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<p>Uma barganha com o viking demoníaco.</p><p>A vida que Wulfgar Ragnarsson conhecia fora totalmente destruída.</p><p>Agora ele apenas vive o momento, enganando a morte e</p><p>enriquecendo cada vez mais como mercenário. Talvez seu coração</p><p>tenha se tornado uma pedra de gelo, mas seu desejo arde por lady</p><p>Anwyn, uma corajosa viúva que precisa de sua proteção… Para</p><p>preservar seu �lho, Anwyn arriscará tudo o que for preciso. Até</p><p>mesmo se entregar a um guerreiro viking que irá ensiná-la que nem</p><p>todos os homens são monstros. Ainda que Wulfgar não dê sinais de</p><p>estar preparado para amar novamente…</p><p>http://www.harlequinbooks.com.br/</p><p>https://www.facebook.com/HarlequinBooksBrasil</p><p>https://twitter.com/harlequinbooks</p><p>– Eu achei… achei que ele o tivesse matado.</p><p>A voz dela soou trêmula, numa reação tardia, surpreendendo-o.</p><p>– Não sou fácil de ser morto, minha querida. Você �caria em luto por</p><p>mim se ele tivesse conseguido?</p><p>– Claro que sim.</p><p>– Você poderia comprar outro protetor com ouro.</p><p>– Não estou interessada em outro protetor.</p><p>Os olhos de Anwyn se encheram de lágrimas, que procurou disfarçar</p><p>virando o rosto. Mas ele a segurou pelos ombros, forçando-a a encará-lo. O</p><p>coração de Wulfgar disparou com o que viu através dos olhos dela. Quando</p><p>Anwyn inclinou a cabeça, ele capturou-lhe os lábios com os dele. Wulfgar</p><p>sentiu quando ela o enlaçou pelo pescoço e correspondeu ao beijo com</p><p>paixão. O beijo foi se aprofundando, tornando-se mais íntimo, despertando</p><p>o desejo de ambos.</p><p>Querida leitora,</p><p>Decidido a viver o momento e esquecer-se do passado trágico, o poderoso</p><p>viking Wulfgar Ragnarsson transformou-se em um infame mercenário,</p><p>movido apenas pelo dinheiro. Entretanto, quando conheceu a jovem viúva</p><p>Anwyn, foi tomado por um ardente desejo. Ela estava em busca de proteção,</p><p>por isso, contrata os serviços de Wulfgar. Incapazes de resistir à atração que</p><p>sentem, os dois se entregaram ao prazer. Mas Wulfgar deixa claro que ainda</p><p>não está pronto para amar novamente…</p><p>Boa leitura!</p><p>Equipe Editorial Harlequin Books</p><p>Joanna Fulford</p><p>TOQUE DE CORAGEM</p><p>Tradução</p><p>Silvia Moreira</p><p>2015</p><p>Prólogo</p><p>Nortúmbria – 889 DC</p><p>AS CHAMAS do teto subiam a aproximadamente 10 metros de altura rumo ao</p><p>céu. O calor era tão intenso que os espectadores tiveram de se afastar mais</p><p>para trás. Consternados, observavam, sem poder fazer nada, enquanto o</p><p>castelo era consumido. As paredes chamejavam produzindo labaredas cor de</p><p>laranja e escarlate, colorindo a noite. A madeira queimada gerava um cheiro</p><p>acre que saía pela porta em tufos de nuvens escuras e assustadoras. Ninguém</p><p>disse uma só palavra. Os únicos sons eram da madeira crepitando e o rugido</p><p>do fogo.</p><p>Wulfgar estava imóvel, como se um encantamento o tivesse transformado</p><p>em pedra, olhando o fogo destruir o lugar que um dia chamara de lar, uma</p><p>pira chamejante daquelas que ele mais amava.</p><p>A luz das chamas foi se extinguindo, colorindo o rosto dele de vermelho e</p><p>realçando os olhos que lhe conferiam um aspecto terrível. Todos os</p><p>pensamentos e ideias estavam enterrados e sobrepujados pelo pesar e pelo</p><p>ódio, intensos demais para ser tolerados.</p><p>Os companheiros de espadas de Wulfgar estavam um pouco afastados do</p><p>restante das pessoas, em um silêncio sepulcral, observando a vasta escuridão</p><p>remanescente.</p><p>O TEMPO tinha perdido todo o signi�cado. Sem se preocupar com o cansaço</p><p>nem com o frio, Wulfgar permaneceu no mesmo lugar até que a luz do raiar</p><p>do dia se in�ltrou pelas árvores, iluminando as ruínas negras e fumegantes</p><p>do que, um dia, fora seu lar.</p><p>Ele não percebeu o ruído dos cascos de um cavalo e o estalar da sela</p><p>quando o cavaleiro desmontou e postou-se ao seu lado. Só então percebeu a</p><p>presença de outro homem, como se estivesse voltando de um sonho longo e</p><p>aos poucos fosse tomando consciência da realidade.</p><p>Os olhos azuis que se cruzaram pareciam pertencer à mesma pessoa. O</p><p>rosto, vincado pelo tempo, também se assemelhava bastante ao de Wulfgar.</p><p>No entanto, o cabelo do homem mais velho estava mais grisalho. Os dois</p><p>tinham alturas iguais, a mesma postura e o corpo forte, e a mesma aura de</p><p>poder. Permaneceram em silêncio por alguns minutos. Wulfgar foi o</p><p>primeiro a desviar o olhar.</p><p>– Eu deveria ter estado aqui – disse ele, meneando a cabeça.</p><p>– Não teria feito diferença.</p><p>– Falhei quando eles mais precisavam de mim.</p><p>– Não havia como prever o que aconteceu.</p><p>– Ela implorou para que eu não fosse, mas não dei atenção. Tentei me</p><p>convencer de que partia por ela e pela criança. – A voz de Wulfgar falhou. –</p><p>Foi o meu egoísmo que causou isso a eles.</p><p>– Você não poderia tê-los salvado, como não poderia ter feito nada por</p><p>mais ninguém que morreu.</p><p>– Eu poderia ter tentado.</p><p>– Mas o resultado seria o mesmo. A epidemia não faz distinção; mata</p><p>tanto os nobres quanto os mais humildes.</p><p>– Isso também não ajuda.</p><p>– Não, só o tempo ajuda.</p><p>– Será?</p><p>Wulfgar fez uma pausa.</p><p>– O que você vai fazer agora?</p><p>– Não sei.</p><p>– Você poderia voltar para Ravenswood e �car um tempo. – A frase foi</p><p>dita de maneira casual, mas havia alguma coisa subliminar. – Sempre haverá</p><p>um lugar para você.</p><p>– Meu lugar era aqui – respondeu Wulfgar –, mas não há retorno agora.</p><p>O pai apertou os lábios e deixou o olhar se perder além das ruínas.</p><p>– Então você vai se unir a Guthrum?</p><p>– Guthrum está �cando velho e seu tempo de lutar já passou. Não</p><p>acredito que ele viva por muito tempo.</p><p>– Então, o que pretende?</p><p>– Não sei. Alguma outra coisa.</p><p>– Não precisa decidir agora. Espere um pouco. Pense bem.</p><p>– Ah, como é mesmo que você dizia sempre? As decisões que tomamos</p><p>nos de�nem. – Wulfgar sorriu como se estivesse fazendo troça consigo</p><p>mesmo. – Bem, minha decisão se transformou em cinzas e sou o culpado. –</p><p>Virou-se para encarar o pai. – Se houver algum futuro para mim, não será</p><p>aqui.</p><p>Capítulo 1</p><p>Ânglia Oriental – Seis anos mais tarde</p><p>EM PÉ na proa do navio, Wulfgar olhou para a praia de areias claras e as</p><p>dunas mais adiante. O lugar era deserto, a não ser pelas gaivotas que voavam</p><p>com as correntes de ar. As nuvens escuras ainda estavam próximas, um</p><p>resquício da tempestade da noite anterior.</p><p>O vento enchia as velas da embarcação e as ondas, que quebravam na</p><p>praia, levando restos de madeira que comprovavam a tempestade.</p><p>– Aqui está bom – disse ele. – Vamos atracar.</p><p>– Sabe onde estamos, milorde? – perguntou Hermund, postando-se ao</p><p>lado dele.</p><p>– Provavelmente estamos na costa anglicana, mas é difícil ter certeza.</p><p>– Bem, está quieto demais, milorde.</p><p>Os únicos sons vinham das rajadas de vento.</p><p>– Mesmo assim, enviaremos um grupo de homens para veri�car.</p><p>– Milorde está certo.</p><p>Assim que a ordem foi dada, a quilha do navio encostou-se à areia.</p><p>Wulfgar e uma meia dúzia de marinheiros desembarcaram e, com</p><p>di�culdade, passaram a rebentação e chegaram em terra �rme. Correram</p><p>pela praia e subiram nas dunas. De lá de cima vislumbraram uma planície</p><p>acarpetada pela relva com uma vegetação esparsa de arbustos amarelos.</p><p>Mais ao longe havia linhas de árvores cultivadas.</p><p>– Aqui está bom – anunciou Wulfgar.</p><p>Hermund perscrutou a paisagem, contraindo o rosto vincado; os olhos de</p><p>águia não perdiam nenhum detalhe. Aos 33 anos de idade, ele era seis anos</p><p>mais velho do que seu companheiro e já tinha mechas acinzentadas nos</p><p>cabelos castanhos, mas tratava Wulfgar com uma deferência que os</p><p>posicionava no mundo.</p><p>– Aye, milorde. Esses campos devem pertencer a alguém.</p><p>– Deixaremos soldados vigiando.</p><p>– Os habitantes locais devem ser amigáveis, claro.</p><p>– Pode ser – respondeu Wulfgar. – Mas meu plano não é �car tempo</p><p>su�ciente para conhecê-los. Temos um encontro marcado.</p><p>– Rollo não vai se esquivar. Ele precisa de guerreiros e quer os melhores.</p><p>– Ele os terá se pagar uma boa quantia pelo privilégio.</p><p>– Naturalmente. – Hermund sorriu.</p><p>Os dois voltaram em direção ao navio, que já estava sendo puxado para a</p><p>praia pelos outros homens.</p><p>– Nós �zemos tudo certo nesses últimos seis anos – Hermund continuou.</p><p>– Se a sorte estiver do nosso lado, teremos renda su�ciente para nos</p><p>aposentar logo.</p><p>Wulfgar não respondeu. Não que não estivesse prestando a atenção, pois</p><p>tinha ouvido muito bem e reconheceu</p><p>não se dirigiam a ela, a não ser quando era estritamente</p><p>necessário, pelo mínimo de tempo possível e em termos muito respeitosos.</p><p>O contato valia mais do que a própria vida deles. Afora isso, ela só podia</p><p>manter contato com as criadas. Anwyn era uma prisioneira de fato.</p><p>Até hoje, ela ainda era uma prisioneira. Se não fosse por Ina, a vida teria</p><p>sido muito mais difícil.</p><p>A amizade deles tinha começado no primeiro inverno que ela passara em</p><p>Drakensburgh, quando ele adoecera por causa de uma epidemia. Por causa</p><p>dos cuidados extremos e dos remédios certos, ele tinha se recuperado bem.</p><p>E ele jamais se esquecera dos prestimosos cuidados. Logo depois da morte</p><p>de Torstein, ele foi de uma ajuda inestimável para estabelecer o respeito</p><p>entre Anwyn e os homens. Mesmo assim, ela estava ciente de que não tinha</p><p>muita autoridade. Seria de bom senso se casar novamente, mas unir-se a</p><p>alguém como Ingvar seria o mesmo que sair da panela e cair no fogo.</p><p>Relembrando a visita constrangedora daquele dia, ela gostaria de saber</p><p>qual a impressão de Wulfgar. A opinião dele não devia importar, mas era</p><p>difícil pensar em outra coisa. O ódio possessivo de Ingvar �cou evidente e a</p><p>irritara em demasia. Ele não tinha o direito de questionar as decisões dela.</p><p>Agora ela sentia a necessidade de colocar as coisas em ordem. Assim,</p><p>deixando Eyvind com Jodis, ela saiu de casa e seguiu para os galpões.</p><p>Mesmo decidida, não tinha ideia do que diria.</p><p>O SOM alto de madeira sendo serrada e batidas de martelo abafaram os</p><p>passos de Anwyn. Wulfgar só percebeu que ela estava parada à porta quando</p><p>se virou para pegar uma machadinha. Os homens se entreolharam,</p><p>imaginando o que aconteceria.</p><p>Wulfgar parou com uma expressão impassível. Nunca antes existira uma</p><p>mulher que o �zesse pensar nos motivos por procurá-lo pouco tempo</p><p>depois de terem se encontrado. E, mesmo que tivesse acontecido no passado,</p><p>ele pensaria duas vezes antes de recebê-la. Mas que homem com sangue</p><p>correndo em suas veias resistiria à presença dela? A diferença entre Anwyn e</p><p>as outras era a mesma que hidromel e água. Não havia nenhum sinal de que</p><p>ela estivesse �ertando, ou tentando seduzi-lo. Além disso, ela não fazia ideia</p><p>do sucesso da estratégia, a não ser que estivesse com intenções mais sérias.</p><p>De um jeito ou de outro, a presença dela ali era, no mínimo, intrigante.</p><p>Deixando os companheiros para trás, ele se levantou e dirigiu-se até a porta.</p><p>– Milady?</p><p>– Preciso lhe falar, milorde. – Ela hesitou. – Em particular.</p><p>– Como quiser. – Ele inclinou a cabeça, aquiescendo.</p><p>Quando já havia se afastado o su�ciente para não serem ouvidos, ela o</p><p>�tou. Wulfgar aguardou com a curiosidade aguçada.</p><p>Anwyn respirou fundo.</p><p>– Eu gostaria de me desculpar pelo que aconteceu mais cedo.</p><p>– Por quê? Não foi sua culpa.</p><p>– Ingvar não devia falar daquele jeito.</p><p>– Parece que ele interpretou errado a situação.</p><p>– Acredito que sim.</p><p>– Existe algum acordo entre vocês dois? – perguntou Wulfgar, encarando-</p><p>a com frieza.</p><p>– Não, pelo menos não da minha parte.</p><p>– Eu diria que há algo da parte dele.</p><p>– É provável, mas eu nunca o encorajei a atitudes como aquela.</p><p>– Então ele tira conclusões precipitadas. – Wulfgar içou uma das</p><p>sobrancelhas.</p><p>– Você viu o que aconteceu na praia.</p><p>– Por que está me contando tudo isso?</p><p>– Na verdade, não sei, mas eu não queria que pensasse…</p><p>– O quê?</p><p>– Que eu aprovo Ingvar e suas táticas de proteção a Drakensburgh.</p><p>– Fico honrado por con�ar em mim, milady, mas não entendo em que</p><p>isso me compete.</p><p>Anwyn corou.</p><p>– Desculpe-me, não quis envolvê-lo em meus assuntos. Eu só quis…</p><p>explicar.</p><p>Ele a estudou antes de responder:</p><p>– Você deve saber, claro, que um homem como Ingvar não desiste</p><p>facilmente, não é?</p><p>– Sim, eu sei.</p><p>– A vida de uma viúva deve ser muito solitária. Ele é forte e pode protegê-</p><p>la. Talvez seja melhor considerar o que ele oferece.</p><p>– Solitária ou não, Ingvar nunca terá autoridade de marido sobre mim.</p><p>As palavras foram ditas com tanta veemência que Wulfgar franziu o</p><p>cenho.</p><p>– Isso quer dizer que você é contra a autoridade de um marido?</p><p>– Não posso estar a favor de qualquer autoridade baseada em tirania.</p><p>Ingvar faz esse gênero e jamais me submeteria ou submeteria meu �lho a</p><p>esse tipo de homem. Eu também não permitiria que minha gente se</p><p>sujeitasse a Grymar e seus homens.</p><p>– Entendo suas razões, mas homens desse tipo costumam fazer valer sua</p><p>vontade.</p><p>– Ele não tomará Drakensburgh. Já dei minha resposta a ele e não voltarei</p><p>atrás.</p><p>Os olhares se prenderam por alguns minutos.</p><p>– Quando se chega a esse ponto, as palavras perdem seu valor. Só espadas</p><p>e um batalhão maior de soldados deterão homens como Ingvar.</p><p>HORAS MAIS tarde, sozinha em seu quarto, Anwyn ponderou a conversa e</p><p>admitiu a verdade implícita nas palavras de Wulfgar, o que levou a</p><p>considerações mais preocupantes. Depois da morte do marido, alguns</p><p>pretendentes tinham se aproximado com batalhões não muito grandes e</p><p>insu�cientes para deter Ingvar, se ele decidisse usar a força para atingir seu</p><p>objetivo. E ela não era a única a pensar daquela forma.</p><p>– Se ao menos Drakensburgh contasse com um número maior de homens</p><p>armados… – comentou Jodis mais tarde, quando estavam sozinhas na</p><p>antessala dos aposentos das damas.</p><p>– Seríamos mais independentes e imunes a homens como Grymar –</p><p>respondeu Anwyn.</p><p>Jodis deixou de lado o fuso que usava para enrolar lã com uma expressão</p><p>estranha como se quisesse dizer alguma coisa.</p><p>– O que foi, Jodis?</p><p>– Desculpe-me, milady, mas acho que agora há meios de se conseguir essa</p><p>independência.</p><p>Anwyn a encarou, absorvendo o que aquilo signi�cava.</p><p>– Você está se referindo ao lorde Wulfgar e seus homens?</p><p>– Sim, milady. Teríamos um contingente maior com os homens dele e os</p><p>nossos, e então…</p><p>– Estaríamos seguras?</p><p>– Não estaríamos?</p><p>– Talvez esteja certa. Mas há uma di�culdade.</p><p>– E o que seria, milady?</p><p>– Eles nunca concordarão em �car.</p><p>– Pode ser que sim… se forem bem pagos.</p><p>– Seria loucura. – Anwyn meneou a cabeça.</p><p>– Pode ser, mas é a solução perfeita para o problema. – Jodis fez uma</p><p>pausa. – Isso afastaria lorde Ingvar de sua vida para sempre.</p><p>– Se fosse tão simples assim…</p><p>– Não entendo por que não seja.</p><p>– Ele não desistiria tão facilmente.</p><p>– Talvez desista se não tiver escolha.</p><p>– Precisarei de muito tempo para convencer lorde Wulfgar. E, por outro</p><p>lado, contratar os guerreiros não seria barato.</p><p>– Não, mas o conde Torstein era rico.</p><p>Anwyn se calou, pensando nas possibilidades. Jodis tinha razão, Torstein</p><p>tinha muito ouro, embora ela não soubesse exatamente a quantia. E ele havia</p><p>se casado com uma noiva rica, pois o dote dela tinha sido considerável, e</p><p>boa parte ainda estava intacta.</p><p>– A quantia de que disponho para pagar pode ser o su�ciente, mas</p><p>contratar esses homens é arriscado.</p><p>– O que quer dizer, milady?</p><p>– Não sabemos se lorde Wulfgar é con�ável.</p><p>– Ele fez algo que a �zesse pensar o contrário?</p><p>– Não, mas ele não tem interesse em causar problemas aqui.</p><p>Drakensburgh serve apenas a uma �nalidade para ele: um lugar para</p><p>consertar seu navio.</p><p>– Mas pode servir de novo, só que dessa vez seria por dinheiro… um</p><p>acordo de trabalho.</p><p>– Talvez um acordo �nanceiro que lhe desse grande poder.</p><p>– Entendo por que milady tem dúvidas, mas nem todos os homens</p><p>podem ser julgados pelos padrões do conde Torstein, ou lorde Ingvar – disse</p><p>Jodis.</p><p>– Pode ser que não, mas não tenho como saber. – Anwyn suspirou. – Mas</p><p>o passado não pode ser remendado. Estou livre do meu pai que me</p><p>acorrentava e de um marido tirano, que não trocarei por nenhum outro.</p><p>– Milady, se eu achasse que lorde Wulfgar fosse assim, jamais teria</p><p>sugerido contratá-lo – defendeu-se Jodis, ofendida.</p><p>– Sei que suas intenções foram boas. Não fará muita diferença, pois lorde</p><p>Wulfgar jamais concordará com essa proposta. Ele é um aventureiro, um</p><p>homem que valoriza sua liberdade. Ele jamais se prenderá a nós.</p><p>– Não, talvez não mesmo. – Jodis suspirou e pegou o fuso, enrolando a lã</p><p>com cuidado. – Foi apenas uma ideia.</p><p>As duas não falaram mais nada. Mesmo se esforçando a se esquecer do</p><p>assunto, a ideia não saía da cabeça de Anwyn. E se de fato contratasse</p><p>os</p><p>serviços dos mercenários? Por quanto tempo �cariam? E, mais importante,</p><p>por quanto tempo teria dinheiro para pagá-los? Seria tempo su�ciente para</p><p>que Ingvar desistisse e procurasse outra esposa rica? Ou, pelo menos, tempo</p><p>para Drakensburgh recuperar as esperanças de ser uma terra livre? Seria</p><p>uma medida de desespero. Torstein tinha sido um homem rico, mas seu</p><p>ouro acabaria um dia. Logicamente o preço para contratar a tripulação do</p><p>Lobo do Mar seria muito alto.</p><p>O mais importante seria lidar com Wulfgar. Ele a perturbava mais do que</p><p>gostaria, embora não soubesse precisar em que sentido. Não conseguiria</p><p>jamais entender a alma dele. Wulfgar podia ser de�nido como um</p><p>emaranhado de contradições. Havia nele um laivo implícito de perigo, mas</p><p>não no sentido literal da palavra. Ele era direto e seguro, e, apesar do nome</p><p>de predador do navio, ele não parecia um agressor. Mesmo assim, seu</p><p>instinto lhe dizia que seria um erro provocá-lo. Somente um tolo faria isso, e</p><p>seria uma vez só. Se ele concordasse em ajudá-la, ela não cometeria esse</p><p>erro, pois não tinha intenção nenhuma de ganhar a inimizade dele. Se bem</p><p>que, se o contratasse, Wulfgar receberia ordens dela. Anwyn riu de si</p><p>mesma. Era ridículo permitir que sua mente divagasse tanto. Seria muita</p><p>ingenuidade imaginar que um homem como ele se envolveria nos assuntos</p><p>de uma mulher. E somente uma pessoa covarde evitaria sondá-lo.</p><p>Capítulo 6</p><p>WULFGAR OUVIU-A em silêncio e sem demonstrar nada. Anwyn não se</p><p>surpreendeu porque ele devia estar acostumado a esconder os pensamentos.</p><p>E assim, pelo menos, ela foi poupada de uma expressão de desprezo.</p><p>Ela não saberia explicar como expusera sua proposta com a voz</p><p>inalterada, escondendo também o coração em disparada. Não deixou</p><p>evidente o quanto a presença dele perturbava seu equilíbrio. Por outro lado,</p><p>ele também não deixou transparecer que a proposta surtia algum efeito nele;</p><p>ao contrário, parecia lidar com algo com que estivesse muito acostumado.</p><p>Os dois conversavam no salão, um lugar comum que ela evitava sempre</p><p>que possível na presença de Torstein. A presença de Wulfgar foi capaz de</p><p>afastar as sombras do passado. Ele dominou o espaço como se fosse seu.</p><p>Enquanto ele estivesse ali, ela não tinha vontade alguma de sair.</p><p>Independente de quaisquer sentimentos, o salão era o coração de</p><p>Drakensburgh e era o lugar perfeito para aquele tipo de negociação. Anwyn</p><p>tinha pedido para que a lareira fosse acesa e as chamas iluminaram e</p><p>afastaram as sombras da atmosfera, embora não a �zessem parar de tremer.</p><p>Será que Wulfgar pelo menos levaria em consideração sua proposta?</p><p>Quando ela parou de falar, fez-se silêncio. Wulfgar limitava-se a observá-</p><p>la, enquanto o coração dela encolhia a cada batida.</p><p>Ficou claro que ele recusaria a proposta e, naquele momento, pensava</p><p>como fazê-lo gentilmente.</p><p>– Não posso tomar essa decisão sozinho – disse ele. – Tenho de conversar</p><p>com meus homens.</p><p>Da mesma forma suave como o coração dela havia se contraído, agora</p><p>dava um salto. Ele não estava descartando a ideia de imediato, mas não</p><p>deixou de notar a esperança nos olhos dela.</p><p>– Eu já havia dito que estávamos a caminho de nos encontrar com Rollo,</p><p>quando a tempestade nos atrasou.</p><p>– Sim.</p><p>– Uma aliança como essas promete ser muito lucrativa.</p><p>– Entendo.</p><p>– Deve compreender também que minha tripulação precisa ter certeza de</p><p>que a recompensa será su�ciente para justi�car a mudança de planos –</p><p>continuou ele. – Isso sairá muito caro.</p><p>– Eu sei, mas tenho meios para pagar pelos serviços de que Drakensburgh</p><p>necessita.</p><p>– Nenhum deles considerará ganhar menos de dez barras de ouro cada</p><p>um.</p><p>Anwyn piscou várias vezes. O pagamento afetaria muito suas reservas,</p><p>mas valia a pena se o objetivo fosse atingido.</p><p>– Que assim seja.</p><p>– Você precisa entender o que signi�ca começar uma aliança dessas. – Ele</p><p>meneou a cabeça. – Ingvar não vai se curvar facilmente. A situação pode</p><p>piorar.</p><p>– Estou ciente disso também.</p><p>– Verdade? – O olhar dele prendeu-se ao dela. – Tenho minhas dúvidas.</p><p>– Conheço Ingvar.</p><p>– Ótimo, porque posso garantir que toda pretensa boa vizinhança irá</p><p>terminar como se nunca tivesse existido.</p><p>– Não tenho intenção alguma de ser a agressora, mas quero contar com</p><p>um batalhão treinado para defender Drakensburgh.</p><p>– Seria uma posição confortável.</p><p>– Você acha que não dará certo?</p><p>– Eu não diria isso, mas acho que nossa força seria testada pelo menos</p><p>uma vez até o inimigo entender a que viemos e recuar.</p><p>– O derramamento de sangue deve ser o último recurso.</p><p>– Claro. Mas isso signi�ca que o acordo deverá ser longo.</p><p>– Esse é um risco que estou disposta a correr.</p><p>– Mas eu não.</p><p>– Não? – Anwyn sentiu o coração diminuto de novo.</p><p>– Meu compromisso aqui seria treinar um batalhão para defender</p><p>Drakensburgh. Isso pode signi�car que alguns dos meus homens continuem</p><p>aqui, isto é, se quiserem �car.</p><p>– Eles serão bem pagos.</p><p>– Isso tem de ser uma certeza. – Wulfgar parou de falar um instante, antes</p><p>de prosseguir: – Teríamos de enfrentar os homens do seu �nado marido.</p><p>– Como assim?</p><p>– Se eu �car, eles terão de obedecer a mim.</p><p>Anwyn �cou em silêncio, considerando a situação.</p><p>– Eles podem se ofender.</p><p>– Mesmo assim, não há outro jeito. Sem um batalhão unido sob as ordens</p><p>de um comandante não haverá esperanças de vencer homens como Ingvar e</p><p>seus escudeiros. Essa é uma exigência não negociável.</p><p>Anwyn franziu a testa, pensativa. Se aceitasse aquela exigência estaria</p><p>colocando Drakensburgh sob o comando dele. No entanto, para ter a ajuda</p><p>necessária, teria de con�ar nele.</p><p>– Se eu concordar com isso, quero ser informada de seus planos antes de</p><p>serem executados.</p><p>– É seu direito.</p><p>– Muito bem, então… concordo. Você comandará os dois batalhões –</p><p>disse ela, encarando-o. – Ina é muito respeitado pelos homens aqui. Se</p><p>quiser a con�ança de todos, comece por ele.</p><p>– Seguirei seu conselho, milady.</p><p>O tom sóbrio de voz contrastava com o brilho do olhar dele, tanto que ela</p><p>chegou a pensar se ele não estava zombando dela.</p><p>– Você acha repugnante receber o conselho de uma mulher?</p><p>– É claro que não. Se o conselho for bom.</p><p>O coração de Anwyn começou a palpitar quando ele prendeu aqueles</p><p>olhos azuis aos dela. Forçando-se a demonstrar calma, ela sustentou o olhar</p><p>na esperança de que ele não percebesse o quanto estava confusa. Ele já</p><p>estava com uma vantagem perigosa.</p><p>– Você irá falar com seus homens, milorde?</p><p>– Sim, mas não posso prometer que eles concordem.</p><p>– Mas você não é o líder deles?</p><p>– Aye, mas decisões como essa requerem um consenso.</p><p>Anwyn estranhou o fato, pois a maioria dos comandantes não consultava</p><p>seus homens para tomar uma decisão, o que o tornava diferente de qualquer</p><p>outro homem que conhecera. Ela não possuía larga experiência no assunto,</p><p>mas sabia que os homens se mantinham �éis aos líderes que respeitavam, e</p><p>tal respeito tinha de ser conquistado. Wulfgar não tinha ganhado reputação</p><p>por nada. Mais uma vez ela teve a sensação de um perigo velado, mas não</p><p>de�nido.</p><p>– Falarei com meus homens mais tarde – continuou ele. – Quando</p><p>chegarmos a uma conclusão, eu a avisarei.</p><p>Depois que ele saiu, ela ainda permaneceu no mesmo lugar, perdida em</p><p>pensamentos. Será que seus instintos estavam corretos? Poderia mesmo</p><p>con�ar nele? Ou estaria cometendo um erro do qual se arrependeria para</p><p>sempre?</p><p>WULFGAR ESPEROU todos jantarem para falar sobre o assunto. Eles haviam</p><p>feito uma fogueira de madeira para aquecer a tarde fria e sentavam-se ao</p><p>redor, contando histórias e bebendo cerveja. Eles ouviram com atenção a</p><p>proposta de Anwyn e muitos �caram surpresos. Outros olharam</p><p>descon�ados.</p><p>– Eu entendo seu raciocínio, milorde – disse um brincalhão entre as</p><p>pessoas ali reunidas. – A dama é justa.</p><p>– Joga limpo? – perguntou um outro, e alguns riram.</p><p>Wulfgar deu um sorriso torto.</p><p>– A dama é justa – concordou ele – e joga bem, como acabamos de ver,</p><p>mas não é para o seu bico, Dag.</p><p>Mais risos.</p><p>– Essa é a história da minha vida – reclamou Dag.</p><p>– Está interessado nela, milorde? – rand quis saber.</p><p>– Mesmo que eu estivesse, não seria um bom negócio – respondeu</p><p>Wulfgar. – Ela é imune ao meu</p><p>charme.</p><p>Alguns �zeram comentários grosseiros a respeito do charme de Wulfgar,</p><p>mas ele levou todos com bom humor. Quando os homens viram que não o</p><p>atingiam, mudaram de assunto.</p><p>– O que faremos com Rollo? – perguntou Beorn.</p><p>– Se vocês quiserem, ainda podemos encontrá-lo quando terminarmos os</p><p>reparos – disse Wulfgar. – Ou podemos encontrá-lo depois.</p><p>– Ele pode não gostar do atraso, milorde.</p><p>– As emoções dele não estão em jogo. Nossa aliança foi feita porque é</p><p>vantajosa para os dois lados. O dia que deixar de ser, termina o acordo.</p><p>Enquanto isso, não é da conta dele se escolhermos ganhar um ouro extra.</p><p>Todos murmuraram de acordo.</p><p>– De quanto ouro estamos falando? – perguntou Beorn.</p><p>– Dez barras para cada um, mais cama e comida, claro.</p><p>Houve silêncio enquanto os homens pensavam no assunto.</p><p>– E por que não? – Hermund foi o primeiro a falar. – Um trabalho a mais</p><p>não fará diferença. Rollo estará no mesmo lugar depois que terminarmos,</p><p>não é?</p><p>– Isso mesmo – disse rand. – Além do mais, essa tarefa não deve ser</p><p>muito difícil.</p><p>– Não subestime o inimigo – comentou Hermund, olhando para rand.</p><p>– Já vimos que o batalhão de Ingvar não é pequeno.</p><p>– Talvez não seja mesmo, mas somos um páreo duro para eles. Além do</p><p>mais, não vejo a hora de encontrar de novo com Grymar Falastrão e falar</p><p>sobre invasão.</p><p>Os outros murmuraram, concordando. Wulfgar os avaliou com critério.</p><p>– Está bem, vamos chegar a um acordo. Aqueles a favor de �carmos aqui,</p><p>levantem a mão…</p><p>A maioria levantou a mão a favor. Wulfgar não �cou surpreso. A decisão</p><p>era comercial e fazia todo sentido. A quantia oferecida era muito mais do</p><p>que a maioria dos homens ganharia durante a vida inteira. Mesmo assim,</p><p>havia certa ambivalência, que não estava relacionada ao trabalho ou ao</p><p>pagamento que receberiam. Ele não estava muito à vontade com suas razões</p><p>para concordar em submeter seus homens àquela tarefa. Então, por que</p><p>havia se deixado envolver? Pensando nas brincadeiras de seus homens,</p><p>começou a pensar a respeito. Não estaria aceitando o trabalho apenas por</p><p>causa de uma mulher bonita, ainda que Anwyn fosse linda. Tinha de admitir</p><p>que ela era muito mais do que isso. Anwyn era o tipo de mulher capaz de</p><p>fazer um homem se esquecer de tudo. Quando estiveram juntos, ele havia</p><p>disfarçado o máximo para que ela não descon�asse de seus pensamentos.</p><p>Ele sabia como ela era solitária. Era uma emoção que ele também conhecia</p><p>bem, e ela a havia reconhecido nele. Talvez ela não quisesse aceitar o</p><p>conforto que lhe fora oferecido, assim como ele em diversas ocasiões, por</p><p>medo de sofrer a tirania de um novo marido. Se ao menos ele tivesse notado</p><p>um sinal de interesse mútuo… Mas ela não havia e nem iria demonstrar</p><p>nada. Tinham em comum apenas um acordo comercial. Ele sorriu, irônico.</p><p>Ela provavelmente estava certa: qualquer coisa além disso levaria a</p><p>complicações desnecessárias a ambos.</p><p>NO DIA seguinte, Wulfgar e uma dúzia de homens voltaram a Drakensburgh.</p><p>Depois de pedir para que os outros aguardassem do lado de fora, ele entrou</p><p>no hall e pediu para uma criada chamar Anwyn. Assim que a moça saiu às</p><p>pressas, ele olhou ao redor. As paredes continuavam as mesmas, o fogo tinha</p><p>sido aceso e, pelo cheiro doce, era certo que haviam espalhado feno novo</p><p>pelo chão. Era uma melhoria considerada. Ao se lembrar das palavras de</p><p>Asulf, ele sorriu. A poltrona podia não ser um trono, mas signi�cava poder</p><p>da mesma forma. Que tipo de homem teria se sentado ali? Anwyn não tinha</p><p>falado muito a respeito do falecido marido e, pelos detalhes que ele tinha</p><p>percebido pelas conversas, o casamento não tinha sido feliz. Talvez essa fosse</p><p>a explicação por ela ser tão reticente.</p><p>Ele ouviu passos leves e se virou para ver o motivo de seus pensamentos.</p><p>No mesmo instante, esqueceu tudo o mais que não dizia respeito a Anwyn.</p><p>Observando melhor, ele procurou assimilar os detalhes. A cor do vestido o</p><p>remeteu à cor das folhas durante o verão. A primeira coisa que veio à mente</p><p>dele foi como seria aquele corpo curvilíneo descoberto e imediatamente</p><p>sentiu a masculinidade reagir. Respirando fundo, ele se forçou a pensar em</p><p>assuntos menos perigosos.</p><p>Depois das cortesias iniciais, Wulfgar foi direto ao assunto. Anwyn ouviu</p><p>em um silêncio pontuado pela surpresa, alívio e emoção. Estava surpresa e</p><p>aliviada porque a tripulação havia aceitado sua oferta, mas a emoção era por</p><p>conta da atitude que tomava. E essa ela não conseguiu esconder por causa do</p><p>rosto corado.</p><p>– Não é tarde para mudar de ideia – disse ele.</p><p>– Não é o que pretendo.</p><p>– Esteja bem certa do que vai fazer, Anwyn, porque depois que</p><p>começarmos não há como voltar atrás.</p><p>– Eu sei.</p><p>Apesar de o coração dela bater em descompasso, Anwyn não deixou de</p><p>encará-lo com �rmeza.</p><p>– Muito bem, então.</p><p>– O que será agora?</p><p>– Simples, meus homens e eu nos mudaremos para Drakensburgh. – Ele</p><p>esboçou um sorriso. – No entanto, vou seguir seu conselho e falar com Ina</p><p>antes.</p><p>– Vou pedir para chamá-lo.</p><p>Anwyn ia se virar, quando ele a segurou pelo braço.</p><p>– Há mais uma coisa que precisamos resolver.</p><p>Anwyn �cou imóvel, fazendo o impossível para ignorar a proximidade e o</p><p>calor das mãos dele.</p><p>– Pois não, milorde?</p><p>– Pode ser que não estejamos de acordo em tudo daqui para a frente –</p><p>prosseguiu ele –, mas manterei a promessa de dizer tudo o que pretendo</p><p>fazer. Em troca, peço que qualquer desacordo seja discutido em particular.</p><p>– Uma frente unida.</p><p>– Exatamente.</p><p>– Como queira. – Ela meneou a cabeça.</p><p>Ela tentou puxar o braço, mas ele continuou segurando-o.</p><p>– Mais uma coisa: gostaria que meus homens recebessem cama e comida</p><p>adequadas, mas, enquanto estivermos aqui, eu respondo pela conduta deles.</p><p>– Isso quer dizer que as mulheres de Drakensburgh estarão seguras.</p><p>– Se elas quiserem… – Os olhos azuis dele brilharam.</p><p>A frase podia deixar margem de dúvida, mas não as implicações. O rosto</p><p>de Anwyn corou, fato que não diminuiu a admiração dele, ou, naquele</p><p>momento, sua diversão.</p><p>– Tenho certeza de que elas �carão mais tranquilas – disse ela. –</p><p>Enquanto isso, talvez seja melhor você conversar com Ina.</p><p>Dessa vez ele não a impediu de sair, embora contrariasse sua vontade. Ele</p><p>se limitou a �car olhando-a atravessar o salão até a porta e chamar uma das</p><p>criadas. Depois viu as duas conversarem, embora não ouvisse nada. Então</p><p>observou a criada se afastar.</p><p>Anwyn respirou fundo, procurando se recompor, o que não era fácil, pois</p><p>ainda sentia o calor da mão dele em seu braço. Não que fosse alarmante, mas</p><p>a força dele a surpreendeu. Era como a presença perturbadora de Wulfgar.</p><p>Será que estaria segura com ele? Talvez… mas não a salvo de seus próprios</p><p>pensamentos. Ele conseguia tirá-la do prumo com facilidade. Se bem que</p><p>isso devia acontecer com a maioria das mulheres. Logo ela se repreendeu de</p><p>novo; havia feito um acordo de negócios e nada mais. Seria a maior das tolas</p><p>se pensasse outra coisa.</p><p>Para sua sorte e tranquilidade, Ina não demorou a chegar. Ele olhou para</p><p>Wulfgar sem entender e desviou a atenção para Anwyn.</p><p>– A senhora queria falar comigo?</p><p>– Sim. Há certos assuntos que você precisa estar a par… – Enquanto ela</p><p>explicava o acordo que acabara de �rmar, Ina a ouvia com atenção, mas</p><p>impassível. Nem mesmo seus olhos revelavam o que pensava. No entanto,</p><p>conhecendo-o havia muito tempo, ela entendeu que Ina tinha algumas</p><p>restrições. – Preciso da sua ajuda – concluiu ela. – Nossos homens o ouvirão.</p><p>– Eles ouvirão porque se trata da senhora de Drakensburgh e eles lhe</p><p>devem lealdade, mas não devem nada ao lorde Wulfgar.</p><p>– Isso é verdade. – Wulfgar meneou a cabeça. – Contudo, se pretendemos</p><p>ganhar de Ingvar, preciso que seus homens se aliem a mim.</p><p>– Pode ser difícil convencê-los.</p><p>– Talvez sim, mas a lealdade deles a mim é primordial.</p><p>Os olhares de Wulfgar e Ina se cruzaram.</p><p>– O que pretende fazer? – indagou Ina, balançando a cabeça devagar.</p><p>– Vou falar com eles e oferecer uma escolha.</p><p>– Servir ou partir?</p><p>– Algo assim.</p><p>– Existe a chance de eles desertarem para o lado de Ingvar.</p><p>– Bem, é um risco que terei de correr – admitiu Wulfgar.</p><p>Anwyn estava preocupada.</p><p>– Não há muita amizade</p><p>entre os homens do meu �nado marido e aqueles</p><p>que Grymar lidera.</p><p>– Estou contando com isso.</p><p>– Quando pretende falar com eles?</p><p>– Quanto mais cedo, melhor. Preciso saber exatamente com quantos</p><p>homens posso contar.</p><p>Enquanto Ina saía para reunir a força de Drakensburgh, Wulfgar chamou</p><p>seus homens para o salão. Ele havia chamado poucos homens de propósito,</p><p>para não di�cultar a situação. Em seguida, estendeu a mão para Anwyn.</p><p>– Venha.</p><p>Um pouco insegura, ela colocou a mão sobre a dele e sentiu quando ele a</p><p>apertou. O toque quente e forte, por mais estranho que pudesse parecer,</p><p>deixou-a con�ante. Wulfgar a conduziu até o palanque, onde �cava a</p><p>poltrona imponente.</p><p>– Você quer que eu sente aí?</p><p>– Aye. Esses homens precisam entender quem exerce autoridade em</p><p>Drakensburgh.</p><p>Anwyn não esperava um pedido daqueles, embora reconhecesse a razão.</p><p>Mas tomar o lugar de Torstein era assustador. Ninguém, além dele, havia se</p><p>sentado ali. Ninguém nunca ousara. Munindo-se de coragem e</p><p>considerando que Torstein estava morto e não poderia interferir, ela se</p><p>sentou. A poltrona parecia ainda maior. Wulfgar deve ter presumido o que</p><p>ela pensava e apertou-lhe a mão.</p><p>– Não tenha medo. Vai dar tudo certo.</p><p>Ele soltou a mão dela e deu um passo atrás, postando-se à esquerda, na</p><p>frente de seus homens. Eles haviam tomado os lugares, quando Ina voltou e</p><p>avaliou a disposição dos presentes.</p><p>– Nossos homens estão a caminho – anunciou.</p><p>– Ótimo. – Wulfgar apontou o lugar vazio do lado direito de Anwyn.</p><p>Ina esboçou um sorriso rápido e assumiu o lugar sem questionamentos.</p><p>Quando os empregados de Drakensburgh começaram a chegar, o</p><p>burburinho das conversas cessou e os dois grupos se entreolharam. Alguns</p><p>�caram a uma distância respeitável do palanque, mostrando-se surpresos e</p><p>curiosos.</p><p>Observando-os de seu lugar privilegiado, Anwyn entendeu a estratégia de</p><p>Wulfgar. Ele havia criado uma visão imediata e e�caz sobre quem detinha o</p><p>poder: ela em primeiro lugar, com o apoio de Ina e Wulfgar.</p><p>Os homens de Drakensburgh começaram a comentar e a trocar olhares. E</p><p>Ina deu um passo à frente.</p><p>– Silêncio! – A ordem e o olhar fuzilante �zeram com que os murmúrios</p><p>cessassem no mesmo instante. – Lady Anwyn quer lhes falar.</p><p>Os olhares se voltaram para ela. Anwyn estava com as mãos úmidas de</p><p>suor. Nos dez meses seguidos da morte de Torstein era a primeira vez que</p><p>ela se dirigia a todos de uma vez, apoiando-se em Ina para passar as</p><p>instruções. Teria de assumir o poder que lhe fora conferido com a morte de</p><p>Torstein e não podia demonstrar medo. Decidindo que ser direta era a</p><p>melhor alternativa, ela foi direto ao ponto:</p><p>– As últimas atitudes hostis de lorde Ingvar e seus soldados sugerem uma</p><p>mudança no relacionamento existente entre ele e meu �nado marido. Isso</p><p>implica uma indesejada interferência nos assuntos relativos a Drakensburgh.</p><p>Não permitirei que isso aconteça. – Ela fez uma pausa e correu os olhos pela</p><p>multidão, esperando alguma reação. Ninguém disse nada. Sentindo-se mais</p><p>segura e menos nervosa, assumiu que estava no comando, ergueu o queixo e</p><p>continuou: – Lorde Ingvar já demonstrou interesse em unir as terras dele</p><p>com estas… – O comentário fez com que alguns olhassem uns para os</p><p>outros, sorrindo, como se já soubessem. – Ele almeja a todo custo aumentar</p><p>seu poder. – Os sorrisos sumiram. – Eu também não permitirei que isso</p><p>aconteça. – Com isso, ela ganhou a atenção de todos. – Apesar de o nosso</p><p>batalhão ser forte e valente e, no momento, defender Drakensburgh, não é o</p><p>su�ciente para nossas necessidades. Para resolver essa situação, contratei os</p><p>serviços do lorde Wulfgar e seus homens.</p><p>O burburinho entre os homens recomeçou. Dessa vez, estavam todos</p><p>surpresos.</p><p>– E não é só isso. – Ela esperou que se �zesse silêncio e continuou: – Para</p><p>termos esperanças de enfrentar as forças de Ingvar, é preciso ter apenas um</p><p>comandante militar, e este será lorde Wulfgar.</p><p>Dessa vez o vozerio foi mais alto. Alguns a �taram com surpresa, outros</p><p>com raiva.</p><p>– Ina será o segundo em comando.</p><p>Um dos homens, alto, troncudo e de pele morena, se destacou do grupo.