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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n°142, 6/2021 (semana nº 2) Procurador-Geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo Secretário Especial de Políticas Criminais Arthur Pinto Lemos Junior Assessores Fernanda Narezi P. Rosa Ricardo José G. de Almeida Silvares Rogério Sanches Cunha Valéria Scarance Paulo José de Palma (descentralizado) Danilo Orlando Pugliesi (descentralizado) Artigo 28 e Conflito de Atribuições Marcelo Sorrentino Neira Manoella Guz Roberto Barbosa Alves Walfredo Cunha Campos Analistas Jurídicos Ana Karenina Saura Rodrigues Victor Gabriel Tosetto Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 2 SUMÁRIO ESTUDOS DO CAO-CRIM.......................................................................................................................3 1-Tema: Agravo de Execução Penal- Indeferimento da inicial - Execução da multa.............................3 2- Tema: Destinação de valores referentes a condenações penais e acordos......................................3 3- Tema: Pacote Anticrime. Vetos derrubados. Existe vacatio legis para os dispositivos reincorporados?....................................................................................................................................4 4- Tema: Lei 14.164/21: Altera a Lei 9.394/96 para incluir conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica, e institui a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher.....................................................................................................................5 STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.......................................8 DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................8 1-Tema: Trâmite direto entre ministério público e polícia. Possibilidade?..........................................8 DIREITO PENAL:.....................................................................................................................................9 1-Tema: Agravamento de regime por uma só circunstância negativa se enquadra na discricionariedade do juiz.....................................................................................................................9 2- Tema: Execução penal. Progressão de regime. Alterações promovidas pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Diferenciação entre reincidência genérica e específica. Ausência de previsão dos lapsos relativos aos reincidentes genéricos. Lacuna legal. Integração da norma. Aplicação dos patamares previstos para os apenados primários. Retroatividade da lei penal mais benéfica. Tema 1084....................................................................................................................................................11 MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP............................................................................................14 1-Tema: Revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial - confirmação............................14 Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 3 ESTUDOS DO CAOCRIM 1- Tema: Modelo de Agravo de Execução Penal- Indeferimento da inicial - Execução da multa Clique aqui 2- Tema: Destinação de valores referentes a condenações penais e acordos. STF- DECISÃO DA ADPF N. 569/DF Em 1º. de junho de 2021, no julgamento da ADPF 569/DF, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, foi confirmada a decisão proferida liminarmente, em fevereiro de 2021, conforme segue: “que os valores ou bens provenientes dos efeitos da condenação criminal ou de acordos observem os estritos termos do art. 91 do Código Penal, do inciso IV do art. 4º da Lei 12850/13 e do inciso I do art. 7º da Lei 9613/98; CABENDO À UNIÃO a destinação de valores referentes a restituições, multas e sanções análogas decorrentes de condenações criminais, colaborações premiadas ou outros acordos realizados, desde que não haja vinculação legal expressa e ressalvado o direito de demais entidades lesadas; VEDANDO-SE que seus montantes sejam distribuídos de maneira vinculada, estabelecida ou determinada pelo Ministério Público, por termos de acordo firmado entre este e o responsável pagador, ou por determinação do órgão jurisdicional em que tramitam esses procedimentos”. - ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 569 DISTRITO FEDERAL Clique aqui para ter acesso a decisão COMENTÁRIOS DO CAOCRIM O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça - CNPG, deliberando a respeito de estudo elaborado pelo Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal – GNCCRIM, ratificou a nota explicativa abaixo elaborada quando da decisão cautelar proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Rel. Alexandre de Moraes, em 10.2.2021, nos autos da ADPF no 569/DF, cuja determinação, ictu oculi, reclama esclarecimentos oportunos, a fim de que sejam expressamente decotados do respectivo decreto judicial os acordos de não persecução penal, as transações penais e as suspensões condicionais do processo. Clique aqui para ter acesso ao estudo. http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Criminal_Juri_Jecrim/Menu_Pecas/Execucao_pecas/Execucao_Pecas_Razoes/AGR%201009902-43.2020.8.26.0071%20-%20Indeferimento%20da%20inicial%20-%20execu%C3%A7%C3%A3o%20da%20multa.doc http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15346592466&ext=.pdf http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Criminal_Juri_Jecrim/justicapenalnegociada/NOTA%20EXPLICATIVA%20GNCCRIM%2001-2021.pdf Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 