liturgia tradicional, a preferir as procissões à missa, o rosário à 
comunhão, as manifestações de flagelantes à assembleia paroquial 
[...] (DELUMEAU, 1989, 67).
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Há, ainda, a força crescente do individualismo e do espírito laico, característica 
renascentista, mas que já demonstrava sua presença, dentro da Igreja, há algum 
tempo. No século XIV, o franciscano inglês William Occam (1270-1347) foi uma 
manifestação gritante do desejo de emancipação ao declarar que a razão era in-
capaz de alcançar Deus e, ainda que timidamente, Deus só poderia ser alcançado 
pela revelação. Para Occam (apud DELUMEAU, 1989, p. 68 e 69):
 “ Existiam portanto dois domínios radicalmente separados: o do 
divino, em que a razão não penetra, e o dos fenômenos terrestres 
susceptíveis de ciência. O primeiro não podia ser explorado senão 
pela teologia, mas o segundo devia possuir sua autonomia e por 
conseguinte escapar à inquisição da Igreja. Em suma, o homem não 
é a imagem de Deus, o qual é absolutamente livre e ininteligível. 
William Occam punha assim em causa dos alicerces da harmo-
niosa catedral intelectual e rígida por Santo Tomás de Aquino. Este 
celebrará o acordo da razão e da revelação. O franciscano inglês 
suprimia, pelo contrário, a transição de uma a outra. Afastava Deus 
para um universo longínquo e se esforçava por dilatar as fronteiras 
de um mundo humano autônomo. Vale dizer que ele encarava uma 
partilha de comum acordo entre dois domínios? Na realidade, numa 
sociedade em que qualquer ação conservava uma significação reli-
giosa, William Occam pretendia deliberadamente ampliar o lugar 
dos leigos da própria Igreja.
Além do individualismo laico, um outro individualismo foi destacado por Delu-
meau (1989), o da piedade pessoal. Um modo de viver a religião que se demonstrava 
um tanto imaginária ou mesmo mística, desviando, claramente, dos caminhos tra-
çados pela teologia “racional” do catolicismo. A experiência mística de Joana d’Arc 
é um bom exemplo dessa tendência, afinal,ela, aos 19 anos, preferiu a fogueira a 
renegar as “vozes” que direcionavam seus passos e decisões. É muito importante 
pontuar que Lutero flertou com várias obras que apresentavam esse direciona-
mento. Huizinga ([s. d.], p. 270-271 apud DELUMEAU, 1989, p. 69) destaca que:
 “ [...] para Mestre Eckart, a alma não alcançava a completa beatitude 
“sem mergulhar na divindade desértica em que não há nem obra 
nem imagem, sendo necessário que ela aí se perca e se afunde no 
deserto”. Tauler, cujas obras Lutero apreciará, escrevia por sua vez: 
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Nesse abismo o espírito se perde a si próprio, não toma consciência 
nem em Deus nem dele mesmo, nem de semelhança nem de dife-
rença nem do que seja, pois ele se precipitou na unidade de Deus e 
perdeu toda a diferenciação.
Essas ideias, porém, não eram bem vistas pela Igreja, pois, em situações de cri-
se, era perigoso validar a possibilidade de “canais de comunicação” diretas com 
Deus, e isso seria o mesmo que confirmar que, para parte das pessoas, os canais 
hierárquicos e litúrgicos, oferecidos pela Igreja, eram insuficientes (DELUMEAU, 
1989). Entretanto, aprovando ou não esse caminho, como temos demonstrado, os 
espíritos estavam abalados nesse período histórico o que tornou fértil o terreno 
para o Sacerdócio Universal defendido por Lutero.
Para entendermos esse contexto, temos que lembrar que, na alta Idade Média, 
a sociedade estava organizada em uma sociedade rural, uma cristandade comuni-
tária, facilmente dominada pelas hierarquias eclesiásticas e abadias. Mas, no século 
XV, tivemos a ascensão da burguesia, do artesanato e, claro, do comércio, ou seja, 
uma sociedade mais urbanizada onde o luxo começava a despontar bem como 
esse espírito laico e a afirmação do sentimento nacional, muitos sentimentos novos 
e confusos que contribuíram para que os defeitos da Igreja se destacassem. Nes-
sa atmosfera de confusão das hierarquias e dos valores, a corrupção ou mesmo a 
concupiscência, presente dentro da Igreja há muito tempo, prejudicavam, ainda 
mais, a capacidade dos fiéis de distinguirem o sagrado do profano, o padre do leigo 
(DELUMEAU, 1989). Podemos citar alguns exemplos dessa confusão.
Nos séculos XV e XVI, dois provérbios eram muito comuns, estes colocavam 
Deus na condição de homem, vejamos: “Deixai Deus agir, que é homem de idade” 
e “Pelo grande homem que é Deus” (DELUMEAU, 1989, p. 70). Há, porém, outras 
situações mais sérias, como teólogos e pregadores que apresentavam curiosida-
des inconvenientes acerca da castidade da Virgem e de São José. Imagens santas 
eram retratadas a partir de modelos que não apresentavam exemplo de castidade 
ou “vida cristã”, como a bela Agnès Sorel, amante de Carlos VII, retratada como 
madona com o Cristo no colo por Fouquet. A jovem foi retratada com cabelos 
raspados, segundo a moda da época, o rosto maquilado, os seios fartos e redondos 
expostos e cintura fina muito mais sensual que maternal.
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Muitos outros exemplos poderiam ser citados, como a indulgência sendo ofere-
cida como prêmios em quermesses; novelas que apresentavam padres enterrando 
cães em solo sagrado; canções profanas com recitações litúrgicas; missas sobre 
temas mundanos; dentre outros. Diante dessas condições, o “território” que deve-
ria pertencer apenas ao sagrado encontrava-se invadido por inúmeros elementos 
profanos. Como a figura do padre se manteria intacta diante de tal conjuntura? 
Questão que não era apenas levantada em relação ao baixo clero, mas como, 
também, acerca do comportamento de bispos. Wyclif repudiava os sacramentos 
e a hierarquia da Igreja em críticas contra o comportamento de párocos, decla-
Figura 13 - Madona, de Fouquet / Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)23.
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rando que, apenas, Deus pode conduzir o fiel por meio de sua palavra, ou seja 
a Bíblia. Um pouco depois, João Huss declarava que o pecado de um padre não 
era menor que o de uma pessoa comum, como aponta Pineau (1924, p. 207 apud 
DELUMEAU, 1989, p. 72):
 “ Os padres que vivem no vício, seja de que espécie for, maculam o 
poder sacerdotal, e como filhos infiéis pensam falsamente a respeito 
dos sete sacramentos da Igreja, das chaves, das funções, das censuras, 
dos costumes, das cerimônias, das coisas santas da Igreja, do culto 
das relíquias, das indulgências, das ordens... Ninguém é representante 
de Cristo ou de Pedro, se não imitar igualmente seus costumes [...].
Apesar do reformador tcheco, João Huss, ter sido condenado a morrer na foguei-
ra, suas declarações já haviam causado muitos problemas para a Igreja, pois seus 
seguidores exigiam certas mudanças, por exemplo, receberem a comunhão sob 
as duas espécies. Independentemente das deturpações locais causadas por Huss, 
a Igreja Romana levou muito tempo para mudar a percepção negativa criada em 
torno da imagem do sacerdote durante a Renascença. 
No final dos séculos XVI e XVII, com a criação e exigência dos seminários, os 
oratórios, dez anos de noviciado exigidos dos jesuítas, foram alguns dos esforços 
realizados pela Igreja para garantir à grande parcela da sociedade (que continua-
va católica) sacerdotes, minimamente, dignos. Observe, caro(a) aluno(a), que a 
sociedade, desse período, tinha muitos anseios e dúvidas e, por isso, pairava um 
sentimento de desilusão e desesperança com relação ao alcance da salvação e do 
papel do sacerdote. Contexto que demonstra o quanto a Igreja estava fatigada 
e porque surgiram, nesse período, tantas dúvidas acerca da necessidade dessa 
instituição. Nesse sentido, Lutero nada fez além de validar e dar as condições 
necessárias para que parte da sociedade fosse representada.
Por fim, mas não menos importante, temos a Infalibilidade da Bíblia, bem 
como o acesso a ela. Mais do que nunca, nesses tempos de confusão, os fiéis ti-
nham a necessidade de se apoiarem sobre uma autoridade infalível. Afinal, depois 
de tantas dúvidas, em quem depositar uma fé segura? A resposta de Lutero é: em 
Deus, livre dos homens! Sem a necessidade de um mediador corrupto, como es-
tava sendo retratada a imagem do sacerdote. A Bíblia tornou-se o último recurso 
e, ao mesmo tempo, a segurança independente das mazelas que estavam sendo 
enfrentadas pela humanidade. 
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Você deve estar se questionando quem, nessa sociedade, sabia ler. Não importa 
se a grande parte da sociedade não sabia ler, as elites liam! Ainda, demonstra-
vam um interesse cada vez mais apaixonado pela literatura, o que deu origem 
ao Humanismo. A impressão do livro foi responsável por uma revolução no que 
concerne às necessidades espirituais do tempo, como registrado por um arcebispo 
de Augsburgo: “A imprensa iluminou verdadeiramente este século, graças à mise-
ricórdia do Todo-Poderoso... Esta descoberta permite [à Igreja] ir mais ricamente 
adereçada ao encontro do esposo” (DELUMEAU, 1989, p. 77). 
Assim, a obra escrita tornava o padre menos necessário; além disso, é funda-
mental destacar que a tradução da Bíblia, feita por Lutero, propositalmente, em 
alemão, acessível a todos, possibilitou: meditação pessoal; interpretação indivi-
dual; e incentivo às análises críticas sobre a Santa Palavra. Como demonstra este 
documento datado de 1494:
 “ A Alemanha inteira regurgita de Bíblias, de doutrinas sobre a salva-
ção, de edições dos santos padres e de livros semelhantes. Grandes 
abusos se introduziram em nosso país. Volve-se e revolve-se a Bíblia, 
se lhe faz dizer tudo que se quer, e deste modo se põe em perigo a fé 
e a Bíblia, que é o fundamento da fé... As vagas assaltam em todos os 
sentidos a barca de Pedro. É necessário contar com muitas tempes-
tades e catástrofes, pois já não se sabe mais onde está a verdade. O 
anticristo está sentado na grande nau. Ele enviou seu mensageiro a 
difundir a mensagem em toda a terra. Uma fé truncada, uma dou-
trina cheia de erros penetra cada dia mais nos espíritos (JASSEN, p. 
585 apud DELUMEAU, 1989, p. 78). 
São muitas questões a serem consideradasquando a pergunta é “o que contri-
buiu para o enfraquecimento da Igreja e ascensão das doutrinas protestantes?”, 
porém esperamos que, de alguma forma, esses apontamentos contribuam para 
sua compreensão acerca desse complexo contexto. E, junto a tudo isso, você con-
sidere, ainda, que a separação da Igreja Católica romana era muito interessante 
econômica e politicamente para vários príncipes do território que viria a ser a 
Alemanha, pois esse foi o motivo que contribuiu para que Lutero recebesse o 
apoio de nobres no decorrer dos trâmites da Igreja, caso contrário, ele, provavel-
mente, seria apenas mais um mártir. 
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Concluímos esta aula chamando a atenção para o fato de que Lutero nunca teve 
a intenção de abalar a Igreja, ou mesmo de organizar um movimento separatista, 
ou de formular uma nova religião. Febvre (2017) destaca, incansavelmente, que 
Lutero, inicialmente, foi impulsionado por seus anseios com relação ao que ge-
rava dúvidas acerca da vontade de Deus. Ou seja, Lutero era um homem de seu 
tempo, inclusive com medo de ir para o inferno como qualquer outro. Quanto à 
Igreja Católica romana, sem dúvida, ela sofreu abalos no decorrer desse processo, 
entretanto a instituição esteve longe de perder seu poder e uma prova disso é a 
influência que continuou a exercer até a atualidade. 
Martinho Lutero apresenta, 
publicamente, 95 
teses/argumentos contra as 
práticas corruptas da Igreja.
São oferecidos 
cultos com 
base nos 
ensinamentos 
de Lutero em 
Copenhague.
João Calvino 
começa a 
Reforma da 
Igreja na 
Suíça.
Ocorreram 
guerras 
político-religiosas 
entre católicos e 
protestantes.
O Concílio de Trento 
reafirma as 
doutrinas católicas, 
marcando o início 
da Contrarreforma.
Henrique VIII, rei da 
Inglaterra, rompe 
com Roma e se 
autointitula chefe da 
Igreja da Inglaterra.
1379 1415 1512 1517 1520 1534 1536 1546-1555 1545-1563
O inglês John 
Wycliffe faz crítica 
às práticas da 
Igreja.
O tcheco 
Jan Hus é 
queimado 
vivo.
Martinho Lutero vai a 
Roma e, durante sua 
estadia, a corrupção 
da Igreja chama sua 
atenção.
Figura 14 - Linha do tempo da Reforma e Contrarreforma (antes)
Fonte: as autoras.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo por meio do estudo da natureza ou da sociedade, o Renascimento foi a 
Era da Descoberta do “individual” e, por meio das formulações que envolveram 
o universal e o particular, iniciou-se a trilha para a ciência moderna. 
Esperamos ter conseguido demonstrar, nessas poucas páginas, que o Renas-
cimento foi marcado pelo encontro de pensadores distintos – Bacon, Giordano 
Bruno, Leonardo, Galileu etc. –, que cooperaram para a transição do pensamento 
medieval para o moderno, pois esses homens, marcados pela ambiguidade de 
seus valores e pensamentos, na ânsia de buscarem uma “verdade absoluta”, en-
contraram, apenas, uma “luz refletida” sem autonomia (WOORTMANN, 1997). 
Por causa dessas características dúbias, o Renascimento pode ser lido de diversas 
formas, bem como, nele, é possível identificarmos continuidades e rupturas.
Nesse sentido, desse período histórico, podemos dizer que muito ele postulou 
e nada resolveu, pois, apesar de o movimento representar mudanças, ele não as 
completou em sua própria era, nem dentre seus pares. Entretanto, apesar de ser, 
sim, um momento marcado por ambiguidades, é importante destacar que são as 
ambiguidades que tornam possível o novo, e é isso que torna esse período tão 
especial à ciência, à religião e à História.
101
na prática
1. “O período do chamado Renascimento, que se inicia em algum momento do século 
XV, variável segundo o ângulo que se privilegia, até se dissolver na modernidade, em 
outro momento de difícil definição no século XVII, marca o início de uma profunda 
transformação na cosmologia ocidental” (WOORTMANN, 1997, p. 2). Considerando 
a referida citação e as observações presentes nesta unidade, acerca dos marcos 
históricos que definem o período de início e fim do movimento renascentista, assi-
nale o que for correto: 
a) A ideia apresentada por Woortmann é equivocada, pois o início do Renascimento foi 
marcado pela obra de Giotto di Bondone, O Beijo de Judas, do início do século XIV.
b) Woortmann está correto, pois o desenho do domo da catedral de Florença, 
feito, em 1420, por Brunelleschi (1377-1446), é determinado como marco desse 
importante movimento histórico.
c) O Renascimento é marcado pelo interesse na cultura e nas obras do período 
clássico, aprendizado que foi influenciado pelos eruditos do Império Bizantino, 
os quais se estabeleceram na Itália após a queda de Constantinopla em 1453, 
por isso, este é o marco do início do Renascimento.
d) Marcos históricos não passam de despropósitos, informações exageradas e impos-
tas pelo positivismo que supervaloriza datas, nomes e grandes acontecimentos.
e) O Renascimento não abarca apenas a arte, ele se estende a inúmeras áreas, 
como filosofia, ciência, política, pedagogia, religião etc., nesse sentido, o marco 
de início e fim desse movimento pode variar conforme o enfoque da pesquisa, 
assim, é importante não nos concentrarmos em uma data específica e inflexível.
102
na prática
2. Diante do contexto moderno, por muito tempo, entendeu-se que a sociedade renas-
centista tentou pular o longo período medieval, buscando inspiração na Antiguidade, 
mas, no decorrer de nossos estudos, buscamos demonstrar que esse contexto não 
é tão simplório assim. Acerca dessa percepção, assinale o que for correto:
I - O Renascimento faz parte do conjunto dos fatos que marcaram a ruptura com-
pleta do mundo medieval com o moderno.
II - Representantes diversos do Renascimento buscaram romper com as estruturas 
medievais, no entanto eles não dispunham das ferramentas necessárias para 
esta ruptura.
III - Do cultural ao científico, do econômico ao político, do filosófico ao teológico, em 
todos os campos de conhecimento, o Renascimento foi responsável por uma 
revolução nos padrões comportamentais da sociedade moderna.
IV - A nova sociedade que se estruturava, na Europa renascentista, tinha a necessi-
dade de criar novas ideias, no entanto não dispunha de meios eficazes, nem de 
paradigmas onde se espelhassem para esse processo de construção; além disso, 
a grande parcela da sociedade ainda estava atrelada aos valores medievais.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I está correta.
b) Apenas I e III estão corretas.
c) Apenas II e III estão corretas.
d) Apenas II e IV estão corretas.
e) Apenas I, II e IV estão corretas.
3. “Sem dúvida, a cultura intelectual foi dominada por considerações práticas que, antes 
do período do Renascimento, a impediram de tomar um largo desenvolvimento. Mas 
apresenta logo esse caráter de ser uma cultura exclusivamente laica. A partir de 
meados do século XII, os conselheiros municipais preocupavam-se para as crianças 
da burguesia escolas que são as primeiras escolas laicas da Europa desde o fim da 
Antiguidade. Devido a elas, o ensino cessa de repartir exclusivamente os seus be-
nefícios pelos noviços dos mosteiros e pelos futuros padres das paróquias. Sendo 
o conhecimento da leitura e da escrita indispensável à prática do comércio, não é já 
só reservado aos membros do clero” (PIRENNE, 1977, p. 180-181).
103
na prática
Considerando o contexto histórico apresentado nesta unidade e a referida citação, 
analise as asserções a seguir:
I - A situação apresentada pelo autor é uma exceção à regra.
II - Até a época do Renascimento, essas escolas ofereciam instrução básica.
III - Para o nobre, frequentar essas escolas era um luxo, diferentemente da situação 
do burguês.
IV - Por trabalhar, diretamente, com o comércio, a burguesia dependia dos conhe-
cimentos ofertados por estas instituições.
Assinale a alternativa correta:
a) I e II, apenas.
b) II e III, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e IV, apenas.
e) I, II, III e IV.
4. “[...] parecem temer que a investigação da natureza acabe por subverter ou abalar a 
autoridade da religião, sobretudopara os ignorantes. Mas estes dois últimos temo-
res parecem-nos saber inteiramente a um instinto próprio dos animais, como se os 
homens, no recesso de suas mentes e no segredo de suas reflexões, desconfiassem 
e duvidassem da firmeza da religião e do império da fé sobre a razão e, por isso, 
temessem o risco da investigação da verdade da natureza. Contudo, bem conside-
radas as coisas, a filosofia natural, depois da palavra de Deus, é a melhor medicina 
contra a superstição e o alimento mais substancioso da fé” (BACON, 1973, p. 65). 
A citação nos possibilita um vislumbre de como os pensadores da Era Moderna se 
posicionavam em relação à fé e à ciência. Disserte acerca deste contexto.
104
na prática
5. A imagem a seguir retrata uma madona 
com o menino Jesus no colo, no entanto 
a modelo não era exemplo de castida-
de, segundo os preceitos cristãos. Acer-
ca do contexto histórico apresentado 
nesta unidade, analise as afirmações 
acerca da obra e avalie o que é verda-
deiro (V) ou falso (F):
( ) A obra é exemplo da atmosfera de 
confusão acerca das hierarquias e 
dos valores que permeavam a so-
ciedade da época. Situação que pre-
judicava a capacidade dos fiéis de 
distinguirem o sagrado do profano.
( ) A obra foi seriamente criticada 
pela Igreja na época de sua cria-
ção, pois a jovem não apresentava 
os traços de Maria, mãe de Jesus, uma vez que expressava muita sensualidade e 
a frivolidade da moda da época, como os cabelos raspados, o rosto maquiado.
( ) Ela compõe um dos inúmeros exemplos do quanto a sociedade estava confusa 
com os valores religiosos bem como as pessoas estavam, espiritualmente, aba-
ladas nesse período histórico, o que tornou fértil o terreno para o Sacerdócio 
Universal, defendido por Lutero.
Assinale a alternativa correta:
a) V, V, V. 
b) V, V, F.
c) V, F, V.
d) F, V, F.
e) F, F, F.
Madona, de Fouquet / Fonte: Wikipédia ([2020], 
on-line)23.
105
aprimore-se
LUTERO E SEU CONTEXTO HISTÓRICO: APONTAMENTOS PARA O ENTEN-
DIMENTO DA RELEVÂNCIA DA REFORMA PROTESTANTE NO SÉCULO XVI
UM CONTEXTO: EUROPA NO SÉCULO XVI
Durante a Idade Média, a Igreja Católica tinha o seu poder consolidado, em uma 
estrutura de poder bem rígida, e com seu poder de influência em praticamente to-
dos os estados europeus. Era um verdadeiro monopólio da fé, onde ela mesmo 
arrogava para si o título de “única igreja de Cristo”. A sociedade medieval era ca-
racterizada pelo poder do rei e sua nobreza, e da igreja e seus sacerdotes, sendo a 
população a parte excluída de todas as decisões e processos de emancipação social 
(que praticamente não existiam). Pontuaremos algo interessante para ilustrar ainda 
mais esse ponto: De fato, a Igreja se tornou poderosíssima nesta época, tanto no 
âmbito ideológico quanto na ótica política e econômica. Para se ter uma ideia, a 
própria divisão da sociedade da época era baseada na Santíssima Trindade: Cle-
ro, Nobreza e Servos. Com o pretexto da obtenção da salvação, a mentalidade do 
homem passou a ser totalmente embasada pela religião. A grande quantidade de 
doações monetárias de fiéis e os tributos cobrados pela Igreja fizeram com que a 
organização passasse a ter um grande poder econômico, levando-a a possuir cerca 
de um terço de todas as terras cultiváveis da Europa. Com tanto poder, a instituição 
passou a exercer certo monopólio intelectual, já que a grande maioria da população 
era analfabeta e, além disso, não tinha acesso às obras escritas.
Tanto poder absoluto fica fácil discernir que houve nesse tempo abusos incontá-
veis de poder, além de uma violência religiosa ostensiva que ficou conhecida como 
“Santa Inquisição”, que nada mais era do que uma força policial tutelada pela Igreja 
em busca (melhor seria, “caça”) aos hereges, isto é, aqueles que pensavam diferente 
da interpretação oficial da igreja. E com tudo isso, a igreja convivia com um clero 
corrupto e com uma fama terrível no que tange ao exercício da moral e dos bons 
costumes. Por isso, Delumeau vai dizer que “os abusos sempre crescentes, ligados à 
excessiva centralização romana e às preocupações demasiado temporais do clero, 
provocaram, por uma espécie de descontentamento, a revolta protestante”.
106
aprimore-se
Fazendo uma análise mais próxima do campo da Filosofia, podemos afirmar que 
com o desenvolvimento das cidades na Europa meridional e ocidental, bem como 
com o estabelecimento das estacas do movimento renascentista, onde foi resgata-
da toda a arte, arquitetura e estrutura de pensamento mais próximos ao classicismo 
grego, era de se esperar que o pessimismo do sistema agostiniano fosse substituído 
por um arcabouço ideológico mais próximo do humanismo secular. O novo sistema 
de crença cristalizou-se, por fim, durante os séculos XII e XIII, nas obras de Pedro 
Lombardo e S. Tomás de Aquino. Sua premissa principal era em relação ao chamado 
“livre arbítrio”, pensamento em que o homem podia escolher entre o bem e o mal, 
e ele, através do batismo, penitência e a eucaristia poderia assegurar sua paz com 
Deus, por meio de um perdão de seu pecado original, uma culpa absolvida e a reno-
vação à cada missa dos efeitos redentores do sacrifício de Cristo. 
Fato é que a Reforma Protestante foi um grito contra esses pressupostos do 
pensamento tomista. Fazendo esse link aqui, bom destacar o que Quentin Skinner 
vai produzir em sua pesquisa sobre o “absolutismo e a reforma luterana”: O ata-
que de Lutero aos abusos clericais também ecoava uma série de atitudes que já 
prevaleciam na Europa de fins da Idade Média. Conforme vimos, ele concentrou 
sua atenção nas deficiências do papado, insistindo na necessidade de se retornar 
à autoridade das Escrituras e de restabelecer uma Igreja apostólica, mais simples e 
menos mundana. Essa linha de ataque já era adotada, com veemência pelo menos 
igual à sua, por um número crescente de pensadores anticlericais da geração ime-
diatamente anterior à Reforma. 
Por isso, cabe muito bem terminarmos essa análise de contexto histórico, salien-
tando um trecho de um dos escritos de Lutero sobre a sua opinião do que alguém 
na posição de papa deveria fazer. Esse trecho faz parte das suas obras selecionadas 
e coletadas pela Editora Sinodal, que pertence a um dos ramos luteranos no Brasil. 
Deixemos o próprio Lutero falar acerca dos papas que ao invés de pastorearem o re-
banho de Deus e pregarem a Palavra de Deus eram: Nesse ponto, porém, são omis-
sos e converteram-se em senhores seculares; governam com leis que concernem 
somente ao corpo e aos bens. Inverteram as coisas maravilhosamente. Deveriam 
governar exteriormente castelos, cidades, países e pessoas, e torturam as almas 
107
aprimore-se
com trucidações indizíveis. Existe um vício generalizado e uma desvirtude pernicio-
sa, em todo o mundo e em todos os níveis. Em grego chama-se de “polypragmosy-
ne”- estar muito ocupado com coisas que não nos foram ordenadas e deixar de lado 
as coisas que nos foram insistentemente ordenadas. Os latinos dizem “foris sapere, 
domi desipere”- sábio lá fora, tolo em casa. Prefiro chamar esse vício de “intromis-
são indevida”. Ela é um dos frutinhos do pecado original, inato e inerente. Todos se 
cansam rapidamente das coisas que lhe são ordenadas e passam a se intrometer 
em coisas alheias, que simplesmente deveriam deixar de lado. 
Fica óbvio que a crise de Lutero era com os excessos de Roma onde ao invés de 
promover o crescimento das pessoas em acessos ao conhecimento, em todos os 
níveis, uma vez que a própria imprensa estava sendo dinamizada a partir de 1546, 
e os principais estados europeus viviam um clima de forte nacionalismo, a Igreja se 
colocava de costas para o progresso e cerceando a liberdade que as pessoas tinham 
de se emanciparem como cidadãos do mundo. E esse movimento emancipatório do 
indivíduo, tendo como consequência o surgimento dos mais diversos nacionalismos 
europeus foram surgindo na Inglaterra, França e Espanha. Isto porque à medida 
queas cidades cresciam e o comércio se desenvolvia, surgia a classe média. E ela 
procurava participar na vida política e religiosa.
Logo podemos situar o movimento reformista do século XVI como sendo ampa-
rado na tradição humanista que fincou raízes no pensamento de uma classe média 
crescente na Europa. Sendo assim fecho questão que O “tempo curto” da Refor-
ma protestante deve então ser recolocado no “tempo longo” da Reforma da Igreja, 
como defende o historiador francês Pierre Chaunu (1975), na obra “O tempo das 
Reformas (1250-1550)”. Este sustenta a ausência de uma verdadeira ruptura entre 
as correntes teológicas anteriores a 1517 e a reprodução desta teologia no período 
seguinte à Igreja tardo-medieval. 
Fonte: Marins (2019, p. 8-10). 
108
eu recomendo!
Por amor às cidades
Autor: Jacques Le Goff
Editora: Unesp
Sinopse: neste livro, o historiador Le Goff demonstra vários pa-
ralelos entre as cidades e, apesar de fazer referência a diversas 
épocas, ele se concentra na relação entre a Paris medieval e a 
contemporânea. O autor destaca, no decorrer da obra, que a ci-
dade medieval é muito mais parecida com a contemporânea do que com a antiga.
Comentário: uma obra especial para a compreensão da Era Moderna, pois, por 
meio das comparações do medievo e o contemporâneo, é possível perceber a 
força da organização medieval e, com isso, identificar as permanências organi-
zacionais e culturais nos grupos sociais que habitam as cidades no decorrer da 
história. Assim, podemos vislumbrar o quanto o período moderno foi um período 
de mudanças, mas, sobretudo, de ambiguidades. 
livro
O mercador de Veneza
Ano: 2004
Sinopse: o filme é uma adaptação da obra homônima de William 
Shakespeare O Mercador de Veneza, de 1605, e tem direção do 
indiano Michael Radford. Em fins do século XVI, após passar por 
muitas crises, Veneza ainda destaca-se como uma das cidades 
mais liberais da Europa. De lá, Bassanio (Joseph Fiennes) planeja 
ir até Belmonte pedir a mão e desposar a rica e bela Portia. No 
entanto ele não dispõe dos bens necessários, o que o leva a pedir ajuda de Antô-
nio (Jeremy Irons), um mercador influente da região. Seu amigo Antônio negocia 
com o judeu Shylock (Al Pacino) e, como garantia para o empréstimo, o mercador 
garante um pedaço de sua própria carne.