</p><p>Ela reconheceu orkil, um dos acompanhantes mais leais a Torstein.</p><p>– Por que temos que receber ordens de lorde Wulfgar? Não �zemos</p><p>nenhum juramento de lealdade a ele.</p><p>Os outros concordaram. Anwyn esperou que se acalmassem para</p><p>prosseguir:</p><p>– Não, é verdade, mas vocês devem sua lealdade a mim. E é a minha</p><p>vontade que ele tenha autoridade para comandar as forças combinadas.</p><p>– Somente Ina tem esse direito – respondeu orkil.</p><p>Anwyn o encarou com frieza.</p><p>– O direito de decidir o que acontece em Drakensburgh é meu e de mais</p><p>ninguém.</p><p>orkil uniu as sobrancelhas espessas, mas, antes que tornasse a falar, Ina</p><p>se pronunciou:</p><p>– Lady Anwyn tem razão. A palavra de ordem aqui é dela. – Ele fez uma</p><p>pausa para que todos digerissem bem o conceito. – Ninguém mais deve</p><p>questionar isso.</p><p>orkil fuzilou Ina com o olhar, mas permaneceu em silêncio, e trocou</p><p>olhares signi�cativos com aqueles ao seu lado, Sigurd e Gorm. Depois de</p><p>respirar fundo mais uma vez, Anwyn olhou para o homem a sua esquerda.</p><p>– Talvez lorde Wulfgar possa esclarecer melhor a situação.</p><p>Wulfgar aquiesceu com um gesto de cabeça e avançou até a ponta do</p><p>palanque.</p><p>– Entendo por que alguns de vocês acham difícil aceitar algo assim. As</p><p>mudanças nunca são bem-vindas. – Wulfgar �tou orkil por um instante. –</p><p>Não se esqueçam de que não sou eu a ameaça a Drakensburgh, mas sim</p><p>Ingvar. A esperança maior de derrotá-la é unirmos nossas forças. Qualquer</p><p>guerreiro sabe que um batalhão só pode ter um líder. – Ele pausou. – Não</p><p>forçarei ninguém a responder a mim. Aqueles que estiverem descontentes</p><p>podem ir embora, sem ressentimento de ambas as partes. Mas aqueles que</p><p>�carem terão de reconhecer a autoridade que lady Anwyn conferiu a mim.</p><p>Dito isso, ele �cou em silêncio, esperando. Depois de alguns minutos sem</p><p>que ninguém dissesse nada, Wulfgar meneou a cabeça.</p><p>– Imagino que estejam todos de acordo.</p><p>Mais uma vez ninguém o contestou. Anwyn voltou a respirar</p><p>normalmente, mesmo considerando a habilidade da atuação de Wulfgar. E</p><p>achou que era a sua vez de falar:</p><p>– Amanhã à noite os dois batalhões devem festejar a nova amizade. Até</p><p>então, sigam em paz.</p><p>No mesmo instante o falatório recomeçou, mas ela �cou satisfeita em</p><p>notar que apenas alguns estavam contrariados. A maioria parecia ter</p><p>aceitado bem a nova ordem. Entretanto, havia um desejo velado em aceitar,</p><p>pois seria bem mais fácil e conveniente do que encontrar outro lugar para</p><p>morar. Claro que Wulfgar já contava com isso. Quando os olhares se</p><p>encontraram, ele meneou a cabeça, aprovando a atuação dela.</p><p>– Muito bem, você foi ótima.</p><p>O elogio fez com que Anwyn se sentisse muito bem.</p><p>– Obrigada. Você também não se saiu mal.</p><p>– Cá entre nós, acho que convencemos pelo menos a maioria. – Ele</p><p>sorriu.</p><p>– Acredito que sim. – Ela �cou séria antes de emendar: – Mas precisamos</p><p>observar orkil.</p><p>– Ah, o dissidente.</p><p>– Acredito que ele pode causar problemas.</p><p>– Ficarei de olho nele.</p><p>– Faça isso – pediu ela.</p><p>– Não podemos deixar que brigas internas aconteçam.</p><p>Ina fez uma reverência e se retirou. Anwyn se levantou da poltrona com</p><p>certo alívio e olhou ao redor. Os homens de Wulfgar conversavam entre si,</p><p>mas ele a �tava. Anwyn percebeu que havia carinho na maneira como ele a</p><p>olhava, o que a deixou feliz, mas preocupada ao mesmo tempo.</p><p>– O que pretende fazer agora? – perguntou ela.</p><p>– Vou simular uma batalha. Será um desa�o e tanto.</p><p>– Sempre gostei desses… em qualquer circunstância.</p><p>– Acho difícil acreditar que você apreciaria um desa�o do jeito de</p><p>Grymar.</p><p>– Ele é a exceção à regra.</p><p>– Será um desa�o verdadeiro e feio. – Ele fez uma careta. – Um desa�o</p><p>muito feio.</p><p>– Essa é uma descrição cruel, mas exata. – Anwyn sorriu.</p><p>Wulfgar ainda não a tinha visto rir. O sorriso iluminou o rosto dela, fez</p><p>com que seus olhos brilhassem, aumentando a beleza que já era estonteante.</p><p>Os lábios dela deviam ter sido desenhados para ser beijados. Era quase um</p><p>convite, com o perfume �oral que ela exalava, leve, sensual e</p><p>inesperadamente excitante,</p><p>tal como a curva suave entre o pescoço e o</p><p>ombro dela, formando um declive próprio para os lábios de um homem.</p><p>A proximidade era tentadora, e se estivessem sozinhos ele testaria sua</p><p>teoria… Mas preferiu afastar a ideia. Havia mais pessoas no salão, e ele não</p><p>devia e nem podia pensar naqueles termos. A negociação tratava de guerra,</p><p>o que nada tinha a ver com um acordo entre amantes.</p><p>– Milorde? – Ela o chamou, intrigada. – Há alguma coisa errada?</p><p>– Er… não. Desculpe-me. Eu estava pensando em estratégias militares.</p><p>– Claro. Sou eu que tenho que me desculpar por detê-lo. – Ela sorriu com</p><p>os olhos verdes brilhando. – Se me der licença, preciso organizar a festa.</p><p>Quando ela saiu, Wulfgar deu um longo suspiro. Depois de recuperar sua</p><p>compostura de sempre, virou-se e uniu-se aos seus homens.</p><p>Capítulo 7</p><p>JODIS OLHOU de olhos arregalados para Anwyn.</p><p>– A senhora fez isso mesmo?</p><p>– Fiz, sim. Agora tenho de rezar para ter tomado a decisão certa. Se bem</p><p>que acho que não tenho alternativa.</p><p>– Lorde Ingvar não vai gostar nada, nada. – Jodis se calou e emendou: –</p><p>Lorde Wulfgar é bonito, não é?</p><p>– Você tem razão, é sim.</p><p>– É uma pena que ele não seja lorde de Drakensburgh.</p><p>Quando Anwyn a �tou, Jodis corou.</p><p>– Desculpe-me, milady, não quis ofender. Eu estava pensando alto.</p><p>– É uma mania ruim, Jodis.</p><p>Na realidade, o comentário não a ofendeu, mas levou os pensamentos de</p><p>Anwyn para uma direção diferente. Se Wulfgar tivesse sido lorde de</p><p>Drakensburgh… Ela se deixou sonhar por um momento e sentiu um nó no</p><p>estômago. Como seria dividir a cama com ele? Teria de se submeter às</p><p>vontades dele? A ideia não gerou a repulsa que deveria ter causado, mas</p><p>despertou desejo. Ela respirou fundo. Deixar-se levar por pensamentos</p><p>daquele tipo era irresponsável e tolo. Não era desejo dela tornar-se uma</p><p>meretriz, e ela havia descoberto da pior maneira possível como era ruim ser</p><p>uma esposa. Jamais daria esse poder a nenhum homem.</p><p>Assim, começou a pensar na festa. A decisão tinha sido de última hora,</p><p>mas Drakensburgh estava bem abastecida para um evento daqueles. Ela</p><p>passou o resto da tarde conversando com os criados. Se tudo corresse</p><p>conforme o esperado, seria bem provável que novas amizades entre os dois</p><p>times surgissem. Talvez até mesmo orkil e seus amigos cedessem, depois</p><p>de algumas canecas de cerveja.</p><p>WULFGAR E Ina assumiram a responsabilidade de organizar as mesas para a</p><p>festa, misturando os homens na hora de se sentarem, dando a eles a chance</p><p>de se conhecer e conversar. Já que trabalhariam juntos, aquela era uma</p><p>atitude importante. Anwyn não interveio, conferindo aos dois total</p><p>liberdade para organizarem o salão. A contribuição dela tinha sido a comida</p><p>farta e bebida su�ciente. Wulfgar contribuíra com alguns barris de hidromel</p><p>que tinha no navio.</p><p>Com o passar das horas, tudo parecia correr muito bem. As conversas</p><p>�uíam, pontuadas por intervalos de boas risadas. Wulfgar estava satisfeito.</p><p>Se tudo saísse como ele esperava, seria mais fácil trabalhar com os dois</p><p>grupos juntos.</p><p>Com o canto do olho ele percebeu um movimento na porta e olhou</p><p>naquela direção. Ficou paralisado, esquecendo-se inclusive de respirar, ao</p><p>ver a mulher que ali estava. Não só ele, mas muitos dos homens lançaram</p><p>olhares furtivos a ela.</p><p>Anwyn não percebeu. Wulfgar percebeu que ela inspecionou o salão e,</p><p>satisfeita com o que tinha visto, caminhou na direção dele. Ele se recompôs</p><p>e levantou-se para cumprimentá-la.</p><p>Para honrar a situação Anwyn se vestiu com mais primor do que naquela</p><p>tarde. O vestido azul era um dos melhores que ela possuía, todo bordado no</p><p>pescoço e nas mangas com folhas e �ores em verde e amarelo. Laços azuis</p><p>enfeitavam-lhe o cabelo. Ela sabia que era o melhor vestido para a ocasião e</p><p>havia se arrumado para honrar os novos aliados de Drakensburgh. Assim</p><p>que entrou no salão, sabia que apenas a opinião de um homem era</p><p>importante. Ele havia levantado para encontrá-la e o coração dela disparou</p><p>ao atravessar o espaço que os separava, quando percebeu que tinha toda a</p><p>atenção dele para ela. Wulfgar admirou cada detalhe da aparência dela com</p><p>fogo no olhar.</p><p>Wulfgar fez uma reverência. Ele também tinha trocado sua vestimenta</p><p>habitual por uma blusa mais elegante e uma túnica de lã azul-escura sobre</p><p>uma calça justa e escura. Os sapatos eram de um couro de qualidade, assim</p><p>como o cinto, onde estava a bela adaga de cabo trabalhado. A roupa era</p><p>simples, mas ao mesmo tempo elegante, e contrastava perfeitamente com a</p><p>pele bronzeada e o cabelo escuro.</p><p>Jodis tinha razão. Wulfgar era um homem muito bonito, isso é,</p><p>perigosamente bonito.</p><p>– Você parece uma rainha – comentou ele, �tando-a nos olhos.</p><p>A expressão do rosto dele era prova de que a admiração era sincera, o que</p><p>causou uma reação de prazer. Ele a pegou pela mão e conduziu à cadeira ao</p><p>lado da dele. Anwyn teve a sensação de que o toque daquelas mãos fortes</p><p>queimava-lhe a pele. Para disfarçar as sensações perturbadoras, ela �ngiu</p><p>prestar atenção ao redor, embora soubesse que era impossível pensar em</p><p>outra pessoa que não no homem ao seu lado.</p><p>Uma criada se aproximou para servi-la de bebida. Demonstrando uma</p><p>casualidade estudada, ela tomou um gole. O hidromel era doce, suave e a</p><p>ajudou a se acalmar.</p><p>– Parece que todos estão se dando bem – comentou ela.</p><p>– É verdade. Foi uma boa ideia juntar todos.</p><p>O tom de voz dele permaneceu calmo como de costume, mas a afetou da</p><p>mesma forma como ele a observava.</p><p>– Espero que isso crie um laço de amizade entre nós – comentou ela.</p><p>– Espero uma ligação mais forte entre nós.</p><p>As palavras tinham uma nuance bem sensual, levando-a a pensar na</p><p>tentação. No entanto, era uma tentação com a qual ela não podia arcar.</p><p>Aquele homem era um mercenário e ela estava pagando por seus serviços e</p><p>pelo uso de sua espada. Se quisesse permanecer no controle do</p><p>relacionamento, tinha de manter isso em mente.</p><p>Por sorte, os criados entraram no salão trazendo as travessas de comida,</p><p>distraindo-os de uma conversa embaraçosa. Apesar de a comida estar muito</p><p>saborosa, Anwyn comeu pouco. Por alguma razão estava com menos apetite</p><p>do que o normal, e tomava pequenos goles de sua taça.</p><p>Os homens comiam com alegria, uma visão que a agradava bastante. Pelo</p><p>menos sua habilidade em gerenciar uma casa estava provada, por isso seria</p><p>conveniente se demorar mais um pouco.</p><p>Olhou de soslaio para Wulfgar. Ele estava bem à vontade, ocupando o</p><p>lugar como se tivesse nascido ali. De fato, ele podia ter sido o lorde de</p><p>Drakensburgh. Ela suspirou. Se ele estivesse no lugar de Torstein, ela</p><p>provavelmente estaria mais conformada com sua situação. Na situação atual,</p><p>estavam destinados a se tocar apenas de leve, o que a deixou melancólica.</p><p>Sem saber o que ela estava pensando, Wulfgar inclinou-se na direção dela.</p><p>– Essa foi uma refeição excelente. Você está de parabéns.</p><p>– Obrigada. O esforço valeu a pena – respondeu ela animada, e sorriu.</p><p>– Valeu mesmo. Se essa foi uma amostra do que virá, meus homens nunca</p><p>mais irão querer sair daqui.</p><p>O pulso dela se acelerou. Se os homens �cassem, ele também não iria</p><p>embora.</p><p>– Se for assim, então é verdade o que dizem: que o coração dos homens</p><p>está no estômago.</p><p>– Você tem alguma dúvida?</p><p>– Pela minha experiência, acho que os homens não têm coração.</p><p>– Nem mesmo seu marido? – inquiriu ele, estreitando os olhos.</p><p>Referir-se a Torstein acabou com qualquer sinal de alegria em Anwyn.</p><p>– Desculpe-me, não quis me meter onde não sou chamado.</p><p>– Não tem importância. Meu pai arranjou nosso casamento para</p><p>benefícios próprios. Não pude dizer nada.</p><p>– Entendo…</p><p>– Será?</p><p>Wulfgar percebeu a ironia da pergunta e, mesmo sabendo que devia</p><p>mudar de assunto, não conteve a curiosidade.</p><p>– Quantos anos você tinha?</p><p>– Tinha 15 anos e Torstein tinha 40.</p><p>– Não é mesmo uma combinação ideal, embora, se houver boa vontade</p><p>dos dois lados, possa dar certo. Esses assuntos não são previsíveis.</p><p>– Pode ser como diz, mas não faço ideia.</p><p>– Lamento saber.</p><p>– Eu também lamentei todos os dias que passei com ele. – O tom de voz</p><p>dela foi amargo, bem diferente do que de costume. – Mas ela se recompôs e</p><p>sorriu. – Não vamos</p><p>mais falar de coisas desagradáveis. A�nal, estamos</p><p>celebrando.</p><p>Wulfgar entendeu a insinuação e mudou de assunto. Mesmo assim tudo o</p><p>que ela dissera deu a ele muito em que pensar. O que acabara de ouvir</p><p>explicava o que ela havia dito sobre a tirania do marido. Wulfgar tentou</p><p>imaginar que tipo de homem tinha sido Torstein, que alienara tanto uma</p><p>mulher tão adorável. Qualquer homem faria de tudo para possuir tal joia,</p><p>agradá-la e tratá-la muito bem. Ao mesmo tempo, ele sabia que não estava</p><p>em posição para criticar ninguém, pois também tivera uma mulher e não a</p><p>tratara bem. Ele fez uma careta, concluindo que talvez tivesse mais em</p><p>comum com Torstein do que desejava.</p><p>Anwyn esvaziou o cálice, censurando-se por ter dado detalhes de seu</p><p>casamento a um estranho. Mas não saberia explicar por que tinha feito</p><p>aquilo. Agora ele sabia muito sobre sua vida, enquanto ela não sabia nada</p><p>dele. Como tinha sido a vida dele?</p><p>Wulfgar tinha falado pouca coisa a seu respeito, mostrando-se reservado</p><p>quanto ao seu passado. Ele provavelmente tinha razão quando dizia que não</p><p>queria pensar no que já havia sido feito.</p><p>– Você não se sente solitária? – perguntou ele.</p><p>– Eu procuro me manter ocupada.</p><p>– Mas você não passa o dia inteiro trabalhando.</p><p>– É verdade. Algumas vezes eu durmo também.</p><p>– Somente algumas vezes?</p><p>– Os primeiros meses depois da morte de Torstein foram difíceis.</p><p>– E agora?</p><p>– Agora não, pois sei que ele não vai voltar.</p><p>Wulfgar a estudou demoradamente.</p><p>– Você nunca pensou em dividir sua cama de uma forma mais agradável?</p><p>– Não tenho intenção de me casar de novo.</p><p>– Não foi isso que sugeri.</p><p>Os olhos de Anwyn �caram sombrios ao encará-lo.</p><p>– Eu também não tenho interesse em ter um amante, milorde.</p><p>– É uma pena.</p><p>Ela se calou, não acreditando na ousadia do comentário. E não viu</p><p>nenhum sinal de que ele tivesse se arrependido do que havia dito, mas, ao</p><p>contrário, os olhos dele brilhavam como se estivesse se divertindo.</p><p>– Você tem ideia do quanto é provocante? – perguntou ela.</p><p>– Imagino que queira me dizer.</p><p>– Se estivéssemos sozinhos eu já teria dito.</p><p>– Bem, estou sem sorte, não é?</p><p>– Não faz diferença. Não me deixarei seduzir.</p><p>– Pior. Devo tentar com mais empenho.</p><p>– Acredito que já esteja no limite, milorde.</p><p>Wulfgar começou a rir. Essa não era a reação que ela esperava e tampouco</p><p>a maneira como a expressão do rosto dele e o olhar maroto se</p><p>transformaram. Incapaz de encarar a maneira como ele a avaliava, ela</p><p>abaixou os olhos, temendo que ele pudesse ler os pensamentos que tentava</p><p>esconder até de si mesma.</p><p>OS HOMENS continuaram a beber noite adentro, as piadas �caram mais</p><p>pesadas e os risos grosseiros, mais altos. O calor aumentou no salão que</p><p>rescendia carne assada, cerveja e suor dos homens. Anwyn sentiu os efeitos</p><p>da bebida. Apesar do gosto suave, era muito mais forte do que ela</p><p>imaginava. E ela havia bebido durante a refeição e depois. Seria um erro se</p><p>tomasse um gole a mais. Àquela altura, já havia feito sua parte e atendido aos</p><p>propósitos da ocasião. Talvez mais do que o necessário até. Era hora de se</p><p>retirar. Assim, ela se levantou e o barulho aumentou. Apoiando-se na</p><p>cadeira, esperou que se acalmassem. Quando abriu os olhos, viu que</p><p>Wulfgar também estava em pé.</p><p>– Eu a acompanharei até a antessala de seus aposentos, milady.</p><p>– Eu… Está bem, mas não há necessidade.</p><p>– Acho que é preciso. – Wulfgar inclinou a cabeça na direção dos homens</p><p>se divertindo.</p><p>Anwyn não se preocupou em discordar. Ele tinha razão, pois estavam</p><p>bem bêbados. Andando com cuidado, ela chegou a uma pequena porta</p><p>lateral. Wulfgar abriu a porta e esperou que ela passasse. Foi um alívio</p><p>receber no rosto a brisa fria da noite, depois de sair de um ambiente tão</p><p>quente. Já era noite alta e as chamas dos tocheiros, que ladeavam o caminho,</p><p>dançavam com a brisa. De longe, ela viu apenas a sombra da construção</p><p>onde �cavam os aposentos das damas.</p><p>– Não precisa me acompanhar até a porta, milorde. Faltam poucos metros</p><p>apenas.</p><p>Assim dizendo, ela deu um passo em falso e tropeçou, mas ele a segurou</p><p>pela cintura, impedindo-a de cair.</p><p>– O hidromel é forte, não é?</p><p>– Estou bem. – Ela balançou a cabeça.</p><p>Mesmo assim, ele não a soltou. Estavam tão próximos que Anwyn podia</p><p>sentir o calor que emanava do corpo dele e atravessava seu vestido. Por</p><p>causa da luz tremeluzente, o rosto de Wulfgar estava sombreado, o que não</p><p>impediu que ela sentisse a intensidade daqueles olhos azuis. O coração dela</p><p>deu um salto.</p><p>Wulfgar passou o outro braço pela cintura dela, puxando-a mais para</p><p>perto, e cobriu os lábios dela com os dele. Em princípio, ela reagiu, mas,</p><p>conforme o beijo foi se intensi�cando, as reservas foram caindo e as línguas</p><p>bailaram como antigas conhecidas. Ela estremeceu inteira, mas não era de</p><p>frio. A boca de Wulfgar tinha gosto de hidromel, doce e forte, tão intenso</p><p>quanto o que ela tinha tomado antes. O beijo e o roçar dos corpos despertou</p><p>uma fagulha que percorreu o corpo dela, acendendo uma chama que há</p><p>muito tempo estava adormecida.</p><p>O beijo tornou-se mais profundo, exigindo uma resposta. Como se seu</p><p>corpo tivesse vontade própria, Anwyn se permitiu aconchegar-se naqueles</p><p>braços fortes que pareciam ter o tamanho exato para ampará-la.</p><p>No entanto, um alarme distante disparou no fundo da mente dela. Estava</p><p>cometendo uma loucura, além do perigo ao qual se expunha. Conforme a</p><p>razão foi afastando-a daquele estado de torpor, ela tensionou o corpo e virou</p><p>o rosto de lado. As estrelas brilhavam no céu escuro.</p><p>– Por favor…</p><p>– O que pretende, Anwyn? – perguntou ele, roçando os lábios na orelha</p><p>dela. A carícia provocou uma sensação deliciosa que percorreu até o centro</p><p>da feminilidade de Anwyn, instigando-a a se render, derrubar muralhas e</p><p>deixar-se queimar pelo fogo interno que a consumia. Mesmo nesse estado de</p><p>enlevo quase absoluto, ela ainda ouvia os sinos da razão em sua mente.</p><p>– Eu não posso… – disse ela, tentando se afastar, mas suas pernas</p><p>pareciam se recusar a suportar seu peso.</p><p>Se o braço dele não estivesse ali, ela teria caído. No minuto seguinte, ele a</p><p>segurou pelas pernas e a levantou nos braços, levando-a pelos poucos</p><p>metros que faltavam até a porta dos aposentos. Empurrando a porta com o</p><p>ombro, ele atravessou a antessala e entrou no quarto.</p><p>Alguém havia acendido uma lamparina que emprestava uma luz fraca ao</p><p>quarto. Wulfgar a colocou na cama e �cou parado, olhando para o rosto</p><p>dela. O verde dos olhos de Anwyn estava mais escuro.</p><p>Wulfgar ainda estava sob o efeito do beijo roubado e lutava para resistir à</p><p>tentação de deitar-se com ela e completar o que haviam começado. Nunca</p><p>sentira tamanho desejo por outra mulher. Por sua vontade, soltaria os</p><p>cabelos dela e tiraria peça a peça de roupa para deixá-la nua. Depois a</p><p>cobriria com seu peso e a amaria durante a noite inteira, regido apenas pela</p><p>paixão tresloucada que sentia. Ela não deveria resistir; a�nal, era uma</p><p>mulher sozinha e precisava do conforto temporário que ele podia prover. E</p><p>ele seria muito carinhoso. Ela não precisava dizer nada; seu corpo mostrava</p><p>a ansiedade por tê-lo mais perto. As muralhas que ela tinha erguido haviam</p><p>se desmanchado como um castelo de areia. Anwyn estava pronta para</p><p>recebê-lo; a cerveja a tinha deixado naquele estado.</p><p>Wulfgar fechou os olhos e respirou fundo várias vezes, lutando para se</p><p>autocontrolar. Era evidente o quanto a desejava, mas não sob a in�uência da</p><p>bebida, que a tinha deixado naquele estado de torpor sem saber ao certo o</p><p>que fazia. Quando a possuísse, e era essa sua intenção, teria de ser com o</p><p>consentimento dela. E que estivesse bem consciente! Seu objetivo era que ela</p><p>se lembrasse do que havia acontecido e ansiasse por mais. O beijo</p><p>ensandecido tinha sido apenas uma amostra do quanto ela era apaixonante e</p><p>do que era capaz. Ele se abaixou e tirou os sapatos dela, colocando-os ao</p><p>lado da cama. Depois a cobriu e beijou-a na testa.</p><p>– Boa noite, Anwyn.</p><p>Ela sorriu já meio sonolenta e disse alguma coisa incompreensível.</p><p>Wulfgar suspirou e saiu, fechando a porta.</p><p>ANWYN ACORDOU com a boca seca e a cabeça latejando. Olhando de canto de</p><p>olho na direção da luz,</p><p>percebeu que o sol já estava alto. Quanto será que</p><p>havia bebido na noite anterior? Devagar, ela apoiou o corpo no cotovelo e</p><p>olhou ao redor. Só então percebeu que ainda estava vestida. Não se lembrava</p><p>de como tinha chegado até a cama. Com cuidado, girou as pernas, colocou</p><p>os pés no chão e se levantou. Sua cabeça latejou com mais força.</p><p>Atravessando o quarto, ela parou diante da mesa onde havia uma jarra e</p><p>serviu-se de um copo de água fresca. Depois, jogou um pouco de água na</p><p>bacia e lavou o rosto. O choque da água fria a reavivou e ela jogou água no</p><p>rosto várias vezes. Aos poucos sua mente foi clareando e ela se lembrou de</p><p>alguns fragmentos da noite anterior. Franziu a testa ao recordar que tinha</p><p>saído do salão, mas não estava sozinha. De repente todos os detalhes da</p><p>caminhada do salão até os aposentos juntaram-se ao quebra-cabeça e ela</p><p>empalideceu. Wulfgar a tinha acompanhado até a antessala, mas haviam</p><p>parado no meio do caminho e se beijado. E ela havia permitido! Depois ele a</p><p>levara no colo até a cama. Quanto mais se lembrava, mais rápido seu</p><p>coração batia. O rosto dela empalideceu mais. Só os deuses saberiam qual</p><p>teria sido a intenção dele.</p><p>Ela engoliu em seco, pois sabia exatamente o que ele queria. De repente</p><p>teve um vislumbre que con�rmou quem a havia carregado para o quarto e a</p><p>colocado na cama. O rubor tomou o lugar da palidez no rosto de Anwyn.</p><p>Será que ele… eles? Procurou se acalmar e lembrar exatamente o que havia</p><p>acontecido. Eles haviam se beijado e ele a levara no colo, mas não conseguia</p><p>se lembrar de nada depois. Pelo menos ainda estava vestida. Apressada, ela</p><p>tirou o vestido, a camisola e examinou o corpo, mas não encontrou</p><p>nenhuma evidência de intimidade sexual.</p><p>Aliviada, colocou a camisola de novo e abriu o baú de roupas. Tinha sido</p><p>uma tola, mesmo não estando em plena consciência. Ele poderia ter tirado</p><p>vantagem da situação com facilidade. Ela tremeu com frio, lembrando-se de</p><p>Torstein. E, enjoada, pensou que ele não teria hesitado em possuí-la. Ele a</p><p>teria despido e usado conforme sua vontade. Já Wulfgar não tinha</p><p>aproveitado a oportunidade. Uma onda de alívio e vergonha a envolveu.</p><p>Qual seria a opinião dele sobre ela? Como iria encará-lo agora? Mas não</p><p>havia saída, teria de encontrá-lo.</p><p>Depois de ter colocado um vestido limpo e trançado os cabelos, ela saiu</p><p>do quarto para procurar Eyvind. O menino estava com Ina, observando um</p><p>ferrador colocar uma ferradura em um cavalo. Ina levantou a cabeça e</p><p>sorriu. Anwyn imaginou se ele descon�ava do que havia acontecido na noite</p><p>anterior. O bom senso logo prevaleceu e ela se reprimiu por ser tão tola.</p><p>– Posso tomar conta dele, milady, se estiver ocupada.</p><p>Anwyn agradeceu e, suspirando, deixou-os para trás. Olhando ao redor,</p><p>reconheceu vários dos tripulantes do Lobo do Mar, menos o capitão. Decidiu</p><p>perguntar a Hermund.</p><p>– Ele foi até o navio com alguns homens, milady.</p><p>Anwyn �cou sem saber se estava aliviada ou desapontada.</p><p>– Entendo, mas não tem importância. Falo com ele mais tarde.</p><p>– Devo dizer que a senhora o procurou?</p><p>– Não se preocupe. Devo me encontrar com ele de um jeito ou de outro.</p><p>Estava voltando, quando ouviu o barulho de cascos de cavalo atrás do</p><p>portão. Houve uma troca de cumprimentos e o portão se abriu para um total</p><p>de seis cavaleiros. O coração dela deu um salto ao reconhecê-los. Ingvar!</p><p>Como tinha sido pega de surpresa, Anwyn parou e tentou se acalmar para</p><p>pensar com lucidez. Ingvar desmontou e perscrutou os arredores. Em</p><p>seguida, deu ordens para seus homens desmontarem também.</p><p>Suspirando, ela seguiu na direção deles. Ele a viu se aproximar e fez uma</p><p>reverência. No entanto, ele não sorria como de costume e especulava tudo</p><p>com seus olhos amarelados. O encontro não seria fácil. Para ganhar tempo,</p><p>ela convidou Ingvar e seus homens para entrarem no salão.</p><p>– Vocês devem estar com sede. Aceita um refresco, milorde?</p><p>– Não, obrigado, milady. Preciso lhe falar, sozinho – disse ele, com uma</p><p>entonação mais séria do que de costume. Era quase uma ordem.</p><p>Anwyn previu aborrecimentos, mas assentiu com um sinal de cabeça.</p><p>– Como queira.</p><p>Ela o conduziu até o salão, onde não podiam ser ouvidos. Então parou e o</p><p>�tou, esperando.</p><p>– Pode me explicar o que está acontecendo aqui, milady? – perguntou,</p><p>fulminando-a com o olhar.</p><p>– A respeito de quê?</p><p>– Sobre os reparos no navio.</p><p>– Ah, acho que eles estão trabalhando bastante.</p><p>– Fico contente em saber – disse ele, mais calmo. – Quanto tempo mais</p><p>levará?</p><p>– Não muito… no máximo um dia ou dois.</p><p>– Estou certo de que será um alívio ver esse grupo de mercenários pelas</p><p>costas.</p><p>– Ao contrário. Não tenho nada do que reclamar.</p><p>– Eles têm se comportado com o devido decoro?</p><p>– Sim, bem melhor que muitos outros.</p><p>Ingvar entendeu o recado.</p><p>– Grymar não cometerá o mesmo erro duas vezes. Dou-lhe a minha</p><p>palavra.</p><p>– Milady terá muito mais do que sua palavra. – Uma voz grave soou da</p><p>entrada do salão.</p><p>Anwyn sentiu o coração disparar e, ao se virar, deparou-se com Wulfgar.</p><p>Não o tinha percebido se aproximar, por isso não sabia há quanto tempo ele</p><p>estava ali. Quando o olhar dele cruzou com o dela, Anwyn corou.</p><p>– O que quer dizer com isso? – exigiu Ingvar.</p><p>– Drakensburgh terá uma proteção adicional contra você daqui para a</p><p>frente.</p><p>– Isso é algum tipo de brincadeira?</p><p>– Dizendo mais diretamente: agora meus homens e eu protegemos</p><p>Drakensburgh.</p><p>O rosto de Ingvar parecia ter sido coberto por uma máscara carmim de</p><p>tanto ódio.</p><p>– Drakensburgh não precisa de seus serviços.</p><p>– Milady não tem a mesma opinião – disse Wulfgar. – Pelo que vi no</p><p>outro dia, acredito que ela tenha razão.</p><p>– Aquilo foi um engano desafortunado.</p><p>– Pode ter sido, mas acredito que não pode haver qualquer</p><p>desentendimento.</p><p>– Você está se metendo em assuntos que não lhe competem.</p><p>– Esse assunto agora me compete… sim.</p><p>Ingvar o encarou, depois olhou para Anwyn.</p><p>– Milady não pode estar falando sério em permitir que esses piratas</p><p>continuem aqui.</p><p>– Piratas, não – refutou ela. – Pretendo deixar que lorde Wulfgar e seus</p><p>homens permaneçam aqui.</p><p>Ingvar a observou em um silêncio inquietante.</p><p>– Lamento saber disso. Pensei que milady tivesse bom senso.</p><p>– Estou em plena consciência de minha atitude.</p><p>– Acredito que foi uma decisão tola e logo se arrependerá, milady.</p><p>– Mesmo assim, manterei o acordo com lorde Wulfgar.</p><p>– Entendo…</p><p>– Esperamos que entenda mesmo – disse Wulfgar.</p><p>Os dois homens mediram forças pelo olhar durante alguns minutos. A</p><p>expressão do rosto de Ingvar mudou de boa vontade para o mais puro ódio.</p><p>– Não permitirei que nenhum homem se intrometa nos meus assuntos,</p><p>ou roube o que é meu.</p><p>Anwyn sentiu o sangue subir-lhe às faces, mas se controlou o su�ciente</p><p>para dizer calmamente:</p><p>– Aqui não há nada que lhe pertença, milorde. E nunca haverá.</p><p>– Você está errada, Anwyn. Você está apenas adiando o inevitável. Sempre</p><p>consigo o que quero sem me importar com os meios.</p><p>– Esqueça Drakensburgh e essa senhora. – Wulfgar o ameaçou, colocando</p><p>a mão no cabo da espada.</p><p>– Então você pretende se apossar daqui, viking?</p><p>– Mesmo que eu quisesse, não seria assunto seu. – Wulfgar percebeu o</p><p>olhar de indignação de Anwyn, mas prosseguiu: – Não há mais nada a fazer</p><p>aqui, milorde, a não ser se retirar.</p><p>– Partirei… por enquanto.</p><p>Ingvar fuzilou Wulfgar com o olhar, virou-se e saiu do salão.</p><p>Anwyn respirou aliviada.</p><p>– Essa não foi a última vez que o vimos.</p><p>– Claro que não.</p><p>– Isso não o perturba?</p><p>– Por que deveria? Sei o tamanho do batalhão dele.</p><p>– Mas e se começar o con�ito?</p><p>– Não “se”, mas “quando”.</p><p>– Você acha que será inevitável?</p><p>– É inevitável, mas, quando ele vier, vou matá-lo.</p><p>– Não foi isso que combinamos – protestou Anwyn com indignação. – Eu</p><p>disse que não queria rios de sangue por aqui.</p><p>– Nem sempre conseguimos o que queremos.</p><p>– Fizemos um acordo, Wulfgar.</p><p>– É verdade. – Ele a estudou com critério. – Mas e se tiver de escolher</p><p>entre a minha morte e a dele?</p><p>– Não será preciso escolher.</p><p>– Pode ser que sim.</p><p>A indignação de Anwyn foi substituída por um sentimento diferente. Ela</p><p>sabia que a escolha entre os dois sempre estaria presente, e Ingvar perderia</p><p>com facilidade.</p><p>– Então terá de matá-lo.</p><p>– Exatamente.</p><p>Anwyn se sentiu enfraquecida ao se dar conta das verdadeiras implicações</p><p>de seu plano.</p><p>– Então vai começar…</p><p>– Aye, vai começar, mas você sabia que isso aconteceria.</p><p>– Acho que sim, mas eu tinha esperanças de que tivéssemos mais tempo.</p><p>– É melhor assim. Todos sabem a posição dele.</p><p>– Suponho que sim. – Ela meneou a cabeça. E, lembrando-se da conversa</p><p>recente, emendou: – O que você quis dizer com o comentário que fez a</p><p>Ingvar?</p><p>– Qual deles?</p><p>– Você sabe do que estou falando.</p><p>– Não, ajude-me a lembrar.</p><p>Ela corou ligeiramente e seus olhos assumiram um brilho beligerante.</p><p>– Quando disse que não era da conta de Ingvar se você de fato tomasse</p><p>Drakensburgh.</p><p>– Ah, foi isso?</p><p>– O que quis dizer?</p><p>– Exatamente o que ouviu.</p><p>Anwyn �cou mais corada.</p><p>– Você não tem o direito de dizer uma coisa dessas a não ser que…</p><p>– A não ser…?</p><p>– Você o estava provocando deliberadamente.</p><p>– Mas é claro que sim. Ingvar transbordava ciúme.</p><p>– Ele não tem motivos para tanto.</p><p>– Ah, não? – Wulfgar levantou uma das sobrancelhas. – Bem, o que os</p><p>olhos não veem… e ele não esteve aqui ontem à noite, não é?</p><p>O rosto de Anwyn �cou quase roxo. Ele sorriu com ironia e deu um passo</p><p>à frente.</p><p>– Você se lembrou do que houve, Anwyn?</p><p>– Eu já tinha me lembrado bem antes, seu tolo. Você acha mesmo que eu</p><p>não sabia que você iria querer se aproveitar de mim?</p><p>– Eu apenas a beijei, apesar de que teria sido simples continuar.</p><p>– E por que fez isso?</p><p>– Pre�ro que a mulher esteja sóbria quando nos deitamos.</p><p>– Para que ela possa lembrar depois? – perguntou ela com desdém.</p><p>– O prazer é sempre particular.</p><p>– O prazer é sempre unilateral – retorquiu ela.</p><p>– Se for essa sua opinião, então havia alguma coisa errada entre você e seu</p><p>marido. – Wulfgar a olhou com curiosidade.</p><p>– Não fui eu que escolhi dividir a cama com ele.</p><p>– Se um homem não tem o cuidado de tratar a mulher com carinho em</p><p>sua cama, di�cilmente conseguirá fazer amor com ela de novo.</p><p>Havia algo na expressão dele que a deixou com o coração totalmente em</p><p>descompasso, remetendo-a ao beijo roubado e correspondido. Não sendo</p><p>mais capaz de sustentar o olhar dele, ela virou de lado.</p><p>– Não faço ideia do que esteja falando, mas sei que é irrelevante.</p><p>– Eu não diria que é irrelevante, mas muito pertinente.</p><p>– Bebi demais.</p><p>– In vino veritas… Entra vinho, sai segredos.</p><p>– Arrependo-me por ter perdido a inibição.</p><p>– É mesmo? – Ele se calou antes de pedir: – Olhe para mim, Anwyn.</p><p>Com o sangue correndo mais rápido pelas veias, ela se forçou a encará-lo.</p><p>– O que aconteceu ontem foi um acaso que não se repetirá.</p><p>– Lamento saber.</p><p>– Peço desculpas se minhas atitudes o levaram a pensar que eu… que</p><p>nós… – Anwyn não conseguiu terminar a frase.</p><p>– Acho que sim. Sabemos que a paixão naquele beijo foi verdadeira.</p><p>– Mesmo assim, essa história não pode continuar. Estou certa de que você</p><p>compartilha da minha opinião.</p><p>– Nossas visões diferem nesse ponto. – Ele sorriu ironicamente. – Mas</p><p>você deve estar certa.</p><p>– Você sabe que estou certa. Devemos esquecer o que houve.</p><p>– Algumas coisas não são fáceis de esquecer em pouco tempo.</p><p>– Temos um acordo de negócios, milorde, nada mais. – Ela fez uma</p><p>pausa. – Eu me arrependo se o levei a pensar diferente. Eu não estava no</p><p>meu juízo perfeito.</p><p>– E agora?</p><p>– Podemos voltar a agir como antes?</p><p>– Se for esse seu desejo.</p><p>Ela acenou com a cabeça.</p><p>– Obrigada. E, mais uma vez, sinto muito pelo que aconteceu ontem à</p><p>noite.</p><p>– Eu gostaria de dizer o mesmo – murmurou ele, e ela saiu do salão.</p><p>Capítulo 8</p><p>NOS DIAS seguintes, Wulfgar se empenhou em descobrir tudo o que pôde a</p><p>respeito de Drakensburgh. Inspecionou com detalhes as defesas e concluiu o</p><p>que já havia previsto: o lugar era fácil de ser administrado. Era um bom</p><p>começo. A tarefa seguinte seria unir dois grupos diferentes em um batalhão</p><p>de guerra coeso. Para começar, ele organizou várias sessões de treinamento</p><p>que uniria todos, além de permitir que se tivesse uma noção do contingente</p><p>que Drakensburgh dispunha, e �cou surpreso com o resultado. Apesar de</p><p>alguns pontos negativos, o conde Torstein tinha escolhido bem seus</p><p>guerreiros.</p><p>Depois da noite da festa, mal tinha visto Anwyn. Eles só se viam à mesa</p><p>durante as refeições, quando ele percebeu, divertindo-se, que ela se limitava</p><p>a beber pequenas quantidades de cerveja apenas. Ela sempre o tratava com</p><p>cortesia, embora mantivesse sempre a distância pro�ssional. Nunca mais</p><p>houve qualquer menção sobre aquele breve momento de intimidade, como</p><p>se nunca tivesse acontecido mesmo. Além do mais, Wulfgar tinha quase</p><p>certeza de que ela o evitava. No começo ambos estavam curiosos, o que foi</p><p>se desgastando com o tempo. O pior era que descon�ava de que não se</p><p>tratava de nenhum ardil feminino para aumentar seu interesse. Ela de fato</p><p>não queria nenhuma aproximação. De vez em quando, durante o</p><p>treinamento matinal, ele a via de relance, sempre acompanhada do �lho, e</p><p>ela sequer olhava na direção do grupo. Eram as criadas que serviam os</p><p>refrescos para ele e para o batalhão. Anwyn havia de�nitivamente escolhido</p><p>se esconder atrás de uma muralha que ela mesma havia erguido.</p><p>A SUPOSIÇÃO de Wulfgar estava certa. Anwyn evitava a companhia dele</p><p>sempre que possível, ocupando-se das tarefas domésticas durante o dia.</p><p>Havia também que cuidar de Eyvind, mas isso não era difícil. Apesar de</p><p>evitá-lo, ansiava pela refeição da noite, quando sabia que encontraria</p><p>Wulfgar. As conversas eram sempre super�ciais. Anwyn perguntava sobre os</p><p>treinamentos e ele detalhava os progressos e como havia passado o dia. Ela o</p><p>ouvia com atenção, fazendo perguntas pertinentes que revelavam sua</p><p>inteligência e rapidez de raciocínio para saber quais eram os objetivos que</p><p>ele pretendia atingir.</p><p>– Você poderia ser um comandante competente – comentou ele,</p><p>enquanto saboreavam o que tinha sobrado da refeição noturna.</p><p>Anwyn meneou a cabeça.</p><p>– Um comandante hábil precisa saber enfrentar uma batalha, e não acho</p><p>que eu conseguiria.</p><p>– Não é difícil aprender o básico do manejo de uma espada. O mais difícil</p><p>é montar a estratégia certa para a luta.</p><p>– É mesmo?</p><p>– Sem dúvida, você sabe do que estou falando – disse ele sem nenhuma</p><p>in�exão na voz. Mesmo assim, ela �cou atenta.</p><p>– Eu presto atenção no que você diz.</p><p>– Eu sei. – Ele se inclinou na cadeira sem tirar os olhos dela. – Essa é uma</p><p>boa qualidade em uma mulher.</p><p>– Isso foi um comentário para me provocar? – perguntou ela, �tando-o.</p><p>– Foi sim. Tive êxito?</p><p>– Teve sim, seu tratante – disse ela, sorrindo.</p><p>– Você acha mesmo que sou um tratante? – perguntou Wulfgar, parando a</p><p>mão com a caneca de cerveja no ar.</p><p>– Você se conhece bem.</p><p>– Humm. Admito que esse assunto não seja muito promissor. Vamos falar</p><p>de outra coisa.</p><p>– Ora, essa sim é uma qualidade rara entre os homens.</p><p>– Como assim? – perguntou ele com os olhos brilhando de curiosidade.</p><p>– Pela minha experiência, sei que os homens gostam de falar muito sobre</p><p>si mesmos.</p><p>– Então, são entediantes?</p><p>– Quer que eu diga a verdade?</p><p>– Sempre quero ouvir a verdade de você. – As palavras foram bem</p><p>pronunciadas e sinceras.</p><p>Anwyn não esperava ouvir aquilo e não conseguiu esconder como tinha</p><p>�cado sem jeito.</p><p>– Eu tentarei ser honesta.</p><p>– Ótimo. Um acordo de negócios depende disso.</p><p>– Sim, claro.</p><p>Anwyn �cou aliviada que o assunto tinha voltado para os negócios. Ele</p><p>deve ter percebido que era um território bem mais seguro.</p><p>– Falando em negócios – continuou ele –, preciso me familiarizar com</p><p>Drakensburgh como um todo. Você aceitaria cavalgar comigo amanhã para</p><p>me mostrar tudo?</p><p>O coração de Anwyn deu um salto. De repente, a insegurança voltou a</p><p>tirá-la do prumo.</p><p>– Bem, não… Quero dizer, não tenho certeza…</p><p>– Será muito útil para que eu possa ter uma visão completa.</p><p>– Verdade?</p><p>– Com toda certeza. – Os olhos azuis dele demonstravam sinceridade. –</p><p>Tenho uma ideia dos ambientes internos, mas não quero deixar de ver nada.</p><p>– Ah, entendo.</p><p>– Isso tem uma importância estratégica e de segurança. – Ele fez uma</p><p>pausa. – Bem, claro, se estiver muito ocupada…</p><p>– Não… sim… Estou ocupada, mas posso sair um pouco.</p><p>– Obrigado.</p><p>Será muito bom. – Ele parecia pensativo. – Talvez Eyvind</p><p>queira ir também, acompanhado por Ina, claro.</p><p>– Tenho certeza de que ele vai adorar – respondeu ela, sorrindo.