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FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL Unidade 4 O Brasil contemporâneo: desafios e perspectivas CEO DAVID LIRA STEPHEN BARROS DIRETORA EDITORIAL ALESSANDRA FERREIRA GERENTE EDITORIAL LAURA KRISTINA FRANCO DOS SANTOS PROJETO GRÁFICO TIAGO DA ROCHA AUTORIA RITA DE CÁSSIA ELEUTÉRIO DE MORAES 4 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 A U TO RI A Rita de Cássia Eleutério de Moraes Olá. Sou graduada em Letras, com habilitação em Tradução e Interpretação. Além disso, possuo mestrado em Letras e especializações na área. Minha experiência técnico-profissional abrange a docência, autoria, revisão, edição e curadoria para cursos de educação a distância. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso, fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! 5FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 ÍC O N ES 6 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 SU M Á RI O Processo de industrialização, urbanização e os atores políticos brasileiros ................................................................... 9 Ascensão da industrialização: mudança econômica e social ...................... 9 Urbanização: do rural ao urbano ...................................................................18 Novos atores no palco político: emergência e influência ........................... 24 Inserção do Brasil no sistema capitalista global .................. 27 Da autarquia ao capitalismo global: o caminho do Brasil .......................... 27 Dependência econômica: causas e consequências .................................... 33 Brasil na economia mundial: desafios e oportunidades ............................ 38 Modernização conservadora no pós-64, e o fim do “milagre econômico brasileiro” ............................................................. 42 Pós-64: o início da modernização conservadora ......................................... 42 O “milagre econômico brasileiro”: crescimento e controvérsias .............. 47 Consequências da modernização conservadora: impactos sociais e políticos ...............................................................................................................50 Transição democrática e o neoliberalismo no Brasil ........... 56 Da ditadura à democracia: a transição política brasileira .......................... 56 O advento do neoliberalismo: transformações e implicações .................. 59 Brasil neoliberal: impactos econômicos e sociais ....................................... 63 7FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 A PR ES EN TA ÇÃ O Nesta unidade, voltaremos nosso olhar para o Brasil contemporâneo, período de inúmeras transformações e desafios que moldaram a realidade do país como conhecemos hoje. Essa fase é marcada pela transição de uma economia primariamente agrária para um processo acelerado de industrialização e urbanização, transformando profundamente o tecido social, econômico e político do país. Dedicaremos atenção à compreensão desses fenômenos de transformação, analisando não só o processo de industrialização e urbanização em si, mas também a emergência de novos atores no palco político brasileiro, refletindo as mudanças na dinâmica social do país. Buscaremos entender como esses processos se interligam e influenciam mutuamente, oferecendo uma perspectiva abrangente do cenário brasileiro. Aprofundaremos nosso estudo na forma como o Brasil se insere no sistema capitalista global, um processo complexo e multifacetado que trouxe consigo tanto oportunidades quanto desafios. Analisaremos as consequências desta inserção, em particular, o fenômeno da dependência econômica e suas implicações para o desenvolvimento e soberania do país. Nesta unidade, faremos uma análise profunda do período pós-1964, um tempo marcado por intensas mudanças e paradoxos. O chamado “milagre econômico brasileiro”, ocorrido sob um regime de opressão política, é uma das questões mais intrigantes e controversas desta era. Examinaremos a política de modernização implementada durante esse período e suas consequências políticas, sociais e econômicas. Por fim, a transição para a democracia e a adoção do neoliberalismo no Brasil também serão objeto de nossa investigação. Ambos marcaram uma nova fase na história do país, resultando em transformações significativas em sua estrutura política e econômica. A complexidade desse processo e suas implicações farão parte de nossa análise crítica. Ao longo desta unidade, nos dedicaremos a construir uma visão abrangente e aprofundada do Brasil contemporâneo, reconhecendo suas particularidades, desafios e perspectivas. Nosso objetivo é fornecer uma compreensão sólida dos fenômenos que moldaram o país, preparando-nos para enfrentar os desafios do futuro com uma visão informada e crítica. Prepare- se para uma jornada de descobertas que certamente trará novas perspectivas e reflexões sobre a complexidade da formação sócio-histórica do Brasil. 8 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 O BJ ET IV O S Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 4. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Entender o processo de industrialização, urbanização e o surgimento de novos atores políticos no Brasil contemporâneo. 2. Compreender o processo de inserção do Brasil no sistema capitalista global e as consequências da dependência econômica. 3. Analisar e avaliar a modernização conservadora ocorrida no Brasil no período pós-64, identificando as políticas adotadas pelo regime militar para modernizar o país, e as consequências sociais e políticas dessa modernização. 4. Discernir sobre a transição democrática e o advento do neoliberalismo no Brasil. 9FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Processo de industrialização, urbanização e os atores políticos brasileiros OBJETIVO Ao término deste capítulo, você será capaz de compreender de forma aprofundada o processo de industrialização e urbanização que transformou a paisagem do Brasil. Você entenderá a transição do Brasil de uma economia predominantemente agrária para uma economia industrial e como isso afetou a distribuição da população e a estrutura das cidades. Além disso, irá discernir como essas transformações deram origem a novos atores políticos e como eles influenciaram e continuam a influenciar a política brasileira. Este conhecimento é fundamental para o exercício de qualquer profissão que lide com a sociedade brasileira, pois permite uma compreensão mais aprofundada dos eventos e forças que moldam o país. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Vamos lá. Avante! Ascensão da industrialização: mudança econômica e social O advento da industrialização no Brasil marcou uma época de mudanças drásticas, transformando o país de uma economia predominantemente agrária para um polo industrial em ascensão. Esse processo, desenrolado ao longo do século XX, moldou o cenário socioeconômico brasileiro de maneira profunda e duradoura. Originalmente, o Brasil mantinha uma economia fortemente ancorada na agricultura, com foco principal na exportação de commodities, sendo o café um dos principais 10 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 produtos. No entanto, em finais do século XIX, o país começou a se libertar desta dependência agrícola. Essa transição foi impulsionada tanto pelo investimento estrangeiro quanto pela acumulação de capital interno, que se beneficiava da lucrativa indústria do café. A verdadeira virada rumo à uma economia industrializada ocorreu durante o período conhecido como Era Vargas(1930- 1950). Durante esse tempo, o presidente Getúlio Vargas promoveu políticas de substituição de importações, incentivando o surgimento e o crescimento de indústrias nacionais para substituir bens importados. Esse período, que testemunhou um crescimento industrial robusto, foi marcado na história como o “milagre econômico brasileiro”. Essa transição da produção agrícola para a industrial provocou alterações significativas na sociedade brasileira. Para sustentar a indústria em expansão, uma quantidade considerável de mão de obra era necessária. Isso gerou uma migração em massa de trabalhadores das áreas rurais para as urbanas, iniciando um rápido processo de urbanização. Como resultado, a sociedade brasileira passou por uma grande metamorfose, saindo de um perfil majoritariamente rural para uma composição cada vez mais urbana. O avanço da industrialização, a partir da década de 60, ampliaria sobre-modo seu poder modernizador sobre a agricultura. Contudo, esse poder foi parcial, tanto no sentido de que o progresso técnico atingiu majoritariamente alguns setores agrícolas e algumas regiões, como pelo fato de que o êxodo rural – tanto o gerado pelo progresso quanto o gerado pelo atraso – só foi em parte produtivamente absorvido pela economia 11FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 urbana. (CANO, 1989, p. 67 apud CARDOSO; SANTOS; CARNIELLO, 2011, p. 1) Paralelamente, com a ascensão de uma classe trabalhadora industrial e a expansão da classe média urbana, houve alterações profundas no panorama político brasileiro. Os novos atores que surgiram nesse contexto não apenas alteraram as dinâmicas de poder, mas também foram catalisadores da transformação política do Brasil. Figura 1 - Linha do tempo simplificada do processo de urbanização no Brasil SÉCULO XXI: CONTINUAÇÃO DA URBANIZAÇÃO COM NOVOS DESAFIOS COMO A MOBILIDADE URBANA, A CENTRIFICAÇÃO E A BUSCA POR CIDADES MAIS SUSTENTÁVEIS. DÉCADA DE 1960: ÊXODO RURAL INTENSIFICADO, ESPECIALMENTE DEVIDO À EXPANSÃO DA INDÚSTRIA E AO AUMENTO DA MECANIZAÇÃO NA AGRICULTURA. DÉCADA DE 1970: O BRASIL SE TORNA UMA SOCIEDADE MAJORITARIAMENTE URBANA. SÃO PAULO SE CONSOLIDA COMO O PRINCIPAL CENTRO INDUSTRIAL DO PAÍS. DÉCADA DE 1980- 90S: AUMENTO SIGNIFICATIVO DAS FAVELAS NAS PERIFERIAS DAS GRANDES CIDADES DEVIDO AO CRESCIMENTO POPULACIONAL URBANO DESORDENADO E À FALTA DE HABITAÇÃO ADEQUADA. FINAL DO SÉCULO XIX: PREDOMINÂNCIA DA ECONOMIA AGRÁRIA E RURAL, COM A MAIORIA DA POPULAÇÃO VIVENDO NO CAMPO. DÉCADA DE 1930: INÍCIO DA INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA SOB A PRESIDÊNCIA DE GETÚLIO VARGAS, O QUE INCENTIVA O MOVIMENTO DAS PESSOAS DO CAMPO PARA A CIDADE EM BUSCA DE EMPREGOS NAS INDÚSTRIAS NASCENTES. DÉCADA DE 1950: ACELERAÇÃO DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO COM A CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA, A NOVA CAPITAL, E A EXPANSÃO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA EM SÃO PAULO. Fonte: Elaborado(a) pela autoria (2023). 