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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3 2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA NEUROPSICOLOGIA ............................... 4 3 PSICOLOGIA COGNITIVA ....................................................................... 21 3.1 Pesquisas em neuropsicologia cognitiva ............................................ 22 3.2 Síndrome de gerstmann ..................................................................... 24 3.3 Limitações .......................................................................................... 25 3.4 Complexidade das funções cognitivas ............................................... 26 4 DESENVOLVIMENTO HUMANO, ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL DO CÉREBRO E APRENDIZAGEM NO PENSAMENTO DE LURIA E DE VYGOTSKY 32 5 LOCALIZACIONISMO............................................................................... 39 5.1 A questão da localização das funções cerebrais ................................ 42 5.2 Unidades funcionais de luria .............................................................. 47 5.3 Neuropsicologia cognitiva e neurociências ......................................... 51 5.4 Neuropsicologia e a natureza complexa............................................. 53 5.5 Suposições teóricas ........................................................................... 56 5.6 Suposição da modularidade ............................................................... 58 5.7 A complexidade e os processos superiores ....................................... 58 6 AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA ....................................................... 60 6.1 Aplicações .......................................................................................... 69 6.2 Instrumentos brasileiros para avaliação neuropsicológica ................. 70 7 O PAPEL DO NEUROPSICÓLOGO ......................................................... 72 7.1 Neuroimagem ..................................................................................... 75 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 77 9 BIBLIOGRAFICA ...................................................................................... 80 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! A Rede Futura de Ensino, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA NEUROPSICOLOGIA Fonte: elianemiotto.com.br Sabe-se que o campo da psicologia é um conglomerado de teorias e métodos, oriundo de diferentes vertentes filosóficas, sociais e científicas. Atualmente, a história da psicologia pode ser traçada a partir de quatro diferentes vias: Gnosiologia, Psicopatologia Romantismo Neurologia. A via gnosiológica está associada à história clássica e mais conhecida da psicologia. O termo epistemologia é muitas vezes usado no sentido gnosiológico (gênese psicológica do conhecimento individual) pela influência anglo-saxônica, mas também é usado no sentido francês de filosofia da ciência (lógica do conhecimento). A história, por essa via, apresenta o desenvolvimento da psicologia como o estudo do intelecto e das relações entre intelecto e emoção. O grande avanço desta via foi a difusão do método experimental para o estudo do intelecto e das emoções em sua gênese e expressão, a grande contribuição foi os estudos da aprendizagem. 5 A segunda via é claramente fisiológica e médica e tem por objetivo compreender e tratar as desordens psicopatológicas do intelecto e das emoções. O grande debate deste percurso ocorreu entre as explicações orgânicas e funcionais para as doenças mentais, com suas respectivas terapêuticas. A grande contribuição foi a psicoterapia. A terceira via também concentrou seus esforços no estudo do intelecto e das emoções, mas marcou sua contribuição no desenvolvimento de métodos alternativos ao método científico clássico, a saber, os métodos compreensivos ou interpretativos. A grande contribuição foi no campo da relação ética entre o pesquisador e os seus dados. A quarta via, ainda não tão desenvolvida nos compêndios de história da psicologia, caracterizou-se pelo estudo da relação entre distúrbios da fala e lesões cerebrais. A principal contribuição foi o estudo e o tratamento da afasia, e o debate sobre localização das funções cerebrais. No momento, esta via está sinalizando para uma importante revisão nas relações entre psicologia e biologia e para novas possibilidades na integração entre psicologia experimental e psicologia clínica. As quatro vias mencionadas tiveram desenvolvimentos simultâneos, influenciando e opondo-se umas às outras, com pontos de intersecção aqui e ali, mas com impactos distintos em períodos distintos. O funcionalismo comportamental e o funcionalismo psicanalítico, representantes das duas primeiras vias, alcançaram destaque importante na primeira metade do século XX, sendo que a psicanálise avançou nas décadas seguintes, principalmente nos anos 70 e 80, graças ao impulso da psicanálise francesa. A terceira via teve sua vez nos agitados anos 60, deixando um legado ético importante que hoje sustenta os argumentos básicos da bioética. A quarta via vai incorporar importantes elementos da primeira via, é sensível aos argumentos da terceira via, e vai se constituir na mais importante contribuição da psicologia da segunda metade do século XX, que é neurocognição. O reconhecimento dos desenvolvimentos simultâneos de debates e avanços psicológicos deve-se muito à proeminência de uma determinada questão em um determinado tempo. Segundo Hearnshaw disse que por mais surpreendente que pareça, a colaboração entre medicina e psicologia só vai ocorrer a partir do século XIX, Hearnshaw (1987). 6 O autor indica motivos para este longo distanciamento. Entre os filósofos, a consciência ou alma, sustentada na razão divina, estava acima e fora do mundo material. A loucura devia-se a desequilíbrios do humor ou intrusão de forças sobrenaturais. Entre os médicos, pouco se sabia sobre a loucura, não havendo muito em que contribuir para o debate com os filósofos. De qualquer modo, aí está uma das facetas dos estudos históricos, as ênfases são muito marcadas pelos interesses da atualidade. A seguir, indicam-se as duas linhas paralelas entre psicologia e neurologia para destacar a aproximação destes dois campos, em plena metade do século XX. Relações entre Mente e Cérebro na História da Psicologia do Intelecto e da Emoção Diógenes de Apolônia (século IV a.C.) parece ter sido o primeiro a oferecer uma explicação unificadora para as funções fisiológicas, psíquicas e cósmicas: “Os homens e os outros seres animados vivem do ar, respirando- o, e ali estão sua alma e inteligência... porque se lhe retiramos, morrem, e sua inteligência seextingue” (Diógenes, apud por Mueller, 1968, p. 24). No entanto, foi Alcmeão, um médico que viveu na cidade de Crotona na parte meridional da Itália em torno do século IV a.C., identificado como pertencendo à escola de Pitágoras, que tem sido considerado pelos historiadores como o fundador da psicologia fisiológica. Alcmeão fez algumas descobertas importantes em psicologia fisiológica. Identificou dois tipos de vasos no corpo humano as veias e as artérias, descobriu canais de passagens que unem os diferentes órgãos ao cérebro os nervos, e chamou atenção para as relações entre pensamentos, emoções e cérebro. Até então, pensamento e emoção estavam associados ao coração (Brett, 1953). Na medicina de Hipócrates (460-355 a.C.), o cérebro era considerado a parte mais importante do corpo e a sede da inteligência, mesmo que seja questionável a justificativa de que o cérebro é o meio pelo qual o ar comunica sua natureza. Demócrito (470-360 a.C.) localizou o pensamento no cérebro, a ira no coração e do desejo no fígado. Platão (428/7-347 a.C.) no Timeo descreveu a medula como a parte mais importante do corpo. Uma porção da medula era o cérebro e a outra, a medula espinhal. Cérebro e medula espinhal constituíam a força vital sobre a qual atuava a alma. 7 A parte racional da alma atuava sobre o cérebro e a irracional sobre a medula espinhal (Brett, 1953). Aristóteles (384-322 a.C.) recolocou erroneamente o coração como centro da vida, da sensação, do movimento e do calor. Ele desconhecia o sistema vascular e o cérebro foi descrito como ocupando uma função inferior no corpo, inclusive sobrecarregando o trabalho do coração. A última grande contribuição da Idade Antiga veio de Galeno (129-200 a.C.), cujas teorias sobre o corpo humano, com seus acertos e erros, dominaram a medicina por quatorze séculos. Para ele, os nervos originavam-se no cérebro e na medula e não no coração como ensinava Aristóteles. Os nervos seriam condutos que transportariam os fluidos secretados pelo cérebro e medula espinhal para a periferia do corpo. O cérebro seria a sede da sensação, do movimento e do intelecto. Galeno explicava que a sensação era a mudança qualitativa de um órgão sensitivo e a percepção, enquanto ação do cérebro, era a consciência dessa mudança. O desenvolvimento da tradição ético-religiosa, como dizia Brett (1953), que vai se estender por toda a Idade Média, inibiu os estudos de anatomia. Ao mesmo tempo, as invasões dos bárbaros enfraqueceram o Império Romano e destruíram a Biblioteca de Alexandria onde estavam depositados os estudos gregos sobre medicina. No obscurantismo ocasionado pelo cristianismo na Europa, coube aos árabes a preservação do material recuperado da Biblioteca de Alexandria. Segundo René Descartes, o primeiro filósofo moderno, foi também um anatomista. Ele era conhecedor da descrição completa do corpo humano oferecida por Vesálio em 1543, da descoberta da circulação do sangue por Harvey em 1628 e havia aceito o modelo mecânico vigente inspirado nas teorias físicas de Copérnico publicadas em 1453, na teoria da inversão das imagens da retina apresentada por Kepler em 1604 e nos estudos astronômicos de Galilei publicados em 1610. Quanto à relação mente-cérebro, ou melhor, alma-corpo, Descartes desprezou tanto a noção Aristotélica de alma como forma do corpo quanto à noção de alma como princípio de vida dos escolásticos. Ele definiu a alma como substância consciente ou pensamento. A alma era diferente do corpo por possuir uma natureza indivisível enquanto o corpo era sempre divisível. Embora diferentes, a alma interagia com o corpo, acreditava Descartes, através da glândula pineal, um pequeno órgão vestigial no cérebro. 8 Esse órgão foi escolhido por tratar-se de uma das poucas partes não duplicadas do cérebro. Descartes reestabeleceu a ontologia dualista de que alma e corpo eram constituídos por diferentes substâncias, uma teoria que se tornou crença comumente aceita por pensadores europeus (Brett, 1953 apud Hearnshaw, 1987). No século XVIII os esforços para a explicação da relação mente-cérebro prosseguiram com os trabalhos de David Hartley (1705-1757), de Albrecht von Haller (1707-1777) e do húngaro Porchaska (1749-1820) (Boring, 1950). Hartley recorreu à teoria das vibrações no Principia de Newton, publicado em 1687, para explicar a sensação como um processo físico. Assim, as alterações dos nervos, produzidas pela ação de um objeto sobre o organismo constituindo impressões eram para ele decorrentes de vibrações. Para tanto, nervos, medula espinhal e cérebro eram descritos como uniformes, homogêneos e formados por uma só substância. Haller interessou-se pelas localizações cerebrais, mostrando inicialmente que o córtex não era a sede da sensação nem causa exclusiva do movimento. A base da sensação e do movimento era a substância branca do cérebro e do cerebelo. Ademais, Haller definiu a memória como sendo a persistência das impressões sobre a substância cerebral. As circunvoluções do cérebro eram para aumentar o espaço disponível para a memória. Porchaska localizou as faculdades (imaginação, percepção, memória) no ponto terminal interno dos nervos. Segundo Lecours e Lhermitte, mesmo com os avanços decorrentes da pesquisa anatômica, os cientistas no século XVIII ainda consideravam o cérebro como um órgão homogêneo, que distribui energia vital para todas as partes do corpo, atuando conforme a vontade do indivíduo (Lecours & Lhermitte, 1983). Grande parte do século XIX é dominada pelo esforço de explicar o intelecto através da fisiologia dos sentidos. Bell (1774-1842) diferencia nervos sensórios e motores, Müller (1801-1858) apresenta sua teoria das energias específicas dos nervos, Helmholtz surpreende a comunidade científica com seus estudos avançados em ótica e audição, Weber (1795-1878) estuda a sensitividade da pele, e Fechner (1801-1887) desenvolve a fórmula matemática para medir o limiar sensorial. O esforço culmina com a inauguração da psicologia experimental por Wundt (1832-1920), com seu método de introspecção formal (Boring, 1950). 9 A revolução provocada pela teoria da evolução de Darwin, inicialmente publicada em 1859, reorienta a psicologia para o funcionalismo. A nova perspectiva reduz a pesquisa em psicofísica e nas relações entre neurologia e psicologia. Em contraste, incentiva os estudos funcionais do inconsciente com Freud e do comportamento com Thorndike, Watson e Skinner (Fraisse, 1970). Com o aparecimento das várias teorias e sistemas em psicologia, a relação mente cérebro assumiu os contornos que seguem (Marx & Hillix, 1979). O associacionista Thorndike (1874-1949) não deu importância ao problema por considerá-lo uma questão pertencente à filosofia. Ele tratou a questão em um nível puramente ontológico. O estruturalista Titchener ficou entre o paralelismo defendido por seu professor Wundt, isto é, a mente não depende do corpo para ser estudada; e a concepção da experiência unitária na síntese mente-corpo. O funcionalista Watson negou o problema descartando a consciência. Os Gestaltistas mantiveram a posição do isomorfismo, isto é, uma correspondência reconhecível entre a organização da percepção e a organização do estado cerebral (Pribram, 1997). E o funcionalista Freud (Jones, 1953) declarou-se um paralelista psicofísico, entendendo que os processos físicos não poderiam ocorrer na ausência dos processos fisiológicos, mas que os físicos precediam ao fisiológico. Esse período corresponde à primeira metade do século XX. As discussões sobre a relação mente-cérebro que se destacaram no contexto das escolas psicológicas foram representadas por Karl Spencer Lashley (1890-1958); com a sua preocupação em esclarecer as implicações de localização das funções cerebrais; pelos psicólogos da Gestalt com os conceitos de campo perceptual e isomorfismo;e Donald Olding Hebb (1904-1985) com sua teoria de montagens neurais. Lashley estudou a localização das funções cerebrais no contexto da aprendizagem de animais em situações experimentais de condicionamento. Os resultados reafirmaram os achados de Flourens realizados um século atrás. Na destruição de uma porção particular do córtex de um animal experimental, outra porção do córtex compensará a perda da função da área destruída (equipotencialidade). 10 A redução do desempenho é proporcional ao tamanho da porção destruída do córtex e não à localização da porção extirpada (função de massa). Embora os experimentos de Lashley estivessem no contexto experimental behaviorista, as investigações em neuropsicologia não eram consideradas importantes pelos líderes dessa escola. O próprio Lashley não foi um incentivador da pesquisa na área (Hilgard, 1987). Os psicólogos da Gestalt (Marx & Hillix, 1979) mostraram-se interessados em fisiologia desde o início. Max Wertheimer (1880-1943) declarou em seu célebre artigo de 1912 que a explicação do movimento aparente estava nos processos fisiológicos subjacentes. No entanto, os enunciados fisiológicos da Gestalt, serviram, principalmente, como modelos teóricos. O enunciado de que o campo fisiológico e o campo perceptual são paralelos em forma indica uma identidade, a exemplo da relação entre mapa e país. As posições dos psicólogos da Gestalt sobre as relações entre psicologia e fisiologia estimularam pesquisas e debates e reafirmaram a importância do desenvolvimento de tecnologias que permitissem observações mais acuradas dos eventos cerebrais. Segundo Hebb Hilgard, é reconhecido por sua teoria das montagens neurais. Para esta teoria, a relação funcional entre neurônios decorre da ativação conjunta de uma estrutura difusa de células no córtex, constituindo um sistema fechado, capaz de manter-se integrado por um breve tempo. O prosseguimento da ativação e a sua associação com outras redes, ocorrendo independente de estimulação externa, daria a base fisiológica para o pensamento, Hebb (Hilgard, 1987). A teoria, embora especulativa, foi importante para focalizar o problema da relação entre psicologia e fisiologia. A esta altura, a narrativa apresentada leva-nos para a segunda metade do século XX, onde grandes mudanças ocorrerão nos rumos da psicologia. Essa história será retomada mais adiante. Cabe então, retornar ao passado e acompanhar os desenvolvimentos da quarta via da história da psicologia, que por ser menos divulgada entre psicólogos será um pouco mais detalhada. Das Relações entre Afasia e Lesões Cerebrais à Neuropsicologia O argumento do desenvolvimento simultâneo, desde tempos remotos, das várias vias que levam à psicologia como conhecida hoje, encontra um belo exemplo na história da afasia, como apresentada por Benton (1971) em sua referência a 11 documentos antigos que atestavam o conhecimento da relação entre transtornos da linguagem e lesões cerebrais. Por exemplo, na Antiguidade, os médicos hipocráticos estavam cientes da inervação contralateral e da associação entre déficit motor no hemicorpo direito e transtorno da linguagem. É dito que Galeno afirmava que uma lesão na cabeça podia levar à perda da memória das palavras. Médicos renascentistas levantaram a hipótese, diante de um caso de afasia após lesão cerebral, de que o transtorno era provocado por fragmentos da calota craniana que penetrariam no cérebro. No entanto, o mais impressionante dos documentos mencionados por Benton (1971) é o trabalho Amnésia da Palavra do médico alemão Johann A. P. Gesner (1738- 1801). Segundo Benton, resume do seguinte modo a principal contribuição de Gesner: A ideação e a memória das palavras são duas coisas distintas: a ideação é evocada pela percepção dos objetos físicos e pela ação dos nervos sensoriais; a evocação das palavras segue a ideação que para ser produzida requer uma energia nervosa ou ação nervosa adicional. Por isso, é compreensível que certas enfermidades do cérebro afetem a memória verbal, deixando intacta a ideação, de tal forma que o paciente chegue a pronunciar o nome de um objeto, ainda que seja capaz de reconhecê-lo e de compreender o seu significado, Benton 1971. No final do século XVIII já se havia acumulado um razoável conhecimento sobre afasia. Na Rússia, em um trabalho datado de 1789, Bolotov descrevera um caso de transtorno orgânico da linguagem (Glozman, 1996), considerando-o como uma consequência da perda de memória. Em 1838, também baseado em um estudo de caso, Filippov apresentou a descrição de um paciente com um “mutismo extraordinário” (Glozman, 1996). No entanto, o interesse pela investigação das bases neurológicas da enfermidade era escasso. Coube a Franz Joseph Gall (1758-1828) reverter a situação, colocando a relação entre afasia e cérebro em primeiro plano, tornando-se assim um importante precursor da neuropsicologia. Gall é hoje nome popular na história da Psicologia por causa da doutrina da frenologia. Na verdade, o termo foi introduzido por seu aluno e colaborador Johann Gaspar Spurzheim (1776-1832) e utilizado por admiradores e críticos de Gall, como referência à doutrina que associava traços de caráter com saliências ou reentrâncias de pontos determinados do crânio (Boring, 1950). 