Comentário: a história judaica é marcada por muita discriminação e, na Era Mo-
derna, essa situação é muito evidente na Europa, sendo comum que muitos ju-
deus fossem extraditados para o Novo Mundo ou mantidos isolados em guetos e 
proibidos de terem propriedades, o que levava muitos a ganharem a vida como 
agiotas. O filme busca retratar esse contexto de ódio e preconceito em torno da 
comunidade judaica. 
filme
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
anotações
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A CAMINHO DAS “LUZES” -
CONCEPÇÕES
teóricas acerca do
Estado e da sociedade
PROFESSORAS 
Dra. Verônica Karina Ipólito 
Me. Vivian Fernandes Carvalho de Almeida
PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • A razão da sociedade civil em 
Thomas Hobbes • Do estado de natureza para o governo civil em John Locke • A passagem do “estado 
natural” para o “estado civil” em Jean-Jacques Rousseau • Montesquieu, a divisão dos poderes e o equi-
líbrio político-institucional • Voltaire e “o século das luzes” - XVIII.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 
Conhecer a razão da sociedade civil em Thomas Hobbes • Compreender a passagem do estado de 
natureza para o governo civil em John Locke • Analisar a passagem do “estado natural” para o “estado 
civil” em Jean-Jacques Rousseau • Analisar a divisão dos poderes e o equilíbrio político-institucional 
em Montesquieu • Compreender a importância do movimento iluminista e reconhecer Voltaire como 
um dos principais representantes do Iluminismo.
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), nesta unidade, apresentaremos sínteses das ideias de 
alguns dos principais teóricos da modernidade. Para tanto, iniciaremos 
nossa abordagem por meio dos filósofos contratualistas. São chamados de 
“contratualistas” os teóricos que explicaram a origem e o desenvolvimento 
da sociedade bem como o fundamento do poder político, por meio de um 
contrato social entre os indivíduos, o que marcou o fim do estado natural 
e o início da vida social e política. 
Nosso primeiro objetivo é conduzi-lo(a) a refletir sobre a instituciona-
lização da razão da sociedade civil em Thomas Hobbes, de modo a legiti-
mar a autoridade e liberdade na figura de um soberano com o intuito de 
defender a necessidade do Estado Absolutista. Em seguida, apresentaremos 
as percepções da transição do estado de natureza para o governo civil em 
John Locke, de forma a compreender por que, para este teórico, a existên-
cia de um Estado é a garantia para a preservação da propriedade privada. 
Analisaremos, ainda, a transição do “estado natural” para o “estado civil” 
em Jean-Jacques Rousseau, para quem o governo somente sustenta-se caso 
consiga manter os anseios do povo. Acreditamos que se você compreen-
der as relações entre Estado e sociedade civil entre Thomas Hobbes, John 
Locke e Jean-Jacques Rousseau poderá acompanhar melhor as relações 
que se desenvolvem, atualmente, nestas esferas e ampliará sua visão sobre 
a passagem do estado de natureza para o governo civil.
Nossas discussões, porém, não se encerram com os contratualistas; 
assim, abordamos, ainda, as implicâncias políticas da Teoria da Tripartição 
dos Poderes (monárquico, republicano e despótico) e a Teoria da Separação 
dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) de Montesquieu. Por fim, 
mas não menos importante, abordamos algumas críticas e ideias de um 
dos principais representantes do Iluminismo, Voltaire. Convidamos você, 
aluno(a), a conhecer as relações entre Estado e sociedade civil na percepção 
dos principais teóricos da Era Moderna! Pronto(a) para mais uma viagem 
rumo ao conhecimento? Então, vamos lá!
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A RAZÃO
DA SOCIEDADE CIVIL 
em Thomas Hobbes
Se você, aluno(a), olhar a sua volta, verá que é impossível imaginar uma realidade 
na qual o Estado civil não seja natural, pois vivemos em um mundo regido por 
leis, pagamos tributos, temos nossos deveres e usufruímos de direitos garantidos, 
ao menos, na legislação. No entanto, para os chamados contratualistas modernos, 
a sociedade civil não foi criada, nem surgiu junto à humanidade e, consequen-
temente, as trocas sociais não se apoiavam em um Estado propriamente dito.
Thomas Hobbes (2002) define o estado natural como a fase mais primitiva da 
vida humana marcada pela desorganização. Tal estágio também era assinalado 
pela ausência de segurança e pela instabilidade, isento de diferenças gritantes 
entre os homens. Isso se explica porque, apesar de as características físicas entre 
os homens serem distintas, não era raro acontecer de o fraco dar cabo da vida do 
mais forte. Conforme o autor afirma, “não há razão para que qualquer homem, 
confiando em sua própria força, deva se conceber feito, por natureza, superior a 
outrem” (HOBBES, 2002, p. 358). Assim, se os homens fazem coisas similares um 
com o outro – saber matar, por exemplo – o autor considera que partilham de 
uma condição de igualdade natural, não havendo diferenças substanciais nesse 
sentido.
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Talvez, por isso, Hobbes desconfie 
da igualdade, pois, em sua visão, esta 
condição abriga a insegurança dos 
homens, os quais não conseguiam 
garantir a segurança a eles mesmos. 
Esta instabilidade ocorre, segundo 
Hobbes (2002), pois, no estado natu-
ral, o homem pode atacar e mesmo 
matar, muito embora, também, possa 
ser agredido e morto. Dessa forma, 
essas condições de vulnerabilidade 
fazem com que sua vida permaneça 
em perigo constante. Apesar disso, é 
visível que, neste estágio, todos pos-
suem o mesmo direito, afiançado pela 
própria natureza sobre todas as coisas.
 “ A natureza deu a cada um o direito a tudo; isso quer dizer que, num 
estado puramente natural, ouseja, antes que os homens se compro-
metessem por meio de convenções ou obrigações, era lícito cada 
um fazer o que quisesse, e contra quem julgasse cabível e portanto, 
possuir, usar e desfrutar tudo que quisesse ou pudesse obter. Ora, 
como basta um homem querer uma coisa qualquer para que ela já 
lhe pareça boa, e o fato dele a desejar já indica que ela contribuiu, ou 
pelo menos lhe parece contribuir, para sua conservação [...] de tudo 
isso então decorre que, no estado de natureza, para todos é legal ter 
tudo e tudo cometer. E é este o significado daquele dito comum, a 
natureza deu tudo a todos, do qual portanto o entendemos que, no 
estado de natureza a medida do direito está na vantagem que for 
obtida (HOBBES, 2002, p. 32).
O homem é lobo do homem, em guerra de todos contra todos. 
(Thomas Hobbes)
pensando juntos
Figura 1 - Thomas Hobbes (1588-1679)
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No estado de natureza, tal como descrito por Hobbes, os homens tinham carta 
branca para agir como quisessem e contra qualquer pessoa que achassem con-
veniente. Isso ocorria, pois estavam desprovidos das normas ditadas pelo Estado 
civil e tinham, como padrão único, as suas próprias vontades, as quais se resu-
miam em, praticamente, duas: de um lado, o temor da morte e dos sofrimentos; 
por outro, o anseio de conseguir perpetuar sua própria conservação. Dessa forma, 
podemos dizer que o medo da morte, assim como evitar coisas ruins, é um ele-
mento que faz parte da natureza. Por isso mesmo é legítimo, em certas ocasiões, 
empenharmo-nos, o máximo que pudermos, para defender as nossas vidas e de 
pessoas próximas a nós do sofrimento e da morte, algo que faz parte do direito 
natural dos homens (HOBBES, 2002, p. 35). Assim, se houver a necessidade de um 
homem preservar a sua vida tendo que matar outra, isso, na condição de estado 
de natureza, é lícito a ele.
É o próprio homem, entretanto, quem estipula o que é preciso para a preserva-
ção da vida, bem como os meios para conseguir fazer isso, pois, com a igualdade 
natural, o homem torna-se juiz de si mesmo, ou seja, nenhum outro homem 
tem maior autoridade do que ele mesmo para julgá-lo, dentro dos princípios da 
igualdade natural (HOBBES, 2002, p. 36). No entanto, se no estado da natureza, a 
totalidade dos homens possuem direito a tudo, como o de ferir e matar desafetos, 
consequentemente, dando cabo da vida uns dos outros, já que possuem como 
objetivo conservar a própria vida, nesse contexto, então, a paz torna-se impossível 
de existir, resultando, provavelmente, em um confronto que se desdobrará em 
conflitos mais agressivos e, até mesmo, na guerra (HOBBES, 2002). 
Nesse sentido, o estado natural é, por assim dizer, um estado de guerra contrá-
rio às próprias regras da natureza, as quais procuram preservar a vida desejando a 
paz. Todavia se um homem escolhe honrar as leis da natureza no estágio natural 
e o outro não as respeita, obviamente, o que optou por honrá-las será facilmente 
capturado por aqueles que não as respeitam. Por isso, para Hobbes, a paz, em esta-
do natural, é algo impossível por se tratar de um estágio cuja principal caracterís-
tica está centralizada nos confrontos recorrentes a todo o momento. Desse modo, 
temos um cenário de guerra perpétua, ou seja, uma luta entre iguais, na qual não 
haverá vencedor, dado o caráter de igualdade que se atribui aos indivíduos.
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Em razão disso, se o homem teme por sua vida, ele não pode permanecer em es-
tado natural, pois, sem qualquer legislação que reprima a violência, a paz torna-se 
impossível. Compreendendo esse raciocínio, o homem associa o fato de que as 
leis da natureza podem fazer com que ele tenha segurança, mas para perpetuar 
um estado de paz, é preciso se manter fiel a essas leis. Tão logo começa a perceber 
que as ações dos homens são oriundas de suas vontades e têm, na sua gênese, o 
medo e a esperança. Portanto, se caso desrespeitar a lei e isso lhe trouxer van-
tagens ou um malefício menor, ele a violará, certamente. Desse modo, Hobbes 
(2002, p. 70) explica:
 “ Mas como, em sua maior parte, os homens, ainda que eventualmen-
te reconheçam tais leis devido o seu perverso desejo de vontades 
imediatas, são totalmente inaptos para observá-los, se porventu-
ra alguns, mais humildes que os demais, viessem a exercer aquela 
equidade e disposição de se mostrarem úteis que a razão ordena, 
certamente não estarão sendo racionais adotando uma tal atitude 
caso os outros não se portem da mesma forma. Aliás, assim não 
conseguirão paz para si mesmos, mas uma certíssima e pronta des-
truição, e portanto quem cumprir a lei se torna presa fácil de quem 
a viola. Por conseguinte, não se deve imaginar que a natureza (ou 
seja, a razão, obrigue os homens no estado da natureza a observar 
todas aquelas leis, se os outros não a respeitarem). Enquanto isso, 
estamos obrigados a uma disposição mental no sentido de cumpri-
-las, sempre que sua observância parecer levar ao fim para o qual 
elas foram feitas. E disso devemos pois concluir que a lei da natureza 
sempre e em toda a parte obriga em fórum interno, ou na corte de 
consciência, mas nem sempre em fórum externo, e neste apenas 
quando puder ser cumprida.
Pertence a cada homem só aquilo que ele é capaz de conseguir, e apenas enquanto for 
capaz de conservá-lo. É esta condição miserável que o homem realmente se encontra, por 
obra da simples natureza. 
(Thomas Hobbes)
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Figura 2 - Capa da edição original da obra Leviatã, de Thomas Hobbes (1651) / Fonte: Wikimedia 
Commons ([2020], on-line)24.
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Apesar de as vontades dos homens se configurarem de forma distinta, há mo-
mentos em que os indivíduos se juntam para obter assistência mútua. Nesse caso, 
existem os grupos dos que atacam e dos que se defendem. Para Hobbes, tal as-
sociação é denominada “multidão”. É importante salientar que, nesse fenômeno, 
os contratos e as necessidades dos homens são distintos, muito embora, ainda 
que momentaneamente, as vontades se unam em nome de um denominador 
comum: a segurança. Tal união é efêmera, dada às vontades e opiniões diferentes 
dos homens que a compõem (HOBBES, 2002).
 “ Ademais, por maior que seja o número dos que se reúnem para 
autodefesa, se, contudo eles não concordarem entre si quanto a al-
gum meio excelente para promovê-la, mas cada um ficar usando de 
seus esforços e seu próprio modo, nada se terá conseguido; porque, 
divididos em suas opiniões, cada um deles constituirá um obstáculo 
para o outro. Ou, se concordarem entre si a ponto de conduzirem 
alguma ação por esperança de vitória de saque ou vingança, ainda 
assim, por diferença em seus espíritos (wits) e opinião ou por emu-
lações e inveja, pelas quais os homens naturalmente se batem, eles 
não demoraram a se dividir e cindir tanto que não mais se forne-
ceram auxílio recíproco nem desejarão paz, a menos que venham 
a ser forçados a isso por algum medo comum. Daí decorre que, o 
consentimento de muitos, ou seja, uma associação formada apenas 
pelo auxílio recíproco, não lhe confere aquela segurança que pro-
curam os homens que se reúnem e concordam quanto ao exercício 
das leis da natureza supracitadas. E algo mais deve ser feito para 
que essas que consentiram pelo bem comum, em ter paz e fornecer 
auxílio uns aos outros, possam ser contidos, pelo meio, a fim de que, 
posteriormente não voltem a divergir quando seu interesse particu-
lar lhes parecer discrepar do bem comum (HOBBES, 2002, p. 93).
No intuito de amenizar essas desavenças, Hobbes acredita que a solução é a exis-
tência de um poder comum, o qual os homens devem temer e, consequentemente, 
controlarem-se. Tal poder está representado na instituição que denominamos 
Estado. Para firmá-lo, entretanto, faz-se necessário que os homens estabeleçam 
um pacto pelo qual cada indivíduo se obriga, mediante um contrato, a obedecer 
a vontade do líder ao qual se submeteu, jurando-lhe fornecer riqueza e uso da 
força, caso o soberanojulgue ser necessário. A prerrogativa é a de salvaguardar 
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da violência, a qual permanece válida em casos de ameaça a sua vida. Nessas 
situações, o indivíduo pode fazer uso do seu direito natural.
À medida que todos sujeitarem suas vontades e faculdades, o líder aumen-
tará o seu poder e, em troca, concederá a segurança a todos os cidadãos, pois 
concentrará, em sua pessoa, um poder suficiente para que a sua vontade e, por 
conseguinte, a vontade de todos em geral seja atendida. Essa é uma forma para 
que se mantenha a paz, pois, segundo Hobbes (1992, p. 108),
 “ [...] a convergência de muitas vontades rumo ao mesmo fim não 
basta para conservar a paz e promover uma defesa duradoura, é pre-
ciso que naqueles tópicos necessários que dizem respeito à paz e a 
autodefesa, haja tão somente uma vontade de todos os homens. Mas 
isso não se pode fazer, a menos que cada um de tal modo submeta 
sua vontade a algum outro (seja ele um só ou um conselho) que tudo 
o que for vontade deste, naquelas coisas que são necessárias para a 
paz comum, se havido como sendo vontade de todos em geral, e de 
cada um em particular.
É, por meio dessa união, ou seja, partindo da “submissão de vontades”, que a 
sociedade civil caminha em direção à priorização da vontade do soberano. Esta, 
por sua vez, representa a vontade de todos e de cada um no geral. Assim, obede-
cendo ao líder, este terá condições de garantir a paz, ainda que utilize um poder 
coercitivo para mantê-la. Para Hobbes (1992), o poder coercitivo é fundamental 
para o estabelecimento da segurança e ordem, e esse poder deve ser rígido a ponto 
de que todos compreendam que sofrerão castigos piores no caso de praticarem 
crimes; compensando, assim, evitar praticá-los. Apesar de o poder coercitivo ser 
exercido pelo soberano, é importante que se diga que penalizar e controlar seus 
súditos não são as suas únicas funções.
O líder também participa de decisões na formulação de leis, como dizer o 
que é certo e errado, o que deve ser feito ou evitado pelos indivíduos. Em síntese, 
é o soberano quem define a moral. O líder também dita as regras sobre quando 
os cidadãos deverão ir para a guerra e contribui nas incursões para derrotar 
dado inimigo ou finalizar uma guerra. Dessa forma, concentrada na pessoa do 
soberano, a sociedade se firma, em consonância com Hobbes, em meio a uma 
única vontade que persegue o desejo de manutenção da paz. Tais características 
simbolizam o Estado Civil, o qual, de acordo com Hobbes (1992, p. 109):
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 “ [...] quando de todos os homens há uma só vontade, esta deve ser 
considerada como uma pessoa, e pela palavra uma deve ser conhe-
cida e distinguir-se de todos os particulares, por ter ela seus pró-
prios direitos e propriedades. Por isso, nenhum cidadão isolado, 
nem todos eles reunidos (se excetuarmos cuja vontade aparece pela 
vontade de todos), deve ser considerado como sendo uma cidade. 
Uma cidade, portanto, assim como o definimos, é uma pessoa cuja 
vontade, pelo pacto de muitos homens, há de ser recebido como 
sendo a vontade de todos eles; de modo que ela possa utilizar todo 
poder e as faculdades de cada pessoa particular, para a preservação 
da paz e da defesa comum.
Segundo Hobbes (1992), o soberano se confunde com o Estado. Ao primeiro, é 
incumbido a tarefa de impor medo aos cidadãos de tal forma que os indivíduos 
respeitem as leis e consigam se manter em paz. É importante dizer, também, que 
os cidadãos depositam, no soberano, a esperança de uma vida melhor, aumen-
tando, ainda mais, a carga funcional do líder. Desse modo, aluno(a), seu discurso 
foi fundamental para a validação do absolutismo. 
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DO ESTADO DE NATUREZA
PARA O GOVERNO
civil em John Locke
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Conforme a doutrina contra-
tualista, o estado de natureza ocorre 
quando a humanidade ainda não 
havia implantado o governo civil 
(LOCKE, 1998). Desse modo, Locke 
compreende que, nesse estágio, os 
homens são similares entre si, livres 
e aptos a decidir suas ações, adminis-
trar os seus bens e tirar satisfações 
com seus semelhantes, os quais po-
dem afrontar os seus direitos natu-
rais. Entretanto, no estado natural, 
todos se consideram donos da ver-
dade, julgando sempre como corre-
tos os seus valores em causa própria. 
Nesse caso, não há um poder ins-
tituído que possa executar as sen-
tenças ou tentar conciliações. Essas 
condições somente serão alcançadas 
em sociedades organizadas por ins-
tituições que garantam a manutenção da propriedade e a união em sociedades 
políticas com a presença de um governo.
Figura 3 - John Locke (1632-1704) / Fonte: Wiki-
media Commons ([2020], on-line)25.
Na obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil, publicada em 1689, Locke lança os pressu-
postos do liberalismo, sendo eles a propriedade privada resultante do trabalho e o Estado 
representativo. Em sua visão, tais direitos não eram dependentes de ações divinas, tais 
como apregoavam os absolutistas, mas provenientes de ações humanas e de um pacto 
social. Quando Locke faz a comparação de trocar “cachos de uva por nozes”, ele quer dizer 
que o investimento tem que ser seguro para ser transformado em novas técnicas.
Fonte: as autoras.
explorando Ideias
De modo similar a Hobbes, Locke (1998, p. 382) define o estado da natureza como 
um lugar no qual o indivíduo pode decidir suas ações livremente e da forma que 
mais julgar conveniente, sem sofrer penalidade ou solicitar permissão a outrem. 
Trata-se de um estágio que presume liberdade e igualdade.
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 “ [...] perfeita liberdade para regular suas ações e dispor de suas posses 
e pessoas do modo que julgarem acertado dentro dos limites da lei da 
natureza, sem pedir licença ou depender da vontade de qualquer outro 
homem. E também um estado de igualdade em que é recíproco todo o 
poder e jurisdição, não tendo ninguém mais que outro qualquer.
Apesar de pressupor liberdade e igualdade, o estado da natureza não pode ser 
considerado libertino na visão de Locke (1998). Isso porque os homens não po-
deriam destruir o que a natureza lhes oferecia sem um motivo muito forte, tal 
como o de preservar a si próprios, ou seja, no estado de natureza existem leis de 
responsabilidades dos próprios indivíduos.
 “ Cada um está obrigado a preservar-se, e não abandonar a sua posi-
ção por vontade própria; logo, pela mesma razão, quando sua pró-
pria preservação não estiver em jogo, cada um deve, tanto quanto 
puder, preservar o resto da humanidade, e não pode a não ser que 
seja para fazer justiça a um infrator, tirar ou prejudicar a vida ou o 
que favorece a preservação da vida, liberdade, integridade ou bens 
de outrem (LOCKE, 1998, p. 385).
Se algum sujeito usar, deliberadamente, as leis da natureza apenas para se be-
neficiar delas, ele se tornará um indivíduo perigoso para a convivência social. 
Nesse caso, Locke afirma que, mesmo estando no estado de natureza, haveria 
alguns direitos para interditar ou punir o transgressor, quais sejam: 1) prevenir 
ou castigar a ação do transgressor; 2) solicitar ou conseguir o ressarcimento do 
dano provocado. Tais direitos são garantidos pelo direito de autoconservação. 
Da mesma forma que um indivíduo pode tirar a vida de outro, no estado 
de natureza, a depender da situação, ele também pode lançar mão do castigo 
para penalizar delitos menos graves, mostrando, dessa forma, que a punição bas-
te para corrigir o erro ou demonstre ao transgressor que tal comportamento 
ofensivo não trará vantagens, a fim de que não cometa novos equívocos. Dessa 
forma, Locke (1998, p. 391-392) concede ao homem o domínio executivo da lei 
da natureza, contudo, também atribui-lhe uma responsabilidade que pode ser 
ameaçadora, pois
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 “ [...] a natureza vil, a paixão e a vingança os levarão longe demais na 
punição dos demais, da qual nada resultará além de confusão e de-
sordem e, portanto, Deus certamente designou o governo para con-
ter a parcialidade e a violência doshomens. Admito sem hesitar que 
o governo civil é o remédio adequado para as inconveniências do 
estado de natureza, que certamente devem ser grandes quando aos 
homens é facultado serem juízes em suas próprias causas, pois é fácil 
imaginar que aquele foi injusto a ponto de causar injúria a um irmão 
dificilmente será justo o bastante para condenar a si mesmo por tal.
Locke (1998) reforça que, por ser imbuído de subjetividade, o homem não teria 
condições de julgar o seu transgressor sem ser parcial ou partir para injusti-
ças, pois como ser juiz, defendendo a sua própria causa, sem ser parcial? Assim, 
surgem algumas reflexões: 1) aplicar o mesmo critério de justiça a causas seme-
lhantes; 2) os critérios de proporcionalidade devem ser distintos de acordo com 
o juiz, pois não haveria um juiz no qual todos pudessem acreditar em sua impar-
cialidade; 3) onde se podem encontrar as leis do estado de natureza? Se tenho 
dúvidas em relação a elas, como, então, saná-las? 4) quem apoiaria o homem que 
delegou castigos a outrem com o argumento de fazer justiça? Caso o indivíduo 
tenha tirado a vida de outro com o argumento de este ter assassinado alguém, o 
que praticou a justiça deveria ser castigado ou morto por um terceiro.
Tais dúvidas trouxeram a precisão de estabelecer uma ordem superior capaz 
de regular as relações entre os indivíduos, visando levar harmonia à sociedade 
ao restringir as atitudes dos sujeitos e as situações em que a ilimitada liberdade 
possa resultar em perigos maiores no comércio entre os indivíduos. Essa estrutura 
institucional é denominada, por Locke, governo civil. Como, então, uma pessoa 
que nasce livre pode ter garantias de que seus direitos naturais não serão feridos 
por essa institucionalização? Ora, a partir da implantação de um pacto social, ou 
seja, do estabelecimento de um acordo entre os indivíduos, a fim de que possam 
garantir os seus direitos e viver em harmonia.
 “ A única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua 
liberdade natural e revestir-se dos elos da sociedade civil é concordan-
do com outros homens em juntar-se e unir-se em uma comunidade, 
para viverem confortável, segura e pacificamente uns com outros, 
num gozo seguro de suas propriedades e com maior segurança contra 
aqueles que dela não fazem parte (LOCKE, 1998, p. 468).
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Assim sendo, o pacto social se forma por meio de uma aprovação entre os homens 
a fim de consolidar um corpo político mediante um único governo, o qual adotará 
a opinião da maioria. Dessa forma, as pessoas passam a depositar sua confiança 
em um poder legítimo disposto a governá-las.
 “ Deve-se entender, portanto, que todos aqueles que abandonam o 
estado de natureza para se unirem a uma comunidade abdicam, 
em favor da maioria da comunidade a todo o poder necessário aos 
fins pelos quais se uniram à sociedade, a menos que tenham ex-
pressamente concordado em qualquer número superior à maioria. 
E isso ocorre simplesmente pela concordância em unir-se em uma 
sociedade política em que consiste todo o pacto existente, ou que 
deve existir, entre os indivíduos que ingressam num corpo político 
ou o formam. Por conseguinte, o que inicia e de fato constitui qual-
quer sociedade política não passa do consentimento de qualquer 
número de homens livres capazes de uma maioria no sentido de se 
unirem e incorporarem a uma tal sociedade. E é isso, e apenas isso, 
que dá ou pode dar origem a qualquer governo legítimo do mundo 
(LOCKE, 1998, p. 472).
Portanto, o pacto social se constitui no primeiro passo para o homem enfrentar 
os problemas do estado de natureza. Os homens criam, de forma legítima, o seu 
governo, resultando na sociedade política. Locke, todavia, destaca a propriedade 
como objetivo principal dessas relações sociais.
Você sabia que John Locke também é considerado um dos principais empiristas britâni-
cos? Isso porque, em suas obras, ele defendia que a experiência era a única fonte válida 
de conhecimento. Segundo sua teoria, temos duas “fontes de conhecimento”, a sensação 
(experiência externa) e a reflexão (experiência interna), que, juntas, são responsáveis pelas 
ideias do homem que, segundo Locke, podem ser definidas como “ideias simples” (produto 
da sensação) e “ideias complexas” (provenientes da reflexão). Em sua obra Ensaio sobre o 
Conhecimento Humano, Locke negou, radicalmente, a existência de ideias inatas, tese defen-
dida por Descartes. Ou seja, Locke argumentou que nossa mente é uma “página em branco” 
quando nascemos, que só é preenchida a partir de nossas experiências.
Fonte: as autoras.
explorando Ideias
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Na visão de Locke (1998, p. 495), o objetivo fundamental que motiva os ho-
mens a se reunirem, em sociedades políticas, é a preservação de sua propriedade. 
O que define o que ou a quem pertence algo, ou propriedade, é o trabalho do 
corpo e a obra das mãos dos indivíduos. Por exemplo, se, no estado de natureza, 
existe uma fruta, logo, ela pertencerá a todos. Mas a partir do momento em que 
um sujeito a colhe, ela será propriedade deste, pois não estará mais disponível na 
natureza. O ato de recolher simboliza o trabalho e, como tal, a fruta passará a ser 
propriedade de quem a recolheu, pois servirá para a sua subsistência.
E não é sem razão que ele procura e almeja unir-se [...] com outros que já se encontram 
reunidos ou projetam unir-se para a mútua conservação de suas vidas, liberdades [...] aos 
quais atribuo o termo genérico de propriedade.
(John Locke)
pensando juntos
Muito embora a interpretação de propriedade, em Locke (1998), não seja sufi-
cientemente clara, podemos dizer que o seu objetivo principal é agregar legiti-
midade de posse de alguma coisa para um indivíduo, de forma a garantir sua 
igualdade e liberdade, a fim de legitimar a gênese do governo civil para defender 
esse direito. Para Locke, se conseguimos alguma coisa legalmente, logo, o direito 
de posse sobre ela deverá ser salvaguardado. Para isso, as leis civis têm como 
papel fundamental normatizar as propriedades particulares do indivíduo em 
sociedades institucionalizadas no pacto social. Diante do valor que a propriedade 
assume, caberá ao governo protegê-la dos perigos típicos do estado de natureza. 
Em suma, para Locke, o estabelecimento do governo civil é uma panaceia res-
ponsável por solucionar problemas advindos do estado de natureza. Os homens 
formulam um pacto social delegando poderes a um líder ao qual são consentidos 
subsídios legais e regulatórios, para utilizar a coerção a fim de manter a sua retidão, 
os direitos naturais e, principalmente, salvaguardar a sua propriedade. O governo 
civil é importante para Locke, pois oferece garantias para a manutenção da proprie-
dade privada, oferta um juiz imparcial para arbitrar e remediar as desavenças, além 
de delegar ao governo a responsabilidade de aplicar os castigos agindo em prol da 
lei e da justiça, evitando, assim, a perpetuação do espírito de vingança tão recorrente 
no estado da natureza. Se, ao contrário, o governo civil não retribuir à altura as ga-
rantias que o indivíduo pagou com sua liberdade no estado da natureza, os homens 
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poderão se rebelar, destituindo os governos que usam o poder legítimo que lhe foi 
concedido para fins opostos aos que foram estabelecidos pelo pacto social, quais 
sejam: assegurar a propriedade e segurança do indivíduo (LOCKE, 1998, p. 578). 
De forma geral, independentemente do tipo de governo, Locke (1998) afirma 
que um governo deverá oferecer garantias para a manutenção da propriedade 
privada, pois, em sua opinião, este é o grande elemento que justifica a existência 
de um governo.
3 
A PASSAGEM
DO “ESTADO NATURAL”
PARA O “ESTADO CIVIL”
em Jean-Jacques Rousseau
Jean-Jacques Rousseau, em sua obra Do contrato social (1757), afirma que a so-
ciedade civil surgiu em razão da formulação de um contrato social, o qual se 
baseia em um pacto tradicional. Neste, os cidadãos, em condições consideradas 
justas, delegamos seus direitos individuais a uma autoridade, a qual atribuem 
poder e confiança. Assim, para Rousseau, a liberdade do homem seria o centro 
desse pacto social. O indivíduo viria ao mundo de forma íntegra, com condições 
biológicas sadias e, normalmente, honestas, mas acabaria por se transformar em 
uma pessoa má e injusta, pois a sociedade o corromperia. 