12 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Detalhes das políticas governamentais O período da Era Vargas, que engloba os mandatos presidenciais de Getúlio Vargas de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954, foi um divisor de águas na história brasileira. Nesta época, o Brasil passou por transformações significativas em sua economia e política, estabelecendo as bases para a industrialização acelerada do país. O plano de substituição de importações implementado durante a Era Vargas foi uma estratégia de desenvolvimento econômico que buscou estimular a indústria doméstica ao restringir a importação de certos bens. Este foi um movimento estratégico para diversificar a economia brasileira, que até então dependia fortemente da exportação de produtos agrícolas como o café. Essas políticas protecionistas, que incluíam tarifas de importação elevadas e incentivos fiscais para a produção doméstica, foram cruciais para o desenvolvimento de setores industriais como têxteis, alimentos, calçados e metalúrgicos. Por exemplo, na indústria têxtil, políticas protecionistas ajudaram a promover a produção nacional de tecidos, reduzindo a dependência de importações e estimulando a indústria têxtil local. Similarmente, na indústria alimentícia, a substituição de importações possibilitou o crescimento de empresas nacionais, muitas das quais se tornaram líderes de mercado. No entanto, é importante notar que, embora a substituição de importações tenha impulsionado a industrialização e contribuído para o desenvolvimento econômico do Brasil, ela também resultou em algumas consequências não intencionais. Por exemplo, muitas indústrias brasileiras se tornaram menos 13FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 competitivas em escala global devido à falta de concorrência interna. Além disso, as políticas protecionistas contribuíram para a formação de uma estrutura econômica altamente burocrática e muitas vezes ineficiente. ACESSE O “Atlas Histórico do Brasil”, criado pela Fundação Getúlio Vargas, fornece mapas interativos que destacam a economia do país durante a Era Vargas (1930-1954). Durante esse período, o Brasil experimentou grandes transformações econômicas e sociais, impulsionadas pela industrialização e urbanização. O foco do atlas está na produção de café e na população de São Paulo, refletindo o papel dominante do café na economia brasileira até meados do século 20 e a importância de São Paulo como principal centro de produção. Os mapas revelam a correlação entre as áreas de alta produção de café e as regiões de maior densidade populacional, indicando o atrativo das regiões produtoras de café para os trabalhadores rurais. Essa ferramenta fornece uma visão visual e interativa da economia do café e seu impacto na população de São Paulo durante a Era Vargas, ajudando a elucidar o impacto regional da política econômica da época e seu papel no desenvolvimento de São Paulo e, por extensão, do Brasil. Acesse https://atlas.fgv.br/marcos/economia-na-era-vargas/mapas/cafe-e-populacao-nas-regioes-paulistas 14 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 A importância da imigração O período entre o final do século XIX e o início do século XX foi marcado por uma intensa onda de imigração para o Brasil, sobretudo de italianos e alemães. Esses imigrantes desempenharam um papel crucial no desenvolvimento da indústria brasileira. Os imigrantes italianos, por exemplo, inicialmente se instalaram em colônias agrícolas, onde contribuíram para a modernização da agricultura com as técnicas que trouxeram de sua terra natal. Mas com o tempo, eles também migraram para as cidades, nas quais muitos trabalharam na crescente indústria manufatureira. Além disso, a presença de imigrantes italianos foi fundamental para o desenvolvimento de setores específicos da economia brasileira, como a indústria têxtil e alimentícia, onde trouxeram consigo conhecimento e habilidades especializadas. Figura 2 – Colonos italianos expõem seus produtos em Caxias do Sul, em 1904 Fonte: Wikimedia Commons 15FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Por outro lado, os imigrantes alemães também tiveram um impacto significativo. Muitos deles se estabeleceram nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, nas quais foram pioneiros na criação de pequenas indústrias, como as de calçados, moveleira e têxtil. Assim como os italianos, os alemães trouxeram consigo habilidades técnicas e conhecimentos que ajudaram a impulsionar a indústria brasileira. Os imigrantes também contribuíram para a diversificação econômica, uma vez que trouxeram experiências de trabalho diversas e abriram novas áreas de atuação na economia brasileira. Além disso, estimularam a formação de uma classe trabalhadora mais heterogênea, o que afetou as dinâmicas sociais e de trabalho no país. Além disso, a chegada de imigrantes ajudou a preencher a lacuna de mão de obra necessária para o processo de industrialização. Isso foi especialmente importante emum momento em que o Brasil estava fazendo a transição de uma economia baseada na agricultura para uma economia industrial. 16 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 ACESSE O Museu da Imigração, localizado em São Paulo, Brasil, é um recurso valioso para a compreensão do impacto da imigração no país. A exposição de longa duração “Migrar: experiência humana” proporciona uma visão geral interativa do fenômeno da imigração, abrangendo movimentos internos e internacionais. Exposições temporárias adicionais proporcionam um foco mais aprofundado em grupos específicos de imigrantes, destacando suas experiências, dificuldades e contribuições para o Brasil. A plataforma de pesquisa on-line do museu permite que os visitantes explorem a história da imigração mais profundamente, inclusive rastreando suas próprias raízes familiares. Visitar o Museu da Imigração, tanto pessoalmente quanto on-line, oferece uma visão única da influência da imigração na formação do Brasil como uma sociedade diversificada e complexa. Acesse https://museudaimigracao.org.br/exposicoes 17FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Impacto social A industrialização do Brasil desencadeou uma série de mudanças sociais profundas: • Urbanização acelerada: com o crescimento da indústria, as cidades expandiram rapidamente para acomodar as fábricas e os trabalhadores. Isso, no entanto, também resultou em desafios como habitação inadequada e infraestrutura insuficiente. • Migração interna: muitos trabalhadores rurais migraram para as cidades em busca de empregos nas fábricas, alterando profundamente a demografia do Brasil. • Mudanças nos papéis de gênero: a entrada das mulheres na força de trabalho industrial marcou um passo importante para a emancipação das mulheres na sociedade brasileira, desafiando as normas de gênero tradicionais. • Expansão do sistema educacional: a demanda por uma força de trabalho mais educada levou a uma expansão do sistema educacional, com o governo investindo fortemente em educação, especialmente na educação técnica e profissional. 18 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Urbanização: do rural ao urbano A urbanização no Brasil é um fenômeno multifacetado, cujos efeitos e desdobramentos podem ser observados até os dias de hoje. Esse processo começou a tomar forma no início do século XX, quando o país iniciou sua jornada de transição de uma economia agrária para uma economia industrial. Esse movimento foi incentivado pelo desenvolvimento do setor industrial, que demandava uma grande quantidade de mão de obra. As oportunidades de trabalho surgidas com a industrialização atraíram uma grande parcela da população rural para as cidades, fenômeno conhecido como êxodo rural. Tal movimento se intensificou ainda mais durante a política de substituição de importações, quando a indústria brasileira passou por um processo de diversificação e expansão. O crescimento urbano foi particularmente expressivo em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, que se tornaram o coração pulsante da nova economia brasileira. São Paulo, conhecida como a “locomotiva do Brasil”, tornou-se o principal polo industrial do país, abrigando uma ampla variedade de indústrias, desde têxteis e alimentícios até metalúrgicas e automobilísticas. Nesse contexto, Bielschowsky (2004) observa que [nas] três primeiras décadas do século XX esse processo se intensificou no eixo São Paulo–Rio em virtude de vários fatores. Em primeiro lugar, a defesa dos interesses do pólo agroexportador do café, que orientou a República Velha, implicava várias medidas de valorização do produto, entre as quais o recurso freqüente às desvalorizações da moeda. A elevação dos preços dos produtos 19FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 importados, combinada a um acelerado processo de urbanização ocorrido nesse período, abriu espaço para o surgimento de um incipiente setor industrial voltado à produção de bens de consumo populares, especialmente nas áreas têxtil e de alimentos. (BIELSCHOWSKY, 2004, p. 333) No entanto, esse rápido processo de urbanização trouxe consigo uma série de desafios. A infraestrutura das cidades, incapaz de acompanhar o ritmo acelerado de crescimento populacional, encontrou-se sobrecarregada. Faltavam habitações adequadas para a crescente população urbana, resultando no surgimento de favelas, áreas de moradia precária frequentemente caracterizadas por sua alta densidade populacional, construções improvisadas e falta de serviços básicos, como saneamento e eletricidade. Sobre os efeitos do processo de urbanização, Carvalho (2016) pondera que [parte] dos problemas urbanos vividos pela população brasileira hoje em dia é resultado desse forte e rápido crescimento das cidades, ocorrido após o início do processo de industrialização brasileira, sem que houvesse investimentos correspondentes na rede de infraestrutura urbana, formando grandes passivos nessa área. (CARVALHO, 2016, p. 8) Além disso, questões de saneamento e saúde pública tornaram-se problemas prementes. O rápido crescimento populacional, juntamente com a infraestrutura inadequada, resultou em condições sanitárias precárias que favoreceram o surgimento e a disseminação de diversas doenças. Mesmo décadas após o início do processo de urbanização, esses desafios persistem. As cidades brasileiras ainda enfrentam 20 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 questões relacionadas à habitação, saneamento, transporte público, e distribuição desigual de serviços e oportunidades. Os efeitos desse rápido crescimento urbano, portanto, ainda são uma realidade para milhões de brasileiros, e abordá-los de maneira eficaz requer uma compreensão profunda do processo histórico que os gerou. Efeitos ambientais da urbanização O processo de urbanização, especialmente quando desordenado e rápido, muitas vezes resulta em danos ambientais consideráveis. A expansão das cidades, muitas vezes, ocorre às custas de áreas verdes e habitats naturais, levando à perda de biodiversidade. Além disso, a construção de infraestrutura urbana e o aumento do consumo de recursos naturais podem levar à poluição do ar e da água. O problema da gestão de resíduos também é acentuado nas áreas urbanas, onde a produção de lixo é significativamente mais alta do que nas áreas rurais. A falta de disposição adequada de resíduos pode contaminar o solo e as fontes de água. A urbanização também tem implicações diretas na saúde das pessoas. Em primeiro lugar, a densidade populacional e a proximidade das pessoas nas cidades podem facilitar a propagação de doenças infecciosas. Além disso, a poluição do ar e da água nas cidades pode levar a uma variedade de problemas de saúde, incluindo doenças respiratórias e gastrointestinais. O rápido crescimento urbano no Brasil também levou à formação de favelas, onde as condições de vida são precárias e o acesso a serviços de saúde adequados é muitas vezes limitado. Essas condições podem contribuir para altas taxas de doenças e mortalidade. 21FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Figura 3 – Favela do Cantagalo, RJ Fonte: Freepik É importante notar que a urbanização também tem potenciais benefícios para a saúde, uma vez que as cidades muitas vezes oferecem melhor acesso a serviços de saúde e oportunidades para melhorar as condições de vida. No entanto, esses benefícios muitas vezes não são igualmente distribuídos e podem ser limitados para aqueles que vivem em favelas ou áreas urbanas precárias. ACESSE O Google Earth Engine é uma plataforma de análise geoespacial que permite visualizar mudanças na paisagem ao longo do tempo. Você pode usá- la para ver como a urbanização alterou áreas específicas do Brasil, incluindo o desmatamento e o desenvolvimento de novas áreas urbanas. Acesse https://earth.google.com/web/@-35.75611611,141.0471127,111a,144258d,35y,1h,38t,0r/data=CjISMBIgNTQ0MGExNzMxYzI1MTFlYTk0NDM4YmI2ODk0NDUyOTciDG1haW5Ob1JhbmRvbQ22 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Desigualdades regionais e a industrialização no Brasil A industrialização no Brasil apresentou padrões regionais distintos, com algumas áreas do país passando por esse processo mais rapidamente e intensamente do que outras. Em particular, as regiões Sul e Sudeste experimentaram uma industrialização mais acelerada em comparação com o Nordeste e outras regiões. O Sul e o Sudeste As regiões Sul e Sudeste, por causa de sua localização geográfica e infraestrutura já estabelecida, foram as primeiras a industrializar-se. São Paulo e Rio de Janeiro, localizados no Sudeste, emergiram como os principais centros industriais do país, atraindo investimento, mão de obra e infraestrutura. Por exemplo, a indústria automobilística se instalou principalmente em São Paulo, trazendo consigo uma série de indústrias auxiliares. Esse crescimento industrial acelerado foi acompanhado por uma rápida urbanização, com muitas pessoas migrando do campo para as cidades em busca de empregos na indústria. O Nordeste Em contraste, a região Nordeste teve um ritmo de industrialização mais lento. Enquanto a região possuía uma longa história de produção agrícola e alguns centros urbanos estabelecidos, como Salvador e Recife, ela não atraiu o mesmo nível de investimento em indústria. Isso resultou em uma série de disparidades entre as regiões, incluindo diferenças nas taxas de urbanização, renda per capita, níveis de emprego industrial e padrões de educação e saúde. A região Nordeste continua a lutar com questões de pobreza e desigualdade socioeconômica mais do que as regiões Sul e Sudeste. 23FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Implicações da desigualdade regional Essas desigualdades regionais têm implicações significativas. Elas levaram a um desequilíbrio no desenvolvimento econômico e social do país, contribuindo para a persistente desigualdade socioeconômica que marca o Brasil. Além disso, essas desigualdades regionais têm consequências políticas, uma vez que as diferentes regiões têm interesses e prioridades variados. ACESSE Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil: é um site que oferece uma série de mapas interativos e gráficos que ilustram a variação nas medidas de desenvolvimento humano entre as regiões do Brasil. Acesse Observatório das Metrópoles: este é um projeto que disponibiliza uma série de estudos, pesquisas e publicações sobre os processos de urbanização e desenvolvimento nas principais metrópoles brasileiras. Acesse. 24 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Novos atores no palco político: emergência e influência O advento da industrialização e a subsequente urbanização reestruturaram profundamente o cenário político brasileiro. Os efeitos dessa transformação foram sentidos em todas as esferas da sociedade e resultaram na emergência de novos atores políticos, cada um com seus próprios interesses e pontos de vista. Um dos principais protagonistas que surgiram nesse novo cenário foi a classe operária industrial. Antes invisível na política brasileira, dominada pelas elites agrárias e urbanas tradicionais, esse grupo ganhou proeminência à medida que a indústria se expandia. Os trabalhadores industriais, organizados em sindicatos, começaram a reivindicar melhores salários, condições de trabalho mais seguras e direitos trabalhistas mais amplos. Sua mobilização política representou um contraponto significativo aos interesses das elites tradicionais e adicionou uma nova camada de complexidade à política brasileira. Figura 4 – Imagens de uma das ruas de São Paulo tomada de trabalhadores com bandeiras negras na greve geral de 1917 Fonte: Wikimedia Commons 25FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Além disso, a urbanização deu origem a uma classe média urbana expandida, composta por profissionais liberais, funcionários públicos e pequenos empresários. Esse grupo emergente se tornou uma força política importante, pressionando por melhores serviços públicos, como educação e saúde, mais oportunidades econômicas e uma maior participação na vida política do país. A sua emergência marcou um desvio da política brasileira dominada pelas elites, criando um cenário político mais diversificado e multifacetado. Simultaneamente, uma nova elite industrial também surgiu. Beneficiando-se diretamente da industrialização, esse grupo desempenhou um papel fundamental na formulação das políticas econômicas do país, buscando garantir um ambiente favorável à expansão industrial. Sua influência política foi de grande importância para o desenvolvimento econômico do Brasil durante o século XX. Esses novos atores políticos, com suas demandas e perspectivas variadas, enriqueceram a política brasileira, introduzindo uma multiplicidade de vozes e interesses. A sua emergência e a interação entre eles criaram um cenário político mais complexo e dinâmico, que continuou a evoluir e a se transformar nas décadas seguintes. Essa rica tapeçaria de atores políticos e os seus impactos sobre a política brasileira são cruciais para entendermos as dinâmicas contemporâneas do país. 26 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 ACESSE O documentário “O Brasil nasceu urbano”, do SESC TV, propõe uma inversão intrigante no entendimento tradicional da urbanização: enquanto na maioria dos lugares do mundo as cidades surgiram a partir do campo, no Brasil aconteceu o contrário. Esse recurso explora as peculiaridades do desenvolvimento urbano brasileiro, discutindo como as primeiras cidades do país foram planejadas e não surgiram de maneira espontânea, além de abordar a maneira como a arquitetura de traçados regulares das cidades europeias se adaptou à geografia diversificada do Brasil. Acesse. RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que o processo de industrialização e urbanização no Brasil transformou significativamente a paisagem econômica e social do país, levando à emergência de novos atores políticos. Compreendeu como a transição de uma economia agrária para uma industrial afetou a distribuição da população e a estrutura das cidades, e também deve ter percebido como os novos atores políticos surgiram e influenciaram o cenário político brasileiro. https://www.youtube.com/watch?v=Uk8TstZPZYo 27FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Inserção do Brasil no sistema capitalista global OBJETIVO Ao finalizar este capítulo, você será capaz de compreender o processo complexo de inserção do Brasil no sistema capitalista global. Isto inclui o entendimento das políticas econômicas, das alianças estratégicas e dos eventos históricos que permitiram ao Brasil integrar-se mais plenamente na economia mundial. Além disso, você será capaz de analisar as consequências da dependência econômica, como ela afeta o desenvolvimento do Brasil e como pode ser mitigada. Este conhecimento é crucial para qualquer carreira que lide com a economia global ou com políticas públicas, proporcionando uma compreensão profunda do lugar do Brasil no mundo. E então? Pronto para desenvolver essa habilidade? Vamos lá. Avante! Da autarquia ao capitalismo global: o caminho do Brasil A jornada do Brasil de uma economia autárquica para uma economia de mercado globalmente integrada é uma história de mudança econômica radical, política e social. No período colonial, a economia brasileira estava quase inteiramente sob controle português, com o Brasil produzindo principalmente açúcar, tabaco e, posteriormente, ouro, para exportação para Portugal. Esse sistema mercantilista limitou a capacidade do Brasil de desenvolver uma economia independente e autossuficiente. 28 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Com a independência em 1822, o Brasil começoua desenvolver uma economia mais autárquica, ainda baseada na produção de commodities como açúcar e café para exportação, mas com maior controle interno sobre sua produção e comércio. A economia brasileira continuou a depender fortemente da agricultura, com a industrialização ocorrendo em ritmo relativamente lento. O marco real de mudança para a economia brasileira ocorreu durante a Era Vargas (1930-1945), quando o Brasil embarcou na industrialização acelerada. Foi neste período que se implantaram políticas de substituição de importações, que buscavam substituir produtos importados por equivalentes produzidos internamente. Essas políticas incentivaram o desenvolvimento de setores industriais no Brasil, como têxteis, alimentos, calçados e metalúrgicos. Durante a segunda metade do século XX, o Brasil integrou- se ainda mais ao capitalismo global, sobretudo durante o regime militar (1964-1985). Foram implementadas políticas de abertura econômica que favoreceram o investimento estrangeiro direto e o crescimento das exportações. Essas medidas contribuíram para a formação de uma economia de mercado no país, com setores como o automobilístico, o aeroespacial e o de petróleo e gás ganhando destaque no cenário global. 29FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Figura 5 – Um pôster da Industrial Workers of the World (1911), mostrando a Pirâmide do Sistema Capitalista Fonte: Wikimedia Commons No entanto, a abertura da economia brasileira ao capitalismo global não ocorreu sem desafios. A integração à economia mundial expôs o Brasil a vulnerabilidades externas, como crises financeiras globais e flutuações nos preços das commodities. Ademais, a desigualdade social e regional persistiu, apesar do crescimento econômico. Santos (2019) destaca que À medida que o desenvolvimento capitalista penetrava nas estruturas do cotidiano herdadas do período colonial, transformando a realidade do país de maneira particular, o debate girava em torno do caráter da 30 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 sociedade brasileira que se formava na periferia do sistema-mundo moderno. Sociedade essa que não estava mais presa diretamente aos mecanismos característicos do Antigo Regime, mas que, apesar de certa modernização, encontrava-se longe de atingir a Modernidade. Todas as categorias que procuraram reter a singularidade brasileira, como, por exemplo, subdesenvolvimento, dependência, heterogeneidade estrutural, superexploração, capitalismo tardio, etc., revelam em alguma medida aquilo que já não se pode mais chamar de colonial, mas também ainda não pode ser caracterizado como moderno. Elas captam, a partir de posições muito particulares, a maneira como o desenvolvimento do capitalismo transformou a paisagem colonial. (SANTOS, 2019, p. 68) Santos (2019) fornece, em seu artigo “Capitalismo histórico e formas de sociabilidade: uma hipótese sobre a formação do Brasil contemporâneo”, uma análise das transformações socioeconômicas no Brasil em relação à sua transição de uma sociedade colonial para uma sociedade capitalista. A principal questão levantada é a natureza complexa e contraditória dessa transição, já que o Brasil, apesar de ter se afastado dos sistemas socioeconômicos do período colonial, ainda não alcançou completamente a modernidade capitalista, conforme definido pelos padrões dos países desenvolvidos. As categorias – como subdesenvolvimento, dependência, heterogeneidade estrutural, superexploração e capitalismo tardio – são todas tentativas de conceituar essa condição intermediária única do Brasil. Cada uma dessas categorias reflete diferentes aspectos da economia brasileira e das relações de trabalho, 31FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 como a dependência econômica de nações desenvolvidas, a desigualdade econômica interna, a exploração excessiva de trabalhadores e recursos naturais e o desenvolvimento tardio do capitalismo. Por fim, Santos (2019) argumenta que essas categorias capturam de maneiras específicas como o desenvolvimento do capitalismo transformou o Brasil pós-colonial, mas sem necessariamente trazer a plena modernidade, evidenciando um estado de transição econômica e social contínuo. Isso aponta para a ideia de que o capitalismo no Brasil tem características particulares e complexas, refletindo tanto seu passado colonial quanto sua inserção na economia global como uma economia emergente. Exemplos: Políticas de substituição de importações: durante a Era Vargas, foram implementadas políticas para substituir produtos importados por produtos nacionais. Por exemplo, a indústria têxtil brasileira foi fortemente incentivada para substituir os tecidos importados, levando a um crescimento significativo do setor no país. Setor automobilístico: na segunda metade do século XX, o Brasil se tornou um importante player global no setor automobilístico, com empresas como a Volkswagen, a Fiat e a Ford estabelecendo grandes operações de produção no país. Petrobras: a empresa estatal de petróleo e gás, Petrobras, é um exemplo de como o Brasil tem se integrado à economia global. Fundada em 1953, a Petrobras se tornou uma das maiores empresas do mundo em exploração e produção de petróleo e gás. 32 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 SAIBA MAIS O fordismo é um modelo de produção industrial que surgiu nos Estados Unidos no início do século XX, idealizado por Henry Ford, fundador da Ford Motor Company. O modelo fordista é caracterizado por produção em massa, trabalho especializado, salários elevados para os trabalhadores e preços baixos para os consumidores.No Brasil, o fordismo começou a tomar forma em meados do século XX, com o processo de industrialização do país. Esse período foi marcado pela implantação de indústrias automobilísticas multinacionais, com a instalação da primeira montadora, a Volkswagen, em 1953, seguida pela Ford, em 1957, e outras grandes montadoras posteriormente.O fordismo no Brasil, no entanto, teve suas peculiaridades. Enquanto nos Estados Unidos e Europa, o fordismo estava associado a salários altos e consumo em massa, no Brasil o processo foi marcado por baixos salários e limitado consumo de massa. Ainda assim, a introdução do fordismo levou a um aumento significativo da produtividade industrial e à modernização da economia brasileira.No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, o fordismo começou a dar lugar ao pós-fordismo ou toyotismo no Brasil, assim como em outros países. Esse novo modelo de produção é caracterizado por produção flexível, just-in-time, melhoria contínua e maior participação dos trabalhadores nas decisões de produção.É importante notar que, apesar da transição para o pós-fordismo, muitos dos princípios do fordismo, como a produção em massa e a especialização do trabalho, ainda permanecem presentes na indústria brasileira. Além disso, a presença de grandes montadoras, como a Ford no Brasil, continua a ter um impacto significativo na economia brasileira. 33FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 ACESSE No vídeo “Capitalismo à brasileira”, há uma discussão sobre a natureza e as características do sistema capitalista dependente no Brasil. O “capitalismo dependente” se refere à ideia de que o Brasil, e muitos outros países em desenvolvimento, têm economias que dependem de países desenvolvidos para o comércio, investimentos e tecnologia. Isso pode resultar em desigualdades socioeconômicas e uma vulnerabilidade a choques econômicos externos. Além disso, são abordadas as características específicas do capitalismo no Brasil, que pode incluir uma mistura de políticas de livre mercado com intervenção estatal significativa na economia, desigualdades socioeconômicas profundas, e um histórico de exploração de recursos naturais e trabalho. Assista ao vídeo para saber mais. Acesse Dependência econômica: causas e consequências A dependência econômica pode serdefinida como uma situação em que a economia de um país está intimamente ligada e é influenciada pelas condições econômicas ou decisões tomadas em outros países. No caso do Brasil, essa dependência 34 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 econômica tem raízes históricas e continua a ter implicações significativas para a economia e a sociedade brasileiras. Causas da dependência econômica A dependência econômica do Brasil pode ser rastreada até a sua colonização pelos portugueses no século XVI. Durante o período colonial, a economia brasileira estava intrinsecamente vinculada à economia de Portugal. O Brasil fornecia matérias- primas, especialmente açúcar, ouro e mais tarde café, para Portugal, e em troca, o Brasil importava mercadorias manufaturadas de Portugal e de outros países europeus. A dependência do Brasil em relação à economia global se aprofundou com a industrialização do país no século XX. Por exemplo, durante a Era Vargas e nos anos seguintes, o Brasil se esforçou para industrializar e diversificar sua economia. No entanto, muitas dessas indústrias dependiam de tecnologia e investimentos estrangeiros, criando uma nova forma de dependência econômica. Consequências da Dependência Econômica As consequências da dependência econômica são múltiplas e complexas. Em primeiro lugar, a dependência econômica pode tornar a economia de um país vulnerável a choques externos. Por exemplo, a crise do petróleo de 1973 teve um impacto significativo na economia brasileira, pois o país dependia fortemente das importações de petróleo. Em segundo lugar, a dependência econômica pode limitar a capacidade de um país de desenvolver setores econômicos diversificados e competitivos. No caso do Brasil, a dependência 35FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 de commodities e tecnologias estrangeiras tem dificultado o desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia e serviços de valor agregado. Em terceiro lugar, a dependência econômica pode contribuir para a desigualdade econômica e social. No Brasil, a dependência de commodities tem frequentemente favorecido uma pequena elite, enquanto muitos brasileiros permanecem pobres ou em situação de pobreza. Figura 6 – Habitações precárias em São Paulo Fonte: Wikimedia Commons / Peter (2006) Portanto, embora o Brasil tenha feito progressos significativos no desenvolvimento de sua economia nas últimas décadas, a dependência econômica continua a ser um desafio importante. A superação dessa dependência requer políticas que promovam a diversificação econômica, a inovação e a inclusão social. 36 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 SAIBA MAIS Florestan Fernandes (1920-1995) foi um dos mais influentes sociólogos brasileiros do século XX, conhecido por suas contribuições ao entendimento do desenvolvimento do Brasil e de outras sociedades na periferia do sistema mundial. Fernandes é particularmente conhecido por sua análise do capitalismo dependente. Ele argumentou que a dependência do Brasil e de outros países em desenvolvimento não era uma fase transitória no caminho para um capitalismo plenamente desenvolvido, como sugeriam algumas teorias do desenvolvimento econômico da época. Em vez disso, Fernandes via a dependência como uma característica estrutural da economia global capitalista, em que a periferia estava subordinada aos centros capitalistas em uma relação desigual que dificultava seu desenvolvimento. Para Fernandes, o capitalismo dependente não significava apenas dependência econômica, mas também implicava em uma série de relações sociais, políticas e culturais que perpetuavam a subordinação e a exploração. Ele argumentava que a elite brasileira, em vez de buscar um caminho independente de desenvolvimento, tinha se aliado aos interesses estrangeiros, aprofundando a dependência. 37FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 As ideias de Fernandes têm importantes implicações para a compreensão do Brasil contemporâneo. Elas sugerem que os desafios enfrentados pelo Brasil na economia global - desde a desigualdade até a dificuldade de desenvolver setores de alta tecnologia - não são simplesmente o resultado de políticas domésticas equivocadas ou falta de investimento, mas são estruturais ao sistema capitalista global. Portanto, enfrentar esses desafios exigiria não apenas mudanças nas políticas domésticas, mas também transformações na economia global. Além disso, a análise de Fernandes sugere que a solução para esses desafios não pode ser encontrada apenas no âmbito econômico, mas também deve envolver transformações sociais e políticas. Isso inclui a luta por maior justiça social, o fortalecimento das instituições democráticas e a resistência aos interesses estrangeiros que podem aprofundar a dependência. Acesse 38 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Brasil na economia mundial: desafios e oportunidades O Brasil desempenha um papel complexo na economia global. É simultaneamente uma das maiores economias do mundo - muitas vezes classificado entre as dez maiores por PIB - e um país em desenvolvimento com desafios substanciais. A posição do Brasil na economia mundial é marcada por uma série de oportunidades e desafios que estão inter-relacionados e que têm origem em sua história econômica e política, bem como em suas características geográficas e demográficas. Desafios O Brasil enfrenta vários desafios na economia global. Apesar de sua recente industrialização e crescimento econômico, o país ainda luta com questões de dependência econômica, especialmente em relação à tecnologia e ao capital estrangeiro. Isso pode limitar sua capacidade de se adaptar às mudanças econômicas globais e de desenvolver setores de alta tecnologia. A economia brasileira também é marcada por altos níveis de desigualdade. Embora seja uma das maiores economias do mundo, o Brasil ainda tem altos níveis de pobreza e desigualdade de renda. Essa desigualdade é tanto uma questão doméstica quanto um desafio em termos de sua posição na economia mundial, uma vez que pode limitar o potencial de consumo interno e a estabilidade social. 39FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Oportunidades No entanto, o Brasil também tem várias oportunidades na economia global. Como um dos maiores países do mundo em termos de território e população, o Brasil tem um enorme mercado interno que pode ser um motor de crescimento. Além disso, o Brasil tem vastos recursos naturais, incluindo a maior floresta tropical do mundo e importantes reservas de minerais e hidrocarbonetos. Outra oportunidade para o Brasil é seu setor agrícola altamente produtivo. O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, uma posição que pode ser ainda mais importante diante da crescente demanda global por alimentos. Além disso, o Brasil tem uma crescente indústria de serviços, incluindo áreas como tecnologia da informação e serviços financeiros. Esses setores podem fornecer oportunidades para o Brasil diversificar sua economia e diminuir sua dependência de commodities. Finalmente, a posição do Brasil como um país líder no mundo em desenvolvimento e como uma das principais economias emergentes - muitas vezes incluído no grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) - significa que o país tem um papel importante a desempenhar nas negociações econômicas globais e na formação das regras da economia global. Este é um papel que o Brasil tem buscado ativamente, particularmente através de fóruns como a OMC e o G20. 40 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 DEFINIÇÃO BRICS: o BRICS é um acrônimo que representa um grupo de países emergentes formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Esses países possuem características comuns como um grande território, uma enorme população e são considerados emergentes, ou seja, estão em pleno desenvolvimento econômicoe possuem uma grande influência política regional. O BRICS foi criado em 2006 com o objetivo de formar um bloco econômico para que esses países tivessem maior representatividade e poder de negociação frente aos países mais ricos. Além disso, o grupo busca também diversificar as relações internacionais, principalmente em questões ligadas à economia global. OMC (Organização Mundial do Comércio): a OMC é uma organização internacional que supervisiona o comércio internacional. Sua principal função é servir como um fórum para negociações comerciais entre seus membros e resolver disputas comerciais. Além disso, a OMC também monitora as políticas comerciais nacionais e ajuda os países em desenvolvimento a implementarem políticas comerciais e a participarem mais efetivamente do sistema de comércio global. A OMC foi criada em 1995 como sucessora do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio). G20 (Grupo dos 20): o G20 é um grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo, mais a União Europeia. Juntos, esses países representam cerca de 85% do Produto Interno Bruto (PIB) global e dois terços da população mundial. O G20 foi criado em 1999, em resposta às crises financeiras da década de 1990, com o objetivo de discutir políticas para promover a estabilidade financeira global. Desde 2008, as reuniões do G20 também começaram a abordar questões além da economia e das finanças, incluindo mudanças climáticas, desenvolvimento e saúde. https://www.youtube.com/watch?v=oZQv6Uc9UWo https://www.youtube.com/watch?v=8OaH010fBEo https://www.youtube.com/watch?v=cqs7QZ_gFVQ&t=2s 41FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Vamos resumir o que vimos neste capítulo para ter certeza de que você entendeu bem. Você deve ter aprendido sobre a trajetória do Brasil para sua inserção no sistema capitalista global, incluindo as políticas econômicas, alianças estratégicas e eventos históricos que pavimentaram esse caminho. Também compreendeu as consequências da dependência econômica e como ela pode afetar o desenvolvimento do país. 42 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Modernização conservadora no pós-64, e o fim do “milagre econômico brasileiro” OBJETIVO Ao término deste capítulo, você será capaz de analisar e avaliar a chamada “modernização conservadora” que ocorreu no Brasil no período pós-64. Este conhecimento inclui a identificação das políticas específicas adotadas pelo regime militar para modernizar a economia e a infraestrutura do país, bem como a avaliação dos efeitos dessas políticas sobre a sociedade brasileira. Você entenderá o que foi o “milagre econômico brasileiro” e quais foram suas consequências a longo prazo. Este entendimento é essencial para qualquer profissional que lida com a história política e econômica do Brasil. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Vamos lá. Avante! Pós-64: o início da modernização conservadora O termo “modernização conservadora” é frequentemente usado para descrever a transformação socioeconômica ocorrida no Brasil após o golpe militar de 1964, que resultou em duas décadas de ditadura militar. O termo reflete a natureza paradoxal dessa transformação, que combinava elementos de modernização econômica com a preservação de estruturas sociais e políticas conservadoras. Coelho, Silva e Herdeiro (2021) explicam que (...) o termo modernização conservadora tem sido largamente utilizado para descrever o processo de desenvolvimento capitalista 43FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 brasileiro, com maior ou menor atenção às devidas mediações que requerem a análise de um país inserido na periferia do capitalismo. Desta forma, torna-se imperativo um olhar sobre a origem deste conceito, para que seja possível verificar em seguida como ele se relaciona com as especificidades do caso brasileiro. Conforme Pires e Ramos (2009): A Modernização Conservadora e as Revoluções Vindas de Cima, tiveram como característica o fato de a burguesia nascida da revolução capitalista não ter forças suficientes para romper com a classe dos proprietários rurais, resultando em um pacto político entre a classe dos latifundiários e a burguesia (Idem, p. 414). (COELHO; SILVA; HERDEIRO, 2021, p. 114) Os autores destacam que o conceito de modernização conservadora exemplifica um cenário em que, devido à fraca propensão revolucionária da burguesia, a classe latifundiária, com a colaboração da pequena burguesia, conseguiu preservar sua influência política, econômica e social. Essa classe dirigente implementou mudanças de cima para baixo, resultando em “revoluções burguesas parciais” que não desmantelaram efetivamente as estruturas do Antigo Regime (PIRES; RAMOS, 2009, p. 412 apud COELHO; SILVA; HERDEIRO, 2021, p. 114). Além do pacto político entre latifundiários e pequena burguesia, um “pacto social” com os trabalhadores foi fundamental para essa forma de modernização. As políticas industriais e trabalhistas serviram para integrar e disciplinar a força de trabalho deslocada do campo pela modernização das grandes propriedades, incorporando-a no contexto urbano, personificado nas cidades (COELHO; SILVA; HERDEIRO, 2021, p. 114). 44 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Com base na promoção estatal da industrialização, na regulação do trabalho assalariado urbano-industrial e na estratificação social através da concessão limitada de direitos sociais, políticos e econômicos (cidadania regulada), a modernização conservadora representa um sistema social projetado para absorver a força de trabalho expulsa do campo, enquanto mantém uma estrutura fundiária concentrada. Um aspecto importante a considerar aqui é como o sistema de proteção do trabalho foi concebido com o objetivo singular de suprimir a organização da classe trabalhadora e dissuadir quaisquer ideias revolucionárias (ESPING-ANDERSEN, 1991 apud COELHO; SILVA; HERDEIRO, 2021, p. 115). O conceito de modernização conservadora, portanto, emerge como um mecanismo estratégico, no qual, diante de uma fraca propensão revolucionária burguesa, a classe dos latifundiários, com o apoio da pequena burguesia, mantém a influência política, econômica e social, ao mesmo tempo que implementa transformações de cima para baixo. Essa noção encontra uma evidência empírica expressiva no Brasil pós-64. No período seguinte ao golpe de 1964, o novo regime militar brasileiro, composto principalmente por membros da elite governante, definiu como objetivo a modernização da economia nacional. As estratégias utilizadas para alcançar esse objetivo, como a industrialização acelerada, a expansão da infraestrutura e a busca por uma maior integração na economia global, refletem essa abordagem de modernização conservadora. Tal processo foi viabilizado por meio de uma série de reformas institucionais - como novas legislações trabalhistas e fiscais, a criação de agências de planejamento e a reformulação de políticas de educação e saúde - com o intuito de integrar e disciplinar a força de trabalho deslocada do campo, caracterizando assim a essência da modernização conservadora na manutenção da estrutura de poder concentrada. 45FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Por outro lado, o regime militar também estava empenhado em preservar e reforçar a ordem social e política conservadora. Isso se refletiu na repressão política e na censura à imprensa, na concentração de poder nas mãos das elites militares e econômicas e na manutenção de desigualdades socioeconômicas profundas. Portanto, a modernização conservadora que se seguiu ao golpe de 64 representa um período de transformações profundas na economia brasileira, mas também de continuidades e reforço das estruturas sociais e políticas conservadoras. Além disso, o período também foi marcado por tensões e conflitos, já que a modernização econômica aceleradagerou descontentamento e resistência por parte de setores da sociedade que se sentiram marginalizados ou prejudicados por essas transformações. 