12 Os estudos de Gall podem ser caracterizados como um daqueles pontos no quais as vias históricas se intercruzam. Gall era um anatomista e, portanto, conhecedor da fisiologia cerebral, um médico com experiência no atendimento de pacientes afásicos, e um seguidor da escola de psicologia escocesa das faculdades mentais. Trata-se de uma combinação de conhecimento fisiológico, conhecimento psicológico e prática clínica. Sua ontologia materialista indicava o cérebro como o substrato essencial para o exercício das faculdades, mostrando-se clara para ele a relação entre lesão frontal e transtornos afásicos. Esse episódio da história da ciência tem mais um desdobramento curioso. O principal oponente de Gall foi Pierre Flourens (1794-1867), um fisiologista que investigou a localização de funções cerebrais, possivelmente inspirado nos trabalhos de Gall, mas que veio a demonstrar que as explicações da frenologia estavam equivocadas. Os experimentos de Flourens mostraram que a remoção cirúrgica de partes do cérebro de pombos impedia a manifestação de determinadas funções apenas por um certo período. Com o passar do tempo, tais funções recuperavam-se espontaneamente. Flourens encontrou evidências apenas para a localização das funções motoras no cerebelo e das funções vitais na medula, não havendo evidências para as localizações descritas pela frenologia. Essas conclusões deram início ao debate entre localistas e anti-localistas. Apesar dos acertos de Flourens e dos equívocos de Gall, a neuropsicologia, definida como o estudo do comportamento em relação à anatomia e fisiologia do cérebro (Lecours & Lhermitte, 1983), avançará pelas mãos dos seguidores de Gall e não por influência de Flourens, um autor pouco lembrado. Jean Baptiste Bouillaud (1796-1881), um dos mais fervorosos defensores das ideias de Gall, procurou demonstrar, através de provas anátomo-clínicas, como diferentes tipos de afasias estavam relacionados a distintas áreas no cérebro, especialmente em sua dimensão ântero-posterior (Benton, 1971). Um estudo anátomo-clínico publicado em 1861, por Pierre Paul Broca (1824- 1880), um aluno de Bouillaud, mostrou a relação entre lobo frontal esquerdo e linguagem. 13 Suas conclusões, baseadas em avaliações clínicas e estudos anatômicos e, em particular, no estudo de dois pacientes e suas posteriores autópsias, são consideradas, atualmente (Nitrini, 1996), o marco inicial da neuropsicologia. Em 1865, broca associou o hemisfério esquerdo com a produção da fala e com a ideia de dominância manual (Lecours & Lhermitte,1983). Em 1874, no mesmo ano em que Wundt publicava Princípios da Psicologia Fisiológica, o neurologista alemão Carl Wernicke (1848-1905) descrevia a relação causal entre a lesão no primeiro giro temporal esquerdo e uma das formas clínicas da afasia, a afasia sensorial (Lecours & Lhermitte, 1983 apud Nitrini, 1996). O nome afasia sensorial foi escolhido por Wernicke para fazer contraste com a afasia motora descrita anteriormente por Broca. Conforme Wernicke, na afasia motora, os sujeitos falam pouco, mas compreendem a linguagem, enquanto na afasia sensorial a fala está preservada, mas a sua linguagem é inapropriada e a sua compreensão da linguagem dos outros está prejudicada. Wernicke considerou ainda a possibilidade de uma lesão afetar as fibras associativas que conectam o primeiro giro temporal ao terceiro giro frontal no hemisfério esquerdo, postulando, assim, a existência de um tipo de afasia no qual o paciente compreenderia a linguagem de outros e teria capacidade de produção, apesar de um distúrbio severo na repetição (Wernicke, apud Lecours & Lhermitte, 1983). Wernicke denominou este quadro de afasia de condução, em uma descrição diagnóstica válida atualmente (Beeson & Rapcsak, 1998). Uma vez que os centros relacionados à linguagem começavam a ser isolados, as associações entre eles – em termos de fibras nervosas, passaram a ser o foco teórico de atenção. Em torno desse localizacionismo revitalizado, um conjunto de autores, denominados associacionistas, centralizara seus interesses. Entre os associacionistas, destacam-se, além do próprio Wernicke, os trabalhos de Henry Charlton Bastian (1837-1915), Ludwig Lichteim (1845-1928) e Jean Martin Charcot (1825-1893), especialmente no que tange às conceitualizações teóricas na forma de diagramas (ver Figuras 1 e 2). 14 Fonte: ufrgs.br Fonte: ufrgs.br 15 Joseph-Jules Dejerine (1849-1917), a partir de investigações anátomoclínicas, ofereceu evidências relevantes aos argumentos teóricos dos diagram makers (Hécaen & Albert, 1978). Segundo Luria, paralelamente ao trabalho de Broca e Wernicke, foram descritas áreas cerebrais responsáveis por funções não linguísticas. Por exemplo, em 1855, o neurologista italiano Panizza relatou uma importante descoberta: cegueira permanente desenvolvida em indivíduos com uma lesão na região occipital (Luria, 1966). Esta descoberta foi posteriormente reforçada pela observação de que animais com tais lesões, embora retivessem a visão, perdiam formas mais complexas de percepção visual. Em 1881, Munk observou em cachorros que as destruições de áreas occipitais dos hemisférios cerebrais produziam um fenômeno característico: o animal mantinha a habilidade para ver e evitar objetos, mas não conseguia reconhecê- los (Luria, 1966). Também no século XIX, o caso de Phineas Gage, um paciente com alterações comportamentais decorrentes de lesão frontal, foi descrito por John M. Harlow (1848- 1849, citado em Damásio, 1996). Sem maior atenção da comunidade científica na época, este caso foi posteriormente retomado no trabalho de Damásio, Grabowski, Frank, Galaburda e Damásio (1994). Apesar da importância desses trabalhos, por longo tempo, as funções não linguísticas foram desprestigiadas. Haja visto que o estudo dos distúrbios de linguagem estava relacionado com o hemisfério dominante, enquanto que os distúrbios não-linguísticos, como percepção visual, atenção e percepção do corpo e do espaço, ao hemisfério era não dominante. Em parte, o predomínio dos estudos das afasias manteve-se devido o debate gerado pelos globalistas. A posição globalista, contrária às ideias localizacionistas e associacionistas, sustentava a noção da linguagem como um processo dinâmico oriundo da integração funcional do cérebro (Hécaen & Albert, 1978). Durante a primeira metade do século XX, a pesquisa sobre afasia foi influenciada pelos trabalhos do neurologista inglês Hughlings Jackson (1835-1911) e Sigmund Freud (1856- 1939), mas, sobretudo pelas contribuições de Pierre Marie (1853-1940). Na posição de Marie, a afasia era concebida como uma desordem de natureza intelectual – bem como uma desordem unitária, e não como um distúrbio primário da 16 linguagem. Assim, ele não reconhecia a existência de diferentes áreas cerebrais relacionadas tanto à linguagem, como a outras funções cognitivas, abandonando a noção de centros. Esta perspectiva era defendida por dois dos mais proeminentes neurologistas da época: Constantin von Monakow, que oferecia argumentos anátomo-fisiológicos e Kurt Goldstein (1878- 1965), que, influenciado pela teoria Gestalt, defendia a ação unitária do organismo na direção de sua atualização (Luria, 1966; Lecours, Cronck, & Sébahoun-Balsamo, 1983). Uma importante mudança conceitual esboçou-se a partir da iniciativa de Théophile Alajouanine, um aluno de Pierre Marie, que percebeu a necessidade da pesquisa neuropsicológica incorporar outras disciplinas além da medicina: a psicologia e a linguística. Alajouanine, um neurologista, em um esforço de pesquisa conjunta com André Ombredane (psicólogo) e Marguerite Durand (linguista), publicam em 1939 Le Syndrome de Désintégration Phonétique dans l’Aphasie (Desintegração fonética na afasia), inaugurando o campo da neolinguística e da neuropsicologia (Lecours, Cronck, & Sébahoun-Balsamo, 1983). Segundo Hécaen e Albert, essas duas áreas científicas têm um objetivo comum o estudo das relações entre funções mentais e estruturas cerebrais sendo a neolinguística um dos capítulos da neuropsicologia com maior expressão em termos de número de investigações, pelo menos nos primeiros anos de sua história. Paralelamente, na Rússia, outro capítulo fundamental da neuropsicologia estava sendo escrito. Desde o trabalho seminal de L. Bolotov em 1789, passando por um intenso período de interesse na pesquisa sobre afasia, a neurologia e psicologia russas destacaram-se pela sua contribuição não somente na descrição dos sintomas, mas também na explicação dos mecanismos psicofisiológicos subjacentes aos transtornos da linguagem (Glozman, 1996). Em um período posterior, ainda fortemente influenciado pela tradição fisiológica de Sechenov (1829-1905) e Ivan P. Pavlov (1849-1936), Lev Vygotsky (1896-1934) procurou uma alternativa às posições localizacionistas e globalistas. Vygotsky considerou as funções corticais superiores em três princípios centrais: Relacionamentos interfuncionais, plásticos e modificáveis; 17 Sistemas funcionais dinâmicos como resultantes da integração de funções elementares; e, Ah reflexão da realidade sobre a mente humana (Hécaen & Albert, 1978). Orientada pelo pensamento de Vygotsky e profundamente enraizada na tradição russa de pesquisa em neurologia, a obra de Alexander Romanovich Luria (1902-1977) que se delineia a partir da década de 20, possui uma conotação singular para a neuropsicologia. Luria concebia uma ciência que mantinha, ao mesmo tempo, consonância com a fisiologia e a neurologia, sem depender integralmente destas (Cole, 1992) e, mais importante, sem nunca perder de vista a perspectiva humanista na compreensão e entendimento das condições clínicas estudadas (Luria, 1992). Ainda outra grande contribuição de Luria refere-se às inovações metodológicas propostas no exame clínico: técnicas aparentemente simples, mas orientadas pela sua visão das funções corticais superiores, ou seja, Luria propõe um modelo teórico que dirige o trabalho neuropsicológico. Na concepção de Luria, “desde uma perspectiva da localização sistemática das funções, consideramos os processos corticais superiores como sistemas funcionais complexos dinamicamente localizados” (Luria, 1966, p. 468). O principal enfoque de Luria era a associação entre o hemisfério dominante (esquerdo) e as afasias. Mas nos anos 60, a neuropsicologia começa a questionar adominância absoluta do hemisfério esquerdo para a linguagem, produzindo trabalhos em populações especiais, como canhotos, bilíngues, crianças e analfabetos (Parente & Lecours, 1988). O foco passou então a busca de fatores biológicos (como dominância manual, desenvolvimento e sexo) e fatores sociais (como aquisição de uma segunda língua, aquisição da escrita e tipo de escrita) que poderiam determinar a dominância do hemisfério esquerdo para a linguagem e, consequentemente, a organização cerebral das demais funções cognitivas. Ainda na década de 1960, outro conjunto de estudos começa a surgir inspirado pelos trabalhos sobre lateralização realizados por Myers e Sperry (1953, citado em Sidtis & Gazzaniga, 1983) em animais com secção do corpo caloso (Zaidel, 1983). Dentre esses trabalhos, destacam-se aqueles realizados com pacientes comissurectomizados, demonstrando a especificidade funcional de cada hemisfério (Gazzaniga, Bogen, & Sperry, 1962, apud Sidtis & Gazzaniga, 1983). 18 Esses pacientes eram capazes de nomear uma figura apresentada no campo visual direito – que seria processada pelo hemisfério esquerdo, mas não conseguiam dizer o nome quando a mesma figura era apresentada do outro lado e, portanto, processada pelo hemisfério direito. Juntamente com uma série de estudos experimentais em sujeitos normais, envolvendo a apresentação visual taquistoscópica e escuta dicótica, surgiu a investigação sobre assimetrias cerebrais. Os resultados desses trabalhos foram interpretados por teorias bastante divergentes. Um modelo estrutural propunha que o hemisfério esquerdo participa da linguagem enquanto que o direito, de funções visuais (Kimura, 1961). Segundo Bradshaw e Nettleton, em oposição, surge um conjunto de teorias propondo a atuação dos dois hemisférios no mesmo processamento, mas com pesos diferentes. São os modelos de polaridade que postulam que a diversidade de funções do hemisfério esquerdo com relação ao direito poderia ser explicada pela distinção de processamento analítico/holístico (Bradshaw & Nettleton, 1983). Por outro lado, Kinsbourne (1973, 1978) propôs que a assimetria hemisférica pode ser explicada por mecanismos de controle atencionais: estímulos verbais ativariam o hemisfério esquerdo enquanto que os viso espaciais estimulariam o direito. Uma última posição sugeria que as diferenças hemisféricas seriam quantitativas e não qualitativas, de forma que ambos hemisférios teriam os mesmos recursos, mas com organização distinta. Sendo assim, uma organização mais eficiente do que a outra determinaria a assimetria hemisférica para uma tarefa específica. Por exemplo, para Sergent (1982a, 1982b) o predomínio perceptual do hemisfério direito decorre do fato de que este hemisfério tem maior rapidez para o processamento visual inicial (frequência espacial e contraste). Apesar da falta de consenso teórico, as funções cognitivas não linguísticas são novamente investigadas e valorizadas pela neuropsicologia. Faltava, entretanto, nesse emaranhado de propostas antagônicas, um modelo teórico forte para fundamentar as associações entre estruturas cerebrais e processos mentais. O Encontro da Neuropsicologia com a Psicologia Cognitiva A partir da década de 1950 nos Estados Unidos, em oposição ao behaviorismo, desenvolve-se a psicologia cognitiva, com especial ênfase na teoria de processamento da informação. Em 1956, os trabalhos de George Miller sobre as limitações da capacidade do pensamento humano, especialmente sobre as limitações da memória de curto-prazo, 19 foram um marco influente no estudo dos processos e representações mentais (Thagard, 1998). Além disso, sua associação com Jerome Bruner, na fundação do Centro de Estudos Cognitivos em Harvard, em 1960, ajudou a delinear os contornos da nova abordagem (Schultz & Schultz, 1998). Já em Massachusetts, no MIT, John McCarthy e Marvin Minsky fundaram, em associação, o primeiro laboratório de pesquisas em inteligência artificial (Teixeira, 1998). O batismo do campo e a difusão da teoria nos meios acadêmicos vieram com o livro Psicologia Cognitiva publicado por Ulric Neisser, em 1967 (Sternberg, 2000). Na mesma década de 1960, Karl H. Pribram (n. 1919) um médico neurologista que trabalhou com Lashley no laboratório de Robert M. Yerkes (1876-1956), entre os anos de 1946-48, alcança proeminência no campo da psicologia fisiológica. Sua principal contribuição (Hilgard, 1987) foi integrar uma enorme quantidade de dados dispersos sobre o funcionamento dos centros superiores do cérebro. Os trabalhos de Pribram e de seus colaboradores tornaram-se conhecido através do livro Planos e Estrutura do Comportamento (Miller, Galanter, & Pribram, 1960). As posições de Pribram, baseadas em dados empíricos, alteraram o conceito de um organismo humano passivo e dependente da estimulação ambiental, defendido pelos behavioristas. Ele recolocou neste organismo o lugar da iniciativa, das expectativas e da intenção. Os processos cerebrais e os processos psicológicos não foram descritos nem como idênticos e nem como paralelos. Esses processos são integrados não por áreas de associações, como se acreditava, mas por padrões de sistemas intrínsecos divisíveis em áreas sensoriais específicas. Ademais, ele acrescentou que as representações espaciais no cérebro podem ser estudadas através de modelos holográficos (ver Pribram, 1997; Pribram & Carlton, 1986). Holograma é um método utilizado para obtenção de imagens tridimensionais através de raios laser. Esses estudos permitiram que Pribram reafirmasse o conceito de isomorfismo da Gestalt, mostrando que realmente ocorre uma identidade entre a geometria cerebral e a geometria da mente. Pribram (1992) resumiu a questão do seguinte modo: “É o corpo e suas funções sensitivas receptoras, suas glândulas, e seus músculos que causam movimentos que são ontologicamente 20 responsáveis pelo isomorfismo percepção-cérebro. Na extensão que estas funções corporais tornam-se representadas no cérebro, para essa extensão ocorre o isomorfismo. Mas o cérebro tem outras alternativas de sistemas de processamento os quais são anisomórficos com experiência, embora eles possam corresponder a aspectos não sensoriais da realidade física. ” São essas alternativas que providenciam a atual fronteira para exploração, tanto na física quanto na psicobiologia. O encontro da neuropsicologia com a psicologia cognitiva, entretanto, estava reservado à Inglaterra, a partir das publicações de Marshall e Newcombe (1973) sobre os distúrbios de escrita provocados por lesão cerebral. Logo após, outras funções cognitivas foram estudadas através do paradigma do processamento da informação. Por exemplo, Warrington e Taylor (1978), Warrington e James (1986) e Parente e Tiedemann (1990) observaram que o processamento de uma imagem envolveria a participação do hemisfério direito na categorização perceptual (diferentes posições, por exemplo, uma cadeira de lado), enquanto que a participação do esquerdo seria na categorização semântica (determinado tipo de imagem, por exemplo, uma cadeira de praia). Segundo Eysenck e Keane, parece razoável supor que a neuropsicologia cognitiva, especialmente em relação à ênfase no desempenho de pacientes com lesão cerebral, tornou-se uma disciplina mais relevante após os psicólogos cognitivos terem desenvolvido um conjunto de explicações coerentes sobre a cognição humana normal (Eysenck & Keane, 1994). As relações entre as duas disciplinas são de ordem bidirecional. Se a psicologia cognitiva é capaz de prover modelos sobre o funcionamento mental, então a neuropsicologia cognitiva possui a capacidade de testar a aplicabilidade desses modelos (Hécaen & Albert, 1978). Historicamente, essa verificação ocorreu primariamente em pacientes com lesões cerebrais. Por outro lado, as informações obtidas através do estudo depacientes (ou grupos de pacientes) oferecem a oportunidade para que novos modelos teóricos sobre a cognição possam ser esboçados (Eysenck & Keane, 1994). Também é possível afirmar que as técnicas e os modelos neuropsicológicos humanos tornaram-se progressivamente sofisticados com o surgimento da neuropsicologia cognitiva como uma disciplina científica (Rao, 1996). 21 Conceitualmente, a neuropsicologia cognitiva atual pode ser considerada como uma das disciplinas que compõe a tentativa de síntese representada pela neurociência cognitiva como uma possibilidade de uma moderna ciência da mente (Kandel & Kupfermann, 1997). A neuropsicologia refere-se, então, ao estudo das relações entre cognição e comportamento humano e as funções cerebrais preservadas ou alteradas. Embora possa existir um certo consenso quanto a uma definição geral do campo, não é possível identificar uma abordagem metodológica hegemônica. Embora a linguagem tenha sido a área mais amplamente estudada em neuropsicologia, diversos outros tópicos veem sendo enfatizados nesses últimos trinta anos, tais como: Atenção, percepção visual e auditiva e memória. Influenciada pelos avanços da bioquímica, a neuropsicologia interessa-se pelos substratos orgânicos das emoções, reconsiderando funções de áreas sub-corticais e corticais e reanalisando as consequências de lesões pré-frontais (Damásio, 1996, Fuster, 1997). 