</p><p>– Então, está marcado.</p><p>Anwyn se despediu desejando uma boa noite pouco tempo depois, e</p><p>Wulfgar suspirou longamente. Hermund o observava descon�ado.</p><p>– Bem, já entendi tudo – disse ele com certa má vontade. – Importância</p><p>estratégica, não é?</p><p>– Está certo, admito que exagerei.</p><p>– Exagerou? Nunca ouvi uma tática tão desesperada na vida.</p><p>– Não chega a ser desesperada. – Wulfgar içou uma das sobrancelhas.</p><p>– Bem, então você me enganou. – A resposta foi curta e rude, e Hermund</p><p>começou a gargalhar em seguida.</p><p>UM GRUPO de doze fortes cavaleiros partiu cedo na manhã seguinte. Wulfgar</p><p>queria de fato se familiarizar com as terras de Drakensburgh. As</p><p>informações seriam importantes para seus homens também, pois não queria</p><p>ser pego desprevenido. Ingvar já havia mandado um batalhão até a fronteira</p><p>uma vez. Como o relacionamento deixara de ser cordial, seria impossível</p><p>prever o que ele faria no futuro, e Wulfgar não queria expor Anwyn e o �lho</p><p>ao perigo.</p><p>Os olhos de Eyvind brilhavam de animação, mas ele também estava um</p><p>pouco intimidado pela companhia. Wulfgar sorriu ao ver Ina levantando o</p><p>garoto, colocando-o na sela do pônei. Depois se virou para Anwyn e disse:</p><p>– Tudo pronto?</p><p>– Claro.</p><p>A resposta soou natural, sem dar indícios do turbilhão de pensamentos na</p><p>mente dela. Na noite anterior tinha sido difícil pegar no sono, preocupada se</p><p>tinha tomado a decisão certa ao aceitar o convite. No entanto, a escolta</p><p>ofereceria segurança e tornaria a excursão plenamente respeitável. Se bem</p><p>que ele devia ter levado isso em consideração ao organizar o passeio. Eles</p><p>não estariam sozinhos. Por que �cava tão alterada e com o pulso acelerado</p><p>sempre que estava perto dele? Wulfgar era uma tentação com a qual era</p><p>difícil conviver.</p><p>Wulfgar aguardou que ela montasse, antes de montar em um alazão</p><p>castanho que pertencera a Torstein. Ele se moveu com elegância sobre o</p><p>cavalo e o conduziu até ela.</p><p>– Podemos ir?</p><p>Eles seguiram em silêncio, mantendo o passo devagar por causa de</p><p>Eyvind. No começo do passeio, Anwyn manteve o olhar bem no meio das</p><p>orelhas do cavalo, não se arriscando a olhar para o lado, mas atenta ao</p><p>cenário a sua volta. Depois de passarem pela vegetação mais cerrada, a</p><p>paisagem se abriu numa planície de vegetação baixa com alguns grupos de</p><p>árvores. Estavam no meio da primavera. As folhas das árvores e arbustos</p><p>reluziam e as �ores adornavam o gramado onde o gado e as ovelhas</p><p>pastavam. As terras aradas exibiam as novas colheitas. A paisagem acalmava</p><p>os sentidos e indicava prosperidade.</p><p>– É uma bela propriedade – comentou Wulfgar. – Posso entender por que</p><p>Ingvar quer tomar posse dela.</p><p>Anwyn o �tou de lado.</p><p>– Isso nunca acontecerá enquanto eu estiver viva.</p><p>– Ele seria um tolo se tentasse agora.</p><p>– Que ironia… Eu odiei Drakensburgh quando cheguei. Sonhava em</p><p>escapar. E agora estou lutando para preservar a propriedade.</p><p>– Seu ódio era por Drakensburgh mesmo? – perguntou ele, curioso.</p><p>– Odiei tudo que se relacionasse a Torstein.</p><p>– Menos o seu �lho. – Dessa vez, ele a observou por mais tempo.</p><p>– Menos Eyvind. É por ele que devo manter Drakensburgh.</p><p>– Você tem quem faça isso para você.</p><p>– Eu sei. Espero sinceramente que Ingvar esqueça suas ambições quanto a</p><p>mim e procure uma nova esposa.</p><p>– Ele não vai desistir – disse Wulfgar. – Se eu estivesse no lugar dele,</p><p>também não desistiria.</p><p>O coração de Anwyn deu um salto. Sem saber como interpretar o</p><p>comentário, ela o olhou de soslaio.</p><p>– Acredito que um aventureiro não procure terra ou as responsabilidades</p><p>de uma esposa e �lhos.</p><p>Um músculo se moveu no maxilar de Wulfgar.</p><p>– Não fui um aventureiro por toda a minha vida. Já tive também terras,</p><p>uma esposa e um �lho.</p><p>Anwyn o encarou surpresa.</p><p>– O que aconteceu a eles?</p><p>– Houve uma epidemia naquele verão e eles adoeceram. Várias pessoas</p><p>morreram.</p><p>– Sinto muito.</p><p>– Faz muito tempo e a vida continua – disse ele depois de um suspiro, e</p><p>por um breve instante ele assumiu uma expressão de tristeza que passou</p><p>logo. – Cada um supera da maneira como pode. No meu caso, tornei-me um</p><p>aventureiro.</p><p>– O que houve com sua casa?</p><p>– Como eu não suportava olhar para ela sem minha família, mandei que</p><p>fosse queimada.</p><p>– Entendo…</p><p>– A casa se tornou uma pira funerária.</p><p>Anwyn tentou assimilar o que tinha ouvido, pois mudava tudo o que</p><p>pensava sobre aquele homem. Jamais suspeitara que ele pudesse ter levado</p><p>uma vida normal.</p><p>– Quantos anos tinha seu �lho?</p><p>– Três.</p><p>Ela engoliu em seco imaginando como seria horrível se algo semelhante</p><p>acontecesse a Eyvind.</p><p>– Qual era o nome dele?</p><p>– Toki.</p><p>– E o nome da sua esposa?</p><p>– Freya.</p><p>– Ela era bonita?</p><p>– Era linda.</p><p>Anwyn percebeu, pela resposta sucinta, que tinha tocado em um assunto</p><p>muito particular, e logo se arrependeu.</p><p>– Desculpe-me, eu não queria tocar em feridas antigas.</p><p>– Está tudo bem. As feridas estão fechadas.</p><p>– Fechadas, mas não totalmente curadas, suponho.</p><p>A observação o pegou de sobreaviso. Mesmo que as palavras tivessem</p><p>sido gentis, atingiram-no como um soco no estômago. Pressentindo a tensão</p><p>de Wulfgar, o cavalo baixou o pescoço para frente e foi preciso um puxão</p><p>�rme para controlá-lo novamente.</p><p>– Está tudo bem, milorde? – perguntou rand.</p><p>– Sim, foi apenas um mosquito que assustou o cavalo.</p><p>– Esses pequenos destruidores são terríveis. – rand meneou a cabeça. –</p><p>Lembro-me de uma vez quando…</p><p>A conversa enveredou para outros rumos. Anwyn deixou-se embalar</p><p>pelas vozes masculinas, mas sem prestar atenção ao que diziam, pensando</p><p>em outras coisas. Tinha descoberto tanto sobre Wulfgar, porém não sabia</p><p>que suas palavras pudessem surtir tanto efeito. Não devia ter sido fácil</p><p>perder um �lho. A cicatriz seria eterna, ainda mais combinada com a morte</p><p>da esposa… Freya deveria ter sido uma mulher memorável para ter ganhado</p><p>o coração de Wulfgar. Mesmo já tendo partido, ela ainda era dona do</p><p>coração dele. Era um amor como esse que Anwyn sempre sonhara</p><p>encontrar. Mas agora seria muito difícil. Agora, mais do que nunca, não se</p><p>arrependia de ter seguido seus instintos e evitado a armadilha que Wulfgar</p><p>representava.</p><p>O GRUPO já estava voltando, quando um dos homens gritou:</p><p>– Fumaça, milorde!</p><p>Todos puxaram a rédea dos cavalos, virando-se na direção indicada.</p><p>Havia uma gigantesca coluna negra subindo de trás de umas árvores a</p><p>distância.</p><p>Wulfgar virou o cavalo e se dirigiu aos homens:</p><p>– Pode não ser nada sério, mas mantenham os olhos abertos. Tomem</p><p>conta de milady e do menino.</p><p>Os homens formaram um cerco ao redor de Anwyn e de Eyvind, que</p><p>olhou para a mãe com os olhos arregalados.</p><p>– O que foi, mamãe? O que está acontecendo?</p><p>– Não tenho certeza – respondeu ela. – Tem alguma coisa pegando fogo.</p><p>Conforme se aproximavam, a nuvem negra de fumaça os envolveu com o</p><p>vento e já era possível ouvir o ruído alto das labaredas. Era um celeiro que</p><p>estava em chamas de uma extremidade à outra. Os camponeses tinham</p><p>formado uma corrente humana desde o rio até o celeiro, passando baldes</p><p>cheios de água. Anwyn analisou a cena com tristeza.</p><p>– Não adianta fazer mais nada. Não conseguirão salvar o celeiro.</p><p>Wulfgar a �tou.</p><p>– Não. Mas ainda bem que o celeiro não estava perto de nenhuma outra</p><p>construção, caso contrário o fogo teria se espalhado.</p><p>– Rezo para que ninguém tenha se ferido.</p><p>Deixando Eyvind com Ina, Anwyn e Wulfgar galoparam na direção dos</p><p>homens que formavam a corrente humana.</p><p>– O que houve aqui? – perguntou ela.</p><p>Para responder a pergunta, um dos homens deu um passo à frente.</p><p>Apesar de estar com a expressão fechada, ele parecia diferente de seus</p><p>companheiros. As roupas eram de melhor qualidade e ele era mais con�ante.</p><p>Wulfgar deduziu que ele seria um arrendatário que pagava aluguel a um</p><p>soberano. Parecia que o celeiro em chamas era dele.</p><p>– Não sei, milady – disse ele, balançando a cabeça. – Não percebemos</p><p>nada de estranho até sentir o cheiro de fumaça, mas já era tarde demais.</p><p>– Alguém se machucou? – Wulfgar quis saber.</p><p>– Não, milorde, mas todos serão</p><p>afetados. O celeiro armazenava todos os</p><p>grãos do vilarejo. Não terá mais nada até a próxima colheita.</p><p>Wulfgar olhou para Anwyn de relance. Estava claro que o fazendeiro não</p><p>tinha exagerado. A colheita durante os meses de verão não era das melhores,</p><p>mesmo em um bom ano.</p><p>– Posso fornecer o su�ciente para vocês superarem a crise – disse Anwyn.</p><p>O fazendeiro piscou surpreso e logo agradeceu a oferta. Anwyn virou-se</p><p>para Wulfgar.</p><p>– Pode tomar conta disso, milorde?</p><p>– Com prazer – respondeu ele. – Vou preparar meus homens agora</p><p>mesmo. Até amanhã o problema estará resolvido.</p><p>O fazendeiro estudou Wulfgar com descon�ança, mas logo se juntou aos</p><p>companheiros, que estavam em silêncio, observando o fogo destruir tudo.</p><p>– Foi um gesto de generosidade – disse Wulfgar.</p><p>– Eu não podia deixar de ajudá-los. Isso foi um desastre para essa gente.</p><p>– Pode ter sido um acidente – disse rand, emparelhando o cavalo com</p><p>os deles.</p><p>– Talvez. – Wulfgar olhou na direção do amigo e para o fogo.</p><p>– Ninguém viu nada. Eles teriam notado se alguém tivesse colocado fogo</p><p>de propósito.</p><p>– Não necessariamente. Há muitos lugares para se esconder por aqui.</p><p>Chame uns dois homens e vá dar uma olhada, principalmente no meio</p><p>daquelas árvores.</p><p>rand assentiu e chamou dois outros homens.</p><p>– Você acha mesmo que alguém pode ter ateado fogo no celeiro? –</p><p>perguntou Anwyn.</p><p>– Ainda não sei.</p><p>Anwyn �cou inquieta e olhou para Eyvind, que olhava a movimentação</p><p>um pouco atrás dela. Ela o viu dizer alguma coisa a Ina, mas não conseguiu</p><p>ouvir por causa do barulho das chamas. Para uma criança, aquilo era apenas</p><p>um espetáculo cujas consequências ele não imaginava. Era provável que os</p><p>céus tivessem enviando a má sorte.</p><p>Não foi preciso esperar muito tempo pela resposta. Dez minutos depois</p><p>rand e os outros voltaram.</p><p>– Havia dois homens escondidos no meio das árvores, milorde.</p><p>Encontramos pegadas e grama amassada. – rand apontou por cima do</p><p>ombro. – A trilha segue a noroeste. Milorde quer que continuemos a busca?</p><p>– Não. A essa altura os culpados estão longe. Além do mais, acho que é</p><p>fácil adivinhar para onde eles foram.</p><p>– Para Beranhold – murmurou Anwyn.</p><p>– Mas por que Ingvar mandaria queimar o celeiro dos camponeses? –</p><p>perguntou rand, franzindo o cenho.</p><p>– Para nos mandar um aviso – respondeu Wulfgar.</p><p>O GRUPO retornou em silêncio durante a maior parte do caminho. Anwyn</p><p>estava pensativa, preocupada com as implicações do incêndio. Wulfgar</p><p>olhou para ela uma vez e adivinhou o que passava pela cabeça dela, mas</p><p>decidiu esperar para falar. Quando passaram pela paliçada e os cavalos</p><p>foram conduzidos pelos cavalariços, ele a puxou pelo braço.</p><p>– Não tenha medo. Daqui para frente vamos manter um patrulhamento</p><p>maior. Ingvar não nos surpreenderá de novo.</p><p>– Achei que ele fosse atacar aqui – disse ela.</p><p>– Aqui é nosso ponto mais forte. Ingvar irá procurar alvos mais fáceis.</p><p>– Dessa vez foi apenas o celeiro. Será que ele matará homens da próxima</p><p>vez?</p><p>– Começamos uma batalha e não há como saber o que virá em seguida,</p><p>mas não deve ser nada agradável.</p><p>– Bem que você tentou me avisar, não foi? – perguntou ela, suspirando.</p><p>– Aye. Por enquanto você deve �car dentro da paliçada.</p><p>– Torstein me prendeu aqui por cinco longos anos – disse ela com os</p><p>olhos faiscando. – Não permitirei que Ingvar restrinja minha liberdade.</p><p>Wulfgar pensou e escolheu as palavras certas para dizer:</p><p>– Se pretende sair, milady, é melhor levar uma escolta armada.</p><p>Anwyn se virou, procurando conter a emoção à beira de explodir.</p><p>Wulfgar apertou os olhos.</p><p>– Milady?</p><p>– Sim, eu já ouvi. – Ela gesticulou vagamente com a mão. – É estranho,</p><p>não é? Quando Torstein morreu achei que �nalmente estaria livre, mas não</p><p>mudou nada.</p><p>– Não tenho intenção de ser seu carcereiro. Estou apenas preocupado</p><p>com sua segurança.</p><p>– Eu sei.</p><p>– Você fará o que eu pedir.</p><p>– Muito bem – respondeu ela, meneando a cabeça.</p><p>Wulfgar �cou mais tranquilo. Por um momento achou que ela iria se</p><p>rebelar. Se isso tivesse acontecido, ele não sabia ao certo que atitude tomaria.</p><p>– Obrigado. – Ele passou a mão no braço dela com carinho. – Acredite,</p><p>será melhor assim.</p><p>O problema era que Anwyn não tinha acreditado. Se ele tivesse dado uma</p><p>ordem, ela saberia como reagir, mas, com aquela mão quente sobre seu</p><p>braço e a maneira como ele a �tava, seria difícil. A coisa que ela mais</p><p>desejava naquele momento era abraçá-lo e descansar a cabeça no peito largo,</p><p>esquecendo-se de todo o resto. Contudo, não podia fazer isso. A presença</p><p>dele a acalmava, mas ele estava apenas fazendo o trabalho para o qual havia</p><p>sido pago. Na verdade, ela estava sozinha como sempre estivera.</p><p>Quando deu um passo à frente, ele a soltou.</p><p>– Desculpe, tenho que veri�car o que teremos para comer hoje à noite.</p><p>A desculpa não era muito original, mas era uma meia verdade. Os dois</p><p>estavam cientes de que era melhor se separarem.</p><p>Capítulo 9</p><p>ANWYN FOI ao toalete para se recuperar dos efeitos do passeio a cavalo e foi</p><p>para a cozinha organizar a refeição. Havia muitos homens para comer, por</p><p>isso precisava estar atenta. A demanda por carne era imensa. Logo teria que</p><p>mandar caçadores buscarem mais carne. Atravessou o salão pensando em</p><p>um javali.</p><p>Ao olhar para fora, notou que os soldados praticavam luta. Eyvind não</p><p>estava muito longe dali, prestando a atenção à movimentação. Ina</p><p>conversava com Wulfgar, portanto o menino não corria perigo. Ela sorriu e</p><p>continuou o caminho até a cozinha.</p><p>QUANDO O treinamento terminou, os homens embainharam as armas e se</p><p>reuniram em pequenos grupos para conversar.</p><p>– Quero aprender a lutar. Ina disse que me ensinaria – disse Eyvind para</p><p>Wulfgar.</p><p>– Um homem precisa aprender as habilidades de um guerreiro – falou</p><p>Ina.</p><p>Eyvind observou as lâminas de Wulfgar nas bainhas presas ao cinto.</p><p>– Qual o nome delas?</p><p>– A espada é Skull-Biter e a adaga é Serpent Sting.</p><p>– Posso vê-las?</p><p>– Está bem. – Wulfgar colocou a adaga na palma do menino. – Cuidado.</p><p>A lâmina está muito a�ada.</p><p>Eyvind consentiu com um sinal de cabeça, encantado com a arma, e logo</p><p>a segurou pelo cabo. Pelo tamanho de Eyvind, a adaga parecia uma espada</p><p>quando ele a levantou. Depois ensaiou uns golpes, movendo-se para cá e</p><p>para lá, atacando um inimigo imaginário.</p><p>– Um dia terei uma adaga como esta.</p><p>– Tenho certeza que sim.</p><p>Eyvind devolveu a arma de má vontade. Wulfgar a embainhou e puxou a</p><p>espada.</p><p>– Posso segurar essa também?</p><p>– Sim, mas segure �rme. É pesada.</p><p>Eyvind segurou o cabo da espada com as duas mãos, mas o peso o</p><p>surpreendeu. Wulfgar tinha previsto que isso aconteceria, por isso segurou</p><p>por cima das mãos do menino para evitar que a espada caísse. Eyvind �cou</p><p>desapontado e suspirou.</p><p>– Um dia você será bem forte para segurar uma espada destas – disse</p><p>Wulfgar.</p><p>– Ina disse que preciso começar com uma espada de madeira.</p><p>– Ele está certo.</p><p>– Mas uma espada de madeira não corta nada.</p><p>– Não, mas irá ajudar você a lidar com a arma.</p><p>– Você já teve uma espada de madeira?</p><p>– Aye, tive sim.</p><p>– Foi seu pai que deu a Skull-Biter para você?</p><p>– Não, mandei fazê-la especialmente para mim.</p><p>– Meu pai foi enterrado com a espada, mas ele não morreu numa batalha.</p><p>– Ah, não? – Wulfgar se surpreendeu. – O que houve com ele?</p><p>– Ele teve um ataque cadioi… Não, cadíloco…</p><p>– Um ataque cardíaco – disse uma voz grave e, quando olharam para trás,</p><p>viram Ina, que encarou Wulfgar. – Ele caiu sobre a mesa de refeições. Foi</p><p>tudo muito rápido.</p><p>– Eu não vou morrer assim – disse Eyvind. – Vou morrer na guerra.</p><p>– É uma tradição de honra – comentou Ina.</p><p>Juntos, os três voltaram para o salão.</p><p>– Eu não sabia que o conde tinha morrido assim. Pensei que tivesse sido</p><p>numa batalha.</p><p>– Uma suposição justa – disse Ina. – E poderia ter sido. Ele não era muito</p><p>hábil com uma espada.</p><p>– Mas ele soube escolher bem seus soldados.</p><p>– Ah, isso é verdade.</p><p>– Você trabalhou para ele por muito tempo?</p><p>– Tempo su�ciente. – Ina fez uma careta. – Ele tinha um gênio ruim.</p><p>– Ele devia ser uma pessoa difícil de conviver.</p><p>– Era sim, mas homens adultos encaram o que o destino coloca em seu</p><p>caminho. Tive mais pena de milady e do menino… ela em particular.</p><p>a verdade daquelas palavras. Sob seu</p><p>comando estavam guerreiros cuja reputação chegava antes deles: qualquer</p><p>preço que dissessem seria pago sem contestação. Além disso, a sorte</p><p>também sempre esteve do lado deles. O líder podia dizer que tinha muita</p><p>sorte na vida, pois sempre saíra ileso dos con�itos. Ele não tinha medo de</p><p>morrer. Houve um tempo em que ele procurava onde lutar. Mesmo assim, a</p><p>morte lhe rondava o tempo inteiro, atormentando-o no calor do combate,</p><p>mas permanecendo sempre fora de alcance. Ele já tinha se conformado com</p><p>isso, observando com certo cinismo sua fortuna crescer.</p><p>Sem saber por onde andavam os pensamentos de Wulfgar, Hermund</p><p>avaliou os estragos no navio.</p><p>– Velas rasgadas, remo rachado… Mas, no geral, não sofremos muito.</p><p>Apenas três homens se feriram.</p><p>– Aye, podia ter sido pior.</p><p>– Em algumas batalhas, achei que viraríamos comida para os peixes.</p><p>– Se não arrumarmos os estragos, é o que vai acontecer – disse Wulfgar. –</p><p>Organize os homens para começarem o trabalho, enquanto vou veri�car</p><p>como estão os feridos.</p><p>Minutos depois, ouviram-se os gritos de Hermund:</p><p>– rand! Beorn! Asulf! Baixem as velas! Dag e Frodi, ajudem-nos a</p><p>soltar os cabos. Os outros, venham aqui…</p><p>Logo havia marinheiros correndo por toda parte.</p><p>Wulfgar observou-os durante um tempo e subiu para ver os feridos.</p><p>Durante a tempestade um dos homens tinha caído e se contundira, outro</p><p>tinha um corte no braço que precisaria ser costurado. Um terceiro tinha</p><p>quebrado as costelas. No entanto, como estavam em terra �rme, seria mais</p><p>fácil cuidar dos ferimentos. Wulfgar garantiu que daria um jeito.</p><p>Depois de vistoriar os feridos, ele voltou para se reunir aos outros. Teriam</p><p>longos dias de trabalho pela frente, mas isso não o preocupava. Trabalhar</p><p>duro signi�cava não pensar muito e focar a atenção no presente. O tempo</p><p>curava a dor, mas não a memória. Para isso, só mesmo o trabalho.</p><p>UMA HORA mais tarde, um dos vigias chamou a atenção de Wulfgar:</p><p>– Cavaleiros se aproximando, milorde.</p><p>Wulfgar olhou na direção da praia, apertando os olhos contra o vento.</p><p>Não demorou a ver o grupo de seis cavaleiros parando os cavalos a alguns</p><p>metros para observar o navio.</p><p>– Droga!</p><p>Wulfgar não chegou a blasfemar, mas Hermund entendeu como um</p><p>alerta.</p><p>– O que pretende fazer, milorde?</p><p>– Vai depender deles. Vamos esperar para descobrir o que pretendem.</p><p>Pode ser apenas curiosidade.</p><p>– É, talvez.</p><p>– Não estamos procurando briga – disse Wulfgar, enquanto avaliava os</p><p>estranhos. – Diga aos homens para manterem as armas por perto, mas que</p><p>não as usem sem a minha ordem.</p><p>– É o que farei. – Hermund olhou para os cavaleiros de novo. – Pelo</p><p>menos, são apenas seis.</p><p>– É o que parece.</p><p>– Entendi.</p><p>Os cavaleiros começaram a cavalgar devagar. Quando estavam mais</p><p>próximos, Wulfgar viu que estavam todos armados. Mas notou que as</p><p>espadas continuavam embainhadas. Se estivessem em apenas seis mesmo,</p><p>não iriam causar problemas, especialmente porque, até então, não sabiam</p><p>com quem lidariam.</p><p>Os cavaleiros puxaram as rédeas dos cavalos perto de um dos homens da</p><p>tripulação. O líder, corpulento e com uns 30 anos de idade, inclinou-se para</p><p>frente na sela e olhou ao redor com uma expressão impassível, assimilando</p><p>todos os detalhes. A tripulação parou o que fazia e fez-se silêncio. Por vários</p><p>minutos os dois grupos avaliaram-se uns aos outros.</p><p>– Se não estou enganado, eles podem fazer parte de um batalhão –</p><p>murmurou Hermund.</p><p>– Eu pensei a mesma coisa. – Wulfgar meneou ligeiramente a cabeça. –</p><p>Mas onde estão os outros e quantos seriam?</p><p>O líder do estranho grupo foi o primeiro a quebrar o silêncio.</p><p>– Quem é o líder dessa ralé?</p><p>– Sou eu. – Wulfgar se aproximou. – O que quer?</p><p>– Vocês estão invadindo propriedade alheia – respondeu o estranho com</p><p>desprezo.</p><p>– A enseada não pertence a ninguém – respondeu Hermund.</p><p>– Essa parte onde estamos, sim.</p><p>– Infelizmente a tempestade de ontem fez muitos estragos no meu navio –</p><p>explicou Wulfgar. – Precisamos consertá-los.</p><p>– Bem, vão resolver isso em outro lugar. Vocês não são bem-vindos aqui,</p><p>viking.</p><p>– O conserto vai durar alguns dias e partiremos quando terminar. –</p><p>Wulfgar respirou fundo para não perder a calma.</p><p>– É melhor partirem agora, se pretendem preservar suas vidas. Lorde</p><p>Ingvar não gosta de invasores, principalmente piratas.</p><p>– Ah, que falta de sorte.</p><p>– Falta de sorte a sua. – O estranho esboçou um sorriso de menosprezo e</p><p>os outros cinco �zeram o mesmo.</p><p>– Isso é o que veremos.</p><p>– Pelo que entendi, vocês não vão partir.</p><p>– É mais ou menos isso – respondeu Wulfgar, meneando a cabeça.</p><p>– Bem, não diga que não lhe avisei – disse o estranho, virando a cabeça do</p><p>cavalo para trás e indo embora com seus companheiros.</p><p>– Ótimo – disse Hermund. – Imagino que vamos receber outra visita em</p><p>breve. Eles trarão reforços.</p><p>– Eles podem ter blefado – comentou rand.</p><p>– De jeito nenhum – a�rmou Hermund. – Ele não teria ameaçado se não</p><p>tivesse cobertura.</p><p>– Hermund está certo – disse Wulfgar.</p><p>– Devemos nos preparar para lutar, milorde?</p><p>– Sim.</p><p>Os homens ao redor deles trocaram olhares cheios de expectativa.</p><p>– Não vejo a hora de silenciar aquele falastrão – disse rand com mão na</p><p>empunhadura de sua adaga.</p><p>– Não cante vitória ainda – disse Hermund. – Não sabemos quantos</p><p>amigos ele tem.</p><p>– Mesmo assim – respondeu Wulfgar. – É por isso que precisamos estar</p><p>prontos. Preparem as armas.</p><p>Capítulo 2</p><p>ANWYN CONDUZIA sua montaria em um passo regular, enquanto olhava para</p><p>o horizonte. O mar cinzento formava uma mancha mais escura contra o céu.</p><p>As ondas quebravam na enseada, e mesmo a distância ela podia ouvir o</p><p>rumor da rebentação ao longo da orla. Soprava uma brisa fria e salgada,</p><p>rescendendo a terra úmida, um lembrete do temporal da noite anterior.</p><p>Apesar disso, era bom estar ao ar livre. Era bom ter a escolha de sair, pelo</p><p>menos.</p><p>– O céu está se abrindo, milady.</p><p>Ela olhou para a criada, que cavalgava ao seu lado, e sorriu.</p><p>– Assim espero, Jodis. – Em silêncio, ela imaginou se as nuvens não</p><p>estariam na verdade se acumulando, em vez de se dissipando. Mas dizer isso</p><p>seria destruir o estado de espírito otimista de sua acompanhante.</p><p>Aquela moça a acompanhara quando, cinco anos antes, Anwyn fora</p><p>enviada pelo pai para casar-se com o conde Torstein. Durante esse tempo do</p><p>qual ela não gostava de se lembrar, Jodis fora mais amiga e con�dente do</p><p>que criada pessoal. E ambas com 20 anos na época, embora Jodis fosse mais</p><p>alta e mais robusta, elas tinham a�nidades próprias da idade e da geração.</p><p>Agora ela gesticulava na direção do homem mais velho e do menino que</p><p>cavalgavam um pouco à frente delas.</p><p>– Eyvind se revelou um prodígio na equitação – observou a criada.</p><p>– Sim, é verdade.</p><p>– Ele era uma criança tão reservada, mas tornou-se mais con�ante desde</p><p>que… – Jodis calou-se e emendou: – Tornou-se mais con�ante agora.</p><p>– Tem razão. Pode falar, ele tornou-se mais con�ante desde que o pai</p><p>morreu. – Os olhos verdes de Anwyn mal disfarçavam a emoção. –</p><p>Ultimamente ele está saindo da concha.</p><p>– Sem dúvida – assentiu Jodis.</p><p>– Ina teve uma participação importante nisso. Ele é um bom mentor para</p><p>o garoto. – Anwyn sorriu. – Eyvind se espelha nele. Tudo o que ele diz é só</p><p>“Ina disse isto, Ina disse aquilo…”.</p><p>– Sim! Acho que, se Ina dissesse a ele para en�ar a cabeça na estrumeira</p><p>do chiqueiro, Eyvind obedeceria correndo!</p><p>– Obedeceria mesmo. Apesar de seus modos um tanto rudes, Ina é uma</p><p>�gura paterna para Eyvind, mais do que Torstein foi alguma vez na vida.</p><p>– Vocês dois estão livres agora, milady. Torstein não pode mais lhe fazer</p><p>mal.</p><p>– Ele não…</p><p>Jodis percebeu a in�exão na voz dela e compreendeu imediatamente.</p><p>– Mas lorde Ingvar pode…</p><p>– A reputação dele é bem conhecida.</p><p>Jodis estremeceu.</p><p>– E merecida também, segundo as provas que temos.</p><p>– Não temos provas concretas; ele é esperto demais para isso. O sumiço</p><p>de cabeças de gado ou um incêndio em um feixe de feno podem facilmente</p><p>ser atribuídos a outras causas.</p><p>– São muitos contratempos inexplicáveis.</p><p>– Muitos, e ainda assim eu não ousaria acusá-lo abertamente. De</p><p>qualquer modo, são os homens dele que executam</p><p>– Ina</p><p>balançou a cabeça. – Ele a mantinha prisioneira.</p><p>Wulfgar franziu a testa, lembrando a conversa que tinha tido com ela mais</p><p>cedo.</p><p>– Ele chegou a ser violento alguma vez?</p><p>– Muitas vezes, mas, por mais que tentasse, nunca conseguiu abatê-la na</p><p>alma. Ela o enfrentava.</p><p>Depois dessas informações, Wulfgar teve uma visão clara de quem era o</p><p>conde Torstein; já havia cruzado o caminho de vários homens parecidos.</p><p>Para ele um homem que usava força contra uma mulher era desprezível. E</p><p>quando a mulher era Anwyn… O desprezo se tornou um ódio frio. A</p><p>conversa também o ajudara a compreender a razão de ela não querer se</p><p>casar de novo. Agora muito do que ela havia dito fazia sentido.</p><p>– Ela merece coisa melhor – continuou Ina. – O menino também.</p><p>– Aye, eu também acho.</p><p>– Bem, o homem certo aparecerá uma hora dessas… Um homem que a</p><p>proteja e a trate bem. – Ina fez uma pausa. – Um homem que a ensine a</p><p>amar.</p><p>– Pode ser, mas por enquanto o papel de protetor é meu – disse Wulfgar,</p><p>unindo as sobrancelhas.</p><p>– É verdade, milorde.</p><p>– Não tenha medo, pois não falharei na minha tarefa.</p><p>– Ah, tenho certeza disso.</p><p>Depois do comentário velado, Ina saiu, acompanhando Eyvind para</p><p>dentro. Wulfgar observou os dois, preocupado. Um homem que a ensine a</p><p>amar? E quem seria? Não podia ser Ingvar. Será que havia algum outro</p><p>admirador local que ele desconhecesse? As rugas de expressão em sua testa</p><p>se aprofundaram.</p><p>Entretanto, havia outros assuntos com os quais se preocupar. Para</p><p>começar, o patrulhamento extra. Ao encontrar Hermund, contou-lhe o que</p><p>tinha em mente.</p><p>– É uma boa ideia. Vou organizar os grupos, milorde.</p><p>– As patrulhas devem circular dia e noite a partir de agora. Fui pego</p><p>desprevenido uma vez, mas isso não acontecerá de novo.</p><p>– É difícil prever uma manobra como aquela.</p><p>– Bem, Ingvar já mandou vários avisos, portanto podemos esperar outros</p><p>ataques – disse Wulfgar. – Mas vamos di�cultar a vida dele.</p><p>– Ah, isso é fácil. Os homens vão gostar de ter mais o que fazer. –</p><p>Hermund parou de falar. – O que faremos se pegarmos alguém?</p><p>– Mandaremos a cabeça para Ingvar.</p><p>– Está certo. Guerreiros não lançam mão de ataques clandestinos. Que ele</p><p>venha com seu batalhão para nos enfrentar homem a homem.</p><p>– Não acredito que ele faça isso. Ingvar tentará atingir seus objetivos por</p><p>outros meios.</p><p>Hermund assentiu.</p><p>– Sabendo qual é o prêmio, ele não desistirá tão facilmente.</p><p>– Não mesmo.</p><p>DURANTE A refeição daquela noite, Wulfgar contou a Anwyn sobre os planos</p><p>que tinha colocado em prática.</p><p>– Quando as patrulhas começarão a trabalhar?</p><p>– Já começaram.</p><p>– Você não deixa o leite esfriar, não é?</p><p>– Se eu deixasse, estaria morto há muito tempo.</p><p>Anwyn sorriu.</p><p>– Um mercenário deve estar sempre atento.</p><p>– Não tenha dúvida.</p><p>– E mesmo assim você gosta da vida que leva.</p><p>– Tem suas vantagens.</p><p>– E desvantagens. Cada batalha pode ser a última.</p><p>– É um risco que tenho de correr.</p><p>– Você não se preocupa com isso?</p><p>– Não, por que deveria? O curso da vida de um homem cabe às Nornas</p><p>decidir… Por que se preocupar?</p><p>– Não precisa mesmo, mas seria bom não arriscar.</p><p>– Vivo arriscando, mas os deuses não têm demonstrado interesse. Ao</p><p>contrário, já tive muito mais sorte do que merecia.</p><p>Anwyn percebeu a amargura na voz dele e entendeu a razão.</p><p>– Se você foi favorecido, talvez não fosse sua hora de morrer. Você deve</p><p>ter mais tarefas neste mundo antes de partir para a próxima vida.</p><p>– Seria uma razão de viver? – Ele meneou a cabeça. – Não há propósito</p><p>nenhum, Anwyn. Nascemos, lutamos e morremos.</p><p>– Então você acredita que a guerra é a razão de tudo e seu �m?</p><p>– Um guerreiro sofre menos do que aqueles que não lutam. O mundo é</p><p>assim.</p><p>– Essa é uma maneira sombria de encarar a vida – comentou ela, içando</p><p>uma das sobrancelhas.</p><p>– Eu diria que é uma maneira precisa.</p><p>– Mas esse não foi sempre seu ponto de vista.</p><p>– Não, mas aprendi. Lutarei todas as batalhas que estiverem em meu</p><p>caminho e um dia encontrarei um guerreiro mais forte do que eu.</p><p>– Sua morte não mudará o passado, Wulfgar.</p><p>O tom de voz de Anwyn foi suave, mas as palavras o pegaram</p><p>desprevenido e o atingiram tão profundamente como se fossem uma adaga</p><p>a�ada. Wulfgar segurou a caneca com força. O brilho irônico do olhar e a</p><p>forma despretensiosa de falar sumiram do rosto dele, que agora parecia ter</p><p>sido coberto por um manto escuro. Havia muito ódio dele mesmo. Não</p><p>foram poucas as vezes que, mesmo contra o esperado, ele havia vencido o</p><p>inimigo, tornando-se cada vez mais rico e famoso. Ele tinha a impressão de</p><p>ouvir os deuses gargalhando.</p><p>Anwyn identi�cou o mercenário que ele era através do brilho gélido</p><p>daqueles olhos azuis e estremeceu. Ele não disse mais nada, então �caram</p><p>em silêncio. Depois de lançar alguns olhares de esgueira, ela decidiu que era</p><p>hora de mudar de assunto.</p><p>– Você gostaria de caçar?</p><p>– Sim, por quê?</p><p>– Estamos precisando de carne fresca, e a �oresta está repleta de javalis.</p><p>– Vou tomar as providências.</p><p>Anwyn �cou em dúvida se deveria pedir, mas acabou criando coragem.</p><p>– Será que eu posso ir?</p><p>– Claro que não. – Wulfgar teve vontade de chutar a si mesmo assim que</p><p>negou. Mesmo para seus ouvidos, tinha sido arrogante e dominador.</p><p>Percebeu como ela reagiu e o quanto tinha �cado ressentida. Respirando</p><p>fundo e restabelecendo a conexão certa entre o cérebro e a língua, emendou:</p><p>– Desculpe-me. A decisão não é tão arbitrária quanto pareceu. Mas acho</p><p>que, na situação em que estamos, seria perigoso demais você nos</p><p>acompanhar. Como vimos recentemente, não há apenas javalis na �oresta.</p><p>Você seria um alvo fácil.</p><p>Anwyn passou de ressentida para desapontada.</p><p>– Ah, sim, entendo.</p><p>Wulfgar aproveitou a chance para fazer um convite:</p><p>– Talvez pudéssemos ir caçar com falcões. É fácil identi�car um inimigo</p><p>em campo aberto e abatê-lo. Assim você pode aproveitar um pouco de ar</p><p>fresco, e a falcoaria é um bom esporte.</p><p>– Eu adoraria – respondeu ela, com os olhos cintilando de alegria.</p><p>– Então assim será. Podemos ir amanhã, se quiser.</p><p>– Ah, sim. Seria maravilhoso.</p><p>Todas as reservas costumeiras caíram por terra, e o rosto de Anwyn se</p><p>iluminou com um sorriso que levou o coração de Wulfgar a disparar</p><p>perigosamente. Ele teve a con�rmação de que os lábios dela eram beijáveis.</p><p>Lembrar-se de que já os tinha tocado despertou o desejo, que foi quase</p><p>impossível de ser controlado.</p><p>– Bem, terei de pedir emprestado um falcão – disse ele.</p><p>– Meu �nado marido tinha muitos. Acho que podemos encontrar um de</p><p>que você goste.</p><p>Wulfgar tinha certeza que sim. Depois de ter inspecionado Drakensburgh</p><p>e se impressionado com a cavalaria e os soldados escolhidos, ele só tinha de</p><p>aplaudir Torstein. Continuou a falar sobre falcoaria, desviando totalmente</p><p>do assunto anterior. Para sua surpresa, Anwyn conhecia bem o esporte e</p><p>passou a falar mais à vontade, ouvindo e fazendo perguntas.</p><p>– Onde você aprendeu tudo isso? – perguntou ele.</p><p>– Meu pai e irmãos eram entusiastas do esporte e me ensinaram muito.</p><p>Torstein também era um fã. – Ela pausou. – Claro que não era sempre que</p><p>ele me convidava para acompanhá-lo.</p><p>Wulfgar acreditou no comentário, mas evitou o pensamento que lhe</p><p>invadiu naquele momento. Torstein podia conhecer muito os falcões, mas</p><p>era um total idiota em outras áreas. Apenas outro idiota cometeria os</p><p>mesmos erros. Mas ele achou melhor não levar a conversa para o lado</p><p>pessoal, procurando novos assuntos.</p><p>ESTAVA FICANDO tarde, mas Anwyn não parecia ter notado e não demonstrou</p><p>vontade de se recolher. Wulfgar não ousaria ter esperanças de que ela</p><p>estivesse apreciando sua companhia. Era a primeira vez na vida em que ele</p><p>se esforçava tanto para ganhar o coração de uma mulher, mas Anwyn era</p><p>um desa�o muito raro de encontrar. As circunstâncias levavam a crer que os</p><p>dois teriam apenas uma aliança breve, mas mesmo assim ele a desejava mais</p><p>do que qualquer outra que tivesse cruzado seu caminho.</p><p>O DIA seguinte amanheceu perfeito e eles saíram cedo, acompanhados por</p><p>meia dúzia de homens. Ao respirar o ar puro, Anwyn se sentiu feliz e</p><p>sorrindo simplesmente porque era grati�cante estar viva em um dia tão</p><p>lindo. Ela nem sequer se lembrou de</p><p>Ingvar. Naquele dia estava com alguém</p><p>que queria. Os olhos dela se encontraram com os de Wulfgar, que afagava as</p><p>penas de um belo falcão com mãos fortes, mas gentis. Anwyn imaginou que</p><p>ele trataria uma mulher daquele jeito. O beijo, que ela se esforçara tanto para</p><p>esquecer, veio-lhe na memória, trazendo uma saudade dolorida que a fez</p><p>estremecer.</p><p>Como se tivesse percebido que era observado, ele se virou na direção dela</p><p>e seus olhares se prenderam. Ele abriu o sorriso que ela já conhecia, o</p><p>mesmo que fazia seu coração disparar.</p><p>Um dos homens gritou e ela olhou para cima, seguindo a direção para a</p><p>qual ele apontava. Então viu o pombo. Percebendo o perigo, a ave batia as</p><p>asas com força, voando na direção das árvores a distância. Wulfgar tirou o</p><p>capuz do falcão e soltou as faixas. Depois sussurrou alguma coisa e o soltou.</p><p>O falcão abriu as asas imponentes e voou alto até seus olhos amarelos</p><p>localizarem a presa. Com as garras à mostra, ele baixou o pescoço e desceu</p><p>como uma �echa na direção da presa sem qualquer esforço, favorecendo-se</p><p>de uma corrente de ar quente.</p><p>Anwyn prendeu a respiração. O falcão crocitou alto ao capturar o pombo</p><p>e o trouxe para a terra. Wulfgar assobiou e balançou a isca. O falcão soltou o</p><p>pombo, que foi pego por um dos homens, e veio pousar no braço enluvado</p><p>de Wulfgar.</p><p>– Foi uma caçada incrível – disse Anwyn.</p><p>– Aye, foi sim. – Ele sorriu. – O próximo pássaro que soltaremos é seu.</p><p>NO FINAL da manhã a sacola estava cheia. Depois de amarrarem os cavalos,</p><p>Wulfgar e Anwyn se afastaram um pouco e estenderam as capas sobre a</p><p>grama antes de se sentar para uma refeição improvisada de pão, queijo e</p><p>carne fria. O ar fresco e o exercício abriram o apetite de Anwyn e deixaram-</p><p>na corada. Os olhos dela brilhavam e alguns cachos de cabelo tinham</p><p>escapado da trança e formavam um halo ao redor do rosto delicado, o que a</p><p>deixava muito sensual.</p><p>Wulfgar estava tentado a puxar a �ta que prendia o restante do cabelo e</p><p>deixá-lo cair sobre os ombros dela. A imaginação dele corria solta. Qual</p><p>queria a reação dela? Ele riu sozinho. Se ao menos estivessem sozinhos…</p><p>Mas infelizmente não estavam. Talvez fosse até melhor, concluiu ele, pois</p><p>não tinha certeza de que conseguiria parar apenas soltando o cabelo dela.</p><p>Sem imaginar o que ele estava pensando, Anwyn terminou de comer e</p><p>passou a mão sobre a saia para tirar os farelos de pão. Em seguida, levantou-</p><p>se.</p><p>– Há um riacho não muito longe daqui. Vou até lá beber água.</p><p>– Sozinha, não.</p><p>Ao olhar ao redor, estava tudo quieto, como se o mundo estivesse</p><p>suspenso com o sol preguiçoso da primavera.</p><p>– Não há perigo por aqui.</p><p>– Mesmo assim.</p><p>Anwyn já conhecia aquele tom de voz, que signi�cava que ele não iria</p><p>ceder. A insistência de estar sempre ao lado dela devia tê-la perturbado, mas</p><p>não foi o que aconteceu. Ela procurou disfarçar, mostrando-se</p><p>despreocupada.</p><p>– Como queira.</p><p>Os dois caminharam pelo gramado em um silêncio eloquente. A cada</p><p>passo, a presença máscula e a aura de poder, que ele exibia com tanta</p><p>facilidade, tornavam-se cada vez mais perturbadoras.</p><p>Depois de alguns metros, chegaram ao riacho de águas claras. Anwyn se</p><p>abaixou e pegou um pouco de água com a mão em concha. A água estava</p><p>fria e deliciosa. Wulfgar a deixou à vontade antes de lhe fazer companhia.</p><p>Disfarçadamente ela olhou para o lado, reparando no per�l de Wulfgar,</p><p>procurando memorizar cada linha que já conhecia tão bem. Sem perceber</p><p>que era observado com tanta atenção, ele também matou a sede e se</p><p>levantou devagar. Por um breve momento, ele a observou em silêncio e</p><p>estendeu a mão. Depois de hesitar um pouco, ela colocou a mão sobre a</p><p>dele. Wulfgar a segurou e a puxou para cima com toda a delicadeza.</p><p>Teria sido melhor se ele a tivesse soltado, mas o que fez foi levantar sua</p><p>mão e beijá-la. Foi como se uma faísca tivesse sido acesa, levando seu calor</p><p>por todo corpo dela, remetendo-a a lembranças perigosas.</p><p>– Venha. Vamos nos unir aos outros – disse ele com um sorriso.</p><p>Anwyn suspirou aliviada, mas também tomada por uma estranha</p><p>sensação sobre a qual achou melhor não pensar muito.</p><p>Depois disso, voltaram para casa, mantendo os cavalos a um passo</p><p>agradável, aproveitando o sol. Os homens que os escoltavam riam e faziam</p><p>piadas sobre a caçada.