4 3- Tema: Pacote Anticrime. Vetos derrubados. Existe vacatio legis para os dispositivos reincorporados? O Pacote Anticrime, que trouxe diversas alterações na legislação penal e processual penal, foi encaminhado à sanção presidencial no final de 2019, convertendo-se na Lei 13.964/2019. O projeto de lei previa uma nova qualificadora do crime de homicídio (art. 121, § 2º, VIII, do CP), com a seguinte redação: Art. 121. Matar alguém §2º. Se o homicídio é cometido: (...) VIII- com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido Pena- reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos Submetido ao crivo do Presidente da República, referido dispositivo legal, assim como diversos outros, foi vetado, em 24 de dezembro de 2019. A Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) entrou em vigor em 23 de janeiro de 2020. Os vetos foram encaminhados ao Parlamento em 26 de dezembro de 2020, mas, apenas quando transcorrido quase um ano e meio depois, o Congresso Nacional, no dia 19 de abril de 2021, derrubou o veto presidencial relacionado à nova qualificadora do homicídio (no total, foram derrubados 16 vetos). Derrubado o veto, houve a promulgação das partes vetadas da Lei 13.964/19 (inclusive referente à nova qualificadora), em 30 de abril de 2021. Com a promulgação, nasceu no ordenamento jurídico penal uma nova qualificadora do crime de homicídio. Mas o surgimento dessa qualificadora não se deu como lei autônoma e independente: ao contrário, como a qualificadora do homicídio estava inserida originariamente na Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime), foi reincorporada ao referido diploma legislativo. Sendo reintroduzida a qualificadora à Lei 13.964/19, foi seguida a disposição geral dessa lei que trata do prazo da vacatio legis de 30 dias (art. 20 da Lei). Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 5 O prazo de 30 dias de vacância da lei contou-se da data da promulgação da nova qualificadora, qual seja, do dia 30 de abril de 2021. E qual o prazo que entrou então em vigor a nova qualificadora? Devemos seguir as prescriçõesdo art. 8º, § 1º da Lei Complementar n. 95/98, que estipula que a contagem do prazo para a entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância será procedida com a inclusão da data da publicação e do último dia de prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral. Como a data da publicação da nova qualificadora ocorreu em 30 de abril de 2021, contando-se o prazo de trinta dias, a vacância se exauriu em 29 de maio de 2021, mas a norma penal só entrou em vigor no dia subsequente à consumação integral desse prazo, ou seja, no dia 30 de maio de 2021. Sendo assim, só poderão ser oferecidas denúncias por emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido relacionados a fatos ocorridos a partir do dia 30 de maio de 2021. Clique aqui para assistir o vídeo do autor do estudo, Dr. Walfredo Cunha Campos, assessor do PGJ com atuação no Setor do art. 28 do CPP. 4- Tema: Lei 14.164/21: Altera a Lei 9.394/96 para incluir conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica, e institui a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher. Prevê o art. 8º., IX, da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) a inserção, nos conteúdos programáticos de todos os níveis escolares, do ensino sobre direitos humanos, envolvendo, ainda, noções sobre a igualdade entre as pessoas e a abordagem da violência contra a mulher. Sempre alertamos que a tarefa não seria fácil e certamente levaria tempo para se perceber a importância da norma programática em comento. Os cursos de Direito que, prioritariamente, deveriam abordar os direitos humanos, ainda ignoram, em sua maioria, essa disciplina em seus currículos. Com efeito, o Conselho Nacional de Educação e a Câmara de Educação Superior editaram a Res. 9, de 29 de setembro de 2004, na qual estabelecem dois eixos para o curso de graduação em Direito: um de formação fundamental e outro de formação profissional. Em nenhum deles é feita qualquer menção ao ensino dos direitos humanos. Na prática, aproveitam-se as aulas de direito constitucional para que, de passagem, se teçam alguns comentários sobre tão relevante tema. A justificativa para essa postura do Estado vem bem apanhada por Antônio Alberto Machado, ao advertir que “essa política de massificação do ensino jurídico explica também a natureza da grade https://mpspbr.sharepoint.com/:v:/s/g_caocrim/Ef1AlyWhsPtHtDORYXsl1X0B0bKGTy-GHuUd2ZK-oZpIqg?e=vcMZTq Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 6 curricular das faculdades de direito que tendem a privilegiar matérias e disciplinas tecnológicas, em detrimento daquelas que apresentam um conteúdo mais humanitário e reflexivo. Tais opções curriculares podem ser entendidas até mesmo como parte da estratégia de despolitização do jurista e atrofia do seu senso crítico”.1 Ora, se o curso de direito vem dando pouca importância à disciplina que aborda os direitos humanos, o que se aguardar dos demais cursos de ensino superior e mesmo dos currículos escolares, por exemplo, do ensino fundamental? Lembremos, ainda, que a Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, tornou obrigatória, nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, a inclusão de disciplina versando sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Quanto à violência doméstica, projetos tramitavam na Câmara dos Deputados, no sentido de alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para a inclusão de matéria com conteúdos relacionados