46 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 SAIBA MAIS Após o golpe de 1964, o novo regime militar, inicialmente sob o comando do presidente Artur da Costa e Silva, se propôs a modernizar a economia brasileira, buscando a industrialização acelerada, a expansão da infraestrutura e a integração do Brasil na economia global. Esse projeto de modernização foi acompanhado por uma série de reformas institucionais, como a implementação de uma nova legislação trabalhista e fiscal, a criação de novas agências de planejamento e a reformulação das políticas de educação e saúde. No entanto, paralelamente a essas iniciativas de modernização, o regime de Costa e Silva também estava empenhado em preservar e reforçar a ordem social e política conservadora. Isso se refletiu na repressão política e na censura à imprensa, culminando na assinatura do Ato Institucional Número 5 (AI-5) em 1968, que permitiu uma concentração ainda maior de poder nas mãos das elites militares e econômicas, e resultou na manutenção de desigualdades socioeconômicas profundas. Acesse https://www.youtube.com/watch?v=ACBevMga6G4 https://www.youtube.com/watch?v=ACBevMga6G4 47FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 O “milagre econômico brasileiro”: crescimento e controvérsias O “milagre econômico brasileiro” é o nome comum dado ao período de intenso crescimento econômico que o Brasil experimentou entre 1968 e 1973, durante o regime militar. Esse período foi caracterizado por taxas de crescimento do PIB que chegaram a 10% ao ano, o que foi significativamente mais alto do que a média mundial na época. A explicação para esse “milagre” tem suas raízes nas políticas econômicas adotadas pelo regime militar. Incentivos à industrialização, a atração de investimentos estrangeiros e a expansão da infraestrutura, como estradas e hidrelétricas, foram alguns dos fatores que contribuíram para essa explosão de crescimento. Adicionalmente, a estabilidade política imposta pelo regime militar, apesar de seus custos humanos e democráticos, contribuiu para criar um ambiente favorável aos investimentos. Figura 7 – A construção da Ponte Rio-Niteroi, um dos símbolos do período (1971) Fonte: Wikimedia Commons 48 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 No entanto, o “milagre econômico brasileiro” também foi marcado por controvérsias e desigualdades. Enquanto o país como um todo estava crescendo, os benefícios desse crescimento não eram uniformemente distribuídos. A concentração de renda aumentou durante esse período, com as elites econômicas colhendo a maior parte dos frutos do crescimento, enquanto os pobres e a classe média baixa viam poucos avanços em termos de renda e qualidade de vida, como apontam Padrós e Fernandes (2009). A economia da ditadura passou a ser pautada pelo crescimento industrial de bens de consumo duráveis, impondo um específico padrão de concentração de renda. Os setores com maior poder aquisitivo foram privilegiados por essa nova estratégia financeira. Passaram a ter elevação de salários, a fim de se constituírem em um forte mercado interno de consumo desses produtos. Para tal, era necessário desconsiderar as parcelas mais carentes da população, incapazes de se adequarem às novas necessidades econômicas de consumo. Além disso, a ditadura garantiu aos investidores estrangeiros uma mão-de-obra barata e controlada. Para os trabalhadores, o “milagre” significou sofrer a intensificação da exploração econômica e o controle e repressão dos sindicatos. (PADRÓS; FERNANDES, 2009, p. 46-47 apud LIMA; KONRAD, 2013, p. 5) Além disso, o modelo econômico adotado durante o “milagre” dependia fortemente de empréstimos estrangeiros e investimentos diretos estrangeiros, o que tornou a economia brasileira vulnerável a choques externos. Quando a crise do petróleo de 1973 ocorreu, o Brasil foi duramente atingido, 49FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 marcando o fim do “milagre econômico” e iniciando um período de inflação alta e estagnação econômica conhecido como a “década perdida”. Lima e Konrad (2013) apontam que A partir de 1973, em função do aumento dos preços do petróleo, surgiram os primeiros sintomas do que se pode chamar de esgotamento das possibilidades de crescimento acelerado da economia (BRUM, 1986). Em consequência disso, o Governo elaborou o seu II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), com vistas a superar a crise e alavancar o crescimento econômico do País. Porém, mesmo com essa tentativa de saída da crise, nascida ainda na década de 1970, a economia brasileira parecia não reagir. (LIMA; KONRAD, 2013, p. 6) Por fim, é importante lembrar que o “milagre econômico” ocorreu em um contexto de repressão política e violações dos direitos humanos. A liberdade de imprensa estava severamente restrita, e muitos brasileiros foram perseguidos, torturados ou mortos pelo regime militar durante esse período. Assim, o legado do “milagre econômico brasileiro” é complexo e controverso, misturando avanços econômicos com retrocessos democráticos e sociais. 50 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Consequências da modernização conservadora: impactos sociais e políticos A modernização conservadora ocorrida no Brasil, sobretudo no período pós-1964, desencadeou uma série de consequências sociais e políticas que ainda são sentidas até os dias atuais. O processo de industrialização acelerada e a integração do país na economia global, conduzidos de cima para baixo, resultaram em importantes transformações estruturais, mas também intensificaram as desigualdades socioeconômicas e a exclusão de grande parte da população. Socialmente, a modernização conservadora trouxe consigo um processo de urbanização acelerada. Muitos trabalhadores rurais foram deslocados de suas terras e migraram para as cidades em busca de trabalho nas indústrias emergentes. Esse fluxo migratório massivo levou à formação de grandes favelas e à intensificação de problemas sociais urbanos, como a pobreza, o desemprego e a violência. Além disso, a concentração de renda, já alta, foi exacerbada durante esse período, aprofundando as desigualdades sociais no Brasil. Politicamente, a modernização conservadora foi implementada em um contexto de ditadura militar, que reprimiu severamente as liberdades civis e políticas. A censura à imprensa e a perseguição a opositores do regime, que incluía prisões, tortura e desaparecimentos, criaram um clima de medo e repressão que teve um impacto duradouro na cultura política do país. Mesmo após a transição para a democracia na década de 1980, muitos dos traumas e conflitos gerados durante esse período continuaram a influenciar a política brasileira. 51FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Ademais, a modernização conservadora não somente impulsionou mudanças econômicas e sociais significativas, mas também motivou o surgimento de uma robusta cultura de resistência e ativismo social no Brasil. A situação de repressão, a perseguição política e as profundas desigualdades socioeconômicas funcionaram como catalisadores para a mobilização de diversos grupos sociais que buscavam vozes e espaços de representação. Figura 8 – Manifestação estudantil em protesto contra a ditadura militar brasileira Fonte: Wikimedia Commons O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por exemplo, é um desses movimentos que emergiu no contexto da modernização conservadora. Ele nasceu na década de 1980, no final do regime militar, como uma resposta à concentração fundiária e à exclusão social no campo, como explica Medeiros (2014). 52 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 A gênese do Movimento está intimamente ligada ao rápido processo de modernização da agricultura ocorrida na década de 1970que substituiu de forma rápida e intensa a mão de obra pela mecanização, liberando assim grande contingente de trabalhadores. (MEDEIROS, 2014, p. 69) O MST tem desempenhado um papel central na luta pela reforma agrária e pelos direitos dos trabalhadores rurais no Brasil, organizando ocupações de terras improdutivas e lutando por políticas públicas de apoio à agricultura familiar e à agroecologia. Os movimentos feminista, negro e LGBTQ+ também ganharam força durante esse período. Em meio à repressão política e à censura, esses movimentos se organizaram para desafiar as estruturas de poder existentes e lutar por direitos e igualdade. O movimento feminista, por exemplo, foi crucial para avançar a luta por direitos iguais, combater a violência de gênero e desafiar as normas patriarcais. Na realidade brasileira, marcada pela inserção subordinada na divisão internacional do trabalho e pela superexploração do trabalho como traço estruturante da dinâmica do desenvolvimento capitalista dependente (MARINI, 2005), também se verificou um aumento da taxa de ocupação das mulheres nas três últimas décadas. Este movimento foi acompanhado de sua maior inserção nos postos precários de trabalho, especialmente no setor de serviços (HIRATA, 2009; NOGUEIRA, 2011). 53FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Este processo é marcado por uma espécie de modernização conservadora: de um lado, a ampliação da inserção das mulheres nas relações assalariadas; de outro, a permanência dos espaços tradicionais de ocupação: o setor de serviços e o emprego doméstico. Ampliação e precarização do emprego feminino constituem uma dinâmica contraditória que expressa a manutenção de rígidas fronteiras da divisão social e sexual do trabalho sob a ordem capitalista e patriarcal. (CISNE; FERREIRA, 2021) O movimento negro se mobilizou contra o racismo e a discriminação racial, exigindo igualdade de direitos e oportunidades para a população afro-brasileira. Coelho, Silva e Herdeiro (2021) analisam que “o processo de modernização do Brasil é, para além de conservador, fundamentalmente racista” e enfatizam como (...) o avanço das relações capitalistas sobre uma base ainda escravagista (Fernandes, 2008; Moura, 1994a), a ausência de participação das massas nos processos revolucionários internos (Chasin, 1978; Fernandes, 1975) e a própria natureza organizacional do capitalismo e das sociedades de classes (Moura, 1994a; Davis, 2016) devem ser lidos como elementos estruturantes centrais que se interseccionam para resultar por fim na realidade social brasileira contemporânea. Em meio a esse quadro, destaca-se no artigo o aspecto conservador das reformas modernizantes conduzidas durante a era 54 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Vargas, que contribuíram decisivamente para perpetuar um contexto de discriminação sistemática aos povos negros e indígenas no Brasil e consolidar essa sociedade profundamente heterogênea, anticorporativa e fragmentada que se observa hoje. Essas reformas modernizantes, vale apontar, são caracterizadas como tais por terem o objetivo de aprofundar (ainda que de maneira regulada e restrita (Prado, 2006)) a consolidação de relações capitalistas de trabalho no país através do incentivo à urbanização e à industrialização (Barbosa, 2003). Percurso nos moldes da filosofia eurocêntrica moderna que hierarquiza as distintas epistemologias e legitima o próprio processo colonial ao alçar o homem branco cristão enquanto sujeito produtor de conhecimento universal, preconizando a suposta dicotomia