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na exposição, a isenção em relação às partes envolvidas, o esforço de recuperação de pormenores, a razão da ciência, a serenidade e a ausência de contradições. De igual modo, para o apuramento do conhecimento directo, por parte dos depoentes, dos factos relatados, que são fruto de falsas memórias, contribui, em maior escala o apurar da razão da ciência da testemunha (testemunho, factos e provas); o questionamento assertivo com confronto de outros elementos de prova; a forma como responde, a memória demonstrada da situação e os pormenores; e, as regras da experiência comum. Já quanto ao relevo da alteração, ao longo de um depoimento, de alguns dos aspectos da realidade relatada, maioritariamente é entendido que nem sempre e necessariamente o é. Quanto à possibilidade de colheita pontual de determinados aspectos em depoimento tido por genericamente pouco credíveis, maioritariamente os entrevistados manifestam-se positivamente. A terminar diga-se que, por expressa maioria, se entendeu que não é essencial a indagação das razões pelas quais se moveu um depoimento para o reputar de não credível. Todas estas conclusões surgem-nos e estão em perfeita sintonia com o estudo teórico realizado no âmbito da revisão da literatura. Porém, verificamos que, quase sempre o Direito se tem bastado a si mesmo, raramente convocando os conhecimentos que a Psicologia pode dar no sentido do apuramento da credibilidade do testemunho. “Verificamos que desde sempre os juízes tiveram que recorrer a especialistas para os assessorar na altura de decidir sobre a verdade ou falsidade dos testemunhos. Se há 3000 anos o papel do especialista forense correspondia ao da actualidade, hoje esta responsabilidade recai sobre os psicólogos. Por sua vez, esta MESTRADO EM MEDICINA LEGAL 157 A CREDIBILIDADE DO TESTEMUNHO – A VERDADE E A MENTIRA NOS TRIBUNAIS responsabilidade requer a tomada de consciência das nossas limitações na altura de decidir sobre a honestidade de uma testemunha. Estas limitações são numerosas quando o perito se baseia na observação das alterações (fisiológicas e/ou comportamentais) que apresenta a pessoa sobre a qual cai a suspeita: os erros falso-positivo e falso-negativo do detector de mentiras, os que se devem à idiossincrasia da testemunha, ao erro de Otelo, podem conduzir-nos a um diagnóstico injusto da credibilidade. A solução parece derivar não da análise da testemunha, mas sim do seu testemunho: aqui a possibilidade de erro diminui e, em todo o caso, como vimos anteriormente ao falar da Análise das declarações das crianças vítimas de abusos, o relatório apresentado pelo forense auxilia sempre o juiz na reconstrução dos factos. A este corresponde, em última instância, a decisão final sobre se deve aceitar ou recusar a declaração; os psicólogos só o podem ajudar para que a sua decisão seja a correcta” (Sobral et al, 1994, p. 151-152). Pode, assim, concluir-se que, mesmo as pessoas que acreditam estar a dizer a verdade, cometem erros de testemunho (Gonçalves A., 2011). A detecção da mentira é uma tarefa difícil por mais que queiramos acreditar na história de Pinóquio. Os detectores de mentiras cometem erros frequentemente. Podemos melhorar o nível de detecção da mentira se usarmos técnicas de entrevista específicas, aumentando a exigência cognitiva e refinando técnicas de recolha de informações. É necessário valorizar mais o testemunho das vítimas. A avaliação da veracidade do testemunho é um processo complexo, ponderado e assente em determinadas estratégias, técnicas e critérios do domínio estrito da Psicologia (McGuire, 1998, citado in Matos, 2005). Na avaliação da credibilidade do testemunho, especialmente em casos concretos (como seja o abuso sexual, a violência conjugal, entre outros), a livre apreciação do julgador é muitas das vezes insuficiente para a avaliação fundamentada da veracidade das