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Jean-Jacques Rousseau nasceu em Ge-
nebra, na Suíça. Oriundo de uma famí-
lia humilde, sendo que sua mãe havia 
falecido ao lhe dar à luz. Em razão des-
sas circunstâncias, Rousseau conviveu 
com o pai até por volta dos 7 anos, mo-
mento em que aprendeu a ler. Além da 
Suíça, residiu em diversos países, como 
França, Inglaterra e Itália, locais em que 
assumiu funções diversas para se man-
ter até adquirir cargos importantes, ao 
auxiliar condes e banqueiros. Ainda 
assim, não obteve êxito nas finanças 
e, até mesmo, deixou seus cinco filhos 
em orfanatos. Chegou a ser criticado 
por isso, principalmente por Voltaire, 
além de ter vários livros seus proibidos 
de serem publicados na França e Suíça 
sob alegação de corromper os “bons 
costumes”.
Fonte: as autoras.
explorando Ideias
Em Rousseau, o estado de natureza é compreendido como um estado mítico e 
embrionário, identificado como algo além do bem e do mal, por meio do qual 
o homem declinou em razão de sua cultura e, portanto, tratou-se de um estágio 
responsável por perpetuar os males sociais da atualidade. Assim, na visão de 
Rousseau, a transição do “estado natural” para o “estado civil” foi marcada por 
um profundo regresso. Apesar disso, Rousseau reconhece que o principal motivo 
que levou à passagem do estado natural para o estado civil foi a exigência de uma 
liberdade moral de tal forma a afiançar a percepção de autonomia do homem. 
Assim, o que legitima o poder e inaugura a sociedade civil, na percepção de 
Rousseau, é o contrato social.
Figura 4 – Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) / 
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)26.
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O direito político, nessa perspectiva, 
deve ser salvaguardado por um pacto 
social, por meio do qual cada indivíduo 
deve assumir, particularmente, a renún-
cia de sua liberdade, em razão de todos 
os associados. Assim como estes, o ci-
dadão se responsabilizara por garantir 
a dignidade, a igualdade moral e jurí-
dica bem como a liberdade civil. Dessa 
forma, a existência de uma organização 
governamental e o estabelecimento de 
um contrato social seriam marcos que 
puseram fim ao estado civil. 
A solução dada por Rousseau 
(1979, p. 32), para que as pessoas vi-
vam a liberdade, muito embora se abs-
tenham de seus direitos em nome de 
uma liberdade coletiva, é concedida 
pelo “contrato social”, o qual permite 
“encontrar uma forma de associação 
Rousseau viveu no século XVIII, momento no qual os países europeus vivenciavam o 
absolutismo e o mercantilismo, fenômenos que assinalaram o poder abusivo dos reis 
e a intervenção do Estado na economia. Esse período, também, marcou a ascensão da 
burguesia, a qual estava se enriquecendo em função do comércio, contudo a burguesia 
desejava participar da política e da sociedade, livre das amarras das autoridades sobre-
viventes da sociedade feudal. Apesar de fazer parte do movimento iluminista, Rousseau 
se diferenciou de vários expoentes desse movimento, a exemplo de John Locke. No geral, 
Rousseau se aproximou dos iluministas ao criticar a intolerância religiosa, o absolutismo 
e o mercantilismo bem como primar pelos ideais de liberdade e igualdade. No entanto 
suas divergências com os iluministas vão desde o fato de conceber a propriedade privada 
e o Estado representativo como bases que sustentam a desigualdade. Nesse sentido, ele 
acusa a burguesia pela diferenciação social.
Fonte: as autoras.
explorando Ideias
Figura 5 - Du contrat social ou Principes 
du droit politique, 1762 / Fonte: Wikipédia 
([2020], on-line)27.
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que defenda e proteja contra toda força comum, a pessoa e os bens de cada asso-
ciado e pelo qual cada um, unindo-se a todos, apenas obedeça a si próprio e se 
conserve tão livre quanto antes”. Assim, no “contrato social”, Rousseau pretende 
estabelecer um verdadeiro pacto, por meio do qual os homens possam ser recom-
pensados pelo fato de terem perdido a liberdade natural em troca da liberdade 
civil e o direito dos bens que possuem.
A relação que se estabelece no pacto social, entre os homens, tem como ele-
mentos os seguintes pressupostos:
 “ [...] o animal humano, ao tornar-se homem, não pode mais voltar a 
ser animal, o homem entra com sua esposa e seus bens na associa-
ção que defende e protege sua pessoa e seus bens; a associação cria 
uma força comum que é maior que os obstáculos da natureza, mo-
tivo pelo qual foi estabelecida; cada associação é livre para se unir e 
precisa permanecer livre na associação; força comum, criada com 
a liberdade e força de cada um, precisa preservar a liberdade sem 
a qual a força comum não existe; cada um é livre para se preservar 
e precisa por isso permanecer livre na associação que o preserva; 
cada um permanece tão livre quanto antes, porém a força comum 
precisa persistir para vencer os obstáculos da natureza (VILALBA, 
2013, p. 68).
Para Rousseau, o governo legitimado pelo contrato social não elimina a liberdade, 
mas a afiança, de forma a garantir os direitos civis. Assim, o dilema existente entre 
liberdade e autoridade deve levar em consideração o povo como real soberano. 
Em outras palavras, para Rousseau, o governo só se mantém intacto e aceito caso 
atenda às necessidades do povo (soberano). Nesse caso, o governo é o represen-
tante da soberania popular, por assim dizer, e não o soberano propriamente dito. 
Preservando a soberania, nesses moldes, o povo conseguiria manter o direito a 
ser cidadão e, por conseguinte, resguardar a sua liberdade civil. 
Ao Estado competiria o objetivo de conservar o interesse geral, por isso, a ele 
é atribuído o dever de garantir o direito à educação e à propriedade, a fim de que 
os indivíduos possam usufruir desses direitos como instrumentos garantidores da 
igualdade. Portanto, caberia ao Estado a missão de reduzir a igualdade. Todavia, 
para Rousseau, quanto mais sofisticada se torna a sociedade, maiores as chances 
de os indivíduos se corromperem.
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4 
MONTESQUIEU,
A DIVISÃO
DOS PODERES 
e o equilíbrio
político-institucional
Durante muitos anos, monarcas absolutistas exerceram seu poder em quase todos 
os reinos europeus. Quando chegamos ao século XVIII, as bases pelas quais se 
norteava a política passavam a ser contestadas por um novo movimento inte-
lectual denominado Iluminismo. Este movimento criticou diversas instituições e 
práticas pertencentes ao que os teóricos da época denominaram Ancien Régime, 
como o poder eclesiástico, a laicização do Estado etc. O que nos interessa, aqui, é 
tratar das críticas direcionadas à política e ao Estado absolutista. 
Ancien Régime, ou Antigo Regime, corresponde, em termos gerais, ao período da Idade 
Moderna em que vigorou o absolutismo.
Fonte: as autoras.
conceituando
A esse respeito, dois pensadores iluministas foram essenciais para a formação 
da sociedade na qual vivemos hoje: Jean-Jacque Rousseau e Charles-Louis de 
Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu. Este último defendeu, dentre 
outras coisas, a ideia de que o poder do Estado deveria ser dividido em três: o 
legislativo (redigia as leis), o executivo (garantia o cumprimento das leis) e o 
judiciário (“policiava” os dois poderes anteriores), com isso, findaria o poder 
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político concentrado nas mãos do rei e de seus ministros (absolutismo). Ade-
mais, defendeu que o Estado deveria apoiar-se em leis bem definidas e simples, 
possibilitando a compreensão de todos. 
Já Rousseau defendeu a liberdade 
política do homem. Em sua mais me-
morável obra, O Contrato Social (1757), 
expôs seus questionamentos acerca do 
Antigo Regime. O referido pensadorbuscava um Estado social legítimo, que 
correspondesse ao interesse da maioria 
e que possibilitasse distância da cor-
rupção. A soberania do poder, ou seja, 
o exercício da política, deveria estar nas 
mãos do povo, e este sim, formar um 
corpo político dos cidadãos. Para isso, 
o povo deveria valer-se da representati-
vidade, isto é, eleger representantes seus 
para que exerçam, exclusivamente, a po-
lítica. Rousseau (1757) ainda entende o 
poder público estabelecido a partir da 
representatividade e do contrato social, 
enquanto Maquiavel (2011) propõe a 
administração do reino por meio de 
autoridade soberana. Em virtude de tais 
pensamentos e aliados a outros ideais, o 
Iluminismo serviu de base teórica para o evento que mudaria o cenário mundial: 
a Revolução Francesa (1789). Por meio dela, a sociedade europeia passou por su-
cessivas modificações até resultar em uma sociedade burguesa liberal. De modo 
específico, Montesquieu possuía uma inquietação que tirava o sono até mesmo 
de alguns filósofos da Grécia Antiga: qual seria o poder ideal e como fazer para 
mantê-lo? Além disso, Montesquieu se questionava sobre a vida em sociedade 
e as leis que conduziam a natureza humana. Tais curiosidades resultaram na 
concepção de lei e poderes descritos em sua obra O Espírito das Leis (2008), 
publicada, originalmente, em 1748.
Figura 6 - Charles-Louis de Secondat (1689-
1755), barão de La Brède e de Montesquieu, 
mais conhecido e referenciado como Mon-
tesquieu / Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)28.
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É importante salientar que Montesquieu (2008) não foi o primeiro a discutir a 
divisão entre os poderes de Estado. Entretanto esse filósofo foi o primeiro a sis-
tematizar em uma teoria tais pensamentos, a qual ficou conhecida como Teoria 
da Separação dos Poderes, um dos instrumentos políticos utilizado no Estado 
Democrático Liberal. Ao analisar as relações entre o estado laico e a sociedade, 
Montesquieu (2008) criou sua concepção de lei no clássico, desse modo, ele acre-
dita ser possível localizar três dimensões vinculadas à natureza das leis. 
A primeira delas pressupõe não só a existência de Deus, mas consagra os 
seus desejos relacionando-os, naturalmente, a uma ordem universal, além de 
defender que exista uma subordinação da natureza do universo e dos homens a 
um desígnio divino. 
A segunda, por sua vez, está relacionada a uma causa final. De acordo com o 
referido autor, a finalidade das leis varia segundo a sua origem. As leis que emanam 
de Deus não devem ser questionadas pelos homens, pois não pertencem a eles. Por 
outro lado, existem leis provenientes da sociedade e, portanto, resultantes da vonta-
de humana ou de outros fatores externos, tais como clima, localização geográfica etc.
A terceira dimensão diz respeito à autoridade, o que pressupõe uma divisão 
entre o humano e o divino. Em relação à autoridade, que rege as leis em sociedade, 
é compreensível que a organização política dependa da essência do governo, sendo 
que este pode ser controlado por poucos ou por muitos. Em contraste, a autoridade 
típica da lei divina transcende a capacidade de compreensão humana e, por esse 
motivo, não compete ao homem entender a sua natureza, mas apenas obedecê-la. 
Montesquieu (2008) apresenta, dentre outros assuntos, formas de governo, 
tripartição dos poderes e autoridade política. Tais fundamentos embasaram teo-
rias no Direito Constitucional e na Ciência Política, a ponto de Montesquieu ser 
considerado um pensador contemporâneo, mesmo sendo um homem do século 
XVIII, o afamado século das luzes ou do Iluminismo. 
Na Teoria da Tripartição dos Poderes, por exemplo, Montesquieu (2008) 
apresenta as classificações, restrições, bem como o controle do poder político. 
Em sua percepção, existem três tipos de poder, quais sejam: monárquico, re-
publicano e despótico, cada qual com suas particularidades. Na monarquia, o 
poder advém do rei, que comanda não segundo a sua vontade pessoal, mas em 
consonância com a vontade da nobreza e a vontade real. Quando Montesquieu 
(2008) se refere à monarquia, ele estava trazendo à baila os casos de monarquias 
constitucionais – como a existente na Inglaterra, que possui o Parlamento como 
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órgão de representação das vontades dos súditos – e não absolutistas, sendo que 
essas últimas existiram até meandros do século XVIII.
Ao falar da república como segunda forma de governo, Montesquieu (2008) 
reforça que, neste sistema, o poder é exercido, diretamente, pelo povo. É impor-
tante ressaltar que Montesquieu estava desprovido de referenciais dessa natureza 
de governo em sua época, portanto, ele não vivenciou experiências de eleições 
e representação política no sistema republicano. Em razão disso, o autor se ba-
seou em experiências ocorridas na Itália durante a Idade Média, como no caso 
de pequenos Estados, nos quais as decisões políticas eram avaliadas por meio de 
participação dos cidadãos, de forma direta, e em assembleias públicas, de forma 
similar às experiências ocorridas em algumas cidades-Estados da Antiguidade. 
Montesquieu defende que o sistema republicano preza pela busca do bem público 
e da virtude, que resulta na associação de todos os indivíduos. 
A última forma de governo, descrita por Montesquieu (2008), é o despotismo, 
por meio do qual o poder é baseado em uma pessoa que o exerce de forma auto-
ritária. Assim, o poder não seria avaliado pelo povo e, muito menos, submetido 
a uma constituição. A pessoa do déspota teria, como metodologia de governo, a 
tirania. Em outras palavras, enquanto na monarquia e república, existem as leis 
para governar, o despotismo aplica a arbitrariedade. 
A tríplice divisão de poderes tem como fundamento a liberdade e a justi-
ça, as quais dariam sustentação para bases mais sólidas. As leis determinam as 
relações entre governantes e governados, contudo a liberdade política torna-se 
um elemento fundamental. Isso seria necessário, pois os homens, dentre estes, 
os governantes, eram suscetíveis a erros, já que “(...) todo homem que tem o po-
der é levado a abusar dele (...)” (MONTESQUIEU, 2008, p. 136). Seguindo este 
raciocínio, seria leviano conceder os poderes de criar e executar leis bem como 
julgar crimes e ações dos cidadãos a uma mesma pessoa. De acordo com esse 
raciocínio, a divisão de poderes seria imprescindível para que nenhum indiví-
duo tirasse vantagens de sua posição. Nesse sentido, era imperioso que o poder 
contivesse a si próprio. 
O mais lógico, para Montesquieu (2008), era acionar a tríplice função dos po-
deres, ou seja, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, representados, institucio-
nalmente, pelo Parlamento, pelo Governo e pelosTribunais. Ao Legislativo competia 
elaborar, revogar e corrigir as leis; o Judiciário, por sua vez, deveria reprimir crimes 
ou sentenciar sobre disputas pessoais, e o Executivo se responsabilizaria em exercer 
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as demais funções do Estado, tais como a administração geral, agindo de forma a exe-
cutar as regras. Sobre a separação dos poderes, Montesquieu (2008, p. 67-68) afirma:
 “ Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o 
Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque 
pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça 
leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá 
liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo 
e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre 
a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o 
Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a 
força de um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, 
ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exerces-
se estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções 
públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.
O equilíbrio e a moderação entre os poderes seriam, para Montesquieu (2008), 
princípios de estabilidadepolítica, algo que, em sua opinião, ocorre somente nas 
monarquias. Em sua visão, as repúblicas são organizadas em sistemas frágeis, 
uma vez que estão à mercê aos atributos e às virtudes dos indivíduos, o que, por 
sua vez, podem se transformar em vícios. Para que a república seja considerada 
inabalável, seria necessário que os cidadãos priorizassem os interesses públi-
cos além dos interesses particulares. O pensador reconhece que isso raramente 
ocorre, pois a procura de benesses e vantagens são características humanas que 
prevalecem em detrimento do exercício da razão. Assim, em sua percepção, os 
sistemas republicanos tendem a se alinhar ao despotismo.
Em contraste, as monarquias se baseiam no preceito da honra, isto é, no fato 
de o rei e a nobreza assumirem o compromisso de acatar as normas formalizadas 
pela constituição. Montesquieu (2008, p. 135) formulou a expressão “Equipotên-
cia de Poderes”, ao se referir à noção de haver um controle mútuo entre Executivo, 
Legislativo e Judiciário. Dessa forma, o poder legislativo assumiria a função de 
exprimir os desejos dos governados junto à coroa. Os poderes citados teriam o 
efeito de freios e contrapesos, no intuito de que nenhum dos lados excedesse 
seus privilégios. O poder judiciário, por sua vez, competiria tão somente ser o 
interpretador da lei.
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Montesquieu (2008) afirmou que a ideia de separação dos poderes era uma 
premissa para a garantia da liberdade e dos direitos fundamentais, noção esta 
presente na “Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão”, documento 
que, em seu Art. 16, afirma que: “(...) toda sociedade, onde a garantia dos direitos 
não esteja assegurada nem a separação dos poderes determinada, não possui 
constituição” (MONTESQUIEU, 2008, p. 138).
A teoria da divisão de poderes de Montesquieu (2008), pensada na Europa 
setecentista, evoluiu e colaborou para a organização política das democracias 
modernas, baseadas na divisão tripartite (Legislativo, Executivo e Judiciário). No 
século XVIII, tal separação foi justificada por outro significado, qual seja, o “(...) 
de assegurar a existência de um poder que seja capaz de controlar outro poder 
(...). É problema político de correlação de forças, e não problema jurídico-ad-
ministrativo de organização de funções” (ALBUQUERQUE, 2004, p. 119-120).
Para Montesquieu (2008, p. 145), a completa união entre os poderes de Estado 
era incompatível com a boa governança, pois “(...) se não houvesse monarca, e 
o poder executivo fosse confiado a certo número de pessoas extraídas do corpo 
legislativo, não haveria mais a liberdade, dada a união dos dois poderes”. Nesse 
sentido, Montesquieu (2008, p. 147) afirma que “(...) se o poder executivo não 
tivesse o direito de refrear as ações do corpo legislativo, este seria despótico; 
pois, ao atribuir-se todo o poder que possa imaginar, aniquilaria todos os outros 
poderes”. Corroborando com essa tese, Alves (2004, [s. p.]) sustenta que “o fim 
principal da ordem política consiste em garantir a moderação do poder pela 
‘cooperação harmônica’”, ou seja, “pelo equilíbrio dos poderes sociais, entre os 
Poderes do Estado constituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário), com o intuito 
de promover eficácia mínima de governo, além de conferir-lhes legitimidade e 
racionalidade administrativa”. 
Para conviverem em harmonia, os poderes deveriam contrabalançar entre dois 
princípios: gestar um órgão constitucional, por meio do qual se possa controlar e 
equilibrar o poder de outro órgão constitucional. O ideal é que, por meio desse 
processo, pudesse controlar, restringir ou equilibrar o poder de outro órgão, a ponto 
de dar garantias para anular uma resolução adotada por qualquer indivíduo. 
Assim, Montesquieu defendeu a separação tripartite dos poderes, por mais 
que aceitasse a função judiciária como autônoma.
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VOLTAIRE E 
“O SÉCULO DAS
LUZES” – XVIII
Nesse ponto de nossos estudos, acreditamos que você percebeu que as ideias 
em torno da organização do Estado, passaram por um processo lento e gradual, 
primeiramente, exigindo concentração de poder, para, lentamente, ser contido 
e restringido. Se não está claro, vejamos o que acabamos de aprender sobre os 
autores aqui abordados: 
 ■ Thomas Hobbes defende a institucionalização da razão da sociedade 
civil, buscando legitimar a autoridade e liberdade na figura de um so-
berano, ou seja, defende a necessidade do Estado Absolutista. 
 ■ John Locke, por sua vez, apresenta a transição do estado de natureza 
para o governo civil, ou seja, para esse teórico, a existência de um Es-
tado é a garantia para a preservação da propriedade privada, não é à 
toa que Locke tanto influenciou as revoluções burguesas na Inglaterra. 
 ■ Jean-Jacques Rousseau foi fundamental por conta de suas ideias so-
bre a transição do “estado natural” para o “estado civil”, para quem o 
governo somente sustenta-se caso consiga manter os anseios do povo. 
Observe que, para este filósofo, a necessidade do povo já é um dos 
aspectos predominantes para a existência do Estado.
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 ■ Montesquieu, por sua vez, foi além do âmbito da relação Estado e 
sociedade, suas discussões se voltaram para as implicâncias políticas 
da tripartição dos poderes (monárquico, republicano e despótico) e a 
Teoria da Separação dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) 
de modo a limitar o poder do Estado, que, para ser forte, precisou ser 
soberano, mas que, no contexto do século XVIII, já não correspondia 
aos anseios da sociedade francesa. 
Pois bem, com esta breve revisão dos pensadores, aqui, abordados (você deve 
considerar que há inúmeros outros que não foram citados), percebemos que 
as ideias estavam se transformando, assim como a Era Moderna. Dentro deste 
contexto, podemos afirmar que o auge dos Estados centralizados modernos, no 
século XVIII, também foi o ponto máximo de suas contradições. No auge destas 
contradições, tensões em torno das relações sociais e da organização do Estado 
foram responsáveis por uma situação conflituosa ou pré-revolucionária, onde 
teses filosóficas eram armas teóricas nas mãos dos burgueses que estiveram à 
frente da Revolução Francesa. Desse modo, o Iluminismo foi o nome dado ao 
movimento de pensadores ou mesmo à ideologia que defendia o uso da razão 
como meio de superar a ignorância e construir uma sociedade baseada na ver-
dade, no progresso e na liberdade. 
Além de Iluminismo, o movimento também pode ser chamado de Ilustração ou Filosofia 
das Luzes, por defender que o passado e presente eram uma luta constante entre trevas 
e luz. As trevas representavam, portanto, a força da religião, a superstição e a ignorância. 
Enquanto a luz representava o futuro, a razão, a ciência.
pensando juntos
Apesar do século XVIII ter sido o período mais significativo para o movimento 
iluminista, no século XVII, houve uma efervescência de ideias. Além disso, não 
apenas a França foi palco para as teses defendidas por esses pensadores, mas os 
países baixos, como a Holanda, foram regiões que possibilitaram mais liberda-
de para as publicações, uma vez que se tinha liberdade religiosa e a garantia de 
direitos políticos, o que contribuiu para que pessoas que sofriam algum tipo de 
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perseguição, em seus países deslocassem-se para a Holanda. O inglês John Locke 
(1632-1650) e o francês René Descartes (1596-1650) viveram e participaram de 
debates intelectuais na Holanda, assim, trata-se de um país fundamental para o 
nascimento de ideias originais. Porém, sem dúvidas, você já ouviu muito falar de 
Voltaire (1694-1778) como um dos nomes mais importantes desse movimento. 
A contribuição de Voltaire se dá no campo da religião. Apesar de ser deísta, ou 
seja, acreditava que Deus estava no homem e na natureza, este filósofo criticou, 
veemente, a Igreja e o clero (MARTINS, 1999). 
O deísmo de Voltaire é simultaneamente um humanismo, pois a ele pertencem, essencial-
mente, consequências práticasda fé racional em Deus: “Queremos uma religião, mas uma 
religião simples, sábia, sublime, que seja menos indigna de Deus e mais para nós; queremos, 
em suma, servir a Deus e ao homem”. Com tal conceito de Deus está imediatamente conexa 
a concepção voltaireana de uma teleologia da natureza.
(Estevão C. de Rezende Martins)
pensando juntos
Em sua principal obra, Cartas In-
glesas ou Cartas Filosóficas (1733 
em inglês, 1734 em francês), além de 
criticar a Igreja, também opôs-se aos 
resquícios da servidão feudal. Além 
disso, defendeu que a liberdade de 
expressão era um direito natural do 
homem e, com base nesta tese, criti-
cou, veemente, a censura. Também é 
interessante destacar que outras críti-
cas realizadas pelo pensador direcio-
naram-se à guerra e à ideia de revo-
lução, isso porque acreditava que as 
ideias filosóficas poderiam direcionar 
os monarcas no desenvolvimento de 
um governo progressista e “esclare-
cido”; inclusive, ele se aproximou de 
monarcas absolutistas europeus, en-
Figura 7 - François-Marie Arouet - Voltaire (1694-
1778) / Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)29.
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tre eles, os da Prússia e Rússia. É com base nesse contexto, que surge um movimento 
reformista nomeado de despotismo esclarecido (MARTINS, 1999).
Os déspotas esclarecidos eram monarcas europeus que tentaram colocar em prática al-
gumas ideias iluministas. Basicamente, eles procuravam: modernizar instituições estatais, 
como o exército (forças armadas) e o ensino; racionalizar cobranças de impostos; inves-
tiram nas produções artísticas e científicas; realizar algumas reformas judiciárias no que 
envolviam os privilégios dos nobres. Entre estes governantes podemos citar Frederico 
II (1712-1786), da Prússia; e o Marquês de Pombal (1699-1782), primeiro ministro entre 
1750 e 1777, durante o reinado de José I em Portugal.
Fonte: as autoras.
explorando Ideias
Os escritos do pensador, porém, voltaram-se, 
constantemente, para o estudo da razão. Vol-
taire (2007) defendia que a razão é intima-
mente ligada ao uso que se faz dela, ou seja, 
é mais importante saber como usá-la do que 
defini-la. Percepção crucial para o pensador, 
pois a razão, segundo ele, interfere, direta-
mente, na vida humana, já que a sociedade 
esclarecida pela luz da razão é mais feliz.
Voltaire (1973, p. 57-58) definiu a ra-
zão humana como a “faculdade de sentir, de 
perceber e de pensar”, noções que não foram 
desenvolvidas nas Cartas e que não foram 
muito claras, pois ele não deixou claro o que 
significa afirmar que a razão “sente” e “per-
cebe”. Mas, apesar das lacunas, a essência de 
sua obra é admitir que a razão humana é li-
mitada. A partir disso, inspirando-se em Loc-
ke, Voltaire admite que não se tem respostas 
para muitas questões humanas. A noção de que a razão humana é imperfeita, 
aparece, inclusive, na Encyclopédie, quando afirma que, apesar de ser uma fa-
culdade destinada à busca, ou mesmo ao conhecimento da verdade, a razão está 
sujeita a se enganar. Em outras palavras, apoiar-se, na razão não garante acertos. 
Figura 8 - Cartas Inglesas / Fonte: Wiki-
pédia ([2020], on-line)30.
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De forma geral, Voltaire, assim como todos os filósofos que contribuíram com o 
movimento iluminista, promoveu a busca pelo conhecimento e reconhecimento de que 
a procura de qualquer indivíduo pelo entendimento beneficiaria toda a humanidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Prezado(a) aluno(a), nesta unidade, conhecemos as relações entre Estado e socie-
dade civil, na percepção dos teóricos Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques 
Rousseau e Montesquieu. O assunto analisado não tem como objetivo, somente, a 
conclusão de uma unidade do livro da disciplina, mas a conscientização do estabe-
lecimento de estruturas que resultaram na formação do governo civil, a partir do 
qual estão organizadas, politicamente, as sociedades atuais. Em alguns momentos 
de nossa vida, deparamo-nos com temas como monarquia, democracia, leis, direi-
tos, deveres, seja no âmbito de descobertas científicas, seja relacionado ao nosso 
cotidiano, mediante os quais se torna necessário analisá-las sob um viés crítico, 
baseado em um conhecimento teórico relacionado ao surgimento do Estado.
Você pôde conhecer a visão de cada um desses teóricos contratualistas sobre 
a passagem do estado de natureza para uma sociedade civil, orquestrada por um 
líder e para quem foram depositados os votos de manutenção de uma sociedade 
sem a violência típica de períodos remotos. Analisamos que, para Hobbes, a busca 
por esse controle resulta na formulação de um contrato social, pelo qual o indi-
víduo deposita, no soberano, a confiança de legislar em seu nome, firmando um 
contrato de submissão. Na realidade, Hobbes quer encontrar uma saída racional 
para legitimar o Estado Absolutista. 
Posteriormente, apresentamos a perspectiva de Locke, para quem a presença 
do Estado deve ser limitada, apenas, preocupando-se em promover a liberdade 
natural e o direito à propriedade. Rousseau também brinda-nos com sua contri-
buição, afirmando que compete ao Estado reduzir a desigualdade e atender aos 
anseios da maioria, para se tornar legítimo e aceito entre os seus súditos. Em Mon-
tesquieu, analisamos a divisão dos poderes e o equilíbrio político-institucional, e, 
com Voltaire, percebemos a valorização da razão para o movimento iluminista. 
Evidentemente, muitos teóricos modernos, infelizmente, não foram men-
cionados nesta unidade, mas esperamos que você tenha percebido que muitas 
ideias desses estudiosos nos ajudam a pensar as relações políticas, econômicas 
e sociais que influenciaram as revoluções burguesas da Inglaterra e França bem 
como valores que, ainda hoje, estão em evidência. Até a próxima!
140
na prática
1. Rousseau reconhece que o principal motivo que levou a passagem do estado natural 
para o estado civil foi a exigência de uma liberdade moral de tal forma a afiançar a 
percepção de autonomia do homem. Assim, o que legitima o poder e inaugura a 
sociedade civil, na percepção de Rousseau, é:
a) O estado civil.
b) O estado de natureza.
c) A liberdade.
d) O contrato social.
e) As leis.
2. Na perspectiva de Thomas Hobbes, no chamado “estado de natureza”, o homem 
torna-se juiz de si mesmo. Diante desta constatação, explique o “estado de natureza” 
na visão deste autor.
3. “A única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade 
natural e revestir-se dos elos da sociedade civil é concordando com outros homens 
em juntar-se e unir-se em uma comunidade” (LOCKE, 1998, p. 468). Diante desta 
afirmação, explique o pacto social na visão de John Locke.
4. Na Teoria da Tripartição dos Poderes, por exemplo, Montesquieu apresenta as classi-
ficações, restrições, bem como o controle do poder político. Diante dessa informação, 
assinale a alternativa que contenha os três tipos de poder na visão de Montesquieu:
a) Executivo, Legislativo e Judiciário.
b) Monárquico, Republicano e Despótico.
c) Presidência, Senado e Câmara.
d) Democrático, Republicano e Comunismo.
e) Federal, Estadual e Municipal.