3 PSICOLOGIA COGNITIVA Os construtos responsáveis pela fundamentação teórica da neuropsicologia foram em grande parte constituídos a partir da convergência de algumas ciências: medicina (neurologia e neuroanatomia), fisiologia e neuroquímica – disciplinas estas frequentemente citadas em parágrafos introdutórios acerca dos primórdios da neuropsicologia. Contudo, outra disciplina viria juntar-se a estas, a psicologia. Após ter transcendido às suas origens filosóficas, a psicologia, então puramente comportamental, foi reconhecida como ciência, e aos poucos, estabeleceu novos ramos de estudo. Em meados do século XX, as pesquisas em psicologia solidificavam-se na área da percepção, fisiologia e cognição, sem, contudo, deixar de sofrer certa influência das antigas raízes filosóficas. O funcionalismo, por exemplo, havia colocado os processos de pensamento em foco, enquanto o pragmatismo de William James, a aprendizagem e a memória; e os princípios associacionistas de Hermann Ebbinghaus, tinham sido essenciais para consolidar a sistematização experimental. 22 Skinner, um dos mais famosos psicólogos comportamentais, não havia inserido estruturas ou processos internos para explicar o comportamento. Pelo contrário, enfatizava as relações estabelecidas com o meio ambiente e a utilização do paradigma “estímulo resposta” (importante para a explanação de uma série de processos psicológicos). As lacunas deixadas provocavam insatisfação, mas também o espaço para novas ideias. Novas teorias passaram a levar em conta a possível mediação cerebral para o comportamento, bem como a existência de células e fibras nervosas interagindo entre si e formando redes complexas. Embora nesta época a compreensão destes fenômenos fosse difícil e limitada, estes grupos mostravam-se cada vez mais engajados na busca de respostas. Parte dos psicólogos encaminharam suas pesquisas para a psicologia da forma, Gestalt salientando a percepção; parte incrementaram a psicologia fisiológica; outros passaram a utilizar metáforas e modelos de caixas “boxologia” para explicar o funcionamento cognitivo, solidificando, mais tarde, a chamada psicologia cognitiva. O funcionamento do computador e o uso de terminologia relacionada à informática (processamento de informação, codificação, decodificação, entre outros) levaram ao uso de analogias para a compreensão do cérebro. Modelos de atenção e de memória de curto prazo, respectivamente apresentados por Broadbent (1958) e Atkinson & Shiffrin (1968), exemplificam as tendências mencionadas. A psicologia cognitiva passou a ser definida como um ramo da psicologia que busca explicar cientificamente o processamento da atenção, a aprendizagem, a memória, a visão, a linguagem, o pensamento, entre outras funções complexas. Enquanto a neuropsicologia, a princípio, se ocupava da localização do substrato anatômico destas funções cognitivas, a partir do desempenho observado em indivíduos acometidos por danos cerebrais. 3.1 Pesquisas em neuropsicologia cognitiva Como os neuropsicólogos cognitivos entendem o sistema cognitivo? De maior importância é a descoberta de dissociações, que ocorrem quando um paciente desempenha uma tarefa de modo normal (tarefa X), mas é deficiente em uma 23 segunda tarefa (tarefa Y). Por exemplo, pacientes amnésicos têm desempenho quase normal em tarefas de memória de curto prazo, mas são deficientes em muitas tarefas de memória de longo prazo. É tentador (mas perigoso) usar tais achados para argumentar que duas tarefas envolvem módulos de processamento diferentes e que o módulo ou os módulos necessários para realizar tarefas de memória de longo prazo foram danificados pela lesão cerebral. Por que precisamos evitar extrair conclusões amplas das dissociações? Um paciente pode ter bom desempenho em uma tarefa, mas mau desempenho em uma segunda tarefa pelo simples fato de esta ser mais complexa. Assim, as dissociações podem refletir diferenças na tarefa em complexidade, em vez do uso de módulos diferentes. Os neuropsicólogos cognitivos defendem que a solução para os problemas mencionados está em encontrar dissociações duplas. Uma dissociação dupla entre duas tarefas (X e Y) é exibida quando um paciente tem um desempenho normal na tarefa X e um nível deficiente na tarefa Y, enquanto outro paciente exibe o padrão oposto. Se é encontrada uma dissociação dupla, não podemos concluir que os achados ocorreram porque uma tarefa é mais difícil que outra. Por exemplo, vimos que pacientes com amnésia apresentam memória de longo prazo prejudicada e memória de curto prazo intacta. A dissociação dupla aqui envolvida sugere fortemente que existe uma distinção relevante entre memória de curto prazo e de longo prazo e que elas envolvem diferentes regiões no cérebro. A abordagem baseada nas dissociações duplas tem suas limitações. Em primeiro lugar, ela está baseada na suposição (que pode estar incorreta) de que existem módulos separados. Em segundo, as dissociações duplas podem geralmente ser explicadas de várias maneiras e, assim, fornecem evidências indiretas de módulos separados subjacentes a cada tarefa (Davies, 2010). Em terceiro lugar, é difícil decidir quais das inúmeras dissociações duplas na literatura são teoricamente importantes. Finalmente, consideremos as associações. Uma associação ocorre quando um paciente é deficiente na tarefa X e também na Y. As associações são muitas vezes tomadas como evidência de uma síndrome (conjuntos de sintomas ou deficiências em geral encontradas juntas). 24 Entretanto, há uma falha decisiva na abordagem baseada na síndrome. Pode ser encontrada uma associação entre as tarefas X e Y porque os mecanismos dos quais elas dependem são adjacentes no cérebro em vez de depender do mesmo mecanismo subjacente. A síndrome de Gerstmann é um exemplo disso. Essa síndrome é definida por quatro sintomas muito diferentes: problemas na identificação dos dedos; dificuldades na realização de cálculos; escrita deficiente; e desorientação esquerda-direita. É improvável que os mesmos mecanismos ou módulos estejam envolvidos em todas as quatro tarefas. O que é muito mais provável é que esses quatro sintomas dependam de mecanismos diferentes que são anatomicamente adjacentes no cérebro. 3.2 Síndrome de gerstmann É um distúrbio neurológico raro caracterizado por lesões no giro angular do hemisfério cerebral dominante (geralmente o hemisfério esquerdo). O giro angularsitua-se no lobo parietal, próximo ao lobo temporal. Nomeado em homenagem a Josef Gerstmann, pode eventualmente mudar de nome para Síndrome angular por recomendação da comunidade científica. Fonte: auladeanatomia.com Fonte: blogspot.com 25 Causa: A lesão geralmente é causada por isquemia cerebral, traumatismo ou AVC no local. Os prejuízos na capacidade de leitura e reconhecimento costumam ser bastante incapacitantes, principalmente nas áreas educacionais e profissionais. Sinais e sintomas: Essa síndrome é caracterizada por quatro sintomas principais Disgrafia/agrafia: dificuldades/incapacidade de se expressar pela escrita Discalculia/acalculia: dificuldade/incapacidade de compreender matemática Agnosia digital: a incapacidade de distinguir os dedos na mão Desorientação em relação à esquerda e direita Não há cura para a síndrome de Gerstmann, o tratamento é apenas sintomático e psicoeducativo. Terapia ocupacional e psicológica pode ajudar a diminuir a dificuldade em ler, escrever e calcular. Calculadoras e processadores de texto podem ajudar a contornar esses problemas. Os neurologistas e neuropsicologo são os profissionais capacitados para reabilitação. 3.3 Limitações Quais são as limitações da abordagem da neuropsicologia cognitiva? Em primeiro lugar, a suposição central de que o sistema cognitivo é fundamentalmente modular é razoável, mas parece muito forte. Os sistemas modulares tendem a ser relativamente inflexíveis e fundamentados no processamento serial. Todavia, o processamento cognitivo humano é conhecido por sua flexibilidade e suas amplas interações por todo o cérebro. Segundo Patteson e Plaut, se a suposição da modularidade é equivocada, isso tem implicações para toda a empreitada da neuropsicologia cognitiva (Patterson & Plaut, 2009). Em segundo lugar, outras suposições teóricas importantes também parecem muito extremas. Por exemplo, pesquisas com neuroimagem fornecem apenas apoio modesto à suposição de modularidade anatômica. 26 Além disso, há poucas (ou nenhuma) evidências que apoiem a suposição de uniformidade da arquitetura funcional. Em terceiro lugar, presume-se que o desempenho cognitivo dos pacientes proporciona evidências diretas referentes ao impacto da lesão cerebral em sistemas cognitivos previamente intactos. No entanto, parte do impacto da lesão cerebral pode ser camuflada porque os pacientes desenvolvem estratégias compensatórias enquanto se recuperam. Por exemplo, pacientes com alexia pura (condição que envolve problemas graves de leitura) leem palavras por meio da estratégia compensatória de identificação de cada letra separadamente. Também existem complicações resultantes de alterações no funcionamento cerebral durante o processo de recuperação (Cus et al., 2011). Em outras palavras, muitos pacientes exibem considerável plasticidade neural após uma lesão cerebral (Overgaard & Mogensen, 2011). Em quarto lugar, historicamente, os neuropsicólogos cognitivos demonstraram pouco interesse em termos relativos nos detalhes do funcionamento cerebral e na neurociência cognitiva. Isso parece paradoxal, uma vez que eles focam pacientes com lesão cerebral. Entretanto, achados da neurociência cognitiva estão cada vez mais sendo combinados proveitosamente com os da neuropsicologia cognitiva. Por exemplo, isso foi feito com respeito à memória de reconhecimento. Em quinto lugar, tem havido muita ênfase em estudos de caso isolado. Alguns (p. ex., o famoso paciente amnésico HM) tiveram merecidamente um impacto enorme. No entanto, existem limitações reais com estudos desse tipo, e a abordagem do estudo de caso que fornece uma fonte mais rica de dados. 3.4 Complexidade das funções cognitivas É de particular interesse da neuropsicologia o estudo das funções cognitivas (Dalgalarrondo, 2008), porém, ao abordar sua complexidade, torna-se necessário compreender, em primeiro lugar, o que é função. Os estudos pioneiros de Luria (1981) sobre os fundamentos da neuropsicologia como ciência fazem referência ao conceito de função, situando o termo no campo sistêmico, tendo em vista que função, quando se trata da análise do comportamento 27 humano, não diz respeito exclusivamente à “função de um tecido” em particular, como afirmaram os primeiros estudos de localização das zonas corticais. Na verdade, quando se aborda o termo “função” na neuropsicologia, a referência está direcionada para um conjunto de movimentos que envolve as ações dos indivíduos, ou seja, seu comportamento como todo. Nesse sentido, as abordagens que envolvem as atividades mentais/cognitivas, como formas conscientes de representação, são resultantes de um conjunto de funções, que, por sua vez, englobam outras tantas funções menores, específicas, que na totalidade de suas interações levam o indivíduo a pensar, agir e inserir-se no mundo social. Ao acreditar que o homem, em sua percepção e ação, sua memória, fala e pensamento, faz uso de um sistema altamente complexo de zonas do córtex cerebral que funcionam em concerto, Luria (1981) postula um novo conceito de função, exercida por sistemas funcionais que visam à execução de uma determinada tarefa (Cosenza, Fuentes e Mally-Diniz, 2008). De acordo com sua teoria, as funções mais elementares podem ser localizadas, mas os processos mentais geralmente envolvem zonas ou sistemas que atuam em conjunto, embora se situem, frequentemente, em áreas distintas e distantes do cérebro (Cosenza, Fuentes e Mally-Diniz, 2008). Segundo Luria (1981), o sistema funcional complexo estaria organizado de acordo com as seguintes premissas: Os processos mentais complexos, como a linguagem, pensamento, memória, abstração, praxias, gnosias, etc., não estão “prontos” no adulto, não são fenômenos fixos, derivados mecânicos de uma área cerebral que entra em ação, independentes do desenvolvimento do indivíduo. Eles são, de fato, construídos durante a ontogênese, por meio da experiência social, ou seja, pela interação intensa e contínua da criança com seus pais e seu meio social. Essa interação é que permite ao indivíduo adquirir todas as suas funções cognitivas, como memória, linguagem, pensamento, reconhecimento, etc. Do ponto de vista cerebral, as funções e os processos mentais complexos são organizados em sistemas que envolvem zonas cerebrais distintas, cada uma delas desempenhando um papel específico no 28 sistema funcional, agindo e interagindo em concerto. Tais zonas, na maior parte das vezes, estão em áreas diferentes e, em geral, distantes uma das outras no cérebro. Embora distantes, agem de forma coordenada para produzir uma função mental complexa. A lesão de uma das áreas cerebrais implicada em determinada função mental superior pode acarretar a desintegração de todo o sistema funcional. Portanto, a perda de uma função particular pode informar pouco sobre a sua localização. Muito mais relevante que uma área cerebral circunscrita são os sistemas funcionais complexos, constituídos por redes neuronais amplas e dinâmicas. Dessa forma, a teoria dos sistemas funcionais, elaborada por Luria (1981), é composta por três unidades: a unidade de atenção, que corresponde ao sistema reticular; a unidade sensorial e a unidade de planejamento, ambas englobando as áreas primárias, secundárias e terciárias do córtex cerebral. As áreas primárias (de projeção) são aquelas que recebem impulsos da periferia ou os enviam; as secundárias são as áreas de associação, onde as informações são processadas ou programadas; e as terciárias são zonas de superposição, que dão origem aos processos mentais mais complexos, tais como planejar ou monitorar o comportamento. Assim, o processo de codificação ou recepção das informações que chegam ao nosso cérebro exige a completa integridade das zonas corticais dos analisadores correspondentes,que deverão ser capazes de dividir as informações em pistas elementares, modalmente específicas (visuais, auditivas ou táteis), selecionar as pistas relevantes, e, por fim, reuni-las sem empecilhos em estruturas integrais dinâmicas. Segundo Luria (1981) foi enfático ao afirmar que as ações voluntárias, ou seja, os comportamentos humanos, são sistemas funcionais constituídos por uma complexa “constelação dinâmica” de zonas cerebrais, que trabalham de forma coordenada, cada uma dando sua contribuição para o todo, (Luria, 1981). A partir do momento em que os processos mentais humanos passaram a ser compreendidos como sistemas funcionais de alta complexidade, e não como localizados em estreitas e circunscritas áreas do cérebro, houve um avanço na neuropsicologia, já que apontou para questões até então ignoradas. 29 Ou seja, como o cérebro é capaz de se organizar em unidades, que desempenham processos como “obter”, “processar”, “armazenar” as informações, e programar, verificar e regular as atividades mentais. Além de Luria, Vygotsky (1987) também se dedicou ao estudo das funções psicológicas superiores tipicamente humanas e ambos revelaram a existência de múltiplos conceitos entrelaçados, implícitos no desenvolvimento e na aprendizagem humana. Enquanto Luria (1981) propôs a teoria dos sistemas funcionais, Vygotsky (1960) denominou a construção de sistemas funcionais complexos humanos de princípio da organização extra cortical das funções mentais complexas. Esse termo sugere que todos os tipos de atividade humana consciente são sempre formados com o apoio de ajudas ou instrumentos auxiliares externos (Luria, 1981), ou seja, com a ajuda do ambiente. Segundo Vygotsky, para eles, o processo de construção do conhecimento supõe a integração das sensações, percepções e representações mentais. Sendo assim, o cérebro pode ser visto como um sistema aberto, que está em interação constante com o meio, e que transforma suas estruturas e mecanismos de funcionamento ao longo desse processo de interação (Vygotsky, 1987). Nessa perspectiva, é impossível pensar no cérebro como um sistema fechado, com funções pré-definidas, que não se alteram no processo de relação do homem com o mundo: “Desde o princípio, compartilhávamos a opinião de que nem a psicologia subjetiva nem as tentativas de reduzir a atividade consciente como um todo a esquemas simplistas baseados nos reflexos que representam um modelo satisfatório da psicologia humana. Era necessária uma nova síntese das vertentes parciais existentes até então. ” (Luria, 1992). Ainda que seja complexa a compreensão do que é uma função, a neuropsicologia cognitiva parte de um pressuposto chamado modularidade (Capovilla, 2007). Esta se refere à independência funcional entre diferentes processamentos, ou seja, o desenvolvimento ou o prejuízo de determinados componentes cognitivos não afeta a totalidade do sistema cognitivo (Fernandes, 2003). Assim sendo, os diferentes módulos cognitivos apresentam especificidade de domínio, isto é, processam informações específicas. 30 Nesse sentido, uma lesão ou disfunção cerebral determinada pode levar a uma alteração específica, e não genérica, do funcionamento cognitivo. A ideia de que o cérebro consiste em unidades funcionais individuais, chamadas módulos, implica que os processos mentais estão de alguma forma compartimentados e, por isso, operam de modo relativamente independente uns dos outros, processando somente um tipo específico de informação – corporal, visual, auditiva, linguística, etc. (Candioto, 2008). No entanto, sabe-se que (Nitrini, 2003): O comprometimento de uma função complexa (como a nomeação, por exemplo) por uma lesão focal não localiza a função na região afetada. Informa-nos apenas que essa região participa do sistema ou da rede de conexões relacionadas à função comprometida. Lesões focais em outras regiões que façam parte do sistema podem comprometer diferentes aspectos desta mesma função. A análise detalhada do distúrbio poderá fornecer informações sobre a contribuição específica de cada uma das regiões na organização da função, em condições normais. Lesão de uma única região pode afetar diversas funções. Outro pressuposto da neuropsicologia cognitiva além da modularidade é a dissociação. Através dela, podem-se verificar situações em que um indivíduo apresente desempenho alterado numa dada tarefa A, mas desempenho intacto numa tarefa B. Um exemplo clássico de dissociação é encontrado no paciente K.F. que, após uma lesão cerebral, apresentou desempenhos em memória de curto prazo seriamente alterados, enquanto que sua memória de longo prazo permaneceu intacta (Eysenck e Keane, 1994). De acordo com Capovilla, um problema das dissociações deriva da impossibilidade de determinar se as duas tarefas em que houve dissociação são fenômenos específicos, independentes, ou se simplesmente uma delas é mais difícil que a outra, Capovilla (2007). Já o isomorfismo, o terceiro pressuposto da neuropsicologia, refere-se ao pressuposto da universalidade do sistema cognitivo funcional (Fernandes, 2003), ou seja, de que os módulos cognitivos são universais a todos os indivíduos e correspondem, de forma aproximada, aos mesmos sistemas neurológicos. 