</p><p>Anwyn ouviu alguns comentários e sorriu.</p><p>– Você se divertiu hoje? – perguntou ele.</p><p>Ela assentiu com a cabeça.</p><p>– Para falar a verdade, não me lembro de já ter me divertido tanto.</p><p>– Ótimo. – Ele sorriu. – Vamos organizar outra saída em breve.</p><p>– Vou adorar.</p><p>Não seria muito apropriado, mas ela não estava ligando. Sentia-se como</p><p>alguém que havia passado anos de�nhando em um lugar escuro e que de</p><p>repente tinha sido libertada para aproveitar o sol.</p><p>Capítulo 10</p><p>ASSIM QUE atravessaram os portões, o sorriso de Anwyn desapareceu de seu</p><p>rosto. Wulfgar seguiu a direção do olhar dela e viu vários cavalos no pátio.</p><p>Pelo suor dos cavalos no pescoço e nos �ancos, era de se imaginar que</p><p>tivessem cavalgado muito. Havia um grupo de homens perto dos animais.</p><p>As roupas os identi�cavam como um nobre e sua escolta. Em um primeiro</p><p>momento, Wulfgar achou que era Ingvar, mas ao ouvirem os cavalos se</p><p>aproximarem os homens olharam para trás e ele viu que eram estranhos.</p><p>Entretanto, Anwyn os reconheceu.</p><p>– Osric – murmurou ela.</p><p>– Osric? – perguntou Wulfgar, sem entender de quem se tratava.</p><p>– Ele é meu irmão mais velho.</p><p>Wulfgar �cou surpreso, mas percebeu que Anwyn tivera a mesma reação.</p><p>Ela não tinha �cado muito à vontade com a visita inesperada, atiçando a</p><p>curiosidade de Wulfgar. Eles desmontaram do cavalo e ele observou Anwyn</p><p>ir cumprimentar os visitantes. Dentre eles havia um homem com vinte e</p><p>poucos anos. Ele tinha estatura mediana, e era magro, mas forte. Ele e</p><p>Anwyn eram parecidos de rosto, por causa das maçãs altas e do formato da</p><p>boca, mas a semelhança terminava aí. Ele era ruivo e tinha os olhos</p><p>palidamente azuis.</p><p>– Osric! Que surpresa!</p><p>Ela o abraçou, beijando-o dos dois lados do rosto, agindo como uma irmã</p><p>faria, mas Wulfgar não sentiu o carinho esperado. Intrigado, ele prestou</p><p>atenção na conversa.</p><p>– Você está muito bem, minha irmã. Sempre linda, pelo que vejo.</p><p>– O que está fazendo aqui?</p><p>– Estou de passagem a caminho do norte.</p><p>Wulfgar disfarçou a surpresa. Se Osric estava indo para o norte, então</p><p>havia desviado bastante do caminho. Ou ele não tinha senso de direção ou</p><p>não tinha sido sincero.</p><p>– Fico feliz que tenha vindo nos visitar.</p><p>– Eu disse que voltaria.</p><p>– É verdade.</p><p>– Percebo que Drakensburgh está prosperando, minha irmã – disse Osric,</p><p>sorrindo de lado.</p><p>– Estamos indo bem, sim.</p><p>– Estes últimos meses devem ter sido difíceis para você.</p><p>– Eu consegui superar bem – respondeu ela. – Tenho bons homens para</p><p>me ajudar.</p><p>– Ah.</p><p>– Você ainda não conhece lorde Wulfgar, não é?</p><p>– Não. – Pela primeira vez, Osric percebeu a presença de outro homem e</p><p>o observou com olhos críticos.</p><p>– Lorde Wulfgar está no comando da força defensiva de Drakensburgh –</p><p>prosseguiu Anwyn.</p><p>– Que bom. – Osric meneou a cabeça para Wulfgar. – Tenho certeza de</p><p>que o trabalho está sendo bem feito.</p><p>Wulfgar ignorou o tom complacente e meneou a cabeça também.</p><p>– É para isso que estou sendo pago.</p><p>Osric estranhou a informação e olhou para Anwyn, aguardando</p><p>explicações. Ela o ignorou.</p><p>– Bem, suponho que esteja cansado depois da longa viagem, meu irmão.</p><p>Permita-me oferecer um refresco para você e seus homens.</p><p>– Obrigado.</p><p>– Você nos dá licença, por favor? Meu irmão e eu precisamos conversar –</p><p>disse ela a Wulfgar.</p><p>Ele assentiu, inclinando a cabeça. Anwyn acompanhou Osric e seus</p><p>companheiros para o salão. Wulfgar os observou, pensativo. A tensão entre</p><p>os irmãos era quase palpável.</p><p>– Não parece que há muito amor entre eles, milorde – disse Asulf por</p><p>cima dos ombros de Wulfgar, aproximando-se sem muito alarde.</p><p>– Aparentemente, não mesmo.</p><p>– Não teremos muitos risos à mesa essa noite.</p><p>– Eu também duvido.</p><p>DEPOIS DE servir cerveja aos visitantes, Anwyn puxou o irmão de lado.</p><p>– Diga-me o que de fato veio fazer aqui, Osric.</p><p>– Eu já disse. Estávamos apenas…</p><p>– …passando. Duvido.</p><p>– Você mudou</p><p>bastante desde que nos vimos pela última vez, Anwyn –</p><p>disse Osric, olhando-a com curiosidade. – Você �cou…</p><p>– Mais velha?</p><p>– Sim, claro, mas também… mais equilibrada e con�ante.</p><p>– Estou mais parecida com uma mulher adulta, de fato.</p><p>– Isso mesmo.</p><p>– Ah, Osric, acredite, eu cresci rápido.</p><p>– Todos crescemos, minha irmã.</p><p>– Mas, então, o que veio me dizer?</p><p>– Trago notícias de casa – respondeu ele.</p><p>– Nossa família está bem? – Ela quis saber, preocupada.</p><p>– Nossos irmãos e irmãs estão bem.</p><p>– É bom saber.</p><p>– Mamãe manda lembranças.</p><p>– E o papai?</p><p>– Ah, sim, o papai.</p><p>Anwyn sentiu um nó no peito. Agora haviam chegado à razão principal</p><p>da visita.</p><p>– Ele não tem passado bem nesses últimos meses.</p><p>– Fico triste em saber.</p><p>– Por essa razão, assumi muitas responsabilidades que cabiam a ele no</p><p>passado.</p><p>– Imagino que ele esteja agradecido pela ajuda.</p><p>– Não faço nada além da minha obrigação. – Ele fez uma pausa antes de</p><p>prosseguir. – Falando nisso, você pensou melhor no que conversamos na</p><p>última vez em que nos vimos?</p><p>– Sobre o conde rico do norte?</p><p>– Isso mesmo.</p><p>– Claro que sim.</p><p>Osric não entendeu o que ela respondeu e assentiu com a cabeça.</p><p>– A aliança trará muitos benefícios para nossa família, sem falar na</p><p>riqueza.</p><p>– Não tenho dúvidas disso – respondeu ela. – Mas há um problema.</p><p>– E qual seria?</p><p>– Não vai acontecer.</p><p>Osric �cou de queixo caído com a resposta.</p><p>– Você não pode estar falando sério.</p><p>– Nunca falei tão sério na minha vida.</p><p>– Anwyn, olhe, sei que o seu primeiro casamento não foi feliz, mas…</p><p>– Meu primeiro casamento foi o inferno na Terra… um inferno que você</p><p>ajudou a promover.</p><p>– Minhas intenções foram as melhores. Torstein…</p><p>– Torstein era um animal violento e você sabia, mas mesmo assim apoiou</p><p>a decisão do papai. – Ela fuzilou o irmão com o olhar. – Eu implorei, Osric,</p><p>mas você me ignorou.</p><p>– Nosso pai teria insistido na união. Não adiantaria nada se eu tivesse</p><p>interferido. Além disso, esse assunto já é passado. Não podemos mudar o</p><p>passado.</p><p>– É verdade, mas podemos alterar o futuro. Não sou mais uma criança e</p><p>não serei tratada como posse da família. Pretendo escolher meu próximo</p><p>marido sozinha, sem a sua ajuda.</p><p>– Não seja tola, Anwyn. Essa é uma chance maravilhosa. Não a</p><p>desperdice.</p><p>– Então me aguarde e verá.</p><p>Osric �cou quieto por alguns minutos.</p><p>– Você está decidida, não é? – indagou ele, ressentido.</p><p>– Não tenha dúvidas de que sim.</p><p>– Nosso pai não vai gostar da sua decisão.</p><p>– Lamento, mas terei de conviver com isso.</p><p>– Ele irá obrigá-la a obedecer.</p><p>– Não vai e nem você, nem que eu tenha que me proteger com uma</p><p>barricada e um exército em Drakensburgh.</p><p>WULFGAR MANDOU a bolsa com o que haviam caçado para a cozinha e seguiu</p><p>para o galpão de carpintaria. Os reparos no navio estavam quase prontos e o</p><p>leme também. Se não fosse pelo acordo �rmado com Anwyn, ele e a</p><p>tripulação estariam de partida no dia seguinte. Os homens estavam felizes,</p><p>pois a vida em Drakensburgh era bem mais fácil. Além do pagamento em</p><p>ouro, eles contavam com boas refeições e dormiam no seco. Era o que</p><p>bastava, por enquanto. No entanto, logo não resistiriam mais ao chamado do</p><p>mar ou do barco sob seus pés. Eles cumpririam o prometido, mas a qualquer</p><p>hora o Lobo do Mar exigiria a presença deles.</p><p>– Quem era aquele homem com lady Anwyn? – perguntou Hermund.</p><p>Wulfgar pulou para a praia.</p><p>– É o irmão dela, um tal de Osric.</p><p>– Irmão, é? O que ele quer aqui?</p><p>– Veio fazer uma visita social – respondeu Wulfgar. – Ele disse estar a</p><p>caminho do norte.</p><p>– Para o norte? Nossa, ele está bem longe do caminho, não é?</p><p>– Foi exatamente o que pensei. Acho que é mais do que uma visita</p><p>familiar.</p><p>– Só pode ser.</p><p>– Espero descobrir logo.</p><p>– Aye, não há dúvida de que… – Hermund parou de falar, prestando</p><p>atenção a alguma coisa além dos ombros de Wulfgar.</p><p>Wulfgar se virou e viu Anwyn montar em um cavalo e atravessar os</p><p>portões.</p><p>– Ela não deve sair sozinha – disse Hermund. – Não é seguro.</p><p>– Eu já disso isso a ela.</p><p>– Bem, acho que ela deve ter uma boa razão para ignorar o aviso.</p><p>– É melhor que tenha mesmo. – Wulfgar uniu as sobrancelhas.</p><p>Deixando o companheiro, ele correu para o estábulo. Minutos depois, saía</p><p>a galope atrás da fugitiva.</p><p>ANWYN NÃO sabia ao certo para onde estava indo, sabia apenas que precisava</p><p>sair de Drakensburgh por um tempo. A conversa com o irmão não lhe saía</p><p>da cabeça, e agora estava dominada pelo ódio e ressentimento. Será que</p><p>nunca estaria livre de homens que quisessem controlar sua vida? Será que a</p><p>família imaginava de fato que ela iria baixar a cabeça para a vontade deles</p><p>novamente? Se fosse isso, veriam do que ela era capaz. A raiva fez com que</p><p>seus olhos se inundassem de lágrimas. Maldito Osric! Malditos todos eles!</p><p>Curvando-se para frente, ela esporeou o cavalo e saiu a galope.</p><p>Os cascos batiam na terra como as batidas de seu coração. Estava</p><p>correndo demais, mas não ligava para nada naquele momento. O cavalo</p><p>estava descansado. O vento no rosto dela conferia a sensação de liberdade.</p><p>Galopou por cerca de um quilômetro e puxou as rédeas, diminuindo o passo</p><p>para deixar o cavalo respirar. Só então ouviu o som seco dos cascos de outro</p><p>cavalo. Olhou para trás e viu que alguém se aproximava a toda velocidade.</p><p>Chegou a ter medo por estar sozinha, mas quando o cavaleiro chegou mais</p><p>perto ela o reconheceu imediatamente.</p><p>– Wulfgar… – murmurou ela.</p><p>Uma sensação de surpresa, misturada ao desconforto, a tomou ao vê-lo</p><p>encostar o cavalo no seu.</p><p>– Aconteceu alguma coisa, milorde?</p><p>O brilho dos olhos azuis dele era glacial.</p><p>– Só quero saber o que está fazendo.</p><p>O tom autoritário fez a raiva de antes ressurgir.</p><p>– O que lhe parece?</p><p>– Parece que é um total desrespeito ao bom senso, sua pequena tola. Você</p><p>não sabe que não pode sair sozinha?</p><p>– Vou aonde bem entendo – disse ela, erguendo o queixo.</p><p>– Enquanto eu for responsável por sua segurança, você não vai a lugar</p><p>algum sozinha.</p><p>– Sou eu que dou as ordens em Drakensburgh, não você.</p><p>– Não é esse o ponto agora.</p><p>– Ah, não?</p><p>– Você se esqueceu de que temos um acordo? – perguntou ele. – Se não</p><p>quiser honrá-lo, podemos desfazer o trato agora mesmo.</p><p>– Cancelar? – perguntou ela, arregalando os olhos.</p><p>– Você me ouviu. Acha mesmo que vou perder meu tempo criando um</p><p>esquema de segurança para ser sabotado por uma mulher teimosa,</p><p>voluntariosa, que muda as regras a sua vontade?</p><p>– Não mudei regra alguma – disse ela, corando.</p><p>– Ah, não? – Wulfgar abriu o braço, mostrando o vasto matagal ao redor</p><p>deles. – Então, o que está fazendo aqui sozinha?</p><p>– Eu não �z por mal. Não pensei…</p><p>– Claro que não pensou, caso contrário teria percebido o risco.</p><p>Anwyn precisou se controlar ao máximo para não responder à altura. Ele</p><p>era um autoritário arrogante. Saber que ele estava certo e que sua ira era</p><p>justi�cada não ajudou a melhorar o humor dela. Ela sabia que precisava de</p><p>Wulfgar muito mais do que o contrário. Assim, com muito esforço, engoliu o</p><p>orgulho e disse:</p><p>– Não quero cancelar nosso acordo.</p><p>– Bem, não é o que está parecendo.</p><p>– Não foi essa minha intenção.</p><p>– O que pretendia fazer?</p><p>– Eu… Foi apenas…</p><p>– Apenas o quê? – perguntou ele, fulminando-a com o olhar. Foi então</p><p>que percebeu os pequenos veios deixados pelas lágrimas no rosto dela. –</p><p>Anwyn?</p><p>De repente os olhos dela se encheram de lágrimas novamente e ela virou o</p><p>rosto.</p><p>– Sinto muito – disse, enxugando o rosto com as costas das mãos.</p><p>Se fosse qualquer outra mulher, Wulfgar teria descon�ado de que</p><p>estivesse �ngindo para gerar pena, mas não era o caso de Anwyn. Alguma</p><p>coisa havia acontecido. Ele suspirou e deixou a raiva de lado.</p><p>– Quer me contar o que houve?</p><p>Ela aquiesceu. Wulfgar desmontou e aguardou-a descer do cavalo</p><p>também. Ele amarrou os cavalos a uma árvore e conduziu Anwyn a um</p><p>tronco caído que serviu como banco. Quando se sentaram, ele se virou para</p><p>�tá-la.</p><p>– E então…</p><p>Anwyn respirou fundo, recompondo-se. Em seguida, resumiu o que havia</p><p>se passado entre ela e Osric. Wulfgar a ouviu sem interrompê-la, mas não</p><p>conseguiu impedir que a raiva a�orasse novamente. Só que, dessa vez, o</p><p>motivo era diferente. Apesar de ela ter reagido por impulso, saindo sozinha,</p><p>ele entendeu por que ela queria se afastar de Drakensburgh por um tempo.</p><p>Ele chegou a se arrepender de ter �cado com tanta raiva antes, mesmo que</p><p>não tivesse sido proposital.</p><p>– Se esse casamento lhe parece tão repugnante, então você tem toda razão</p><p>em recusar – disse ele, quando ela terminou de falar.</p><p>– Não é tão simples assim. Meu pai é poderoso… – Ela balançou a cabeça.</p><p>– Não acredito que ele a obrigue a se casar de novo.</p><p>– Ele não liga para a minha vontade, apenas a dele é que vale. Ele não</p><p>hesitaria em tentar… ou usar da força para me fazer obedecer. Meu irmão</p><p>me disse isso, antes de eu sair.</p><p>Apesar de tentar parecer calma, Anwyn estava visivelmente alterada.</p><p>A notícia o atingiu com uma intensidade maior do que ele previra, mais</p><p>do que se ela tivesse chorado abertamente, pois se mostrava vulnerável da</p><p>mesma forma.</p><p>– Ele pode tentar, mas será difícil conseguir. – Wulfgar se calou por um</p><p>instante. – Drakensburgh é forte e você estará bem protegida.</p><p>– Imagino se um dia estarei mesmo a salvo.</p><p>– Não permitirei que ninguém tire você de Drakensburgh à força.</p><p>Ao ouvir aquilo, Anwyn relaxou um pouco.</p><p>– Isso quer dizer que não vai romper nosso acordo?</p><p>– Não.</p><p>– Obrigada.</p><p>– Mas quero que você me prometa de pés juntos que vai me obedecer.</p><p>– Prometo. Lamento se o deixei preocupado. Não farei isso de novo.</p><p>– Tomara que não. – Ele abriu um sorriso irônico. – Mesmo que Ingvar</p><p>não estivesse esperando para raptá-la, você teria quebrado o pescoço</p><p>galopando a essa velocidade.</p><p>– Não costumo correr tanto assim. Mas eu estava tão furiosa que queria</p><p>me afastar o máximo possível de Osric.</p><p>– Ainda bem que você não percorreu o reinado inteiro. Agradeço por</p><p>isso.</p><p>Ela balançou a cabeça.</p><p>– Você teria desistido desse trabalho bem antes.</p><p>– Não desisto antes de atingir meu objetivo, minha querida, e encontrei-a</p><p>antes disso. Mas meu humor podia ter sido muito pior.</p><p>Anwyn estremeceu, mas não de medo… não exatamente. Na verdade, não</p><p>conseguiu identi�car a emoção que passou em seu coração.</p><p>– Sua raiva seria justi�cada.</p><p>– Aye, seria mesmo. Se bem que sei que é muito difícil �car bravo com</p><p>você por muito tempo.</p><p>– Eu não gostaria que �casse.</p><p>– Acho que a raiva é uma perda de energia que poderia ser usada de uma</p><p>maneira melhor.</p><p>A expressão dos olhos dele era inquestionável, tanto que ela sentiu o</p><p>corpo aquecer inteiro. De repente, ela se deu conta de que estavam sozinhos</p><p>em um lugar isolado. Nada o impediria de continuar a seduzi-la. E se isso</p><p>acontecesse? Com medo da resposta imediata que seu coração lhe deu, ela</p><p>desviou o olhar antes que ele percebesse alguma coisa. Ele era experiente</p><p>demais para não saber o que ela havia pensado.</p><p>– Você está tremendo. Do que tem medo, Anwyn? – Ele pensou e</p><p>acrescentou: – De mim?</p><p>– Não, claro que não.</p><p>E ela não havia mentido; seu medo não era bem dele.</p><p>– Então, olhe para mim.</p><p>Ela respirou fundo e se forçou a �tá-lo de novo e se submeter ao exame</p><p>detalhado.</p><p>– Não vou feri-la – continuou ele. – E não vou permitir que nada lhe</p><p>aconteça.</p><p>– Eu sei.</p><p>Os olhos verdes dela expressavam con�ança, mesmo que essa fosse a</p><p>última emoção que ele esperava. O furacão de sensações que o dominava era</p><p>algo que ele nunca tinha experimentado antes, por isso que não faria</p><p>nenhum movimento, deixando de lado os delírios que passavam em sua</p><p>mente. Ele a tomou pela mão, apertando-a gentilmente. E, mesmo relutante,</p><p>ele se levantou e ajudou-a a fazer o mesmo.</p><p>– É melhor voltarmos, antes que Hermund mande uma patrulha nos</p><p>procurar.</p><p>Ela se limitou a balançar a cabeça, não ousando falar, pois sabia que se</p><p>corpo inteiro a trairia. O toque dele era forte e quente, mas também tão</p><p>seguro quanto perturbador.</p><p>Ainda bem que ele não tinha adivinhado o que ela pensava. Wulfgar</p><p>representava um tipo de tentação que ela nunca imaginara existir.</p><p>Eles voltaram até os cavalos em tempo de ela se recompor. Enquanto ele a</p><p>observava, Anwyn pegou as rédeas do cavalo e montou. Assim que a viu em</p><p>segurança sobre a sela, ele também montou e cavalgou ao lado dela. Então</p><p>voltaram a passos lentos.</p><p>A REUNIÃO ao redor da mesa naquela noite foi estranha e não parecia</p><p>verdadeira. Osric não fez segredo do quanto estava decepcionado com</p><p>Anwyn, conversando friamente. Se ele tivesse pensado em consterná-la ou</p><p>induzir o remorso, não tinha tido sucesso. Anwyn �ngiu nem notar a</p><p>presença dele e muito menos se deixou afetar pelo comportamento do</p><p>irmão. Ela estava com os pensamentos bem longe dali. Wulfgar também</p><p>parecia mais distante do que o normal, mas não havia nenhum sinal em seu</p><p>rosto que demonstrasse por onde sua mente vagava.</p><p>Vez por outra, ela relanceava o olhar na direção dele, na esperança de</p><p>manter algum contato velado, mas foi em vão. Ela tinha se arrependido de</p><p>seus atos impensados e estava morti�cada pela reação dele. Se Wulfgar</p><p>decidisse romper o acordo, ela estaria perdida, pois sua segurança no futuro</p><p>próximo dependia da boa vontade dele. Se ele continuasse a proteger</p><p>Drakensburgh como vinha fazendo, ela estaria a salvo, além de todos</p><p>aqueles que estavam sob sua responsabilidade. Ele não parecia ser o tipo de</p><p>homem que quebrava uma promessa, mas também não toleraria que suas</p><p>leis fossem desobedecidas. Agora ela entendia que as regras eram</p><p>necessárias, e não arbitrárias.</p><p>– Devo ir embora amanhã de manhã, minha irmã. Meus companheiros e</p><p>eu temos uma longa jornada pela frente.</p><p>A voz de Osric a tirou de seus pensamentos. Anwyn percebeu que ele</p><p>estava mal-humorado e ressentido.</p><p>– Como queira – respondeu ela. – Vou pedir aos criados que</p><p>providenciem comida para a viagem.</p><p>– Obrigado.</p><p>– Não por isso. Será um prazer.</p><p>– Você sabe que está cometendo um erro grave, não é, Anwyn? – indagou</p><p>Osric, estreitando o olhar. – Papai não permitirá que você se livre desse</p><p>casamento.</p><p>– Creio que você está falando por ele, Osric. Mas, mesmo assim, já tomei</p><p>minha decisão. Não vou voltar atrás.</p><p>– Você é uma tola.</p><p>– Não acho.</p><p>– Siga sua cabeça. – E, aproximando-se mais, prosseguiu: – Essa história</p><p>não termina aqui. Voltarei com um batalhão bem maior da próxima vez.</p><p>Anwyn entendeu a ameaça, mas limitou-se a tomar um gole da cerveja e</p><p>olhar para outro lado, sem nenhuma intenção de prolongar a conversa. Ao</p><p>se virar, seu olhar cruzou com o de Wulfgar.</p><p>– Seu irmão parece bem aborrecido, milady.</p><p>– Ele vai superar.</p><p>– Não tenho dúvida. – E, baixando a voz, Wulfgar emendou: – E quanto a</p><p>você, Anwyn?</p><p>– Não tenho medo de pessoas mal-humoradas – respondeu ela, corando.</p><p>– E nem deve. Isso não a prejudicará.</p><p>As palavras de Wulfgar estavam carregadas de implicações, que</p><p>despertaram emoções contraditórias em Anwyn. Era ela que detinha o</p><p>poder das decisões em Drakensburgh, mas a força dele também era</p><p>considerável… Em termos reais, o poder maior cabia a ele. Anwyn estava no</p><p>meio de dois homens poderosos e seu instinto a levava a con�ar mais em</p><p>Wulfgar. Só lhe restava rezar para que estivesse certa, pelo bem do povo de</p><p>Drakensburgh e dela mesma.</p><p>ANWYN PRECISAVA pensar em tudo o que estava acontecendo, por isso se</p><p>retirou mais cedo naquela noite. Apesar de ter demonstrado coragem a</p><p>Wulfgar, sabia que não poderia ignorar as ameaças de seu pai e irmão. Osric</p><p>não estava brincando. Os dois não hesitariam em usar a força se</p><p>considerassem que tinham muito a perder com a negativa dela em se casar.</p><p>Ela contraiu o maxilar. Pretendia resistir até quando pudesse, mas isso</p><p>signi�cava derramamento de sangue. O preço da liberdade era alto, bem</p><p>maior do que uma barra de ouro.</p><p>Essa linha de raciocínio levou-a a pensar nos desdobramentos. Com a</p><p>fortuna que possuía, podia comprar a lealdade dos mercenários, mas e se a</p><p>situação se transformasse em uma guerra de duas frentes? Risco maior</p><p>implicava em aumento do pagamento. Havia ouro su�ciente, mas não se o</p><p>con�ito se estendesse por muitos dias.</p><p>Anwyn suspirou, sentindo-se presa entre a cruz e a espada. Uma mulher</p><p>sozinha era refém de sua fortuna. Na verdade, o mundo era dos homens.</p><p>Para ela cabia a decisão de se casar com um conde desconhecido do norte ou</p><p>com Ingvar. Não havia uma terceira escolha.</p><p>Depois de tirar o</p><p>vestido, estendeu-o sobre uma poltrona, soltou o cabelo</p><p>e pegou um pente. Se pudesse manter o batalhão dos mercenários para</p><p>sempre, não seria atacada. Mas a questão era: como? Deslizou o pente sobre</p><p>os cabelos até a metade, quando pensou em qual poderia ser sua terceira</p><p>opção. A mão dela congelou, mas seu coração disparou com a possibilidade.</p><p>Entretanto, balançou a cabeça em negativa.</p><p>– Isso é ridículo. Loucura – murmurou. – Extrema loucura.</p><p>Mas sua mente começou a considerar as razões por ter pensado naquela</p><p>solução. O maior motivo, que encabeçava a lista, era um brilho de</p><p>esperança. Poderia dar certo. Só em pensar, sentiu a pele levantar em doces</p><p>arrepios, demonstrando que ele já podia ser dono de seu coração mesmo</p><p>que não tivesse se dado conta. Mas não podia tomar uma decisão dessas</p><p>com pressa. Com as mãos trêmulas, ela colocou o pente de volta sobre o</p><p>móvel. O problema maior naquele instante seria conseguir dormir.</p><p>Capítulo 11</p><p>OSRIC E seus companheiros saíram cedo depois de uma despedida fria com</p><p>poucas palavras. Anwyn �cou observando-os partir, sentindo-se muito</p><p>aliviada. Claro que não era ingênua para pensar que o caso estava resolvido,</p><p>mas pelo menos teria algum tempo antes que o irmão ou o pai tomassem</p><p>uma atitude. Quando eles decidissem… Ela engoliu em seco. Em seguida,</p><p>armou-se de toda coragem e foi procurar Wulfgar.</p><p>Encontrou-o na carpintaria com Hermund. Os dois sorriram e a</p><p>cumprimentaram. Ela retribuiu o gesto e olhou para Wulfgar.</p><p>– Peço que me perdoe a intromissão, mas gostaria de lhe falar, milorde.</p><p>– Está bem. – Wulfgar inclinou a cabeça para Hermund, que entendeu</p><p>que estava a mais ali.</p><p>– Vou deixá-los a sós.</p><p>Anwyn nem percebeu quando Hermund saiu, tamanho era o nó que</p><p>comprimia seu estômago. O silêncio se prolongou mais do que o esperado,</p><p>enquanto ela ouvia seu coração bater em descompasso. Wulfgar se sentou no</p><p>banco de trabalho e aguardou.</p><p>– Milady?</p><p>– Quero lhe falar sobre o assunto de ontem.</p><p>– Seu irmão?</p><p>Ela consentiu com um sinal de cabeça.</p><p>– Eu nunca estarei em segurança e nem as pessoas que vivem aqui, a não</p><p>ser que eu consiga uma posição permanente fora do alcance de Osric e de</p><p>Ingvar.</p><p>– E como pretende fazer isso?</p><p>Anwyn soltou a respiração.</p><p>– Eu preciso me casar.</p><p>– Espere, você não disse que…</p><p>– Estou falando em me casar com quem eu escolher. – Ela respirou fundo,</p><p>para criar coragem. – Gostaria que você se casasse comigo.</p><p>Wulfgar �cou sem palavras, como se todo o ar tivesse sido retirado de</p><p>seus pulmões. Em outras condições, ele teria gargalhado do absurdo.</p><p>– Seria um casamento apenas no papel – continuou ela. – Assim,</p><p>ninguém teria mais poder sobre mim.</p><p>Wulfgar recuperou a voz.</p><p>– Seria um sacrifício nobre.</p><p>– Não quero me fazer de vítima.</p><p>– Fico feliz em saber – disse ele, com os lábios curvando em um sorriso. –</p><p>Esse papel não lhe cai bem.</p><p>– Falei sério.</p><p>– Eu também. – Ele se calou por alguns instantes, antes de continuar: –</p><p>Você está sempre procurando a minha proteção… O que você oferece em</p><p>troca?</p><p>– O condado de Drakensburgh.</p><p>– É um prêmio tentador.</p><p>– Não pretendo prendê-lo aqui o tempo todo. Sei que sua vida é viajar. Só</p><p>peço que deixe homens aqui para defender a propriedade.</p><p>– E você administraria Drakensburgh na minha ausência.</p><p>– Sim…</p><p>– Não – respondeu ele.</p><p>– Isso quer dizer que… você vai �car?</p><p>– O que estou dizendo é que essa ideia é uma loucura. Além do mais, não</p><p>faço o gênero de bom marido, minha querida.</p><p>– Não exigirei nada.</p><p>Wulfgar se levantou, estreitando a distância que os separava.</p><p>– Como você sabe que eu não exigirei nada? – A presença dele parecia</p><p>preencher todo o espaço exíguo onde estavam, unindo-os como em um</p><p>campo magnético. – Não há como saber que, ao tentar escapar de Ingvar ou</p><p>do conde do norte, você não estaria se colocando em uma situação muito</p><p>pior.</p><p>– Se eu pensasse assim, não estaria aqui falando com você.</p><p>– Estou muito lisonjeado.</p><p>– Não estou falando para lisonjeá-lo.</p><p>– Desculpe-me, eu devia ter descon�ado. – Ele sorriu sem jeito. – Mesmo</p><p>assim, estou honrado pela sua con�ança.</p><p>– Não brinque comigo, Wulfgar, por favor.</p><p>– Eu não estava brincando.</p><p>Ele a olhou de um jeito diferente, deixando-a com o coração aos saltos.</p><p>– Quer dizer que… você vai me ajudar?</p><p>– Anwyn, seu eu pudesse, mas…</p><p>– Não tenho mais ninguém a quem pedir ajuda. – Ela o encarou com</p><p>aqueles olhos verdes, implorando. – Ninguém.</p><p>– Não me faça de herói.</p><p>– A única coisa que peço é que considere a proposta.</p><p>Wulfgar �cou em silêncio durante o que pareceu uma eternidade, com a</p><p>mente perdida em um turbilhão de memórias. De fato, ele não fazia o tipo</p><p>“bom marido”. Tinha aprendido a viver com essa concepção nos últimos seis</p><p>anos. Era verdade que, quando se casara a primeira vez, era bem mais</p><p>jovem, selvagem, indisciplinado e incapaz de dominar sua natureza inquieta.</p><p>Já tivera tempo su�ciente para se arrepender. E aprender com os erros fazia</p><p>parte da maturidade. Pensando com mais objetividade, Drakensburgh não</p><p>tinha nada a ver com ele. A melhor opção seria ir embora, mas o que</p><p>aconteceria se tomasse essa atitude? Não devia se preocupar, mas o fato o</p><p>amargurava. Anwyn o tinha ajudado quando ele precisara. Como a</p><p>abandonaria agora, quando os papéis eram inversos? Não conseguiria deixá-</p><p>la, como já havia feito com muitas mulheres. A vida dos dois tinha sido</p><p>completamente diferente, mas a necessidade da união ainda persistia.</p><p>Sem imaginar que pensamentos passavam por trás daquele rosto</p><p>inexpressivo, Anwyn rezou em silêncio, apertando as mãos e cravando as</p><p>unhas nas palmas.</p><p>– Se concordarmos com isso – disse ele por �m –, será porque você</p><p>entendeu os termos que estabelecerei.</p><p>O brilho da esperança iluminou o rosto de Anwyn. Ele não a</p><p>decepcionaria.</p><p>– Diga quais termos são esses.</p><p>– Dou a minha palavra de que a segurança de Drakensburgh está</p><p>garantida. Mas não �carei aqui para sempre, Anwyn. Tenho obrigações com</p><p>meus homens e meu navio, sem falar no compromisso com Rollo.</p><p>– Eu sei.</p><p>– Posso �car longe por bastante tempo… anos, talvez.</p><p>– Entendo.</p><p>– E há uma coisa a mais. – Os olhos azuis se prenderam aos dela. –</p><p>Enquanto estivermos juntos… Você é uma mulher muito bonita e eu estaria</p><p>mentindo se dissesse que não a quero em minha cama.</p><p>Anwyn teve a sensação de que seu coração batia em sua garganta, os</p><p>pensamentos coerentes se esvaíram de sua mente, levando junto a</p><p>capacidade de falar.</p><p>Interpretando mal o silêncio, ele procurou vestir uma expressão de</p><p>neutralidade e continuou:</p><p>– No entanto, essa será uma escolha sua. Não exigirei nada que não quiser</p><p>dar, e tampouco prometo amor eterno.</p><p>Anwyn �cou chocada com o que ouviu, mas sabia que ele era honesto.</p><p>– Entendo isso também.</p><p>– Então, muito bem.</p><p>– Quer dizer que você aceita?</p><p>– Sim, mas apenas sob essas condições.</p><p>Um grande alívio misturou-se com emoções ainda não muito bem</p><p>de�nidas por ela.</p><p>– Eu aceito suas condições.</p><p>Wulfgar a observou por um momento.</p><p>– Vamos selar esse acordo, Anwyn?</p><p>– Como assim?</p><p>O desejo tomou conta de Wulfgar e, em um rompante, ele a puxou para</p><p>mais perto, encarando-a no fundo daqueles olhos verdes. Teria sido</p><p>prudente se afastar, mas ela não teve forças. Principalmente porque</p><p>percebeu que aqueles lábios carnudos cobririam os seus em um beijo</p><p>apaixonante em segundos. Em princípio ele foi cuidadoso, mas, ao perceber</p><p>que ela relaxou em seus braços, passou a ser mais persuasivo. O beijo não foi</p><p>tão voluptuoso quanto o primeiro, e mesmo assim ela se sentiu lânguida e</p><p>totalmente entregue. Ele se afastou um pouco, não para soltá-la, mas apenas</p><p>para respirar e dizer:</p><p>– Quando devemos levar isso a termo?</p><p>Depois de um grande esforço, ela conseguiu pôr os pensamentos em</p><p>ordem.</p><p>– Quanto mais cedo, melhor.</p><p>– Então, podemos nos casar amanhã, se você quiser.</p><p>Ela não tinha pensado que fosse tão imediatamente, mas talvez ele</p><p>estivesse certo. Se pretendiam se comprometer, era melhor não ter muito</p><p>tempo para repensar o assunto. Mesmo assim, ela sabia que aquele não era o</p><p>jeito certo de se realizar uma união.</p><p>– Terá de ser uma cerimônia reservada – disse ela. – Você se importa?</p><p>– Não. Além disso, haverá</p><p>tempo su�ciente para avisar a todos depois. –</p><p>Ele esboçou um sorriso. – Acho que haverá algumas reações interessantes.</p><p>– Imagino que sim.</p><p>– Nem todos serão favoráveis. Você está preparada?</p><p>– Mais preparada do que nunca.</p><p>– Bem, sei que nunca lhe faltou coragem.</p><p>Uma vez mais ela ouviu o que não esperava, embora ele parecesse sincero,</p><p>a julgar pelo brilho de seus olhos.</p><p>– Tentarei honrá-lo, milorde.</p><p>– Você já honrou – respondeu ele.</p><p>DEPOIS DE alguns minutos que Anwyn tinha deixado o celeiro, Hermund</p><p>voltou e encontrou Wulfgar perdido em pensamentos.</p><p>– Está tudo bem, milorde?</p><p>– Tudo ótimo, mas preciso contar uma coisa…</p><p>Wulfgar contou a conversa que havia tido com Anwyn, deixando o amigo</p><p>de queixo caído.</p><p>– Você vai se casar?</p><p>– É isso mesmo. Por enquanto, isso é só para sua informação.</p><p>– Serei tão silente quanto um túmulo. – Hermund meneou a cabeça. –</p><p>Tenho de lhe dar crédito, você trabalha rápido. Não o culpo, claro. Ela é</p><p>linda… e rica.</p><p>– A ideia não foi minha, foi dela.</p><p>– Sabe de uma coisa? Eu já suspeitava que ela gostasse de você. Não que</p><p>ninguém mais tenha pensado nisso. Vocês formam um casal muito bonito.</p><p>Wulfgar olhou de soslaio para Hermund.</p><p>– Por amor a Odin, será que você pode esquecer o romance e ater-se à</p><p>praticidade?</p><p>– Aye, está bem. Quando será o casamento?</p><p>– Amanhã.</p><p>– Ela está ansiosa, não é? – Hermund se lembrou de outro assunto</p><p>acrescentou: – E o encontro com Rollo?</p><p>– O quê?</p><p>– Bem, imagino que seus planos tenham mudado.</p><p>– De jeito nenhum.</p><p>Pela segunda vez em um curto espaço de tempo, Hermund estava</p><p>surpreso.</p><p>– Ah…</p><p>– Será um casamento de conveniência, nada mais. Claro que garantirei a</p><p>proteção de Drakensburgh.</p><p>– Você não está se esquecendo de Ingvar?</p><p>– Quem poderia esquecê-lo?</p><p>– Sabe o que eu quero dizer. Ele não vai gostar de saber sobre o</p><p>casamento.</p><p>– A opinião dele não me interessa. Tudo o que ele precisa saber é que</p><p>agora Drakensburgh e lady Anwyn me pertencem.</p><p>– Imagino que isso �cará bem claro. – Hermund meneou a cabeça.</p><p>– Vou resolver esse assunto em breve.</p><p>– Depois disso, duvido que ele cruze a fronteira de suas terras.</p><p>– É melhor que nem tente.</p><p>– Nenhum homem em seu juízo perfeito faria isso. – Hermund titubeou</p><p>antes de prosseguir: – Você não se preocupa em deixá-la sozinha por muito</p><p>tempo? Quero dizer, podemos �car longe por anos.</p><p>– Isso faz parte do acordo. – Wulfgar contraiu os músculos do rosto. – Ela</p><p>está ciente disso desde o início.</p><p>– Entendo…</p><p>– Ina continuará aqui. Além disso, ela é inteligente, competente e capaz de</p><p>administrar tudo durante minha ausência.</p><p>– Claro que sim. Mas é que…</p><p>– O que foi?</p><p>– Será muito solitário para ela.</p><p>– Ela terá muito que fazer durante minha ausência.</p><p>– Ah, bom, então está tudo certo.</p><p>Wulfgar encarou Hermund, que permaneceu impassível. Mesmo assim, a</p><p>ideia de Anwyn sozinha deixou um sabor amargo na boca de Wulfgar.</p><p>– Quando vai contar aos outros?</p><p>– Não agora, mas assim que puder direi a todos.</p><p>Hermund forçou o riso.</p><p>– Não vejo a hora. Enquanto isso, você precisa de alguma coisa… para</p><p>amanhã?</p><p>– Acho que não. Ah, não, espere. Tem uma coisa sim…</p><p>DEPOIS DA conversa com Wulfgar, Anwyn foi para a antessala de seus</p><p>aposentos com o coração batendo forte. Estava tremendo um pouco</p><p>também. Inquieta demais para se sentar, ela começou a andar de um lado</p><p>para o outro, a �m de ordenar o caos em que estavam seus pensamentos.</p><p>Tinha acabado de colocar seu futuro nas mãos de um homem que conhecera</p><p>havia poucos dias, mas mesmo assim seu coração lhe dizia que podia con�ar</p><p>que ele manteria a palavra. Drakensburgh e as pessoas que ali habitavam não</p><p>sofreriam depredações de homens do tipo de Ingvar. A decisão que tomara</p><p>lhe proporcionaria a paz de observar o �lho crescer sem sombras de</p><p>ameaças. E ela… Anwyn sorriu sem jeito. Wulfgar tinha sido bem claro em</p><p>suas intenções. O importante era que ele havia concordado em ajudá-la. Não</p><p>podia esperar mais nada.</p><p>QUANDO JODIS entrou na sala pouco depois, Anwyn contou seu plano, mas</p><p>não mais do que ela precisaria saber. Jodis arregalou os olhos quando</p><p>acabou de ouvir.</p><p>– A senhora teve coragem, milady?</p><p>– Sim, e que Deus me ajude. Já �z o que tinha que fazer.</p><p>– Fico feliz com sua decisão. – O rosto de Jodis se iluminou com um</p><p>sorriso. – Acho lorde Wulfgar um homem con�ável. Ele é muito justo com</p><p>todos daqui… e com a senhora.</p><p>– Espero que você esteja certa, digo, que eu esteja certa. Meu instinto me</p><p>diz que estou certa, mas mesmo assim estou nervosa como um gato perto da</p><p>água.</p><p>– O que diz seu coração?</p><p>– Isso não tem a ver com o coração, Jodis. É um assunto de negócios.</p><p>– Claro que sim, milady – disse Jodis, baixando o olhar.</p><p>Anwyn cruzou o quarto na direção do baú de roupas e abriu a tampa.</p><p>– Você me ajudaria a encontrar alguma coisa para vestir amanhã?</p><p>DURANTE A hora seguinte, centenas de vestidos foram examinados e</p><p>rejeitados, e a incerteza de Anwyn só crescia. No �nal, ela escolheu um</p><p>vestido azul-escuro, bordado com �o dourado, para ser usado sobre uma</p><p>�na camisola de linho. Na cabeça, uma tiara �na, presa por um laço</p><p>dourado, completou a roupa. Era um vestido rico e elegante, algo que ela</p><p>esperava ser condizente com a ocasião e com o noivo. Pensar nele a fez</p><p>sentir um friozinho correr-lhe a espinha. Mesmo que fosse um casamento</p><p>de conveniência, Wulfgar seria seu marido. E ele havia sido honesto,</p><p>deixando para ela a opção de deitar-se na mesma cama que ele ou não.</p><p>Todas as vezes em que se via diante de sensações mais íntimas quando</p><p>estava perto dele, não tinha se permitido sonhar muito. Mas agora teria de</p><p>enfrentar a situação. Eu estaria mentindo se dissesse que não a quero em</p><p>minha cama…</p><p>Ela mordiscou o lábio. Como seria dividir a cama com ele? Anwyn o</p><p>conhecia o su�ciente para saber que ele não seria bruto, mas, mesmo assim,</p><p>a relação não signi�caria nada para ele além da satisfação de seus desejos</p><p>físicos. A mulher que ele amara estava morta. E não havia sido só isso: a</p><p>morte dela fora prematura, ela sempre seria a dona do coração dele e sua</p><p>beleza não diminuiria com o tempo.</p><p>Anwyn endireitou o corpo. Não adiantava nutrir aqueles pensamentos.</p><p>Tinha feito sua escolha e teria de conviver com as consequências…</p><p>quaisquer que fossem. Nesse ínterim precisava falar com Ina.</p><p>Ele a ouviu em silêncio com o rosto vincado impassível e só se aventurou</p><p>a falar quando ela terminou.</p><p>– Desejo que seja feliz, milady.</p><p>– Obrigada. – Depois de uma pausa, prosseguiu: – Você não se arriscaria</p><p>a opinar a respeito?</p><p>– Não estou em posição de opinar. Você está fazendo o que acha ser o</p><p>melhor para Drakensburgh.</p><p>– É isso mesmo, Ina, rezo para ter tomado a decisão certa. Acredito de</p><p>fato que lorde Wulfgar estará sempre aberto e será justo nas decisões que</p><p>tomar quanto àqueles que moram aqui.</p><p>– Até agora ele não fez nada que sugerisse o contrário – respondeu o</p><p>velho guerreiro. – Mas só o tempo dirá.</p><p>– Eu ainda posso contar com seu apoio?</p><p>– Isso é certo, milady. Pensei que já soubesse disso.</p><p>– Perdoe-me, mas as coisas se complicaram bastante ultimamente e…</p><p>bem, eu não tinha certeza se você apoiaria essa minha atitude.</p><p>– Aye, é verdade, milady. Mas eu continuarei protegendo-a.</p><p>DEPOIS DE voltar à antessala de seu quarto, Anwyn foi procurar Eyvind.</p><p>Havia chegado a hora de falar com ele. Não havia mais como protelar contar</p><p>ao �lho sobre a grande mudança que ocorreria na vida deles. Ele não tinha</p><p>sido próximo ao pai; na verdade, tinha medo dele. Talvez a ideia de ter outro</p><p>pai não o agradasse, principalmente porque se tratava de um estranho.</p><p>Eyvind a ouviu de olhos arregalados em silêncio. Anwyn tentou explicar</p><p>da maneira mais simples que pôde e estava preparada para protestos e</p><p>lágrimas, mas nada aconteceu.</p><p>– Você gosta da ideia de lorde Wulfgar ser seu pai? – perguntou ela.</p><p>Ele baixou a cabeça e deu de ombros. Não foi uma reação de entusiasmo,</p><p>mas também não foi de rejeição. Se ele fosse mais velho, ela diria que estava</p><p>sendo julgada.</p><p>– Lorde Wulfgar não �cará aqui o tempo todo – continuou ela. – Ele e</p><p>seus homens têm negócios em lugares diferentes.</p><p>– No navio?</p><p>– Sim, no navio.</p><p>– Ele vai me levar no barco?</p><p>– Pode ser que sim, quando você for mais velho.</p><p>Eyvind meneou a cabeça devagar. Anwyn o abraçou e beijou-lhe a cabeça.