5. O século XVIII foi um período em que se destacava o poder abusivo dos monarcas 
da Europa por meio do absolutismo. Nesse período, a burguesia ascendia finan-
ceiramente e almejava mais participação política, o que era defendido por vários 
representantes do Iuminismo. Disserte sobre o posicionamento de Jean-Jacques 
Rousseau acerca desta questão.
141
aprimore-se
A NOÇÃO DE RAZÃO NAS CARTAS FILOSÓFICAS DE VOLTAIRE
Nas Cartas Filosóficas, a razão é estreitamente ligada ao uso que se faz dela – de 
modo que não é tanto saber o que ela seja que interessa, mas saber como se deve 
usá-la. Este conhecimento é crucial, pois interfere diretamente na vida humana: 
uma vez que os homens são esclarecidos pela razão, são mais felizes. Portanto, 
quando se pensa em “razão” não se pode perder de vista o fim a que ela se propõe. 
No entanto, para entendermos o uso que os homens devem fazer da razão segun-
do Voltaire,é preciso entender primeiro a maneira como ele pensa esses dois ter-
mos: “homem” e “razão”. Se no caso desta última não chegaremos a uma definição 
completamente esclarecedora, poderemos ao menos entender como nosso filósofo 
estrutura essa noção e como ela se relaciona com a ideia de “homem”, e para tanto 
recorreremos ao Tratado de Metafísica. Depois de tratadas neste primeiro momen-
to as noções de “homem” e “razão”, prosseguiremos entrando no texto das Cartas 
Filosóficas, tendo em vista o uso que se deve fazer da razão. Por meio dos exemplos 
dados pelas duas nações em torno das quais gira a obra – Inglaterra e França – bus-
caremos entender como a maneira de agir de indivíduos e de nações se distancia ou 
se aproxima do uso adequado da razão. 
No Tratado de Metafísica, a introdução e o primeiro capítulo são dedicados jus-
tamente ao homem, e Voltaire começa por dizer que os filósofos – com a exceção de 
Hobbes, Locke, Descartes, Bayle e um pequeno número de sábios – não têm ideias 
mais refinadas sobre a natureza humana do que o homem comum; antes, suas 
opiniões são tão limitadas quanto as do vulgo, com a diferença de que as opiniões 
dos filósofos são mais confusas. A estratégia de nosso filósofo para conhecer o ser 
humano será colocarse fora da esfera humana, como se fosse um visitante de outro 
planeta recém-chegado ao planeta Terra buscando um homem: descendo primeiro 
no país da Cafraria, encontra humanos, macacos, elefantes, dentre outros animais. 
O procedimento do visitante é observar um bebê humano e filhotes de macaco, de 
leão e de cachorro e compará-los, procurando encontrar qual deles seja o homem. 
De início, todos parecem ter um quê de uma razão imperfeita, e todos parecem ex-
ceder o bebê em força, destreza, paixões e ideias, porém depois de certo tempo o 
142
aprimore-se
bebê passa a apresentar um certo grau de superioridade, tendo tantas ideias quan-
to os outros filhotes e formando uma linguagem mais articulada do que as deles. 
Isso faz com que Voltaire (1973, p. 68) o identifique como sendo o homem, e o defina 
como sendo um animal bípede, que tem menos destreza e força do que outros ani-
mais, contudo conta com um pouco mais de ideias e maior facilidade de expressão, 
além de ter as mesmas necessidades que os outros animais. Assim, o homem não é 
um animal especial, que se destaque à primeira vista; pelo contrário: é só ao cabo de 
um certo tempo que o bebê humano passa a adquirir tantas ideias quanto os outros 
filhotes, e a apresentar uma linguagem muito mais articulada e variada. É a capaci-
dade de se prover com um pouco mais de ideias e de se expressar com maior facili-
dade que faz com que o visitante chegue à conclusão de que ali está o homem. Uma 
vez que é o grau das ideias o que distingue o homem dos demais animais, Voltaire 
dedica a elas o terceiro capítulo do Tratado, intitulado “Que Todas as Ideias Vêm 
pelos Sentidos”, deixando clara a sua posição favorável ao empirismo. Qualquer um, 
diz ele, que avaliar fielmente tudo o que se passou em seu entendimento admitirá 
facilmente que seus sentidos são responsáveis por todas as suas ideias. “E, no en-
tanto, os filósofos que abusaram de sua razão pretenderam afirmar que tínhamos 
ideias inatas. [...] Formaram sistemas com os quais se vangloriavam de poder arris-
car qualquer explicação aparente dos fenômenos da natureza” (VOLTAIRE, 1973, p. 
74). O problema desses sistemas é justamente pretender dar explicações para uma 
variedade de fenômenos, contando com apenas um lampejo de verossimilhança: 
isto é, este lampejo de verossimilhança substitui a comprovação, por meio da aná-
lise, dos fenômenos naturais. Tendo constatado que é capaz de chegar a princípios 
tão sutis, a princípios gerais que podem explicar tudo, o espírito se parabeniza e se 
vale de toda a sua sagacidade para defender tais princípios. Voltaire continua: nunca 
se deve começar por inventar princípios com a pretensão de explicar tudo. Antes, é 
preciso fazer “a análise exata das coisas”, para então ver, com muita desconfiança, 
se elas se relacionam a certos princípios. 
143
aprimore-se
A falha de um sistema célebre, o que originou as ideias inatas, é não considerar 
que muitos homens passam toda a sua vida sem conhecê-las, e que uma criança 
não as tem a menos que elas lhe sejam dadas – assim, não é possível que essas 
ideias sejam comuns a todos os homens desde o nascimento. Se assim fosse, todos 
os homens nasceriam tendo as mesmas noções metafísicas. É absurdo crer que 
haja ideias que sejam recebidas ainda no ventre materno, e que sendo esquecidas 
após o nascimento devam ser aprendidas desde o início na juventude. Afirmar isso 
seria abusar da razão, por exigir dela mais do que ela pode assegurar. 
A origem das nossas ideias está nos sentidos, algo indubitável segundo Voltai-
re. As nossas primeiras ideias são sensações; depois aos poucos recebemos ideias 
compostas do que atinge nossos órgãos, a memória retém essas percepções, nós as 
classificamos sob ideias gerais, e todos os conhecimentos humanos resultam dessa 
faculdade de compor e arranjar ideias. Mas quanto a conhecer a substância e a 
essência de suas ideias, isto será impossível até que o homem tenha órgãos para 
conhece-las, isto é, até que a natureza humana seja outra. Com os sentidos em 
evidência, podemos perceber que a razão não é sempre um ponto de partida, e 
que ela também não é investida de poderes ilimitados, pois do contrário a natureza 
humana seria outra e nos seria possível conhecer a essência daquilo que pensamos 
(VOLTAIRE, 1973, p. 69). 
Fonte: Machado (2015, p. 105-108).
144
eu recomendo!
Introdução à Filosofia Política de Thomas Hobbes
Autor: João Dos Passos Martins Neto
Editora: Conceito
Sinopse: este livro expõe em debate o pensamento do filósofo 
inglês Thomas Hobbes sobre o homem, o direito, o Estado e o 
poder. São abordadas as categorias de estado de natureza, da 
soberania absoluta e do pacto social, conceitos que edificam a fi-
losofia de Hobbes. Na análise sobre o pensamento hobbseniano, o autor faz uma 
contextualização sobre a crise do Estado Medieval.
livro
Confissões
Autor: Jean-Jacques Rousseau
Editora: Edipro
Sinopse: o livro narra a trajetória de Jean-Jacques Rousseau, não 
somente como pensador, mas também como homem, repassan-
do, assim, toda a sua vida. Dessa forma, a obra nos fornece sub-
sídios de como surgiram as suas teorias. 
livro
Carta sobre a Tolerância
Autor: John Locke
Editora: Edições 70
Sinopse: nesta obra, Locke faz o anúncio e prepara o grande mo-
vimento iluminista. Locke distingue as três ordens: da força, da 
razão e da fé. Além disso, ele afirma que os homens pertencem 
às sociedades civil e religiosa, sendo assim, destaca-se o princípio 
da laicidade. Em nome deste princípio, Locke coloca a igualdade de direitos para 
todos os cultos, sem diferença.
livro
145
eu recomendo!
Leviatã
Ano: 2015
Sinopse: muito embora não trabalhe com monstros bíblicos, o fil-
me faz uma referência à obra de Thomas Hobbes, de igual nome. 
O longa-metragem retrata a decadência do homem e da socieda-
de, subentendida na famosa frase de Hobbes: “o homem é lobo 
do homem, em guerra de todos contra todos”.
filme
A guerra do fogo
Ano: 1981
Sinopse: apresenta como nossos ancestrais se comportavam e, 
sobretudo, as lutas e situações cotidianas que remetem ao esta-
do de natureza retratado pelos teóricos contratualistas estuda-
dos nesta unidade (Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques 
Rousseau). Em algumas passagens, é possível identificar a pre-
missa de Hobbes na qual ele afirma que o homem não é um ser, 
naturalmente, bom.
filme
Ensaio sobre a cegueira
Ano: 2008
Sinopse: mostra uma sociedade em colapso com a epidemia de 
uma cegueira. Os primeiros a adquirirem a doença são colocados 
em quarentena no hospital, enquanto o mundo lá fora experi-
menta um verdadeiro estado de natureza hobbesiano, enquanto 
um grupo tenta se posicionar de forma democráticae organizada, 
outro grupo despreza essa tentativa de instituir uma liderança.
filme
146
eu recomendo!
Ficou curioso(a) para conhecer mais sobre a organização da sociedade civil e a for-
ma como o sistema democrático foi criado? Você poderá saber um pouco mais a 
respeito desse sistema político no documentário A história da democracia.
https://www.youtube.com/watch?v=P3yVRkvP-w4
conecte-se
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
anotações
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AS REVOLUÇÕES
INGLESAS
de 1640 e 1688
PROFESSORAS 
Dra. Verônica Karina Ipólito
Me. Vivian Fernandes Carvalho de Almeida
PLANO DE ESTUDO 
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • O contexto que levou às revoluções 
inglesas • A Revolução de 1640 e seus desdobramentos • A república de Cromwell e a Revolução Gloriosa.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 
Compreender as mudanças socioeconômicas e culturais ocorridas ao longo dos séculos XV e XVI • 
Analisar a Revolução de 1640 a partir das atitudes dos governantes ingleses do período que a prece-
dera • Avaliar os motivos que levaram a liderança da república inglesa ser entregue à Cromwell e as 
características de seu governo.
INTRODUÇÃO
Iniciaremos o nosso percurso tendo, como objeto de análise, as revoluções 
ocorridas na Inglaterra no decurso dos anos de 1640 a 1688, pois, como 
você poderá observar, os processos revolucionários que ocorreram, nesse 
interregno, estiveram, intimamente, ligados. Esses processos costumam ser 
divididos em quatro fases: a primeira refere-se à Revolução Puritana, que 
culminou em uma guerra civil, entre os anos de 1640 e 1649; a segunda 
ao governo de Oliver Cromwell, estabelecido com a Revolução Puritana, 
bem como as situações e transformações que o marcaram, acontecimentos 
que ocorreram de 1649 a 1658; a terceira fase se refere ao período de 1660 
a 1688, quando fora restaurada a monarquia dos Stuarts, com os reinados 
de Carlos II e Jaime II, respectivamente; e, por fim, a quarta fase refere-se à 
revolução de 1688, que ficou conhecida como Revolução Gloriosa, a qual 
encerrou, por definitivo, as monarquias absolutas na Grã-Bretanha e ins-
tituiu, ali, uma monarquia parlamentarista.
Para entendermos como esse processo revolucionário se deu e os des-
dobramentos que teve – dentro e fora do espaço britânico –, devemos 
conhecer o contexto em que ele fora traçado, para, então, podermos se-
guir com essas fases principais, citadas anteriormente, da conjuntura que 
o formou. Desse modo, buscaremos pontuar o significado geral que essas 
revoluções, na Inglaterra do século XVII, tiveram e as rupturas históricas 
que proporcionaram.
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O CONTEXTO
QUE LEVOU
às revoluções inglesas 
A Inglaterra do século XVII é proveniente de mudanças socioeconômicas e cultu-
rais, ocorridas ao longo dos séculos XV e XVI. Precisamos compreender essas mu-
danças bem como os mecanismos que delas derivaram, para entendermos as causas 
da Revolução Inglesa de 1640 e o seu culminar na Revolução Gloriosa em 1688. 
Nesse sentido, para o desenvolvimento desta primeira aula, procuraremos se-
guir por esta trilha. Para começarmos, é importante pontuar que, até o século XV, 
a sociedade inglesa funcionava dentro de moldes feudais, com sua massa popu-
lacional vivendo no campo, espalhada em propriedades isoladas, que produziam 
para a sua própria subsistência. Hill (1985, p. 27-28) nos explica que essa mesma 
sociedade começou a mudar no período subsequente de forma gradual, vejamos:
 “ Os alimentos e a lã produzidos pela aldeia começaram a ser vendi-
dos mais longe: as fiandeiras e os lavradores transformaram-se em 
produtores de bens destinados a um mercado nacional.
Além disso, em 1492, Cristóvão Colombo tinha descoberto a Amé-
rica. [...] a medida que a indústria e o comércio se desenvolviam, 
que o mercado ultramarino para os tecidos ingleses se expandia, 
algumas áreas deixaram de ser economicamente auto-suficientes, 
passando a ser abastecidas de lã para os seus teares. Temos assim os 
primórdios de uma divisão do trabalho especializada.
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Foi no contexto da Expansão Marítima Europeia e no seu transcorrer – séculos 
XV e XVI –, que a Inglaterra se tornou a maior produtora de tecidos da Europa 
bem como a maior exploradora de carvão mineral deste continente. Vinha atrás 
da Holanda, despontando como a segunda maior potência marítima daquele 
continente. Foram estes acontecimentos que marcaram parte de uma conjuntura, 
em que novas relações econômicas e de trabalho foram sendo delineadas.
De forma resumida, tomamos Florenzano (1981, p. 69), quem nos explica 
que a produção têxtil, ainda, sob moldes artesanais, havia se desenvolvido sob 
um sistema onde, para “‘fugir de restrições impostas pelas corporações urbanas’ 
atreladas a tradições e trocas de privilégios, ‘havia se espalhado pelas aldeias dan-
do início ao chamado sistema de produção doméstica (putting-out)’”, sob um 
regime que já apresentava a divisão do trabalho, em que os artesãos se tornaram 
trabalhadores assalariados, o que, futuramente, levaria ao desenvolvimento inicial 
da Revolução Industrial, a partir da Inglaterra.
Figura 1 - Batalha de Naseby / 
Fonte: Wikipédia Commons ([2020], on-line)31. 
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Sistema de Produção - putting-out
“[...] processo em que o comerciante adiantava o insumo e comprava o produto industrial 
ficou conhecido como putting-out. A protoindústria seria então financiada pelo capital 
urbano dos comerciantes que, trabalhando através do putting-out system, integravam 
pequenos produtores domésticos a mercados regionais e internacionais”. 
Fonte: Medeiros e Prado (2019, p. 131-161).
explorando Ideias
Nesse ínterim, o carvão era a “base de toda uma série de indústrias, novas e velhas”, 
que, juntas, somavam um montante de investimentos que se agigantavam no 
mesmo momento em que “as construções navais se desenvolviam rapidamente 
com o comércio interior e exterior”, e que no campo, as novas relações capitalis-
tas de trabalho eram estimuladas pela produção de lã e de um “mercado para os 
produtos agrícolas” (FLORENZANO, 1981, p. 69).
Figura 2 - Por Willem Barentsz (Wilhelmus Bernardus) / Fonte: Wikimedia Commons ([2020], 
on-line)32.
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Esse processo de expansão dos mercados internos e externos da Inglaterra, que 
estava atrelado a uma maior divisão do trabalho, demonstra-nos o desenvolvi-
mento de um capitalismo, naquela sociedade, até então, sob resquícios feudais:
 “ A prata tinha sido descoberta na América e começara a afluir à Eu-
ropa numa altura em que o comércio se expandia e as relações mo-
netárias entre os senhores da terra e os arrendatários, entre patrão e 
trabalhador, substituíam as antigas relações baseadas no pagamento 
em espécie ou em trabalho (HILL, 1985, p. 28).
Num movimento econômico que repercutiu na própria capital inglesa, Londres, 
que se tornou, segundo Florenzano (1981, p. 69), “o centro desse núcleo” econô-
mico, transformando-se na maior cidade da Europa.
Figura 3 - Atelier de Gainier / Fonte: Wikimedia Common ([2020], on-line)33.
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E todas essas mudanças econômicas estiveram atreladas às mudanças sociais que 
ocorreram no bojo da sociedade inglesa:
 “ As rápidas mudanças econômicas, de um lado, e a inflação, de outro 
(no século XVI não apenas a Inglaterra mas toda a Europa sofreu 
a famosa ‘revolução dos preços’, provocada em grande parte pelo 
afluxo maciço de prata e ouro americanos), provocaram uma grande 
redistribuição de renda de uma classe à outra e um intenso processo 
de mobilidade social (FLORENZANO, 1981, p. 70).
Todos os grupos sociais foram afetados por mudanças, conforme o panorama des-
crito por Stone (2000): com a Reforma Anglicana, realizada por Henrique VIII, a 
gentry (nobreza) adquiriu a maior parte das terras confiscadas da Igreja, tornando-
-se uma poderosa classe fundiária que foi acompanhada de um patronato religioso, 
que lhe deu influência políticae religiosa; houve, também, crescimento no número 
dos profissionais liberais, como médicos e advogados, e aumento da riqueza e da 
influência dos mercadores, especialmente, a elite mercantil de Londres, dentre ou-
tros grandes centros mercantis ingleses, aumentando o controle que exercia sobre 
o comércio inglês e o poder político das cidades; as classes médias, como a de 
Figura 4 - By Samuel Scott /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)34. 
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pequenos mercadores ou produtores rurais (os yeomen), tiveram, também, acesso 
à parte das terras confiscadas da Igreja pela Coroa e a monopólios de comércio 
vendidos pelos reis do período bem como às terras vendidas pela alta nobreza 
(quando necessitavam arrecadar fundos diante de gastos públicos, no caso dos 
primeiros, ou manter suas rendas diante da grande inflação, no caso dos últimos). 
Podemos perceber, neste quadro das transformações sociais inglesas, que todas as 
transformações econômicas e sociais, entre os séculos XV e XVII, “tinham por base 
a terra, sua posse e seu uso” (FLORENZANO, 1981, p. 71). A terra que era símbolo 
de riqueza da época foi foco central nesse processo de enriquecimento dos grupos 
sociais descritos aqui, seja de forma direta, o caso dos grupos rurais, ou indireta, que 
foi o caso dos grupos mercantis, que vendiam e revendiam a sua produção.
Como Florenzano (1981) assinalou, porém, diferentemente do que ocorrera 
na França, onde situações econômicas e sociais, no mesmo contexto, levaram 
à retomada e ao reforço de instituições feudais, na Inglaterra, houve o inverso. 
No contexto inglês, o que ocorreu, por meio das mudanças aqui assinaladas, foi 
a “desintegração” das relações feudais de propriedades e, portanto, tivemos as 
seguintes situações: a terra se tornou uma mercadoria, que se compra e vende; a 
gentry se tornou uma “nobreza de status”, e não mais “de sangue”, já que possuía a 
terra não mais por relações de suserania e vassalagem, além de, em muitos casos, 
não manter seus rendimentos apenas provenientes da propriedade rural, mas do 
comércio, das manufaturas, dos minérios etc. (FLORENZANO, 1981, p. 71-72).
Relações de Suserania e Vassalagem 
As relações de suserania e vassalagem, representadas pelo compromisso de fidelidade 
entre nobres e que implicava direitos e obrigações recíprocas, são aquelas que ocorriam 
durante o período da Idade Média (século V ao século XV) marcada pelas relações feudais, 
ou seja, estavam inseridas no contexto do feudalismo.
[...] Assim, enquanto os suseranos eram os nobres que doavam as terras (até mesmo cas-
telos), os vassalos, protegidos por eles, representavam os nobres que recebiam as terras 
e em troca, cuidavam e protegiam delas ao mesmo tempo que serviam os suseranos de 
diversas maneiras, sobretudo, para serviços militares, com o intuito de defendê-lo em 
tempos de guerra.
Fonte: Toda Matéria ([2020], on-line)35.
explorando Ideias
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Entre a camada dos camponeses, havia os pequenos e médios proprietários (yeo-
men), uma minoria próspera, enquanto a maioria, entre os arrendatários e jorna-
leiros, sofreu com os cercamentos, que são a expulsão de suas terras, seguindo 
duas alternativas: ou seguiam para as cidades em busca de sobrevivência ou de-
pendiam da assistência paroquial das aldeias (FLORENZANO, 1981).
Vemos, nesse conjunto social in-
glês, desigualdade e, ao mesmo tempo, 
desarticulação de interesses dentro dos 
mesmos grupos. Vale destacar que, nes-
se contexto, é difícil, até mesmo, definir 
características de determinado grupo 
social. Stone (2000, p. 82) nos explica 
que é problemático escolher “‘categorias 
significativas’ quando abordamos ‘socie-
dades móveis como a da Inglaterra do 
século XVII’”. Exemplos, nesse sentido, 
começavam pela capital, pois, entre a 
população londrina, além da dicotomia 
entre grupos diferentes, como a enrique-
cida burguesia mercantil e um grande 
contingente de trabalhadores pobres 
coabitando em seu espaço, havia diver-
gências dentro desses próprios grupos 
(FLORENZANO, 1981).
O exemplo fica claro se analisarmos a burguesia londrina; explica que, como este 
grupo social estava composto por uma pequena parcela voltada para o mercado 
externo, contava com monopólios e proteções fornecidas pela Coroa, ao mesmo 
tempo que continha indivíduos que estavam ligados ao comércio interno e pra-
ticavam suas atividades econômicas de forma mais livre, defendendo, portanto, 
o não protecionismo da Coroa e, consequentemente, a liberdade de produção e 
de comércio. Portanto, em um mesmo grupo social, aqui, no caso, a burguesia 
londrina, encontramos disparidades de situações e interesses. Isso se refletiu nos 
rumos que levaram à Revolução Inglesa de 1640 e nos seus desdobramentos, 
com setores de uma oposição à Coroa oscilante em alguns momentos, o que nos 
ficará mais claro adiante. 
Figura 5 - Cercamentos: Inglaterra, séculos 
XVI-XVIII / Fonte: USP (2015, on-line)36.
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A Inglaterra detinha outras condições importantes a serem assinaladas, nesse 
contexto de início do século XVII, como o fato de a Coroa inglesa, diferentemen-
te de outras monarquias absolutas europeias, ter herdado a falta de um exército 
permanente. Isso porque a Inglaterra, desde o século XVI, não enfrentava revoltas 
populares constantes e graves, diferentemente de partes do continente europeu, a 
exemplo da França. Além disso, a população inglesa era menor do que a de seus 
principais rivais contemporâneos, novamente, recordando França e, ainda, Es-
panha, pois estes reinos enfrentavam, nesse período, guerras internas bem mais 
constantes do que no caso inglês (ANDERSON, 2004). Juntou-se a essas situações 
a sua condição geográfica insular inglesa, que garantia mais segurança diante da 
tecnologia marítima de guerra da época, que dificultava o sucesso de invasores 
externos e, portanto, da necessidade de um contingente militar maior para a defesa 
nacional inglesa. Somaram-se a isso outras heranças da dinastia que governou a 
Inglaterra no século XVI, os Tudor, sobretudo, advindas dos reinados de Henrique 
VIII e Elizabeth I. A Coroa inglesa havia perdido sua autonomia financeira e, tam-
bém, não contava com um conjunto de funcionários dependentes e fiéis ao Estado 
(FLORENZANO, 1981), e isso era devido a alguns fatores que discutiremos agora.
A perda da autonomia financeira fora fruto da venda das terras da Igreja, con-
fiscadas pela Coroa durante a Reforma. Sobre isso, Stone (2000) nos explica que 
os grandiosos investimentos militares que Henrique VIII havia feito, no decurso 
do século XVI, fizeram a Coroa inglesa “descarregar no mercado o imenso fundo 
de propriedade agrária que acabara de adquirir dos mosteiros — e que significava 
talvez um quarto do território do reino”, finalizando “a única grande chance que 
teve o absolutismo inglês de construir uma sólida base econômica independente 
da tributação parlamentar” (STONE, 2000, p. 123-124). Enquanto isso, a pequena 
nobreza, a gentry, é que ganhou poder adquirindo essas terras, e, por outro lado, 
a alta nobreza, aquela de nome e de antigas raízes feudais cavaleirescas, havia se 
desmilitarizado pelos motivos que discutimos anteriormente, bem como relutava 
em “submeter-se à construção maciça do poder real no plano interno, consequên-
cia lógica de um grande exército regular” (STONE, 2000, p. 124). 
Outra “fonte de recursos” para o Estado inglês foi a venda de monopólios 
de comércio e indústria. Isso desagradava àquela parcela da burguesia ligada à 
produção manufatureira e ao comércio voltado para o mercado interno, defen-
sora da liberdade de produção e de comércio. Além disso, impedia a Coroa de 
ter um suporte permanente de recursos (FLORENZANO, 1981, p. 79). Quanto 
à burocracia de o Estado inglês ser reduzida, encontramos algumas explicações 
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Carta Magna (Século XIII - 1215)
Após ser derrotado em conflitos com a França e 
com o papado, João Sem-Terra foi obrigado, pela 
nobrezainglesa, a assinar um documento chama-
do Magna Carta. Por esse documento, a autorida-
de do rei da Inglaterra ficava bastante limitada. 
Ele não podia, por exemplo, aumentar os impos-
tos sem prévia autorização dos nobres. A Magna 
Carta estabelecia que o rei só podia criar impostos 
depois de ouvir o Grande Conselho, formado por 
bispos, condes e barões.
Fonte: Só História ([2020], on-line)38. 
explorando Ideias
para tanto no fato de que os Tudor, embora tenham buscado meios de submeter 
a administração local por meio da escolha de juízes de paz e do controle do seu 
trabalho, isso não ocorreu. O controle total sobre os juízes não se fez, já que, 
conforme afirmou Florenzano (1981, p. 80), “os juízes de paz expressavam, natu-
ralmente, muito mais os interesses de uma aristocracia rural do que os da Coroa”. 
Enquanto isso, um Parlamento maior e mais forte era constituído. Esta instituição, 
apesar de ter sido criada na Inglaterra como nas demais monarquias europeias, ou 
seja, para dar suporte ao governo por meio da votação de medidas econômicas ou 
políticas, fora, no território inglês, formada enquanto assembleia única e não no con-
junto de representantes de diferentes assembleias provenientes de diversas províncias. 
O que lhes deu certa uniformidade de interesses e, também, de oposição, quando 
necessário, ao próprio rei, quando este lhes impusesse algo que não os satisfizessem. 
Segundo Florenzano (1981), o Parlamento inglês também era uma instituição 
dividida não de acordo com os vários grupos sociais, mas, sim, em duas Câmaras: 
a Câmara dos Lordes, reservada à alta nobreza e ao alto clero, “pares do reino”; 
e a Câmara dos Comuns, que reunia burgueses da cidade e a gentry. A conse-
quência, segundo esse autor, foi o domínio de uma aristocracia rural, não apenas 
da administração local, por força dos juízes de paz que citamos há pouco, mas 
por causa de ela, também, ser a maioria no Parlamento. Além disso, Florenzano 
(1981) nos evidencia outro fator importante nessa conjuntura, que precedera as 
revoluções inglesas do século XVII, o de que, desde o período medieval, o poder 
real na Inglaterra fora sendo limitado por alguns recursos importantes. A come-
çar no reinado de João, “o sem-terra”, fora assinada a Magna Carta.
Figura 6 - O rei João, sem-terra, assi-
nando a Magna Carta / Fonte: Wiki-
media Commons ([2020], on-line)37.
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No reinado de Eduardo I (1272-1307), 
oficializou-se a existência do Parlamen-
to. Durante os reinados de Eduardo II e 
de Eduardo III, o poder do parlamento 
continuou a se fortalecer. Em 1350, o 
parlamento foi dividido em duas câ-
maras: a Câmara dos Lordes, formada 
pelo clero e pelos nobres, e a Câmara 
dos Comuns, formada pelos cavaleiros 
[gentry ou nobreza rural, sem títulos 
nobiliárquicos] e pelos burgueses.
Fonte: Só história ([2020], on-line)38.
explorando Ideias
Foi, porém, mais precisamente, no 
reinado de Eduardo I (1239-1307), 
que a monarquia inglesa fora impe-
dida de decretar leis sem o consen-
timento do Parlamento.
Figura 7 - Eduardo I, da Inglaterra / 
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)39.
Figura 8 - Câmara dos Lordes /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)40.
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Como conseqüência, o século XVI, palco dos reinados da dinastia Tudor, houve, 
na figura de seus reis, embora considerados centralizadores, a procura da Coroa 
por apoio no Parlamento, para aprovar suas medidas pretendidas. Temos exem-
plos, nesse sentido, referentes à Reforma da Igreja de Henrique VIII, pois este 
rei usou mecanismos que deram cada vez mais força ao Parlamento para obter 
seu apoio, enquanto sua filha, Elizabeth I, seguiu essa tendência alavancando o 
número de deputados que passaram a compor essa instituição. 