31 Esse pressuposto possibilita a pesquisa neuropsicológica por meio do método de caso único (Capovilla, 2007). De fato, um grande número de pesquisas em neuropsicologia cognitiva tem sido conduzido com caso único, como, por exemplo, o caso de Leborgne, de Broca, que, levou à descoberta da área de Broca. Outro exemplo foi o caso H.M., de Scoville (Andrade e Santos, 2004), que foi um paciente de referência no estudo da memória. A principal crítica ao estudo de grupos baseia-se na impossibilidade de haver duas lesões exatamente iguais, em tamanho e em local (Capovilla, 2007). Está claro que, atualmente, a visão predominante (Nitrini, 2003) é a de que as funções superiores, tais como atenção, memória, linguagem, entre outras, organizam- se como sistemas funcionais complexos. Esse modelo propõe que uma função complexa não depende de um “centro”, mas da ação em concerto de diversas regiões conectadas entre si. Por ora, vimos, superficialmente, quão complexa é uma função mental. No entanto, para que seja possível compreender as funções cognitivas, resta ainda entender o conceito de cognição e sua problemática com relação à emoção. Muitas vezes, a cognição é definida como o ato de pensar (Gazzaniga e Healtherton, 2005). Nesse contexto, a psicologia tem privilegiado uma separação entre os domínios cognitivos e emotivo. De acordo com Rocha e Kastrup (2009), a emoção é vista, algumas vezes, como um sinal de descontrole, em que é ativada uma dimensão primitiva, instintiva e irracional. Esta dimensão instintiva pode inclusive levar o homem a cometer atos de violência. Tal modo de pensar teve efeitos sobre a psicologia, em seu entendimento da emoção como um impulso que deve ser controlado pela inteligência, e sobre sua indicação de que as pessoas devem aprender a gerenciar e disciplinar as emoções, bem como as situações que as ocasionam. Diante disso, Rocha e Kastrup (2009) afirma que a emoção passa a ser considerada como avaliação cognitiva de um fato social. A emoção torna-se cognição, no sentido em que consiste num julgamento que fazemos sobre o mundo. Implica uma avaliação pelo sujeito da significação do acontecimento vivido. 32 A emoção julga o mundo como agradável ou desagradável, como bom ou mau, segundo um sistema de valores. Nesse sentido, a emoção é considerada passiva, sujeita às ações dos estímulos do meio. E é este o ponto de crítica das autoras. Rocha e Kastrup (2009) afirmam que a emoção é o movimento que nos predispõe a agir, ou seja, ela não é pura passividade. Dessa forma, embora a emoção e a cognição possam ser apresentadasseparadamente, por questão de didática, elas são unidas e, portanto, a emoção não pode ser ignorada ou menosprezada pela neuropsicologia. Ao avaliar a cognição, ou melhor, as funções cognitivas do indivíduo, torna-se fundamental avaliar suas emoções. 4 DESENVOLVIMENTO HUMANO, ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL DO CÉREBRO E APRENDIZAGEM NO PENSAMENTO DE LURIA E DE VYGOTSKY Em uma minuciosa revisão das contribuições de Luria e Vygotsky sobre maturação, organização funcional do cérebro e desenvolvimento humano é possível assinalar para uma trama conceitual intricada e complexa que serve de referência para a compreensão da construção de repertórios de habilidades e de conhecimento, bem como do papel da aprendizagem nesse processo. Estes autores constituem – se em uma referência inicial sobre o tema, não esgotando o repertório contemporâneo e as eventuais redefinições que estão surgindo ao longo do amadurecimento do campo. Luria apresenta uma alternativa à questão das localizações cerebrais. Em primeiro lugar, distingue a função como funcionamento de um tecido particular e a função como sistema funcional complexo. Refere que os processos mentais, que incluem sensações, percepção, linguagem, pensamento, memória não podem ser considerados simples faculdades localizadas em áreas particulares e concretas do cérebro, mas como sistemas funcionais complexos (Luria, 1980). Evidentemente, estes sistemas funcionais complexos foram inicialmente movimentos manipulativos que, depois, se condensaram, adquirindo o caráter de ações mentais internas. 33 Então, além disso, baseados e mediatizados por ajudas externas encontram- se ligados a imagens do mundo exterior, sendo assim impossível pensar que possam ser localizados em áreas precisas e restritas do cérebro. Devem antes se organizar em sistemas de zonas que trabalham de modo combinado, em papéis diferentes, e até mesmo distanciados (Luria, 1973). Segundo Vygotsky, a expressão localização dinâmica é mais apropriada para estes processos mentais complexos do que a localização espacial restrita. Por isso, a tarefa implica não tanto em descobrir áreas precisas de localização cerebral para cada uma dessas atividades mentais, mas quais grupos de zonas de trabalho do cérebro são responsáveis pela sua execução (Vygotsky,1984). Importa destacar que não se trata de faculdades, mas de unidades ou sistemas funcionais complexos que, portanto, não estão localizados em áreas delimitadas do cérebro, mas que têm lugar através da participação de grupos de estruturas cerebrais que trabalham de modo integrado na organização desse sistema. Na percepção, por exemplo, pode- se constatar uma forma de ilustrar essa atividade integrada. A primeira unidade funcional proporciona o tom cortical necessário. A segunda realiza a análise e síntese da informação recebida. A terceira se ocupa dos movimentos da busca que dão à conduta perceptiva seu caráter ativo (Luria 1973). A dinâmica do comportamento humano compreende a interconexão de múltiplas redes de informação dispersas pelo corpo: (pele, músculo, articulações e vísceras) e centrais (mielencefálicas, metencefálicas, mesencefálicas, diencefálicas e telencefálicas), que retratam a existência de um sistema sensorial na base do desenvolvimento e da aprendizagem. As sensações como puras informações integradas devem estimular e ativar, em um todo funcional as células nervosas iniciando o processo neurológico, que culmina nas respostas macro, micro, oro e grafomotoras sendo as três últimas funções tipicamente humanas. O desenvolvimento evolutivo dos seres humanos exige a organização das sensações para fornecer ao cérebro as informações referentes ás condições do corpo como universo intra-somático e do envolvimento como universo extra- somático, com os quais produz uma motricidade adaptativa e flexível. Trata-se de uma complexa integração e associação intraneurossensorial, que reflete a tendência evolutiva do processo informativo (Luria, 1996). 34 Segundo Luria, filogeticamente, a integração sensorial está na base da evolução da motricidade e do cérebro dos vertebrados. A expansão das áreas sensoriais e associativas expressa a questão e, no ser humano, explica porque o mesmo é único na comunicação não-verbal e verbal, e único em seu índice de encefalização (Luria,1973). Ontogenicamente, a integração sensorial da espécie humana inicia – se no útero materno, como pré-requisito do desenvolvimento e da aprendizagem. Prolonga extra-uterinamente através das aquisições que transitam entre os gestos, a visão e as palavras (Luria,1996). Compete ao cérebro organizar um sistema de comunicação de milhares de dados, para que as respostas adaptativas integrem repertórios de conhecimento dos indivíduos. Assim, o sistema nervoso somático fornece o Input e o Output ao cérebro, e constitui na realidade, uma extensão passiva do sistema nervoso central, quer dizer, uma comunicação corpo-cérebro, cérebro – corpo, deixando a função de regulação para o sistema nervoso central (Luria,1973). O processo de construção do conhecimento evoca que as sensações devem integrar-se em esquemas de ação, o que requer a participação de percepção e a estruturação das representações mentais. Desse modo, o homem tem a capacidade de agir sobre o mundo, acomodar – se a ele, diferenciar – se qualitativamente, e não apenas captá-lo passivamente. As sensações encontram- se na base do processo de construção do conhecimento, e são conduzidas centrípetamente ao cérebro, e não mais a outros órgãos (Luria 1980). Desde os órgãos internos, chamados de interoceptores; dos órgãos motores, táteis, cinestèsicos e vestibulares, denominados de proprioceptores, até os órgãos captadores de informações, como a visão e a audição, tidos como telerreceptores, todas as informações devem ser organizadas em termos de tráfego de integração sistêmica no cérebro. Segundo Luria, a partir daí integram-se também sistemas funcionais intra e interneurossensoriais, que se encontram na base de aprendizagem e do desenvolvimento, tais como: o jogo, a imitação, a linguagem, o desenho, a leitura, a escrita, o cálculo, funções mentais humanas (Luria,1980). Pode – se compreender esse processo especificando aspectos da formação da linguagem. Para chegar à integração de fonemas, optemas e grafemas, produtos finais da integração sensorial subjacente a linguagem, o ser humano necessita integrar múltiplas informações táteis, cenestésicas, como tocar, manipular, levar à 35 boca, dentre outras. Integra também informações vestibulares, como a gravidade e a motricidade, além de informações proprioceptivas que compreendem os músculos e as articulações. Essas integrações encontram-se na gênese da construção de um modo próprio de comunicação não-verbal e verbal implícitos em todas as práticas relacionadas com segurança, conforto tônico e tátil como competências motoras (Vygotsky 1984). Existe uma relação intricada e permanente entre motricidade e linguagem, a gênese das competências motoras origina competências comunicativas. Ambas decorrem da coordenação binocular para explorar, identificar e manipular objetos. Segundo Vygotsky, o desenvolvimento direciona – se ao domínio da gravidade, inicialmente com a cabeça, depois com o tronco e, posteriormente com a postura bípede, revelando a filogênese do sistema nervoso vertebrado em sua ontogênese motora própria e pessoal, através da apropriação de uma segurança gravitacional, que direciona ao mundo simbólico. Entretanto, antes de apropriar dos símbolos cada indivíduo necessita conquistar o seu corpo como um instrumento de liberdade gravitacional, espacial e de comunicação emocional (Vygotsky,1987). Com base na integração sensorial e na mielinização, o ser humano conquista seu próprio corpo, fazendo dele o espaço de sua imaginação e o continente de sua ação, como uminstrumento vital para seu desenvolvimento cognitivo-emocional. A autoestima possui relação direta com esse processo. Dele emerge também a planificação motora encarregada de dar aos gestos e ás mímicas a atenção, a coordenação, o controle e a intencionalidade, que pré-figura, em termos não verbais, a emergência da linguagem propriamente dita. O processo de organização e de integração das sensações no sistema nervoso constitui o triunfo adaptativo, filogenético e ontogenético da espécie humana (Luria 1982). A atividade, a inatividade, o silêncio, os olhares acusam significações comunicativas importantes, uma vez que a comunicação pode ocorrer sem palavras, como na linguagem de sinais, empregada pelos deficientes auditivos. Em algumas situações, as mensagens não-verbais são mais significativas do que as palavras. Em outras, contradizem, e reiteram mensagens verbais (Vygotsky, 1984). No processo de comunicação, a motricidade está implícita na linguagem como se fosse sua sombra. Algumas partes do cérebro encarregam-se de controlar o corpo e sua motricidade. Outras se disponibilizam para as imagens, símbolos e conceitos. A encefalização na espécie humana emerge da riqueza de padrões de ação. 36 Estes, por sua vez resultam de uma maior sinergia dos receptores sensoriais, de onde emergiram sistemas de controle de organização neurológica (Luria, 1982). Os órgãos dos sentidos, que são a visão, o tato, o gosto, o olfato, a audição constitui sistemas sensoriais, canais de mensagens. Por ocasião do nascimento, cada ser humano possui capacidades inatas para enviar mensagens não-verbais que lhe são cruciais para satisfazer necessidades básicas e afetivas. Como os sistemas sensoriais encontram-se na base das organizações perceptivas e das atividades mentais, importa compreender esse papel no processo (Luria,1996). O tato constitui um meio extraordinário de comunicação, porque se encontra espalhado por toda a pele. Segundo Klaus e Kennel, temperatura, pressão, dor, posturas, movimentos, dentre outros são processados por sensores táteis e cinestesicos. A proprioceptividade promovida superiormente superou as áreas motoras corticalmente, fornecendo-lhes profundidade associativa, integrativa e, consequentemente, poder expressivo e intencional. Com o tato, o ser humano inicia a exploração do mundo interno e externo. A forma como a mãe acaricia, toca, explora, tem importância no despertar da vigilância e da reciprocidade do bebê para a comunicação e para a interação, assumindo um papel essencial na autoconfiança e auto segurança (Klaus e Kennel,1982). O sentido do olfato é um potente meio de comunicação, profundamente associado a situações de prazer, desprazer e sobrevivência. Efetivamente, o olfato está ligado ao mundo dos cheiros, potentes meios de orientação espacial a noite, ou quando a visão está afetada, como no paradigma dos deficientes visuais. Com ele, pode-se construir mapas territoriais e topográficos que permitem deambulações na escuridão e planificações mentais das ações. O olfato, ligado a audição desencadeia processos de atenção seletiva e comparativa. O odor entra diretamente no cérebro sem passar pelo tálamo, por isso, evoca recordações e associações fortes. Muitas mensagens são emitidas ou recebidas mais rapidamente pelo cheiro, do que por expressões vocais, gestuais ou verbais (Luria,1966). O gosto lida com substâncias químicas e os seres humanos evidenciam preferências por sabores de determinados alimentos sólidos ou líquidos, aos quais estão associadas situações positivas de interação e de satisfação. O gosto representa um canal de comunicação não-verbal de grande importância na comunicação, pois em torno da mesa a dinâmica interativa é de grande importância, pela dimensão afetiva e gregária que ela subentende (Luria, 1973). 37 A audição é o órgão especializado para receber vocalizações, filogeneticamente, a audição se caracteriza por ser um sentido pluridirecional. Ininterrupto e sequencial. Trata-se de um sistema sensorial de fundo, básico para a compreensão situacional, para a compreensão da linguagem falada (Luria, 1973). A visão assume um papel de vigilância, de alerta, de atenção e de prontidão para a comunicação, maior do que outro órgão dos sentidos pode desempenhar. Filogeneticamente, a visão é um telerreceptor unidirecional, descontínuo (Os olhos podem fechar) e simultâneo, um sentido de figura básico para lidar com ângulos, linhas distâncias, profundidades, diferentes intensidades luminosas, diferentes perspectivas, posições, orientações e projeções virtuais ímpar para analisar e simplificar, é o sentido do espaço. Segundo Vygotsky, com 125 milhões de células fotorreceptoras instaladas na retina, cones e bastonetes ligados ás células corticais específicas, permitindo uma análise e síntese verdadeiramente extraordinárias, a visão desempenha um papel primordial no desenvolvimento motor e linguístico ao longo da caminhada do homo sapiens (Vygotsky,1987). O sistema visual é o mais completo dos sentidos, o que já foi referido pelo artista plástico Leonardo da Vinci, resultante de uma hierarquia composta pelos seguintes subsistemas de aprendizagem: antigravídico (postura e vestibular), corporal (lateralização e direcionalidade), somatognósico (identificação) e, finalmente, linguístico (Vygotsky,1987). No contexto do desenvolvimento humano não são apenas as palavras que entram em jogo. As vocalizações, os gestos, as mímicas, as expressões faciais, os movimentos da cabeça, os olhares, as posturas, os odores, a motricidade, os desenhos ocorrem em combinações que enriquecem e modelam a comunicação humana, sendo essenciais na dinâmica existente entre desenvolvimento e aprendizagem, enriquecendo repertórios de domínios e de conhecimento. Os primórdios da linguagem, a proto e a pré- linguagem são compreensíveis à luz da integração das associações sensório-motoras precedentes, onde o gesto exprime emoções de modo singular (Luria, 1973). Em outra dimensão de caráter neuropsicológico, a linguagem verbal, que define a preferência funcional do hemisfério esquerdo é antecedida pela linguagem não- verbal, que pertence ao hemisfério cerebral direito. 38 Pessoas com lesões no hemisfério esquerdo podem exibir vestígios de gestualidade, que podem ser bem aproveitados em sua reabilitação, por evidenciarem integridade funcional no hemisfério direito (Luria, 1980). O hemisfério direito é eminentemente postural e gestual (não-simbólico), enquanto o hemisfério esquerdo é linguístico e simbólico, evocando que o controle postural e gestual deve se automatizar antes que as funções integrativas superiores, como a linguagem possam se desenvolver (Vygotsky, 1987). A especialização hemisférica requer que, evolutivamente, o hemisfério direito assuma a liderança das atividades não-verbais, como os gestos, a postura, as brincadeiras, as imitações, a integração motora. Gradativamente, ao longo do desenvolvimento humano, o hemisfério esquerdo transcende esta dimensão a fim de se projetar e disponibilizar para as atividades linguísticas verbais e cognitivas mais complexas (Luria,1980). O controle postural revela a integridade de importantes centros e circuitos neurológicos, sem os quais a aprendizagem não pode operar de modo eficaz. A evolução cultural e o desenvolvimento do cérebro como órgão de comunicação e de aprendizagem, como sistema aberto, traduz a complexidade do desenvolvimento humano. O desenvolvimento do cérebro decorre filogeneticamente da síntese integrada e sistemática das adaptações, em uma complexa organização evolutiva (Luria,1976). Luria (1980) e Vygotsky (1984,1987) dedicaram-se ao estudo das funções psicológicas superiores tipicamente humanas, com suporte biológico do funcionamento psicológico. Estas contribuições revelam a existência de múltiplos conceitos entrelaçados,implícitos no desenvolvimento e na aprendizagem humana. O processo de construção do conhecimento supõe a integração das sensações percepções e representações mentais. O cérebro é um sistema aberto, que está em interação constante com o meio, e que transforma suas estruturas e mecanismos de funcionamento ao longo desse processo de interação. Nessa perspectiva, é impossível pensar o cérebro como um sistema fechado, com funções pré-definidas, que não se alteram no processo de relação do homem com o mundo (Luria,1976 apud Vygotsky,1987). A transformação da natureza produzida pela motricidade construtiva única da espécie humana, mediatizada pelos instrumentos que ela própria imaginou e criou 39 está na origem da consciência, o verdadeiro mistério que explica os diferentes modos de comunicação (Popper,1977). Porque sai dos limites do subjetivo, a motricidade projeta formas objetivas de vida social. A consciência, ao pressupor uma evolução do cérebro como espaço interior dos seres humanos emerge das ações concebidas como intencionalidade para a resolução dos problemas (espaço exterior) na relação com os outros e com os objetos, relações essas geradoras, inicialmente, de uma dinâmica inter-psicológica e, posteriormente, de uma dinâmica intrapsicologica, com o que se tem de conceber também o aparecimento de novas formas de comunicação e de aprendizagem. A motricidade intencional desencadeadora de tais relações e interações se reflete e se duplica sobre os objetos sociais e, ao se interiorizar sobre as formas de sistemas funcionais de auto regulação, modifica a própria estrutura do cérebro. Gestos, mímicas, imitações como expressões não-verbais vão permitir ao cérebro, órgão da evolução, a multiplicidade de suas expressões verbais. Estas substantivam sua evolução biológica, que antecede e sustenta a evolução cultural e tecnológica, integrando desenvolvimento humano e aprendizagem na base do processo de construção do conhecimento (Luria,1980; Vygotsky,1987). Segundo Luria, os estudos de Vygotsky lançaram as bases para uma nova ciência: a neuropsicológia, que envolve disciplinas de neurologia, psiquiatria, psicologia, fonoaudiologia, linguística e outras correlatas, e que tem como objetivo estudar as inter-relações entre as funções humanas e sua base biológica (Luria,1980). Tratam – se de estudos importantes para profissionais e docentes de diferentes áreas do conhecimento, especialmente a educação e as artes, para uma compreensão mais ampla dos processos implícitos na aprendizagem humana. 