à prevenção de todas as formas de violência, inclusive a doméstica e familiar, contra mulher, crianças e adolescentes, desde o ensino básico. Agora temos a norma. A Lei 14.164/21, vigente desde a data da sua publicação, anuncia: Art. 1º O art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional), passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 26. ................................................................................................................. § 9º Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança, o adolescente e a mulher serão incluídos, como temas transversais, nos currículos de que trata o caput deste artigo, observadas as diretrizes da legislação correspondente e a produção e distribuição de material didático adequado a cada nível de ensino. ................................................................................................................................" (NR) Art. 2º Fica instituída a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher, a ser realizada anualmente, no mês de março, em todas as instituições públicas e privadas de ensino da educação básica, com os seguintes objetivos: I - contribuir para o conhecimento das disposições da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha); II - impulsionar a reflexão crítica entre estudantes, profissionais da educação e comunidade escolar sobre a prevenção e o combate à violência contra a mulher; 1. Ministério Público – Democracia e ensino jurídico. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 109. https://www.jusbrasil.com.br/topicos/394701353/art-1-da-lei-14164-21 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11691973/artigo-26-da-lei-n-9394-de-20-de-dezembro-de-1996 https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1035083/lei-de-diretrizes-e-bases-lei-9394-96 https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1035083/lei-de-diretrizes-e-bases-lei-9394-96 https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1035083/lei-de-diretrizes-e-bases-lei-9394-96 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/394701347/art-2-da-lei-14164-21 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/394701341/art-2-inc-i-da-lei-14164-21 https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/95552/lei-maria-da-penha-lei-11340-06 https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/95552/lei-maria-da-penha-lei-11340-06 https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/95552/lei-maria-da-penha-lei-11340-06 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/394701334/art-2-inc-ii-da-lei-14164-21 Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 7 III - integrar a comunidade escolar no desenvolvimento de estratégias para o enfrentamento das diversas formas de violência, notadamente contra a mulher; IV - abordar os mecanismos de assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, seus instrumentos protetivos e os meios para o registro de denúncias; V - capacitar educadores e conscientizar a comunidade sobre violência nas relações afetivas; VI - promover a igualdade entre homens e mulheres, de modo a prevenir e a coibir a violência contra a mulher; e VII - promover a produção e a distribuição de materiais educativos relativos ao combate da violência contra a mulher nas instituições de ensino. https://www.jusbrasil.com.br/topicos/394701329/art-2-inc-iii-da-lei-14164-21 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/394701324/art-2-inc-iv-da-lei-14164-21 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/394701320/art-2-inc-v-da-lei-14164-21 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/394701315/art-2-inc-vi-da-lei-14164-21 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/394701310/art-2-inc-vii-da-lei-14164-21 Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 8 STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM DIREITO PROCESSUAL PENAL: 1-Tema: Inquérito policial. Trâmite direto entre ministério público e polícia. Possibilidade? PESQUISA PRONTA- STJ No julgamento do RHC 88.570, a Sexta Turma afirmou que, "nos termos da jurisprudência do STJ, admite-se o trâmite direto do inquérito entre o órgão acusador e a polícia, em atenção ao princípio da duração razoável do processo". O recurso é da relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior. Clique aqui COMENTÁRIOS DO CAOCRIM Apesar de o artigo 10 do CPP determinar a remessa do inquérito concluído ao juiz competente, há tempos crescente doutrina vem sustentando que o disposto no § 1°, nesse tanto, nãoteria sido recepcionado pela Constituição em vigor que, ao adotar francamente o sistema acusatório (art. 129, inc. I da CF), não mais cogitou dessa intermediação. Seria permitido, assim, o trâmite direto do inquérito policial entre polícia e Ministério Público. É nesse sentido que vem se posicionando a jurisprudência. Deve ser lembrado que a Lei 13.964/19, ao mesmo tempo que introduziu no nosso ordenamento o juiz das garantias, fomentou o trâmite direto do inquérito policial entre polícia e Ministério Público. Ressalvada a hipótese do indigitado preso, foi essa a tese que norteou o legislador no PACOTE ANTICRIME, como se percebe da leitura dos arts. 3º.