Para somar-se a esse contexto conturbado que precedera os processos revolu-
cionários na Inglaterra, juntou-se o fato de a Igreja nacional inglesa, a Anglicana, 
criada no contexto das reformas religiosas do século XVI, não ter conseguido 
servir como “um verdadeiro aparelho ideológico do Estado realizando as funções 
de controle social e de legitimação política que hoje cabe à escola, televisão, pro-
paganda, etc.” e que, muitas vezes, fora apoio do poder absoluto das monarquias 
(FLORENZANO, 1981, p. 83). As causas disso se deveram ao fato de que essa 
nova Igreja teve que enfrentar duas oposições:
Figura 9 - Câmara dos Comuns /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)41.
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 “ [...] o Catolicismo, porque o rompimento com ele tinha sido com o 
Papa e não com seus princípios e o perigo de uma recatolização do 
país permanecia possível (daí a necessidade de uma luta constante 
contra o papismo); contra o Protestantismo, porque, não podendo sa-
tisfazer as necessidades de uma população (e de uma época) faminta 
de alimento espiritual (como o Protestantismo e a Contra-reforma o 
faziam), o Anglicanismo não podia impedir o crescimento do purita-
nismo, apesar de toda a sua repressão (FLORENZANO, 1981, p. 84).
Fora esse conjunto de transformações que marcaram a sociedade inglesa – envol-
vendo de sua economia a cultura –, que prepararam o terreno para a fertilidade 
de movimentos revolucionários, como veremos a seguir. Por isso, nos estendemos 
aqui, pois é preciso que fiquemos, claramente, cientes dessas situações, para que, 
assim, compreendamos seus desdobramentos. A partir de agora, nos debruça-
remos sobre esse conjunto de acontecimentos que integraram uma conjuntura 
revolucionária na Inglaterra, ao longo de meados do século XVII.
2 
A REVOLUÇÃO
DE 1640
e seus desdobramentos 
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O primeiro desses processos revolucionários foi a Revolução de 1640, e, para 
entender como ela se deu, devemos observar as atitudes dos governantes ingleses 
do período que a precedera, as reações que suscitou no contexto social inglês, 
que descrevemos há pouco.
Os Stuarts e seus governos, no início do século 
XVII, na Inglaterra
Entre 1603 e 1640, a Inglaterra esteve 
sob os governos de Jaime I e Carlos I, 
reis da dinastia Stuart, sucessora dos 
Tudor, que buscaram fortalecer um 
governo absoluto. Percorreremos os 
acontecimentos que marcaram esses 
governos e a conjuntura que prepa-
rou a Revolução iniciada em 1640.
Jaime Stuart era rei da Escócia e 
assumiu o trono inglês, sucedendo 
Elizabeth dos Tudor, que não deixara 
nenhum herdeiro. O governo de Jai-
me I já preparara o solo para conflitos, 
pois procurou aproximar-se da Espa-
nha, reino católico, o que causava sus-
peitas entre os protestantes ingleses, 
já que esse país, cujo Estado, por meio 
da Reforma Anglicana, havia rompi-
do com o catolicismo, passava a fazer acordos com o reino espanhol, reduto do 
catolicismo. Jaime I também buscou criar “uma base econômica independente”, 
por meio de pesados impostos alfandegários e da criação de monopólios para o 
controle de determinadas indústrias, descontentando setores da nobreza e bur-
guesia, além de possuir uma Corte acusada de ser extravagante e corrupta, o que 
provocou muitas discussões no Parlamento inglês (FLORENZANO, 1981, p. 86).
Figura 10 - Jaime I / Fonte: Wikimedia Com-
mons ([2020], on-line)42.
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Nesse ínterim, ideias “ganhavam corpo”, na Inglaterra, ao longo dos 30 primeiros 
anos do século XVII, no encontro das transformações econômicas e sociais que 
a Inglaterra vinha passando desde o século anterior, bem como por meio de rea-
ção à política absoluta dos Stuarts, iniciada com Jaime I. O primeiro conjunto de 
ideias adveio do Puritanismo que, embora mais difundido entre os membros do 
setor manufatureiro, também ganhou fôlego entre os membros da gentry.
“Jaime era filho de Maria Stuart, portanto, católico batizado. Em meio aos conflitos escoce-
ses, Jaime foi diversas vezes sequestrado e ameaçado de morte, o que lhe rendeu honesto 
ódio pela Kirk, a igreja escocesa, e pelos puritanos, notadamente George Buchanan, seu 
mentor. Assim, Jaime contava já com um ventre católico mártir combalidosobre o cada-
falso de Elizabeth e uma predisposição a vingar-se das heresias protestantes. Finalmente, 
sua esposa Anne, da Dinamarca, era a cereja do bolo. Converte-se ela ao catolicismo, por 
volta de 1600, e já em 1601 envia uma carta ao então papa Paulo V, dizendo que ‘pela 
graça do Espírito Santo, nós estamos voltando novamente à vida, das trevas da heresia à 
luz da verdade Católica...’, e solicitando ajuda ‘para que este Reino, recuperando-se das 
desgraçadas calamidades de nosso tempo, possa felizmente retornar àquela fé cujo ne-
nhum de nossos ancestrais até agora renunciou’, e encerra predispondo a si e a Jaime ao 
martírio católico, se necessário”.
Fonte: Issa (2009, p. 74-75). 
explorando Ideias
O puritanismo foi um movimento religioso muito influente na Inglaterra, tendo posterior-
mente se tornado a principal tradição religiosa dos Estados Unidos da América, enfatizou 
a pureza e integridade do indivíduo, igreja e sociedade. Lutava pela purificação da igreja, 
descartando elementos arquitetônicos, litúrgicos e cerimoniais conflitantes com a simpli-
cidade e “pureza” bíblica.
Fonte: Silva (2018, p. 76). 
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Os Stuarts, a começar por Jaime I, causaram uma reação puritana quando pro-
curaram reforçar, na Igreja Anglicana, a igreja nacional da Inglaterra, as suas 
heranças católicas que justificavam o fortalecimento do poder absoluto da mo-
narquia inglesa, como a defesa da ideia do Direito Divino dos Reis e do poder 
de uma aristocracia naquele reino. Isso, contudo, gerou oposição na pequena 
nobreza, na gentry e nos setores da burguesia mercantil que defendiam o livre 
comércio. Assim, a adesão desses grupos sociais ingleses ao Puritanismo deu um 
“corpo moral” à oposição à Coroa, porque produzia “o sentimento de certeza na 
retidão da [sua] causa” em opor-se e indignar-se frente a uma Igreja nacional que 
consideravam corrupta, bem como a uma Corte ou aristocracia, o que poderia se 
estender a uma sociedade e ao Estado (FLORENZANO, 1981, p. 87). 
O outro conjunto de ideias que ganhou força, na Inglaterra, nesse período, 
fora a defesa do Direito Comum. Na Inglaterra, apesar das tentativas, entre os Tu-
dor e Stuart, de implantar instituições do Direito Romano no país (que deu base 
jurídica ao fortalecimento do poder real em muitas monarquias europeias), isso 
não vingou, e a Comomm Law (lei comum ou direito comum) se manteve forte. 
Esse Direito Comum era o “direito tradicional, consuetudinário, de caráter rural, 
que regulava as relações jurídicas entre a nobreza e os camponeses e as formas de 
propriedade da terra” e vinha desde a Idade Média, servindo, por um lado como 
base jurídica à nobreza para a exploração dos camponeses, ao mesmo tempo que 
essa mesma nobreza resistia aos “abusos e avanços de um Estado centralizador” 
(FLORENZANO, 1981, p. 89). 
Essas ideias foram resgatadas na Inglaterra do século XVII, como base jurídi-
ca para a defesa do direito à propriedade e a liberdade de comércio entre a gentry 
e os setores burgueses que defendiam esses ideais.
O Direito Comum deu força a uma crença de que haveria um “jugo normando” desde as 
invasões que nobres da Normandia (região da França) fizeram na Inglaterra a partir de 
1066, sobre a população inglesa de origens anglo-saxônicas. Essa crença afirmava que os 
anglo-saxões viveriam sob um regime de liberdade e igualdade entre os cidadãos, com 
uma autonomia em relação ao governo alcançada pelo desenvolvimento de instituições 
representativas, mas que com a chegada dos normandos, essas liberdades teriam sido 
destruídas e instaurou-se uma tirania na Inglaterra.
Fonte: Florenzano (1981, p. 89).
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Um terceiro conjunto de ideias fez parte desse contexto: a defesa de uma oposição 
entre a Corte e o “país”, onde
 “ [...] o país era virtuoso, a corte depravada, o país defensor dos velhos 
hábitos e liberdades, a Corte de novidades administrativas e práticas 
tirânicas, o país puritano, a corte inclinada ao papismo, etc. (FLO-
RENZANO, 1981, p. 90).
Nesse “contexto desfavorável” é que Carlos I foi coroado rei em 1625 e continuou 
com um percurso cujo objetivo era fortalecer o absolutismo na Inglaterra. Para 
tanto, aplicou o que Florenzano (1981, p. 90) chamou de “política de imposição 
de empréstimos forçados”, em que aqueles que se recusassem a pagar eram presos. 
Isso levou o Parlamento, em 1628, a aprovar uma Petição de Direitos, medida 
que instituiu como ilegais a fixação de taxas sem o seu consentimento e prisões 
arbitrárias. Diante disso, o rei dissolveu o Parlamento.
De 1629 a 1640, Carlos I governou de forma autoritária, sob um programa que 
ficou conhecido como Thorough Sistem (“política global”) e, para tanto, contou 
com aliados. A começar, pelo arcebispo da Igreja Anglicana, Willian Laud, severo 
combatente do puritanismo.
Figura 11 - Carlos I, da Inglaterra / Fonte: Wi-
kimedia Commons ([2020], on-line)43.
Figura 12 - Arcebispo Laud. Por Antoon van 
Dyck / Fonte: Wikimedia Commons ([2020], 
on-line)44.
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Somou-se a esse time do rei Carlos I 
outro aliado importante, o conde de 
Strafford, Thomas Wentworth, para 
criar instrumentos de controle da 
economia, sociedade e prerrogativas 
religiosas na Inglaterra.
Na execução de seu programa de 
governo, o rei recorreu ao resgate de 
taxas e tributos, aumentou os mono-
pólios e regulamentou ofícios para sus-
tentar a máquina estatal, o que gerou 
várias revoltas em diferentes setores 
sociais ingleses. O rei, também, tomou 
algumas medidas de ordem social:
 “ Para pôr freio à mobilidade social existente, que expulsava os campo-
neses das terras e diluía os quadros tradicionais da nobreza, Carlos I 
proibiu os cercamentos de terras (enclousures) e restringiu a venda 
de títulos; expulsou a gentry da Corte, fortaleceu os privilégios dos 
pares e reforçou a hierarquia das classes, fixando suas funções, acesso 
à Corte e outros órgãos de poder (FLORENZANO, 1981, p. 92).
Essas medidas, desenvolvidas do modo como fora descrito anteriormente, não 
atraíram nem acalmaram os camponeses, pois não era o foco principal delas 
dirimir suas condições de expropriados, por meio da proibição dos cercamentos. 
O foco, ao proibir tal prática, era, sim, o de restituir a nobreza de sua posição não 
só de status, mas econômica, e isso, em contrapartida, despertou a fúria da gentry 
que tanto enriquecera por meio dos cercamentos.
 Enquanto isso, um dos braços direitos do rei, o arcebispo Laud, buscava uni-
formizar a religião na Inglaterra e seus domínios por meio do aumento dos dízi-
mos, reavendo propriedades da Igreja, bem como reorganizando a hierarquia do 
clero e criando rituais cheios de pompa para o anglicanismo. Tudo isso despertou 
mais oposição dos puritanos, que defendiam uma Igreja mais “pura” e simples, o 
que, para eles, era o oposto do que estava sendo implantado na Igreja Anglicana, 
dando maior margem para acusações de que essa postura seria a prova de uma 
tentativa do rei e de seus aliados da reintrodução do catolicismo na Inglaterra.
Figura 13 - Thomas Wentworth. Por Antoon van 
Dyck / Fonte: Wikimedia Commons ([2020],
on-line)45.
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Essa oposição se agravou ainda mais, segundo Florenzano (1981), quando o rei, 
além de ter como cônjuge uma francesa, que era católica, fez uma aliança com 
a Espanha e não auxiliou o lado protestante na guerra dos Trinta Anos, o que o 
fez ser acusado de pretensões papistas, ou seja, de estar se aproximando do cato-
licismo e, portanto, de Roma.
Figura 14 - Por Sauveur Le Conte (1659-1694)
Musée Condé de Chantilly / 
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)47.
As ideias de Laud contrastavam com o pensamento dos protestantes puritanos, religião 
professada por grande parte da burguesia parlamentar. As reformas que o Arcebispo 
vinha empreendendo no seio da Igreja Anglicana, particularmente quanto aos rituais, su-
geriam uma aproximação com o catolicismo e com Roma, o que poderia, na visãodos 
puritanos, implicar a submissão da Inglaterra ao papado, até porque a Igreja Católica era 
defensora do Absolutismo e sustentava abertamente a teoria do direito divino dos reis.
Fonte: Branco ([2020], on-line)46.
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Nesse meio tempo, o outro braço direito do rei, o conde de Strafford, com uma 
política brutal de colonização da Irlanda, tomou medidas contrárias à burguesia 
londrinense ao “implantar naquela ilha um regime autoritário e feudal e cons-
tituir um exército poderoso” (FLORENZANO, 1981, p. 92). Com isso, Strafford 
não só acendeu, nos ingleses, o medo de que, em seu país, também fossem criadas 
situações semelhantes às que ele causou na Irlanda, ele irritou a burguesia mer-
cantil inglesa de pretensões capitalistas, com seu modelo de colonização feudal 
naquele país. Medo que aumentou à medida que o rei se utilizou dos chamados 
tribunais de privilégio ingleses, formados por nobres de sua confiança, para re-
primir e prender todos aqueles que lhe fizessem oposição.
Como resultado dessas políticas governamentais do rei e dos seus dois princi-
pais aliados, “todas as forças da oposição” (FLORENZANO, 1981, p. 91) se uniram 
contra o rei. Sendo que esse agitado contexto político ficou ainda mais conturba-
do com uma crise econômica que assolou a Europa e foi responsável, a partir de 
1620, por diminuir as exportações e, consequentemente, a produção têxtil inglesa, 
maior setor econômico da Inglaterra, afetando, assim, a vida de muitas pessoas.
A Revolução de 1640
As atitudes de Carlos I e do governo que implantou na Inglaterra levaram a um 
agravamento de conflitos com o Parlamento inglês e os grupos sociais que ele 
representava, então, a partir daí, o desenrolar da Revolução foi inevitável. Temos, 
no contexto descrito há pouco, os adubos completos para o germinar da Revo-
lução Inglesa de 1640, pois:
 “ O que começou a emergir foi a base social destas tensões, isto é, a trans-
ferência do poder, da propriedade e do prestígio para grupos da eli-
te fundiária local, sempre mais organizados, tanto no plano nacional 
quanto local, para resistir às imposições políticas, fiscais e religiosas da 
Coroa; e, igualmente, para os novos interesses mercantis londrinos or-
ganizados para desafiar o monopólio econômico e o controle político 
da entrincheirada oligarquia mercantil (STONE, 2000, p. 77-78).
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O estopim revolucionário a todas essas crises, contudo, sobreveio de fora. Foi 
somente quando, em 1638, Carlos I e o arcebispo Laud, ao tentarem impor o 
anglicanismo na Escócia, geraram uma revolta por lá que culminou na invasão es-
cocesa da Inglaterra em 1639; então, é aí que a primeira fase da Revolução Inglesa 
teria início. Sem forças militares suficientes e desacreditado no próprio país que 
governava, Carlos I não obteve socorro entre os ingleses. Sem alternativas, o rei 
inglês teve que convocar o Parlamento, mas, como não aceitou ceder às condições 
impostas pela Câmara dos Comuns cujos membros eram provenientes da gen-
try e da burguesia inglesa, fechou-o novamente. Fato pelo qual ficou conhecido 
como o Parlamento Curto. Até que, reunindo-se com um Grande Conselho 
da nobreza, Carlos I voltou a recorrer ao Parlamento que foi reaberto em 1640, o 
que ficou conhecido como Parlamento Longo, já que duraria 20 anos. Com isso, 
a oposição ganhou poder a partir da Câmara dos Comuns e começou, assim, o 
processo revolucionário inglês em si.
Primeiro, o Parlamento começou por eliminar os braços de confiança do rei, 
com a execução, primeira, de Strafford, sob acusação de traição, e, ainda, com o 
aprisionamento de Laud. Em seguida, foram encerrados todos os tribunais de 
privilégios ingleses bem como acabaram com as taxas que haviam sido impos-
tas pelo rei sem a aprovação do Parlamento. E, por último, aprovaram o Trienal 
Act, ato que “tornava automática a convocação do Parlamento se a monarquia 
não o fizesse no prazo de três anos” (FLORENZANO, 1981, p. 96) e, também, o 
“Ato Contra a Dissolução do Longo Parlamento sem o seu Próprio Consenso” 
(FLORENZANO, 1981, p. 97). Estes atos causaram uma revolução política e cons-
titucional na Inglaterra, pois
 “ [...] parece ser razoável concluir que, em 1640, quando o governo 
entrou em colapso, existia já entre numerosos nobres e gentlemen 
– normalmente conservadores – um forte desejo de amplas mudan-
ças: mudanças nos mitos políticos, com a não aceitação do direito 
divino dos reis; mudanças na constituição, com a não aceitação da 
onipotência do executivo, e, na direção de uma “constituição equili-
brada”, em que a autoridade fosse distribuída de maneira mais uni-
forme entre o rei e os seus dependentes e a assembléia representativa 
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da nação política; mudança nas estruturas legais e administrativas, 
com a destruição de grande parte dos assim chamados “tribunais 
privilegiados” [“prerogative courts”]; mudança nos poderes, na ri-
queza e na organização da Igreja nacional estabelecida; e, finalmente 
uma mudança, modesta e rigorosamente limitada, no conceito de 
hierarquia social, pela qual os gentlemen seriam tratados mais ou 
menos como iguais, independente da posição ocupada em função 
dos títulos (STONE, 2000, p. 109).
A revolução, contudo, poderia ter se mantido nesse campo, já que a maioria de 
parlamentares teve suas prerrogativas atendidas e mantidas, mas fatores exter-
nos interferiram nesse decurso e levaram a uma guerra civil. Com a morte de 
Strafford, os irlandeses buscaram sair do jugo inglês e, embora o Parlamento, em 
Londres, tenha se proposto a enviar tropas, negava, por motivos óbvios, que o 
rei, como normalmente o faria, fosse o comandante destas. É, nesse momento, 
que as cisões entre os grupos sociais ingleses e seus posicionamentos divergentes, 
começaram, então, a aparecer dentro do Parlamento:
 “ Para a maior parte da aristocracia e da pequena e média nobreza 
conservadora, a política dos líderes da Câmara dos Comuns e, es-
pecialmente, seus apelos à opinião pública, pareciam conduzir a um 
colapso da ordem social, garantia da sua posição dominante, o que 
fez com que gradualmente voltassem a apoiar o Rei. Em todo o país, 
a divisão acompanhava vastas linhas de classe. A classe proprietária 
de terras estava dividida e muitos dos seus membros atemorizados 
pelos motins que os cercamentos e as expropriações causavam e 
pelas ameaças de uma revolta camponesa [...] o setor progressista 
da pequena e média nobreza e da burguesia confiava na força para 
dominar a tempestade. Em Londres, enquanto os monopolistas e 
a oligarquia dominante apoiavam a corte, de onde os seus lucros 
provinham, a maior parte dos mercadores, artesãos e aprendizes da-
vam apoio ativo ao partido mais evoluído no Parlamento, fazendo-o 
avançar pela via revolucionária (ARRUDA, 1984, p. 76).
Nesse contexto de divergências entre os parlamentares e os grupos sociais que repre-
sentavam, um dos líderes da oposição e do Parlamento, John Pym, buscou nas massas 
londrinas o apoio contra o rei cujas pretensões absolutas ainda mantinham-se vivas 
e com perigo de retornar ao governo da Inglaterra.
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Esse ato de Pym culminou em 
“um documento à nação, a Grand 
Remonstrance (Solene Advertência)”, 
que reuniu uma lista de queixas ao rei 
Carlos I e continha muitas acusações 
a este (FLORENZANO, 1981, p. 98). 
A possibilidade de revolta popular fez 
muitos deputados recuarem, e, embo-
ra o documento tenha sido aprovado 
no Parlamento, a diferença foi irrisória 
entre os favoráveis a este, em relação 
aos que lhe eram contrários.
Essas distensões entre a oposição 
e a Coroa fizeram Carlos I aproveitar-
-se para reagir. Este ordenou que seus 
aliados invadissem a Câmara dos Co-
muns e prendessem os líderes da sua 
oposição, como Pym. Contudo Pym 
e outros líderes dos opositores do rei 
conseguiram fugir e se refugiar. Carlos 
I foi, então, para o norte, onde reuniu 
um exército. Enquanto isso, a oposição, 
que já vinha se dividindo,teve muitos 
dos seus membros mudando para o 
lado do rei. Porém, no plano religioso, 
a oposição estava mais unida, já que 
os protestantes, puritanos e presbite-
rianos, sendo os últimos a maioria no 
Parlamento, integravam-na em peso. 
Contudo, ainda do lado protestante, 
as divergências existiram dentro do 
Parlamento, já que as tropas parla-
mentares protestantes, apelidadas de 
Cabeças Redondas (referência a dis-
Figura 15 - John Pym, by Edward Bower /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)48.
Figura 16 - Um cabeça redonda, por John Pettie / 
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)49.
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tinção dos puritanos que usavam o cabelo curto, enquanto os nobres, peruca), eram 
formadas por dois partidos: o dos Independentes e o dos Presbiterianos. Estes não 
queriam acabar com o rei em definitivo, como os grupos puritanos independentes, 
e buscavam um acordo com o mesmo.
“Os presbiterianos representavam a burguesia urbana e a aristocracia rural, ao passo que 
os independentes representavam a gentry, os yeomen e a burguesia manufatureira e livre 
cambista”.
(Modestto Florenzano)
pensando juntos
O início dos conflitos foi turbulento para o lado do Parlamento:
 “ Foi desastroso para as milícias arregimentadas pelo Parlamento, pois 
não eram tropas profissionais e, portanto, pouco adestradas no uso 
das armas. Por outro lado, os cavaleiros eram guerreiros profissionais 
e quase tomaram Londres partindo de Oxford, tendo interrompido 
sua avançada batalha decisiva de Hodge Hill (ARRUDA, 1984, p. 78).
O rei controlava o noroeste do país, enquanto o sudeste – incluindo Londres – encontra-
va-se sob o domínio do parlamento.
Fonte: Sousa ([2020], on-line)50.
explorando Ideias
É nesse cenário, que ganhou destaque, entre as tropas do Parlamento, as do pu-
ritano Oliver Cromwell que, em 1644, foram fundamentais para vitórias sobre 
tropas reais. Seu Novo Exército (New Model Army) era formado, sobretudo, por 
homens de religiosidade protestante puritana, sendo que a base de sua organiza-
ção estava focada na valorização de bons soldados, independentemente de sua 
origem bem como da luta por seus ideais.
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Nesse ínterim, caro(a) aluno(a), as re-
viravoltas contra o rei se deram quan-
do este, que havia sido capturado, em 
1646, pelos escoceses, passou a ter sua 
posse negociada com o Parlamento 
inglês. E, como Carlos I dificultou a 
concretização de negociações com os 
presbiterianos, a oposição a ele, em seu 
todo, acabou unificando seus moldes. 
Isso partiu do próprio exército, pois 
este passou a seguir o modelo do Novo 
Exército de Cromwell, com objetivo 
de dar fim à guerra civil na Inglaterra, 
e seus efeitos, sobretudo econômicos e 
negativos, eram temidos por todos os 
setores sociais ingleses. 
O encerramento dessa fase do processo revolucionário inglês começou a cami-
nhar quando, em 1647, uma fuga do rei fez a oposição se reordenar. Isso fortaleceu 
uma aliança entre generais independentes, os chamados Grandees (Grandes), e os 
grupos que se formaram entre os soldados puritanos do exército revolucionário: 
os Diggers (“escavadores” ou “cavadores”) e os Levellers (“niveladores”).
Figura 17 - Oliver Cromwell, por Samuel Coo-
per / Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-
-line)51.
Os primeiros [diggers] defendiam uma reforma agrária espontânea que garantisse o aces-
so dos camponeses à terra. Já o levellers buscavam a total igualdade jurídica entre os 
cidadãos e a liberdade de culto religioso. 
Fonte: Sousa ([2020], on-line)52.
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A atuação dos niveladores foi fundamental, pois
 “ [...] deram início à agitação, recusando-se à desmobilização do exér-
cito até que fossem atendidas as suas reivindicações. Muito bem 
organizados e integrados no exército, com mecanismo sistemático 
de arrecadação de fundos, contatos com os meios urbanos e com a 
Armada, possuindo sua própria tipografia, este movimento cresceu, 
contando mesmo com o apoio receoso dos grandes do exército, a 
elite militar ligada às camadas superiores, cuja principal preocupa-
ção era [justamente a de] moderar o projeto político dos Levellers 
(ARRUDA, 1984, p. 79-80).
Essa reunião da oposição possibilitou ao Parlamento obter, definitivamente, a 
vitória sobre Carlos I e, como resultado:
 “ Cromwell e o exército, apoiados pelos niveladores, decidiram ex-
purgar o Parlamento de todos os realistas (a partir deste momento 
o Longo Parlamento passou a ser conhecido pelo nome de Rump 
Parliament, isto é, Expurgado) e acabar com a monarquia (FLO-
RENZANO, 1981, p. 109).
No limiar da guerra civil inglesa, Carlos I foi julgado e executado como “inimigo do 
povo”, em janeiro de 1649. Foi então que, na Inglaterra, não só a monarquia foi con-
siderada “desnecessária” e, ao mesmo tempo, “opressiva”, bem como “perigosa”, mas 
a Câmara dos Lordes fora abolida sob as mesmas prerrogativas (FLORENZANO, 
1981, p. 109). Por conseguinte, em 19 de maio de 1649, foi proclamada a República 
na Inglaterra, de acordo com comunicado emitido pela Câmara dos Comuns:
 “ Ficou provado pela experiência que a função do Rei neste país é 
inútil, onerosa e um perigo para a liberdade, a segurança e o bem-
-estar do povo; por isso, de hoje em diante, tal função fica abolida 
(ARRUDA, 1984, p. 81).
Encerrava-se a Revolução iniciada em 1640 e instaurava-se o período republi-
cano na Inglaterra. Contudo ainda permanecia o processo revolucionário que 
terminaria com a Revolução Gloriosa apenas.
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3 
A REPÚBLICA
DE CROMWELL
e a Revolução Gloriosa 
Por consequência lógica dos acontecimentos, a liderança da República inglesa 
fora entregue a Cromwell. Contudo este não representava os interesses dos nive-
ladores, que tanto contribuíram para a implantação do governo republicano na 
Inglaterra. Ele encabeçava a ala dos generais independentes. 
Figura 18 - Cromwell alegadamente visitou o caixão de Carlos cantando "Cruel necessity!", por 
Paul Delaroche, 1831 / Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)53.
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Devemos, assim, ter bastante clareza quanto a essa primeira fase do processo 
revolucionário inglês, pois existiu:
 “ [...] uma luta complexa entre ordens e grupos de status, limitada em 
grande parte aos membros de diversas elites rachadas e fragmenta-
das por diferenças de ordem constitucional, aspirações religiosas e 
padrões culturais, por conflitos de interesses e conflitos de lealdade, 
bem como pelos efeitos desestabilizadores provocados pela rapi-
dez do desenvolvimento econômico e da mudança social (STONE, 
2000, p 113).
Desse modo, o governo de Cromwell passou a adotar medidas de repressão de 
grupos cujos ideais eram considerados muito democráticos ou radicais. Por 
conseguinte, o período em que governou foi o maior período republicano na 
Inglaterra, pois, como veremos, seus finais foram quase simultâneos, e os desdo-
bramentos dessa fase do governo da Inglaterra foram importantes e prossegui-
ram no culminar da Revolução Gloriosa. Cromwell seguiu políticas internas e 
externas importantes:
 “ No plano interno, foram suprimidas de vez as estruturas feudais ain-
da vigentes, eliminando-se todos os obstáculos institucionais para 
o livre desenvolvimento das forças capitalistas. No plano externo, a 
Inglaterra consolidou sua vocação natural, de potência marítima e 
imperialista (FLORENZANO, 1981, p. 111).
Foram as chaves disso tudo os chamados Atos de Navegação. Estes consistiam 
em um conjunto de leis aprovadas em 1651, que instituíram, como obrigatório, 
que todo produto que entrasse ou saísse da Inglaterra fosse por navios ingleses. 
Porém, após Cromwell ter expurgado do Parlamento os realistas, a sua ordem de 
dar fim aos niveladores, que tanto contribuíram para colocá-lo no poder, acabou 
por fazê-lo instituir, na Inglaterra, uma espécie de ditadura que rompia, em parte, 
com ideais discutidos ao longo do processo revolucionário inglês. Os motivos 
para tanto eram os seguintes:
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 “ Não pode convocar eleições, pois os realistas, presbiterianos e angli-
canos, certamente, venceriam. Na Irlanda, aproveitando-se do caos 
reinante, começa a rebelião contra os ingleses. Os realistas emigrados 
conspiram na Escócia e Holanda. Dentro do próprio exército os Nive-
lados agitam a bandeira da rebelião pretendendo realizar a Segunda 
Revolução; a Revolução dentro da Revolução (ARRUDA, 1984, p. 82).