5 LOCALIZACIONISMO Os neuropsicólogos, ou mesmo o casal Antônio e Hanna Damásio, não são os primeiros na história a buscar uma relação entre o corpo e as funções mentais. De fato, mesmo os povos antigos já notavam a influência do mundo físico no mundo imaterial de suas experiências subjetivas. Fosse através de lesões de guerra que traziam sequelas comportamentais, através de estudos com trepanação (método rudimentar de neurocirurgia) em sujeitos vivos, ou ainda analisando cadáveres de 40 pessoas ou animais, era evidente a ingerência do corpo sobre a mente, se não em todos os aspectos, pelo menos em alguns. Segundo Cosenza, Fuentes, & Malloy-Diniz, o Grego Aristóteles (século IV a.C.), por exemplo, postulava que a mente se encontrava no coração, restando ao cérebro a tarefa de resfriar o sangue (Cosenza, Fuentes, & Malloy-Diniz, 2008). Para seu conterrâneo Hipócrates (século V a.C.) e demais seguidores da teoria dos humores, no entanto, o fígado era o órgão central para a experiência emocional humana; não é à toa que até hoje utilizamos expressões como cólera (do grego kholé, “bile”) e melancolia (do grego melás, “negro”, associado com kholé). Já Galeno (séculos I e II a.C.), médico e fisiologista romano, foi um dos primeiros estudiosos a defender que o cérebro era responsável pela imaginação, memória e inteligência (Castro & Landeira-Fernandez, 2012). Para ele, era também o cérebro que controlava os movimentos do corpo, através de um sistema periférico de nervos. Entretanto, influenciado pela teoria humoral, Galeno acreditava que os humores (como a própria melancolia) misturavam- se à força vital presente no sangue, e que era tarefa do cérebro separá-los, de forma a agir racionalmente e distribuir a força vital por todo o corpo. Em outra tentativa de explicação, Descartes (séculos XVI e XVII) formulou um modelo mecanicista do corpo humano, postulando a glândula pineal, cuja função era então um mistério, como sede da alma e local de convergência das naturezas materiais e imateriais do ser humano (Cosenza et al., 2008). Apesar dessa interpretação equivocada – provavelmente resultado das pressões religiosas e do medo da Inquisição – Descartes teve muitos méritos na elaboração de seu modelo de sistema nervoso, que contemplava o córtex cerebral como fundamental para as operações mentais. Sua visão dualista (ou seja, que define mente e corpo como sendo de naturezas diferentes) manteve grande influência no pensamento ocidental, apesar do pouco crédito dado à hipótese da glândula pineal. Depois de Descartes, as portas do cérebro foram abertas, e muitos médicos, filósofos e fisiologistas passaram a estudar e a desenvolver teorias sobre o cérebro e sua importância para o comportamento e a experiência humana. Uma dessas abordagens, embasada em escassos achados científicos, foi a frenologia. 41 A frenologia, fundada por Franz Gall no século XVIII, assentava-se em alguns princípios básicos (Castro & Landeira-Fernandez, 2012): todo comportamento teria origem no cérebro, o qual seria um órgão de regiões altamente especializadas e independentes, podendo até ser chamadas de órgãos diferentes. Além disso, esses órgãos estariam associados a funções específicas: a frenologia foi capaz de aventar 35 diferentes regiões no córtex, como o “órgão da religiosidade” ou o “órgão da morte”, que seria mais desenvolvido em assassinos. Entretanto, a premissa menos defensável da frenologia era de que as regiões do cérebro crescem na medida em que são utilizadas, dilatando a caixa craniana e tornando possível investigá-las através de uma meticulosa inspeção manual na cabeça do indivíduo. Ainda que tenha atraído grande interesse popular, a frenologia, graças à impossibilidade de demonstrar os fundamentos científicos de suas avaliações, caiu em desuso rapidamente. Segundo Pinheiro, além do descrédito científico com relação à frenologia, surgiam correntes de pensamento globalista, que encaravam o cérebro como um órgão completo e com funções gerais: entre os principais nomes dessa vertente estava o fisiologista Marie-Jean-Pierre Flourens (Pinheiro, 2005). Pode-se dizer que ele antecipou o que hoje se conhece como plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro de, após um dano, reorganizar-se e desempenhar as funções prejudicadas com auxílio das áreas cerebrais remanescentes. Karl Lashley também foi um expoente do globalismo, tendo postulado Que uma lesão se torna mais grave pelo volume de tecido atingido (princípio da ação de massa) e não pela localização do dano e Que outras áreas do cérebro assumiriam as funções das regiões lesionadas (princípio da equipotencialidade) (Cosenza et al., 2008). Apesar da forte oposição apresentada pelos defensores do globalismo, surgiam evidências a favor de algumas hipóteses localizacionistas: algumas das principais foram os relatos do médico anatomista Paul Broca, em 1861, a respeito de seus pacientes com problemas de fala. O caso mais clássico de Broca, o “Paciente Tan”, ficou famoso por sua característica mais marcante: o paciente só conseguia dizer a sílaba “tan” (Castro & Landeira-Fernandez, 2012). 42 Após a morte desse paciente, broca localizou em seu cérebro uma lesão significativa em um ponto no lobo frontal do hemisfério esquerdo – região hoje conhecida comoÁrea de Broca. Avaliando outros pacientes, broca constatou um padrão: lesões nessa região do cérebro não prejudicavam os movimentos, o pensamento ou a compreensão da linguagem, mas comprometiam severamente a produção da fala. Logo, conjecturou que aquela porção do cérebro era responsável pela palavra falada. Além da importância de seus achados para a compreensão dos processos linguísticos, broca colaborou também para a elaboração da lateralização das funções cerebrais, uma vez que lesões localizadas na mesma região embora no hemisfério direito não tivessem as mesmas repercussões (Sadeghi, Allard, Prince, & Labelle, 2000). O debate localizacionismo-globalismo perdurou muito tempo, mas perdeu força graças aos acertos por parte de cientistas dos dois lados da questão. A expressão de uma postura sintética que combinasse elementos localizacionistas e globalistas foi sendo desenvolvida, e pode ser atribuída a um cientista que soube aproveitar as oportunidades de uma época terrível para desenvolver a ciência do cérebro. 5.1 A questão da localização das funções cerebrais Apesar dos avanços propiciados pelos estudos anatômicos, o século XVIII ainda foi marcado pela visão do cérebro como um órgão homogêneo, cuja função era distribuir energia para todo o corpo, segundo a vontade do indivíduo. É também nesse século que as teorias localizacionistas começaram a ganhar força, merecendo destaque a de Albrecht von Haller (1707-1777). Segundo esse autor, a base da sensação e do movimento estaria na substância branca do cérebro e do cerebelo. Entretanto, em se tratando de teorias localizacionistas, Franz Gall (1757-1828) é, sem dúvida, aquele que melhor representa essa corrente de pensamento. No século XIX, quando as tentativas de se explicar o intelecto pela fisiologia dos sentidos eram a tônica, Gall lançou o que veio a ser denominado mais tarde de Frenologia. Segundo o autor, o cérebro seria constituído por 35 regiões, que conteriam as faculdades intelectuais e os comportamentos emocionais (tais como generosidade, coragem, instintos matrimoniais, amor sexual, etc). 43 O maior desenvolvimento de um (ou mais) desses comportamentos resultaria em proeminências no cérebro que, por sua vez, possibilitaria identificar as diferenças individuais (Figura). Mapa Frenológico de Gall Fonte: pepsic.bvsalud.org Em oposição à Frenologia de Gall, Marie-Jean-Pierre Flourens lançou na mesma época (1823) a teoria que veio a ser conhecida como teoria do Campo Agregado. Utilizando o método de ablação experimental em animais (pássaros principalmente), que consiste em destruir partes do sistema nervoso e testar os déficits sensoriais e motores causados pela destruição, ele comprovou o papel do cerebelo nos movimentos motores, comprovando a hipótese levantada por Bell e Magendie. Concluiu o autor que não existiam regiões cerebrais únicas para comportamentos específicos. Ao contrário, sugeriu que todas as regiões do cérebro participariam de cada função mental, em especial as regiões cerebrais do telencéfalo Essas duas correntes de pensamento ganharam adeptos de várias áreas de atuação que, por sua vez, levaram a cabo a discussão da localização ou não das funções mentais complexas até mais ou menos a metade do século XX. Na linha localizacionista, destacam-se os trabalhos desenvolvidos pelo médico cirurgião Paul Broca e pelo neurologista e psicólogo Karl Wernicke. Broca, em 1861, descreveu o caso de um paciente que tinha lesão na região da parede posterior do lobo frontal (Figura). 44 Embora esse paciente não apresentasse qualquer problema motor em sua língua, boca ou cordas vocais, ele era incapaz de falar gramaticalmente em frases completas, ou de expressar seu pensamento por escrito (afasia motora). Tais achados levaram broca a concluir que a função da linguagem estaria localizada nesta região específica. A importância desse trabalho é tanta que, atualmente, ele é considerado o marco inicial da neuropsicologia. Lesão produzida no lobo frontal que resultou em afasia motora (modificando de Bear et. Al.2002) Fonte: pepsic.bvsalud.org Wernicke, por outro lado, descreveu, em 1876, casos de lesões da parte posterior do lobo temporal. Contrariamente ao paciente de Broca, os pacientes de Wernicke tinham capacidade de falar, porém eram incapazes de compreender o que falavam (afasia sensorial). Concluiu, então, que o programa motor, responsável pela execução da fala, estaria na área apontada por Broca, enquanto o programa sensorial estaria na área por ele descrita. Esse pesquisador sugeriu, ainda, o seguinte modelo de organização cerebral para a linguagem: a percepção inicial da fala seria decodificada em áreas sensoriais (visuais ou auditivas), em seguida, a informação seria processada no giro angular; posteriormente, iria para a região posterior do lobo temporal, onde a linguagem seria 45 associada a um significado e, por fim, iria para a região posterior do lobo frontal, que se encarregaria de transformar a sensação sensorial em representação motora. Mais recentemente, o chamado modelo Wernicke-Geschwind procura explicar como se dá o processamento da palavra falada e da palavra escrita nas diversas áreas cerebrais relacionadas à linguagem. Retornando à questão da localização, outras pesquisas desenvolvidas à época do debate também relatavam a localização de outras funções em áreas específicas do cérebro, tais como a do neurologista Panizza, que descreveu, em 1855, casos de indivíduos com cegueira permanente após lesão na região occipital, e de John M Harlow (1848-1949), que descreveu o conhecido caso de Phineas Gage, paciente que passou a apresentar alterações comportamentais após sofrer lesão na região frontal. Paralelamente a essas questões, as investigações histológicas davam um salto de qualidade com as descobertas do médico italiano Camilo Golgi e do histologista Santiago Ramon y Cajal. O primeiro desenvolveu o método de coloração por prata, que possibilitou a identificação ao microscópio de toda estrutura do neurônio (corpo celular, dendritos e axônios). Ramon y Cajal, por outro lado, utilizou o método desenvolvido por Golgi e demonstrou que o tecido neural era uma rede de células, e não uma massa contínua, como se acreditava até então. As investigações farmacológicas também davam a sua contribuição ao demonstrar a natureza química da comunicação entre as células neurais, merecendo destaque os trabalhos desenvolvidos por Claude Bernard (França), Paul Ehrlich (Alemanha) e John Langley (Inglaterra). Ainda na linha localizacionista, Korbinian Broadman, anatomista alemão, reforçou essa teoria quando se inspirou nos trabalhos de Wer-nicke e Broca e diferenciou, no início do século XX, 52 áreas funcionalmente distintas (Figura) no córtex cerebral. Esquema cerebral onde se visualiza as áreas citoarquitetônicas de Broadman http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862010000100012#f7 46 Fonte: pepsic.bvsalud.org Entretanto, apesar das evidências apresentadas, os adeptos da linha do campo agregado continuavam a questionar a validade do princípio da localização nas atividades mentais complexas. Karl Spencer Lashley (1890-1958), por exemplo, estudou a aprendizagem de animais em situações experimentais e, do mesmo modo que Flourens, concluiu que quando uma parte do cérebro animal era lesada, outra parte compensava a perda da função destruída e essa compensação estava relacionada com o tamanho da lesão, e não com a localização da mesma. Pelo que se depreende da literatura, parece ser consenso que a resposta a esse conflito (localização ou não das funções mentais) só começou a tomar novo rumo com as investigações de Alexander Ramanovich Luria (1902-1977) em pacientes com lesão do sistema nervoso central. Em seu trabalho, Luria demonstrou que as funçõessuperiores organizam-se em sistemas funcionais complexos, ou seja, não há participação de apenas uma área específica do cérebro, mas sim da ação de várias áreas. Além disso, preconizou Luria que cérebro está organizado em três unidades funcionais principais, cuja atuação "em concerto" possibilita qualquer tipo de atividade mental (Figura). 47 Unidades funcionais segundo Luria Fonte: pepsic.bvsalud.org 5.2 Unidades funcionais de luria Primeira unidade funcional: Como se sabe, toda e qualquer atividade é desencadeada por algum tipo de estímulo físico. Esse estímulo, por sua vez, desencadeia um fluxo de corrente elétrica que trafega através de conexões neuronais, até atingir o córtex cerebral. É esse órgão extremamente complexo que se encarrega de processar a informação e enviar a resposta através das vias eferentes. Entretanto, no caso de funções mentais complexas, a primeira condição para o processamento adequado da informação no cérebro é a necessidade de o sujeito estar em estado de vigília. É a primeira unidade funcional que se encarrega de regular o tono, a vigília e os estados mentais do indivíduo. Dissertando sobre essa primeira unidade funcional, Luria atribuiu a Pavlov o mérito de não só ter inferido que a atividade organizada no homem dirigida a metas requer a existência de um nível ótimo de tono cortical, como também de ter estabelecido três leis neurodinâmicas que caracterizam esse tono. A primeira estabelece que a intensidade da resposta depende da intensidade do estímulo. A segunda refere que a resposta a um estímulo que requer que haja concentração dos processos nervosos e equilíbrio entre a excitação e inibição e, a terceira está relacionada com a mobilidade dos processos nervosos, característica que possibilita ao indivíduo mudar facilmente de uma atividade para outra. 48 Todos esses atributos (intensidade, concentração e mobilidade dos processos nervosos) são inibidos durante o sono, ou no estado que o precede. Interessante destacar que o tono cortical diminuído perturba a relação entre excitação e inibição, levando à perda da mobilidade e, consequentemente, prejudicando o processamento da informação. Posteriormente às inferências de Pavlov, descobriu-se que no cérebro há uma estrutura cerebral específica denominada de formação reticular, que é responsável pela manutenção do estado ótimo do tono cortical. Essa estrutura, constituída por uma rede nervosa de neurônios interconectados, situa-se no subcórtex e no tronco cerebral e tem como característica a geração de sinais gradativos (e não do tipo tudo-ou-nada) que modulam o sistema nervoso. As fibras da formação reticular formam dois sistemas: o sistema reticular ascendente e o sistema reticular descendente. O primeiro (sistema reticular ascendente) faz conexões com o tálamo, o núcleo caudado, o arquicórtex e com o córtex (Figura) e tem como função a ativação do córtex e a regulação do estado de sua atividade. Já o segundo (sistema reticular descendente) tem fibras que correm no sentido oposto, ou seja, partem do neocórtex e seguem para o arquicórtex, o núcleo caudado, os núcleos talâmicos, as estruturas mais baixas no mesencéfalo, no hipotálamo e no tronco cerebral. Assim, ao mesmo tempo que os sistemas da primeira unidade mantêm o tono cortical, eles próprios são influenciados pelo córtex. Esquema cerebral demonstrando a atuação da formação reticular Fonte: pepsic.bvsalud.org 49 Segundo Luria, diversos experimentos em animais e em humanos demonstraram que lesões e/ou estimulação na formação reticular levam a um ou mais destes estados: diminuição pronunciada do tono cortical, estado de sono pronunciado, estado de coma, mudanças sucessivas no estado de humor (depressão, indiferença, euforia), distúrbios de consciência, distúrbios de memória, etc. Podemos concluir que a primeira unidade funcional não tem qualquer relação direta com a recepção, com o processamento das informações externas, ou com a formação de intenções de comportamentos complexos (dirigidos a metas). Sua única atividade é regular o estado da atividade cortical e o nível de vigilância, essencial para toda e qualquer função cortical superior. Segunda unidade funcional Contrariamente à primeira unidade, a segunda unidade funcional é responsável pela recepção, análise e pelo armazenamento das informações. Do ponto de vista histológico, essa região é formada por neurônios isolados, que recebem impulsos individualizados e transmitem informações por meio de sinais do tipo tudo-ou-nada. Quanto à sua localização, situa-se nas regiões laterais do neocórtex, sobre a superfície convexa dos hemisférios, ocupando as regiões occipital (visual), temporal (auditiva) e parietal (sensorial geral). A característica principal dessa unidade é que a mesma possui grande especificidade modal, já que está adaptada para a recepção de informações visuais, auditivas, vestibulares ou sensoriais gerais. A organização da sua estrutura é hierárquica, formada pelas áreas primárias (ou de projeção), que recebem e analisam as informações vindas do exterior; pelas áreas secundárias (ou motoras de ordem superior), que codificam e convertem as informações, e pelas áreas terciárias (de associação), que coordenam o funcionamento dos vários grupos analisadores. Nas áreas primárias, formadas por neurônios aferentes da lâmina IV, há grande especificidade de funções. Os neurônios do sistema visual, por exemplo, respondem somente aos estímulos estritamente visuais, como gradação da cor, movimento e formas dos objetos. Nas áreas secundárias ocorrem a recepção, a análise e o armazenamento das informações que chegam do mundo externo. Entretanto, esta área age em conjunto 50 com as zonas terciárias (ou de superposição), que contribuem para a conversão da percepção concreta em pensamento abstrato, para a memorização da experiência e para o armazenamento da informação. Terceira unidade funcional A terceira unidade funcional, responsável pela programação, regulação e verificação da atividade consciente do homem, está localizada nas regiões anteriores dos hemisférios, anterior ao giro pré-central. Existem duas diferenças básicas entre a terceira