-A e ss, todos suspensos liminarmente pelo STF no julgamento das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305. Se e quando implantado esse sistema, não haverá mais discussão: o trâmite será direto entre a polícia e o Ministério Público, como determina a lei. De tal forma que, elaborado o relatório, ao invés da remessa dos autos “ao juiz competente”, como previsto no § 1° acima, o inquérito será enviado diretamente ao “parquet”. O mesmo deverá ocorrer em pedidos de prorrogação do prazo de conclusão do inquérito de indigitado solto. https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisa_pronta/toc.jsp?livre=@docn=%27000007008%27 Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 9 DIREITO PENAL: 1-Tema: Agravamento de regime por uma só circunstância negativa se enquadra na discricionariedade do juiz STJ- PUBLICADO EM NOTÍCIAS DO STJ A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu o entendimento de que a presença de uma única circunstância judicial negativa pode justificar o agravamento do regime inicial de cumprimento da pena e a vedação da pena substitutiva, a depender da análise do caso pelo julgador. Segundo o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, a lei reservou uma margem de discricionariedade para o magistrado, que, considerando o tamanho da pena e alguma das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, pode manter ou agravar o regime inicial de cumprimento, bem como avaliar se a substituição por penas restritivas de direitos é cabível no caso, diante dos critérios do artigo 44, III. Acompanhando o voto do relator, o colegiado negou os embargos de divergência opostos por um condenado por crime de responsabilidade contra acórdão da Quinta Turma, o qual – mesmo excluindo duas das três circunstâncias negativas e reduzindo a pena para dois anos, cinco meses e dez dias – manteve o regime inicial semiaberto e a vedação da pena substitutiva. Nos embargos, a defesa alegava que a Sexta Turma teria solução diversa para casos em que há apenas uma circunstância negativa, com julgados nos quais não se agravou o regime inicial, nem se vedou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Discricionariedade O ministro Sebastião Reis Júnior lembrou que o artigo 33, parágrafo 3º, do Código Penal dispõe que a determinação do regime inicial de cumprimento da pena observará os critérios estabelecidos no artigo 59, ou seja, terá por base as circunstâncias judiciais. "O que se verifica é um espaço conferido pelo legislador à discricionariedade do magistrado, que, considerando a pena e as circunstâncias judiciais, deve fixar um regime mais adequado ao apenado, de modo a individualizar a pena", declarou. Diante da existência de circunstância judicial avaliada negativamente na primeira fase do cálculo da pena – ressaltou o ministro –, a jurisprudência do STJ tem considerado válidos tanto "o agravamento do regime inicial de pena para aquele imediatamente mais gravoso" como a http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm#art59 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm#art44 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm#art33%C2%A73 Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 10 fixação do regime com base no tamanho da pena, conforme a escala prevista na legislação, "ainda que a segunda solução seja bem menos usual, pois geralmente verificada quando a conclusão da instância ordinária é no sentido da suficiência do regime estipulado". Individualização da pena Segundo o ministro, o mesmo entendimento pode ser verificado com relação à substituição da prisão por penas restritivas de direitos. Ele apontou que, além dos pressupostos objetivos previstos nos incisos I e II do artigo 44 do Código Penal, o legislador conferiu um espaço de discricionariedade ao magistrado, especificadamente no inciso III (requisito subjetivo), estabelecendo a necessidade de serem consideradas as circunstâncias judiciais para se verificar se a substituição da pena é recomendável ou suficiente no caso. Ao rejeitar os embargos de divergência, o relator afirmou que a orientação adotada no acórdão da Quinta Turma – pela legalidade do recrudescimento do regime e da vedação da pena substitutiva com base na valoração negativa do vetor culpabilidade – e aquela extraída dos julgados da Sexta Turma não se excluem, mas coexistem na jurisprudência do STJ, pois encontram guarida na discricionariedade que a lei assegura ao magistrado e estão em harmonia com o princípio da individualização da pena. O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial. COMENTÁRIOS DO CAOCRIM O art. 59 do Código Penal estabelece diversas circunstâncias que o juiz deve analisar na primeira fase de aplicação da pena, oportunidade em que se impõe a pena-base. Partindo dos patamares abstratamente cominados para o crime – em sua forma simples ou qualificada –, o juiz considera fatores importantes para a individualização da pena: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima. Mas sempre que o juiz optar por aumentar a pena se baseando em alguma circunstância do art. 59 é imprescindível que demonstre concretamente o fundamento para a exasperação. Não é suficiente que simplesmente se refira à “maior culpabilidade” ou que somente mencione as consequências do crime, pois estas referências genéricas impedem que se diferenciem as circunstâncias supostamente mais graves daquelas inerentes ao tipo penal e que já são consideradas pelo legislador para a cominação da pena abstrata. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art33%C2%A72 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm#art44i http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm#art44iii Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 11 A lei não estabelece parâmetros específicos para o aumento da pena-base pela incidência de alguma circunstância de gravidade, mas, respeitados os limites mínimo e máximo abstratamente cominados ao delito, convencionou-se que o aumento pode consistir em 1/6 (um sexto) para cada circunstância negativa. E, também aqui, para que o juiz imponha aumento maior deve explicar por que as circunstâncias são ainda mais graves: “O entendimento desta Corte firmou-se no sentido de que, na falta de razão especial para afastar esse parâmetro prudencial, a exasperação da pena-base, pela existência de circunstâncias judiciais negativas, deve obedecer à fração de 1/6, para cada circunstância judicial negativa. O aumento de pena superior a esse quantum, para cada vetorial desfavorecida, deve apresentar fundamentação adequada e específica, a qual indique as razões concretas pelas quais a conduta do agente extrapolaria a gravidade inerente ao teor da circunstância judicial.” (AgRg no HC 460.900/SP, j. 23/10/2018). 2- Tema: Execução penal. Progressão de regime. Alterações promovidas pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Diferenciação entre reincidência genérica e específica. Ausência de previsão dos lapsos relativos aos reincidentes genéricos. Lacuna legal. Integração da norma. Aplicaçãodos patamares previstos para os apenados primários. Retroatividade da lei penal mais benéfica. Tema 1084. INFORMATIVO 699- STJ - RECURSOS REPETITIVOS É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante. Informações do Inteiro Teor: A Lei n. 13.964/2019, intitulada Pacote Anticrime, promoveu profundas alterações no marco normativo referente aos lapsos exigidos para o alcance da progressão a regime menos gravoso, tendo sido expressamente revogadas as disposições do art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/1990 e estabelecidos patamares calcados não apenas na natureza do delito, mas também no caráter da reincidência, seja ela genérica ou específica. Evidenciada a ausência de previsão dos parâmetros relativos aos apenados condenados por crime hediondo ou equiparado, mas reincidentes genéricos, impõe-se ao Juízo da execução penal a integração da norma sob análise, de modo que, dado o óbice à analogia in malam partem, é imperiosa a aplicação aos reincidentes genéricos dos lapsos de progressão referentes aos sentenciados primários. Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 12 Ainda que provavelmente não tenha sido essa a intenção do legislador, é irrefutável que de lege lata, a incidência retroativa do art. 112, V, da Lei n. 7.210/1984, quanto à hipótese da lacuna legal relativa aos apenados condenados por crime hediondo ou equiparado e reincidentes genéricos, instituiu conjuntura mais favorável que o anterior lapso de 3/5, a permitir, então, a retroatividade da lei penal mais benigna. Dadas essas ponderações, a hipótese em análise trata da incidência de lei penal mais benéfica ao apenado, condenado por estupro, porém reincidente genérico, de forma que é mister o reconhecimento de sua retroatividade, dado que o percentual por ela estabelecido - qual seja, de cumprimento de 40% das reprimendas impostas -, é inferior à fração de 3/5, anteriormente exigida para a progressão de condenados por crimes hediondos, fossem reincidentes genéricos ou específicos. Desse modo, para os fins previstos no art. 1.036 do Código de Processo Civil, fixa-se a seguinte tese: É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante. Processo: REsp 1.910.240-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 26/05/2021, DJe 31/05/2021. (Tema 1084) COMENTÁRIOS DO CAOCRIM Levando em conta a finalidade reeducativa da pena, a progressão de regime consiste na execução da reprimenda privativa de liberdade de forma a permitir a transferência do condenado para regime menos rigoroso (mutação de regime), desde que cumpridos determinados requisitos. A disciplina da progressão de regime foi bastante alterada pela Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime), que reuniu no art. 112 da Lei de Execução Penal oito incisos nos quais são detalhadas as regras para que condenados possam gradativamente retomar sua liberdade. A mudança na disciplina da matéria tem levado a alguns questionamentos a respeito das frações de pena que devem ser cumpridas, especialmente nos casos de indivíduos reincidentes condenados pela prática de crimes hediondos. Até a edição da Lei 13.964/19, a progressão de regime em crimes hediondos e equiparados era disciplinada na própria Lei 8.072/90. O condenado tinha de cumprir 2/5 da pena, se primário, ou 3/5, se reincidente. Como a lei não explicitava que a reincidência devia ser em crime hediondo, o STJ havia firmado a orientação de que, reincidente o condenado, a fração de cumprimento era de 3/5 independentemente da natureza do crime. Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 13 Atualmente, no entanto, os incisos do art. 112 da LEP que tratam da progressão do condenado por crime hediondo são expressos sobre a reincidência específica nessa espécie de crime. Há uma lacuna em relação ao reincidente não específico, isto é, que cumpre pena por crime hediondo, mas que tenha sido condenado antes por infração penal de outra natureza. A Terceira Seção do STJ firmou a orientação de que o condenado por crime hediondo que seja reincidente só deve cumprir a fração maior para a progressão se a reincidência for específica. Caso contrário, deve cumprir a fração correspondente ao condenado primário, tendo em vista que a lei não traz regra própria para sua situação: “A Lei n. 13.964/2019, intitulada Pacote Anticrime, promoveu profundas alterações no marco normativo referente aos lapsos exigidos para o alcance da progressão a regime menos gravoso, tendo sido expressamente revogadas as disposições do