Fatores que demonstram que essa etapa do processo revolucionário inglês fora 
de fortes conturbações e não de “cessar fogo”, ao menos, entre as convicções polí-
ticas. Desse modo, assim que o movimento dos Niveladores fora contornado, de 
acordo com Arruda (1984), enquanto Cromwell partiu para a Irlanda na tentativa 
de acalmar os ânimos por lá, deixando o governo da Inglaterra sob o comando 
de um Conselho de Estado provisório, Carlos II (filho do último rei inglês que 
fora destituído, Carlos I) tentou retomar a monarquia inglesa, mas, por fim, foi 
derrotado. Em seguida, o Longo Parlamento fora dissolvido e Cromwell recebeu 
o título de Lorde Protetor. 
Nesse contexto perturbador da República de Cromwell, a nova Constituição 
que fora implantada na Inglaterra, ao mesmo tempo que propôs avanços democrá-
ticos, como o avanço do ensino gratuito, da liberdade de imprensa, o voto secreto e 
o voto feminino, não conseguindo conter o avanço de interesses discrepantes com 
os do governo, acabou por perpetuar, nos anos do governo de Cromwell, medidas 
autoritárias, como o fechamento do Parlamento e o envio de soldados com ideias 
“nivelantes” para territórios longínquos. Os resultados foram que, com a morte de 
Cromwell, em 3 de setembro de 1658, devido a uma forte “febre”, seu filho, Richard 
Cromwell, recebeu, com dificuldades, a sucessão do governo da Inglaterra. Ele, 
segundo Arruda (1984), não detinha o mesmo carisma do pai, o que resultou, em 
após 18 meses, na sua deposição. E, então, a monarquia foi retomada na Inglaterra 
e, conforme o desenrolar dos acontecimentos, conduzira:
 “ O General Monck, ex-realista, que governava a Escócia e se dedi-
cara ao trabalho de depurar o exército de seus elementos mais po-
litizados, apoiado financeiramente pela pequena nobreza escocesa, 
contando ainda com a conivência de todos os setores mais conser-
vadores, amedrontados pela ação política dos radicais no tempo da 
República e, por isso mesmo, desejosos de voltar ao regime monár-
quico e o que ele representava em termos de estabilidade política e 
tranqüilidade social, restaurou a Monarquia (ARRUDA, 1984, p. 87).
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Com Carlos II (1658-1685), a monar-
quia, segundo Arruda (1984), embora 
tenha enterrado com a República as-
pirações mais democráticas na Ingla-
terra, já que “o país voltava à situação 
jurídica existente em 1642, isto é, com 
o Parlamento, como soberano políti-
co da nação”, contudo, “não de todos 
os ingleses, pois era um Parlamento 
oligárquico que representava os inte-
resses das classes proprietárias, sobre-
tudo rurais” (FLORENZANO, 1981, 
p. 113), também não significou um 
retorno ao Antigo Regime. Esse rei se 
submeteu à vontade do Parlamento, 
que chegou a permanecer o mesmo 
por 18 anos.
Figura 19 - Carlos II, da Inglaterra, por John 
Michael Wright / Fonte: Wikimedia Commons 
([2020], on-line)54.
O sucessor de Carlos II, seu irmão, sob o título de Jaime II, governou de modo 
oposto ao primeiro, com fortes aspirações de retomar o absolutismo monárquico 
na Inglaterra:
 “ Tentou reeditar o comportamento absolutista de seu pai, favorecendo 
os católicos, apoiando a reconstituição dos bens da aristocracia, sendo 
afastado por um novo golpe de Estado, urdido no próprio Palácio, a 
denominada “Revolução Gloriosa”, de 1688 (ARRUDA, 1984, p. 88).
Cromwell, que tinha sido enterrado na capela de Westminster, o Coronel Ireton, seu cunhado, 
e Brasdshaw, que presidira o julgamento do Rei Carlos I, foram desenterrados, enforcados e 
decapitados. A restauração da Monarquia exigia a destruição da memória dos regicidas.
Fonte: Arruda (1984).
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Essa fase do processo revolucionário 
inglês, conhecida como Revolução 
Gloriosa, já que não demandou con-
flitos armados e os desgastes advindos 
dos mesmos, fora o culminar do pro-
cesso revolucionário iniciado em 1640.
Ela se constituiu no fato de o Par-
lamento ter buscado, na filha de Jaime 
II, Maria Stuart, esposa de Guilherme 
de Orange, então governador das 
Províncias Unidas, a solução pacífica 
para o ambicionar absolutista do rei. 
Guilherme foi convidado a ocupar o 
trono inglês e, para tanto, teve que se 
submeter à assinatura da Declaração 
dos Direitos (Bills of Rights) em 1689, 
e, assim, fincava-se, na Inglaterra, um 
regime de governo constituído de 
uma monarquia parlamentarista.
Figura 20 - Jaime II, da Inglaterra, por Godfrey 
Kneller / Fonte: Wikimedia Commons ([2020], 
on-line)55.
“Os novos soberanos tiveram de aceitar a Declaração dos Direitos, baixada em 1689, que 
decretava: o rei não podia cancelar leis parlamentares e o Parlamento poderia dar o trono 
a quem lhe aprouvesse após a morte do rei; haveria reuniões parlamentares e eleições 
regulares; o Parlamento votaria o orçamento anual; inspetores controlariam as contas 
reais; católicos foram afastados da sucessão; a manutenção de um exército em tempo de 
paz foi considerada ilegal.
Os ministros passaram a tomar as decisões, sob autoridade do lorde tesoureiro. Funcionários 
passaram a dirigir o Tesouro e, em época de guerra, orientavam a política interna e externa”. 
Fonte: Chaves (2015, on-line)56.
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Esse era o fim definitivo do Antigo Regime na Inglaterra e do absolutismo mo-
nárquico naquele país. A partir de então, os caminhos estavam abertos para a 
soberania naval da marinha inglesa após, sobretudo, os Atos de Navegação e 
para o desenvolvimento produtivo, com os cercamentos e, consequentemente, 
o crescimento do comércio da Inglaterra, país que terminaria como berço da 
Revolução Industrial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo que foi exposto, caro(a) aluno(a), podemos concluir que as revo-
luções burguesas que se desenrolaram na Inglaterra, cada uma com suas especifi-
cidades, contribuíram, de modo significativo, para a conquista da cidadania e dos 
direitos fundamentais. Pois, como apresentado, os ideais de ambas as revoluções 
inglesas envolveram a contenção dos direitos exacerbados dos governantes e 
possibilitaram, de algum modo, uma participação mais efetiva dos grupos sociais 
que, até então, não eram incluídos nos processos e decisões políticas.
Nesse ínterim, a Declaração de Direitos, que limitava o poder dos reis, impe-
diu o restabelecimento do absolutismo. A partir de então, os monarcas tiveram 
seus poderes restritos. Quanto ao poder de decisão política, passou a concentrar-
-se no Parlamento, dando origem a uma Monarquia Parlamentarista.
Por fim, vale destacar que as reformas garantiram o comprometimento com 
as liberdades individuais, com destaque à liberdade de crenças religiosas.
181
aprimore-se
1. Durante o reinado de Eduardo I (1239-1307), a monarquia inglesa fora impedida 
de decretar leis sem o consentimento do Parlamento. Considere o que é correto 
acerca desta afirmação:
I - O poder real, na Inglaterra, fora limitado desde o período medieval, a começar 
pela assinatura da Magna Carta no reinado de João, “o sem-terra”.
II - Apesar do Parlamento ter sido oficializado durante o reinado de Eduardo I, os 
monarcas conquistaram mais liberdade para alterar as leis conforme seus inte-
resses pessoais nos anos seguintes.
III - No decorrer do século XVI, com a dinastia Tudor, observou-se a busca pelo apoio 
do Parlamento para aprovar as medidas pretendidas pela Coroa.
Assinale a alternativa correta:
a) I, apenas.
b) II, apenas.
c) I e II, apenas.
d) I e III, apenas.
e) I, II e III.
2. “As rápidas mudanças econômicas, de um lado, e a inflação, de outro (no século XVI 
não apenas a Inglaterra mastoda a Europa sofreu a famosa ‘revolução dos preços’, 
provocada em grande parte pelo afluxo maciço de prata e ouro americanos), pro-
vocaram uma grande redistribuição de renda de uma classe à outra e um intenso 
processo de mobilidade social” (FLORENZANO, 1981, p. 70).
Acerca da “redistribuição de rendas”, impulsionada pela prata e pelo ouro que chegavam 
da América e por meio contexto apresentado pela unidade, analise as asserções abaixo:
I - As mudanças afetaram todos os grupos sociais.
II - Além das riquezas extraídas das colônias inglesas, a Reforma Anglicana também 
impactou a redistribuição de rendas.
III - A gentry se tornou uma poderosa classe fundiária graças aos seus familiares, 
primeiros pioneiros das colônias inglesas.
IV - Essas mudanças também possibilitaram significativa ampliação no número de 
profissionais liberais, como médicos e advogados.
182
aprimore-se
Estão corretas apenas:
a) I. 
b) I e III.
c) II e IV.
d) I, II e IV.
e) II, III e IV.
3. Várias ideias “ganhavam corpo”, na Inglaterra, ao longo dos 30 primeiros anos do 
século XVII, no encontro das transformações econômicas e sociais que a Inglaterra 
vinha passando desde o século anterior, bem como por meio de reação à política 
absoluta dos Stuarts, iniciada com Jaime I. Acerca destas ideias, considere V para o 
que for verdadeiro e F para o que for falso:
( ) Ao tentarem fortalecer seu governo, por meio da defesa do Direito Divino, os 
Stuarts causaram reação negativa dos puritanos.
( ) O Direito Comum, além de ser exemplo da influência renascentista, pois era 
herança baseada no direito romano, também foi inspiração para as ideias ilu-
ministas, já que defendia a igualdade social.
( ) Um terceiro conjunto de ideias fortes foram as que apresentavam oposição en-
tre a Corte e o país, neste ínterim, o país era percebido como virtuoso, enquanto 
a Corte era depravada.
A sequência correta é:
a) V, V, V.
b) V, V, F.
c) V, F, V.
d) F, F, V.
e) F, V, F.
183
aprimore-se
4. “Cromwell e o exército, apoiados pelos niveladores, decidiram expurgar o Parla-
mento de todos os realistas (a partir deste momento o Longo Parlamento passou a 
ser conhecido pelo nome de Rump Parliament, isto é, Expurgado) e acabar com a 
monarquia” (FLORENZANO, 1981, p. 109).
Acerca do contexto apresentado na referida citação, analise as afirmações e consi-
dere V para o que for verdadeiro e F para o que for falso:
( ) Em maio de 1649, foi instaurada a Câmara dos Lordes, dando início à República 
da Inglaterra.
( ) Com a proclamação da República na Inglaterra, a Câmara dos Comuns declarou 
que a função do rei era inútil, custosa e ameaçava a liberdade e segurança do povo.
( ) No decorrer da guerra civil inglesa, Carlos I foi julgado e executado, sendo consi-
derado, juntamente com a monarquia, desnecessário para a sociedade inglesa, 
sendo, portanto, o último monarca daquele país.
A sequência correta é:
a) V, V, V.
b) V, V, F.
c) V, F, F.
d) F, V, F.
e) F, F, F.
5. O governo de Cromwell adotou medidas de repressão de grupos cujos ideais eram 
considerados muito democráticos ou radicais. Por conseguinte, o período em que 
governou foi o maior período republicano na Inglaterra e apresentou desdobra-
mentos importantes que culminaram na Revolução Gloriosa. Disserte acerca das 
políticas internas e externas que Cromwell seguiu e que foram importantes para o 
desenrolar deste contexto histórico.
184
eu recomendo!
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O PADRÃO DE VIDA DA CLASSE TRABALHA-
DORA: REVISITANDO A CONTROVÉRSIA 
O objetivo central desse trabalho é retomar e discutir a controvérsia sobre o padrão 
de vida da classe trabalhadora inglesa durante a Revolução Industrial. Quanto à estru-
turação, o artigo é composto de seis seções, incluindo essa introdução. A seção dois 
apresenta o problema a ser investigado; na seção três se discute as várias interpreta-
ções pessimistas e otimistas sobre o tema; na seção quatro são apresentados e dis-
cutidos elementos dos estudos de Hobsbawm sobre a questão; a seção cinco realiza 
uma breve análise de dados disponíveis; a seção seis trata das considerações finais. 
O problema 
Existe em História Econômica um debate inconcluso e que, talvez, nunca venha a 
se concluir. Trata-se da controvérsia sobre o padrão de vida da classe trabalhadora 
durante a Revolução Industrial inglesa. Não é propósito deste trabalho obter uma 
resposta definitiva, porém fazer uma revisão do tema e colocar em discussão da-
dos que possam lançar alguma luz sobre o problema. Enquanto autores, que po-
demos chamar de clássicos, como Ricardo, Marx, Engels, Toynbee, os Webbs e os 
Hammonds estudaram e apresentaram aquele período histórico como de grandes 
sofrimentos para os trabalhadores: miséria generalizada, alto grau de exploração, 
opressão política, agitação e resistência popular. Outros, como Clapham, Ashton, 
Hayek, Rostow, Hartwell e Landes defenderam que a situação dos trabalhadores 
esteve longe de ser péssima naquele período. Assim, a industrialização pioneira é 
reescrita e considerada como uma época de desenvolvimento e prosperidade e não 
de opressão, exploração e conflito. Até então não parece haver problemas, pois a 
história é reescrita constantemente. Talvez, se precise reescrevê-la mais uma vez. A 
controvérsia ganha dimensão porque as posições são extremadas. Em oposição às 
observações dos pessimistas, de que as ruas eram fétidas, as casas dos operários 
cubículos onde se amontoavam dezenas de pessoas, que o vestuário dos pobres 
era de péssima qualidade, que a alimentação era insuficiente e de má qualidade, 
185
eu recomendo!
que as famílias trabalhadoras eram doentes e morriam com facilidade; os otimis-
tas argumentaram que havia muito exagero dos pessimistas, que as condições não 
eram tão ruins, que o consumo melhorou sensivelmente, que as habitações eram 
relativamente – ou muito – confortáveis. 
O verdadeiro cerne da controvérsia é que ao se referir a padrão requer medidas 
comparativas de salários e preços. Essas séries históricas nem sempre são fáceis de 
construir. No caso da Revolução Industrial as dificuldades são imensas. Os dados 
existentes são fragmentados e oriundos de fontes diversas e às vezes contraditó-
rias. Na verdade, não existe nenhuma série contínua disponível. 
As interpretações: pessimistas versus otimistas 
Segundo Ricardo (1985) para qualquer mercadoria existe um preço natural e um 
preço de mercado. Para o trabalho há um salário natural e um salário de mercado. 
O salário natural é um mínimo de subsistência, que depende das condições gerais 
da sociedade, não se constituindo apenas numa cesta fisiológica. O salário de mer-
cado depende das condições de demanda e de oferta do trabalho. Duas questões 
importantes podem ser deduzidas dos argumentos ricardianos: o salário de merca-
do oscila em torno do salário natural, mas no longo prazo há uma tendência para o 
salário de mercado convergir para o salário natural; o salário natural sendo um con-
ceito de longo prazo é determinado unicamente pela oferta, ou seja, pelos custos de 
produção ou reprodução dos trabalhadores. 
Marx (1999) inicialmente apresenta três questões essenciais para se entender o 
padrão de vida dos trabalhadores: (a) o salário natural é um salário de subsistência, 
definido como aquele suficiente para manter e reproduzir o volume requerido de 
força de trabalho; (b) a introdução de máquinas desempenha o papel de poupar 
trabalho e de manter os salários num patamar mínimo; (c) a acumulação de capital 
é determinante no processo de definição dos níveis salariais. 
Pela teoria da acumulação do capital, existe uma proporção entre os exércitos 
industriais da ativa e da reserva. Com o aumento da acumulação, a situação dos 
trabalhadores melhora, pois se aumenta o número de empregados e se reduz o 
186
eu recomendo!
de desempregados, de forma que os salários se ajustam para cima. Esta situação 
ocorre no momento expansivo do ciclo. Na crise ena depressão a relação se inverte 
e os salários se ajustam para baixo. Cabe destacar que um dos principais papéis da 
inovação tecnológica é evitar que a demanda por força de trabalho aumente demais 
pressionando os salários para cima. 
A mais viva descrição das condições de vida dos trabalhadores nas cidades in-
dustriais da Inglaterra foi realizada por Engels (1975), não através de testemunhos 
de terceiros, mas como testemunha ocular da história. Baseou seu trabalho, tam-
bém, na grande imprensa e em relatórios de inspetores de fábricas. A maioria das 
críticas que se faz a este autor parece trazer implícita a bizarra ideia de que a grande 
imprensa estava contra os interesses do capital e que os inspetores de fábrica eram 
todos perigosos comunistas. 
As condições de existência que Engels descreve são, para dizer pouco, brutais. Diz 
que durante sua primeira permanência na Inglaterra, de 20 a 30 pessoas morreram 
diretamente de fome e dezenas de outras faleceram de causas ligadas a profunda 
subnutrição. As habitações dos pobres eram de péssima qualidade. Eram constru-
ções de tijolos, de um ou dois andares alinhadas em longas filas. As ruas eram sujas, 
desniveladas, cheias de detritos e com esgotamento sanitário a céu aberto. Acumu-
lavam-se nestas ruelas, charcos estagnados e mal cheirosos. A circulação de ar nas 
casas era muito ruim. Todas eram superlotadas. Contudo, continua Engels, existem 
bairros ainda piores como um muito mal afamado, denominado de “Ninho dos Cor-
vos”. Em um amontoado de cubículos a sujeira era total. As casas eram construídas 
de modo a otimizar todos os espaços, numa confusão arquitetônica indescritível. 
Nestes bairros de má reputação se amontoavam os trabalhadores mais pobres, os 
ladrões, os escroques de todos os tipos e as prostitutas, numa mistura que destrói 
qualquer possibilidade de dignidade humana. É a ralé criada pela industrialização e 
que em muitas ocasiões de conflito, era usada contra os trabalhadores. Buracos no 
subsolo também eram utilizados como habitação. Eram centenas de pessoas, mui-
tas irlandesas que se escondiam debaixo de terra e rastejavam para fora no intuito 
de “ganhar o que comer”. 
187
eu recomendo!
No item vestuário, Engels argumenta que as roupas dos operários, na maioria 
dos casos, estavam em péssimo estado. Os tecidos utilizados não eram apropriados 
para o clima. As camisas masculinas eram de algodão. As mulheres vestiam chita. 
Para a roupa de domingo os operários tinham duas opções: ou adquiriam nas pio-
res lojas uma roupa de um tecido chamado de devil’s dust, ou adquiriam uma roupa 
de segunda mão desgastada e que só durava algumas semanas. Os mais pobres, 
principalmente irlandeses se vestem de farrapos que são constantemente remen-
dados de qualquer maneira: retalhos de uma cor posto sobre roupa de outra cor 
(quando se distingue a cor original); algodão remenda lã e vice-versa. 
Fonte: Barbosa (2008, p. 1-3).
188
eu recomendo!
Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo
Autor: Eric John Hobsbawm
Editora: Forense
Sinopse: Eric Hobsbawm é um historiador reconhecido interna-
cionalmente e, por meio de uma orientação marxista, ele con-
tribuiu com inúmeras pesquisas das quais surgiram inúmeras 
obras das quais, se destacam Da Revolução Industrial Inglesa ao 
Imperialismo e a Era dos Extremos. Para o autor, as tradições apresentadas pelos 
grupos sociais mais ricos de algumas nações não correspondem à realidade, pois 
tratam-se de tradições construídas, inventadas pelas mesmas elites com o intuito 
de dar destaque às suas nações. A partir deste ponto de vista, Hobsbawm se apro-
fundou em análises que buscaram desvendar as causas e consequências desses 
fatos históricos. 
livro
Morte ao Rei
Ano: 2003
Sinopse: a história se passa em 1645, quando a Inglaterra estava 
dividida pela guerra civil. Neste contexto, o Rei Charles I (Rupert 
Everett) é derrubado pelos puritanos, que ganham a batalha con-
tra a corrupção que assolava o país. Destacam-se, neste confron-
to, dois heróis que têm como missão unir o povo inglês em prol 
de uma reforma fundamental para o país: Lorde General Thomas 
Fairfax (Dougray Scott) e o General Oliver Cromwell (Tim Roth). 
filme
189
eu recomendo!
Documentário em animação sobre a Revolução Industrial inglesa, que apresenta 
a evolução dos motores que contribuíram com o desenvolvimento das máquinas 
que possibilitaram a Revolução Industrial bem como os problemas sociais e con-
flitos que ocorreram por causa desse processo fundamental para a sociedade 
contemporânea.
https://br.video.search.yahoo.com/search/video;_ylt=AwrJ7KI6jG1ee8IAkDzz-
6Qt.;_ylu=X3oDMTB0N2Noc21lBGNvbG8DYmYxBHBvcwMxBHZ0aWQDBHNlY-
wNwaXZz?p=revolu%C3%A7%C3%A3o+industrial+History&fr2=piv-web&fr=mca-
fee#id=4&vid=7bb472d0ca5cc6419454bb33e48d28fb&action=view
conecte-se
5
A REVOLUÇÃO
FRANCESA – 1789
PLANO DE ESTUDO 
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • A França pré-revolucionária • A 
Revolução de 1789 • As heranças da Revolução Francesa.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 
Compreender a organização social e política da França no período pré-revolucionário • Analisar as 
condições que levaram à Revolução de 1789 • Identificar aspectos da Revolução Francesa que in-
fluenciaram outros países.
PROFESSORAS 
Dra. Verônica Karina Ipólito
Me. Vivian Fernandes Carvalho de Almeida
INTRODUÇÃO
Prezado(a) aluno(a), esta unidade se concentra em um dos temas mais 
pesquisado no decorrer da História, a Revolução Francesa. Movimento 
impulsionado pela burguesia, mas que envolveu significativa participação 
dos camponeses e da miserável massa urbana francesa que vivia em con-
dições precárias, em finais do século XVIII. 
Nesse ínterim, em 14 de julho de 1789, por meio da união desses grupos 
sociais de Paris, a prisão da Bastilha foi tomada, suscitando profundas mu-
danças no governo francês. Não é possível compreender este fato histórico 
sem considerarmos a influência das ideias iluministas propagadas entre 
os burgueses, por filósofos, como Voltaire, Montesquieu, Rousseau, Adam 
Smith, entre outros. Movimento que destinava pesadas críticas às práticas 
econômicas mercantis e ao absolutismo.
Não menos importante é lembrarmos que, durante esse mesmo pe-
ríodo, a Inglaterra intensificava o processo que possibilitou a Revolução 
Industrial. Por esses e outros motivos que melhor exploraremos, no decor-
rer desta unidade, a Revolução Francesa, um marco na divisão da História, 
pois resultou em transformações tanto em seu país de origem quanto no 
mundo ocidental, por meio da expansão de seus ideais que contribuíram 
para movimentos sociais em outras partes para além da Europa. Suas cau-
sas e consequências, porém, são melhor analisadas se buscamos suas raízes 
dentro da França, para, então, entendermos o seu significado e expansão. 
Primeiramente, conheceremos o contexto francês que deu vazão a esse 
evento revolucionário, em seguida, analisaremos a revolução em si e, por 
último, o seu significado dentro e fora da França.
Convidamos você, caro(a) aluno(a), para conhecer um pouco desse 
importante marco histórico. Bons estudos!
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A FRANÇA 
PRÉ-REVOLUCIONÁRIA
A França, no final do século XVIII, era o país mais populoso da Europa, contando 
com uma população de cerca de 28 milhões de habitantes. Sob o Antigo Regime, 
esse país era governado por uma monarquia absoluta, em que o rei detinha poder 
baseado na ideia do direito divino, ou seja, o direito de governar seus súditos que 
teria sido recebido por Deus.
O termo Antigo Regime se remete ao sistema político e social que regia a França antes da 
Revolução Francesa (1789), ou seja, ao Absolutismo francês.
Fonte: as autoras.
conceituando
Essa sociedade estava dividida em estamentos, camadas estanques que são cha-
madas de Primeiro, Segundo e Terceiro Estados. O Primeiro Estado era composto 
pelo clero, o Segundo era integrado pela nobreza francesa, e o Terceiro Estado era 
compostopelo restante da população, que integrava camponeses, trabalhadores 
urbanos e burguesia.
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O Terceiro Estado era a maioria da população e composto, majoritariamente, 
por camponeses:
 “ Na véspera da Revolução, a França apresentava uma estrutura só-
cio-econômica ainda predominantemente agrária e feudal. Agrária 
porque pelo menos 80% da população (estimada em torno de 25 
milhões) era camponesa (FLORENZANO, 1981, p. 16).
A estrutura dessa sociedade ainda mantinha moldes feudais, já que:
 “ [...] a forma pela qual o trabalho era realizado (as técnicas e prá-
ticas agrícolas) e a maneira pela qual os senhores se apropriavam 
do trabalho e do fruto do trabalho produzido pelos camponeses 
(relações sociais de produção) implicavam na manutenção de usos 
e costumes (o conjunto das instituições jurídicas), cujas origens re-
montavam à Idade Média (FLORENZANO, 1981, p. 16).
Nesse contexto, o rei, a nobreza e o clero eram os detentores das grandes propriedades 
rurais na França, estando isentos de pagar impostos, enquanto detinham, ainda, o 
poder político, ocupando todos os cargos de governo e outros privilégios que disso 
provinha, como tribunais e leis especiais para esses grupos. Enquanto isso, ao Terceiro 
Estado cabia, com seu trabalho e pagamento dos tributos da nação, sustentar o país. 
Nessa sociedade desigual, a designação social de um indivíduo provinha de seu nas-
cimento e, assim, a “nobreza e o clero (os senhores, mais ou menos 3% da população) 
podiam viver às custas dos camponeses devido à posse e usufruto de direitos feudais 
e senhoriais” (FLORENZANO, 1981, p. 16), dos quais adquiriram o direito de estarem 
isentos do trabalho pesado e do pagamento dos impostos.
Nesse período, a França estava dividida em classes sociais ou Estados Nacionais: 
• Primeiro Estado – Clero; em torno de 2% da população.
• Segundo Estado – Nobreza; em torno de 2% da população.
• Terceiro Estado – Burguesia; composta pela alta, média e baixa burguesia (artesãos, 
proletários, servos e camponeses).
Fonte: as autoras.
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É nessa organização social que encontramos os resquícios feudais de que falamos. 
Conforme observou Florenzano (1981, p. 17), a concepção, na época, era a de 
que “ao clero cabiam funções religiosas e educacionais e à nobreza as militares 
e políticas”, enquanto o “trabalho, da terra, da indústria e a prática do comércio 
cabiam aos plebeus”. Mesmo se tratando de uma época já distante da chamada 
Idade Média, a França, região onde o feudalismo teve seu ápice, manteve, ainda 
no século XVIII, os traços das relações feudais medievais. 
Essas antigas concepções e situações se encontravam, no final da Era Moder-
na, com uma nova roupagem. O poder descentralizado das mãos de senhores 
feudais havia sido há tempos suprimido pelo poder central, na figura de um rei 
absoluto. Além disso, com o desenvolvimento do comércio e das manufaturas, 
pós expansão marítima europeia e a primeira Revolução Industrial, na França, 
havia se desenvolvido uma economia mercantil e, junto dela, vinha nascendo e 
crescendo o capitalismo. Desse modo,
Figura 1 - Captura da Bastilha / Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)57.
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 “ [...] a França não era uma potência como a Grã-Bretanha, cuja polí-
tica externa já era substancialmente determinada pelos interesses da 
expansão capitalista. Ela era a mais poderosa, e sob vários aspectos 
a mais típica, das velhas e aristocráticas monarquias absolutas da 
Europa (HOBSBAWM, 1996a, p. 63).
Essas novas situações, inseridas em antigas bases sociais, faziam com que tanto 
o comércio quanto a produção manufatureira estivessem atrelados ao Estado e, 
a sua gestão, sobre esses,
 “ [...] já que dependiam de seus favores e suas necessidades. Basta lem-
brar que na França grande parte das manufaturas foram criadas para 
proporcionar objetos de luxo à Corte, armas às tropas e artigos de 
exportação para o comércio real, ao mesmo tempo que as grandes 
companhias de navegação foram criadas para trazer ao país os pro-
dutos de ultramar (isto é, das colônias) (FLORENZANO, 1981, p. 18).
Desse modo, os lucros dessa economia mercantil beneficiavam, além da burgue-
sia, o tesouro real, sendo, então, o mercantilismo a política econômica mais pra-
ticada pelos governos europeus na época. Afinal, a base da política mercantilista 
estava centrada na intervenção do Estado na economia, para, justamente, esse 
poder, a seu gosto, melhor controlá-la.
Nesse ínterim, entre a burguesia, aqueles que vinham enriquecendo, em mui-
tos casos, passaram a adentrar a aristocracia da França. Isso ocorria por meio da 
aquisição de títulos nobiliárquicos ou de arranjos matrimoniais. O resultado foi 
a existência, nesse reino, de uma alta burguesia aristocratizada, como observou 
Florenzano (1981), que foi adquirindo terras ou ofícios e passando a viver, assim 
como a nobreza, de rendas, e não, necessariamente, do comércio. Essa situação 
denotou a tentativa de parte desse grupo em integrar a aristocracia francesa e 
não, necessariamente, combatê-la.