unidade funcional, eferente, e a segunda unidade funcional, aferente. A primeira diferença diz respeito à organização hierárquica, ou seja, enquanto na segunda unidade os processos seguem uma via ascendente (da zona primária para as secundárias e terciárias), na terceira unidade, os processos seguem uma via descendente: começam nos níveis mais altos das zonas terciárias e secundárias, onde os programas motores são planejados, e vão para as estruturas pré-motoras e motoras primárias, que enviam os impulsos para a periferia. A segunda diferença é que na terceira unidade não existem zonas analisadoras modalmente específicas, como ocorre na segunda unidade funcional. As áreas pré-motoras são as áreas secundárias desta terceira unidade funcional. Embora exibam o mesmo tipo de organização morfológica, do tipo vertical estriado, elas apresentam mais camadas superiores de células piramidais pequenas. Assim, a estimulação de partes das áreas pré-motoras resultará em grupos de movimentos organizados (como o giro dos olhos, da cabeça, de todo o corpo, movimento de preensão das mãos, etc) e não em movimentos isolados, como ocorre na área motora primária. Porém, são nos lobos frontais, mais precisamente na região pré-frontal, que são executadas as tarefas mais importantes da terceira unidade, já que desempenham papel decisivo na formação de intenções e de programas de regulação e verificação das formas mais complexas do comportamento humano. A principal característica da região pré-frontal é que ela faz conexões com todas as demais áreas do córtex, assim como com os níveis mais inferiores do cérebro(núcleos mediais, ventrais, pulvinar do tálamo, etc). Devido à natureza bidirecional destas conexões, a região pré-frontal é capaz de não só receber e sintetizar as 51 informações recebidas, como também de organizar os impulsos eferentes, de modo que é capaz de regular toda a estrutura cerebral. Como complemento, vale apenas reforçar que o córtex pré-frontal exerce papel essencial na regulação do estado de atividade, o que o torna capaz de proceder a modificações, segundo as intenções e os planos formulados. Estudos em animais que tiveram o córtex pré-frontal lesado ou extirpado demonstraram que esta região é essencial para o comportamento planejado dirigido a metas, para a síntese dos movimentos dirigidos, para a emissão de respostas retardadas e para a regulação e verificação dos comportamentos. No homem, obviamente, experiências desse tipo são limitadas e normalmente os estudos que analisam as sequelas de pacientes lesionados comprovam que o córtex pré-frontal é a principal área da atividade consciente do homem. Entretanto, não é demais enfatizar que os processos mentais necessitam do funcionamento e da participação combinada de áreas individuais do cérebro. Em síntese, a teoria de Luria propõe que a primeira unidade funcional regula o tono, a vigília e os estados mentais; a segunda unidade obtém, processa e armazena as informações que chegam do mundo exterior e a terceira unidade se encarrega de programar, regular e verificar a atividade mental. Uma das características comuns das unidades funcionais é que elas possuem estrutura hierarquizada, contendo cada uma delas áreas primárias (motoras de projeção), áreas secundárias (motoras superiores) e terciárias (áreas de associação). Essas três unidades atuam em conjunto e possibilitam a realização de funções corticais complexas. 5.3 Neuropsicologia cognitiva e neurociências Até por volta de 1970 a psicologia cognitiva não tinha ainda um entrosamento com a neuropsicologia, continuava utilizando modelos computacionais para explicar o processamento de informações cognitivas (incluindo percepção e controle motor), embora com premente necessidade de ampliar sua metodologia em virtude do tempo cada vez maior para tanger novas respostas. Além disso, estava exposta tanto ao reconhecimento de seu corpo teórico, quanto as críticas por causa da “boxologia” e ausência de um modelo humano. Não tardou para a psicologia cognitiva ser levada a unir seu modelo computacional a 52 investigação da organização funcional das habilidades cognitivas, por meio de elaboração de testes em indivíduos normais, no entanto sem um caráter clínico. Talvez por ser o resultado da convergência de várias ciências, a neuropsicologia tardou em oferecer formação direcionada aos profissionais interessados, bem como em reunir e organizar um corpo teórico específico. Aliás, a construção de conceitos imprescindíveis a prática clínica foi enriquecida a partir do desenvolvimento de pesquisas científicas - por exemplo, agregando questões relacionadas às dissociações observadas entre pacientes com lesões cerebrais distintas - e também a partir da construção de testes neuropsicológicos voltados à investigação de pacientes com acometimentos múltiplos ou de pessoas provenientes de diferentes culturas. Seguindo o pressuposto de que, processos psicológicos podem ser investigados por exames não-invasivos, pelos procedimentos padronizados e normatizados, capazes de descrever, com certa fidedignidade, como as habilidades mentais se comportam após algum tipo de lesão cerebral; ou mesmo assessorando estudos comparativos transculturais. Por outro lado, ao longo dos anos, a neuropsicologia esteve estruturada sobre o estudo de casos únicos (Leborgne de Broca; HM de Scoville e Milner), dependente de uma observação cuidadosa do comportamento exibido pelo paciente; e, muitas vezes, guiada pelas estruturas provenientes da psicologia cognitiva. Nos anos 80, tornou-se insustentável que neuropsicologia e psicologia cognitiva se mantivessem distantes e alheias. O encontro entre as áreas proporcionou que se abrisse um canal de comunicação que beneficiasse a todos, em decorrência deste surgiram eventos, publicações e pesquisas em conjunto. Desde então, a parceria denominada Neuropsicologia Cognitiva tem incrementado a demanda de produções a partir das trocas de informações, material teórico e experiência clínica. Sem perder o perfil tradicional, a neuropsicologia mantém-se estudando a localização e organização funcional, bem como a ação dinâmica de seus componentes; e a psicologia cognitiva, mais do que o nível de análise teórica ganhou maior clareza e agilidade na comprovação de suas hipóteses. As neurociências englobam: o estudo da neuroanatomia; neurofisiologia; neuroquímica e as ciências do comportamento (psicofísica, psicologia cognitiva, antropologia e linguística). Estas áreas de estudo tiveram o maior período de isolamento entre si até por volta de 1970 (Kandel, Schwartz, apud Jessel, 2000). 53 Atualmente, poucas mudanças ocorreram em termos de objetos de estudo, contudo, os neurocientistas têm atuado de forma mais sincronizada e harmoniosa, “monitorando” os resultados entre si. Esta mudança de atitude tem gerado rapidez e aumento do conhecimento sobre o cérebro e do controle que ele exerce sobre o comportamento (Beatty, 1995). A formação de grupos interdisciplinares parece ser uma tendência viável para a ciência do novo milênio. No livro Neuropsychology the neural basis of cognitive function - Neuropsicologia a base neural da função cognitiva (1992) foi discutido temas acerca das funções cognitivas e suas desordens, sobre plasticidade neuronal, os avanços da bioquímica, o desenvolvimento de novas drogas; a ação de neurotransmissores, além de técnicas de neuroimagem. Esta estruturação ilustra que a neuropsicologia tem colaborado amplamente para a evolução efetiva das neurociências, na medida em que instrumentaliza outras áreas de investigação. 5.4 Neuropsicologia e a natureza complexa Quando destronado o modelo linear por conta das revoluções no campo científico moderno, surge uma lacuna epistemológica (MARIOTTI, 2010), logo se fazendo necessário o emprego de uma nova filosofia que possa abranger os muitos signos do campo humano, não apenas os tópicos neuroanatômicos ou neurofisiológicos, mas, sobretudo os produtos resultantes desse elaboradíssimo processamento, a saber, a própria concepção de mente e pensamento. Segundo Mader-Joaquim, o estudo contínuo das neurociências faz parte da formação dos psicólogos clínicos e de outros profissionais da área da saúde. Compreender a complexidade do funcionamento cerebral é absolutamente necessário para o bom desenvolvimento da prática clínica. A história do desenvolvimento das neurociências está calcada nas contribuições dos cientistas em todas estas áreas. (MADER-JOAQUIM, 2011). Os avanços expressivos que marcaram o campo das neurociências, têm sua origem nas últimas quatro décadas, especialmente com o surgimento de novas tecnologias e instrumentos eficazes para o diagnóstico de patologias relacionadas ao cérebro bem como novas intervenções clínicas ou cirúrgicas destas doenças (MIOTTO et al., 2011), e também destacando a neuropsicologia. 54 A neuropsicologia é uma ciência do século XX, que se desenvolveu inicialmente a partir da convergência da neurologia com psicologia, com a finalidade de investigar as modificações comportamentais resultantes de lesão cerebral (KANDEL et al., 1998). Por mais que seu surgimento se dê em virtude de uma aproximação com a neurologia, é somente com a expansão das neurociências que a neuropsicologia se apropria da identidade de ser elo entre psicologia e as mais variadas ciências da mente/cérebro. Se por um lado, se reconheça que a neuropsicologia é uma linha da psicologia que se aproximaou dialoga com as neurociências, vale identificar a escola psicológica que fundamenta e embasa a prática neuropsicológica, tal escola é a cognitiva. Segundo Miotto (2007), a base da neuropsicologia atual é fortemente influenciada pela psicologia cognitiva, que tem por objetivo, estudar os processos cerebrais e psicológicos em indivíduos normais incluindo memória, linguagem, pensamento e funções perceptivas. Tal união se dá em Oxford, Inglaterra, após os estudos publicados por John Marshall e Frida Newcombe, na década de 1970. É uma disciplina do conhecimento preocupada em formular as possíveis relações existentes entre funcionamento do sistema nervoso central (SNC), por um lado, e as funções cognitivas e o comportamento, por outro, tanto nas condições patológicas quanto normais (OGDEN, 1996 apud COSENZA et al., 2008). Para Gil (2002), a neuropsicologia tem por objeto de estudo, os distúrbios cognitivos e emocionais, bem como o estudo dos distúrbios da personalidade provocados por lesões no cérebro, que é órgão do pensamento e, portanto, a morada da consciência. De certo modo (MADER-JOAQUIM, 2011) preocupa-se com a emaranhar organização cerebral e suas relações com o desenvolvimento normal. Por mais que seja uma disciplina cientificamente nova (KOLB & WISHAW, 1995). Não é possível precisar quando as primeiras construções epistemológicas a respeito de tal ciência de fato surgiram, o que se pode afirmar, é que as bases dessa emergente disciplina, se confundem com as primeiras tentativas do homem primitivo em localizar os recônditos da alma, bem como as raízes dos comportamentos e das emoções. A neuropsicologia tem como objeto de estudo as relações entre as funções do sistema nervoso e o comportamento humano. Entende-se como neuropsicologia o estudo das perturbações das funções mentais superiores devido a alterações 55 cerebrais. Para a neuropsicologia o cérebro é visto como um todo, no qual as suas áreas são interdependentes e se encontram inter-relacionadas. A neuropsicologia atual preocupa-se com os temas clássicos da psicologia como a atenção, a aprendizagem, a percepção e a memória. Os procedimentos modernos de investigação cerebral (eletroencefalograma, tomografia computadorizada, ressonância magnética funcional) ultrapassaram a relevância da avaliação neuropsicológica na localização das funções mentais (Hamdan, Pereira, & Riechi, 2011). Esta área apoia-se na influência que existe entre os modelos cognitivos e os modelos neurais. Os modelos cognitivos provêm de áreas, como a Psicologia Cognitiva, a Linguística, a Psicolinguística e a Neuropsicolinguística, enquanto que os modelos neurais surgem a partir da biologia, como por exemplo, o modelo de Luria, (Haase, et al., 2012). Assim, podemos entender a neuropsicologia como uma disciplina científica que trata das relações cérebro, mais precisamente das funções cognitivas e das suas bases biológicas (Rodrigues, 1993, cit. in Haase, et al., 2012). É também uma ciência de caráter interdisciplinar, preocupada em estabelecer uma relação entre os processos mentais e o funcionamento cerebral, baseando-se no conhecimento das neurociências (Seron, 1982, cit. in Haase, et al., 2012). A avaliação é indispensável em Neuropsicologia. É de ressaltar que os objetivos da avaliação neuropsicológica não correspondem aos objetivos da avaliação psicológica (Haase, et al., 2012). Uma avaliação Neuropsicológica só é realizada de maneira adequada quando se detém o conhecimento clínico a respeito do funcionamento cerebral, bem como das diferentes manifestações comportamentais (Pawlowski, 2011). Desta forma, um profissional em neuropsicologia, efetua uma revisão dos conhecimentos, selecionando-os e aplicando-os de forma alcançar um entendimento acerca da relação do cérebro e das funções mentais e cognitivas (Haase, et al., 2012). O neuropsicólogo exerce a sua função, essencialmente, através da avaliação (exame neuropsicológico) e do tratamento (reabilitação neuropsicológica) das consequências que as disfunções do sistema nervoso podem causar. Disfunções essas, que podem ser originadas a partir de um desenvolvimento anormal do sistema 56 nervoso (p. ex., Dislexia) ou ser adquiridas ao longo da nossa vida (p. ex., Demências) (Consenza, Fuentes, & Malloy-Diniz, 2012). A Avaliação Neuropsicológica Clínica corresponde à aplicação dos conhecimentos da Neuropsicologia que tornam possível examinar e intervir no comportamento humano, relacionando-o com funcionamento normal ou deficitário do sistema nervoso central. É vista também enquanto análise sistemática dos distúrbios de comportamento (e da cognição) que se fazem acompanhar de alterações da atividade cerebral normal, por motivos de doença, lesão, disfunção ou modificações experimentais (Lezak et al., 2004, apud in Haase, et al., 2012). As aplicações da neuropsicologia têm-se desenvolvido, à medida que os conhecimentos das disciplinas que lhe estão agregadas também aumentam. Cada vez mais a neuropsicologia procura dar resposta a problemas envolvidos na prática clínica de neurologia, psicologia, psiquiatria, pedagogia, geriatria, etc. O seu leque de atuação tem vindo a ser alargado a outras áreas do conhecimento, como a filosofia e as ciências exatas (Consenza, Fuentes, & Malloy-Diniz, 2012). Devido à importância da neuropsicologia atualmente, psicólogos, psiquiatras, educadores, neurologistas e neurocirurgiões, bem como profissionais que lidam constantemente com sujeitos portadores de problemas cognitivos, dispõe dos seus recursos para uma atuação mais eficaz (Toni, Romanelli, & Salvo, 2005). 5.5 Suposições teóricas As principais suposições teóricas da neuropsicologia cognitiva têm sido discutidas frequentemente ao longo dos anos (p. ex., Davies, 2010). Focaremos aqui a descrição muito clara de Coltheart (2001). Uma suposição importante é a modularidade, significando que o sistema cognitivo consiste de inúmeros módulos ou processadores que operam de forma relativamente independente ou separada. Presume-se que os módulos exibem especificidade do domínio (eles respondem apenas a determinada classe de estímulos). Por exemplo, pode haver um módulo de reconhecimento de rostos que responde somente quando é apresentado um rosto. A suposição de modularidade é correta? Esse tema é muito controverso. Provavelmente, a posição da maioria é de que o sistema cognitivo humano exibe 57 alguma modularidade, mas os neuropsicólogos cognitivos frequentemente exageram a sua importância. A segunda maior suposição da neuropsicologia cognitiva é a da modularidade anatômica. De acordo com essa suposição, cada módulo está localizado em uma área específica do cérebro. Por que essa suposição é importante? É mais provável que os neuropsicólogos façam progresso ao estudarem pacientes com lesão cerebral limitada a um único módulo. Tais pacientes podem não existir se não houver modularidade anatômica. Suponha que todos os módulos fossem distribuídos em grandes áreas do cérebro. Se assim ocorresse, a maioria dos pacientes com lesão cerebral sofreria lesões na maioria dos módulos. Em consequência, seria impossível calcular o número e a natureza dos módulos que eles teriam. Existem evidências de alguma modularidade anatômica no sistema de processamento visual. No entanto, existe muito menos apoio para a modularidade anatômica com tarefas mais complexas. Por exemplo, Duncan e Owen (2000) identificaram que as mesmas áreas dentro dos lobos frontais eram ativadas quando se realizavam tarefas complexas muito diferentes. Os achados de Yarkoni e colaboradores (2011) também são relevantes. Em mais de 3 mil estudos, áreas cerebrais como o córtex pré-frontal dorsolateral e o córtex cingulado anterior foram ativadas em 20% deles, apesar da grande diversidade das tarefas envolvidas A terceira suposição principal é o que Coltheart (2001,p. 10) denominou “uniformidade da arquitetura funcional entre as pessoas”. Essa suposição é importante, pois pode ser vista se considerarmos as consequências caso ela seja falsa. Nesse caso, não conseguiríamos usar os achados de pacientes individuais para tirar conclusões sobre a arquitetura funcional de outras pessoas. Ideias relacionadas também são comuns dentro da neurociência cognitiva. Por exemplo, tem sido alegado com frequência que o processamento da face em praticamente todas as pessoas depende muito da área facial fusiforme (Weiner & Grill- Spector, 2012). Se houver grandes diferenças individuais na arquitetura funcional e nas áreas cerebrais envolvidas em dado processo cognitivo, isso complica enormemente a tarefa de compreensão da cognição humana. A quarta suposição é a da subtratividade. A ideia básica é que a lesão cerebral prejudica um ou mais módulos de processamento, mas não altera ou acrescenta nada. 58 Por que esta é uma suposição importante? Suponha que ela seja incorreta e os pacientes desenvolvam novos módulos para compensar os prejuízos cognitivos causados pela lesão cerebral. Isso complicaria muito a tarefa de aprendizagem acerca dos sistemas cognitivos intactos ao serem estudados pacientes com lesão cerebral. A suposição da subtratividade é por vezes incorreta. Frequentemente ocorre uma recuperação parcial do processo cognitivo prejudicado pela lesão cerebral (Cus et al., 2011). Essa recuperação dos processos cognitivos pode envolver a recuperação da função dentro da área lesionada ou o recrutamento de regiões cerebrais diferentes. 5.6 Suposição da modularidade Geralmente, os sistemas de modularidade envolvem, de forma preponderante, o processamento serial, no qual o processamento dentro de um módulo é completado antes de ser iniciado no módulo seguinte. Em consequência, existe uma interação muito limitada entre os módulos. Há algum apoio à modularidade por parte da abordagem evolucionista. Espécies com cérebros maiores tendem a ter regiões cerebrais mais especializadas que podem estar envolvidas no processamento modular. A noção de que a cognição humana é bastante modular é mais difícil de conciliar com neuroimagem e outras evidências baseadas na atividade cerebral. O cérebro humano apresenta um nível moderadamente alto de conectividade (Bullmore & Sporns, 2012; ver a seguir). Isso sugere que existe mais processamento paralelo do que supõe a maioria dos neuropsicólogos cognitivos. 