</p><p>Deus haveria de permitir que ele se tornasse um homem em paz e</p><p>segurança. Não havia mais nada que ela pudesse fazer para garantir o futuro</p><p>do �lho.</p><p>Capítulo 12</p><p>O CASAMENTO foi uma cerimônia pequena e reservada. Jodis tinha levado</p><p>Eyvind, acompanhados por Ina e Hermund. Por um breve momento os</p><p>noivos se entreolharam em silêncio. Wulfgar também havia se preparado</p><p>com esmero para a ocasião, vestindo uma túnica azul-escura que havia</p><p>usado na festa da primeira noite em que tinham chegado. A roupa lhe caiu</p><p>bem e combinava com os olhos dele, pensou Anwyn… mais do que isso, ele</p><p>estava lindo. A túnica combinava perfeitamente com o vestido dela, mas</p><p>tinha sido por acaso, pois ele não sabia o que ela vestiria.</p><p>Wulfgar sorriu para Eyvind e depois os olhos azuis se voltaram para os</p><p>dela.</p><p>– Você está linda – elogiou-a. – Não pensei que pudesse �car mais bonita,</p><p>mas estava enganado.</p><p>Anwyn sabia que ele estava apenas sendo gentil, mas mesmo assim as</p><p>palavras aqueceram seu coração. Torstein nunca elogiara a beleza dela. Nas</p><p>raras vezes em que demonstrava alguma admiração era através de um</p><p>murmúrio. Desde o início, o relacionamento com Wulfgar tinha sido bem</p><p>diferente. Mesmo feliz, ela estava temerosa, com um nó no estômago, mas</p><p>por razões bem diferentes. Quaisquer que fossem as circunstâncias daquela</p><p>união nada convencional, Wulfgar era um homem perigosamente atraente.</p><p>– Vamos? – Ele a convidou, estendendo-lhe a mão.</p><p>O toque foi suave, mas o su�ciente para deixá-la arrepiada.</p><p>Jamais se sentira daquele jeito na presença de qualquer outro homem. Ele</p><p>despertava uma reação espontânea nela. Bem, a menos que estivesse</p><p>jogando, o que tornava tudo duplamente arriscado. Ao entrarem na pequena</p><p>capela, Anwyn pensou que não conhecia as crenças de seu futuro marido e</p><p>também não tinha questionado. Percebendo-a tão consternada, ele apertou a</p><p>mão dela.</p><p>– Quando dou minha palavra, é para o bem.</p><p>Uma sensação de alívio a varreu inteira e ela respondeu com um sorriso</p><p>tímido. Caminharam juntos pela nave central até onde estava o sacerdote.</p><p>Anwyn tinha tirado a aliança de casamento com Torstein do dedo, um gesto</p><p>signi�cativo e prático, mesmo imaginando que Wulfgar talvez nem</p><p>considerasse presenteá-la com outra aliança. Mesmo que ele tivesse pensado</p><p>nisso, não teria tido tempo de encontrar um anel.</p><p>Mas ela estava enganada. Ele não apenas tinha arrumado outra aliança,</p><p>como era uma joia linda. A aliança era de ouro com pequenas folhas</p><p>incrustadas ao seu redor e deslizou em seu dedo como se fosse sua. Quando</p><p>os votos foram trocados, ele falou com segurança e em uma voz clara,</p><p>contrastando com o discurso pausado e hesitante dela.</p><p>Pouco tempo depois, eles foram declarados marido e mulher. Ele passou o</p><p>braço sobre os ombros dela e a inclinou para beijá-la como era de direito,</p><p>deixando-a com o coração aos saltos.</p><p>Jodis e Hermund se aproximaram para cumprimentá-los. Eyvind �cou</p><p>mais para trás, junto a Ina, observando. Wulfgar olhou para o menino e</p><p>depois para Ina. O velho guerreiro permanecia impassível, mas deixou que o</p><p>menino fosse encontrá-los.</p><p>– Venha andar conosco – convidou Wulfgar, estendendo a mão a Eyvind.</p><p>O menino vacilou, mas, guiado pela mão de Wulfgar, postou-se entre ele e</p><p>Anwyn. Tinha sido um gesto simples, mas tão signi�cativo como</p><p>estratégico.</p><p>Anwyn �cou enternecida, acariciou o ombro do menino e olhou para o</p><p>homem que os acompanhava. Não importava o que acontecesse dali em</p><p>diante, tudo �caria muito mais fácil se Wulfgar fosse gentil com Eyvind.</p><p>Juntos, o pequeno grupo chegou ao pátio ensolarado.</p><p>– Acho que agora o melhor a fazer é espalhar a notícia do casamento –</p><p>disse Wulfgar, olhando �rme para a esposa.</p><p>– Eu também acho. Quanto antes, melhor.</p><p>– Preciso falar com meus homens em particular. Precisamos discutir</p><p>alguns assuntos que só dizem respeito a eles. Hermund, vamos nos</p><p>encontrar no navio dentro de uma hora.</p><p>– Sim, milorde.</p><p>– Falo com os outros essa noite depois da refeição.</p><p>– Você conta que a bebida os deixará mais maleáveis? – indagou Anwyn.</p><p>– É uma esperança. – Wulfgar se dirigiu para Ina. – Certi�que-se de que</p><p>todos possam comparecer à mesa essa noite.</p><p>– Como queira, milorde.</p><p>Depois que o velho guerreiro saiu, Jodis levou Eyvind para a antessala dos</p><p>aposentos de Anwyn. Wulfgar os observou antes de voltar a atenção para</p><p>Anwyn.</p><p>– Você �cará bem?</p><p>– Claro que sim.</p><p>– Que pergunta tola. – Ele sorriu de lado. – Lamento deixá-la assim, mas</p><p>não posso evitar.</p><p>– Eu sei. Faça o que for preciso. Nós nos encontraremos à mesa mais</p><p>tarde.</p><p>– Aye. – Wulfgar tomou as mãos dela e as beijou. – Até daqui a pouco,</p><p>Anwyn.</p><p>Ao vê-lo se afastar, Anwyn �cou desolada, mas a presença dele tinha</p><p>�cado marcada pelo calor deixado pelo beijo em sua mão.</p><p>OS HOMENS de Wulfgar o ouviram atônitos e em silêncio, demonstrando</p><p>certa inveja, admiração e depois alegria.</p><p>– Tenho de admitir, milorde, isso é impressionante – disse rand –,</p><p>considerando que estamos aqui há tão pouco tempo.</p><p>Asulf meneou a cabeça.</p><p>– Aye, precisamos de alguns conselhos, milorde. Quem sabe também</p><p>encontremos esposas bonitas e ricas.</p><p>– Conselhos não farão diferença nenhuma para você – disse Beorn. – Para</p><p>concordar em se casar com você, a mulher precisa ser cega.</p><p>Todos riram a valer.</p><p>– Então, ainda vamos nos encontrar com Rollo? – perguntou rand.</p><p>– Aye – respondeu Wulfgar. – Mas primeiro precisamos resolver algumas</p><p>pendências com Ingvar.</p><p>– Não se preocupe, milorde. – Asulf abriu um sorriso malicioso. – Nós</p><p>tomaremos conta disso. Ou cortamos o pescoço dele, ou incendiamos o</p><p>castelo… não tem muito em que pensar.</p><p>– Está certo – concordou rand. – Com isso podemos dar um jeito em</p><p>Grymar Falastrão também.</p><p>Todos se manifestaram a favor em um burburinho ensurdecedor. Wulfgar</p><p>levantou a mão, pedindo silêncio.</p><p>– Antes de partirmos para a violência, quero tentar meios pací�cos. –</p><p>Notando o desapontamento de todos, ele emendou: – Dei minha palavra</p><p>que agiria assim.</p><p>– É uma pena – lamentou Hermund. – Mas, se a promessa foi feita a uma</p><p>mulher, então não tem volta. Mas gostaria de saber no que isso vai dar.</p><p>– Eu disse que tentaria – disse Wulfgar. – É claro que pode não dar certo.</p><p>– As chances são pequenas. Não acho que Ingvar aceitará a derrota de boa</p><p>vontade.</p><p>– Nesse caso, terei de reconsiderar minha posição.</p><p>Os homens trocaram olhares e risos cruéis. Depois da reunião, eles se</p><p>reuniram em pequenos grupos. Hermund se aproximou de Wulfgar.</p><p>– Até que eles aceitaram bem.</p><p>– Aye, resta saber se os moradores de Drakensburgh também aceitarão.</p><p>– Qual é o próximo passo?</p><p>– Quero que jurem �delidade a mim. Não aceitarei menos do que isso.</p><p>– A maioria aceitou bem sua presença aqui. – Hermund meneou a cabeça.</p><p>– É provável que os outros também não sejam contra a ideia de um novo</p><p>senhor.</p><p>– Talvez sim. Mesmo assim, �que preparado esta noite.</p><p>– Sim, milorde.</p><p>MESMO COM pouco tempo disponível, Anwyn providenciou um repasto</p><p>esplêndido naquela noite. Ela também pensou que os homens aceitariam</p><p>melhor o casamento se estivessem bem alimentados e com algumas canecas</p><p>de cerveja a mais. Ela, porém, não comeu muito por estar a�ita demais. Ao</p><p>olhar de soslaio para Wulfgar, notou que ele parecia imperturbável.</p><p>Contudo, aquele era o jeito habitual dele, fechar-se em pensamentos sem</p><p>que ela pudesse sequer imaginar o que se passava por sua cabeça. Ele</p><p>também bebeu, mas pouco. Na certa para manter a mente clara.</p><p>Depois de algum tempo, quando ele julgou que a hora era apropriada,</p><p>levantou-se e bateu na mesa com o punho. A conversa no salão parou e</p><p>todos olharam para ele, surpresos. Anwyn agarrou-se ao assento da cadeira.</p><p>O casamento foi anunciado e recebido em silêncio, e apenas o crepitar da</p><p>lareira podia ser ouvido. Estavam todos surpresos.</p><p>– Espero que continuemos trabalhando juntos com amizade – continuou</p><p>ele. – Preciso de bons homens. Digo, Drakensburgh precisa de bons homens.</p><p>Como novo senhor, espero receber votos de lealdade de todos aqueles que</p><p>desejarem.</p><p>– E se não quisermos? – orkil levantou-se meio cambaleando do outro</p><p>lado do salão.</p><p>– Se for essa sua vontade, você está livre para partir e ir para onde quiser</p><p>– respondeu Wulfgar.</p><p>– Você não perdeu tempo, não é, viking? – orkil �xou o olhar em</p><p>Wulfgar. – Mas uma viúva rica é um belo prêmio, não é?</p><p>Sigurd e dois outros murmuraram concordando. Anwyn os �tou com</p><p>raiva.</p><p>– Não ouse questionar minhas decisões, orkil. Esta foi uma escolha que</p><p>�z com plena liberdade.</p><p>– Pois parece que se baseou em um rosto bonito.</p><p>Anwyn precisou se esforçar muito para não perder a calma antes de dizer:</p><p>– A decisão foi tomada porque Drakensburgh precisa de um homem justo</p><p>e capaz para governá-la.</p><p>– Ele não passa de um viking aventureiro. Um homem assim deve ter uma</p><p>posição superior à nossa?</p><p>Os companheiros ao lado de orkil começaram a conversar entre si</p><p>novamente.</p><p>– Tenho esse direito – defendeu-se Wulfgar. – Sou �lho de um conde,</p><p>�lho mais velho de Wulfrum Ragnarsson. Minha descendência é igual ao</p><p>seu senhor anterior e minha habilidade em lutar já foi comprovada. – Ele</p><p>olhou um a um com frieza. – E, se quiser continuar em Drakensburgh,</p><p>deverá jurar lealdade a mim.</p><p>Depois das palavras duras de Wulfgar, fez-se um silêncio pesado. A</p><p>maioria baixou os olhos.</p><p>orkil olhou ao redor, inseguro sob o olhar �xo de Wulfgar.</p><p>– E tem mais uma coisa: Vou relevar sua falta de educação agora, mas, se</p><p>ousar falar com lady Anwyn dessa forma de novo, eu mesmo cortarei sua</p><p>língua. – E, dirigindo-se a Ina, ordenou: – Tire esse idiota daqui.</p><p>Ina assentiu com um sinal de cabeça, olhando com frieza para orkil.</p><p>– Aye, milorde. Garanto que um mergulho na tina de água dos cavalos</p><p>deve curar a bebedeira – disse ele aos homens próximos.</p><p>Os homens se levantaram e atravessaram o salão para segurar o ofensor e</p><p>arrastaram-no para fora do salão. Ninguém tentou impedi-los.</p><p>– Onde estávamos? – indagou Ina depois que o grupo saiu.</p><p>– Amanhã quero ouvir os votos de lealdade daqueles que pretendem �car.</p><p>– Wulfgar esboçou um sorriso. – Enquanto isso, vamos continuar a festa.</p><p>Não demorou para que todos voltassem a conversar e a beber. Anwyn</p><p>suspirou longamente. O pior já havia passado e não tinha sido tão difícil</p><p>quanto o esperado.</p><p>– Você estava falando sério sobre arrancar a língua de orkil? –</p><p>perguntou ela, olhando para Wulfgar.</p><p>– Não costumo fazer ameaças vazias.</p><p>– Acho que eu não gostaria de ser sua inimiga.</p><p>– Você não é, Anwyn. Você é minha esposa.</p><p>Anwyn sentiu um arrepio correr-lhe a espinha ao ouvir aquilo. Estivera</p><p>tão preocupada em comunicar o casamento que havia se esquecido das</p><p>outras implicações… até aquele momento.</p><p>– Você não tinha me dito que era �lho de um conde.</p><p>– Não me lembro de você ter perguntado.</p><p>Anwyn percebeu que sabia muito pouco sobre aquele homem, que atiçava</p><p>sua curiosidade como ninguém. No entanto, não deixava de considerar se</p><p>�cariam juntos tempo su�ciente para que ela soubesse de todas as respostas.</p><p>CONFORME AS horas se passaram, o barulho no salão aumentou e Anwyn se</p><p>levantou para sair. Wulfgar se levantou também. Ela tentou dizer alguma</p><p>coisa, mas as palavras não se materializaram e, antes que se desse conta, ele</p><p>passou o braço pela cintura dela e a levantou no colo. Eles seguiram para a</p><p>porta ao som de risos e saudações. A alegria os seguiu para fora do salão.</p><p>Anwyn estava com o coração em total descompasso e tentou inutilmente</p><p>voltar para o chão. Não demorou a que chegassem à porta da antessala dos</p><p>aposentos. Depois de ter entrado, ele a colocou no chão e colocou a trava na</p><p>porta. E, segurando a mão dela, seguiu para o quarto onde havia entrado</p><p>apenas uma vez. Ao entrarem, ele fechou as cortinas que dividiam os</p><p>ambientes. Durante alguns segundos, marido e mulher se �taram com os</p><p>corações em disparada.</p><p>Wulfgar esboçou um sorriso.</p><p>– Peço desculpa pela despedida ruidosa do salão, mas eu tinha de ser</p><p>convincente.</p><p>– Convincente? Acho que foi bem mais do que isso.</p><p>– Ótimo. Assim eles não terão dúvidas.</p><p>– Dúvidas sobre o quê?</p><p>– Sobre nós dois.</p><p>– Imagino que não.</p><p>– Precisaremos dividir esse quarto por esta noite – disse ele, estudando</p><p>todos os sinais do rosto de Anwyn.</p><p>Anwyn sentiu os arrepios pelo corpo se intensi�carem.</p><p>– Nós não havíamos concordado com isso?</p><p>– Mesmo assim, não pretendo me apossar de nada que não queira me dar</p><p>de boa vontade.</p><p>Anwyn �cou em dúvida se tinha ouvido certo, mas logo entendeu o</p><p>signi�cado daquelas palavras e que ele estava sendo sincero.</p><p>– Você não acredita em mim.</p><p>– Não estou acostumada que um homem considere meus desejos nesse</p><p>assunto.</p><p>Ele sorriu, embora lamentasse.</p><p>– Não tenha medo, Anwyn. Seus desejos serão respeitados.</p><p>Anwyn �cou mais tranquila. Wulfgar olhou ao redor do quarto e parou na</p><p>cama.</p><p>– De qual lado você gosta de dormir?</p><p>A pergunta a pegou de sobreaviso.</p><p>– Eu… ah… à direita.</p><p>Ele assentiu e começou a se despir. Ela �cou observando-o soltar o cinto,</p><p>depois a túnica e a blusa de baixo, revelando o torso de músculos bem</p><p>de�nidos. A luz fraca da lamparina re�etiu nos braceletes de prata que, em</p><p>parte, escondiam cicatrizes antigas. Havia outras linhas esmaecidas perto</p><p>das vértebras, onde descia uma linha de pelos escuros pelo abdômen</p><p>musculoso, entrando pelo cós da calça justa que emoldurava as pernas</p><p>longas e fortes. Quando ele soltou o cordão da calça, Anwyn virou a cabeça.</p><p>Pouco tempo depois, ela ouviu o estalar da cama sob o peso dele e o</p><p>farfalhar das cobertas.</p><p>Respirando fundo, ela começou a soltar o espartilho. Wulfgar se</p><p>acomodou sobre as almofadas para observá-la. Viu quando ela colocou o</p><p>vestido com cuidado sobre o baú de madeira. Em seguida, ela tirou a túnica</p><p>de baixo e �cou apenas com a camisola de linho. O corpo curvilíneo era</p><p>sombreado pela �na camisola, que, mais curta, deixava as pernas bem</p><p>torneadas à vista até o tornozelo, que ele admirou. Imaginou se ela soltaria o</p><p>cabelo, mas parecia que essa não era a intenção dela. Desapontado, ele</p><p>estendeu o braço até a lamparina e a apagou, deixando o quarto na mais</p><p>completa escuridão. Não demorou para que ele sentisse o movimento ao seu</p><p>lado da cama e percebesse que ela se enrolava na coberta. Silêncio. E ele</p><p>abriu um sorriso irônico.</p><p>– Boa noite, Anwyn.</p><p>– Boa noite, milorde.</p><p>Anwyn fechou os olhos, mas com corpo inteiro contraído, atenta a todos</p><p>os ruídos. Ele havia garantido que não faria nada, mas ela não tinha certeza</p><p>de que ele cumpriria com a palavra. O acordo tinha sido muito simples e</p><p>prático: seria um casamento apenas formal entre duas pessoas que teriam</p><p>quartos diferentes durante a noite. Ela havia pensado na ilusão que criaria à</p><p>visão de todos. Mas Wulfgar não tinha concordado. O rosto dela corou ao se</p><p>lembrar de como o comportamento dele havia sido convincente durante a</p><p>festa. Se ninguém os tivesse visto se recolher, poderia levantar suspeita.</p><p>A�nal, ele era o marido e tinha o direito de levá-la para onde quisesse. Não</p><p>restavam dúvidas para os presentes na festa de que ele consumaria a união.</p><p>Anwyn sentiu o corpo inteiro ferver. Se ele resolvesse possuí-la, não haveria</p><p>nada que pudesse fazer. O tamanho dele e a força eram amedrontadoras.</p><p>Continuando com aquela linha de raciocínio, ela sentiu a pele arrepiar. Sabia</p><p>que, qualquer movimento que ele �zesse, ela estaria pronta para aceitá-lo</p><p>simplesmente porque era essa sua vontade. Ela engoliu sem eco. Era loucura</p><p>pensar assim. A�nal, estavam apenas cumprindo um acordo de negócios e</p><p>nada mais. Wulfgar já havia dito que não podia dar a ela seu coração e que</p><p>não �cariam juntos para sempre.</p><p>Se ela permitisse que o desejo a consumisse, as consequências seriam</p><p>terríveis. Sua mente já havia previsto que se isso acontecesse só haveria</p><p>sofrimento. Wulfgar a magoaria muito mais do que Torstein.</p><p>Longos minutos se arrastaram e nada aconteceu. Ela o ouviu respirar</p><p>devagar e ressonar. Relaxou no mesmo instante. Wulfgar tinha cumprido</p><p>com a palavra. No entanto, o sentimento que a dominou foi bem diferente</p><p>do alívio; foi de tristeza.</p><p>Capítulo 13</p><p>ANWYN ACORDOU na manhã seguinte sozinha na cama. Antes mesmo de se</p><p>virar ela tinha</p><p>apalpado o lugar onde ele estivera, mas o lençol estava frio,</p><p>indicando que ele já tinha partido havia algum tempo. Anwyn suspirou,</p><p>sabendo que não havia razão para ele ter �cado.</p><p>Ela levantou, lavou o rosto, as mãos e se preparou para começar o dia.</p><p>Depois de vestida e penteada, seguiu para o quarto de Eyvind. Ele brincava</p><p>com um cavalinho de madeira que Ina tinha esculpido para ele. O menino</p><p>sorriu ao vê-la chegar e continuou a brincar. Depois de conversar com Jodis,</p><p>seguiu para o salão para veri�car o trabalho dos criados.</p><p>O trabalho já estava bem adiantado. Quando ela chegou, as mesas já</p><p>estavam desmontadas e encostadas às paredes. Anwyn chamou um dos</p><p>criados.</p><p>– Você sabe onde está lorde Wulfgar?</p><p>– Não, milady. Ele saiu a cavalo essa manhã, acompanhado por uma dúzia</p><p>de homens. Não o vejo desde então.</p><p>– Não faz mal. – Anwyn virou as costas.</p><p>Wulfgar não tinha avisado nada, mas ela estava dormindo quando ele</p><p>saiu. Procurando não se preocupar, ela afastou o assunto da mente e foi lidar</p><p>com outras tarefas domésticas.</p><p>WULFGAR LEVANTOU a mão para a escolta, então todos pararam os cavalos a</p><p>pouca distância dos portões da fortaleza de Ingvar em Beranhold. Seu olhar</p><p>atento notou o fosso e a paliçada que formavam a defesa externa da</p><p>forti�cação. Momento depois, a sentinela se apresentou.</p><p>– Diga ao seu senhor que lorde Wulfgar que falar com ele. Espero aqui.</p><p>Quando a sentinela desapareceu de vista, Hermund olhou para o</p><p>companheiro.</p><p>– Ele pode se negar a falar.</p><p>– Não, ele não fará isso – respondeu Wulfgar.</p><p>– Como você sabe?</p><p>– A curiosidade o vencerá.</p><p>Wulfgar estava certo. Logo os portões se abriram para a saída de um</p><p>grupo de cavaleiros. Ingvar os liderava. Grymar estava ao lado dele. O grupo</p><p>seguiu a passos lentos, aproximando-se de Wulfgar. Os dois �caram bem</p><p>próximos e em silêncio até Ingvar se pronunciar:</p><p>– Minha sentinela disse que você quer falar comigo.</p><p>– Aye – respondeu Wulfgar. – Quero sim.</p><p>– Sua presença aqui me intriga. – Ingvar sorriu.</p><p>– Vou direto ao assunto. Ontem lady Anwyn me deu a honra de se tornar</p><p>minha esposa.</p><p>O sorriso desapareceu do rosto de Ingvar e ele estreitou os olhos.</p><p>– Que traição é essa?</p><p>– Não há traição. Ela mesma decidiu por vontade própria.</p><p>– Você está mentindo.</p><p>– Estou falando a verdade.</p><p>– Nay, você usou artimanhas para entrar em Drakensburgh e assumiu o</p><p>controle.</p><p>Wulfgar o mediu da cabeça aos pés friamente.</p><p>– Você julga os outros de acordo com seus padrões. Não usei nenhuma</p><p>artimanha. Não preciso disso.</p><p>– Ele diz a verdade. – Ina aproximou seu cavalo. – Lady Anwyn se casou</p><p>de livre e espontânea vontade.</p><p>Os olhos castanhos de Ingvar brilharam, provando que ele havia</p><p>acreditado no velho guerreiro.</p><p>– É mesmo?</p><p>– Sim, lorde Wulfgar é o novo senhor de Drakensburgh.</p><p>– Você trabalha rápido, milorde – comentou Ingvar. – Mas o prêmio valia</p><p>a pena.</p><p>– O prêmio é meu e pretendo mantê-lo – disse Wulfgar, relanceando</p><p>Grymar. – Qualquer movimento hostil terá uma resposta à altura.</p><p>Grymar o fuzilou com o olhar, já com a mão no cabo da espada. Ingvar</p><p>fez o mesmo.</p><p>– Nunca quis ser inimigo de Drakensburgh. E não começarei agora.</p><p>– Então estamos entendidos – disse Wulfgar, balançando a cabeça.</p><p>– Acho que sim. Só espero que lady Anwyn não se arrependa da decisão.</p><p>– Não darei motivos para ela se arrepender – disse Wulfgar.</p><p>– Isso é o que veremos, não é? – perguntou Ingvar, curvando os lábios</p><p>num sorriso.</p><p>Assim dizendo, ele virou o cavalo e voltou para a fortaleza, seguido por</p><p>seus homens. Wulfgar �cou observando até o portão se fechar.</p><p>– Que sujeito detestável – comentou Hermund. – Pelo menos ele sabe sua</p><p>posição.</p><p>– Sabe sim – respondeu Wulfgar.</p><p>– Você acreditou quando ele disse que não quer problema?</p><p>– Não, mas, se mudar de ideia, sabe o que irá encontrar.</p><p>– Ou então ele aceitou a derrota.</p><p>– Se ele for esperto, é o que vai fazer.</p><p>CERCA DE uma hora mais tarde, eles voltaram para Drakensburgh. Ao</p><p>desmontar, Wulfgar foi procurar Anwyn e a encontrou no salão,</p><p>conversando com os criados. Ele a viu sorrir ao se aproximar. Ela dispensou</p><p>os criados e se aproximou.</p><p>– Você gostou do passeio?</p><p>– Não exatamente – respondeu ele, sorrindo também. – Mas era preciso,</p><p>acredite, se não eu não teria ido.</p><p>Anwyn pressentiu que ele escondia algo e corou.</p><p>– Fui me encontrar com Ingvar – prosseguiu ele.</p><p>– Então ele já sabe do nosso casamento. Nem vou perguntar como ele</p><p>reagiu.</p><p>– Você se importa?</p><p>– Apenas no caso de a raiva dele chegar a Drakensburgh.</p><p>– Isso não vai acontecer… pelo menos por agora.</p><p>Anwyn arregalou os olhos.</p><p>– Wulfgar, você não…</p><p>– Não o matei.</p><p>Ele percebeu o quanto ela havia �cado aliviada.</p><p>– Você teria se importado se eu o tivesse matado?</p><p>– Sim, mas não pelo motivo que está pensando. – Ela pousou a mão sobre</p><p>o braço dele. – Não quero que nossos votos sejam selados com sangue.</p><p>Quando os olhares se cruzaram, Wulfgar percebeu que ela tinha sido</p><p>sincera e �cou enternecido ao sentir o calor da mão dela sobre seu braço.</p><p>– Ainda bem que resisti à tentação.</p><p>– E o que fará agora?</p><p>– Vou me encontrar com nossos homens e ouvir seus votos de lealdade. –</p><p>Ele sorriu. – Depois disso, estou à sua disposição.</p><p>WULFGAR CHAMOU os homens ao salão e sentou-se na cadeira entalhada,</p><p>símbolo do poder do senhor daquelas terras. Anwyn sentou-se ao lado dele</p><p>e achou que ele havia nascido para ocupar aquele lugar. Ele exalava poder no</p><p>sentido exato da palavra, o físico forte conferindo-lhe uma aura de</p><p>autoridade… um líder nato que muitos seguiriam. Um homem que chamava</p><p>a atenção de uma mulher, que di�cilmente o deixaria. Ela se endireitou na</p><p>cadeira. Nenhuma mulher o seguraria por muito tempo.</p><p>Depois de todos reunidos, Wulfgar se levantou e, um a um, os guerreiros</p><p>de Drakensburgh se aproximaram e �zeram, ajoelhados, o juramento de</p><p>lealdade. Tratava-se de uma promessa solene e de união que duraria por</p><p>toda a via.</p><p>Anwyn olhou pelo salão e não viu sinal de orkil e seus amigos. A</p><p>ausência deles signi�cava que haviam partido, o que Ina con�rmou mais</p><p>tarde.</p><p>– Problema resolvido – disse Ina. – Será melhor sem eles.</p><p>Anwyn consentiu com a cabeça. Todos os problemas acabaram se</p><p>resolvendo mais facilmente do que o esperado.</p><p>Wulfgar conversava com um pequeno grupo dos homens de</p><p>Drakensburgh. Provavelmente dizia algo engraçado, pois ela viu quando</p><p>todos riram. Aquilo reforçava sua impressão de que ele era um líder nato.</p><p>Aqueles homens o seguiriam. Ina percebeu que ela prestava atenção ao</p><p>grupo.</p><p>– Acho que dias prósperos se aproximam, milady.</p><p>Anwyn se surpreendeu com o comentário, pois, vindo de um guerreiro</p><p>tão reservado, podia ser considerado um elogio.</p><p>– É verdade. Espero que sim.</p><p>Wulfgar percebeu que era observado e olhou para trás. Desculpou-se com</p><p>o grupo e veio na direção da esposa.</p><p>– E agora, milady, o que gostaria de fazer?</p><p>– Eu gostaria de sair para um passeio, mas você já foi hoje.</p><p>– Sim, mas foi a trabalho. Dessa vez será por prazer.</p><p>A maneira como ele respondeu e o olhar caloroso que lhe dirigiu �zeram</p><p>o coração dela disparar. Ina olhou de um para o outro e esboçou um sorriso.</p><p>– Vou pedir aos cavalariços para selarem os cavalos, milorde.</p><p>WULFGAR SEGUROU as rédeas do cavalo enquanto Anwyn montava. Depois</p><p>de se certi�car que ela estava em segurança, ele deu as rédeas a ela e montou</p><p>no outro cavalo.</p><p>– Está pronta?</p><p>– Pronta.</p><p>– Então, vamos, minha esposa.</p><p>Ouvi-lo chamá-la daquela forma a deixou corada. Ao olhar em volta, viu</p><p>que os cavalariços já tinham saído de perto e não tinham ouvido nada.</p><p>Wulfgar riu e ela percebeu que ele tinha notado como estava sem graça. Ela</p><p>o �tou e guiou o cavalo através do portão.</p><p>Quando estavam em campo aberto, ela esporeou o cavalo e saiu a galope.</p><p>Minutos depois, Wulfgar emparelhou com ela, fazendo-a sorrir. Eles</p><p>atravessaram o matagal e pararam no topo das dunas. Os cavalos desceram</p><p>devagar e com cuidado pela areia macia até chegarem à praia. O mar estava</p><p>calmo e as ondas quebravam no casco do Lobo do Mar.</p><p>A visão do navio deixou Anwyn melancólica, pois podia ouvir Wulfgar</p><p>dizendo: Não �carei aqui para sempre… Esforçou-se para afastar a</p><p>lembrança.</p><p>O importante era que ele estava ali ao lado dela naquele</p><p>momento. Ela não estragaria o dia com medo do que o futuro reservava para</p><p>ambos.</p><p>Os homens que patrulhavam a praia os cumprimentaram.</p><p>– Está tudo em ordem? – perguntou Wulfgar, puxando as rédeas do</p><p>cavalo ao lado de Dag.</p><p>– Aye, milorde. Nenhum sinal de vida até o senhor chegar.</p><p>– Ótimo.</p><p>– Acho que o estúpido Grymar entendeu o recado.</p><p>– Esperamos que sim.</p><p>Wulfgar voltou para perto de Anwyn e os dois continuaram o passeio.</p><p>– Você acha mesmo que Ingvar e seu batalhão entenderam o recado? –</p><p>indagou ela.</p><p>– A não ser que ele seja muito burro.</p><p>– Não sei se ele é burro, mas acredito que seja vingativo.</p><p>– Ele não merece sua preocupação. Esqueça-os, Anwyn.</p><p>– Confesso que não acho o assunto edi�cante.</p><p>– Nem eu – disse ele, inclinando a cabeça na direção do �nal da praia. –</p><p>Estamos em uma faixa de areia sólida, o que acha de galopar um pouco?</p><p>O rosto dela se iluminou em um sorriso.</p><p>– Eu diria que é uma ideia excelente.</p><p>Sob o comando de Wulfgar e Anwyn, os cavalos começaram a galopar</p><p>com as patas praticamente voando sobre a areia molhada e as crinas</p><p>balançando ao vento. O passo rápido melhorou o ânimo de Anwyn. Ao</p><p>olhar para o lado, viu que Wulfgar sorria. Então, esporeou o cavalo e os dois</p><p>seguiram emparelhados até o �nal da enseada. Anwyn ria ao acariciar o</p><p>pescoço do cavalo.</p><p>– Que sensação maravilhosa!</p><p>– Aye, foi mesmo – respondeu ele, e continuaram com os cavalos a passo</p><p>lento. – Você cavalga muito bem.</p><p>– Você também.</p><p>– Foi meu pai quem me ensinou. Ele era um bom cavaleiro.</p><p>– E um grande guerreiro, presumo.</p><p>– Como você sabe?</p><p>– De acordo com o antigo ditado: Tal pai, tal �lho…</p><p>Ele sorriu de lado.</p><p>– Gostaria de pensar assim, mas as pegadas dele são muito grandes para</p><p>meus pés.</p><p>Wulfgar falou sem grandes intenções, mas Anwyn percebeu uma</p><p>mensagem subliminar e �cou curiosa.</p><p>– Ele ainda está vivo?</p><p>– Aye, está sim, e minha mãe também.</p><p>– Com quem você se parece mais?</p><p>– Com certeza com o meu pai.</p><p>– Wulfrum Ragnarsson: uma família de herança nobre.</p><p>– Ele foi uma criança adotada, mas aparentemente Ragnar foi um</p><p>verdadeiro pai. Quando o rei Ella capturou e executou Ragnar, meus pais e</p><p>os irmãos se vingaram.</p><p>Anwyn meneou a cabeça. Tinha ouvido falar sobre uma grande invasão</p><p>viking, mas que acontecera quando ela ainda não tinha nascido.</p><p>– Seu pai se casou antes de vir para a Inglaterra?</p><p>– Não. Minha mãe foi um prêmio da guerra.</p><p>– Ela foi escravizada? – perguntou Anwyn com olhos arregalados.</p><p>– Não exatamente. Lorde Halfdan deu a propriedade de Ravenswood ao</p><p>meu pai pelos serviços leais prestados. Minha mãe administrou a</p><p>propriedade depois da morte do pai e do irmão. Ela não desistiria, então</p><p>meu pai se casou com ela. Ela não teve escolha.</p><p>– Tenho pena dela. – Anwyn sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo.</p><p>– Poderia ter sido muito pior – prosseguiu Wulfgar, sério. – Meu pai</p><p>estava apaixonado por ela.</p><p>– É mesmo?</p><p>– Ela foi muito bonita na juventude e tinha uma personalidade forte. Não</p><p>foi fácil conquistá-la, mas meu pai não desiste fácil quando tem um</p><p>propósito na cabeça. Ele estava determinado a conquistá-la e conseguiu.</p><p>Com o tempo ela aprendeu a amá-lo também.</p><p>– Que sorte para os dois.</p><p>– Aye, acho que foi sim.</p><p>– O casamento teve um �nal feliz.</p><p>– Bem feliz. E ainda é.</p><p>Foi fácil para Anwyn se identi�car com a moça que fora forçada a se casar</p><p>com um estranho. A diferença era que a história dela tinha um �nal feliz. O</p><p>conde Wulfrum devia ser um homem notável. Se o �lho se parecia com ele,</p><p>então o conde devia ser bonito, mas certamente havia outras semelhanças.</p><p>Será que o pai era a fonte do carisma de Wulfgar? Aquela era mais uma</p><p>nesga de luz no passado de Wulfgar.</p><p>– Nunca fui próxima ao meu pai – contou Anwyn. – Ele só se interessava</p><p>pelos �lhos homens. As �lhas eram consideradas apenas meios para</p><p>consolidação de poder.</p><p>– Foi por isso que ele a casou com Torstein?</p><p>– Sim. – Ela fez uma pausa antes de continuar: – Seus irmãos ainda</p><p>vivem?</p><p>– Tenho dois irmãos e uma irmã, todos casados.</p><p>– Vocês se dão bem?</p><p>– Na maioria das vezes, sim – disse ele, sorrindo de lado.</p><p>– Isso devia ser bom.</p><p>Wulfgar percebeu que ela sentiu uma pontinha de inveja. Apesar das</p><p>brigas inevitáveis com os irmãos, ele tivera uma infância feliz. Na época,</p><p>achava que todas as famílias eram iguais. Ficou admirado quando descobriu</p><p>o quanto estivera errado.</p><p>Por alguns minutos nenhum dos dois falou. Anwyn não conseguiu</p><p>deduzir que pensamentos corriam por trás daquele rosto bonito, mas</p><p>também não se preocupou. Quando estava ao lado dele, sentia-se forte para</p><p>se esquecer do passado. Desde o casamento, o restante tinha se tornado</p><p>insigni�cante. Era como se cada �bra de seu corpo pertencesse a Wulfgar. E</p><p>era bem provável que não passassem muito tempo juntos, mas talvez isso</p><p>também não �zesse diferença. Havia passado dois mil dias ao lado de</p><p>Torstein, dias in�ndáveis que se condensaram em uma lembrança que ela</p><p>mal podia identi�car. Entretanto, tinha certeza de que se lembraria dos dias</p><p>com Wulfgar por toda a eternidade.</p><p>CERCA DE uma hora mais tarde, eles pararam à beira de um riacho,</p><p>desmontaram e deixaram os cavalos beberem água. Passearam lado a lado,</p><p>por entre os arbustos e salgueiros que margeavam o riacho. Algumas �ores</p><p>caíam na água, salpicando-a de cor. A água era tão límpida que era possível</p><p>ver pequenos peixes nadando em bandos. As libélulas voavam das plantas</p><p>para a água em voos rasantes para depois sumir nos arbustos de novo.</p><p>– Que lugar agradável – Wulfgar comentou. – Vamos nos sentar um</p><p>pouco?</p><p>Sentaram-se em um pequeno barranco gramado e apreciaram os</p><p>arredores. Era a primeira vez que Anwyn reparava na beleza de</p><p>Drakensburgh. Nunca havia explorado o lugar como fazia agora O que vira</p><p>tinham sido tons acinzentados marcados pela presença de Torstein. Mas</p><p>tudo aquilo era passado. Ao relancear os olhos para o homem ao seu, lado</p><p>sentiu-se segura.</p><p>– Você sabia que tem um cabelo lindo? Notei desde a primeira vez em que</p><p>a vi. – Ele sorriu. – Quando você cavalgou naquele primeiro dia na praia,</p><p>achei que uma Valquíria tinha vindo passear entre nós.</p><p>Anwyn riu a valer.</p><p>– Lembro que não estava com o humor alterado naquele dia. Acho que</p><p>tem alguma coisa relacionada ao cabelo.</p><p>– Eu percebi.</p><p>– É uma falha que sempre lembrarei.</p><p>– Não é falha. Você �ca bonita quando está brava também.</p><p>Anwyn não estava acostumada a ser elogiada, tanto que chegou a</p><p>suspeitar que ele estivesse brincando. Antes de continuar o assunto, ele se</p><p>posicionou atrás dela, levando-a a se virar para trás.</p><p>– Fique quieta. – Wulfgar desatou a �ta que prendia a trança dela.</p><p>– O que está fazendo? – indagou ela, sentindo o puxão no cabelo.</p><p>– Estou fazendo o que pretendi desde que a conheci. – Devagar e</p><p>deliberadamente ele começou a desfazer a trança, enquanto ela se movia em</p><p>protesto. – Fique parada.</p><p>As mãos hábeis dele continuaram a trabalhar, soltando mecha por mecha.</p><p>Os movimentos a deixaram arrepiada, uma sensação que nada se</p><p>assemelhava ao medo ou ao frio. Wulfgar entremeou os dedos pelos cabelos</p><p>sedosos como se os penteasse, até que os deixou cair pelas costas dela como</p><p>um manto de chamas.</p><p>– Assim é muito melhor – disse ele, satisfeito.</p><p>Anwyn olhou para ele, �ngindo-se brava.</p><p>– Como vou prendê-lo de novo?</p><p>– Não vai.</p><p>– Não?</p><p>– Não.</p><p>Ela arregalou os olhos.</p><p>– Wulfgar, não posso deixar meu cabelo assim. Não é decente. Alguém</p><p>pode ver.</p><p>– Estamos sozinhos aqui. Só eu vejo.</p><p>– Sim, mas…</p><p>– Como sou seu marido, isso não é nenhuma indecência.</p><p>– Não acho que tenha razão – disse ela e, ao olhar em volta, não viu</p><p>ninguém. Então relaxou.</p><p>Não era costume que mulheres casadas usassem o cabelo solto. Apenas as</p><p>meninas usavam assim. Mas, por outro lado, o cabelo solto conferia uma</p><p>estranha sensação de liberdade. Torstein haveria tido um ataque histérico se</p><p>a visse assim. Ela tentou, mas não conseguiu reprimir o riso solto. Abraçou o</p><p>joelho, com a cabeça entre os braços, e seus ombros sacudiam.</p><p>– O que foi? – indagou Wulfgar, curioso.</p><p>Sem conseguir falar, Anwyn apenas meneou a cabeça. Ela demorou um</p><p>pouco para se recompor,</p><p>esses atos, não ele</p><p>propriamente. E, assim, ele pode alegar inocência. Ele acha que fazendo</p><p>pressão eu vou acabar deixando passar.</p><p>– Como ele ainda tem coragem de encarar a senhora?</p><p>– A falsidade é natural para ele. O homem é um predador. Basta passar</p><p>dez minutos perto dele para descobrir isso.</p><p>A criada ergueu o rosto abruptamente.</p><p>– Ele não tomou liberdades, não é, milady?</p><p>– Não, ele não é tolo a esse ponto. Ele esconde a crueldade atrás de modos</p><p>gentis e palavras doces. Eu jamais me submeterei, ou meu �lho, ou meu</p><p>povo, às garras dele.</p><p>– Não a culpo por isso. No entanto, ele se torna cada dia mais inoportuno.</p><p>Anwyn suspirou.</p><p>– E eu não sei disso?</p><p>O rosto de lorde Ingvar agigantou-se na mente de Anwyn. Com suas</p><p>feições quase aristocráticas, emolduradas por cabelos loiros, muitos</p><p>poderiam considerá-lo bonito, não fosse pelos lábios �nos demais e os olhos</p><p>castanhos esquivos, que a faziam lembrar-se de um felino caçador. Um</p><p>pouco mais alto que a média e esbelto, ele tinha inclusive o porte de um</p><p>felino predador. A última conversa que haviam tido ainda estava gravada em</p><p>sua memória…</p><p>– Pense, Anwyn. As terras de Beranhold são adjacentes às suas. O que</p><p>poderia ser mais prático ou mais sensato do que uni�car nossas</p><p>propriedades? Assim você �caria sob minha proteção.</p><p>– Eu agradeço, milorde, mas já estou bem protegida.</p><p>– Ah, sim. Torstein tomou conta de você muito bem, não é? Não o</p><p>condeno por isso; eu faria exatamente a mesma coisa.</p><p>Um súbito arrepio percorreu os braços de Anwyn.</p><p>– Tenho certeza disso.</p><p>A voz dele se tornou mais suave, quase terna.</p><p>– Você não preferiria que um homem arcasse com as responsabilidades</p><p>por você?</p><p>– Eu posso arcar com minhas responsabilidades, tranquilamente.</p><p>– Que você é corajosa e determinada, disso eu não tenho dúvida. Mas a</p><p>viuvez é uma condição triste, solitária, ainda mais para uma mulher tão</p><p>adorável. – Ele estendeu a mão e tocou-lhe a trança. – Você não sente falta</p><p>de ter um homem em sua cama… especialmente um homem que aprecie a</p><p>beleza e saiba agradar uma mulher?</p><p>O estômago dela se contraiu.</p><p>– Não estou preparada para me casar de novo.</p><p>– Você diz isso agora, mas eu sei ser paciente.</p><p>– Não nutra esperanças em relação a mim, milorde.</p><p>– Quando eu quero uma coisa, não desisto facilmente…</p><p>Anwyn estremeceu de leve com a lembrança do diálogo.</p><p>– Eu recusei a corte dele há muito tempo – continuou ela –, mas não se</p><p>passa uma semana sem que ele faça uma visita, sob algum pretexto.</p><p>– Ele está apaixonado.</p><p>– Apaixonado por terras e riqueza, isso sim.</p><p>Jodis balançou a cabeça.</p><p>– Uma mulher sozinha �ca vulnerável. A senhora não vai conseguir</p><p>mantê-lo afastado para sempre, a menos que…</p><p>– A menos que o quê?</p><p>– A menos que encontre outro marido.</p><p>– Não tenho vontade de me casar novamente.</p><p>– Se a senhora não se casar, seu pai escolherá um noivo.</p><p>– Ele já me intimou a fazer isso – disse Anwyn. – Quero dizer, meu irmão</p><p>me intimou, na última vez que veio aqui. Não fazia nem três meses que</p><p>Torstein tinha morrido! Osric é igual ao meu pai na determinação de</p><p>aumentar a riqueza e os bens da família.</p><p>– Ambos são determinados, milady, e veem a senhora como a chave para</p><p>um futuro de sucesso.</p><p>– Outro casamento para mim, outro degrau na escada do poder para eles.</p><p>Um conde nórdico rico, foi o que Osric disse. – Anwyn fez uma careta. –</p><p>Mas eu não vou tolerar que eles arranjem outro marido para mim.</p><p>– Provavelmente a senhora não terá escolha, milady. Seu pai é poderoso e</p><p>ambicioso.</p><p>– Ele já alcançou as ambições dele à minha custa.</p><p>– Mas a senhora é jovem e bonita, e muitos homens desejariam desposá-</p><p>la.</p><p>– Pode ser, mas a simples ideia de outro casamento é repugnante para</p><p>mim.</p><p>– Eu não estava pensando em um marido como o conde Torstein – disse</p><p>Jodis. – Estava pensando em um homem bom, gentil.</p><p>– Um homem bom e gentil? Bem, isso é algo em que se pensar…</p><p>Antes que elas pudessem continuar a conversa, o menino as interrompeu.</p><p>– Mamãe, posso ir a meio galope, agora? – Ele e seu mentor haviam feito</p><p>seus cavalos pararem, para esperá-las. Os olhos verdes do menino brilhavam</p><p>de ansiedade. – Ina disse que eu posso, se a senhora deixar.