Como pontuou Florenzano (1981, p. 21), contudo, na sociedade francesa do 
século XVIII “enquanto todo aristocrata era nobre, nem todo nobre era aristo-
crata”, portanto, dentro da própria nobreza, havia distinções. E essas diferenças 
entre a alta nobreza e baixa/pequena nobreza existiam, até mesmo, em sua lo-
calização espacial, já que a alta nobreza, com fortuna, acesso e incorporada à 
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Corte, sediava-se em Versalhes, pequena nobreza empobrecida e decadente, que 
se tornara uma nobreza provinciana, dependente dos privilégios feudais para se 
manter pelas aldeias do país. Além disso, nesses grupos, inseriam-se, ainda, uma 
“nobreza de espada” e uma “nobreza de toga” (os magistrados e altos funcioná-
rios do Estado) (FLORENZANO, 1981, p. 21). Ambos, claramente distintos, pois 
o primeiro grupo era composto por membros da baixa nobreza, enquanto, no 
segundo grupo, encontravam-se as pessoas mais ricas da alta nobreza e que, por 
conseguinte, integravam a aristocracia da França. 
Ao longo do século XVIII, contudo,a França foi palco de situações que afe-
taram a economia e a sua sociedade. Para começar, no que se refere à economia 
francesa, houve certo avanço na produção agrícola. Esse avanço foi seguido pelo 
aumento mais significativo ainda na produção manufatureira do país, que come-
çava a industrializar-se. Como consequência, a sociedade era afetada por essas 
alterações econômicas, pois:
 “ Enquanto a burguesia aumentava o seu número, diversificava as 
suas fileiras e enriquecia-se no seu conjunto, a aristocracia para se 
defender da alta de preços que acompanhava a expansão econômica, 
lançava mão dos únicos recursos de que dispunha: aumentou o nível 
de exploração sobre os camponeses e açambarcou todas as carreiras 
compatíveis com a sua condição (exército, diplomacia, ministérios, 
etc.) (FLORENZANO, 1981, p. 21).
A reação da nobreza e as mudanças sociais geravam uma pressão sobre o Estado 
para fechar-se a elas, enquanto, em contrapartida, a burguesia pressionava o mes-
mo a abrir-se. E, muito embora esses dois grupos sociais não fossem a maioria 
populacional, eles eram os detentores do poder aquisitivo na sociedade francesa 
do período, e isto tinha grande influência sobre esta. 
Esses, então, foram os fatores pré-revolucionários motivadores de conflitos 
nessa sociedade, já que as velhas estruturas sociais, como já fora apontado, não 
abrigavam as mudanças que, recentemente, nela, haviam ocorrido. E essa aristo-
cracia da alta nobreza, junto a baixa nobreza, formavam como “castas fechadas” 
que dependiam de suas rendas e privilégios feudais, já que “não podiam” praticar 
outras atividades econômicas, como as comerciais, por exemplo, sem se “des-
classificarem” (FLORENZANO, 1981, p. 22). Isso acabava por levar tais grupos a 
buscarem fortalecer os meios para garantir privilégios:
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 “ Economicamenteas preocupações dos nobres não eram absoluta-
mente desprezíveis. Guerreiros e não profissionais ou empresários 
por nascimento e tradição — os nobres eram até mesmo formal-
mente impedidos de exercer um ofício ou profissão —, eles depen-
diam da renda de suas propriedades, ou, se pertencessem à minoria 
privilegiada de grandes nobres ou cortesãos, de casamentos milio-
nários, pensões, presentes ou sinecuras da corte. Mas os gastos que 
exigia o status de nobre eram grandes e cada vez maiores, e suas ren-
das caíam — já que eram raramente administradores inteligentes de 
suas fortunas, se é que de alguma forma as conseguiam administrar. 
A inflação tendia a reduzir o valor de rendas fixas, como aluguel. 
Era, portanto natural que os nobres usassem seu bem principal, os 
privilégios reconhecidos (HOBSBAWM, 1996a, p. 64).
Assim, esse processo começava pela alta nobreza que, como já fora dito, procurou 
garantir para si todos os cargos de importância no Estado e, desse modo, manter 
a sua ordem aristocrática:
 “ Durante todo o século XVIII, na França como em tantos outros 
países, eles invadiram decididamente os postos oficiais que a mo-
narquia absoluta preferira preencher com homens da classe média, 
politicamente inofensivos e tecnicamente competentes. Por volta da 
década de 1780, eram necessários quatro graus de nobreza até para 
comprar uma patente no exército, todos os bispos eram nobres e 
até mesmo as intendências, a pedra angular da administração real, 
tinham sido retomadas por eles. Consequentemente, a nobreza não 
só exasperava os sentimentos da classe média por sua bem-sucedi-
da competição por postos oficiais, mas também corroía o próprio 
Estado através da crescente tendência de assumir a administração 
central e provinciana (HOBSBAWM, 1996a, p. 64-65).
Essa “reação aristocrática” não fora exclusiva da França, mas, neste país, levou a 
uma resistência da burguesia que vinha no processo de crescimento e desenvol-
vimento mercantil e ansiava por ascensão social. Foi aí que a burguesia, encabe-
çando o Terceiro Estado como a classe dominante economicamente e com seus 
desejos de adentrar na elite aristocrática francesa, encontrou, nas ideias ilumi-
nistas, o cabedal ideológico para seus interesses:
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 “ O pensamento iluminista, baseado no racionalismo, individualismo 
e liberdade absoluta do homem, ao criticar todos os fundamentos 
em que assentava o Antigo Regime, revelava as suas contradições e 
as tornava transparentes aos olhos de um número cada vez maior 
de pessoas (FLORENZANO, 1981, p. 24).
Então, “o conflito entre a estrutura oficial e os interesses estabelecidos do velho 
regime e as novas forças sociais ascendentes era mais agudo na França do que em 
outras partes” (HOBSBAWM, 1996a, p. 63), tornando o seu meio o mais propício 
para a revolução que nela eclodira. Nesse sentido, a nobreza reacionária também 
despertou reações entre o campesinato, já que, para brecar a queda de suas rendas, 
usou ao máximo seus direitos feudais para retirar dinheiro e, mesmo que mais 
raramente, até mesmo, serviços desse grupo. Para camponeses cuja situação já 
era paupérrima, ficava mais difícil, então, sobreviver:
 “ [...] a grande maioria não tinha terras ou tinha uma quantidade 
insuficiente, deficiência esta aumentada pelo atraso técnico domi-
nante; e a fome geral de terra foi intensificada pelo aumento da 
população. Os tributos feudais, os dízimos e as taxas tiravam uma 
grande e cada vez maior proporção da renda do camponês a inflação 
reduzia o valor do resto. Pois só a minoria dos camponeses que tinha 
um constante excedente para vendas se beneficiava dos preços cres-
centes; o resto, de uma maneira ou de outra, sofria, especialmente 
em tempos de má colheita, quando dominavam os preços de fome 
(HOBSBAWM, 1996a, p. 65).
No contexto em questão, a monarquia não detinha muitas opções no que se re-
fere à cobrança de impostos sobre os mais afortunados, pois, conforme assinalou 
Hobsbawm (1996a), houve a tentativa de reformas, nesse sentido, barradas pela 
aristocracia do parlement.
Parlements: As principais Altas Cortes de Apelação sob o Ancien Régime; em número de 13 
em 1789. A mais importante, o Parlamento de Paris, compreendia diversas câmaras, senado 
que a mais antiga era a “Grande Câmara”, bem como três câmaras dos inquéritos, uma câma-
ra de requerimento, o tribunal criminal conhecido como Tournelle e diversas outras câmaras.
Fonte: UFMG ([s. d.], p. 15).
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Uma crise que começou na agricultura piorava, também, a situação da população 
pobre do país. As colheitas de 1788 e 1789 foram ruins, e um rigoroso inverno 
abateu a França, atingindo em cheio a população camponesa:
 “ [...] enquanto os grandes produtores podiam vender cereais a preços 
de fome, a maioria dos homens em suas insuficientes propriedades 
tinha provavelmente que se alimentar do trigo reservado para o 
plantio ou comprar alimentos àqueles preços, especialmente nos 
meses imediatamente anteriores à nova safra (maio/julho) (HOBS-
BAWM, 1996a, p. 69).
Junto ao campesinato, a crise fazia sofrer a população de trabalhadores das cidades:
 “ [...] cujo custo de vida — o pão era o principal alimento — podia 
duplicar. Fazia-os sofrer ainda mais, porque o empobrecimento do 
campo reduzia o mercado de manufaturas e portanto também pro-
duzia uma depressão industrial. Os pobres do interior ficavam assim 
desesperados e envolvidos em distúrbios e banditismo; os pobres 
das cidades ficavam duplamente desesperados já que o trabalho 
cessava no exato momento em que o custo de vida subia vertigino-
samente (HOBSBAWM, 1996a, p. 69).
Nessas condições, a monarquia se encontrava com uma crise em seus cofres. 
Envolvida na guerra contra a Inglaterra, na luta pela independência dos Estados 
Unidos, a França estava com gastos muito maiores, cerca de 20% a mais do que, 
necessariamente, arrecadava no final dos anos de 1770.
[...] embora a extravagância de Versailles tenha sido constantemente culpada pela crise, os 
gastos da corte só significavam 6% dos gastos totais em 1788. A guerra, a marinha e a diplo-
macia constituíam um quarto, e metade era consumida pelo serviço da dívida existente. A 
guerra e a dívida — a guerra americana e sua dívida — partiram a espinha da monarquia.
(Eric John Ernest Hobsbawn)
pensando juntos
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O governo absolutista da França 
estava nas mãos de Luís XVI. Esse 
monarca se viu em um dilema: era 
preciso pagar a conta, mas, para con-
seguir algo com a aristocracia, teria 
que, em contrapartida, conceder-lhe 
mais privilégios.
Nesse contexto de crises e tur-
bulências, os rumos que se seguiram 
foram decisivos para o eclodir do 
processo revolucionário na França. 
Portanto, seguiremos, agora, com os 
principais acontecimentos que se de-
ram nesse sentido.
Figura 2 - Luís XVI da França, por Antoine-Fran-
çois Callet / Fonte: Wikimedia Commons ([2020], 
on-line)58.
2 
A REVOLUÇÃO
DE 1789
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Ainda, em 1787, a monarquia francesa buscava resolver seus problemas por meio 
de uma reforma fiscal no reino, mas não tinha como fugir ao inevitável, já que, 
para solucionar seus problemas financeiros, teria que ceder, de algum modo, à 
aristocracia, que queria, a todo custo, a manutenção de seus privilégios.
O primeiro passo da monarquia não fugiu desse caminho, mesmo que, a princí-
pio, pudesse ser essa a sua intenção. O que ocorreu foi a convocação da Assembleia 
dos Notáveis por causa da tentativa do rei em driblar a aristocracia que, há algum 
tempo, tomou conta de todos os órgãos intermediários de poder e, desse modo, por 
meio dos Parlaments, barrava toda decisão política que lhe desagradasse.
Figura 3 - Assembleia dos Notáveis, por Veny e Girardet; gravada por Claude Niquet, século 
XVIII / Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)59.
A Assembleia dos Notáveis era um “órgão corporativo composto por ‘deputados’, escolhi-
dos pelo rei entre as três ordens, e cuja função consistiaem assessorar o monarca; a 
última vez que este órgão havia sido convocado fora em 1627”.
Fonte: Florenzano (1981, p. 34).
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A reforma fiscal, proposta pela monarquia, fora recusada pela Assembleia dos 
Notáveis. Após um ano, essa reforma fora recusada pelo Parlament de Paris, que, 
ainda, exigiu a convocação dos Estados Gerais. “Impotente”, como observou Flo-
renzano (1981, p. 34), o rei Luís XVI teve que abrir mão da proposta apresentada 
para a reforma fiscal, realizando a convocação, que ficou marcada para maio de 
1789, da “velha assembleia feudal do reino, enterrada desde 1614” (HOBSBAWM, 
1996a, p. 66). Contudo a ação da nobreza feria, profundamente, o sistema vigente 
de poder, baseado na união do rei com a nobreza, o que acabou por abrir as portas 
para a Revolução na França.
A aristocracia, segundo Florenzano (1981), esperava enfraquecer o poder 
absoluto do rei e, assim, conduzir as decisões dos Estados Gerais, já que o voto era 
um por representante dos estados. Como, junto com o clero, a nobreza entendia 
que somaria dois votos contra apenas um do Terceiro Estado, compreendia que 
o caminho seguia o rumo a que pretendia; porém o andar da carruagem não foi 
esse. A aristocracia francesa cometia, então, um suicídio político e, assim,
 “ [...] a Revolução começou como uma tentativa aristocrática de re-
capturar o Estado. Esta tentativa foi mal calculada por duas razões: 
ela subestimou as intenções independentes do “Terceiro Estado” — a 
entidade fictícia destinada a representar todos os que não eram no-
bres nem membros do clero, mas de fato dominada pela classe mé-
dia — e desprezou a profunda crise sócio-econômicas no meio da 
qual lançava suas exigências políticas (HOBSBAWM, 1996a, p. 66).
Isso porque os pobres do campo e das cidades com “suas sequelas de fome e 
desespero” estavam em estado de revolta (FLORENZANO, 1981, p. 36). Como 
resultado, esse mesmo autor pontua que a aristocracia acabou dando um tiro no 
pé ao ajudar na difusão de suas ideias de reformas e, desse modo, permitiu que 
“o descontentamento secular dos camponeses e das massas urbanas ganhassem, 
pela primeira vez, uma perspectiva política” (FLORENZANO, 1981, p. 36). 
A burguesia, liderando essa massa de descontentes, conseguiu a primeira 
vitória do Terceiro Estado, antes mesmo da reunião de 5 de maio de 1789. Essa 
conquista foi o direito de duplicar os deputados desse estado social:
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 “ Naturalmente, os 610 deputados escolhidos pelo Terceiro Estado 
eram, em sua maioria esmagadora, homens saídos das fileiras da 
burguesia (advogados, comerciantes, proprietários rurais, banquei-
ros, etc.), pois ao contrário dos camponeses e sans-culottes, que 
eram pobres e analfabetos, a burguesia tinha riqueza e cultura po-
lítica. Era a única a possuir uma consciência de classe e um projeto 
político alternativo ao Antigo Regime (FLORENZANO, 1981, p. 36).
Figura 4 - O encontro da Assembleia dos Estados Gerais em 5 de maio de 1789, em Versalhes, 
por Isidore-Stanislaus Helman (1743-1806) e Charles Monnet (1732-1808) / Fonte: Wikimedia 
Commons ([2020], on-line)60.
Enquanto isso, as distensões do outro lado, entre membros do clero e nobreza, 
ou seja, no Primeiro e Segundo Estados, estavam acirradas:
 “ O primeiro estava dividido entre a minoria formada pelo alto clero e 
a maioria composta pelo baixo clero, o qual, pelas suas origens sociais 
(recrutados entre filhos de plebeus) e padrão de vida, tendia muito 
mais a se identificar com o Terceiro Estado do que a se alinhar com 
os bispos. A segunda estava dividida entre uma maioria de nobres 
reacionários e uma minoria, em geral da alta nobreza, de tendência 
liberal, disposta a apoiar a burguesia (FLORENZANO, 1981, p. 37).
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O desenrolar dos acontecimentos se deu no corpo dessas distinções, pois o Pri-
meiro e Segundo Estados se reuniram em separado para proceder com suas de-
cisões. Contudo o Terceiro Estado queria a votação por cabeça e não por Estado, 
pois contava com a maioria potencial de votos, devido à duplicação do número 
de seus deputados, além de voto dos dissidentes reformistas nas outras ordens. 
No decorrer dessas disputas, apesar de a aristocracia ter acordado para o 
perigo para si, que estava iminente (ou seja, a perda e a tentativa dela em barrar 
o controle do jogo político), recorrendo ao poder absolutista que ela mesma, 
de forma decisiva, vinha ajudando a solapar, logo percebeu que não havia mais 
volta. E, embora o rei tenha ordenado o fechamento da Assembleia formada pelo 
Terceiro Estado, os representantes deste, reunidos no Palácio de Versalhes, em 
um dos salões (a sala do jogo de Péla), recusaram-se a sair antes de terminar de 
elaborar uma nova Constituição para a França. No dia 9 de julho de 1789, junto 
a deputados do baixo clero e da nobreza “esclarecida”, proclamou-se, segundo 
Coggiola (2013), uma Assembleia Nacional Constituinte.
Figura 5 - Juramento do Jogo da Péla, por
Jacques-Louis David /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)61. 
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Era, então, iniciada a Revolução Francesa, pois a população, a partir de Paris, toma-
va as ruas buscando assegurar que a repressão à Assembleia não fosse realizada e 
iniciando, assim, a derrocada da nobreza aristocrática e da monarquia na França:
 “ Se repararmos finalmente que esta nobreza, separada da classe mé-
dia que repelira de seu seio e do povo cujo coração deixara escapar, 
estava inteiramente isolada no meio da nação, na aparência a cabeça 
de um exército, na realidade um corpo de oficiais sem soldados, 
compreenderemos como, após mil anos em pé, pôde ser derrubada 
no espaço de uma noite (TOCQUEVILLE, 1997, p. 185).
Nesse ínterim, a Bastilha foi tomada e caía, com ela, o absolutismo monárquico 
na França e o Antigo Regime.
Figura 6 - A Tomada da Bastilha, por
Jean-Pierre Houël /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)62.
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A burguesia, por meio da Assembleia Constituinte, como salientou Florenzano 
(1981), buscava uma reforma jurídica que transformasse o país em uma monar-
quia constitucional. Porém essa tarefa não seria simples, pois o próprio rei não 
aceitou se submeter a tal condição e reagiu tentando reprimir a Constituinte, o 
que terminou por levar as massas à fúria e a uma revolução que se espalhou pela 
França:
 “ A revolta popular de Paris foi imediatamente seguida pelas revoltas 
nas cidades das províncias (revolução municipal) que, em poucas 
semanas, fizeram desaparecer todas as antigas autoridades nomea-
das pelo Absolutismo, e por uma verdadeira revolução camponesa 
(FLORENZANO, 1981, p. 40).
Essa onda de revoltas, a partir de Paris, trouxe temor até mesmo para a burguesia, 
que se amedrontava com os possíveis prejuízos às suas propriedades; então, ela 
criou a Guarda Nacional, uma milícia armada, como um organismo não só para 
barrar forças antirrevolucionárias, mas também para o controle das massas. A 
burguesia francesa, então, procurou acabar com os direitos e privilégios feudais 
no país, como uma forma de acalmar o campesinato e, ao mesmo tempo, preser-
var o seu direito à propriedade. Em seguida, mais precisamente em 26 de agosto 
de 1789, fez aprovar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:
 “ O objetivo deste documento, de alcance universal, e sempre atual, 
era simples: enunciar, da maneira mais solene possível, todos os 
pressupostos básicos sobre os quais se fundamentaria a construção 
da nova sociedade (FLORENZANO, 1981, p. 42).
Por meio deste e do que seria aprovado em seguida, o governo constitucional 
tentou assegurar seus interesses. É importante observarmos que a Assembleia 
Constituinte era formada por determinados grupos políticos, os quais representa-
vam alguns setores da sociedade e, portanto, seus interesses: os girondinos eram 
representantes da alta e média burguesia (banqueiros, armadores, industriais e 
comerciantes), eles defendiam o voto censitário, o direito à propriedadee eram 
contra a participação popular na Revolução, por isso, eram considerados con-
servadores, ocupavam os assentos da direita na Assembleia; os jacobinos eram 
representantes da pequena burguesia (profissionais liberais), dos funcionários 
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públicos e lojistas, eles defendiam um governo central forte, o voto universal e 
a participação da população na Revolução, eram considerados, por isso, mais 
radicais, e estes ocupavam os assentos da esquerda na Assembleia; os cordeliers 
eram defensores de propostas radicais, como dar fim à propriedade privada e 
realizar uma reforma agrária, sentando-se, junto aos jacobinos, no ponto mais 
alto do plenário e formando, assim, o grupo político da “montanha”; a planície 
era composta por deputados que oscilavam entre os girondinos e jacobinos, os 
grupos maiores, de acordo com seus interesses, localizando-se nos assentos do 
centro da Assembleia (BOULOS, 2018). O plano burguês para a sociedade fran-
cesa, instaurado na nova Constituição, aprovada pela Constituinte, em 1791, 
 “ Estabelecia no plano social a igualdade jurídica de todos os indi-
víduos (todos os homens são livres e iguais aos olhos da lei e do 
Estado); no plano econômico, a liberdade completa de produção 
e circulação dos bens e não interferência do Estado na vida eco-
nômica (concebida como uma esfera privada de competência dos 
indivíduos); no plano religioso, a separação entre Estado e Igreja e 
a liberdade de crença e, finalmente no plano político, estabelecia 
a divisão (executivo e legislativo) e a representatividade do poder 
(eleições para a escolha dos representantes da nação e dos gover-
nantes) (FLORENZANO, 1981, p. 43).
O rei e a antiga aristocracia francesa, porém, não aceitavam a nova ordem insti-
tuída e tentavam reagir, buscando, inclusive, aliados no exterior.
A nobreza conservadora e o alto clero abandonaram precipitadamente a França, refugian-
do-se nos países absolutistas vizinhos, de onde conspiravam contra a revolução.
Fonte: Coggiola (2013, p. 296).
explorando Ideias
A maioria da população, o campesinato, encontrava-se em péssima situação, já 
que tinha que pagar pela extinção dos direitos feudais, o que fomentava a guerra 
civil, que se manteve de 1789 a 1792, entre camponeses e aristocracia rural, em 
diferentes regiões da França. E, como a antiga aristocracia francesa, de modo 
geral, a começar pelo rei, sempre pretendeu dar fim à revolução, a luta, por parte 
dela, de acordo com Florenzano (1981), manteve-se. Luís XVI tentou uma fuga 
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com sua família para o exterior, com o desejo de reunir forças entre os monarcas 
da Áustria e Prússia, “governadas por monarquias aliadas à casa real francesa” 
(COGGIOLA, 2013, p. 297), para solapar o processo revolucionário iniciado na 
França, porém a tentativa foi em vão, pois foram descobertos já na fronteira, em 
Varennes, sendo capturados e presos e, ainda, terminando por ganhar o ódio do 
povo francês contra a figura da monarquia bem como ascendendo os ideais da 
implantação de uma República na França. Esse ensejo republicano de muitos 
revolucionários não era o desejo da burguesia francesa. Para ela, segundo Floren-
zano (1981), a revolução já estava a caminho do fim. Mas a ameaça externa que 
vinha para “socorrer” a família real francesa e conter a revolução naquele país, 
com o objetivo de que a mesma não avançasse sobre demais reinos absolutos 
europeus ainda vigentes, serviu para agravar a situação econômica da França.
Por conseguinte, os três anos de revolução que se passaram e as dificuldades 
que as tensões dela demandavam fizeram com que a população francesa se po-
litizasse e, ao mesmo tempo, transformasse os ideais da revolução enquanto os 
ideais da sua nação:
 “ A contra-revolução transformou um levante de massa em potencial 
em um levante efetivo. Sem dúvida era natural que o velho regime ofe-
recesse resistência, se necessário com força armada, embora o exército 
não fosse mais totalmente de confiança (HOBSBAWM, 1996a, p. 69).
A guerra, porém, que tomara proporções maiores com a invasão estrangeira, 
agravava, ainda mais, a situação de crise do país e a vida da população já há muito 
desgastada. As pressões sobre a Constituinte começaram a tomar corpo com a 
abertura para que a população, antes apartada da liberdade de pegar em armas, 
pudesse adentrar a Guarda Nacional e ajudar a “preservar a nação”, tornando 
“definitivo a identificação entre nação e revolução”, pois, lutar “por uma era lutar 
pela outra e vice-versa” (FLORENZANO, 1981, p. 52). Foi nesse momento que 
os sans-culottes e a burguesia adentraram, de forma definitiva, no processo re-
volucionário:
 “ Em meio a um forte sentimento nacional, exacerbado pelo medo da 
conspiração interna, batalhões de federados (guardas nacionais das 
províncias) dirigem-se à capital para defendê-la. Um deles, o de Mar-
selha, marcha entoando o Canto de guerra para o exército do Reno, de 
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Rouget de Lisle, mais tarde transformado em hino nacional. Em Paris, 
os sans-culottes (organizados nas seções de bairros) e os jacobinos 
redigiam manifestos e petições à Assembleia exigindo a deposição da 
monarquia e o sufrágio universal (FLORENZANO, 1981, p. 52-53).
Acontecimentos esses foram tornando decisivo o final da monarquia na França. 
Robespierre, líder dos jacobinos, denunciou as tentativas da Assembleia Consti-
tuinte em negociar com a Corte francesa. Isso, somada a uma ameaça prussiana de 
tomar Paris, levou as massas a uma fúria ainda maior e, então, estas é que tomaram 
a capital francesa, fizeram o rei prisioneiro e levaram a Constituinte à dissolução.
 Essa revolução, de agosto de 1792, de acordo com Florenzano (1981), foi 
resultado de um movimento organizado de massas que contou com a direção 
dos jacobinos e dos sans-culottes. A aliança entre esses dois grupos foi decisiva e 
mudou “à esquerda” os rumos da revolução:
 “ Em setembro de 1792, reuniu-se a Convenção Nacional e em suas pri-
meiras sessões, por unanimidade de votos, extinguiu-se a monarquia, 
proclamou a República Una e Indivisível e aprovou um novo calendá-
rio (cujo marco zero era a República) (FLORENZANO, 1981, p. 54).
Os girondinos, entretanto, por serem a maioria na Convenção Nacional estabe-
lecida para o governo da França, em princípio, lideravam o novo governo. A sua 
política, porém, um tanto contraditória, acabou levando a França a uma crise 
maior:
 “ Belicosos e revolucionários no plano externo e moderados e con-
servadores no interno, foi incapaz não só de manter estas conquistas 
como pôs tudo a perder. Em 1794, seu belicismo irresponsável arras-
tou a Inglaterra no conflito e desde então praticamente toda a Europa 
entrou em guerra contra a França. [...] No plano interno, a situação era 
ainda mais difícil. Enquanto os sans-culottes exigiam o tabelamento 
e controle dos preços, a requisição de gêneros, o recrutamento geral 
e o Terror contra os especuladores e traidores, os camponeses conti-
nuavam a reivindicar a abolição pura e simples de todos os restos de 
feudalismo e os mais radicais a exigir a lei agrária: a divisão e distri-
buição gratuita das propriedades (FLORENZANO, 1981, p. 55-56).
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Os apegos aos interesses conservadores a que representavam não permitiam que 
pudessem ceder no plano interno para ter forças suficientes externas e, por con-
sequência, internamente.
Neste ínterim, ocorreram alguns acontecimentos que terminaram por desmo-
ralizar o governo girondino. Este, ao manter sua política externa e, sobretudo, a 
interna, ao “procurar se acomodar com a nobreza, tentar salvar a vida do rei e com-
bater os revolucionários mais radicais” (COGGIOLA, 2013, p. 302), viu-se diante de 
empecilhos. Documentos foram descobertos e apontaram para a conspiração do 
rei com os inimigos externos, o que levou ao seu julgamento como traidor.
Figura 7 - Julgamento de Luís XVI pela Convenção (1790-18..) / Fonte: Wikimedia Commons 
([2020], on-line)63.
Duranteo julgamento, entre os girondinos, houve uma cisão, com parte deles 
defendendo o perdão ao rei e outros que queriam a sua pena de morte. Enquanto 
isso, no oeste da França, os camponeses tomaram o poder e os girondinos rea-
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giram, buscando reprimi-los com medo de que houvesse uma radicalização da 
revolução e isso ameaçasse as suas propriedades. Como resposta, os parisienses 
cercaram o prédio da Convenção e solicitaram a prisão dos deputados giron-
dinos. Por conseguinte, estes foram expulsos da convenção. Iniciara-se, então, 
o governo revolucionário jacobino, que herdava um país em guerra – interna 
e externa – com alta especulação, inflação e carestia da população. Para buscar 
soluções para tanto, foram tomadas algumas medidas:
 “ Com a Convenção dominada pelos jacobinos, foi criado o Comitê 
de Salvação Pública e o Comitê de Segurança Geral, com poucos 
membros e tomando decisões de urgência cotidianamente. Foi fixa-
do o máximo de preços (que não debelou, no entanto, o mercado ne-
gro) e também o máximo de salários, este rigorosamente cumprido.
Foi proclamada uma nova Constituição, proclamando o sufrágio 
universal masculino e relativizando o direito de propriedade (cha-
mado de inviolável na prévia “Declaração Universal dos Direitos 
do Homem”) em situações de emergência nacional (COGGIOLA, 
2013, p. 303).
Para resolver, definitivamente, a questão dos inimigos internos e externos da 
Revolução, o povo foi convocado, recebeu armas e foi organizada a comuna in-
surrecional de Paris, aos comandos de Danton, Robespierre e Marat:
 “ Entre 2 e 6 de setembro de 1792, foram massacrados os padres refra-
tários, os suspeitos de atividades contra revolucionárias e os presos 
de delito comum das prisões de Paris. A matança durou vários dias 
sem que as autoridades ousassem intervir: foram os “massacres de 
setembro”. E, em 20 de setembro, aconteceu o que parecia impossível: 
as tropas revolucionárias, famintas, mal vestidas, mas alimentadas 
e encorajadas por seus ideais republicanos, derrotaram a coligação 
anti francesa em Valmy (COGGIOLA, 2013, p. 304).
Assim nasceu o Exército Nacional, uma nova força militar que chegou a conter 
1 milhão e 169 mil homens.
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Maximilien François Robespierre (1758-
1794) foi advogado e político francês, 
considerado uma das personalidades 
mais importantes da Revolução France-
sa. Seus amigos chamavam-lhe “O Incor-
ruptível”. Ele encarnou a tendência mais 
radical da Revolução, transformando-se 
numa das personagens mais controver-
sas deste período e líder durante o Ter-
ror. Foi guilhotinado em julho de 1794, 
sem julgamento.