5.7 A complexidade e os processos superiores Partindo do pressuposto que o reducionismo é a tendência em reduzir o complexo ao simples, sendo importante destacar que na cultura ocidental, nós nos condicionamos a pensar de tal modo, ou seja, de forma linear (WOOD JR & CALDAS, 2001). Seria importante questionar se tal forma de avaliação poderia de fato ser aplicada no estudo do cérebro humano, o órgão que responde hierarquicamente, 59 como sendo a sede dos comportamentos mais elaborados do homem. A resposta a esse questionamento, provavelmente seria não. Damásio (1996), expressa sua dificuldade em aceitar que os resultados científicos, principalmente em neurobiologia, sejam algo mais do que aproximações provisórias para serem saboreadas por uns tempos e abandonadas logo que surjam melhores explicações. Pois o ceticismo relativo ao atual alcance da ciência, especialmente no que diz respeito à mente, não envolve menos entusiasmo na tentativa de melhorar as aproximações provisórias. Segundo Sanvito (1995). O complexo cérebro/mente é um sistema aberto, que tem a sua plasticidade (com grande variação comportamental) e que lida com a precisão/imprecisão, certo/ambíguo, completo/incompleto, ordem/desordem tendo, portanto, de desenvolver estratégias para a sua organização. E ao considerar a existência de sistemas, o método reducionista perde sua acuidade, sendo necessário um modo holístico para se aplicar a análise. Não obstante a isso, se pode compreender tais essencialidades. Segundo Luria Os processos mentais humanos são sistemas funcionais complexos e que eles não estão localizadas em estreitas e circunscritas áreas do cérebro, mas ocorrem por meio da participação de grupos de estruturas cerebrais operando em concerto, cada uma das quais concorre com sua própria contribuição particular para o arranjo desse sistema funcional (Lúria, 1981). Damásio (2011) reforça as ideias de Luria, ao defender a concepção de que nenhum mecanismo isolado explica a consciência no cérebro, nenhum dispositivo, nenhuma região, característica ou truque pode produzi-la sem ajuda, do mesmo modo que uma sinfonia não pode ser tocada por um só músico, e nem mesmo por alguns poucos. Muitos são necessários. A contribuição de cada um é importante, mas só o conjunto produz o resultado que procuramos explicar. Em vez de confiar em áreas especializadas únicas (NICOLELIS, 2011), o cérebro humano escolhe realizar todas as suas árduas tarefas por meio do trabalho coletivo de grandes populações de neurônios distribuídos por múltiplas regiões cerebrais, também denominadas grids neurais. Talvez a complexidade da mente humana seja tal que a solução para o problema nunca possa vir a ser conhecida devido às nossas limitações intrínsecas. Quiçá nem sequer devêssemos considerar que existe um problema e devêssemos, 60 em vez disso, falar de um mistério, estabelecendo uma distinção entre as questões que podem ser adequadamente abordadas pela ciência e as que provavelmente nos iludirão sempre (DAMÁSIO, 1996, p.19) Na concepção de Nicolelis (2011), parte de nossa negligência em explorar a complexidade do cérebro pode ser explicada também pelas tremendas dificuldades experimentais envolvidas em registrar simultaneamente os sinais elétricos produzidos por grandes grupos de neurônios individuais, distribuídos por múltiplas regiões cerebrais. Em suma, o cérebro é um supersistema de sistemas. Cada sistema é composto por uma complexa interligação de pequenas, mas microscópicas, regiões corticais e núcleos subcorticais, que por sua vez são constituídos por circuitos locais, microscópicos, formados por neurônios, todos eles ligados, por sinapses. (DAMÁSIO, 1996). Segundo Nicolelis, o cérebro humano se revela de tal modo, um escultor relativístico; um habilidoso artesão que levemente funde espaço e tempo neuronais num continuum orgânico que permite o criar tudo que somos capazes de ver e sentir como realidade, incluindo nosso próprio senso de ser e existir (NICOLELIS, 2011). De acordo com Freitas (2006). Compete ao cérebro organizar um sistema de comunicação de milhares de dados, para que as respostas adaptativas integrem repertórios de conhecimento dos indivíduos. A partir de centenas de bilhões de neurônios (NICOLELIS, 2011) e suas conexões, que conjuntamente proporcionam mudanças fisiológicas de milissegundo a milissegundo, o cérebro humano concebe um modelo arquétipo de um sistema complexo. 6 AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA A avaliação neuropsicológica é um método para se examinar o encéfalo por meio do estudo de seu produto comportamental (Lezak, Howieson & Loring, 2004) e é essencial não somente para a tomada de decisões diagnósticas, mas também para o desenvolvimento de programas de reabilitação (Ardila & Ostrosky-Solís, 1996). Assim, a avaliação embasada na neuropsicologia cognitiva busca ultrapassar tanto a mera classificação do indivíduo em relação a um grupo de referência, quanto 61 a mera descrição dos distúrbios apresentados, visando à “interpretação dos mecanismos a eles subjacentes” (Capovilla, 1998). Segundo Lezak et al. (2004), a avaliação neuropsicológica pode ser relevante para seis propósitos principais: Diagnóstico; Cuidados com o indivíduo; Identificação de tratamentos necessários; Avaliação dos efeitos de tratamentos; Pesquisa e Questões forenses. Em relaçãoao diagnóstico, o avanço das técnicas de neuroimagem e dos exames laboratoriais diminuiu significativamente a necessidade da avaliação neuropsicológica para o diagnóstico da maior parte das lesões e disfunções neurológicas. Porém, esta avaliação ainda é crucial em determinados quadros, tais como as demências, traumatismos crânio-encefálicos menores ou certas encefalopatias, visto que estes não são facilmente detectados nas técnicas usuais. Além disso, mesmo quando exames de neuroimagem detectam a presença de lesões, a avaliação neuropsicológica é fundamental para esclarecer os seus correlatos comportamentais, sendo ainda importante para o estabelecimento do prognóstico dos pacientes em determinados quadros e para a identificação precoce de certos distúrbios que, em seu estágio inicial, não apresentam alterações neurológicas óbvias. Em relação aos cuidados com o indivíduo, a avaliação neuropsicológica pode fornecer, aos membros de seu convívio familiar e social, informações importantes relativas às suas capacidades e limitações. Estas informações incluem capacidade de autocuidado, capacidade de seguir o tratamento proposto, reações às suas próprias limitações, adequação de sua avaliação de bens e dinheiro, dentre outras. Conhecer estes aspectos do paciente é fundamental para estruturar o seu ambiente, promovendo alterações se necessário, de forma que ele tenha condições ótimas de reabilitar-se e evitando possíveis problemas secundários, como atribuição exagerada de responsabilidade ou de atividades que não estejam ao seu alcance. 62 Além de informações aos cuidadores, a avaliação neuropsicológica pode auxiliar o direcionamento da reabilitação, ao fornecer tantos dados sobre as áreas deficitárias do indivíduo, quanto sobre as habilidades preservadas e o potencial para a reabilitação. A avaliação serve, ainda, para verificar as mudanças do indivíduo ao longo das intervenções realizadas, sejam elas cirúrgicas, farmacológicas, psicológicas ou de outra natureza. Identificar tais mudanças, que podem ser positivas ou negativas, ajuda a rever as intervenções, redirecionando-as quando possível. Em relação à pesquisa, a avaliação neuropsicológica pode auxiliar a compreensão da atividade encefálica e da sua relação com o comportamento, contribuindo para o estudo de diversos distúrbios. A propósito, muitos dos testes inicialmente desenvolvidos para pesquisa têm se revelado úteis para a prática clínica, tendo seu uso ampliado na clínica para documentar o estado cognitivo dos indivíduos. Finalmente, em relação às questões forenses, a avaliação neuropsicológica tem sido requisitada em casos sobre perda de funções legais ou danos corporais, sendo útil para auxiliar decisões sobre a presença de possíveis danos neurológicos e cognitivos que estejam relacionados aos comportamentos em questão (Lezak et al., 2004). Segundo Lezak, a avaliação neuropsicológica envolve o estudo intensivo do comportamento por meio de entrevistas, questionários e testes normatizados que permitam obter desempenhos relativamente precisos (Lezak, 1995). O dano cerebral é considerado um “fenômeno multidimensional mensurável e que requer uma abordagem de avaliação multidimensional” (Lezak, 1995). Diversas condições que podem afetar as consequências de um dano cerebral devem ser consideradas, tais como a natureza, extensão, localização e duração da lesão; as características físicas, de gênero e de idade do paciente; sua história psicossocial; e as individualidades neuroanatômicas e fisiológicas. Para o estudo neuropsicológico podem ser usados procedimentos de comparação estandardizada ou não. Nos procedimentos estandardizados, a avaliação do distúrbio é feita em relação a um padrão que pode ser normativo (ou seja, derivado de uma população apropriada) ou individual (derivado da história prévia do paciente e de suas características). 63 A avaliação neuropsicológica estandardizada tem sido grandemente influenciada pela psicometria (Groth-Marnat, 2000; Kristensen, Almeida & Gomes, 2001; Mader, 1996). Conforme exemplificado por Wood, Carvalho, Rothe-Neves e Haase (2001), os passos no desenvolvimento de um instrumento de avaliação neuropsicológica devem seguir os critérios para desenvolvimento de instrumentos de avaliação psicológica em geral (Alchieri, Noronha & Primi, 2003), envolvendo a definição do construto psicológico a ser examinado, a operacionalização deste construto de forma a possibilitar a sua mensuração experimental e/ou psicométrica, e a verificação das características psicométricas do instrumento de avaliação neuropsicológica, que poderá envolver a análise dos itens, análise da precisão e da validade do instrumento. Assim, para conduzir de modo apropriado a avaliação neuropsicológica e, especialmente, a avaliação estandardizada normativa, é necessário dispor de instrumentos precisos, válidos e normatizados para uma determinada população. É essencial, ainda, atentar às habilidades que sofrem grande influência de nível de escolaridade ou nível socioeconômico de modo a considerar, para comparação, o grupo específico ao qual o paciente pertence. Em tais casos pode ser preferível conduzir uma avaliação estandardizada individual, e não normativa, para comparar as habilidades atuais do paciente neurológico com suas características anteriores à lesão cerebral. Além disso, a fim de estabelecer com precisão em que consistem os distúrbios que dificultam a realização de uma prova, é necessário não se limitar à execução estandardizada da prova, mas sim possibilitar a introdução de mudanças específicas na aplicação ao longo da avaliação (Ardila & Ostrosky-Solís, 1996). Aliás, a flexibilidade na aplicação dos instrumentos é um aspecto central da avaliação neuropsicológica (Lezak, 1995). Na avaliação neuropsicológica formal são administradas provas estandardizadas, mas, ao mesmo tempo, deve ser realizada uma observação detalhada das respostas gerais do paciente diante da prova e da situação de avaliação (Ardila & Ostrosky-Solís, 1996). Para tanto, paralelamente ao registro quantitativo das respostas, são feitos registros qualitativos da responsividade do paciente, reconhecimento de seus próprios erros, respostas emocionais e características de execução das tarefas, com ênfase no estudo intensivo de casos individuais (Caramazza & Martin, 1985; apud Kristensen et al., 2001). 64 Para proceder à avaliação neuropsicológica, o examinador deve planejar quais instrumentos usará em função de suas hipóteses sobre os distúrbios do paciente, levantadas a partir de informações coletadas, por exemplo, na entrevista inicial e nos procedimentos diagnósticos de outros profissionais. Usualmente o examinador inicia a avaliação com uma bateria neuropsicológica básica que aborde as principais áreas do funcionamento cognitivo, permitindo posteriores decisões sobre a necessidade de usar instrumentos mais específicos e refinados. As áreas usualmente avaliadas nas baterias neuropsicológicas básicas são atenção, processamento viso espacial, memória, funções linguísticas orais e escritas, cálculo, funções executivas, formação de conceitos, habilidades motoras e estado emocional (Lezak, 1995). Uma bateria básica não pretende ser exaustiva, devendo o examinador decidir, posteriormente, sobre a introdução de outros instrumentos de avaliação. Segundo Ardila e Ostrosky-Solís (1996), uma bateria de avaliação neuropsicológica deve ter as seguintes características: Fundamento teórico sólido; Permitir explorar funções básicas, isto é, formas fundamentais do comportamento, resultantes da atividade do sistema nervoso e, nesse sentido, afetadas o mínimo possível por fatores socioculturais e educacionais; Ser aplicável com um mínimo de ajuda e instruções verbais, permitindo avaliação de pacientes com severos distúrbios de linguagem; Ter critérios de avaliação objetivos e bem definidos, possibilitando alguma quantificação de forma a permitir obter índices de validade e precisão; Requerer um mínimo de recursos, aparatos e materiais para a aplicação. Segundo Golde, os resultados de crianças submetidas à avaliação neuropsicológica devem ser analisados ainda com maior cautela, considerando os fatores de desenvolvimento e ambientais envolvidos. Geralmente sua interpretação é mais complexa que a interpretação de resultados de adultos com lesões cerebrais, mas histórico de desenvolvimento normal. Outros métodos, tais como a observação clínica e o diagnóstico médico, devem ser conjuntamente considerados para a interpretação dos resultados, Golden 1991. 65 Os objetivos específicos de baterias de avaliação neuropsicológica infantil são: Auxiliar a identificação de lesão cerebral em crianças com sintomas de etiologia incerta; Avaliar a extensão e a natureza de dificuldades em crianças com lesões conhecidas de modo a traçar procedimentos de intervenção; Avaliar os efeitos de estratégias de intervenção ou reabilitação sobre o funcionamento neuropsicológico; Analisar o efeito de diferentes tipos de lesões em diferentes populações; e Testar suposições teóricas sobre as relações entre comportamento e sistema nervoso, a fim de confirmar, expandir ou modificar modelos atuais sobre o funcionamento cerebral em crianças (Golden, 1991). Como em qualquer outro instrumento de avaliação psicológica, uma bateria de avaliação neuropsicológica infantil deve obedecer aos critérios de precisão e validade (Golden, 1991). As normas de um instrumento neuropsicológico para crianças podem ser traçadas para diferentes idades ou para diferentes níveis escolares (Lezak, 1995). Segundo Mäder (1996), os objetivos da avaliação neuropsicológica são basicamente auxiliar o diagnóstico diferencial, estabelecer a presença ou não de disfunção cognitiva e o nível de funcionamento em relação ao nível ocupacional, e localizar alterações sutis, a fim de detectar as disfunções ainda em estágios iniciais. Além disso, a avaliação neuropsicológica contribui para planejar o tratamento e para acompanhar a evolução do quadro em relação aos tratamentos medicamentoso, cirúrgico e de reabilitação. Nesse sentido, a avaliação neuropsicológica é essencial não somente para a tomada de decisões diagnósticas, mas também para o desenvolvimento de programas de reabilitação. Fuentes et. al. (2008) acreditam que as principais razões para se solicitar uma avaliação neuropsicológica são: Auxílio diagnóstico: As questões diagnósticas geralmente buscam saber qual seria o problema do paciente e como ele se apresenta. Isso implica que seja 66 feito um diagnóstico diferencial entre quadros que têm manifestações muito semelhantes ou passíveis de serem confundidas. Prognóstico: Com o diagnóstico feito, deseja-se estabelecer o curso da evolução e o impacto que a desordem terá no longo prazo. Este tipo de previsão tem a ver com a própria patologia ou condição de base da doença ou transtorno; quando há lesão, com o lugar, o tamanho e lado no qual se encontra e, nesse caso, devem ser considerados os efeitos à distância que elas provocam. Orientação para o tratamento: Ao estabelecer a relação entre o comportamento e o substrato cerebral ou a patologia, a avaliação neuropsicológica não só delimita áreas de disfunção, mas também estabelece as hierarquias e a dinâmica das desordens em estudo. Tal delineamento pode contribuir para a escolha ou para mudanças nos tratamentos medicamentosos ou outros. Auxílio para planejamento da reabilitação: A avaliação neuropsicológica estabelece quais são as forças e as fraquezas cognitivas, provendo assim um “mapa” para orientar quais funções devem ser reforçadas ou substituídas por outras. Seleção de pacientes para técnicas especiais: A análise detalhada de funções permite separar subgrupos de pacientes de mesma patologia, possibilitando uma triagem específica de pacientes para um procedimento ou tratamento medicamentoso. Perícia: Auxiliar a tomada de decisão que os profissionais da área do direito precisam fazer em uma determinada questão legal. Lezak, Howieson e Loring (2004) apontam ainda a relevância da avaliação neuropsicológica para os cuidados com o indivíduo. Nesse sentido, a avaliação neuropsicológica pode fornecer aos membros de seu convívio familiar e social informações importantes relativas às suas capacidades e limitações. Essas informações incluem a capacidade de autocuidado, capacidade de seguir o tratamento proposto, reações às suas próprias limitações, adequação de sua avaliação de bens e dinheiro, dentre outras. 