art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/1990 e estabelecidos patamares calcados não apenas na natureza do delito, mas também no caráter da reincidência, seja ela genérica ou específica. Evidenciada a ausência de previsão dos parâmetros relativos aos apenados condenados por crime hediondo ou equiparado, mas reincidentes genéricos, impõe-se ao Juízo da execução penal a integração da norma sob análise, de modo que, dado o óbice à analogia in malam partem, é imperiosa a aplicação aos reincidentes genéricos dos lapsos de progressão referentes aos sentenciados primários. Ainda que provavelmente não tenha sido essa a intenção do legislador, é irrefutável que de lege lata, a incidência retroativa do art. 112, V, da Lei n. 7.210/1984, quanto à hipótese da lacuna legal relativa aos apenados condenados por crime hediondo ou equiparado e reincidentes genéricos, instituiu conjuntura mais favorável que o anterior lapso de 3/5, a permitir, então, a retroatividade da lei penal mais benigna. Dadas essas ponderações, a hipótese em análise trata da incidência de lei penal mais benéfica ao apenado, condenado por estupro, porém reincidente genérico, de forma que é mister o reconhecimento de sua retroatividade, dado que o percentual por ela estabelecido – qual seja, de cumprimento de 40% das reprimendas impostas -, é inferior à fração de 3/5, anteriormente exigida para a progressão de condenados por crimes hediondos, fossem reincidentes genéricos ou específicos. Desse modo, para os fins previstos no art. 1.036 do Código de Processo Civil, fixa-se a seguinte tese: É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante” (REsp 1.910.240/MG, j. 26/05/2021). Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 14 MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP 1-Tema: Revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial - confirmação CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 28 Autos n.º 1500xxx-6x.202x.8.26.04x8– MM. Juízo da 3ª Vara da Comarca de Penápolis Autora do fato: C.E.S. Assunto: revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial - confirmação Cuida-se de procedimento investigatório instaurado para apurar suposto crime de homicídio doloso tentado (art. 121, caput, na forma do art. 14, II, do CP) perpetrado por C.E.S., tendo por vítima C.C.A.S., fato este ocorrido no dia 3 de janeiro de 2020, por volta das 22 horas e 30 minutos, à Rua Doutor Mario Sabino, Bairro Jardim, na cidade e comarca de Penápolis. Segundo narra o boletim de ocorrência de fls. 3 e 4, a indiciada C. e a vítima C.C. tiveram uma discussão, e a indiciada, utilizando-se de um punhal, desferiu um golpe nas costas da ofendida, que foi socorrida, recebendo atendimento médico pronto e eficaz, o que impediu a consumação do crime. Ângela M.V.A., mãe da vítima, afirmou que em contato com as testemunhas Leiae Talita soube que sua filha, após uma discussão com a indiciada, foi atingida por um punhal, sendo socorrida até o hospital e, submetida à cirurgia, se restabeleceu (fls. 6). G.M.G., prima da vítima C.C., relatou que sua prima era amásia de Rodolfo, vulgo “Tatão”; a vítima teria apurado que o seu amásio estaria mantendo “um caso” com a indiciada C.E.. No dia do ocorrido, a ofendida foi até a casa da indiciada “para tirar satisfação”; a ofendida C.C. mandou, antes, uma mensagem em áudio para a testemunha relatando que “tinha achado” a indiciada, e Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 15 que ela estava com uma faca na mão. Logo depois, a vítima mandou outra mensagem em áudio dizendo que tinha sido atingida. No pronto socorro, onde a vítima estava sendo atendida, em conversa com ela, lhe foi relatado que havia sido atingida pela indiciada. Soube que o desentendimento entre indiciada e ofendida ocorreu porque a autora estaria mantendo uma relação amorosa com Rodolfo, que era amásio da vítima. Não presenciou, contudo, os fatos (fls. 7). T.F.S., testemunha presencial, disse que, no dia dos fatos, em conversa com a vítima, ela lhe relatou que o amásio dela estaria mantendo uma relação amorosa com a indiciada; ouviu uma conversa de telefone entre a indiciada e a vítima, onde as duas trocavam ofensas. A ofendida lhe pediu uma “carona” para leva-la até a casa da indiciada. C.C. desceu da moto, que era conduzida pela testemunha Talita, na frente da casa da indiciada; neste momento, observou a indiciada C. E. com um punhal na mão; a vítima foi ao encontro da indiciada e foi atingida por um golpe de punhal. A indiciada teria tentado correr atrás da vítima, mas foi impedida pelo irmão dela (irmão da indiciada). Conduziu a vítima C.C. até o hospital, onde passou por cirurgia. Afirma que, no local dos fatos, não houve discussão entre vítima e indiciada, e que a indiciada teria “partido para a agressão” (fls. 8). C.C.A.S., vítima, esclareceu ser amásia de R.S., vulto “Tatão”; disse que “clonou” o celular de R., apurando que a indiciada C.E. estaria mantendo um relacionamento amoroso com seu amásio; encontrou as imagens da indiciada, que não conhecia antes, no próprio celular de Rodolfo. Chegou a ligar para a indiciada, trocando ofensas com ela. Dirigiu-se até a casa da indiciada porque tinha a intenção de mostrar as mensagens trocadas entre C.E. e R. Quando chegou, acompanhada de uma amiga, na casa da autora, C.E. já veio ao seu encontro, com um punhal na mão; afirma que virou para correr e foi atingida nas costas; correu e foi perseguida pela indiciada (fls. 9). R.E.S., irmão da indiciada, asseverou que no dia do ocorrido sua irmã estava recebendo ameaças, via celular, da vítima; a ofendida dizia que “iria pegar” (a indiciada). Algum tempo depois, a vítima foi até a casa da indiciada, desceu da motocicleta em que era a garupa; sua irmã ficou desconfiada que a indiciada estivesse armada; a vítima então atravessou a rua e “já foi para cima de C.E.; não viu sua irmã agredindo a vítima. Soube que o desentendimento entre as duas era por “causa de homem” (fls. 10). Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 16 Em seu interrogatório, a indiciada negou possuir relacionamento amoroso com Rodolfo, embora mantivesse contato com ele, por telefone. Recebeu, algum tempo antes dos fatos, ligações da vítima, proferindo ofensas contra si, porque ela (indiciada) estaria mantendo relacionamento amoroso com o marido dela (marido da ofendida). Foi ameaçada, dizendo a ofendida que “iria lhe pegar”. No dia do ocorrido, sua mãe ligou, por volta das 19 horas, e lhe contou que havia três moças na frente da casa dela (de sua mãe) “fazendo escândalo”; às 20 horas, a vítima lhe ligou dizendo que estava nas proximidades e que “daquele dia não passaria”. Por volta das 22 horas, viu a vítima na frente da casa; saiu para conversar com ela, mas “achou por bem pegar um punhal”; quando saiu, a ofendida C. já veio para cima, segurando e apertando seu pescoço; para se defender, desferiu um golpe contra a vítima, nas costas. Negou ter, depois do primeiro golpe, perseguido a vítima. Afirma, por fim, ter agido para se defender (fls. 11/12). Foram anexados prints de conversas por WHATSAPP, entre vítima e indiciada (fls. 17/21). M.F.E.S., mãe da indiciada, relatou que, no dia do ocorrido, por volta das 19 horas, estava na casa da vizinha O., quando três moças, na frente da casa da indiciada, passaram a gritar por C.E.. Uma delas dizia “eu sei que ela está aí dentro, eu sei que ela tá andando com meu marido”. Ligou então para sua filha para relatar o ocorrido. No dia seguinte, soube por sua filha que a vítima teria avançado contra ela e a segurado no pescoço, dizendo que “furou a menina com um canivete”, para se defender (fls. 22). Laudo de exame de corpo de delito de fls. 23/24, constando que a ofendida sofreu ferimento corto-contundente na região dorsal (fls. 24). O.B.S., vizinha da indiciada, informou ter ouvido, no dia do ocorrido, por volta das 20 horas, xingamentos de pessoas, dizendo “sai para fora, vagabunda, biscate, você tá dentro e não quer me atender”; presenciou a mãe da indiciada F. dizendo àquelas pessoas que sua filha não se encontrava lá; mesmo assim, as moças continuavam a xingar. Fátima ligou para a indiciada relatando o que estava acontecendo. A depoente saiu de sua casa, e quando voltou, por volta das 22 horas, viu as mesmas moças na frente da casa da indiciada, e as três estavam, mais uma vez, xingando a autora. Não presenciou a agressão (fls. 32). Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 17 M.C.T.D., cunhada da indiciada, trouxe aos autos, em seu depoimento, que no dia dos fatos soube pela indiciada que três moças estavam lhe procurando, em sua casa, xingando-a. Por volta das 22 horas, uma moça chamou a indiciada para que saísse de sua casa; presenciou essa mulher descer da garupa de uma motocicleta. A vítima se aproximou da indiciada, como se quisesse agredi- la; disse não ter presenciado o resto, porque seu filho pequeno começou a chorar e teve que o auxiliar. Algum tempo depois, a indiciada C.E. disse que tinha dado uma “cutucada” na vítima, porque tinha ficado com medo de ser agredida (fls. 33). Novamente ouvida, a mãe da vítima Â.M.V.A. informou que sua filha estaria morando na Bolívia e que ela “gostaria que este procedimento fosse arquivado” (fls. 42). Reprodução simulada dos fatos, encartada com fotos, a fls. 50/59. Relatado o inquérito policial (fls. 63/64), o Culto Promotor de Justiça requereu esclarecimentos e o retorno à delegacia de polícia (fls. 67/68). Novamente ouvida, G.M.G. confirmou seu depoimento anterior e disse que não possui mais as mensagens trocadas com a vítima, sua prima (fls. 73). R.E.S., mais uma vez ouvido, relatou que segurou sua irmã, a indiciada, após o golpe desferido contra a vítima, porque pensou que ela pudesse ir atrás da ofendida (fls. 74). O Douto Promotor de Justiça promoveu o arquivamento dos presentes autos de inquérito policial, após minucioso e detalhado relatório de todas as investigações, por fixar a compreensão de que estariam presentes todos os requisitos legais para o reconhecimento da legítima defesa (fls. 78/87). O Douto Magistrado, contudo, dissentiu, reputando que os fatos deveriam ser melhor aclarados durante a instrução criminal, encaminhando o expediente a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 88/89). Eis a síntese do necessário. Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 18 Com a máxima vênia do Culto Magistrado, razão assiste ao Douto Promotor de Justiça ao promover o arquivamento da investigação criminal. Pelo que se depreende de todos os elementos informativos coligidos a dinâmica dos fatos é a seguinte: a vítima descobriu que seu marido matinha um relacionamento extraconjungalcom a indiciada; conseguiu o telefone dela, e passou a xingá-la e ameaçá-la, como demonstram os prints das conversas por WhatsApp; além disso, passou a perseguir a vítima, indo até a residência dela, e produzindo algazarra e escândalo, em duas oportunidades, acompanhada de duas amigas. Não contente, voltou, uma terceira vez à casa da vítima, xingando-a novamente, e exigindo que a autora saísse da residência. Evidente que a versão de que a vítima pretendia apenas conversar com a indiciada para mostrar as conversas mantidas entre