Jean-Paul Marat (1743-1793) foi um mé-
dico, filósofo, teórico político e cientista 
mais conhecido como jornalista radical e 
político da Revolução Francesa. Seu tra-
balho era conhecido e respeitado. Sua 
persistente perseguição, habilidade de 
orador e seu incomum poder preditivo levaram ele à confiança do povo e fizeram dele a 
principal ponte entre eles e o grupo radical dos jacobinos. Morreu apunhalado no coração 
com um lâmina enquanto estava dentro de sua banheira.
explorando Ideias
Figura 10 - Jean Paul Marat / Fonte: Wikimedia 
Commons ([2020], on-line)66.
Figura 9 - Robespierre / Fonte: Wikimedia 
Commons ([2020], on-line)65.
Figura 8 - Danton / Fonte: Wikimedia Com-
mons ([2020], on-line)64.
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O regime que ficou conhecido como “Terror” entrou em prática para impor a 
aceitação do novo governo:
 “ foi posta a funcionar a máquina de cortar “humana e rapidamente” 
cabeças (provocando apenas “uma agradável sensação de frescor no 
pescoço”, segundo seu idealizador) proposta pelo Dr. Guillotin, que 
marcou o período de terror revolucionário. Os nobres continuaram 
a fugir do país, e continuaram as revoltas monárquicas na Bretanha, 
Vendeia e Delfinado. Em 21 de janeiro de 1793, Luís XVI foi executa-
do na guilhotina na Praça da Revolução (COGGIOLA, 2013, p. 305).
Hobsbawm (1996a) faz ressalvas quanto a certo exagero com que, possivelmente, 
fora tratada tal fase da Revolução Francesa, já que, segundo ele, em outros mo-
mentos, foi utilizada, inclusive, mais força contra inimigos políticos, na própria 
França. Ele ainda observa que o contexto era extremo e, diante do mesmo, os 
jacobinos conseguiram reverter situações que pareciam irreversíveis:
 “ Em junho de 1793, 60 dos 80 departamentos franceses estavam em 
revolta contra Paris; os exércitos dos príncipes alemães estavam inva-
dindo a França pelo norte e pelo leste; os britânicos atacavam pelo sul 
e pelo oeste: o país achava-se desamparado e falido. Quatorze meses 
mais tarde, toda a França estava sob firme controle, os invasores ti-
nham sido expulsos, os exércitos franceses por sua vez ocupavam a 
Bélgica e estavam perto de começar um período de 20 anos de quase 
ininterrupto e fácil triunfo militar (HOBSBAWM, 1996a, p. 76).
Georges Jacques Danton (1759-1794) foi um advogado e político francês que se tornou 
figura destacada nos estágios iniciais da Revolução Francesa. Tornou-se membro da “So-
ciedade dos Amigos da Constituição”, que deu origem ao Partido Jacobino, organização 
política radical representante dos anseios das camadas populares. Integrou a Convenção 
Nacional e depois chefiou o Comitê de Salvação Pública. Morreu guilhotinado no período 
do Terror, acusado de conspiração.
Fonte: História Digital (2011, on-line)67.
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Não à toa, monarquias europeias, dentre elas, a austríaca, a prussiana, a espanhola 
e a inglesa, formaram uma coligação (Primeira Coligação), em 1793, contra a 
França, amedrontadas que a “cabeça decepada do monarca mais poderoso da 
Europa, exposta à multidão pobre e revolucionária” (COGGIOLA, 2013, p. 305), 
servisse de exemplo em seus países (Figura 11).
O Comitê de Salvação Pública ficou responsável pela administração interna 
do país e a sua defesa contra as invasões externas, sob o comando de Danton. A 
segurança interna ficou a cargo do Comitê de Segurança Geral, enquanto o Tribunal 
Revolucionário se encarregava do julgamento dos opositores da revolução. Foi cria-
da uma economia de guerra “com o racionamento das mercadorias e o combate aos 
especuladores, que, aproveitando-se da situação de escassez, escondiam os produtos 
de primeira necessidade para aumentar os preços” (COGGIOLA, 2013, p. 307). 
Em julho de 1793, Marat, uma das lideranças jacobinas, foi assassinado por 
Charlotte Corday, uma jovem girondina que havia tido sua família decapitada 
devido à política do Comitê de Salvação Pública, acontecimento esse que exal-
tou ainda mais a população, dada a importância do morto na liderança política 
da época. Nesse ínterim, Danton foi acusado de corrupção, expulso do partido 
jacobino e substituído por Robespierre na sua liderança.
Figura 11 - Execução do rei francês Luís XVI,
por Georg Heinrich Sieveking /
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)68.
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Figura 12 - A morte de Marat, por Jacques-Louis David (1748–1825) / Fonte: Wikimedia Com-
mons ([2020], on-line)69. 
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Em um ano, o governo já estava estabilizado, e a guerra se fazia fora da França, como 
salientou Florenzano (1981). A guerra total que fora organizada com a integração 
da população fez com que, assim, os jacobinos, com o auxílio dos sans-culottes, 
canalizassem toda a energia revolucionária das massas e implantassem, por meio 
do Terror e da ditadura, uma restauração da França que receberam em frangalhos:
 “ Para estes homens, como de fato para a maioria da Convenção Na-
cional que no fundo deteve o controle durante todo este período, a 
escolha era simples: ou o Terror, com todos os seus defeitos do ponto 
de vista da classe média, ou a destruição da Revolução, a desintegração 
do Estado nacional e provavelmente — já não havia o exemplo da 
Polónia? — o desaparecimento do país (HOBSBAWM, 1996a, p. 77).
Uma das obras que caracterizou, muito bem, o período neoclássico, o quadro A Morte de 
Marat,pintado em 1793 pelo francês Jacques-Louis David, tem, em seus traços principais, 
algumas das características que melhor destacam esse importante período da história 
das artes, em especial da pintura.
O neoclassicismo dominou as artes entre as metades dos séculos XVIII e XIX, opondo-se, 
decisivamente, contra o que chamavam “a pompa” do barroco e a sensualidade do roco-
có. Nasceu das profundas mudanças sociais, políticas e culturais que levaram à indepen-
dência dos Estados Unidos, em 1776, e à Revolução Francesa, que se iniciou em 1789 e 
durou, pelo menos, dez anos.
A Morte de Marat é uma pintura que está inserida nessa trajetória histórica da humani-
dade. Marat foi um dos principais líderes da Revolução Francesa e chegou a integrar a 
Convenção Nacional, que governou a França durante um dos períodos mais truculentos 
da Revolução. Dono e jornalista com maior influência no jornal O Amigo do Povo, tornou-se 
voz importante do movimento revolucionário e, por isso mesmo, virou membro influente 
na Revolução. Jacques-Louis David era seu amigo pessoal e esteve com ele no dia anterior 
ao seu assassinato. Por isso, os próprios membros da Revolução lhe encomendaram um 
quadro em memória a Marat.
Fonte: adaptado de Artout ([2020], on-line)70.
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E, em meio ao seu “governo de guerra”, suspenderam a Constituição que fora 
implantada em 1793, mas mantiveram os mecanismos que ela instituiu para 
igualdade entre a população:
 “ Todos os vestígios do feudalismo foram abolidos sem indenização, 
as propriedades dos nobres emigrados confiscadas, divididas em 
parcelas e vendidas aos camponeses pobres a preços facilitados 
(também a escravidão foi abolida nas colônias francesas) (FLO-
RENZANO, 1981, p. 59).
Desse modo, conseguiram consolidar a Revolução Francesa iniciada em 1789. 
Porém foi a partir daí que eles caíram do poder, já que, por meio de sua política, 
eliminaram as condições que os colocaram e os mantiveram no poder:
 “ Quando a burguesia, que não se deve esquecer, tinha maioria na 
Convenção, viu a revolução consolidada, não estava mais dispos-
ta a tolerar o Terror, a economia controlada, etc. Os camponeses, 
depois de satisfeitas suas exigências, não só deixaram de ser uma 
força revolucionária, como estavam descontentes com a política de 
racionamento e requisição que lhes arrancava a produção (sem dar-
-lhes lucros) para abastecer as cidades. Ora enquanto o radicalismo 
político dos sans-culottes foi acompanhado pelo do campo, foi uma 
força irresistível, imbatível; uma vez perdida esta retaguarda, a partir 
de 1794, estava fadado ao malogro (FLORENZANO, 1981, p. 60).
Os girondinos, junto com a planície, articularam um golpe de Estado. Robespier-
re foi derrubado pelo parlamento, juntamente com seus aliados. Tentou, ainda, 
recorrer à mobilização popular, mas não obteve seu apoio, sendo, então, guilhoti-
nado no dia 28 de julho de 1794, junto a outros membros do partido jacobino. Era 
o retorno da “grande burguesia girondina ao poder” (COGGIOLA, 2013, p. 309).
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Figura 13 - Prisão de Robespierre, por Giacomo Aliprandi (1775-1855) / Fonte: Wikimedia 
Commons ([2020], on-line)71.
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Tais atitudes, alguns analistas apontam como sendo fruto das próprias atitudes 
do governo jacobino liderado por Robespierre, que havia reprimido e aniquilado 
muitos dos revolucionários que foram porta-vozes da Revolução:
 “ As massas portanto recolheram-se ao descontentamento ou a uma 
passividade confusa e ressentida, especialmente depois do julgamento 
e execução dos hébertistas, os mais ardentes porta-vozes dos sanscu-
lottes. Enquanto isso, os defensores mais moderados da Revolução 
estavam alarmados com o ataque contra a oposição direitista, a esta 
altura encabeçada por Danton (HOBSBAWM, 1996a, p. 79).
Os hebertistas, também chamados 
exagerados, eram, durante a Revolu-
ção Francesa, na Assembleia Nacional 
Legislativa (1791-1792) e na Convenção 
(1792-1795), os partidários Jacques-René 
Hébert, líder da extrema esquerda jaco-
bina, e de Jean-Nicolas Pache. O grupo 
era formado por membros do Clube dos 
Cordeliers. A maioria deles pertencia aos 
quadros da "Montanha", dentro da Con-
venção, e à administração da Comuna 
de Paris. Eram defensores ardentes do 
ateísta "Culto da Razão", pregando o uso 
da força para descristianizar a França, 
e opunham-se ao "Clube do Ser Supre-
mo", deísta, pleiteado por Robespierre.
Fonte: Wikiwand ([2020], on-line)72.
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Figura 14 - Jacques Hébert, por Edme Bovinet / 
Fonte: Wikimedia Commons ([2020], on-line)73.
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O final do “Terror” jacobino, ou como ficou conhecida, a “reação termidoriana”, 
contudo, levou, com ele, o controle de preços e a legislação social que haviam 
implantado. Sociedades populares e clubes políticos foram fechados. Enquanto 
a miséria das massas crescia, o luxo e a riqueza da burguesia aumentavam: “com 
o fim do Terror, especuladores, traficantes, agiotas, etc. podiam respirar aliviados, 
a guilhotina não ameaçava mais suas cabeças” (FLORENZANO, 1981, p. 64). A 
Convenção Termidoriana implantou uma nova Constituição, em 1795, na França:
 “ Embora mantivesse a República esta constituição era menos liberal 
que a de 1791 dividia o poder legislativo em duas casas: Conselho 
dos 500 e Conselho dos Anciãos (250 deputados) e entregava o exe-
cutivo a um colegiado de 5 Diretores (daí o nome de Diretório dado 
ao regime criado pela constituição de 1795). Os direitos políticos 
foram reservados estritamente à burguesia, através de um severo 
critério censitário (só os cidadãos proprietários podiam votar) 
(FLORENZANO, 1981, p. 65).
Com um regime político que não atendia à massa da população francesa, a Con-
venção enfrentava, ainda, conspiradores realistas que sempre lutaram pelo fim da 
revolução bem como no plano exterior, não conseguia colocar fim à guerra contra 
os inimigos externos; e o exército francês que, cada vez mais, “mantinha-se pelos 
seus próprios meios”, foi abrindo as portas para que, a qualquer momento, “algum 
general ambicioso” tomasse, por meio dele, o poder (FLORENZANO, 1981, p. 66). 
Neste ínterim, “Napoleão Bonaparte, jovem comandante de carreira militar 
meteórica, entrou na Itália pelas montanhas (alimentando seu exército com biscoi-
tos, fáceis de transportar e que não exigiam cozimento), dando nascimento à sua 
mítica carreira militar” (COGGIOLA, 2013, p. 306-307). O caminho estava posto 
e, com o chamado “golpe do 18 Brumário”, Napoleão Bonaparte foi colocado no 
poder da nação francesa. Era o final desse processo revolucionário e o início da Era 
Napoleônica, da qual a história não nos cabe aqui. Contudo não se encerrariam as 
heranças que o processo revolucionário francês, iniciado em 1789, deixaram, seja 
em seu país, seja por onde seus ideais passaram e, desse modo, inspiraram.
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AS HERANÇAS 
DA REVOLUÇÃO 
Francesa 
Hobsbawm (1996a) observa que a economia mundial, no século XIX, foi forma-
da sob a influência inglesa, contudo, sua política e ideologia foram formadas e 
fundamentadas pela Revolução Francesa, chegando até a lugares que há muito 
resistiam a influências europeias, por meio de seus ideais. Afinal, não foi à toa, 
como pudemos observar ao longo do processo revolucionário francês aqui anali-
sado, que essa Revolução serviu de marco para, na divisão tradicional da história 
humana, designar o início da Era Contemporânea.
Essa Revolução, que deu fim à sociedade modelo do Antigo Regime na Eu-
ropa, a França, o país mais populoso e poderoso do continente europeu, foi um 
movimento de massas e, portanto, mais radical em diversos sentidos aos demais 
movimentos que marcaram a época em que ocorrera. E, como o próprio Hobsba-
wm (1996a) ponderou, a Revolução Francesa não foi liderada por um movimento 
ou partido organizado, nem teve um “líder” unânime para conduzi-la, figura que 
só veio a aparecer no final de seu transcorrer, por meiode Napoleão Bonaparte. 
Foi por isso, porém, que, a partir de grupo social, com um consenso de ideias, tal 
movimento ganhou unidade efetiva:
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 “ O grupo era a “burguesia”; suas ideias eram as do liberalismo clássico, 
conforme formuladas pelos “filósofos” e “economistas” e difundidas 
pela maçonaria e associações informais. Até este ponto os “filósofos” 
podem ser, com justiça, considerados responsáveis pela Revolução. 
Ela teria ocorrido sem eles; mas eles provavelmente constituíram a 
diferença entre um simples colapso de um velho regime e a sua subs-
tituição rápida e efetiva por um novo (HOBSBAWM, 1996a, p. 66).
Essa influência nos rumos da Revolução a partir dos seus ideais, está expressa 
no próprio documento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, já 
que, como o próprio Hobsbawm (1996a, p. 67) nos orienta, foi “um manifesto 
contra a sociedade hierárquica de privilégios nobres, mas não um manifesto a 
favor de uma sociedade democrática e igualitária”. Ela era contrária a uma aristo-
cracia estritamente nobre e ao absolutismo, mas não era, necessariamente, contra 
a monarquia. Vislumbrava uma monarquia constitucional cujos membros do 
legislativo fossem eleitos entre os membros da oligarquia detentora de terras. 
Fosse intenção da burguesia ou não, porém, a Revolução Francesa, iniciada 
em 1789, serviu para não só acabar com o absolutismo monárquico naquele país, 
mas para dar fim aos privilégios da nobreza e abrir caminho para mais liberdade 
e igualdade entre os homens. Afinal, essa mesma burguesia estava na ponta da 
lança dos anseios de toda uma maioria da população que ia dos trabalhadores 
urbanos aos camponeses. Estes, sob uma situação de dificuldades extremas, como 
já observamos, formavam o “povo” e a “nação” cuja Revolução representaria. E, 
assim, quando a antiga aristocracia da alta nobreza e do clero tentaram se unir 
ao rei que estiveram ajudando a derrubar, isso só serviu para acender a faísca da 
revolução popular que se espalhou pelo país e, a partir de Paris, derrubou o poder 
absoluto da monarquia francesa e os privilégios feudais, a começar por derrubar 
o símbolo da autoridade real, a Bastilha, pois:
 “ Em tempos de revolução nada é mais poderoso do que a queda de 
símbolos. A queda da Bastilha, que fez do 14 de julho a festa nacional 
francesa, ratificou a queda do despotismo e foi saudada em todo o 
mundo como o princípio de libertação (HOBSBAWM, 1996a, p. 69).
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E, a partir do seu exemplo, o fim desse símbolo ajudou a fortalecer as massas e 
espalhar a Revolução de Paris para o restante da França. Desse modo, apesar de, 
até mesmo, a Declaração dos Direitos Humanos ser um documento representa-
tivo da época e conter muitas críticas aos limites de igualdade entre os homens 
nela inseridos, tal documento foi muito importante já que significava, naquele 
momento, conforme salientou Bobbio (1992, p. 129), “a abolição de uma série de 
abusos intoleráveis, correspondendo a uma urgente necessidade da nação”. 
O decorrer do processo e seus acontecimentos já analisamos anteriormente, 
mas é significativo observar que essa Revolução teve o seu legado em forma 
de ideais, que foram espalhados e inspiraram movimentos por todo o mundo. 
Basta lembrarmo-nos daqueles em prol da emancipação das antigas colônias 
europeias na América, por exemplo. Inclusive, Chartier (2009 apud ANDRADE, 
2012) contrapõe a historiografia tradicional ao propor que não foi o Iluminismo 
que influenciou a Revolução Francesa, mas que, talvez, tenha sido essa Revolução 
que tenha gerado e ajudado a espalhar e a consolidar as ideias desse movimen-
to. Chartier (2009 apud ANDRADE, 2012) observou que a Revolução Francesa 
também foi a responsável por criar uma “opinião pública” na França, o que Jürgen 
Habermas chamou de “esfera pública política”. Isso consistiu na construção de 
espaços públicos, como cafés, salões, clubes, periódicos etc., como locais para dis-
cussão política fora da esfera estatal, onde, livres das amarras que uma burocracia 
de espaços para a discussão política formal possui, os mais eloquentes passaram 
a ser valorizados e ouvidos. 
A Revolução Francesa também deixou seus legados em importantes áreas 
a da educação. O Rapport et projet de décret sur l´organisation générale de 
l´instruction publique, présente à l’Assemblée Nationale, au nom du Comité 
d´Instruction Publique (O Relatório e projeto de decreto sobre a organização 
geral da educação pública, presente na Assembleia Nacional, em nome do Co-
mitê de Instrução Pública) de 1792, escrito por Condorcet, é um exemplo. Esse 
projeto integrou o Comitê de Instrução Pública cuja função era organizar o en-
sino público na França, organismo que esteve ativo ao longo de todo o processo 
revolucionário. Nesse projeto, em especial, vemos o
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 “ [...] pressuposto de que o esclarecimento das Luzes, entendido como 
a partilha do conhecimento construído pela humanidade entre os 
cidadãos, era condição de prosperidade da nação e a ação pedagógica 
deveria promover a equidade, numa circunstância em que a única de-
sigualdade legítima entre os homens seria as dos talentos individuais, 
advindos do estado de natureza (RESSINETI; COSTA, 2016, p. 50).
Embora, em muitos casos, seja criticada essa visão de igualdade que, sobretudo, 
a burguesia francesa pregava ao longo da Revolução Francesa, é importante sa-
lientar que projetos como o de educação, citado anteriormente, são importantes 
situações que demonstram o quanto esse processo revolucionário foi importante 
para a defesa de uma escola laica e, também, ampliada para a toda a população. 
Foram alterados, no contexto pós-Revolução, desde os costumes até as vesti-
mentas. Inclusive as artes foram influenciadas pelos acontecimentos do processo 
revolucionário, levando ao movimento neoclássico, já citado anteriormente.
A Revolução Francesa não só operou mudanças políticas e sociais na França no fim do 
século XVIII, mas também alterações nas relações entre a moda e a sociedade, sendo 
uma divisora de águas no campo da moda, que mudou radicalmente, como relata Pollinni 
(2007): 
"Com ela, um dos mais significativos privilégios da nobreza desaparece: as leis suntuárias. 
Estas leis existiram por séculos na Europa e determinaram o que as pessoas poderiam ou 
não vestir. Portanto, a revolução pôs fim ao uso exclusivo de roupas".
Fonte: adaptado de Pollinni (2007, p. 36 apud ALENCAR; BESSA, 2016, p. 2).
explorando Ideias
Desse modo, a Revolução Francesa se tornou o marco histórico de uma era por 
representar uma ruptura que, com ela, trouxe novas formas, que vão de organi-
zações políticas a sociais e, também, culturais. É por isso que, ainda hoje, suas 
influências são pensadas e analisadas, além de seu legado ser muito valorizado.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), nesta última unidade, estudamos uma pequena parcela da 
origem, do desenrolar e dos impactos da Revolução Francesa. É impossível, po-
rém, abordarmos todos os aspectos desse complexo conjunto de acontecimentos 
bem como é ilusão esperar que o tema seja, de alguma forma, esgotado, afinal, 
trata-se de um dos temas mais pesquisados em toda História.
Esperamos que, nestas poucas páginas, você tenha compreendido, mesmo que 
minimamente, as razões pelas quais esse conjunto de acontecimentos foi consi-
derado “suficientemente poderoso e universal em seu impacto para ter transfor-
mado o mundo permanentemente” (HOBSBAWM, 1996b, p. 124). E não estamos 
sendo exagerados, uma vez que metade do mundo organiza seus sistemas legais 
e/ou jurídicos com base nas codificações legais desenvolvidas e implantadas du-
rante a Revolução Francesa. Além disso, suas ideias políticas foram tão intensas 
que o vocabulário político implantado pela revolução, ainda hoje, é conhecido 
pelos países mais longínquos, mesmo sendo eles fundamentalistas. Por fim, a 
Revolução Francesa deu ao mundo, por meio dasmáximas “Liberdade, Igualdade 
e Fraternidade”, a noção de que a história pode ser mudada por pessoas comuns, 
por meio da ação e união.
Esperamos que você tenha gostado dessa nossa viagem pela Europa moderna, 
mas que não se contente, apenas, com nossos apontamentos, desejamos que se 
aprofunde nos temas aqui apresentados e desenvolva suas próprias conclusões 
acerca dos mesmos. Até a próxima!
227
na prática
1. A França, no final do século XVIII, era o país mais populoso da Europa, contando com 
uma população de cerca de 28 milhões de habitantes. Sob o Antigo Regime, esse 
país era governado por uma monarquia absoluta, em que o rei detinha um poder 
baseado na ideia do direito divino. Acerca deste contexto histórico, explique o que 
se entende por Antigo Regime e direito divino.
2. "Na véspera da Revolução, a França apresentava uma estrutura sócio-econômica 
ainda predominantemente agrária e feudal. Agrária porque pelo menos 80% da 
população (estimada em torno de 25 milhões) era camponesa" (FLORENZANO, 1981, 
p. 16). Acerca da organização social da França deste período, analise as afirmações 
a seguir e assinale o que for correto:
I - O Terceiro Estado era o mais numeroso, representando 86% da população, por 
isso ele era, também, o mais oneroso para os cofres franceses.
II - As técnicas e práticas agrícolas bem como as relações sociais de produção, 
implicam a manutenção de usos e costumes, conjunto de instituições jurídicas 
cujas origens remontavam à Idade Média.
III - A sociedade francesa estava organizada em estamentos, ou seja, camadas isoladas, 
designadas por seu nascimento, sem a possibilidade de ascenderem socialmente.
IV - O rei, os nobres e a burguesia eram os detentores de propriedades rurais e, 
apesar de pagarem impostos, detinham o poder político por ocuparem os car-
gos de governo e outros privilégios que disso provinha, como tribunais e leis 
especiais para esses grupos.
Estão corretas:
a) I e II, apenas.
b) II e III, apenas.
c) I, III e IV, apenas.
d) II, III e IV, apenas.
e) I, II, III e IV.
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na prática
3. “Se repararmos finalmente que esta nobreza, separada da classe média que repelira 
de seu seio e do povo cujo coração deixara escapar, estava inteiramente isolada 
no meio da nação, na aparência a cabeça de um exército, na realidade um corpo 
de oficiais sem soldados, compreenderemos como, após mil anos em pé, pôde ser 
derrubada no espaço de uma noite” (TOCQUEVILLE, 1997, p. 185).
Tocqueville se refere a um importante símbolo do Antigo Regime. Identifique a qual 
símbolo ele se refere e disserte sobre a importância do mesmo.
4. Ainda, em 1787, a monarquia francesa buscava resolver seus problemas por meio 
de uma reforma fiscal no reino, mas não tinha como fugir do inevitável, já que, para 
solucionar seus problemas financeiros, teria que ceder, de algum modo, à aristocra-
cia, que queria, a todo custo, a manutenção de seus privilégios.
Acerca desses acontecimentos, analise e assinale a alternativa correta:
a) As decisões e atitudes da nobreza feriram, profundamente, o sistema vigente de 
poder baseado na união do rei com a nobreza.
b) A situação foi contornada com a convocação da Assembleia dos Notáveis reali-
zada pelo próprio rei.
c) O rei não conseguiu resolver os conflitos graças ao apoio dos Parlaments, uma 
vez que estes barravam todas decisões políticas que prejudicavam a monarquia.
d) Apesar da reforma fiscal proposta pela monarquia ter sido recusada inicialmente, 
as negociações com a Assembleia dos Notáveis proporcionaram avanços signi-
ficativos para a solução dos conflitos por cerca de um ano.
e) A aristocracia não tinha intenção de enfraquecer o poder absoluto do rei, apenas 
conduzir as decisões dos Estados Gerais.
5. A Revolução Francesa se tornou o marco histórico de uma era por representar uma 
ruptura que, com ela, trouxe novas formas, que vão de organizações políticas à so-
ciais e, também, culturais. É, por isso que, ainda hoje, suas influências são pensadas 
e analisadas, além de seu legado ser muito valorizado. 
Disserte sobre alguns dos aspectos influenciados pela Revolução Francesa.
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aprimore-se
HEGEL E A PERSPECTIVA DA SU-
PERIORIDADE DO ESTADO EM 
RELAÇÃO À AUTORIDADE CIVIL
Não é raro ouvimos discursos, sobre-
tudo políticos, remetendo ao conceito 
de “sociedade civil”. No entanto, na 
maioria das vezes, tais manifestações 
não estão preocupadas em problema-
tizar esta expressão, dando margem 
para que todos interpretem o termo 
“sociedade civil” de forma generaliza-
da ou, até mesmo, sem saber, exata-
mente, o que significa este conceito. 
Para alguns, o termo “sociedade civil” 
se refere a locais no ambiente social, 
nos quais há uma espécie de autori-
tarismo entranhado, discursos que 
demonstram certa autonomia, asso-
ciação livre, movimentos sociais, solidariedade, enfim, uma jurisdição distinta do 
mercado e do Estado (COHEN; ARATO, 1992). Dados esta complexidade e o uso des-
se termo de forma quase caricatural em determinados ambientes, tais como em 
discursos políticos, podemos dizer que se trata de um conceito não só de difícil 
definição, mas uma das mais “confusas e emaranhadas [...] categorias utilizadas das 
ciências sociais” (BORON, 2003, p. 208). Em razão da necessidade de buscar uma 
opinião crítica sobre esse conceito, de forma a compreender a sociedade contem-
porânea, remete-nos a Hegel. 
O filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel 
(1770-1831), mais conhecido como Hegel / Fonte: 
Wikipédia ([2020], on-line)74.
230
aprimore-se
Hegel (1997) define uma teoria que explica a formação do Estado; em sua visão, 
o Estado, tal como concebemos hoje, constituiu-se por meio de uma progressão na-
tural e histórica da sociedade. Para o referido autor, a família se caracterizou como 
a primeira instituição existente, pois o chefe de família (patriarcal) se comprometia 
e ficava responsável pela sobrevivência da família. Em outras palavras, Hegel quis 
dizer que o mundo, tal como está organizado, tem a família como prioridade, isso 
porque a função básica da mesma é compartilhar a vida em sociedade. Contudo 
haveria um momento em que essa unidade primária não mais satisfaria às vontades 
individuais, fazendo com que os homens necessitem viver fora de tal unidade. Esse 
processo evidenciaria o início da sociedade civil, marcada, em um primeiro momen-
to, pela busca instantânea dos indivíduos pela posse e propriedade como realização 
de seus sonhos. Dessa forma, passam a ver o outro como elemento essencial na 
busca por esses desejos particulares, pois partem do pressuposto de que podem se 
apropriar de qualquer coisa que os cercam.
Assim, o termo “sociedade civil”, porventura, de autoria de Hegel, é distinto de 
Estado e família. Nesse sentido, família diz respeito às pessoas independentes e 
concretas, caracterizados por uma relação externa. Os indivíduos de tal grupo, ao 
atingirem a maioridade, tornam-se capazes de constituir suas próprias famílias e de 
possuir propriedades. A ação humana é a de obter bens para atender às necessi-
dades, vontades e carências. Os indivíduos se retiram do seio familiar no intuito de 
construir novas unidades familiares e ingressar no mundo da competição econômi-
ca.
Para Hegel (1997), a última fase desse processo seria o Estado, por meio do qual 
a cultura da sociedade estaria intacta e protegida por meio das leis. Nessa concep-
ção, a sociedade somente estaria resguardada caso alguma instituição obrigasse os 
indivíduos a reconhecerem que uns são proprietários de determinados bens. Entre-
tanto tal condição só poderia ser aceita se fosse imposta por um ente externo aos 
proprietários alguma instituição que possa, de forma segura e organizada, garantir 
o direito à posse por meio da lei, atribuição que se consolidou no Estado.
231
aprimore-se
 “ No modelo de Hegel, a sociedade civil é baseada no associativismo e a 
família é considerada como natural (espírito moral objetivo imediato). 
As ações resultantes

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