67 Conhecer esses aspectos do paciente é fundamental para estruturar o seu ambiente, promovendo alterações, se necessário, de forma que ele tenha condições ótimas de reabilitar-se e evitando possíveis problemas secundários, como atribuição exagerada de responsabilidade ou de atividades que não estejam ao seu alcance (Mäder, 1996). De acordo com Capovilla (2007), para proceder à avaliação neuropsicológica, o examinador deve planejar quais instrumentos usará, em função de suas hipóteses sobre os distúrbios do paciente. Estas podem ser levantadas a partir de informações coletadas, por exemplo, na entrevista inicial e nos procedimentos diagnósticos de outros profissionais. Considerando a variação dos testes neuropsicológicos, tempo de aplicação e indicação, Mäder (1996) recomenda organizar um protocolo básico, com a possibilidade de complementar a avaliação com outros testes sobre as funções mais comprometidas, a fim de realizar um exame mais detalhado. Os métodos utilizados na avaliação neuropsicológica variam de acordo com a formação de base do profissional, os locais de treinamento e os materiais disponíveis, como testes, escalas, questionários, entre outros. Os métodos devem ser selecionados de acordo com as necessidades do examinador, no entanto, uma bateria básica não pretende ser exaustiva, devendo o examinador decidir, posteriormente, sobre a introdução de outros instrumentos de avaliação. A bateria neuropsicológica básica, então, aborda as principais áreas do funcionamento cognitivo, permitindo posteriores decisões sobre a necessidade de usar instrumentos mais específicos e refinados. Segundo Ardila e Ostrosky-Solís (1996), uma bateria de avaliação neuropsicológica deve ter as seguintes características: Fundamento teórico sólido; Permitir explorar funções básicas, isto é, formas fundamentais do comportamento, resultantes da atividade do sistema nervoso e, nesse sentido, afetadas o mínimo possível por fatores socioculturais e educacionais; Ser aplicável com um mínimo de ajuda e instruções verbais, permitindo avaliação de pacientes com severos distúrbios de linguagem; 68 Ter critérios de avaliação e objetivos bem definidos, possibilitando alguma quantificação, de forma a permitir obter índices de validade e precisão; Ter critérios de avaliação e objetivos bem definidos, possibilitando alguma quantificação, de forma a permitir obter índices de validade e precisão; Segundo Lezak (1995), as áreas usualmente avaliadas nas baterias neuropsicológicas são: atenção, processamento viso espacial, memória, funções linguísticas – orais e escritas, cálculo, funções executivas, formação de conceitos, habilidades motoras e estados emocionais. Alguns autores são mais detalhistas ao discriminar quais habilidades e competências do indivíduo a avaliação neuropsicológica deve avaliar. Miranda (2006), por exemplo, acredita que a avaliação neuropsicológica deve investigar as seguintes funções do indivíduo: atenção (dividida, sustentada e focalizada); flexibilidade cognitiva; memória (curto e longo prazo, verbal e visual); processos intelectuais (raciocínio,abstração e pensamento); funções motoras (movimentos, lateralidade, entre outros); funções visuais (percepção e discriminação); organização visuoespacial e organização visuoconstrutiva. Luria (1981) também ressaltou a importância da linguagem, ao afirmar que esta é um dos elementos organizadores mais importantes da atividade cerebral. A partir da linguagem, disse ele, todas as outras funções cognitivas superiores se organizam. A linguagem, por sua vez, é de forma inequívoca um fenômeno sociocultural, produzido e modificado historicamente. Assim, o próprio funcionamento do cérebro, particularmente no que concerne às funções corticais superiores (linguagem, memória, pensamento, etc.), é organizado a partir das interações sócio familiares básicas e também do contexto sociocultural e histórico no qual o indivíduo se insere, desde os seus primeiros anos de vida (Dalgalarrondo, 2008). Diante da complexidade das funções cognitivas, os processos cognitivos (Sternberg, 2008), incluindo a linguagem, precisam ser estudados e analisados por meio de diversas operações convergentes, ou seja, de métodos variados de estudo que buscam um entendimento comum. 69 Quanto mais diferentes tipos de técnicas levarem à mesma conclusão, maior a confiança que se pode ter nessa conclusão. Isto explica a importância das várias fontes de informações, tais como: testes, exames médicos, inventários, questionários, entre outros. Essas fontes, podem ser quantitativas ou qualitativas. 6.1 Aplicações Na realização de uma avaliação neuropsicológica deve-se levar em consideração duas regras, que nunca devem ser quebradas. São elas: Tratar cada paciente como um indivíduo e; Pensar sobre o que se está fazendo. Estas medidas se justificam pela diversidade de quadros neurológicos existentes, pelo perfil das habilidades comprometidas (ou não) de cada paciente, e pelos propósitos de cada avaliação. A complexidade destes aspectos requer, portanto, que a avaliação seja flexível, aberta e criativa. Como assinala Kajihara, sob a perspectiva neuropsicológica, a descoberta do sintoma não constitui o fim, mas o ponto inicial para o estudo das estruturas internas do distúrbio e identificação de seus fatores subjacentes. O exame neuropsicológico aplica-se, desta forma, a uma série de propósitos: auxílio em diagnósticos; suporte no manejo, cuidado e planejamento de programas de reabilitação; avaliação da eficácia de tratamentos; fornecimento de informações para propósitos jurídicos; e pesquisa. Complementarmente a estas aplicações, a avaliação neuropsicológica pode: ser aplicada como linha-de-base para monitorar alterações temporais associadas a doenças degenerativas, ou à recuperação de distúrbios cerebrais agudos; acompanhar os resultados clínicos de intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou comportamentais; fornecer informações prognósticas quanto às alterações na qualidade de vida; na área forense, tornou-se um componente importante nos casos civis e criminais; determinar o estado afetivo e cognitivo do paciente para formular e delinear intervenções terapêuticas e de reabilitação . Em todas estas situações, o neuropsicólogo tenderá a cair em uma das duas categorias de questionamento: diagnósticas e descritivas. Questões diagnósticas 70 remetem o neuropsicólogo clínico à investigação da natureza das queixas e sintomas do paciente, quanto à sua etiologia e ao seu prognóstico; questões descritivas demandam a caracterização da condição dos pacientes. Independente do motivo do encaminhamento torna-se importante frisar que as informações e os achados só podem ser interpretados dentro de um contexto, onde tem relevância a idade, história de vida e escolaridade do examinando, portanto, a avaliação neuropsicológica exige uma abordagem multidimensional. 6.2 Instrumentos brasileiros para avaliação neuropsicológica No Brasil, pesquisadores e clínicos que trabalham com avaliação neuropsicológica ainda se deparam com um problema bastante grave, a escassez de instrumentos precisos, validados e normatizados disponíveis para pesquisa e diagnóstico, embora as pesquisas em neuropsicologia tenham crescido e resultado em trabalhos valiosos. Nosso grupo de pesquisa tem trabalhado nesta área, com o desenvolvimento e a validação de instrumentos de avaliação e de procedimentos de intervenção. A seguir são apresentados, de forma sumariada, alguns dos instrumentos para avaliação neuropsicológica que nosso grupo de pesquisa tem desenvolvido no Brasil. Vários desses testes são informatizados, o que facilita o registro de parâmetros temporais como tempo de reação e duração da resposta. Alguns, inclusive, podem ser aplicados de modo remoto via Internet, possibilitando estudar diferentes amostras espalhadas por amplos territórios. Estudos buscando evidências de validade destes testes têm sido conduzidos com populações infantil e adulta, com e sem distúrbios neuropsiquiátricos, incluindo dislexia, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, e transtornos de ansiedade. Alguns instrumentos brasileiros destinam-se à avaliação de diferentes habilidades de linguagem oral. Por exemplo, para avaliar o vocabulário expressivo, isto é, quais palavras uma criança fala, está disponível a Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo, originalmente desenvolvida por Rescorla (1989) e adaptada, validada e normatizada para a população paulista por Capovilla e Capovilla (1998). Ela é destinada a crianças a partir de dois anos de idade, com o objetivo de avaliar possíveis atrasos de linguagem oral expressiva. 71 Segundo Capovilha, o vocabulário receptivo pode ser avaliado por meio do Teste de Vocabulário por Imagens Peabody, que já foi traduzido e adaptado para o português, com a disponibilização de dados de precisão, validade e normatização para idade entre 2 e 14 anos (Capovilla & Capovilla, 1998). Contém 125 pranchas de teste, em que o examinando deve selecionar, dentre quatro figuras alternativas, a que melhor corresponde à palavra falada pelo examinador. A nomeação de figuras pode ser avaliada por meio do Teste Infantil de Nomeação (Capovilla, Montiel, Macedo & Capovilla, no prelo), que possui as versões tradicional (em papel) e computadorizada. O examinando vê desenhos de linha e deve pronunciar o seu nome em voz alta. Uma outra forma de avaliar nomeação, desta feita em conjunção com a habilidade de leitura, é por meio do Teste Informatizado de Nomeação de Figuras por Escolha (Capovilla, Viggiano, Raphael, Bidá, Capovilla, Neves & Mauricio, 2004), em que o examinando deve escolher, dentre quatro palavras escritas, a que melhor corresponde a uma figura. Temos desenvolvido, ainda, instrumentos para avaliar habilidades de metalinguagem, ou seja, de reflexão intencional sobre a linguagem. Dentre tais instrumentos encontram-se a Prova de Consciência Fonológica (Capovilla & Capovilla, 2004) e a Prova de Consciência Sintática (Capovilla, Capovilla & Soares, 2004). Ainda em relação à linguagem oral, há o Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras (Capovilla, em preparação), com base no teste de Gathercole e Baddley (1989). Para avaliar a fluência verbal, desenvolvemos uma versão informatizada do Teste de Fluência Verbal FAS, baseado em Benton e Hamsher (1989), que requer que o sujeito fale o maior número possível de palavras começadas com as letras F, A e S, tendo um minuto para cada letra. Em relação às habilidades de leitura, desenvolvemos o Teste de Competência de Leitura de Palavras - TCLP (Capovilla, Viggiano, Capovilla, Raphael, Mauricio & Bidá, 2004), que avalia o uso diferencial das estratégias de leitura pelo examinando. Paralelamente à avaliação do reconhecimento de palavras, há o Teste de Competência de Leitura de Sentenças (Capovilla, Viggiano, Capovilla, Raphael, Bidá, Neves & Mauricio, 2004) avalia as habilidades de compreensão.Ambos os testes estão disponíveis nas versões tradicional e computadorizada. 72 A avaliação da escrita pode ser feita por meio da Prova de Escrita sob Ditado, que apresenta itens com diferentes características psicolinguísticas (Capovilla & Capovilla, 2004). Para avaliar a atenção, nosso grupo de pesquisa tem desenvolvido versões de alguns testes classicamente usados, tais como testes de cancelamento, Teste de Trilhas e Teste de Stroop. O Teste de Atenção por Cancelamento (Montiel & Capovilla, 2006a) possui três partes que avaliam atenção seletiva e atenção alternada, sendo a tarefa básica do examinando selecionar, em uma matriz de estímulos, aqueles semelhantes ao estímulo-alvo. O Teste de Trilhas – Partes A e B (Montiel & Capovilla, 2006b) objetiva avaliar aspectos de manutenção da atenção e capacidade de alternar entre estímulos relevantes. Está disponível, ainda, o Teste de Stroop Computadorizado nas versões neutra (Capovilla, Montiel, Macedo & Capovilla, 2005) e emocional (Montiel, Capovilla, Capovilla & Macedo, no prelo). A avaliação das funções executivas pode ser feita por meio do Teste de Geração Semântica (Capovilla, Cozza, Capovilla, Macedo & Dias, 2006), também informatizado, em que é solicitada a geração de um verbo semanticamente associado a um substantivo. Temos, também, uma versão da Torre de Londres, que requer a transposição das três esferas que o sujeito deve rearranjar, uma a uma, a partir de uma posição inicial fixa, de modo a alcançar diferentes disposições finais especificadas pelo aplicador. Para avaliar as habilidades aritméticas, temos a Prova de Aritmética (Capovilla, Montiel & Capovilla, 2006), que contém seis subtestes para avaliar diferentes habilidades relacionadas à matemática. Para avaliar o processamento visoespacial, desenvolvemos o Teste Imagética Baby (Lopes, Capovilla, Berberian, Capovilla & Macedo, 2006), um software que apresenta pares de figuras bidimensionais para o julgamento de identidade, requerendo rotação mental para a solução da tarefa. 7 O PAPEL DO NEUROPSICÓLOGO O Neuropsicólogo hoje é um profissional que atua em diversas instituições, desenvolvendo atividades como diagnóstico, reabilitação, orientação à família e 73 trabalho em equipe multidisciplinar. Os principais locais onde o Neuropsicólogo é requisitado incluem: instituições acadêmicas (pesquisa, docência), hospitais (avaliações pré e pós-cirúrgica), juizados (avaliação e perícias), clínicas (avaliação, reabilitação e pesquisa), consultórios privados e atendimentos domiciliares (reabilitação). Além disso, fornece dados objetivos e formula hipóteses sobre o funcionamento cognitivo, atuando como auxiliar na tomada de decisões de profissionais de outras áreas, fornecendo dados que contribuam para as escolhas de tratamento medicamentoso e cirúrgico. A Neuropsicologia tem um histórico grande de estudo de indivíduos que tinham transtornos e sequelas que envolviam o cérebro e a cognição. Ainda hoje a grande parte da população que procura um Neuropsicólogo vem encaminhada por Psicólogos, Psiquiatras e Neurologistas. Essa população de pessoas que sofreram algum tipo de transtornos e/ou sequelas, é a grande maioria, entretanto existe uma pequena parcela que procura o Neuropsicólogo por preocupações de desempenho cognitivo, como por exemplo, um esquecimento, ou uma falta de concentração em atividades, gerando assim um campo que poderia ser chamado como "Neuropsicologia Preventiva" Em 2004 o Conselho Federal de Psicologia reconheceu a Neuropsicologia como especialidade da Psicologia (Resolução CFP Nº 002/2004), com isso algumas diretrizes sobre a Neuropsicologia foram escritas pela primeira vez de forma reconhecida por um órgão regulador do Psicólogo Brasileiro. Segundo o CFP existem 3 campos de atuações que são fundamentais na profissão do Neuropsicólogo: Diagnóstico: Através do uso de instrumentos (testes, baterias, escalas) padronizados para avaliação das funções cognitivas, o Neuropsicólogo irá pesquisar o desempenho de habilidades como atenção, percepção, linguagem, raciocínio, abstração, memória, aprendizagem, habilidades acadêmicas, processamento da informação, visuoconstrução, afeto, funções motoras e executivas. Esse diagnóstico tem por objetivo poder coletar os dados clínicos para auxiliar na compreensão da extensão das perdas e explorar os pontos intactos que cada patologia provoca no sistema nervoso central de cada paciente. 74 A partir desta avaliação Neuropsicológica é possível estabelecer tipos de intervenção, de reabilitação particular e específica para indivíduos e/ou grupos de pacientes com disfunções adquiras ou não, genéticas ou não, primariamente neurológicas ou secundariamente a outros distúrbios (Psiquiátricos). Tratamento (Reabilitação): Com o diagnóstico em mãos é possível realizar as intervenções necessárias junto aos pacientes, para que possam melhorar, compensar, contornar ou adaptar-se às dificuldades. Essas intervenções podem ser no âmbito do funcionamento cognitivo, ou seja, no trabalho direto com as funções cognitivas (memória, linguagem, atenção, etc.) ou com um trabalho muito mais ecológico, no ambiente de convivência do paciente, junto de seus familiares, para que atuem como coparticipantes do processo reabilitatório; junto a equipes multiprofissionais e instituições acadêmicas e profissionais, promovendo a cooperação na inserção ou reinserção de tais indivíduos na comunidade quando possível, ou ainda, na adaptação individual e familiar quando as mudanças nas capacidades do paciente forem mais permanentes ou de longo prazo. Pesquisa: A pesquisa em Neuropsicologia envolve o estudo de diversas áreas, como o estudo das cognições, das emoções, da personalidade e do comportamento sob o enfoque da relação entre estes aspectos e o funcionamento cerebral. Para tais pesquisas o uso de testes Neuropsicológicos é um recurso utilizado, para assim ter um parâmetro do desempenho do paciente nas determinadas funções que estão sendo pesquisadas. Atualmente o uso de drogas específicas, para estimulação ou inibição de determinadas funções, tem sido usada com frequência para observar o comportamento e o funcionamento cognitivo dos sujeitos em dadas situações. Outra técnica que muito tem contribuído nas Neurociências e com grande especificidade na Neuropsicologia é o uso de neuroimagem funcional por Ressonância Magnética (fMRI) e tomografia funcional por emissão de pósitrons (PET- CT) que permitem mapear determinadas áreas relacionadas a atividades específicas, como por exemplo recordação de listas de palavras durante o exame. Portanto, fica claro que a Neuropsicologia é um campo de trabalho e de pesquisa emergente, tanto para a Psicologia, quanto para as Neurociências, 75 avançando e contribuindo de forma única para a compreensão do modo como pensamos e agimos no mundo. 7.1 Neuroimagem O mérito como precursor da neuropsicologia poderia ser reclamado por vários cientistas desde os primórdios do localizacionismo, ainda na Grécia. Este conjunto de ideias que teve em Franz Josef Gall um de seus principais expoentes – entre os séculos XVIII e IX - ainda hoje tem seus adeptos, embora mais flexíveis e mais bem equipados. A localização de regiões cerebrais é objeto de muitos estudos de neuroimagem utilizando técnicas como Tomografia por Emissão de Pósitron (PET scan) e Imagem por Ressonância magnética funcional (IRMf), as quais possuem magnitude de resolução espacial, suficientemente alta para visualizar ação de massa relacionada à função cerebral. Mas ainda não possuem resolução temporal e oferecem apenas limitada informação quanto à dinâmica da atividade cortical. Por esta razão, alguns estudos complementam os dados de neuroimagem funcional com outras técnicas, por exemplo, Potencial Evocado e Eletrofisiologia Cognitiva(Clark et al., 2001). Em um estudo clássico com PET scan, Paulesu et al., (1993) mediram o fluxo sanguíneo cerebral em voluntários saudáveis em duas tarefas de ativação e suas respectivas condições-controle. Na primeira tarefa, os participantes foram instruídos a reverberar os estímulos silenciosamente e a lembrar-se dos estímulos (ou seja, após cada sequência a consoante-alvo aparecia e os participantes julgavam se a mesma estava presente na sequência prévia apresentada ou não). A condição controle seguiu o mesmo procedimento, mas com letras coreanas. Na segunda tarefa, era solicitado aos participantes o julgamento de rimas com consoantes em relação à consoante-alvo (letra B). A condição-controle era a similaridade de formas entre letras coreanas e a letra- alvo coreana. Os resultados deste estudo demonstraram, pela primeira, vez a neuroanatomia do componente verbal da memória operacional em voluntários sadios, 76 isto é, como armazenador fonológico o giro supra marginal esquerdo (lobo parietal), enquanto o ensaio subvocal foi associado com a área de Broca (lobo frontal). A ressonância magnética funcional é outra técnica de mapeamento cerebral não-invasiva de ampla utilização, apropriada até para o uso em crianças. Tem sido empregada para localização de funções críticas (Logan, 1999), avaliação de correlatos neurais da plasticidade cerebral (Hertz-Pannier et al., 2000), bem como para examinar a relação entre função e estrutura no decorrer do desenvolvimento cognitivo cerebral (Nelson et al., 2000). Neuroimagiologia ajusta-se em duas grandes categorias: Imagem estrutural: Que trata da estrutura do sistema nervoso e do diagnóstico de doença intracraniana bruta (grande escala) como tumor e lesão. Imagem funcional: Que é usada para diagnosticar doenças metabólicas e lesões em uma escala mais fina (como a doença de Alzheimer) e também para pesquisas de psicologia neurológica e cognitiva e construção de interfaces cérebro- computador. A imagem funcional permite, por exemplo, o processamento de informações por centros no cérebro para serem visualizados diretamente. Esse processamento faz com que a área envolvida do cérebro aumente o metabolismo e "acenda" na varredura. Um dos usos mais controversos da neuroimagem tem sido a pesquisa sobre a "identificação do pensamento" ou a leitura mental. A neuropsicologia tem como preocupação constante se especializar cada vez mais para atender as necessidades do organismo, mesmo mediante as alterações originadas a partir do processo evolutivo. https://pt.wikipedia.org/wiki/Metabolismo 77 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, V.M., SANTOS, F.H., BUENO, O.F.A. (2004). Neuropsicologia hoje. São Paulo: Artes Médicas. BEAR MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências. Desvendando o sistema nervoso. 2ª ed. Porto Alegre:Artmed; 2002. BYRNE, M.D. (2012). Unified theories of cognition. Wiley Interdisciplinary Reviews – Cognitive Science. 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