a indiciada e seu marido (da ofendida) não é verossímil, afinal, a vítima poderia acessar e remeter, por print de celular, tais conversas à investigada (até porque, segundo a própria vítima, ela teria clonado o celular de seu marido R.). A intenção, ao que parece, era mesmo, ao se dirigir com tanta insistência até a casa da indiciada, a de xingar e agredir a investigada, e não manter qualquer conversação, ou “mostrar” singelamente mensagens de celular. A vítima e a testemunha T.F. asseveraram que a indiciada teria agredido a ofendida nas costas, quando a vítima tentava correr; essa versão, contudo, é rechaçada pela indiciada, e pelo irmão desta, os quais, na reprodução simulada dos fatos, mencionam que as agressões se iniciariam por parte da ofendida, e não da investigada; compreensivelmente, cada uma das partes, e as testemunhas por elas indicadas, sustentam a narrativa que melhor viesse atender aos seus interesses, que, in casu, são antagônicos. No entanto, apesar desse aparente contrachoque insuperável de versões, certo que, como bem referido pelo Ilustre Promotor de Justiça, há fatos que são incontroversos: 1º- a vítima xingava e ameaçava a indiciada; 2º- a vítima, acompanhada de duas pessoas, compareceu, em três oportunidades, na casa da indiciada, xingando-a escandalosamente, e exigindo que saísse; Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 19 Nesse contexto, parece mais verossímil a versão de que a vítima teria iniciado a agressão contra a indiciada, a qual apenas se defendeu, usando do meio necessário (um punhal), moderadamente (um golpe). Afinal, não parece crível que a ofendida, tantas vezes e com tanta insistência, tivesse ido à casa da indiciada, senão por interesse de agredi-la, até porque aparentemente estava tomada de ira, quando soube que seu marido mantinha um relacionamento amoroso com a investigada. Diante desse quadro probatório, não há, de fato, justa causa para se iniciar a persecução penal em Juízo, com o peso de uma imputação de crime doloso contra a vida, porquanto a finalidade de uma investigação escorreita e detalhada como a documentada nestes autos é a de justamente evitar acusações penais em juízo temerárias, com elementos de convicção dúbios e incertos. Não se desconhece, é claro, que, sendo os fatos controvertidos - podem ter ocorrido ou não - deve-se iniciar a persecução penal em juízo; todavia, quando a prova é lacunosa e contraditória, e a versão do próprio investigado não é infirmada por qualquer outro elemento de persuasão, não há porque deixar de acolhê-la. Quanto à questão do ferimento nas costas, é perfeitamente possível que, havendo uma contenda, uma luta, entre as partes, durante as agressões, a vítima possa ser atingida nas costas (sem significar, contudo, que o golpe tenha sido desferido pelas costas). Ademais, a agressão - segundo o relato da indiciada - desferida pela vítima, com um capacete e depois com um tapa contra a investigada, pelo próprio movimento do corpo da ofendida necessário às agressões, possibilitaria que fosse atingida, em repulsa, pela indiciada, na parte lateral do seu corpo ou mesmo no dorso (da vítima). Como explica Walfredo Cunha Campos, na obra Tribunal do Júri, Teoria e Prática2: 2 Walfredo Campos, Tribunal do Júri, Teoria e Prática, 7ª edição, 2021, Editora Mizuno, páginas 262/263. Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 20 “Ao juiz se impõe o dever de cotejar o arcabouço probatório coligido - normalmente através do inquérito policial - com a proposta acusatória vazada na petição inicial (denúncia ou queixa). Não basta perscrutar, apenas, a respeito da tipicidade do fato - normalmente o que menos esforço exige - necessário, ainda, pesquisar se o fato é ilícito, pois podem já existir evidências, no caderno inquisitivo, por exemplo, de que o indiciado tenha agido em legítima defesa ou estado de necessidade, situações essas que autorizam - e por uma questão de justiça - conclamam a rejeição da peça acusatória, por falta de justa causa. (...) O recebimento, às cegas, de uma denúncia - sem se aquilatar de sua solidez probatória - pode acarretar, além de um gasto inútil de recursos públicos, outro efeito mais grave ainda: a violação da dignidade da pessoa humana, um dos princípios fundadores do nosso ordenamento jurídico (art. 1º, III, da CF), impondo, ao acusado, que não mereceria ocupar o banco dos réus, as agruras do mais longo, demorado e complexo de todos os processos criminais que é o processo do Júri. Afinal, qual o sentido de se processar alguém por homicídio se se apurou - a toda evidência - que agiu, por exemplo amparado pela legítima defesa?!”. Num contexto tal, conclui-se que a promoção de arquivamento não é desarrazoada e alicerça-se em razoável leitura dos elementos de convencimento contidos no bojo do caderno investigatório. Boletim Criminal Comentado 142- Junho 2021 21 Dessa sorte, eventual ação penal estaria, de fato, fadada à improcedência. Não se identifica justa causa para a propositura de ação penal, no caso concreto. Esta Procuradoria-Geral de Justiça, em situações tais, tem considerado a valoração dos elementos de prova feita pelo Promotor de Justiça natural, sempre que razoável e em consonância com o conteúdo do caderno investigatório, para reafirmar o princípio da independência funcional. Ante o exposto, sempre com a renovada vênia do Culto Magistrado, insiste-se na promoção de arquivamento formulada, por seus próprios e jurídicos fundamentos, com as ressalvas do art. 18, do Código de Processo Penal. São Paulo, 28 de maio de 2021. Mário Luiz Sarrubbo Procurador-Geral de Justiça