</p><p>Anwyn olhou por sobre a cabeça do �lho para o homem que o</p><p>acompanhava. Apesar dos 50 anos de idade, o velho guerreiro ainda era um</p><p>homem em plena forma, forte e vigoroso. A barba e os cabelos grisalhos</p><p>denotavam mais experiência e perspicácia do que idade avançada; os olhos</p><p>escuros estavam sempre atentos, e ele tinha um ar de serenidade e</p><p>autoridade. Nos dias que se seguiram à morte de Torstein, ele fora um aliado</p><p>de valor inestimável, um amigo em quem ela aprendera a con�ar.</p><p>– Está bem, mas só até as dunas. – Ela fez uma pausa. – E tenha cuidado!</p><p>Nada de correr!</p><p>Sem precisar de mais incentivo, Eyvind virou o pônei e o atiçou com os</p><p>calcanhares. O robusto cavalinho disparou a meio galope, seguido de perto</p><p>por Ina, que controlava os passos mais longos de seu cavalo para não</p><p>ultrapassá-lo. Anwyn sorriu e olhou para Jodis.</p><p>– Que tal?</p><p>Logo depois, elas também galopavam em suas montarias, seguindo Ina e</p><p>Eyvind. A distância até as dunas era de cerca de 400 metros, mas o passo</p><p>mais rápido era estimulante, e Anwyn conteve a tentação de deixar o cavalo</p><p>desenvolver sua velocidade máxima. Era tão bom poder cavalgar outra vez,</p><p>sem restrições, sentir o vento no rosto, sentir-se quase livre.</p><p>Quando eles �nalmente pararam, ela ria, divertida, sentindo-se leve e</p><p>feliz. Inclinou-se para frente e afagou a cabeça do cavalo. Eyvind olhou para</p><p>ela, esperançoso.</p><p>– Podemos cavalgar ao longo da praia, mamãe?</p><p>Anwyn sabia que ele estava pensando em galopar ao longo da orla, mas</p><p>não tinha coragem de recusar. Além do mais, ela não tinha pressa alguma de</p><p>voltar.</p><p>– Por que não?</p><p>Eles cavalgaram em �la através das dunas, deixando que os cavalos</p><p>escolhessem o melhor caminho, e �nalmente chegaram à enseada do outro</p><p>lado. Ina e Eyvind pararam abruptamente.</p><p>– Mamãe, olhe!</p><p>Anwyn olhou na direção que ele apontava e surpreendeu-se ao avistar um</p><p>navio atracado na praia e a tripulação concentrada diante dele. Devia haver</p><p>no mínimo setenta pessoas ali.</p><p>– Um navio de guerra – murmurou Ina.</p><p>A inquietação substituiu o estado de espírito descontraído de Anwyn.</p><p>– Mas o que eles estão fazendo aqui?</p><p>– Imagino que esteja dani�cado. Está vendo a vela estendida ali?</p><p>Anwyn assentiu.</p><p>– Sim, isso certamente explicaria a presença deles aqui. – Olhando mais</p><p>atentamente, ela examinou os tripulantes. Embora, aparentemente,</p><p>estivessem concentrados na vela estendida na areia, ela reparou que todos os</p><p>homens estavam armados com espada ou machado e que os escudos e</p><p>lanças estavam logo ali, ao alcance da mão. Ela não foi a única a notar esse</p><p>detalhe.</p><p>– São pro�ssionais – disse Ina.</p><p>– Mas não parecem agressivos – retrucou ela.</p><p>– Não. Mas aqueles, sim. – Ina apontou para o batalhão que se</p><p>aproximava, vindo do outro lado da enseada. – São os guerreiros de Ingvar,</p><p>milady.</p><p>– Tem certeza?</p><p>– Absoluta. Aquele ali à frente é Grymar.</p><p>– Mas eles não têm negócios a tratar aqui. Esta enseada é contígua às</p><p>minhas terras.</p><p>– As quais eles devem ter atravessado para chegar aqui – concluiu Ina.</p><p>– Como ele se atreve…?</p><p>– Nem mesmo Grymar teria tamanha audácia sem o consentimento de</p><p>alguém mais poderoso.</p><p>– Ele recebe ordens diretamente de Ingvar.</p><p>– Exato, milady.</p><p>As implicações eram perturbadoras. Sob a intendência de Ina, os homens</p><p>de seu falecido marido patrulhavam e protegiam Drakensburgh, e não</p><p>precisavam da ajuda de Ingvar. O fato de ele enviar um exército armado para</p><p>sua propriedade possuía rami�cações que não a agradavam nem um pouco.</p><p>Era como se ele já estivesse vestindo a carapuça de lorde protetor, um papel</p><p>que Anwyn não tinha intenção de outorgar a ele.</p><p>– Isto não me parece um bom presságio – disse Anwyn.</p><p>Ina acenou com a cabeça.</p><p>– Nada em que Grymar esteja envolvido é um bom presságio. Aquele ali</p><p>cortaria a garganta da própria avó só por diversão.</p><p>– Isso deve ser apenas exibição. Ele não pode estar seriamente</p><p>pretendendo lutar. – Ela hesitou. – Será…?</p><p>– A minha intuição diz que é exatamente isso que</p><p>enxugando as lágrimas dos olhos com a manga do</p><p>vestido.</p><p>– Desculpe-me, não me contive.</p><p>– Você não quer me contar a piada?</p><p>– Eu gostaria, mas você só entenderia a graça se tivesse conhecido</p><p>Torstein.</p><p>– Torstein?</p><p>– Isso mesmo. Imaginei a expressão dele se me visse agora.</p><p>Wulfgar sorriu.</p><p>– Aye, acho que seria interessante.</p><p>– Não, você não faz ideia.</p><p>– Ainda bem que nem ele nem seu irmão estão aqui.</p><p>– Osric o colocaria para correr.</p><p>– Ele que tentasse…</p><p>– Você o mataria? – especulou Anwyn.</p><p>– Se fosse preciso, sim, apesar de que não gostaria de ser seu inimigo.</p><p>Ela suspirou.</p><p>– Na verdade, não sei se você tomaria uma atitude dessas.</p><p>– Quando os vi juntos não achei que vocês eram muito próximos.</p><p>– Não somos mesmo. Osric apoiou meu pai para que eu me casasse com</p><p>Torstein.</p><p>– Entendo…</p><p>– Eu não podia permitir que ele �zesse a mesma coisa de novo.</p><p>– Ele não devia ter agido assim na primeira vez – disse Wulfgar. – Bem,</p><p>agora ele foi embora e Torstein está morto.</p><p>– As coisas poderiam ter sido bem piores.</p><p>Anwyn olhou para Wulfgar e os dois começaram a rir. Wulfgar �cou</p><p>encantado com a beleza dela, realçada pelo riso e pelos cabelos soltos. Se</p><p>pudesse in�uenciá-la, a cena se repetiria mais vezes. Quando ele se</p><p>aproximou, o riso se esvaiu e por um momento ela hesitou, mas fechou os</p><p>olhos e esperou que ele a beijasse. Foi uma carícia suave, mas irresistível.</p><p>Esforçando-se ao máximo, ele se afastou, sentindo o desejo correr junto com</p><p>o sangue em suas veias.</p><p>A vontade dele era possuí-la ali, naquele momento, sem reservas. Mas</p><p>antes de tudo queria que ela consentisse. Estaria violando-a se agisse de</p><p>forma diferente. Ao examinar-lhe o rosto, percebeu o quanto ela estava</p><p>insegura. Era uma expressão bem diferente do medo que já tinha notado</p><p>antes, mas ainda não era o momento certo.</p><p>Ele se levantou e estendeu a mão para ajudá-la.</p><p>– Venha.</p><p>De mãos dadas, eles passearam ao longo do riacho, no meio das árvores.</p><p>A mão dele era tão grande que a dela chegava a sumir. Eram mãos</p><p>acostumadas a empunhar uma espada ou um machado, mãos de um</p><p>guerreiro. O toque a deixou com os braços moles.</p><p>As árvores estavam repletas de pássaros coloridos que contrastavam com</p><p>o verde das folhas. Eles pararam quando um deles voou como uma �echa</p><p>prateada na direção do riacho, capturou um peixe e voltou para cima da</p><p>árvore. Anwyn sorriu, feliz com a visão. A alegria não era apenas por causa</p><p>do pássaro, mas muito mais pelo homem que estava ao seu lado. Só a</p><p>companhia dele já era su�ciente para sentir o coração aos pulos.</p><p>– Os pássaros são sábios. Este é um bom lugar para pescar – disse ele,</p><p>apontando para o riacho. – Olhe ali! Uma truta.</p><p>Anwyn olhou para onde ele apontava, bem no meio do riacho, onde um</p><p>peixe grande nadava contra a correnteza. Sem avisá-la, ele segurou-lhe o</p><p>pulso e a empurrou para frente. Ela gritou, mas ele a puxou antes que ela</p><p>caísse na água.</p><p>– Seu bruto! – exclamou ela, ultrajada.</p><p>– Rogo por seu perdão, milady.</p><p>– Se quiser que eu o perdoe, tire esse sorriso matreiro do rosto.</p><p>– Infelizmente não será possível.</p><p>– É o que veremos.</p><p>Anwyn pegou um monte de ervas molhadas e avançou para cima dele.</p><p>Wulfgar deixou que ela chegasse bem perto, para se virar e levantá-la do</p><p>chão. Depois, levou-a para a margem do riacho, enquanto ela esperneava.</p><p>– Nem ouse, Wulfgar.</p><p>Ele �ngiu que a soltaria.</p><p>– Talvez a água fria acalme seu temperamento.</p><p>Ela se agarrou à túnica dele em desespero.</p><p>– Se �zer isso, juro que nunca mais falarei com você.</p><p>Ele �ncou o pé em terra �rme, rindo.</p><p>– Para dizer a verdade, �car sem ouvi-la seria um destino terrível. Preciso</p><p>pensar em outro castigo.</p><p>Com a veia do pescoço pulsando visivelmente, ela o fulminou com o</p><p>olhar.</p><p>– Você não vai fazer nada.</p><p>– Ah, não? – indagou ele, ameaçando-a de brincadeira.</p><p>Quanto mais Anwyn esperneava, mais ele se divertia.</p><p>– Vou levar alguns minutos para pensar no que vou fazer.</p><p>– Wulfgar, ponha-me no chão!</p><p>– Eu não ousaria fazer isso por medo de represália.</p><p>– Será bem feito.</p><p>Sem pressa nenhuma, ele começou a andar com ela no colo seguindo a</p><p>margem do riacho. O peso que carregava não o afetava em nada, o que só</p><p>aumentava a ira dela.</p><p>– Aye, sempre achei que você �ca linda quando está brava – disse ele,</p><p>�tando-a.</p><p>Anwyn �cou em estado de choque. Depois percebeu o quanto estava</p><p>sendo ridícula e esboçou um sorriso.</p><p>– Você sabia que é o homem mais impossível que conheço?</p><p>– Não é a primeira vez que ouço isso.</p><p>– Aposto que não, e você só pode ter ouvido isso de outras mulheres.</p><p>– Não nego.</p><p>– Nem vou perguntar quantas mulheres foram. – Ela o olhou com o canto</p><p>dos olhos.</p><p>– Está com ciúmes? – Ela curvou os lábios para cima. – Que pena. Eu</p><p>tinha esperanças de que você tivesse ciúme.</p><p>Anwyn pressionou os lábios, sem conseguir evitar o riso. Ele ouviu e riu</p><p>também, olhando para ela com carinho.</p><p>– A raiva lhe cai bem, mas o riso �ca muito melhor.</p><p>Como não sabia o que responder, ela preferiu �car quieta. O brilho dos</p><p>olhos dele fez o coração dela disparar. De repente, Anwyn se sentiu</p><p>totalmente atraída, e a proximidade que minutos antes lhe causara tanta</p><p>raiva agora a deixava lânguida de prazer.</p><p>Wulfgar a carregou até onde estavam os cavalos. Consciente da aparência</p><p>desgrenhada por causa dos cabelos soltos e sem graça pelo sorriso maroto</p><p>dele, ela sentiu o rosto corar até a raiz dos cabelos.</p><p>– Preciso arrumar meu cabelo. Não posso voltar assim.</p><p>– Assim como?</p><p>– Como uma bruxa.</p><p>– Bruxa? Mas que linda bruxa. – As palavras deixaram-na indignada e o</p><p>sorriso dele transformou-se em risada. – Vire-se.</p><p>Ele tirou a �ta do bolso da túnica. Depois, dividiu o cabelo dela em três</p><p>grandes mexas e começou a trançá-las. A tarefa foi moleza para ele,</p><p>provando o quanto ele era competente.</p><p>– Onde você aprendeu isso? – perguntou ela.</p><p>– Pratiquei muito ao longo dos anos.</p><p>– Ah, é mesmo? Que tipo de prática?</p><p>– Trançando crina de cavalos – disse ele, e começou a rir a valer.</p><p>– Mentiroso.</p><p>– Nossa, que ideia você tem a meu respeito.</p><p>– Nada disso, tenho uma ideia muito precisa a seu respeito.</p><p>– Preciso me preocupar, então. Sou tão fácil de entender assim?</p><p>– Na verdade, não. É difícil saber o que está pensando.</p><p>– Pelo menos isso.</p><p>Anwyn não respondeu, achando que seria melhor não provocá-lo.</p><p>Depois de prender o �nal da trança com o laço, ele deu um passo atrás</p><p>para admirar o trabalho.</p><p>– Teria �cado melhor se eu tivesse um pente, mas está bom.</p><p>Anwyn puxou a trança para frente e a avaliou. Ele tinha feito um trabalho</p><p>perfeito.</p><p>– Obrigada.</p><p>– O prazer foi meu – respondeu ele.</p><p>Ele a ajudou a montar e fez o mesmo em seguida, emparelhando os</p><p>cavalos. Eles voltaram em silêncio, apenas aproveitando a companhia um do</p><p>outro. Mais uma vez, Wulfgar se pegou imaginando que tipo de homem</p><p>teria sido Torstein. Bastaram apenas poucas horas juntos no passeio para</p><p>que ela revelasse seu lado divertido. Que homem ao vê-la sorrir não teria</p><p>vontade de provocar o riso mais vezes? Quem não apreciaria o bom humor</p><p>dela e as respostas astutas? Wulfgar não se lembrava de ter �cado entediado</p><p>na companhia dela nenhuma vez. Quanto mais desfrutava da companhia</p><p>dela, mais queria estar por perto.</p><p>Anwyn não quis interromper os pensamentos de Wulfgar e permaneceu</p><p>em silêncio. Era um prazer estar com ele. Na verdade, nunca sequer</p><p>imaginara que apreciaria tanto a companhia de um homem, mas tinha que</p><p>considerar que ele era diferente de todos os outros que conhecera. Ainda era</p><p>difícil acreditar que ele era seu marido, mesmo que apenas no papel. Ele</p><p>tinha se mostrado con�ável nas ocasiões mais inesperadas.</p><p>O passeio daquela tarde tinha provado o quanto ele a desejava, e que</p><p>tivera oportunidades para forçá-la facilmente. Se bem que ela estava</p><p>duvidando mais de si mesma, pois com apenas um beijo �cava em um</p><p>estado de torpor e entrega que mal se reconhecia. Pensando nisso, ela</p><p>tremeu inteira. Se cedesse ao impulso de se entregar, a dor de cabeça seria</p><p>inevitável.</p><p>Capítulo 14</p><p>ANWYN NÃO �cou muito tempo à mesa naquela noite, alegando estar</p><p>exausta. Os eventos do dia tinham drenado sua energia por várias razões, e</p><p>tudo o que ela queria era se</p><p>recolher à quietude de seu quarto e cama.</p><p>Wulfgar a observou e percebeu que ela estava cansada de fato.</p><p>– Vá, Anwyn, descanse. Vou �car mais um pouco.</p><p>As palavras dele �zeram-na lembrar de que não passaria a noite sozinha.</p><p>– Como queira, milorde.</p><p>Despedindo-se de Ina e Hermund, ela deixou o salão. O quarto estava em</p><p>uma paz celestial depois do barulho do salão. Depois de se despir, ela se</p><p>deitou, mas deixou a lamparina acesa para Wulfgar. Como ele ainda não</p><p>estava familiarizado com o quarto, não �caria muito satisfeito de tropeçar</p><p>em alguma coisa no escuro.</p><p>A insegurança de tê-lo no mesmo quarto já não a a�igia tanto. Se ele</p><p>quisesse ter mudado de opinião e voltado atrás, já tinha tido oportunidade</p><p>de consumar o casamento. Ela bocejou e puxou a coberta até o queixo,</p><p>procurando relaxar. A cama quente e o cansaço contribuíram para que ela</p><p>pegasse no sono logo.</p><p>E, a partir daí, não estava mais sozinha…</p><p>TORSTEIN A tinha beijado contra a vontade dela, forçando-a a abrir a boca.</p><p>Quase sufocada pelo mau hálito habitual, misturado com cerveja, Anwyn</p><p>fechou as mãos em punhos ao lado do corpo, procurando forças para suportar</p><p>o assédio, pois sabia bem o castigo que levaria se, por acaso, resistisse. Ele</p><p>rugia como uma fera e o beijo se aprofundou. Ele usava os dentes,</p><p>machucando os lábios dela. Em um dado momento, ele se levantou para</p><p>respirar, revelando os dentes manchados.</p><p>– Vire-se.</p><p>Anwyn sentiu o estômago revirar.</p><p>– Por favor, Torstein, eu não…</p><p>– Talvez você queira apanhar de cinta primeiro?</p><p>– Não, milorde.</p><p>– Então �que de quatro… já!</p><p>ELA SE sentou de repente com o coração batendo na garganta, olhando para</p><p>as sombras no quarto.</p><p>– Anwyn? O que houve?</p><p>O som da voz masculina a assustou mais ainda, e ela se encolheu no canto</p><p>da cama.</p><p>– Está tudo bem. Ninguém vai machucá-la, minha querida. Você teve</p><p>apenas um pesadelo.</p><p>Aos poucos a voz foi se in�ltrando no turbilhão em que estava a mente</p><p>dela. Ela, então, se deitou e respirou aliviada. Não era Torstein que estava ali,</p><p>mas Wulfgar.</p><p>Ele se sentou na beirada da cama, observando-a.</p><p>– Você está tremendo. Que sonho foi esse que a assustou tanto assim?</p><p>– Eu… sonhei que Torstein estava aqui. E que ele… – Ela parou de falar</p><p>de tão enjoada.</p><p>– O que ele fez?</p><p>– Foi apenas um sonho. Não tem importância. – Anwyn meneou a</p><p>cabeça.</p><p>Wulfgar decidiu não forçá-la a falar.</p><p>– Um sonho não pode ferir você – disse ele, sorrindo para assegurar que</p><p>estava tudo bem.</p><p>Depois, deu a volta na cama e começou a se despir. Quando terminou,</p><p>apagou a vela e se deitou.</p><p>Anwyn estava paralisada, com todos os músculos tensos. Podia sentir o</p><p>coração batendo contra suas vértebras. Tinha perdido totalmente o sono, e</p><p>as memórias de anos antes não lhe saíam da cabeça. Nenhuma delas era boa.</p><p>A única pessoa que sabia de seus pesadelos era Jodis e, mesmo assim, não</p><p>conhecia todos. Mas naquele momento, deitada ao lado de Wulfgar, sentiu</p><p>vontade de falar. Talvez conseguisse vencer a escuridão que dominava seu</p><p>coração naquele momento. Respirou fundo e começou:</p><p>– Sonhei que Torstein tinha voltado.</p><p>Wulfgar permaneceu imóvel, esperando que ela continuasse. Aos poucos,</p><p>um pouco hesitante, ela revelou o sonho. Ele ouviu, sentindo o coração</p><p>apertar. Ele já sabia que o relacionamento de Anwyn com o marido não</p><p>tinha sido bom, mas não o inferno que ela descrevia.</p><p>– Eu o odiava – continuou ela –, e ele sabia. Por essa razão, ele tinha</p><p>prazer em prolongar a relação sexual, principalmente… para me causar dor.</p><p>Isso o excitava.</p><p>Wulfgar fazia ideia do que ela dizia. Quanto mais ela falava, mais ele a</p><p>entendia. E mais ele se enchia de tristeza e de uma raiva descomunal.</p><p>Chegou a desejar que Torstein tivesse voltado de verdade para ter o prazer</p><p>de matá-lo de novo.</p><p>– No princípio do casamento, usei todas as desculpas possíveis para evitar</p><p>minha chamada obrigação de esposa. Tentei até recusá-lo… – Ela fez uma</p><p>pausa. – Senti na pele a força do cinto dele, mostrando-me como era inútil</p><p>recusá-lo. Depois de me bater muito, ele me possuía do mesmo jeito. Ele</p><p>gostava de me ouvir gritar.</p><p>– Sinto muito, Anwyn.</p><p>– Por quê? Não era você que estava comigo.</p><p>Havia tantas respostas que ele poderia ter dado, tantas razões para</p><p>explicar por que sentia muito. Naquele momento, mais do que nunca, �cou</p><p>feliz em não ter cedido ao desejo que tinha por ela. Seria a maior das</p><p>maldições ser comparado a Torstein.</p><p>– Não, não fui eu. Mas, sendo homem também, não há como não me</p><p>envergonhar.</p><p>– Você não fez nada para se envergonhar. Ao contrário, eu lhe devo</p><p>muito.</p><p>Wulfgar contraiu o maxilar. Nada para se envergonhar? Se fosse em outras</p><p>circunstâncias ele teria rido.</p><p>– Você não me deve nada.</p><p>A frase soou mais áspera do que ele queria. Anwyn percebeu e se virou na</p><p>direção dele.</p><p>– Se não fosse por você, eu seria uma presa para Ingvar.</p><p>– Fico feliz por ter interferido.</p><p>– Eu também. – Ela esticou o braço e tocou o ombro dele, uma carícia</p><p>insegura que disparou uma fagulha quente que lhe percorreu todo o corpo.</p><p>– Obrigada.</p><p>– Torstein não pode mais machucá-la.</p><p>– Eu sei, mas as lembranças permanecem.</p><p>– Com o tempo elas se perderão e os pesadelos vão parar. – Com todo o</p><p>carinho, ele se virou e passou o braço pelos ombros dela e sentiu-a enrijecer</p><p>o corpo na hora. – Não tenha medo. Não acontecerá nada de ruim. Quero</p><p>apenas �car abraçado com você um pouco.</p><p>Dito isso, ele a beijou na cabeça. Anwyn permanecia imóvel, mas os</p><p>minutos foram passando e nada horrível aconteceu, então ela relaxou. Era</p><p>reconfortante desfrutar do calor do corpo dele. Ainda titubeante, ela apoiou</p><p>a cabeça no peito largo, respirando o perfume da pele dele e ouvindo o</p><p>coração dele bater. Wulfgar começou a afagá-la nos cabelos, um carinho que</p><p>amenizava o medo até afastá-lo. Ela suspirou e fechou os olhos. Parecia estar</p><p>no lugar certo, envolta por um manto de segurança.</p><p>ANWYN ACORDOU com uma sensação boa e sentindo-se bem. Sorriu e olhou</p><p>para o lado, onde estava o homem que agora dividia sua cama. Ele ainda</p><p>dormia, o rosto totalmente relaxado. Virando-se de lado, apoiando o peso</p><p>do corpo no cotovelo, ela passou a estudar os detalhes, como se quisesse</p><p>memorizar cada um deles. Quanto mais olhava, maior era o enigma que</p><p>surgia. Ela agora se sentia estranhamente feliz, uma sensação provocada pela</p><p>gentileza do carinho dele. Em toda sua vida, nunca tinha sentido tamanha</p><p>ternura. Era uma sensação inusitada que vinha carregada de sentimentos</p><p>que ela não havia antecipado. Anwyn descobriu como seria fácil amar um</p><p>homem como Wulfgar.</p><p>Ela suspirou. Wulfgar era muito carismático em muitas vertentes, mas em</p><p>assuntos do coração ainda era um aventureiro. Haveria o dia, em um futuro</p><p>próximo, em que ele partiria, e, como dissera, talvez �casse longe durante</p><p>anos. Ela engoliu em seco. Wulfgar era uma presença tão marcante que já</p><p>era difícil imaginar a vida sem ele.</p><p>Insatisfeita com o curso dos pensamentos, Anwyn decidiu se levantar.</p><p>Pegou o pente e passou a pentear os cabelos longos. O pente parou em um</p><p>nó maior, chamando a atenção dela. Durante alguns minutos, ela se</p><p>concentrou na tarefa de desembaraçar os �os. Mas, ao conseguir, continuou</p><p>a penteá-los, distraída. De repente percebeu que estava sendo observada e</p><p>instintivamente olhou para trás e viu Wulfgar sorrindo.</p><p>– Bom dia, milady.</p><p>Ela o cumprimentou e voltou a pentear o cabelo, consciente de que era</p><p>examinada atentamente. Qualquer tarefa, por mais simples que fosse,</p><p>quando executada perto dele, tornava-se íntima e estimulava sensações que</p><p>seria prudente não questioná-las.</p><p>Wulfgar �cou olhando para ela um pouco mais e se levantou para pegar</p><p>suas roupas. Anwyn procurou �xar a atenção no que fazia. Para não afetá-la,</p><p>ele vestiu a calça antes de atravessar o quarto para lavar o rosto. Em seguida,</p><p>vestiu a blusa, a túnica, o cinto e calçou os sapatos. Em poucos minutos, ele</p><p>estava pronto para encarar o dia.</p><p>– Com sua licença, Anwyn, preciso falar com Hermund e Ina sobre o</p><p>treinamento dos homens.</p><p>– Claro.</p><p>– Então, nos vemos mais tarde.</p><p>Assim dizendo, ele saiu do quarto e Anwyn respirou aliviada.</p><p>WULFGAR MANTEVE os homens</p><p>ocupados durante toda a manhã com uma</p><p>rigorosa rotina de exercícios militares. Ina o ajudou na tarefa, enquanto</p><p>Hermund organizou as patrulhas do dia. Ingvar estava ciente do novo</p><p>comando de Drakensburgh, mas isso não queria dizer que estivesse de</p><p>acordo. Pensando nisso, Wulfgar enviou meia dúzia de patrulhas que se</p><p>revezavam para cobrir as diferentes áreas da propriedade. Esses homens</p><p>eram os olhos e ouvidos de Wulfgar, que não podia �car sem eles. Ele</p><p>também pediu a Ina que recrutasse mais guerreiros para Drakensburgh na</p><p>população local. Quando chegasse a hora de partir, ele queria ter certeza de</p><p>que podia contar com um batalhão adequado para cobrir sua ausência.</p><p>– Acho que não será difícil encontrar voluntários – disse Ina. – O maior</p><p>problema será torná-los bons guerreiros.</p><p>Wulfgar meneou a cabeça.</p><p>– Temos homens experientes que podem treiná-los. Com um treinamento</p><p>intensivo e por pouco tempo, podemos deixá-los em forma.</p><p>Eyvind vinha acompanhando o treinamento de perto e olhou para</p><p>Wulfgar, brandindo uma espada de madeira.</p><p>– Quero lutar também.</p><p>– Um dia chegará sua vez – respondeu Wulfgar. – Mas você precisa</p><p>aprender primeiro. – Ele se ajoelhou ao lado do menino. – Você precisa</p><p>segurar a espada assim… isso. Ótimo. Agora vamos tentar os movimentos</p><p>básicos…</p><p>ANWYN FOI procurar o �lho e o encontrou praticando com seu grande</p><p>mentor. Os dois estavam tão entretidos que não repararam na chegada dela.</p><p>Anwyn aproveitou para observá-los sem ser vista. Eyvind imitava os</p><p>movimentos de Wulfgar, seguindo atentamente cada comando. Ina estava</p><p>perto dela, observando-os também.</p><p>– Você não acha que Eyvind ainda é muito pequeno para isso? –</p><p>perguntou ela.</p><p>O velho guerreiro sorriu.</p><p>– Ele está ansioso para aprender, milady.</p><p>– Tem razão. Desde que você lhe deu a espada de madeira, ele não fala em</p><p>outra coisa.</p><p>– É bom que ele aprenda algumas manobras simples.</p><p>– Acho que você tem razão. – Anwyn relanceou o olhar para os outros</p><p>homens lutando, e Ina percebeu que ela estava preocupada.</p><p>– Ele não se machucará, milady.</p><p>Percebendo que havia se preocupado demais, ela sorriu.</p><p>– É verdade, não há perigo algum.</p><p>Wulfgar desviou a atenção de Eyvind e, ao ver Anwyn, sorriu. Eyvind</p><p>seguiu o olhar de Wulfgar e um largo sorriso iluminou-lhe o rosto. Era</p><p>provável que aquele fosse um dos dias mais felizes de sua vida. A visão a</p><p>deixou com um nó na garganta. Era evidente o quanto a vida tinha mudado</p><p>desde a chegada de Wulfgar. E as melhorias vieram de maneiras inesperadas.</p><p>Sem querer perturbá-los, ela permaneceu onde estava, observando de longe.</p><p>DEPOIS DE dez minutos, Wulfgar terminou a lição.</p><p>– Já lutamos o su�ciente por hoje. Pratique o que eu lhe ensinei.</p><p>– Podemos treinar amanhã de novo? – indagou Eyvind.</p><p>– Claro que sim. – Wulfgar bagunçou o cabelo do menino.</p><p>Depois os dois foram se encontrar com Anwyn e Ina.</p><p>Enquanto Eyvind começou um relato animado com Ina, Anwyn olhou</p><p>para Wulfgar para se desculpar.</p><p>– Espero que Eyvind não esteja perturbando muito.</p><p>– De jeito nenhum. Basta ensinar uma vez e ele aprende.</p><p>Wulfgar foi sincero, o que trouxe um sorriso de felicidade ao rosto de</p><p>Anwyn. Era sempre bom ouvir alguém elogiar o �lho, e de alguma forma as</p><p>palavras de um homem pareciam valer mais. Ela já havia observado como os</p><p>recrutas o ouviam com atenção e como os guerreiros procuravam sua</p><p>aprovação. Se guerreiros comprovados valorizavam a aprovação de Wulfgar,</p><p>signi�caria muito mais para uma criança. A paciência e a tolerância de</p><p>Wulfgar encheram o coração de Anwyn de alegria.</p><p>– Ele parece outra criança. Mal o reconheço.</p><p>– Mesmo assim acho que você não está descontente.</p><p>– Não. É assim que deve ser.</p><p>Anwyn sentiu uma pontada súbita no peito, ao se dar conta que Eyvind</p><p>cresceria e se afastaria dela, seguindo o caminho de um guerreiro, que era</p><p>seu direito. A infância era curta demais. Essa era uma das razões pelas quais</p><p>ela agradecia pelas in�uências que ele tinha agora. Um menino precisava de</p><p>um modelo para seguir.</p><p>Sem saber o que ela pensava, Wulfgar a observou com curiosidade. O</p><p>amor pelo �lho era imenso, mesmo que o pai fosse Torstein.</p><p>– Você não teve outros �lhos? – Ele quis saber.</p><p>– Não.</p><p>A pergunta transformou o momento alegre em tensão. Wulfgar reprovou</p><p>mentalmente sua falta de habilidade. As mulheres sempre perdiam bebês e</p><p>crianças, e as perdas deixavam cicatrizes profundas.</p><p>– Desculpe-me, eu não quis bisbilhotar sua vida.</p><p>– Não faz mal. – Ela o encarou nos olhos. – Foi minha escolha ter um</p><p>único �lho.</p><p>Ele a olhou procurando analisar a resposta, até que começou a entender as</p><p>razões dela.</p><p>– Você quer dizer que…</p><p>– …se eu tomei providências para não engravidar? Sim, tomei. – Ela fez</p><p>uma pausa antes de continuar: – Você �cou chocado?</p><p>Wulfgar tinha �cado chocado sim, mas preferiu não expor sua opinião.</p><p>– Você teve razões para tomar medidas assim.</p><p>– O parto de Eyvind foi difícil. Na época, pensei que fosse morrer, mas</p><p>sobrevivi. Dei um herdeiro a Torstein e jurei que não daria mais nenhuma</p><p>criança a um homem que eu odiava.</p><p>– Como você… – Ele se calou, e emendou: – Quero dizer, você não se</p><p>negou a ir para cama com ele.</p><p>– Não, tive que suportar isso, mas há maneiras de uma mulher evitar a</p><p>gravidez.</p><p>– Entendo… – De repente o ódio dela �cou claro, o que chegou a chocá-</p><p>lo também, apesar de entendê-la. – Você se arriscou bastante. Se ele tivesse</p><p>descoberto…</p><p>– Eu estaria morta. Mas, na época, eu não me importava muito.</p><p>– E, mesmo assim, você ama seu �lho.</p><p>– Ele é inocente.</p><p>– Por que está me contando tudo isso? – Wulfgar quis saber, encarando-a.</p><p>– Porque você perguntou e porque…</p><p>– Por quê?</p><p>– Não quero mentir para você.</p><p>Wulfgar hesitou, escolhendo bem as palavras para perguntar:</p><p>– Isso quer dizer que você não quer ter mais �lhos?</p><p>A pergunta tinha sido casual, mas mesmo assim a deixou com um aperto</p><p>no coração.</p><p>– Eu havia decidido não ter mais �lhos com Torstein.</p><p>– Só com ele?</p><p>– Nunca imaginei que teria outro homem além de Torstein. Eu achava</p><p>que nunca estaria livre dele.</p><p>– E agora?</p><p>– Sob as atuais circunstâncias, essa pergunta não é muito relevante, é?</p><p>Até aquele momento, Wulfgar não tinha pensado no assunto, mas agora</p><p>os termos do acordo se interpunham entre eles com uma fria clareza. O</p><p>casamento deles era apenas no papel, a proteção tinha sido comprada com</p><p>ouro e depois ele teria o condado. Por causa dos eventos dos últimos dias e a</p><p>proximidade conquistada, ele havia se esquecido do que haviam combinado.</p><p>Quando olhava para Eyvind imaginava outros �lhos, seus �lhos. E imaginar</p><p>ter �lhos de Anwyn despertou uma mágoa antiga que ele julgava enterrada</p><p>havia muito tempo. Julgou-se o mais tolo dos tolos ao permitir que a</p><p>imaginação sobrepujasse o bom senso. Anwyn o tinha lembrado qual era a</p><p>realidade.</p><p>Filhos signi�cariam mais complicações às circunstâncias complexas em</p><p>que se encontravam. Ele devia estar aliviado por estar livre daquela</p><p>possibilidade. A�nal de contas, ele havia concordado com os termos dela e</p><p>vice-versa. Wulfgar deu uma tossidela antes de responder:</p><p>– Não, você tem razão. Não é viável sob as atuais circunstâncias.</p><p>Capítulo 15</p><p>NOS DIAS em que se seguiram, recrutas chegaram de toda a parte, jovens</p><p>ansiosos para aprender a arte da guerra. Além disso, as patrulhas diárias nas</p><p>fronteiras mantinham os homens ocupados. Wulfgar delegou parte do</p><p>trabalho, assim poderia �car livre para cuidar de outros aspectos dos</p><p>afazeres quando bem entendesse. Todos �cavam sempre alertas, pois nunca</p><p>sabiam onde ou quando ele estaria. Aqueles guerreiros que haviam recém-</p><p>jurado lealdade a Drakensburgh estavam ansiosos para provar sua</p><p>competência, principalmente os recrutas.</p><p>Anwyn estava certa em ter recomendado Ina a Wulfgar e, de fato, o velho</p><p>guerreiro era uma ajuda imprescindível. Apesar de mais velho, Ina ainda</p><p>estava em boa forma e era rápido… como descobriram os recrutas a duras</p><p>penas. Não foram poucos os que voltaram do treinamento como se fossem</p><p>carneirinhos e com uma atitude bem mais respeitosa. Era raro Ina levantar a</p><p>voz; geralmente bastava que levantasse uma das sobrancelhas para intimidar</p><p>um soldado</p><p>a voltar ao seu devido lugar. Wulfgar assistia a tudo, aprovando</p><p>em silêncio.</p><p>Ele só via Anwyn no começo e no �nal do dia. Ela também tinha seus</p><p>afazeres domésticos a cumprir e empregados para supervisionar. Mesmo</p><p>assim, de vez em quando ele se via olhando para onde ela poderia estar para</p><p>ao menos vê-la de longe.</p><p>Anwyn não se demorava muito à mesa do jantar, recolhendo-se ao quarto</p><p>cedo. Quando ele chegava ao quarto, ela já estava dormindo. Wulfgar não</p><p>estava gostando daquele comportamento. Era como se ela o estivesse</p><p>evitando.</p><p>Por sua vez, Eyvind era muito mais receptivo. Havia levado a sério tudo o</p><p>que aprendera e não perdia uma oportunidade de praticar. Wulfgar separava</p><p>sempre algum tempo para �car com o menino, observando-o repetir o que</p><p>tinha aprendido e ensinando-lhe outros movimentos. Eyvind �cava radiante</p><p>com cada elogio, enrubescendo de alegria. Wulfgar imaginou que Torstein</p><p>nunca tinha se importado com o �lho.</p><p>– Ele é um garoto de ouro – comentou Ina, quando Wulfgar puxou</p><p>conversa. – Torstein não gostava de criança. Ele não tinha paciência</p><p>nenhuma e, se não estivesse em seus melhores momentos, agia com um</p><p>temperamento horrível com o menino.</p><p>– E, ainda assim, ele teve um �lho que daria orgulho a qualquer homem.</p><p>– Se, por acaso, ele teve uma pontinha de orgulho, então fez questão de</p><p>esconder bem.</p><p>O que Ina havia contado completava o que Anwyn já tinha dito sobre o</p><p>falecido marido. Não era à toa que ela não queria ter mais �lhos com ele.</p><p>Apesar do choque inicial, quando a ouvira dizer aquilo, depois de saber mais</p><p>sobre Torstein, Wulfgar não poderia censurá-la. Mas, no �nal das contas,</p><p>tinha sido uma pena, pois �lhos como Eyvind só trariam alegria a um pai.</p><p>Wulfgar se surpreendeu pensando que seria bom ser pai de um �lho de</p><p>Anwyn. No entanto, sabia que a paternidade era uma responsabilidade</p><p>sagrada e ele já havia falhado uma vez. Toki tinha três anos quando morrera.</p><p>Que tipo de homem ele teria se tornado? Wulfgar suspirou. Quando dissera</p><p>a Anwyn que não fazia o tipo “bom marido” havia confessado a mais pura</p><p>verdade.</p><p>Outra aula prática com Eyvind serviu para afastar esses pensamentos da</p><p>cabeça dele.</p><p>Eyvind golpeava com força a proteção de ferro do braço de Wulfgar,</p><p>procurando uma maneira de fazê-lo baixar a guarda. No entanto, todos os</p><p>movimentos que fazia não atingiam outra parte do corpo de Wulfgar que</p><p>não a proteção do braço. Durante uma das tentativas, Wulfgar viu de canto</p><p>de olho um vestido cor de malva e olhou para o lado instintivamente.</p><p>Eyvind aproveitou o momento de distração e en�ou a espada de madeira</p><p>entre as costelas de Wulfgar.</p><p>– Consegui! – gritou Eyvind, saltando e brandindo a espada. – Você está</p><p>morto!</p><p>Wulfgar rugiu alto, com a mão na lateral do corpo. E, depois de alguns</p><p>passos cambaleando, �ngiu cair morto. Eyvind caiu na gargalhada.</p><p>– Lorde Wulfgar está morto! Eu o matei!</p><p>Os homens que estavam por perto viram a cena e começaram a rir.</p><p>Eyvind levantou os punhos fechados no ar, comemorando a vitória. No</p><p>entanto, quando deu as costas, “o morto” se levantou e o ergueu no ar. O</p><p>menino gritou, mas logo começou a rir, quando os mesmos braços fortes</p><p>que o tinham agarrado o viraram de cabeça para baixo.</p><p>– Isso foi uma lição – disse Ina. – Certi�que-se de que o inimigo esteja</p><p>morto mesmo antes de lhe dar as costas.</p><p>– É verdade. Caso contrário, você acabará morto. – Wulfgar virou o</p><p>menino para cima e o segurou no colo. – Você está de parabéns, pois</p><p>conseguiu me atingir. Foi um golpe muito bom.</p><p>Eyvind sorriu timidamente. Quando olhou por cima do ombro de seu</p><p>mentor, abriu um sorriso.</p><p>– Mamãe!</p><p>O coração de Wulfgar deu um salto ao ver Anwyn com uma expressão no</p><p>rosto que ele nunca vira antes. Ela estava com um semblante de alegria e</p><p>orgulho, difícil de ser identi�cado, mas que a tinha transformado.</p><p>– Mamãe, você me viu matar lorde Wulfgar?</p><p>– Vi, sim.</p><p>Anwyn tinha de fato assistido a tudo com o coração inchado. Nunca</p><p>imaginara que um homem como Wulfgar perderia tanto tempo com uma</p><p>criança. Ela o viu colocar o menino no chão. Em seguida, tirou a proteção</p><p>do braço e entregou a Ina. Para incentivar Eyvind a continuar a praticar, ele</p><p>se dirigiu a Anwyn.</p><p>– Ele aprende rápido.</p><p>– Nunca sonhei que ele �zesse tanto progresso, e você é o responsável por</p><p>isso. – Ela fez uma pausa e �tou-o nos olhos. – Obrigada.</p><p>O brilho no olhar dela fez com que o coração dele disparasse. O</p><p>comportamento formal que ela vinha mantendo se esvaiu, dando lugar a</p><p>uma grande ternura… ternura e vulnerabilidade. Eram reações que ela havia</p><p>escondido durante anos, mas o homem certo seria capaz de vislumbrá-las. O</p><p>passado a havia ferido muito. Wulfgar teve o ímpeto de abraçá-la e beijá-la</p><p>como se assim fosse possível apagar toda a dor, mas ele se conteve. Era bem</p><p>provável que ela não aceitasse a carícia e ele tampouco a forçaria. De um</p><p>jeito ou de outro, estava claro que o passado não se apagaria com um beijo.</p><p>– Foi um prazer – disse ele com toda sinceridade.</p><p>Em outras circunstâncias ele teria feito o mesmo com Toki. Wulfgar se</p><p>esforçou para desfazer o nó que se formou em sua garganta.</p><p>– Foi um prazer para Eyvind também – disse Anwyn, sorrindo. Olhou</p><p>para os outros aprendizes. – Você está satisfeito com o treinamento?</p><p>– Aye, sim. Ina tem sido de grande ajuda. Você estava certa quando me</p><p>aconselhou a pedir ajuda a ele.</p><p>– Ele tem sido como uma rocha desde a morte de Torstein.</p><p>– Posso imaginar.</p><p>– Ina deve tê-lo em alta estima, caso contrário ele não se pronti�caria a</p><p>ajudá-lo.</p><p>– Fico muito honrado.</p><p>A sinceridade de Wulfgar a deixou muito feliz, mais do que ela imaginara.</p><p>Na verdade, era difícil de�nir os sentimentos que lhe inundavam o coração.</p><p>Mas ela tinha certeza de que a companhia de Wulfgar era muito mais</p><p>agradável do que poderia supor. Havia, porém, uma atração inegável, que</p><p>ainda representava um perigo iminente. Por essa razão, ela vinha tentando</p><p>�car distante nos últimos dias. No entanto, por mais que tentasse, a saudade</p><p>lhe abatia o coração.</p><p>O silêncio entre eles se prolongou e ela relanceou o salão, lembrando-se</p><p>de que tinha de pedir licença e se retirar. Wulfgar percebeu e tomou a</p><p>iniciativa de falar primeiro:</p><p>– Tenho de inspecionar as patrulhas essa tarde. Por que não vem comigo?</p><p>Anwyn piscou os olhos, surpresa, e tentou se desculpar.</p><p>– Bem… eu… eu não tinha planejado.</p><p>– Claro que não, pois só estou convidando-a agora. – Ele riu. – Isso se</p><p>chama espontaneidade.</p><p>– Sim, mas eu não devia… quero dizer, não é… – Anwyn parou de falar,</p><p>corando.</p><p>Wulfgar percebeu que ela tinha interesse e insistiu:</p><p>– Não?</p><p>Ela poderia ter dado várias desculpas, mas nenhuma delas era plausível.</p><p>Assim, ela meneou a cabeça.</p><p>– Tanto faz.</p><p>– Ótimo. Então, você irá comigo. – Ele a prendeu pelo olhar. – Aliás, essa</p><p>não foi uma pergunta.</p><p>Ela ergueu o queixo em desa�o.</p><p>– Você tem ideia de como é autoritário às vezes?</p><p>– Não, mas você pode me dizer essa tarde. Os cavalos estarão prontos ao</p><p>�nal do treinamento. – Ele baixou a cabeça e deixou-a encarando-o.</p><p>– Que homem impossível – disse ela, reprimindo um sorriso.</p><p>NAQUELA NOITE, Anwyn não se apressou a deixar o salão depois da refeição,</p><p>ouvindo as conversas e opinando quando julgava apropriado. Mas foi</p><p>�cando tarde e ela anunciou a intenção de se retirar. Esperava que Wulfgar</p><p>lhe desejasse uma boa noite e continuasse à mesa, mas estava enganada.</p><p>– Foi um longo dia – ele explicou aos demais. – Vou para a cama.</p><p>Ela consentiu com um sinal de cabeça. De fato, havia sido um longo dia,</p><p>mas longe de ter sido entediante. Eles saíram do salão e pararam por um</p><p>instante. Os tocheiros estavam acesos, mas, apesar de ser noite alta, a</p><p>temperatura estava agradável e a brisa trazia o perfume doce da mata. Estava</p><p>bem mais agradável do que o salão. Como em um acordo mútuo, embora</p><p>silencioso, eles decidiram seguir para a antessala do quarto. Mal haviam</p><p>começado a andar, quando uma �gura surgiu da escuridão e se jogou para</p><p>cima de Wulfgar. Anwyn viu a adaga e começou a gritar. Os re�exos</p><p>aguçados de Wulfgar o salvaram. Ele se virou e jogou-se de lado, e a lâmina</p><p>que deveria</p><p>tê-lo acertado no coração feriu-lhe o braço. Louco de raiva, ele</p><p>voou para cima do atacante, segurando-lhe o pulso, forçando-o para baixo.