alegações, tornando-se necessária a intervenção criteriosa da Psicologia Forense (Carmo, 2005). A avaliação da credibilidade do testemunho tem por base o conhecimento das características psicológicas e da personalidade de quem o preste, contribuindo assim MESTRADO EM MEDICINA LEGAL 158 A CREDIBILIDADE DO TESTEMUNHO – A VERDADE E A MENTIRA NOS TRIBUNAIS para a melhor apreciação do testemunho em si e dos factores que o podem influenciar (Carmo, 2005). Neste contexto existem processos para a Avaliação da Validade das Declarações, que não sendo métodos infalíveis, constituem um poderoso contributo na avaliação da credibilidade do testemunho, nomeadamente o Statement Validity Assessment – SVA, no pressuposto de que, na valoração testemunhal todos os pormenores são importantes, pois a minúcia da análise técnico-científica (conduzida por peritos qualificados do domínio da Psicologia) é fundamental, quer para a própria avaliação da credibilidade do testemunho, quer para o evitamento de uma situação indesejada de vitimização secundária – para as reais vítimas ou para os arguidos injustamente acusados (Mesquita, 2005, Vrij, 2008). Deste modo, a avaliação da credibilidade do testemunho, representa um poderoso e decisivo instrumento para, em determinados contextos jurídico-legais, habilitar o julgador na descoberta da verdade material e, assim, alcançar uma melhor Justiça. ―(…) Realizada a justiça, realiza-se o equilíbrio necessário à harmonia universal. A essência pura do fenómeno jurídico reside neste equilíbrio: equilíbrio das condições de existência, das prerrogativas e das inibições do homem. Nesta essência pura do fenómeno jurídico estará o fundamento do direito‖ (Hermenegildo B., 2005, citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-07-2010, Processo n.º 102/10.5TBSRE.C1). 2. Limitações do estudo Qualquer patamar do conhecimento científico ou empírico é sempre antecedido de outros que lhe ficam aquém, bem como daqueles que serão alcançados num futuro mais ou menos distante, pelo que todo e qualquer estudo será sempre limitado pelos conhecimentos até então adquiridos ou ao dispor, pela possibilidade de os conjugar e integrar perante o objectivo proposto e por outras limitações relativas à colheita de amostragens pretendidas para a investigação. De qualquer modo, temos por certo o alcançar do objectivo proposto, circunscrito pela análise, em suma, do conteúdo do conceito de prova em sede judicial, do princípio regra informador da sua apreciação e valoração, do testemunho, da testemunha, da detecção MESTRADO EM MEDICINA LEGAL 159 A CREDIBILIDADE DO TESTEMUNHO – A VERDADE E A MENTIRA NOS TRIBUNAIS da mentira, da psicologia do testemunho, da sua avaliação, valoração e credibilidade, tudo como vector orientador da análise dos pressupostos da credibilidade da testemunha em Juízo e do decisivo contributo que a osmose entre o Direito e a Psicologia pode proporcionar para a descoberta da verdade material perante os diversos figurinos ou realidades históricas a apurar. Neste contexto, penitenciamo-nos por não ter logrado alcançar uma amostra de maior dimensão no universo da Magistratura Judicial, em ordem à recolha dos dados que nos propusemos para uma melhor compreensão e percepção do que, em concreto, motiva o julgador no sentido positivo ou negativo da credibilização do testemunho. Porém, a amostra apresentada, face ao universo em que nos movemos – a magistratura judicial portuguesa – já terá algum significado, tanto mais que espelha uma visão repartida pelas três instâncias hierárquicas, indo da Primeira Instância ao Supremo Tribunal de Justiça, passando pela Relação. Para o efeito foi decisiva a colaboração e o contributo abnegado de 25 Senhores Magistrados Judiciais, que prontamente acederam em dar a conhecer o seu pensamento, a sua perspectiva e saber relativamente às questões objecto de entrevista, pelo que cremos que tal amostra é o