entre civilizado e primitivo que é também símbolo da transição do Antigo Regime para os modernos Estados Nacionais (Almeida, 2018). (COELHO, SILVA E HERDEIRO, 2021, p. 113) Assim, a persistência desse ativismo ilustra a tenacidade da desigualdade racial no Brasil e enfatiza a urgência de empreender esforços consistentes para eliminar as estruturas raciais que ainda permeiam a sociedade brasileira. O movimento LGBTQ+, por sua vez, lutou pela igualdade de direitos e pela inclusão social de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e outras pessoas não conformes com o gênero. Esses movimentos sociais, moldados em grande parte pela reação às políticas e condições sociais da modernização conservadora, continuam a desempenhar um papel vital na 55FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 luta por direitos e justiça social no Brasil. Mesmo em face de adversidades, eles persistem em suas lutas, evidenciando a força e a resiliência da cultura de resistência e ativismo social no país. ACESSE Quer saber mais sobre a história dos movimentos sociais no Brasil? Acesse: Vídeo: A História dos Movimentos Sociais Leitura: Vídeo: Linha do Tempo: História do Brasil RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Vamos resumir o que vimos para garantir que você realmente entendeu. Você deve ter aprendido sobre a “modernização conservadora” que ocorreu no período pós-64 no Brasil. Compreendeu as políticas adotadas pelo regime militar para modernizar a economia e a infraestrutura do país, assim como os efeitos dessas políticas na sociedade brasileira. Também deve ter entendido o que foi o “milagre econômico brasileiro” e quais foram suas consequências a longo prazo. https://www.youtube.com/watch?v=406ujmrth_w https://www.youtube.com/watch?v=9itS2doVEWw 56 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Transição democrática e o neoliberalismo no Brasil OBJETIVO Ao concluir este capítulo, você será capaz de discernir o processo de transição democrática no Brasil. Isso envolve a compreensão dos eventos políticos e sociais que levaram ao fim da ditadura militar e à implementação de uma democracia. Além disso, você entenderá o advento do neoliberalismo no Brasil, as reformas econômicas que acompanham essa ideologia e como elas afetaram a economia e a sociedade brasileira. Este conhecimento é vital para qualquer profissional que lida com a sociedade brasileira contemporânea e suas dinâmicas políticas e econômicas. E então? Pronto para desenvolver esta habilidade? Vamos lá. Avante! Da ditadura à democracia: a transição política brasileira A transição política do Brasil de uma ditadura militar para uma democracia representativa, nas décadas de 1980 e 1990, foi marcada por uma complexidade impressionante. Esse movimento, frequentemente referido como “abertura política”, nasceu de uma combinação de pressão interna e internacional para a reforma política. Essa pressão foi alimentada por uma onda de protestos e movimentos sociais que exigiam o término do regime militar e o restabelecimento da democracia. Grinberg (2018) explica: A partir do impacto das eleições de 1974, as análises sobre o regime passaram a dedicar maior atenção às organizações partidárias e às eleições, pois o resultado 57FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 do pleito para senadores indicava que aí poderia residir uma via para a abertura política. Nos anos 1980, tendo em vista as expectativas sobre a redemocratização, os cientistas políticos, principalmente, deram continuidade aos estudos sobre as eleições e o sistema partidário vigente a partir de 1965, destacando as possibilidades eleitorais do MDB (LAMOUNIER, 1980). (GRINBERG, 2018, p. 345) À medida que a década de 1980 começava, o regime militar brasileiro encontrava-se em uma posição precária, corroído por crises econômicas e uma crescente insatisfação popular, como observa Silva (2019). [Os militares] objetivavam impedir que as liberdades democráticas retornassem as mãos dos civis por meio de mobilizações sociais. Entre os anos de 1974 a 1985 houve no país movimentos em prol da abertura política, visto que grupos sociais lutaram contra o autoritarismo do regime civil- militar. Além do mais, os militares queriamimpedir que os envolvidos em crimes de perseguição e de tortura fossem penalizados e que retornassem aos quartéis sem maiores “prejuízos”, assim foram contemplados com a promulgação da anistia total e irrestrita. Para alguns historiadores, apesar do governo do civil José Sarney, a consolidação para a transição da abertura política se deu com a eleição de 1989. (SILVA, 2019, p.1) Diante dessas circunstâncias, o governo militar começou a instaurar reformas políticas que pavimentariam o caminho para 58 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 a transição democrática. Esse movimento culminou em 1985 com a eleição de Tancredo Neves à presidência pelo Colégio Eleitoral, marcando simbolicamente o fim do período de ditadura militar. No entanto, a trajetória para a democracia no Brasil enfrentou um contratempo quando Neves ficou gravemente doente e faleceu antes de poder tomar posse. Esse evento levou José Sarney, seu vice-presidente, a assumir a presidência, tornando-se assim o primeiro presidente civil do Brasil em mais de 20 anos. Figura 9 – Ex-presidente José Sarney Fonte: Wikimedia Commons Sob a presidência de Sarney, o Brasil iniciou um complexo processo de reestruturação política. Isso incluiu a formação de uma Assembleia Constituinte em 1986 e a subsequente promulgação de uma nova Constituição em 1988. A nova Constituição, que continua em vigor até hoje, estabeleceu o Brasil como um estado democrático de direito e introduziu uma série 59FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 de reformas destinadas a fortalecer a democracia e a proteger os direitos humanos. No entanto, a transição para a democracia não foi fácil. O governo de Sarney enfrentou uma série de desafios, incluindo hiperinflação, crises econômicas e agitação social. Além disso, os resquícios do regime militar ainda estavam presentes em várias instituições do Estado, e a luta para superar esse legado continua até hoje. Mesmo assim, a transição política brasileira é frequentemente citada como um exemplo de como uma nação pode superar um regime autoritário e se mover em direção à democracia. O advento do neoliberalismo: transformações e implicações O encerramento da ditadura militar no Brasil ocorreu em um momento de mudança global na política econômica. Esse período viu a ascensão do neoliberalismo como a ideologia econômica preponderante em grande parte do mundo. O neoliberalismo, uma filosofia que advoga pela intervenção mínima do Estado na economia e pela liberdade de mercado, começou a moldar a política econômica brasileira durante o mandato de Fernando Collor de Mello (1990-1992), quando “o regime civil-militar chegou ao fim de fato com a participação direta dos cidadãos brasileiros na eleição de 1989” (SILVA, 2019). 60 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Figura 10 – Ex-presidente Fernando Collor de Mello Fonte: Wikimedia Commons Fernando Collor, o primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura, empreendeu uma série de reformas econômicas marcadas pelo viés neoliberal. Essas reformas, frequentemente referidas como o “Plano Collor”, incluíam a abertura da economia brasileira ao comércio e investimento estrangeiros, a desregulamentação de diversos setores e uma política de privatização agressiva de empresas estatais. Collor pretendia assim atrair capital estrangeiro, modernizar a economia e tornar as empresas brasileiras mais competitivas no cenário global. 61FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 SAIBA MAIS O Plano Collor: o anúncio do Plano Collor, que ocorreu um dia após a posse de Fernando Collor de Mello como presidente da República em 16 de março de 1990, foi uma tentativa radical de estabilizar a economia brasileira, que estava em uma espiral inflacionária. A medida mais drástica do plano foi o bloqueio de grande parte da liquidez financeira do país, mais especificamente, o congelamento de depósitos bancários e aplicações financeiras acima de uma certa quantia. Essa medida, inédita e controversa, tinha como objetivo conter a hiperinflação, que chegava a taxas mensais de 70% nos meses de janeiro e fevereiro de 1990 (SILVA, 2019). A consequência imediata do bloqueio da liquidez foi uma queda abrupta na inflação, que baixou para a faixa de 10% ao mês nos meses seguintes à implementação do plano. No entanto, a medida também levou a uma contração da atividade econômica e causou grandes dificuldades para muitas empresas e indivíduos, que de repente se viram sem acesso a seus próprios recursos. Apesar da queda inicial na inflação, o Plano Collor não conseguiu estabilizar a economia a longo prazo. Até o final do ano, a inflação já estava novamente em alta, atingindo 20% ao mês em dezembro de 1990. Além disso, o plano não conseguiu resolver os problemas estruturais subjacentes da economia brasileira que contribuíam para a inflação elevada. Em setembro de 1990, apenas seis meses após o início do Plano Collor, a política monetária e cambial do Brasil voltou aos padrões dos anos de alta inflação. O plano foi, em grande parte, considerado uma falha, tendo falhado em alcançar uma estabilização duradoura da economia e tendo causado muitas dificuldades econômicas no processo. A tentativa de estabilização por meio do bloqueio da liquidez, portanto, teve um efeito imediato de redução da inflação, mas falhou em alcançar uma estabilização econômica duradoura. Essa experiência serve como um lembrete de que a estabilização econômica e a luta contra a inflação requerem medidas abrangentes e estruturalmente orientadas, além de políticas monetárias e fiscais responsáveis. https://www.youtube.com/watch?v=C6UfDoNHCEg 62 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 A adoção dessas políticas neoliberais marcou uma ruptura significativa com a abordagem desenvolvimentista que havia caracterizado grande parte da política econômica brasileira no século XX. Além disso, as políticas neoliberais também tiveram implicações profundas para a sociedade brasileira. Por um lado, a abertura da economia brasileira levou a um aumento no comércio e no investimento estrangeiros, contribuindo para o crescimento econômico em algumas áreas. No entanto, as políticas neoliberais também foram acompanhadas por um aumento na desigualdade econômica e social, já que os benefícios do crescimento econômico não foram distribuídos igualmente. Além disso, as políticas de desregulamentação e privatização também foram controversas. Enquanto alguns argumentaram que essas políticas melhoraram a eficiência e a competitividade das empresas brasileiras, outros argumentaram que elas levaram a uma concentração de riqueza e poder e à erosão dos direitos dos trabalhadores. Assim, embora o advento do neoliberalismo no Brasil tenha transformado a economia do país e tenha tido implicações profundas, o legado dessas políticas e seus impactos na sociedade brasileira são complexos e continuam sendo objeto de debate. 63FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Brasil neoliberal: impactos econômicos e sociais As políticas neoliberais implantadas no Brasil, especialmente a partir da década de 1990, trouxeram mudanças significativas tanto na economia quanto na sociedade brasileira. De modo geral, o neoliberalismo promove a liberalização da economia, com redução da intervenção do Estado, privatização de empresas estatais e abertura para o comércio e investimento estrangeiro. No contexto brasileiro, essas políticas foram acentuadas nos governos de Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e, posteriormente, Michel Temer. Economicamente, as políticas neoliberais favoreceram a modernização da economia brasileira. Com a liberalização comercial e a desregulamentação de vários setores, o Brasil atraiu investimentos estrangeiros e estimulou a competitividade. Empresas estrangeiras se instalaram no país, criando empregos e estimulando o desenvolvimento de infraestrutura.Além disso, as privatizações permitiram a modernização de setores estratégicos da economia, como telecomunicações e energia. Entretanto, os benefícios econômicos do neoliberalismo no Brasil vieram acompanhados de um aumento considerável da desigualdade socioeconômica. Embora a competição tenha sido estimulada, muitas vezes isso resultou em precarização do trabalho, com a diminuição da estabilidade empregatícia e a fragilização dos direitos trabalhistas. As políticas neoliberais também enfraqueceram o poder dos sindicatos, dificultando a luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho. 64 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 SAIBA MAIS Durante o governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), o Brasil iniciou um grande programa de privatizações, seguindo uma tendência neoliberal que estava se espalhando globalmente na época. Das 68 empresas inicialmente incluídas neste programa, apenas 18 foram efetivamente privatizadas. O processo foi interrompido por problemas surgidos na privatização da Viação Aérea São Paulo - VASP. A política econômica implementada pela ministra Zélia Cardoso de Mello marcou uma mudança significativa em relação à anterior, com foco na abertura para importações, privatização e modernização industrial e tecnológica. A privatização das empresas siderúrgicas começou com a extinção da Siderurgia Brasileira S.A. – SIDERBRAS. A primeira estatal a ser privatizada foi a USIMINAS, uma siderúrgica mineira que, apesar de ser uma das estatais mais lucrativas, foi privatizada em outubro de 1991. Esse ato gerou grande polêmica na época. O Grupo Gerdau, um importante conglomerado industrial, foi um dos maiores beneficiários desse processo, adquirindo a maior parte das empresas siderúrgicas privatizadas. Com a destituição de Fernando Collor e a posse de seu vice-presidente Itamar Franco, o processo de privatização desacelerou, embora Itamar também fosse favorável às privatizações, porém em um grau menor que Collor. 65FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Figura 11 – Manifesto contra a privatização da Clin em Niterói, Rio de Janeiro, Brasil Fonte: Wikimedia Commons Por outro lado, as políticas de austeridade fiscal, comuns em governos neoliberais, resultaram em cortes em áreas fundamentais, como saúde, educação e programas sociais. A adoção de medidas de ajuste fiscal impactou fortemente o orçamento de políticas públicas, prejudicando sobretudo as populações mais vulneráveis, que mais dependem desses serviços. Assim, apesar do crescimento econômico obtido, o modelo neoliberal resultou em um aumento da pobreza e da desigualdade social, desafios que o Brasil ainda enfrenta. Dessa forma, é possível afirmar que as políticas neoliberais tiveram efeitos contraditórios no Brasil. Se, por um lado, promoveram a modernização da economia e a atração de investimentos, por outro, exacerbaram a desigualdade socioeconômica e a precarização do trabalho, além de terem contribuído para a fragilização dos serviços públicos essenciais. 66 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 Sobre esse aspecto contraditório das políticas neoliberais, Corazza (1992) explica que Na realidade, e os monetaristas sabem disso, a moeda não é neutra e possui outras funções, além de ser meio de troca. “Escapando da banalidade quantitativa, ela tem um funcionamento complexo” (Bmnhoff, 1991, p. l08). Além disso, a moeda é um signo do dinheiro, valor autônomo e livre das mercadorias. É o valor das mercadorias materializado numa coisa, ouro ou papel. Como tal, é um meio de troca, mas também unidade de conta, meio de pagamento e reserva de valor. Numa sociedade mercantil, ela é ainda, e essencialmente, o fio invisível que tece o tecido social. Ela une produtores e consumidores num sistema descentralizado de produção. A moeda circula como mercadoria, mas também como capital. Por isso, a política monetária exprime o funcionamento complexo da moeda: é um instrumento poderoso para determinados objetivos, mas muito limitado para outros. Nas mãos do trabalhador, o dinheiro é apenas moeda, simples meio de sobrevivência; mas, nas mãos do capitalista, o dinheiro é capital, poder social de dominação. (CORAZZA, 1992, p. 94) Entendendo a moeda não apenas como um meio de troca, mas também como uma unidade de conta, meio de pagamento, reserva de valor e um elemento central na estruturação de um sistema de produção descentralizado, podemos observar os efeitos distintos das políticas monetárias nas diferentes camadas da sociedade. 67FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 No contexto das políticas neoliberais no Brasil, que enfatizam a liberalização econômica e a estabilidade monetária, essa visão multifacetada da moeda se torna particularmente relevante. Tais políticas, muitas vezes, são baseadas em uma compreensão da moeda principalmente como meio de troca, o que pode levar a políticas que favorecem as forças do capital em detrimento dos trabalhadores. Por exemplo, políticas de austeridade que buscam restringir a oferta de moeda na economia podem ter um impacto negativo sobre os trabalhadores, reduzindo seu poder de compra e potencialmente aumentando as taxas de desemprego. Em contraste, tais políticas podem ser benéficas para os detentores de capital, proporcionando um ambiente econômico estável para investimentos e a acumulação de riqueza. Assim, a percepção e o uso da moeda podem ser bastante diferentes para os trabalhadores e para os capitalistas. Para os trabalhadores, o dinheiro é muitas vezes um meio de sobrevivência, enquanto que para os capitalistas, ele é um instrumento de poder e dominação. Esse entendimento ilustra o modo como as políticas neoliberais podem contribuir para a ampliação das desigualdades socioeconômicas na sociedade brasileira. Após o período do neoliberalismo e a consolidação da democracia no Brasil durante a década de 1990, o início do século XXI foi marcado pela presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), que tomou posse em 2003. Durante o governo de Lula, e subsequentemente de Dilma Rousseff, também do PT, houve uma mudança de direção em relação às políticas neoliberais. Seu governo promoveu uma série de políticas voltadas para a inclusão social e a redução da pobreza, como o programa Bolsa Família, que fornece 68 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 transferências de renda condicionadas à frequência escolar e ao acompanhamento da saúde de crianças e adolescentes. Essas políticas resultaram em uma redução significativa da pobreza e da desigualdade no Brasil durante a primeira década do século XXI. No entanto, a partir de 2013, o Brasil passou por uma crise política e econômica que culminou no impeachment de Dilma Rousseff em 2016. O vice-presidente Michel Temer assumiu a presidência e implementou uma agenda de reformas econômicas de orientação liberal, incluindo uma reforma trabalhista e uma emenda constitucional que limita os gastos públicos por 20 anos. Assim, a trajetória brasileira recente revela mudanças significativas na orientação política e econômica. Desde a adoção de políticas de inclusão social durante os governos do PT, passando pela crise e até a adoção de políticas econômicas mais liberais durante o governo de Temer, cada uma dessas etapas moldou o panorama socioeconômico do Brasil. Esses acontecimentos deixaram um impacto duradouro na sociedade e na economia, desenhando o contexto atual do país e delineando os desafios que o Brasil continua a enfrentar no século XXI. 69FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 SAIBA MAIS O Brasil teve dois presidentes afastados do cargo através do processo de impeachment. O primeiro impeachment ocorreu em 1992 com o então presidente Fernando Collor de Mello. Collor assumiu a presidência em 1990 e, no início de seu mandato, implementou um plano econômico controverso que incluía o congelamentode ativos financeiros. No entanto, sua presidência foi marcada por escândalos de corrupção, e ele acabou sendo impeached em 1992. O segundo impeachment ocorreu em 2016 com a então presidente Dilma Rousseff. Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, foi reeleita em 2014, mas logo enfrentou uma forte crise política e econômica. Ela foi acusada de usar contabilidade criativa, um ato que ficou conhecido como “pedaladas fiscais”, para disfarçar o tamanho do déficit orçamentário do país antes das eleições de 2014. Em 2016, ela foi formalmente impeached e removida do cargo. O impeachment é um processo político-judicial definido na Constituição Brasileira. Ele pode ser instaurado contra o presidente da República por crimes de responsabilidade, que incluem atos contra a Constituição e contra a probidade na administração. Entretanto, é importante notar que o impeachment é tanto um processo político quanto jurídico, e a decisão final cabe ao Senado Federal. Acesse 70 FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Vamos resumir o que vimos para garantir que você realmente entendeu. Você deve ter aprendido sobre o processo de transição democrática no Brasil, os eventos políticos e sociais que levaram ao fim da ditadura militar e à implementação de uma democracia. Também compreendeu o advento do neoliberalismo no Brasil, as reformas econômicas que acompanham esta ideologia e como elas afetaram a economia e a sociedade brasileira. 71FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL U ni da de 4 BIELSCHOWSKY, R. O pensamento econômico brasileiro, o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. CARDOSO, E. J.; SANTOS, M. J.; CARNIELLO, M. F. O Processo de Urbanização Brasileiro. XV Encontro Latino-Americano de Iniciação Científica e XI Encontro Latino-Americano de Pós- Graduação – Universidade do Vale do Paraíba, 2011. CARVALHO, C. Desafios da mobilidade urbana no Brasil. Brasil: IPEA; 2016. Disponível em: https://www.econstor.eu/ handle/10419/144634. Acesso em: 28 jul. 2023. 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