</p><p>Os dois homens rolaram na grama. Os tocheiros iluminavam os dois em</p><p>uma luta ferrenha ao som de respirações ofegantes. O oponente virou-se de</p><p>repente e pressionou a adaga no pescoço de Wulfgar, que subiu o joelho,</p><p>acertando-o na virilha. O atacante urrou de dor e soltou a adaga. Segundos</p><p>depois, Wulfgar tateou a grama e, ao encontrar a adaga, foi surpreendido</p><p>pelo atacante, que o segurou pelo pescoço. Sufocado e quase sem ar, Wulfgar</p><p>ainda teve forças para acertar as costelas do atacante. No mesmo instante, o</p><p>estranho soltou o pescoço de Wulfgar, que aproveitou a oportunidade para</p><p>empurrá-lo para trás. Ao se levantar, apertou o braço ferido com a mão. O</p><p>sangue escorria por entre seus dedos.</p><p>– Wulfgar, você está ferido! – exclamou Anwyn, postando-se ao lado dele.</p><p>– Foi apenas um arranhão.</p><p>Não demorou muito para que vozes e passos anunciassem a chegada dos</p><p>homens que estavam no salão, empunhando suas espadas.</p><p>– O que houve? – perguntou Hermund, antes de olhar para o corpo caído</p><p>no gramado. – Está tudo bem, milorde?</p><p>– Quase. – Wulfgar assentiu com a cabeça.</p><p>– Quem é ele?</p><p>Ina abriu espaço entre o grupo, munido de uma tocha, e aproximou-se do</p><p>atacante, revelando um rosto familiar.</p><p>– orkil – murmurou Anwyn. – Que traição é essa?</p><p>– Vasculhem tudo. – Wulfgar franziu o cenho. – Deve haver cúmplices. Se</p><p>encontrarem alguém, tragam-no até mim… vivo.</p><p>Os homens saíram correndo e ele olhou para Anwyn. Ela estava branca de</p><p>medo.</p><p>– Ele a machucou, querida?</p><p>– Não estou machucada.</p><p>– Graças aos deuses. – Ele a segurou pela cintura com o braço que não</p><p>estava ferido. – Nossa, você está tremendo!</p><p>Anwyn aninhou-se no peito dele, confortando-se com o calor do corpo</p><p>forte. Ouviram gritos a distância e sons típicos de luta.</p><p>– Eles encontraram alguém – murmurou ela.</p><p>– É o que parece. – Wulfgar contraiu o maxilar.</p><p>Os homens voltaram pouco tempo depois, arrastando um prisioneiro.</p><p>Pelas roupas rasgadas e o rosto machucado, �cou claro que ele tinha</p><p>resistido, mas, como a luta era um contra vários, acabou perdendo. Ele foi</p><p>levado a Wulfgar com as mãos atadas. Mesmo com sangue no rosto, Anwyn</p><p>o reconheceu.</p><p>– Sigurd! Ele era um dos companheiros de orkil.</p><p>– Nós o encontramos escondido na o�cina do ferreiro, milorde – disse</p><p>Hermund.</p><p>– Algum sinal de outros cúmplices? – perguntou Wulfgar.</p><p>– Ainda não, mas as buscas continuam. – Hermund levantou a ponta da</p><p>espada, pressionando-a contra o pescoço de Sigurd. – Enquanto isso, vamos</p><p>ver o que esse traste tem a nos dizer.</p><p>– Sou um homem morto mesmo. Por que diria alguma coisa? –</p><p>perguntou o prisioneiro, com o olhar �xo em Hermund.</p><p>– Depende de como quer morrer, se rápido ou bem devagar – respondeu</p><p>Hermund.</p><p>Anwyn engoliu em seco. Sigurd não se parecia com o homem sorridente e</p><p>fácil de conviver que conhecera. Os rostos dos guerreiros ao seu lado</p><p>pareciam ter sido talhados em rocha, não expressando nenhum traço de</p><p>pena ou piedade.</p><p>– E, então? – perguntou Wulfgar, fuzilando o prisioneiro com o olhar.</p><p>Sigurd olhou ao redor e passou a língua nos lábios secos.</p><p>– Está bem.</p><p>– Comece a falar.</p><p>– orkil queria matá-lo esta noite.</p><p>– Isso eu percebi. Quem o incentivou?</p><p>– Ingvar.</p><p>Os homens trocaram olhares e em seguida começaram a praguejar de</p><p>ódio e desprezo.</p><p>– O que ele ofereceu em troca, seu vagabundo? – exigiu Hermund.</p><p>– Um lugar no batalhão dele e uma recompensa em prata.</p><p>– E qual era sua função nessa trama? – perguntou Wulfgar.</p><p>– Ajudá-lo a entrar em Drakensburgh e terminar o trabalho, caso ele</p><p>falhasse.</p><p>Mais pragas foram rogadas. Anwyn gelou só em pensar o que poderia ter</p><p>perdido naquela noite.</p><p>– E como você entrou? – continuou Wulfgar.</p><p>– Usei um gancho de ferro e uma corda para subir o muro. Depois nos</p><p>escondemos e aguardamos a melhor oportunidade de atacar.</p><p>– Bem, você perdeu a oportunidade, seu porco sujo – grunhiu Hermund,</p><p>pressionando a espada mais perto e desenhando uma linha de sangue no</p><p>pescoço de Sigurd.</p><p>– Pode me matar, mas não vai adiantar nada – disse Sigurd. – Ingvar vai</p><p>acabar com sua raça e reduzir este lugar a cinzas.</p><p>Wulfgar içou uma das sobrancelhas.</p><p>– E como ele pretende fazer isso?</p><p>– Ingvar planeja atacar.</p><p>– Quando?</p><p>– Não sei. – A espada de Hermund cutucou-o e Sigurd rangeu os dentes.</p><p>– Se eu soubesse eu diria.</p><p>– Posso acabar com ele agora? – indagou Hermund.</p><p>Wulfgar não respondeu de imediato, mas se aproximou do prisioneiro.</p><p>– Ainda não. Vamos dar a chance de ele pensar melhor. Acorrentem-no</p><p>no canil com os cachorros.</p><p>Sigurd engoliu em seco. Pensando nos cachorros ferozes, Anwyn</p><p>estremeceu.</p><p>Aqueles animais tinham sido o orgulho de Torstein. Eram doze criaturas</p><p>grandes e selvagens, que chegavam à altura da cintura de Anwyn e pesavam</p><p>mais que um homem. Eles podiam abater um veado ou um javali com</p><p>facilidade.</p><p>– Será um prazer – respondeu Hermund. – Eu já alimentei os cachorros, o</p><p>que é uma pena. É provável que este pária apanhe pouco.</p><p>Os homens murmuraram desgostosos com o castigo.</p><p>– Ah, bem, não há como saber – disse Asulf, suspirando.</p><p>Os outros concordaram, admitindo a justiça.</p><p>– Além do mais, os cachorros ainda podem estar com fome – comentou</p><p>rand.</p><p>– Por que não vamos veri�car?</p><p>Segurando Sigurd pelos braços, os dois homens o arrastaram,</p><p>acompanhados pelos outros. Wulfgar os observou partir e virou-se para os</p><p>companheiros.</p><p>– Vamos redobrar a guarda daqui para a frente e aumentar o número de</p><p>patrulhas.</p><p>– Você tem razão. – Hermund sinalizou o braço ferido de Wulfgar. –</p><p>Enquanto isso, é melhor cuidar desse ferimento.</p><p>– Ele tem razão, milorde – disse Anwyn, antecipando-se e apontando para</p><p>a antessala. – Vamos.</p><p>Wulfgar não discutiu e a acompanhou. Ao entrar, baixou a trava da porta</p><p>e seguiu para o quarto. Anwyn pegou alguns pedaços de pano e água, feliz</p><p>em poder ajudar. A ideia de uma ameaça escondida entre eles era ruim, mas</p><p>as consequências eram muito piores. Quando viu a adaga do assassino a</p><p>centímetros do coração de Wulfgar, entendeu o que seu coração vinha lhe</p><p>dizendo há algum tempo.</p><p>Ao colocar a bacia e os pedaços de pano na mesa, ela olhou para a manga</p><p>da túnica dele encharcada de sangue. Tinha sido por muito pouco que não o</p><p>perdera naquela noite.</p><p>– Você precisa tirar a túnica.</p><p>Ele assentiu. Com a mão que não estava ferida, tirou o cinto e, depois,</p><p>com a ajuda de Anwyn, tirou a túnica e a blusa de baixo. O corte não era</p><p>muito profundo, apesar de ter sangrado muito.</p><p>– Podia ter sido pior – disse ele.</p><p>– Mas não está bom. Sente-se para que eu possa limpar.</p><p>Ele obedeceu e permitiu que ela cuidasse do ferimento, atento às mãos</p><p>hábeis que desempenhavam a tarefa.</p><p>– Você já fez curativos antes?</p><p>– Já sim, uma ou duas vezes. – Ela limpou todo o sangue do ferimento e</p><p>com cuidado aplicou um bálsamo de mel. – Isso não deixará infeccionar.</p><p>Ele murmurou alguma coisa, mas não se opôs. O toque delicado dos</p><p>dedos dela sobre a pele dele despertaram sensações agradáveis que</p><p>desviaram a atenção dele para uma direção bem diferente, mas ele procurou</p><p>se controlar.</p><p>Anwyn colocou um pedaço de pano limpo sobre o ferimento e depois o</p><p>enfaixou.</p><p>– Você deve �car com isso um dia ou dois – disse ela –, mas acho que o</p><p>corte cicatrizará fácil.</p><p>– Tenho certeza que sim. Muito obrigado.</p><p>– Você acha que Sigurd estava falando sério sobre um ataque a</p><p>Drakensburgh? – perguntou ela, ansiosa.</p><p>– É bem provável.</p><p>– E será que eles ganhariam?</p><p>– Pela força, não.</p><p>– Mas e se houver outra traição?</p><p>– É impossível prever. – Wulfgar a encarou. – Mas estaremos atentos.</p><p>– Bem, está claro que Ingvar o quer morto. Ele deve ter achado que</p><p>orkil fosse uma boa ferramenta para atingir seu propósito.</p><p>– Imagino que sim. orkil é um resmungão de cabeça quente.</p><p>– O que ele fez foi covardia, e agora ele pagará pelo crime. – Ela fez uma</p><p>pausa e emendou: – Mesmo assim, Wulfgar, você teve sorte.</p><p>– Você meu deu sorte.</p><p>– Eu achei… achei que ele o tivesse matado.</p><p>A voz dela soou trêmula, numa reação tardia, surpreendendo-o.</p><p>– Não sou fácil de</p><p>ser morto, minha querida. Você �caria em luto por</p><p>mim se ele tivesse conseguido?</p><p>– Claro que sim.</p><p>– Você poderia comprar outro protetor com ouro.</p><p>– Não estou interessada em outro protetor.</p><p>Os olhos dela se encheram de lágrimas, que ela procurou disfarçar,</p><p>virando o rosto. Mas ele a segurou pelos ombros, forçando-a a encará-lo. O</p><p>coração dele disparou com o que viu através dos olhos dela. Quando Anwyn</p><p>inclinou a cabeça, ele capturou-lhe os lábios com os dele. Wulfgar sentiu</p><p>quando ela o enlaçou pelo pescoço e correspondeu ao beijo com paixão. O</p><p>beijo foi se aprofundando, tornando-se mais íntimo, despertando o desejo</p><p>de ambos.</p><p>Enquanto saboreava o sabor doce dos lábios dela, ele a livrou do vestido,</p><p>que se empoçou aos pés dela. Depois, levantou a trança e soltou o laço,</p><p>deixando o cabelo cair solto sobre os dedos dele como �os de seda. Ele</p><p>sentiu o perfume doce e imediatamente sentiu o corpo reagir. Ao abraçá-la</p><p>com mais força, beijou-a com volúpia. Ela correspondeu, esquecendo-se de</p><p>todas as restrições às quais havia se imposto.</p><p>Wulfgar se afastou apenas para carregá-la até a cama, prendendo-a pelo</p><p>olhar. Ele terminou de se despir e deitou-se também. Em um silêncio</p><p>eloquente, segurou a camisola dela pela barra e levantou-a. Diante da</p><p>perfeição do corpo dela, ele se deteve para admirá-la, mas em seguida</p><p>acariciou-a com as mãos, incitando a chama do desejo mútuo. Tinham todo</p><p>o tempo do mundo e ele não queria se apressar e assustá-la, remetendo-a às</p><p>pavorosas relações que tivera no passado. O importante era proporcionar</p><p>prazer a ela, provocando-a e fazendo-a ansiar por mais.</p><p>Ele começou beijando-a na boca, para em seguida trilhar com pequenos</p><p>beijos o pescoço e, por �m, chegar aos seios. Ela estremeceu quando ele</p><p>delineou-lhe o seio com a ponta da língua para depois brincar com os</p><p>mamilos, mordiscando-os até que �cassem intumescidos. Enquanto se</p><p>deliciava em saborear a pele macia, Wulfgar viajava com as mãos pelas</p><p>curvas do corpo de Anwyn, passando por todos os recônditos e saliências</p><p>até �nalmente chegar ao refúgio secreto que residia entre as coxas bem</p><p>torneadas. Anwyn murmurou de prazer e se retorceu, enquanto ele a</p><p>acariciava com movimentos circulares. O perfume que ela exalava o</p><p>entorpecia. Era um sacrifício supremo não saciar o próprio desejo logo, mas,</p><p>naquele momento, ela era mais importante. Assim, continuou acariciando-a</p><p>em seu ponto mais sensível, fazendo-a delirar de desejo.</p><p>Quando a sentiu pronta, umedecida o su�ciente, ele a penetrou e não</p><p>encontrou nenhuma resistência. Em princípio estocou-a devagar,</p><p>restringindo-se, fazendo-a esperar. Anwyn sussurrava o nome dele,</p><p>suplicando para que ele a consumisse inteira. Ele a segurou pelo cabelo e</p><p>sorriu.</p><p>– Shhh… Está tudo bem. Você terá o que deseja, minha querida.</p><p>Aos poucos ele foi aumentando o ritmo dos movimentos. Anwyn</p><p>estremeceu, oferecendo-se ao afastar mais as pernas. Ao sentir uma estocada</p><p>mais forte, ela arregalou os olhos que agora haviam assumido um tom</p><p>esmeralda. Os lábios estavam inchados dos beijos deles, mas o corpo estava</p><p>totalmente relaxado e quente como se tivesse sido varrido por labaredas de</p><p>fogo, e tão doce quanto o mel.</p><p>Wulfgar sucumbiu ao desejo e se rendeu, penetrando-a mais algumas</p><p>vezes até atingir o clímax, urrando num êxtase intenso, que por pouco não</p><p>lhe roubou os sentidos. Saciado de tanto prazer, ele se apoiou nos braços. E,</p><p>ofegante, percebeu que cada célula de seu corpo estava viva. Não que já não</p><p>conhecesse o prazer de uma relação sexual, mas nada o preparara para estar</p><p>no centro de um furacão de sensações arrebatadoras.</p><p>Anwyn sentiu o coração pulsar como o mais estrondoso instrumento de</p><p>percussão, mas ainda tentava decifrar as emoções que acabara de sentir.</p><p>Sempre soubera que um homem podia tornar o ato de amor prazeroso para</p><p>uma mulher, mas nem em um milhão de anos imaginaria que chegaria aos</p><p>céus em pleno êxtase.</p><p>Ao mesmo tempo em que ainda estava incrédula, entendeu o quanto ele</p><p>havia sido paciente e cuidadoso. Ser tratada com tanto carinho estava</p><p>totalmente fora de sua realidade até então. A emoção levou-a a lágrimas de</p><p>felicidade. A partir daquele momento, Wulfgar não era apenas seu marido</p><p>no papel, mas sim o homem de sua vida, e ela não se importava com o</p><p>quanto isso pudesse soar como uma bobagem.</p><p>– Isso foi magní�co – disse ele, sorrindo e acariciando-a no rosto.</p><p>– Foi mesmo. – Ela sorriu.</p><p>– Desejei que isso acontecesse desde que a vi pela primeira vez.</p><p>– Ainda bem que você se comportou, levando em consideração o número</p><p>de espectadores.</p><p>– Aye, podia ter gerado uma comoção geral.</p><p>– Ingvar teria tido um ataque de apoplexia.</p><p>– Por mim, Ingvar pode fornicar com Hela.</p><p>– Hum… Ela pode não estar preparada.</p><p>– Então, ela que o mande direto para o inferno. Esqueça-o.</p><p>– Você está com ciúmes? – indagou ela, içando uma das sobrancelhas.</p><p>– Morrendo de ciúmes. Não quero que você nem pense nele.</p><p>– Então, já o esqueci.</p><p>– Ótimo. – Ele a puxou para mais perto. – Acho que serei forçado a</p><p>mandá-lo para outro lugar.</p><p>– Como pretende fazer isso? – indagou ela, �tando-o através dos cílios</p><p>semicerrados.</p><p>– Você não faz ideia, Anwyn?</p><p>As implicações do que ele dissera a deixaram corada.</p><p>– Você não tem vergonha, não é?</p><p>– Não mesmo. – Ele abriu um sorriso irônico.</p><p>Capítulo 16</p><p>ANWYN DORMIU profundamente e acordou logo depois do amanhecer.</p><p>Demorou um pouco para perceber que tinha acordado com alguém</p><p>beijando seu ombro. Ela sorriu, espreguiçou-se e virou-se para olhar para</p><p>Wulfgar.</p><p>– Bom dia, minha esposa.</p><p>Ser chamada de esposa a remeteu à noite passada.</p><p>– Bom dia, meu marido.</p><p>Wulfgar se aproximou e gentilmente mordiscou o lóbulo da orelha dela,</p><p>em seguida penetrou-a com a ponta da língua, fazendo-a tremer inteira.</p><p>– O desejo ainda não passou, milorde?</p><p>– Nunca.</p><p>Ele se posicionou melhor e a beijou, ao mesmo tempo em que suas mãos</p><p>passeavam pelo corpo dela, deixando-a umedecida. A exploração libidinosa</p><p>continuou sem pressa. Anwyn correspondeu, roçando o corpo contra o dele,</p><p>querendo proporcionar o mesmo prazer que recebia. Lembrou-se do que</p><p>Torstein gostava, mas sem medo ou asco, apenas o desejo de proporcionar</p><p>prazer. Assim, suas carícias passaram a ser mais íntimas. Wulfgar prendeu a</p><p>respiração, sentindo-se cada parte de seu corpo despertar. Ele se virou para</p><p>�tá-la, mas foi empurrado gentilmente, e ela cobriu o corpo dele com seu</p><p>peso. Wulfgar a penetrou e ela contraiu os músculos íntimos para aumentar</p><p>o prazer. Com os corpos fundidos, ela se sentou e começou a cavalgá-lo,</p><p>primeiro devagar e depois em um ritmo frenético até que ambos gritaram</p><p>em uníssono atingindo o clímax juntos.</p><p>Ela se deixou cair sobre a cama, saciada e plena, assim como ele. Wulfgar</p><p>lhe afagou o cabelo, pensando que sempre soubera que ela era uma mulher</p><p>apaixonante, mas nunca a imaginara tão sensual. Quando por vezes sonhava</p><p>em deitar-se com ela não esperava que seria aquele maremoto de delícias.</p><p>Em princípio, seu propósito era atiçar o desejo dela, mas não esperava que</p><p>ele próprio �caria naquele estado de total entrega.</p><p>Mas não se tratava apenas de desejo. Anwyn reavivava emoções que ele</p><p>julgara nunca mais sentir. Muitas mulheres tinham passado pela vida dele</p><p>nos últimos anos, mas todas lhe proveram com prazer físico apenas. Ele as</p><p>usava e as esquecia. Nenhum homem esqueceria Anwyn… a não ser que</p><p>estivesse morto.</p><p>De repente, lembrou-se da aliança que pretendia estabelecer com Rollo e</p><p>a aventura que aquilo signi�caria. Seria uma aliança muito lucrativa. Claro</p><p>que o risco também era grande. Os deuses o tinham favorecido com a sorte</p><p>de sobreviver aos combates, mas a situação poderia se reverter e não durar</p><p>para sempre. Ele estava com 27 anos. Quantos anos ainda teria quando as</p><p>Nornas decidissem mudar seu destino? E quanto desse tempo passaria com</p><p>Anwyn? Era provável que fossem poucos minutos. Ele franziu a testa. Essa</p><p>era a realidade de sua vida, mas não seria fácil deixar Anwyn, ainda mais</p><p>agora. Desde que a conhecera, desejara possuí-la e estava determinado a</p><p>tanto. Sua vontade era explorar ao máximo as relações sexuais. No entanto,</p><p>não tinha previsto que se envolveria emocionalmente. Sentia-se dominado</p><p>por um sentimento que julgara incapaz de sentir de novo. Era um</p><p>sentimento que fora se desenvolvendo aos poucos até dominá-lo por</p><p>completo. Não podia se esquecer de que não estava lidando apenas com seus</p><p>sentimentos. Ao ter essa ciência, sentiu o coração pesar com a culpa.</p><p>Suspirando e cuidando para não acordar a esposa adormecida, ele se</p><p>levantou e começou a se vestir. O curativo no braço era um lembrete de que</p><p>tinha outras coisas para cuidar. Mudando o curso dos pensamentos para</p><p>eventos mais imediatos, ele se vestiu rápido.</p><p>QUANDO ANWYN acordou, ele já tinha saído do quarto. Sentindo-se culpada</p><p>por saber que tinha afazeres, tratou de levantar rápido. Banhou-se e se vestiu</p><p>com uma sensação de plenitude. O que havia acontecido na noite anterior a</p><p>tinha transformado profundamente, deixando-a em uma felicidade que seria</p><p>notada por qualquer um. Só em pensar, o rosto dela corou. Contudo, ao se</p><p>olhar em um pequeno disco de metal polido, percebeu que seu rosto não</p><p>tinha mudado. Involuntariamente levou as mãos à boca. Ainda podia sentir</p><p>os beijos de Wulfgar. O rosado dos lábios não dava nenhuma pista do</p><p>ocorrido, mas a lembrança a fez sorrir.</p><p>Nenhum dos empregados notou diferença alguma em seu</p><p>comportamento. Apenas Jodis percebeu o brilho intenso dos olhos de sua</p><p>senhora.</p><p>– Milady está feliz hoje?</p><p>– Estou sim. A manhã não está gloriosa?</p><p>O tom de voz de Anwyn con�rmou as suspeitas de Jodis.</p><p>– É verdade – respondeu ela, sorrindo.</p><p>– Onde está Eyvind?</p><p>– Ele saiu cedo com Ina para treinar com a espada.</p><p>– Ele não pensa em mais nada – disse Anwyn. – Wulfgar o incentiva a</p><p>praticar.</p><p>– Os dois estão se tornando bons amigos. – Jodis meneou a cabeça.</p><p>Lembrando-se da paciência que Wulfgar demonstrara ao praticar com</p><p>Eyvind, Anwyn sorriu, concordando.</p><p>– Ele tem muito mais paciência do que Torstein.</p><p>– É uma pena que lorde Wulfgar não �cará aqui por muito tempo para</p><p>ajudar Eyvind a completar o treinamento.</p><p>Mesmo sem ter falado com segundas intenções, as palavras de Jodis</p><p>perturbaram Anwyn. No mesmo momento, lembrou-se de Wulfgar dizendo:</p><p>Não �carei aqui para sempre… e não prometo amor eterno. A lembrança</p><p>roubou a alegria que sentia. Mas infelizmente aquela era a mais pura</p><p>verdade. Ele nunca a enganara.</p><p>– A senhora está bem, milady?</p><p>– Sim, claro. – Anwyn forçou um sorriso.</p><p>Havia uma pilha de roupas para consertar, mas, apesar das mãos dela</p><p>estarem ocupadas, sua mente estava livre para re�etir. O amor que havia</p><p>compartilhado com Wulfgar tinha sido maravilhoso, mas não duraria.</p><p>Nenhum dos dois esperava que o casamento fosse além de um acordo</p><p>comercial. O fato de ter se tornado algo maior não mudava nada. Aquele</p><p>breve interlúdio talvez fosse o único que teriam. Anwyn sentiu um vazio</p><p>dominar-lhe o coração. A perda seria insuportável e um futuro sem ele era</p><p>inconcebível. Os dias que haviam passado juntos tinham sido muito mais</p><p>intensos e repletos de alegrias do que todo o tempo que havia vivido até</p><p>então. A partida dele ocasionaria uma dor imensa e insuportável. Ainda</p><p>assim, se o tempo voltasse, ela teria feito a mesma coisa, pois assim, pelo</p><p>menos, teria conhecido a felicidade.</p><p>WULFGAR SE encontrou primeiro com Hermund e rand naquela manhã. A</p><p>busca tinha terminado, mas não encontraram outros cúmplices dos supostos</p><p>assassinos.</p><p>– Eles de fato pularam o muro, milorde. Encontramos a corda e o gancho</p><p>– informou rand.</p><p>– E as sentinelas não ouviram nada?</p><p>– Não, eu os interroguei.</p><p>– Os traidores escolheram o momento certo… a menos que alguém daqui</p><p>os tenha ajudado.</p><p>– Pensei nisso também. – Hermund meneou a cabeça. – É mais provável</p><p>que alguém de Drakensburgh os tenha ajudado do que nossos homens.</p><p>– Ainda não temos prova de nada – respondeu Wulfgar –, e não quero</p><p>criar um mal-estar com meras especulações. Não digam nada por enquanto.</p><p>Mas quero mais homens no portão e no muro. Ninguém entra ou sai sem</p><p>ser revistado e dizer o motivo da visita ou saída.</p><p>– Eu cuido disso, milorde. – rand mencionou sair, mas voltou ao se</p><p>lembrar de um detalhe: – O que quer que eu faça com o corpo de orkil?</p><p>– Mande a cabeça dele para Ingvar e enterre o resto.</p><p>– Está certo.</p><p>rand se afastou para cumprir as ordens de Wulfgar.</p><p>– Eu gostaria de ser uma mosca para ver a reação de Ingvar quando</p><p>souber que seu plano falhou, mas ele não demorará em arquitetar outro –</p><p>disse Hermund com um sorriso.</p><p>– Por isso precisamos nos antecipar.</p><p>– Como?</p><p>– Preciso de mais informações sobre quando e o que ele planeja.</p><p>– Hora de ter mais uma conversinha com Sigurd.</p><p>– Isso mesmo – disse Wulfgar.</p><p>A aparência de Sigurd depois de uma noite sem dormir e da experiência</p><p>de permanecer no canil não era das melhores. Mas isso não foi motivo para</p><p>que seu captor o tratasse com delicadeza. Mesmo assim, o prisioneiro ainda</p><p>apelou para um desa�o desesperado.</p><p>– Já sou um homem morto, independente do que eu fale ou não.</p><p>– É verdade – disse Hermund –, mas, como eu já tinha falado, há</p><p>diferentes maneiras de morrer.</p><p>Um músculo saltou no maxilar de Sigurd, mas ele continuou quieto.</p><p>Wulfgar o estudou em silêncio por alguns minutos, depois deu de ombros.</p><p>– Que seja… Coloque-o de volta no canil – ordenou, mas, antes que</p><p>Hermund o levasse, ele acrescentou: – Não alimente os cachorros nem hoje,</p><p>nem amanhã.</p><p>Sigurd revirou os olhos e olhou de um para o outro.</p><p>– Não, por favor…</p><p>– Você tem algo a me dizer? – indagou Wulfgar.</p><p>O prisioneiro assentiu com um sinal de cabeça.</p><p>– Ingvar pretende desviar sua atenção de Drakensburgh com um</p><p>estratagema.</p><p>– Que tipo de ardil?</p><p>– Ele pretende dividir as forças. Um pequeno grupo irá atear fogo em</p><p>uma das vilas e matar os habitantes. Enquanto você e seus homens estiverem</p><p>ocupados com isso, o resto do batalhão dele atacará Drakensburgh.</p><p>– Entendo… – O olhar de Wulfgar estava gélido. – E quando ele planeja</p><p>colocar isso em prática?</p><p>– Na noite de lua cheia.</p><p>– Faltam apenas dois dias – disse Hermund, franzindo a testa de</p><p>preocupação.</p><p>– Qual vilarejo? – perguntou Wulfgar.</p><p>– Aquele que �ca próximo à fronteira com Beranhold – respondeu Sigurd.</p><p>– Se você estiver mentindo… – Hermund colocou a mão sobre o punho</p><p>da adaga.</p><p>– É verdade, eu juro.</p><p>– É melhor que seja mesmo, seu �lho de uma égua.</p><p>– Vamos mantê-lo vivo até comprovarmos o que ele diz. Se for mentira, os</p><p>cães terão um banquete. Se for verdade, ele terá uma morte rápida – decidiu</p><p>Wulfgar.</p><p>– O que faço com ele enquanto isso? – perguntou Hermund.</p><p>– Acorrente-o naquele poste onde possamos vê-lo.</p><p>Depois que Hermund acorrentou Sigurd a um poste de madeira no meio</p><p>do pátio, Wulfgar o puxou de lado.</p><p>– Temos pouco tempo, mas quero estar pronto para Ingvar.</p><p>– Algum plano, milorde?</p><p>– Não, mas vou pensar em alguma coisa.</p><p>DEPOIS DA conversa com Hermund, Wulfgar foi supervisionar os treinos,</p><p>pensando em várias alternativas para combater Ingvar. Mesmo que não</p><p>muito signi�cativa, a possibilidade de haver um traidor em Drakensburgh</p><p>era uma complicação, que não devia ser deixada de lado. Até então, não</p><p>tinha do que reclamar, pois os homens de Drakensburgh não tinham</p><p>causado nenhum problema. Havia inclusive alguns bons guerreiros entre</p><p>eles. O recrutamento de novos homens também ia bem. Com o tempo</p><p>teriam um batalhão considerável para proteger a propriedade. O problema</p><p>maior era a falta de tempo. Os recrutas estavam prestes a ser testados.</p><p>Nesse ínterim, era preciso informar algumas pessoas do que estava</p><p>acontecendo. Ina tinha de saber assim que possível e, em seguida, Anwyn.</p><p>Seria bom se pudesse poupá-la da ansiedade, mas havia feito um acordo e</p><p>não pretendia desonrá-lo.</p><p>UMA CRIADA entrou na antessala do quarto com o recado de que Wulfgar</p><p>solicitava a presença de Anwyn no salão.</p><p>– Lorde Wulfgar não disse qual seria o assunto? – indagou ela.</p><p>– Não, milady, ele disse apenas que precisa lhe falar.</p><p>Anwyn deixou de lado a roupa que costurava e se levantou.</p><p>– Estou indo.</p><p>Quando chegou ao salão, ele já estava lá de costas, mas virou-se ao ouvi-la</p><p>se aproximar. Cumprimentou-a com um sorriso que fez o coração dela</p><p>saltar.</p><p>–</p><p>Desculpe-me interrompê-la em seus afazeres, Anwyn, mas o assunto é</p><p>muito importante.</p><p>– O que houve?</p><p>Sem preâmbulos ele resumiu o que ouvira de Sigurd. Ela �cou com medo,</p><p>mas esforçou-se em não demonstrar nada.</p><p>– O que pretende fazer, milorde?</p><p>– Vou fazer o mesmo jogo que Ingvar.</p><p>– Eu tinha esperanças de evitar derramamento de sangue, mas não será</p><p>possível, não é?</p><p>– Não – respondeu ele.</p><p>– Bem, você já tinha me avisado de que isso aconteceria.</p><p>– É verdade, mas parte de mim também não queria chegar a esse ponto. –</p><p>Ele sorriu de lado. – Seria uma última esperança inútil, quando o inimigo é</p><p>do tipo de Ingvar. A batalha não terminará antes que um de nós morra. – E,</p><p>reparando na expressão de desespero dela, emendou: – Não tenho nenhuma</p><p>intenção de morrer.</p><p>– Vou rezar para que isso não aconteça – disse ela, procurando parecer</p><p>mais calma.</p><p>Wulfgar a puxou para mais perto para dizer:</p><p>– Minha motivação é muito grande para permitir que isso aconteça.</p><p>Anwyn o �tou, a�ita.</p><p>– Tome cuidado redobrado, Wulfgar. Já sabemos como Ingvar pode ser</p><p>traiçoeiro.</p><p>– Ele é movido pelo ciúme e pelo ódio. Isso provavelmente não deixará</p><p>que pense claramente.</p><p>– Espero que esteja certo.</p><p>– Sei que estou. – Ele se inclinou e beijou-a no rosto. – Tenho o que ele</p><p>mais valoriza.</p><p>– Ele nunca conseguiu e nem terá nada de mim ou de Drakensburgh –</p><p>disse ela.</p><p>– Mas não posso ter piedade.</p><p>– E não deve mesmo. Nunca o perdoarei por ter tentado matar você.</p><p>Wulfgar se impressionou com a raiva contida e sincera no tom de voz</p><p>dela. Quando tinham feito o primeiro acordo, ele não tinha previsto que ela</p><p>se envolvesse tanto e muito menos que ele corresponderia àquele sentimento</p><p>tão intenso. Ter essa ciência era tão perturbador quanto grati�cante. Ele não</p><p>tinha intenção de feri-la, mas ela sempre soubera que um dia teriam de se</p><p>separar. Ainda assim, a forte atração tornara-se uma complicação extra. Mas</p><p>será que ele mudaria tudo, se pudesse? Será que ele sentiria saudades</p><p>daquilo que vivenciavam agora? Não demorou muito para que a resposta</p><p>fosse encontrada.</p><p>– Agora tenho piedade dele.</p><p>– Eu estava falando sério, Wulfgar.</p><p>– Eu também. – Ele levou a mão dela à boca e beijou-a. – Não se preocupe</p><p>comigo, minha querida. O assunto será resolvido e Drakensburgh vencerá</p><p>triunfante.</p><p>BEM DEPOIS de ele ter partido, Anwyn ainda pensava na conversa que haviam</p><p>tido. Apesar de ele querer simpli�car, o assunto era muito sério. Ingvar era</p><p>poderoso, esperto e não hesitaria em usar tudo o que estivesse disponível</p><p>para atingir seu objetivo. Ele só era diferente de Torstein na aparência</p><p>externa, mas um rosto bonito não escondia um coração maldoso.</p><p>WULFGAR SEGUIU sozinho em uma caminhada para ter tempo para pensar.</p><p>No �nal da manhã, ele já havia elaborado um plano que poderia dar certo.</p><p>Conhecia o vilarejo que Sigurd havia mencionado que serviria como isca</p><p>para Ingvar, mas não conhecia direito os detalhes nem os arredores.</p><p>Chamou Hermund, rand e Asulf, e os quatro saíram a cavalo.</p><p>O vilarejo estava localizado ao lado de um riacho. Uma pequena �oresta</p><p>delimitava a fronteira com Beranhold. Ao redor havia um campo aberto e</p><p>morros baixos. Wulfgar virou-se na sela para estudar melhor onde estavam.</p><p>– Acredito que o pelotão de Ingvar irá se esconder na �oresta – disse ele.</p><p>– Ele sabe que uma casa em chamas atrairá nossas patrulhas para investigar</p><p>e que irão demorar para nos avisar.</p><p>– Durante esse intervalo, ele ateará fogo no vilarejo inteiro e matará os</p><p>habitantes – respondeu Hermund.</p><p>– Vamos tirar os habitantes daqui. Ninguém sairá ferido. Não</p><p>conseguiremos evitar que os homens de Ingvar incendeiem as casas.</p><p>– Pelo menos teremos luz o su�ciente para vê-los atacando – observou</p><p>rand.</p><p>– Vamos reagir à armadilha, usando parte de nosso batalhão e jogando</p><p>uma isca – continuou Wulfgar –, e forçá-los ao contra-ataque. Quando</p><p>Ingvar perceber e mandar reforços, atacaremos com o restante dos nossos</p><p>homens e os cercaremos.</p><p>– Serão pegos como ratos, milorde. – rand sorriu, satisfeito.</p><p>Wulfgar assentiu com a cabeça e apontou para a uma montanha pouco</p><p>distante dali.</p><p>– Ficaremos escondidos lá atrás. Estaremos longe o su�ciente para não ser</p><p>notados pelo inimigo, mas perto para apoiar nossos homens quando for</p><p>preciso.</p><p>– É um bom plano, milorde – disse Asulf.</p><p>– Aye, é sim – respondeu Hermund. – Os homens que serão as iscas terão</p><p>que lutar pesado até que nosso batalhão chegue aqui.</p><p>– É verdade – concordou Wulfgar. – Por isso precisamos de um grupo de</p><p>guerreiros experientes para manter a atenção deles até que os homens de</p><p>Ingvar cheguem onde queremos.</p><p>Os olhos de rand brilharam ao olhar para Asulf.</p><p>– Essa tarefa é nossa, você não acha?</p><p>– Concordo plenamente – respondeu Asulf, e se virou para Wulfgar. –</p><p>Permita-nos escolher os homens, milorde, e manteremos o grupo de Ingvar</p><p>ocupado pelo tempo que for preciso.</p><p>– Deixe-me pensar. – Hermund torceu a boca. – Por acaso você escolheria</p><p>Dag, Frodi, Snorri e Beorn?</p><p>– Sim, entre outros – respondeu Asulf. – Como você sabia?</p><p>– Adivinhei. – rand olhou para Wulfgar. – O que diz, milorde?</p><p>– Está certo, eles são bons guerreiros e formarão um bom pelotão.</p><p>– Todos são loucos destruidores – disse Hermund.</p><p>Wulfgar esboçou um sorriso.</p><p>– Precisamos de guerrilheiros assim.</p><p>– São seus homens.</p><p>– Eu diria que foi a escolha ideal – respondeu Wulfgar.</p><p>rand e Asulf sorriram com malícia.</p><p>– Só mais uma coisa: Ingvar não pode nem descon�ar do que vamos</p><p>fazer.</p><p>– Não diremos uma palavra – respondeu Asulf.</p><p>– Tire esse sorriso irônico do rosto – disse Hermund.</p><p>WULFGAR AGUARDOU estarem na privacidade do quarto para contar a Anwyn</p><p>seus planos. Ela o ouviu com atenção.</p><p>– É muito arriscado, milorde.</p><p>– Mas é um risco calculado. Contamos com o elemento surpresa.</p><p>– Os recrutas estão prontos para a batalha?</p><p>– Eles têm uma boa base. Agora é a hora de aplicarem o que aprenderam.</p><p>Além do mais, eles aprenderão mais durante cinco minutos de batalha do</p><p>que em seis meses de exercícios.</p><p>– A primeira prova veio bem mais cedo do que o esperado.</p><p>– Eles terão o apoio dos meus homens e dos guerreiros experientes de</p><p>Drakensburgh.</p><p>– Isso é verdade. – Ela esboçou um sorriso.</p><p>Wulfgar terminou de se despir e deitou na cama ao lado dela.</p><p>– Não tenha medo, minha querida. Tudo sairá conforme o esperado.</p><p>– Se existe alguém que pode derrotar Ingvar, essa pessoa é você.</p><p>– Mesmo assim, não consigo deixar a ansiedade de lado ao pensar na</p><p>batalha.</p><p>– Se tudo correr de acordo com o planejado, será a última vez que</p><p>teremos de lutar, pelo menos contra esse inimigo em particular.</p><p>– Se conseguirmos… Ele na certa tentará me matar.</p><p>– Não diga isso – disse ela, estremecendo.</p><p>Wulfgar a puxou para mais perto.</p><p>– Eu já lhe disse que tenho razões muito fortes para voltar.</p><p>Assim dizendo, ele a beijou e começou a explorar o corpo dela com as</p><p>mãos, abraçando-a com carinho, despertando o desejo. Ela pressionou o</p><p>corpo contra o dele, como se pudesse nunca mais sair dali, procurando a</p><p>segurança daqueles braços fortes. Wulfgar reconheceu a paixão, pois era a</p><p>mesma que o consumia. Mas o desejo surgiu com uma sensação con�itante</p><p>de culpa. Ele sabia o quanto ela gostava dele e cada carícia fortalecia o forte</p><p>sentimento que os unia. Se rompesse aquela ligação, iria magoá-la, e não era</p><p>essa sua intenção. Mas naquele momento não havia nada que pudesse fazer.</p><p>Teria sido melhor não consumar a relação, mas tampouco sentia</p><p>arrependimento. Bastava deitar-se ao lado dela para aumentar o desejo em</p><p>todos os sentidos.</p><p>Mesmo que estivessem longe, a imagem dela não lhe saía da cabeça, como</p><p>se ela estivesse ao seu alcance, provocando-o e seduzindo-o. Pelo menos,</p><p>enquanto estivessem juntos, ele faria o possível para tornar os momentos</p><p>memoráveis… por todos os motivos possíveis. Para tatuar na memória de</p><p>ambos cada um dos minutos juntos, �zeram amor com toda calma. Wulfgar</p><p>usou de toda sua habilidade para satisfazê-la. Depois de saciados, abraçou-a</p><p>e observou-a dormir.</p><p>Capítulo 17</p><p>WULFGAR E Hermund estavam escondidos atrás da montanha, com os</p><p>ouvidos atentos a qualquer som que anunciasse a presença</p><p>do batalhão</p><p>inimigo. Não ouviram o barulho de patas de cavalo sobre o terreno e nem</p><p>dos arreios. A brisa fria trazia uma mescla de cheiros de madeira queimada,</p><p>gado e grama seca. Além disso, a noite estava calma, como se o mundo</p><p>estivesse com a respiração suspensa, aguardando os acontecimentos.</p><p>Wulfgar sentiu um frio correr-lhe a espinha.</p><p>– Pode ser que eles não venham esta noite – murmurou Hermund. – A</p><p>lua cheia não aparecerá antes de um ou dois dias.</p><p>– Posso senti-los se aproximando – disse Wulfgar, olhando por sobre o</p><p>ombro, para onde seus homens estavam escondidos. Podia sentir que</p><p>estavam prontos e a tensão que os envolvia.</p><p>– Lá estão eles! – exclamou Hermund.</p><p>Wulfgar olhou na mesma direção que Hermund apontava e viu o brilho</p><p>das tochas. Pelos seus cálculos, os inimigos estavam entrando na �oresta.</p><p>Minutos depois viu mais uma tocha, e outra, até que uma dúzia delas seguia</p><p>na direção do vilarejo.</p><p>– Tomara que as outras equipes estejam em posição – disse Hermund.</p><p>– Eles estão.</p><p>As tochas se aproximaram e de repente uma delas foi jogada para cima.</p><p>Wulfgar seguiu a trajetória até a tocha cair e, no mesmo instante, a pequena</p><p>chama transformou-se num fogaréu.</p><p>– Eles incendiaram um telhado – disse Hermund, e Wulfgar meneou a</p><p>cabeça.</p><p>– Começou.</p><p>Wulfgar levantou a espada e todo o batalhão avançou, guiando-se pelas</p><p>chamas à frente. Logo, mais dois telhados arderam em chamas. Wulfgar</p><p>rangeu os dentes. Outro débito que teria de acertar com Ingvar quando</p><p>chegasse a hora. Ainda bem que os habitantes tinham sido evacuados e</p><p>estavam seguros atrás das muralhas de Drakensburgh. Anwyn cuidaria para</p><p>que �cassem bem. Por um breve momento a imagem dela inundou os</p><p>pensamentos dele. Mas logo se esvaiu na noite, trocada pelo som de gritos</p><p>distantes e o tilintar das espadas se chocando. O grupo de rand e de Asulf</p><p>tinha se lançado ao ataque surpresa.</p><p>Wulfgar e seu batalhão pararam a pouca distância do con�ito, agora</p><p>iluminado pelas chamas. A noite estava escura e o céu �cou acinzentado por</p><p>causa das colunas de fumaça que escondiam as estrelas. De onde estava ele</p><p>via as sombras dos homens lutando corpo a corpo e já havia homens ao</p><p>chão.</p><p>– Por or! Onde está o resto dos porcos? – indagou Hermund.</p><p>Antes que Wulfgar respondesse, o som da batalha no vilarejo foi coberto</p><p>por um ruído colossal do restante do exército de Ingvar saindo da �oresta na</p><p>direção da aldeia.</p><p>rand e seus companheiros formaram um escudo humano diante de</p><p>uma das casas remanescentes. A pressão contra eles aumentou e o espaço</p><p>para atacar era pequeno, mas mesmo em número menor eles conseguiram</p><p>reagir e causar muito mais danos do que o inimigo.</p><p>Ao perceber que todas as atenções estavam voltadas para aquele combate,</p><p>Wulfgar levantou a espada.</p><p>– Atacar!</p><p>O exército de Wulfgar se moveu como se fosse uma onda humana sobre o</p><p>campo aberto, atacando por trás. Ao sinal, mais dois grupos de</p><p>Drakensburgh atacaram pelos lados.</p><p>Os soldados de Ingvar não tiveram tempo de perceber o perigo, pois</p><p>foram atacados de repente por todos os �ancos. Foi uma guerra brutal.</p><p>Wulfgar abriu caminho pelos inimigos, abatendo um a um com a espada</p><p>ensanguentada e os olhos �xos à procura de seu principal inimigo. E, no</p><p>meio de toda a balbúrdia, ele o viu.</p><p>– Ingvar!</p><p>O grito de fúria soou mais alto do que a luta. Ingvar virou para trás e viu</p><p>seu inimigo com seus olhos brilhando de ódio.</p><p>– Esperei muito tempo por este momento, viking!</p><p>Dito isso, ele partiu para o ataque. Wulfgar �ngiu um movimento e a</p><p>extremidade da espada de Ingvar passou perto do escudo dele. Wulfgar</p><p>reagiu instantaneamente balançando a espada de um lado para outro e, por</p><p>�m, acertando as costelas do inimigo. Salvo pela cota de malha, Ingvar deu</p><p>um passo atrás, recuperou-se e avançou de novo. As espadas se prenderam</p><p>uma contra a outra em “x”. Ingvar exibiu os dentes com o rosto a milímetros</p><p>de distância de Wulfgar.</p><p>– Você acreditou mesmo que podia tirá-la de mim?</p><p>– Você já perdeu essa luta – grunhiu Wulfgar.</p><p>– Ao contrário, estamos apenas começando.</p><p>– Não faz diferença. Vou mantê-la livre de você.</p><p>Wulfgar deu um empurrão em seu oponente e a luta de espadas</p><p>recomeçou. O calor ao redor aumentava a cada segundo. Wulfgar piscou</p><p>para afastar o suor do rosto, respirando o cheiro forte de fumaça misturada</p><p>com sangue. As espadas se encontravam em cima e em baixo, os dois</p><p>defendendo-se dos golpes um do outro. Wulfgar aguardava o momento</p><p>certo para o ataque �nal.</p><p>Ingvar se afastou e começou a circular Wulfgar, sempre com o mesmo</p><p>sorriso malévolo no rosto.</p><p>– Ela nunca se livrará de mim, viking. Sei ser paciente. Um dia você vai se</p><p>descuidar e eu recuperarei o que é meu por direito.</p><p>– Ela nunca foi e nem será sua.</p><p>Wulfgar avançou de novo, mas ainda não havia encontrado um meio para</p><p>ultrapassar a defesa do inimigo. Ingvar gargalhava alto.</p><p>– Acho que não vou matá-lo agora. Talvez eu permita que você</p><p>testemunhe quando eu possuí-la. Será a última coisa que verá antes que eu</p><p>arranque seus olhos.</p><p>– Ilusão sua, seu fanfarrão.</p><p>– Vou ostentar minha vitória, pode acreditar, e vou assediá-la muito mais</p><p>do que Torstein conseguiu. Uma noite na cama comigo e ela se esquecerá até</p><p>do seu nome.</p><p>– Qualquer mulher se enojaria em se deitar com você.</p><p>Os olhos de Ingvar reluziram vermelhos por causa das chamas ao redor e</p><p>as espadas se encontraram de novo. Depois de mais algumas tentativas de</p><p>ataque, eles se afastaram novamente.</p><p>– Anwyn e eu estaremos na cama sempre, viking. Sou insaciável e gosto</p><p>de variedade.</p><p>– Mas não vai saciar seus desejos com ela.</p><p>– Ela fará tudo o que eu mandar. Caso contrário, o �lho dela será</p><p>castigado pela desobediência da mãe.</p><p>Wulfgar pensou na vulnerabilidade de Anwyn e Eyvind. Se eles caíssem</p><p>nas garras de Ingvar, teriam um destino terrível. Ele cerrou os dentes,</p><p>deixando-se dominar pela fúria. Com esforço, se controlou, pois enquanto</p><p>estivesse respirando e empunhando uma espada, Anwyn e Eyvind nunca</p><p>seriam capturados.</p><p>Impulsionado pela possibilidade, mesmo que remota, ele reuniu forças e</p><p>partiu para cima de Ingvar, forçando-o a recuar com ataques seguidos.</p><p>Ingvar se defendeu rápido e tentou recuar. Toda a bravata de minutos antes</p><p>foi substituída pelo ódio. Ao redor, o número de inimigos diminuía. Wulfgar</p><p>sorriu satisfeito e forçou Ingvar a recuar passo a passo. Até que o pé dele</p><p>escorregou na lama e Wulfgar encontrou a oportunidade que esperava e o</p><p>acertou na perna. Ingvar se assustou, praguejando e segurando a coxa com</p><p>uma das mãos, enquanto o sangue se esvaía por entre seus dedos. Ofegante,</p><p>ele fulminou o inimigo com o olhar. Mas, antes que pudesse atingi-lo</p><p>mortalmente, dois guerreiros pularam no caminho de Wulfgar. Ele</p><p>praguejou alto. Cercado pelos dois lados e defendendo-se, restou-lhe apenas</p><p>olhar impotente à medida que Ingvar desaparecia na escuridão. Ao</p><p>perceberem que o líder estava escapando desmoralizado, os poucos soldados</p><p>que restavam decidiram fugir também. Logo os últimos batiam em retirada</p><p>com o pelotão de Drakensburgh perseguindo-os. A luta continuou na mata,</p><p>quando Wulfgar deu o comando para cessarem.</p><p>– Basta! Está mais escuro do que as asas do par de corvos de Odin. Não</p><p>quero perder mais homens.</p><p>– Restaram poucos do batalhão de Ingvar – disse Hermund. – Eles</p><p>voltarão para casa para lamber as feridas.</p><p>– Infelizmente, o golpe que acertei em Ingvar não foi su�ciente para</p><p>matá-lo.</p><p>Ao se virarem para o vilarejo em cinzas, depararam-se com a carni�cina.</p><p>Os chalés haviam desmoronado, iluminando os corpos dos mortos e feridos.</p><p>Mas a maioria dos abatidos fazia parte dos homens de Ingvar. Os guerreiros</p><p>de Drakensburgh estavam exultantes. Wulfgar viu alguns membros do</p><p>grupo batendo no ombro de rand, cumprimentando-o.</p><p>– Você foi bem esta noite. Alguma perda?</p><p>– Não, milorde. A escória nem conseguiu ultrapassar nossa muralha de</p><p>escudos.</p><p>Asulf sorriu, os dentes muito brancos contrastando com o rosto</p><p>enegrecido pela fuligem.</p><p>– Duvido que eles voltem.</p><p>– Se prezarem pela própria vida, não voltarão mais – resmungou Beorn.</p><p>– Claro que prezam – disse Asulf. – Você não viu como</p><p>saíram correndo?</p><p>Todos gargalharam alto. Wulfgar também riu e se dirigiu a Hermund.</p><p>– Vamos levar os feridos para casa. Depois retornaremos para enterrar os</p><p>mortos.</p><p>– Pelo visto, a maior parte do vilarejo foi destruída.</p><p>– Os chalés podem ser reconstruídos – respondeu Wulfgar.</p><p>OS PRIMEIROS raios de sol rajavam o céu quando eles voltaram para casa.</p><p>Anwyn os ouviu e apressou-se para encontrá-los, olhando</p><p>desesperadamente para localizar Wulfgar. Por �m o viu, imundo, mas vivo, e</p><p>seu coração saltou de alegria. Os outros guerreiros tiraram as vestes de</p><p>guerras, deixaram as armas de lado e se reuniram ao redor do poço de água</p><p>para lavar o sangue e a sujeira da guerra.</p><p>Depois de dar ordens para que os feridos fossem cuidados, Wulfgar se</p><p>reuniu aos homens ao redor do poço. Ele também tirou a espada, depois se</p><p>livrou da pesada cota de malha, da túnica ensopada de suor e da camisa de</p><p>baixo. Ao observá-lo, Anwyn suspirou aliviada. O sangue que havia visto na</p><p>roupa não era dele. O torso musculoso também não tinha indícios de</p><p>nenhum ferimento recente. Ele lavou as mãos, depois o rosto, pescoço e</p><p>tórax, usando a blusa a �m de se enxugar. Percebendo que alguém o �tava,</p><p>levantou o olhar e seu coração se enterneceu. Depois de dizer mais algumas</p><p>palavras aos soldados, ele foi abrindo caminho até chegar a ela, sem desviar</p><p>os olhos. Ainda podia ouvir as provocações de Ingvar, que tinha gerado um</p><p>ódio profundo e um enorme desejo de protegê-la. Todo aquele rodamoinho</p><p>de emoções se resumiu a desejo, à paixão que todos os homens sentiam</p><p>depois da guerra. Vê-la ali tão receptiva a sua frente não diminuiu a vontade</p><p>de tomá-la nos braços.</p><p>Muitos dos homens perceberam o que acontecia, mas Wulfgar não</p><p>enxergava mais nada além de Anwyn. Nenhum dos dois falou no primeiro</p><p>momento em que �caram frente a frente, mas, quando ele a viu sorrir, seu</p><p>sangue acelerou em suas veias como se fossem chamas. Ele sorriu também.</p><p>– Presumo que tenha vencido o batalhão de Ingvar.</p><p>– E com uma grande vantagem.</p><p>– Ah, Wulfgar, quase morri de preocupação nessas últimas horas.</p><p>– Não havia motivo, minha querida.</p><p>– Quer dizer que as informações de Sigurd estavam corretas?</p><p>– Aye, estavam sim.</p><p>– O que fará com ele agora?</p><p>– Por enquanto, nada. Ele pode �car aqui até amanhã.</p><p>Anwyn fez uma pausa e mudou de assunto.</p><p>– Você deve estar faminto. Há comida e bebida no salão.</p><p>– Iremos agora mesmo.</p><p>Os olhos azuis profundos de Wulfgar a �taram com um brilho estranho,</p><p>mas su�ciente para fazer o coração dela disparar. Mesmo depois do banho</p><p>frio, o corpo dele ainda exalava calor.</p><p>– Está faltando alguma coisa, Wulfgar?</p><p>A resposta veio quando ele passou o braço pela cintura dela e a</p><p>pressionou. Em uma fração de segundos, ele cobriu os lábios dela com um</p><p>beijo voluptuoso que quase a roubou os sentidos. Quando se afastaram, o</p><p>desejo estava estampado no rosto dele. Sem dizer nada, ele simplesmente a</p><p>ergueu no colo. Os soldados e empregados presentes se viraram para olhar e</p><p>disfarçar os risinhos. Ela corou até a raiz dos cabelos.</p><p>– Milorde, os homens estão olhando.</p><p>– Que olhem…</p><p>Ele seguiu na direção da antessala dos aposentos. Anwyn tentou se soltar,</p><p>mas ele a segurava com força.</p><p>– Wulfgar? – Ela tentou se debater, mas não conseguiu nada. – Wulfgar!</p><p>– Fique quieta. Você não vai a lugar algum agora.</p><p>– Ponha-me no chão.</p><p>– Não.</p><p>– Você não pode…</p><p>Atravessaram a antessala e entraram no quarto. Wulfgar fechou a porta</p><p>com um pontapé e seguiu até a cama. Deitou-a e cobriu-a com seu peso,</p><p>calando as reclamações com outro beijo, só que desta vez foi muito mais</p><p>exigente. Ela já não protestava mais; ao contrário, correspondia à carícia</p><p>com toda paixão. Ela sentiu o membro dele enrijecer contra suas coxas e</p><p>sabia que estava pronta para recebê-lo. Sentiu um cheiro almiscarado de</p><p>ferro misturado com fumaça, pungente e perigoso, o perfume de um</p><p>guerreiro. Anwyn deslizou as mãos pelos anéis de prata no braço dele,</p><p>descendo para sentir-lhe a pele. A faísca que tinha se acendido no momento</p><p>em que o vira chegar transformara-se em labaredas, conferindo-lhe coragem</p><p>para desatar o nó da calça dele e segurar sua masculinidade com as duas</p><p>mãos. Wulfgar respirou fundo e a �tou com os olhos faiscando de desejo.</p><p>– Pelo sangue de Odin, eu a quero, Anwyn, mas temo não ser gentil dessa</p><p>vez.</p><p>Ela fechou os olhos e o beijou apaixonadamente, sem dar atenção ao que</p><p>ele havia dito. Wulfgar sentiu o gosto de mel da língua dela ao brincar com a</p><p>sua. As mãos hábeis de Wulfgar não perderam tempo em levantar as saias</p><p>dela. O que se seguiu foi bem diferente do carinho desfrutado nas relações</p><p>anteriores. Agora era a natureza que os comandava com a pressa de um</p><p>vulcão prestes a entrar em ebulição. Ele a possuiu com a mesma pressa com</p><p>que ela ansiava em recebê-lo, movendo-se em uma dança primitiva até que</p><p>ela atingiu ao clímax. Wulfgar, então, lhe prendeu os braços acima da cabeça</p><p>e a penetrou repetindo o movimento de vaivém até chegar ao orgasmo.</p><p>Depois se deixou cair ao lado dela.</p><p>Anwyn virou-se para o lado, sem conseguir pronunciar uma palavra</p><p>sequer, imaginando que as vezes em que tinham feito amor tinha sido pleno</p><p>e compensador. Agora tinha �cado evidente o quanto ainda havia por</p><p>conhecer. Um arrepio correu-lhe o corpo antecipando o que viria a seguir.</p><p>– Isso foi incrível – disse ela.</p><p>– Chama-se luxúria pós-guerra.</p><p>– Vale a pena esperar para acontecer de novo.</p><p>Wulfgar sorriu e a beijou suavemente os lábios. E passou a tirar o vestido</p><p>dela.</p><p>– Ainda não acabou, minha querida. Ainda temos um longo caminho a</p><p>percorrer.</p><p>Capítulo 18</p><p>NA MANHà seguinte, o prisioneiro foi levado à presença de Wulfgar. Sigurd</p><p>olhava nervoso para os guerreiros, reunidos a sua volta, esperando pelo pior.</p><p>– Que destino devemos dar a ele, milorde? – perguntou Hermund.</p><p>– Amarre-o sobre um cavalo – disse Wulfgar. – Depois o mande de volta a</p><p>Ingvar. Tenho certeza de que ele saberá o que fazer com o traidor. Talvez ele</p><p>queira perguntar sobre as razões dos últimos acontecimentos.</p><p>Os homens riram com ironia. Sigurd estava em pânico e começou a se</p><p>debater, enquanto o arrastavam até o cavalo.</p><p>– É uma pena não estar lá para presenciar o encontro – disse Hermund. –</p><p>Frodi, leve Dag e certi�que-se de que ele chegará a salvo.</p><p>– Será um prazer – respondeu Frodi.</p><p>Quando Sigurd estava bem amarrado ao cavalo e os três estavam prontos</p><p>para partir, Asulf levantou a mão, dando adeus.</p><p>– Não se esqueça de mandar nossas recomendações a Ingvar.</p><p>Sigurd o �tou com raiva e seguiu atrás dos outros dois.</p><p>HAVIA MUITO trabalho a ser feito depois da batalha. Wulfgar tinha de</p><p>organizar o enterro dos mortos, que, com exceção de três homens, eram</p><p>todos guerreiros de Ingvar.</p><p>– Se a batalha tivesse sido em campo aberto, eu os deixaria para as</p><p>raposas e corvos – disse Hermund.</p><p>– Eu também – respondeu Wulfgar –, mas não podemos fazer isso porque</p><p>os corpos em putrefação podem gerar uma peste.</p><p>– Claro, você está certo, mas aqueles suínos não merecem honra</p><p>nenhuma. – Hermund olhou para a pilha de armas e cotas de malha, tiradas</p><p>dos corpos. – Pelo menos os artefatos de guerra deles equiparão nossos</p><p>homens.</p><p>rand examinou os corpos, depois veio se encontrar com os outros dois</p><p>com uma expressão de desapontamento.</p><p>– Grymar Falastrão não está entre eles, milorde. Ele deve ter fugido para a</p><p>�oresta com os outros.</p><p>– É provável que sim – disse Wulfgar. – Ele é um sobrevivente, um dos</p><p>poucos que vi.</p><p>– Ah, bem, ainda vamos encontrar o patife. – rand suspirou.</p><p>– Enquanto isso não acontece, temos coisas mais importantes para pensar</p><p>– observou Hermund. – Vamos jogar os corpos nas covas.</p><p>– Quando o fogo dos chalés estiver esfriado, mandaremos alguns homens</p><p>limparem os escombros – disse Wulfgar. – Precisamos começar a</p><p>reconstrução assim que possível. Os moradores daqui perderam muita coisa.</p><p>– Se tivesse sido no inverno, teria sido muito pior, milorde.</p><p>– É verdade. Mesmo assim, os próximos meses não serão fartos, e essa</p><p>gente não pode perder seus chalés também.</p><p>– Pelo visto, estaremos ocupados por um bom tempo – comentou</p><p>Hermund.</p><p>– Bem, reúna tantos homens</p><p>ele pretende, milady.</p><p>WULFGAR VIU o exército se aproximando, mentalmente calculando quantos</p><p>homens eram. Um músculo se moveu em seu maxilar. Devia haver uns</p><p>cinquenta soldados. O seu grupo era mais numeroso, e ele tinha absoluta</p><p>con�ança na valentia e e�ciência deles, mas qualquer confronto seria,</p><p>provavelmente, sangrento e muito prejudicial. No entanto, como o navio</p><p>estava impossibilitado de navegar, não havia escolha. Ele olhou para</p><p>Hermund.</p><p>– Convoque os homens.</p><p>– Sim, milorde.</p><p>Eles se apresentaram ao líder, alinhados e atentos.</p><p>– Deixem que eles comecem – instruiu Wulfgar. – Mas, se eles atacarem,</p><p>façam com que se arrependam.</p><p>As palavras foram acolhidas com sorrisos cruéis, enquanto cada um dos</p><p>homens observava com olhar sagaz e avaliador o exército inimigo que</p><p>avançava. Rapidamente, eles seguraram as tiras dos escudos e os cabos das</p><p>espadas.</p><p>ANWYN SENTIU-SE desconfortável e apreensiva. Mesmo àquela distância, não</p><p>restava mais dúvidas do que estava prestes a acontecer. Ela virou-se para Ina.</p><p>– Recuso-me a permitir derramamento de sangue em minhas terras, nem</p><p>que seja a vontade de uma dúzia de Ingvar.</p><p>– O que você vai fazer?</p><p>– Vou impedi-los, claro.</p><p>– Um objetivo louvável, milady, mas note que, juntos, eles são mais de</p><p>cem homens…</p><p>– Eu sei. Acontece que esta enseada está em minha propriedade, não na</p><p>deles.</p><p>– É verdade, mas não vejo como…</p><p>– Temos direitos, Ina.</p><p>– Oh, bem… naturalmente, isso faz toda a diferença.</p><p>– Exatamente. – Anwyn virou-se na sela. – Jodis, �que aqui e tome conta</p><p>de Eyvind. Ina, venha comigo.</p><p>Ela incitou o cavalo e galopou ao longo da faixa de areia. No primeiro</p><p>momento, Ina �cou olhando, incrédulo. Mas logo em seguida pegou as</p><p>rédeas e foi atrás dela.</p><p>HERMUND FRANZIU a testa ao ver o exército se aproximando.</p><p>– Será que, sem saber, viemos parar em um ponto de encontro?</p><p>– Pode ser. – Wulfgar seguiu a direção do olhar do amigo.</p><p>– Parece que chutamos um ninho de vespas, não é?</p><p>– Como, em nome de Nidhogg, é possível que aquele falastrão tenha</p><p>tantos amigos? – murmurou rand.</p><p>Beorn meneou a cabeça.</p><p>– Dá o que pensar, não?</p><p>Wulfgar não respondeu, mentalmente calculando a distância entre eles e</p><p>os guerreiros em marcha. Setenta metros… cinquenta… quarenta. Ele viu</p><p>quando a linha de lanças mudou da posição vertical para a posição frontal.</p><p>– Aqui vamos nós! – exclamou Hermund.</p><p>Ao lado dele, Wulfgar desembainhou a espada.</p><p>– Isso, rapazes…</p><p>Ele calou-se ao perceber um movimento com o canto do olho. Era um</p><p>cavalo que se aproximava a galope. Momentos depois a pessoa que montava</p><p>puxou as rédeas e o cavalo parou, bem entre os dois grupos de homens. No</p><p>instante seguinte, uma voz feminina soou:</p><p>– Parem com isso imediatamente! Todos vocês!</p><p>Os guerreiros que vinham por terra pararam. Todos os olhares se</p><p>concentraram na mulher. Wulfgar registrou mentalmente uma �gura esguia</p><p>em um vestido azul-escuro, parcialmente coberto por uma capa cinza sobre</p><p>a qual caía uma grossa trança ruiva, como um rio de fogo. Então a mulher</p><p>virou-se em sua direção, e por um momento ele se esqueceu de respirar.</p><p>– Pelo sangue de or – murmurou rand.</p><p>Beorn olhava boquiaberto.</p><p>– Eu estou vendo o que acho que estou vendo?</p><p>– Não, você está sonhando.</p><p>– Então não me acorde, por favor.</p><p>Wulfgar conseguia compreender o pensamento, embora a mulher à sua</p><p>frente fosse claramente um ser real, e não um sonho. Antes que ele pudesse</p><p>levar adiante a re�exão, a mulher tornou a falar.</p><p>– Não haverá derramamento de sangue aqui!</p><p>Hermund apoiou-se em sua lança e suas feições escarpadas se suavizaram</p><p>em um largo sorriso.</p><p>– Bem, só Frig sabe onde estamos, mas valeu a pena vir parar aqui,</p><p>mesmo que só para isto…</p><p>Os olhos de Wulfgar brilharam e ele relaxou os dedos sobre o cabo da</p><p>espada.</p><p>– Você nunca disse algo mais verdadeiro, meu amigo. – Porém, mesmo</p><p>enquanto dizia as palavras, a mente dele zunia. Quem era aquela moça? Por</p><p>que ela se intrometera? Que tipo de mulher se atreveria a �car entre dois</p><p>exércitos adversários? Não só �car entre eles, mas dar ordens e esperar ser</p><p>obedecida? A curiosidade de Wulfgar só aumentava.</p><p>IGNORANDO A atenção coletiva focada sobre sua pessoa, Anwyn virou-se para</p><p>confrontar Grymar.</p><p>– O que pensa que está fazendo?</p><p>Ele acenou com a cabeça na direção da tripulação do navio, a cerca de 20</p><p>metros de distância. – Meus homens e eu estávamos prestes a nos livrar</p><p>desses intrusos desprezíveis, milady.</p><p>– Por ordem de quem?</p><p>– De lorde Ingvar.</p><p>– Estas terras são minhas – retrucou Anwyn. – Lorde Ingvar não tem</p><p>nada que dar palpites nesta jurisdição.</p><p>O rosto de Grymar �cou vermelho.</p><p>– Ele quer lhe oferecer sua proteção, milady.</p><p>– É muita gentileza da parte dele, mas eu já tenho proteção. – Ela</p><p>gesticulou na direção de Ina. – Dispenso a vossa ajuda.</p><p>– Esse velhote? Isso aí não consegue nem empunhar uma arma…</p><p>– Experimente, seu pateta, para ver do que sou capaz – resmungou Ina.</p><p>– Eu não tiraria vantagem de alguém tão mais fraco que eu.</p><p>– Seria tolice tentar – disse Anwyn –, até porque tenho outros quarenta</p><p>homens aguardando atrás das dunas.</p><p>Um músculo se contraiu no rosto de Ina, mas Grymar não percebeu,</p><p>enquanto olhava para o local que Anwyn tinha indicado. As dunas estavam</p><p>desertas e em silêncio, o único movimento sendo o do vento na vegetação</p><p>rasteira da areia. Ele a olhou descon�ado.</p><p>– Não há ninguém ali.</p><p>Ina arqueou uma sobrancelha.</p><p>– Está sugerindo que milady é mentirosa?</p><p>Grymar �cou ainda mais vermelho.</p><p>– Eu não disse isso. Só falei que não estou vendo ninguém.</p><p>– Porque eles estão escondidos.</p><p>– Não importa. Essa ralé aí na praia é de invasores.</p><p>– E você também é – replicou Ina, sem vacilar. – Mas, se você e seus</p><p>homens se retirarem agora, vamos relevar… desta vez.</p><p>Grymar fuzilou o homem mais velho com os olhos.</p><p>– Lorde Ingvar não vai gostar nada disso.</p><p>– Oh, não me diga. Que catástrofe…</p><p>Anwyn lançou um olhar de advertência a Ina. Não podia se arriscar a</p><p>fazer de Ingvar um inimigo. Ele era forte e potencialmente perigoso. Tinha</p><p>de dar um jeito de mantê-lo a distância e ao mesmo tempo deixar claro que</p><p>não toleraria aquele tipo de interferência em seus assuntos.</p><p>– Lorde Ingvar sempre foi um bom vizinho – disse ela. – Ele não</p><p>aprovaria o que está acontecendo aqui.</p><p>Ina assentiu.</p><p>– Tem razão, milady. Eu diria que Grymar tomou esta iniciativa, por</p><p>excesso de zelo.</p><p>Anwyn aproveitou a oportunidade.</p><p>– Exatamente. É a única explicação. Sem dúvida, lorde Ingvar vai �car</p><p>furioso quando souber.</p><p>O semblante de Grymar assumiu uma expressão contrariada. Ele</p><p>conhecia muito bem as ambições de seu patrão para saber que ele não �caria</p><p>satisfeito com qualquer coisa que pudesse causar con�ito com lady Anwyn.</p><p>E, pior que isso, a situação se revertera de tal maneira que dava a impressão</p><p>de que toda a culpa era dele.</p><p>– Lamento se a ofendi, milady.</p><p>Ela o �tou com altivez.</p><p>– O senhor de fato me ofendeu. Espero que leve seus homens embora</p><p>imediatamente.</p><p>Grymar lançou um último olhar atroz para Ina e para os tripulantes do</p><p>navio e em seguida puxou as rédeas de seu cavalo e virou-se para gritar</p><p>ordens aos seus homens. Momentos depois, o grupo se afastava da praia. Ao</p><p>vê-los se distanciarem, Anwyn respirou fundo, aliviada.</p><p>– Até que en�m – murmurou.</p><p>Ina fez uma careta.</p><p>– Até que en�m, de fato.</p><p>– Eles não vão voltar.</p><p>– Não – concordou Ina. – Mas aquele outro grupo continua aqui. – Ele</p><p>indicou os tripulantes do navio com um movimento da cabeça. – E agora</p><p>todos estão olhando para nós.</p><p>Capítulo 3</p><p>O CORAÇÃO de Anwyn disparou ao relancear o olhar para o grupo dos</p><p>invasores. Por um breve instante duvidou ter tomado a decisão certa, pois</p><p>imaginou que teria de lidar com raptores e senhores de escravos. Bem, havia</p><p>tomado uma decisão e tinha ido muito longe para não seguir até o �nal.</p><p>Virando o cavalo, ela se aproximou de onde estavam os guerreiros. Eles a</p><p>aguardavam quietos. Quando os estudou melhor, concluiu que Ina tinha</p><p>razão. Aqueles guerreiros eram pro�ssionais e mantiveram o silêncio</p><p>vitorioso que só aqueles que não têm nada a perder possuem. No entanto,</p><p>não havia hostilidade na expressão do rosto</p><p>quanto possível para trabalhar. Quero este</p><p>lugar todo reconstruído antes da próxima lua.</p><p>WULFGAR INFORMOU seus planos a Anwyn mais tarde. A primeira reação dela</p><p>foi querer acompanhá-lo até o vilarejo para ver por si mesma o estrago, mas</p><p>ele não permitiria que ela fosse antes que os mortos estivessem enterrados.</p><p>– Não é uma bela visão para uma mulher.</p><p>– Mas esses homens morreram por causa de uma mulher – rebateu ela.</p><p>– Eram guerreiros e sabiam das consequências de uma batalha. Você não</p><p>sabe, e nem quero que saiba.</p><p>A frase foi dita com calma, mas com uma in�exão na voz que ela já</p><p>conhecia; ele não cederia. Anwyn desistiu de argumentar e, pensando</p><p>melhor, achou que ele tinha razão.</p><p>– Quando o enterro terminar, iremos até lá juntos – prometeu ele.</p><p>– Sim, milorde. – Ela baixou os olhos.</p><p>– Essa sua obediência é muito prazerosa – comentou ele com um riso</p><p>malicioso.</p><p>No mesmo instante, ela o fuzilou com seus olhos cor de esmeralda.</p><p>– Pelo menos é o que eu acho.</p><p>Ela continuou �tando-o, mas, incapaz de �car séria por mais tempo,</p><p>acabou sorrindo.</p><p>– Você gostaria que eu fosse diferente?</p><p>Ele passou o braço pelos ombros dela e a puxou para mais perto.</p><p>– Não quero que mude nem um �o de cabelo.</p><p>WULFGAR MANTEVE a palavra e, no dia seguinte, cavalgou com Anwyn até o</p><p>vilarejo. Onde antes existiam chalés, agora eram apenas ripas de madeira</p><p>queimada e montanhas de cinzas, o cheiro acre ainda pairando no ar. Seis</p><p>das oito casas do vilarejo tinham sido arruinadas. A visão da destruição</p><p>maldosa causou náuseas em Anwyn e, em seguida, muita raiva. O olhar dela</p><p>passou pelos chalés para os habitantes que também observavam a cena. O</p><p>coração de Anwyn contraiu-se de compaixão. A única coisa que podia fazer</p><p>para ajuda-los era garantir que as casas seriam reconstruídas.</p><p>– A reconstrução já está em andamento – informou Wulfgar. – Se todos</p><p>juntarem esforços, não levará muito tempo para concluírem as obras.</p><p>Os aldeões ouviram surpresos, mas com um laivo de otimismo. Anwyn</p><p>percebeu a esperança renovada e �cou feliz. Havia muito a ser feito, mas</p><p>ninguém tinha perdido a vida.</p><p>Apesar de os corpos terem sido removidos, havia muitas manchas escuras</p><p>de sangue no chão. Anwyn imaginou como a batalha tinha sido feroz e</p><p>entendeu melhor a razão de Wulfgar em preservá-la da cena. No entanto,</p><p>bem que ela desejava ter expulsado Ingvar dali pelas próprias mãos, e</p><p>expressou sua vontade a Wulfgar.</p><p>– Imagino que você teria feito isso mesmo – disse Wulfgar.</p><p>– Pelo menos os aldeões não foram vítimas da ira de Ingvar.</p><p>Wulfgar meneou a cabeça.</p><p>– Ingvar os teria massacrado sem a menor piedade.</p><p>– Foi isso que você quis dizer quando se referiu à sujeira que a batalha</p><p>podia se tornar?</p><p>– Aye, mesmo assim não tivemos muitas perdas. Um homem prevenido</p><p>vale por dois.</p><p>Anwyn olhou ao redor.</p><p>– Quanto tempo levará para os chalés serem reconstruídos?</p><p>– Não muito. Temos o material e muitos homens capazes para o trabalho.</p><p>– Ótimo. – Involuntariamente ela desviou o olhar para a �oresta não</p><p>muito distante dali. A extremidade marcava a fronteira entre Drakensburgh</p><p>e Beranhold. A proximidade das duas propriedades era assustadora.</p><p>Wulfgar podia imaginar o que passava pela cabeça dela, por isso tentou</p><p>acalmá-la.</p><p>– Ele teria de ser um completo idiota para tentar de novo.</p><p>– Ele pode não ser idiota, mas é cruel e vingativo.</p><p>– Por isso preciso juntar meus homens e terminar o que começamos.</p><p>Anwyn arregalou os olhos.</p><p>– Você quer dizer que irão procurá-lo?</p><p>– Não apenas isso, mas vou matá-lo também, junto com o restante do</p><p>batalhão de guerra. E queimaremos as forti�cações dele. Depois unirei as</p><p>terras de Beranhold a Drakensburgh.</p><p>– Você pretende tomar posse das terras dele?</p><p>– É o único jeito de garantir o futuro em paz.</p><p>Um nó se formou no estômago de Anwyn ao pensar nas rami�cações do</p><p>que um ataque daqueles podia gerar.</p><p>– Isso não fazia parte do meu plano, Wulfgar. Além do mais, não quero</p><p>mais derramamento de sangue.</p><p>– Estamos em um ponto em que não há retorno.</p><p>– Nesse caso, defenderemos o que é nosso.</p><p>– Se não �zermos nada, signi�cará fraqueza – argumentou ele. – Ingvar</p><p>nos provocou às últimas consequências. O insulto não pode ser esquecido</p><p>ou perdoado.</p><p>O brilho dos olhos de Wulfgar não expressava gentileza, mas sim uma</p><p>frieza bélica e ódio mortal. A expressão do rosto dele a fez tremer inteira. De</p><p>repente, ela teve a sensação de que havia perdido o controle da situação,</p><p>percebendo que os fatos levavam a consequências inimagináveis.</p><p>– Você disse que ele não cometeria o mesmo erro duas vezes.</p><p>– Mas isso não signi�ca não tentar mais nada. Temos de atacá-lo agora,</p><p>que está mais fraco.</p><p>O rosto de Anwyn empalideceu.</p><p>– Quero paz, Wulfgar.</p><p>– A paz tem inúmeras vertentes. Algumas delas só podem ser encontradas</p><p>depois de uma guerra.</p><p>– Mas nós dois tínhamos um acordo.</p><p>– Tem razão. Prometi que não faria nada sem lhe contar antes.</p><p>– Então você está determinado a levar isso até o �nal? – perguntou</p><p>Anwyn, engolindo em seco. – Rogo que reconsidere.</p><p>– Sou o responsável pela segurança de Drakensburgh e não quero estar</p><p>sempre em estado de alerta, olhando por cima do ombro, esperando o</p><p>perigo. – Ele fez uma pausa. – E acredite, Anwyn, é assim que viveremos se</p><p>permitirmos que Ingvar viva.</p><p>– Quantos homens mais terão de morrer com ele?</p><p>– Quantos forem necessários. – Ele a prendeu pelo olhar, sério.</p><p>Anwyn sentiu o estômago se contrair ainda mais.</p><p>– Você está entre eles, Wulfgar?</p><p>– Não. Ingvar não tem a competência para me matar.</p><p>– Não posso concordar com isso.</p><p>– É uma pena.</p><p>– Eu não concordarei e ainda sou a senhora de Drakensburgh – disse ela</p><p>com �rmeza, sentindo o coração batendo forte.</p><p>– Mas sou o senhor da terra e seu, Anwyn.</p><p>Ela o fuzilou com o olhar.</p><p>– E o sucessor adequado de Torstein.</p><p>Assim dizendo, ela se virou e saiu andando. Wulfgar foi pego de surpresa</p><p>e a chamou de volta. Mas ela o ignorou e saiu correndo, com lágrimas</p><p>banhando-lhe o rosto. Ela não fazia a menor ideia para onde estava indo; sua</p><p>intenção era se afastar dele o mais que pudesse. O ódio não era o único</p><p>sentimento que a movia, mas também uma profunda dor e decepção. A�nal,</p><p>tinha con�ado nele… Infelizmente descobrira tarde demais até onde iam as</p><p>ambições dele.</p><p>Mas ela parou de correr quando uma mão forte segurou seu braço.</p><p>Wulfgar a virou para encará-la.</p><p>– Será que pode me explicar seu último comentário?</p><p>– Acho que é autoexplicativo – retorquiu ela.</p><p>– Não gostei da comparação.</p><p>– Por quê? Atingi um ponto fraco, Wulfgar?</p><p>– Você sabe que sim. Sua opinião a meu respeito é essa mesmo?</p><p>– E qual a importância da minha opinião? Você ainda será lorde de</p><p>Drakensburgh e Beranhold.</p><p>– Você acha que era esse meu objetivo? – perguntou ele, pálido.</p><p>Anwyn se livrou da mão dele.</p><p>– O que mais posso pensar?</p><p>– Não me interesso em ser senhor de terras ou exercer autoridade sobre</p><p>você – disse ele. – Minha maior preocupação é com a sua segurança e a de</p><p>seu �lho. Será que é difícil entender isso?</p><p>Anwyn se rendeu à pressão e seus olhos se encheram de lágrimas. Logo,</p><p>ela estava soluçando.</p><p>Wulfgar �cou chocado e a raiva se evaporou com a mesma rapidez com</p><p>que o dominara.</p><p>Ele suspirou longamente e a abraçou.</p><p>– Shh… minha querida. Não chore. Está tudo bem.</p><p>Anwyn levou alguns minutos para parar de soluçar e recuperar um pouco</p><p>de controle.</p><p>– Desculpe-me, Wulfgar. – Ela respirou fundo e enxugou o rosto com a</p><p>manga do vestido. – Eu não estava falando sério quando o comparei a</p><p>Torstein.</p><p>– Eu sei.</p><p>– Tenho um gênio horrível.</p><p>– Bem, então somos dois. – Ele se afastou um pouco para �tá-la. – Se você</p><p>é contra meu plano contra Ingvar, posso esquecê-lo, apesar de achar que não</p><p>há outra solução. – E, depois de uma pausa, continuou: – Não quero que</p><p>chore por minha causa, Anwyn.</p><p>Ela esboçou um sorriso.</p><p>– Fico feliz em ouvir isso, mas não usei as lágrimas para dissuadi-lo.</p><p>– Se eu descon�asse de um ardil desses, você não teria conseguido nada.</p><p>– Acho que seu coração não é tão duro quanto você faz parecer.</p><p>– Em assuntos do coração, nunca �njo.</p><p>– Saiba que desejo de todo o meu coração que você não deixe</p><p>Drakensburgh. –</p><p>Percebendo que ele iria responder, ela se apressou em</p><p>continuar: – Desculpe. Eu não devia ter dito isso. Sei que você precisa ir.</p><p>Você me avisou desde o início, não é?</p><p>– Eu também avisei que não seria um bom marido.</p><p>– Não tenho nenhuma reclamação.</p><p>– Mesmo assim, não posso ser o marido que você deseja, Anwyn. Não</p><p>posso ser mais do que fui com Freya.</p><p>– O que aconteceu a Freya não foi culpa sua.</p><p>Wulfgar mudou de expressão, tornando-se impassível.</p><p>– Você fala sem conhecimento de causa.</p><p>– Sei que você não foi responsável pela epidemia. Você me disse que a</p><p>epidemia matou centenas de pessoas. Sua presença ao lado dela não teria</p><p>mudado nada; você poderia ter morrido também.</p><p>– Você não imagina quantas vezes pensei nisso.</p><p>– Mas não os traria de volta.</p><p>– Eu sei…</p><p>– Talvez esteja na hora de se perdoar, Wulfgar.</p><p>– Se eu quiser uma opinião sobre isso, eu pedirei – disse ele, inabalável.</p><p>– Não tive a intenção de ser presunçosa.</p><p>– Então, não me diga o que devo fazer.</p><p>– Não foi isso que eu quis dizer. Eu apenas…</p><p>– Esqueça esse assunto, Anwyn. Já acabou. É passado.</p><p>– Será? – indagou ela, encarando-o no fundo dos olhos.</p><p>– Como assim?</p><p>– Enquanto você não enfrentar o passado, não conseguirá viver o</p><p>presente.</p><p>– Já disse para você esquecer esse assunto.</p><p>Um silêncio pesado os envolveu. Wulfgar respirou fundo, contando</p><p>mentalmente até dez. Havia sido mais duro do que pretendia, mas tinha sido</p><p>pego desprevenido, algo que Anwyn vinha se especializando em fazer. A</p><p>última coisa que queria era brigar, mas não permitiria que ela o �zesse</p><p>revisitar o passado. No entanto, o perigo maior era que ela estava se</p><p>apegando demais a ele. Quando concordara com a proposta de Anwyn,</p><p>achara que seria de fato um casamento de conveniência, conforme ela havia</p><p>descrito. De um jeito ou de outro, acabou sendo, mas não previra que ela se</p><p>envolveria tanto, e ele também. Se �casse por mais tempo, só faria piorar</p><p>tudo. A confusão estava formada, o que aumentava a credibilidade do que</p><p>ele havia dito desde o começo.</p><p>– Você já viu tudo o que queria por aqui? – perguntou ele.</p><p>– Sim.</p><p>– Então, vou escoltá-la até em casa.</p><p>Os dois voltaram em silêncio até onde haviam deixado os cavalos. Ela o</p><p>olhou com o canto dos olhos, mas ele continuava sério e impenetrável.</p><p>Estavam separados por apenas alguns centímetros, mas para Anwyn a</p><p>distância havia aumentado quilômetros depois daquela conversa.</p><p>Capítulo 19</p><p>APESAR DE ter se esforçado em esquecer a conversa que tivera com Anwyn, o</p><p>assunto não lhe saiu da cabeça nos dias que se seguiram. Ficava cada vez</p><p>mais claro que ele não era o marido que ela precisava e merecia, mas ao</p><p>menos podia mantê-la em segurança de alguma forma. Só deixaria</p><p>Drakensburgh quando soubesse que ela estava segura, com um batalhão de</p><p>defesa à disposição dela. Os novos recrutas tinham aprendido muito no</p><p>combate sangrento, tinham ganhado con�ança, e o comprometimento e a</p><p>determinação tinham aumentado em igual proporção.</p><p>– Eles estão �cando cada vez melhores – elogiou Hermund, enquanto</p><p>assistia ao treinamento com Wulfgar.</p><p>– Aye, estão mesmo. Estarão prontos para defender Drakensburgh</p><p>quando partirmos.</p><p>– Você já decidiu a data? Alguns dos nossos homens estão perguntando.</p><p>Wulfgar meneou a cabeça.</p><p>– É uma pergunta justa. Estou pensando no assunto.</p><p>Na verdade, não havia nenhuma razão que impedisse que o Lobo do Mar</p><p>zarpasse em um futuro próximo. Deixar Anwyn e Eyvind seria um</p><p>sofrimento, mas, quanto mais ele �casse, pior seria a despedida. Além do</p><p>mais, ele tinha obrigações com seus homens e negócios a tratar com Rollo.</p><p>Precisaria conversar com Anwyn e dizer o que estava acontecendo. Devia</p><p>isso a ela, mas não ansiava em encontrá-la. Não que ela fosse fazer uma</p><p>cena, mas ele sabia a mágoa que impingiria ao coração dela. Aliás, magoá-la</p><p>estava se tornando um mau costume.</p><p>O assunto estava pesando sobre seus ombros. Enquanto trabalhava,</p><p>conseguia esquecer, mas assim que tinha um momento de folga aquilo</p><p>voltava a assombrá-lo.</p><p>Anwyn foi a primeira a notar o quanto ele estava preocupado. Apesar de</p><p>ele ter continuado a tratá-la com carinho, passara a manter certa distância.</p><p>Em princípio, ela acreditara que tinha sido por causa da discussão que</p><p>tinham tido, mas ele não havia mais tocado no assunto. O humor dele a</p><p>confundia e inquietava. Sem vontade de confrontá-lo, ela concluiu que</p><p>talvez fosse apenas uma fase que logo passaria.</p><p>Algumas vezes, ela o acompanhou para inspecionar as obras no vilarejo,</p><p>que continuavam com toda pressa.</p><p>– Conforme o prometido, os chalés �carão prontos até o �nal do mês –</p><p>disse ele.</p><p>Anwyn balançou a cabeça e sorriu. Entretanto, as últimas palavras a</p><p>remeteram a uma esperança esquecida. Seu �uxo menstrual não havia</p><p>vindo. Depois da morte de Torstein, ela tinha abandonado todas as</p><p>precauções para evitar a concepção, achando que não precisaria mais.</p><p>Contudo, não voltara a tomar cuidado depois do casamento com Wulfgar.</p><p>Não tinha sido deliberadamente. O fato era que tinha se livrado do medo de</p><p>engravidar e, com isso, deixara de lado outras considerações importantes.</p><p>Na verdade, até pouco tempo tinha se esquecido totalmente do assunto. Será</p><p>que a semente de Wulfgar tinha vingado em seu corpo? Como não tinha</p><p>certeza, decidiu não mencionar o fato a ele. Ainda mais naqueles dias em</p><p>que ele estava com o humor tão alterado. O acordo nupcial tinha se</p><p>transformado em algo que nenhum dos dois havia previsto, apesar de ambos</p><p>desejarem. Para ela o desejo tinha �orescido em uma emoção muito mais</p><p>forte. Da parte dele… ela não sabia. Apesar de todo o carinho com que a</p><p>tratava, ele jamais dissera que a amava. A tristeza ao se dar conta de que</p><p>nunca o tinha ouvido se declarar foi inevitável.</p><p>– Você está bem, Anwyn?</p><p>A voz dele a trouxe de volta à realidade.</p><p>– Perdoe-me. Eu estava divagando.</p><p>– Você parece muito preocupada. – Ele a observou com mais atenção. –</p><p>No que está pensando?</p><p>– Em uma porção de coisas. – Ela forçou um sorriso. – Mas nada muito</p><p>preciso.</p><p>Como ele não insistiu, a conversa tomou outro rumo. Eles voltavam do</p><p>vilarejo em construção e continuaram cavalgando, até que, mal tendo</p><p>chegado à metade do caminho, Wulfgar desviou o cavalo na direção do</p><p>riacho.</p><p>Anwyn reconheceu o lugar no mesmo instante, pois tinham estado ali</p><p>juntos pouco depois da chegada dele a Drakensburgh.</p><p>– Você não quer desmontar e andar um pouco comigo? – Ele a convidou.</p><p>– Claro.</p><p>Ele amarrou os cavalos a uma árvore e, tomando-a pela mão, conduziu-a</p><p>até o mesmo pequeno barranco gramado onde tinham estado antes. Ele</p><p>estendeu a capa sobre a grama e os dois se sentaram. Contudo, o jeito dele</p><p>não era tão brincalhão quanto da primeira vez. Havia uma sombra no olhar</p><p>dele que a deixou inquieta.</p><p>– Há algo errado, milorde?</p><p>– Errado não, mas precisamos conversar, Anwyn.</p><p>Anwyn sentiu a inquietação aumentar.</p><p>– Quer me dizer alguma coisa?</p><p>– Não há uma maneira mais suave de falar, por isso vou ser direto. – Os</p><p>olhos azuis profundos encontraram-se com os dela. – A defesa de</p><p>Drakensburgh está completa e logo partirei com meus homens.</p><p>Então, havia chegado a hora. Sim, ele havia dito aquilo logo no início.</p><p>Fazia parte do acordo. No entanto, o efeito foi como se ela tivesse levado um</p><p>soco em seu plexo solar. Ela respirou fundo, lutando para não enjoar.</p><p>– Entendo… – Ela mesma se surpreendeu com a altura da própria voz.</p><p>– Eu dei a eles minha palavra. Além do mais, temos de nos encontrar com</p><p>Rollo. – Ele pausou. – Mas você estará bem protegida. Os homens estão</p><p>muito bem treinados e foram testados durante a batalha.</p><p>– Sim.</p><p>– Para uma garantia maior, deixarei alguns dos meus homens aqui</p><p>também. Além disso, você conta com a ajuda de Ina. Ele é um bom homem.</p><p>– Sim.</p><p>– Ele irá cuidar de tudo durante minha ausência.</p><p>Anwyn respirou fundo antes de perguntar:</p><p>– Quando pretende partir?</p><p>– É provável que em algumas semanas, assim que terminarmos a</p><p>construção dos chalés e provisionarmos o navio.</p><p>– Você �cará fora por muito tempo?</p><p>– Acho que o tempo su�ciente. É impossível precisar.</p><p>– Vou sentir saudades.</p><p>– E eu também. Passamos bons momentos juntos, não foi?</p><p>Anwyn fechou</p><p>as pernas e enlaçou as mãos ao redor.</p><p>– Tem sido muito melhor que isso.</p><p>A profundidade do comentário deixou-o com o coração partido.</p><p>– Fico feliz por compartilhar da minha opinião.</p><p>– Como poderia ser diferente? Ao seu lado encontrei a felicidade que eu</p><p>julgava não existir.</p><p>– Eu também tenho sido… muito feliz.</p><p>Reunindo toda a coragem, ela se forçou a fazer a próxima pergunta:</p><p>– Voltarei a vê-lo algum dia, Wulfgar?</p><p>O rosto dele re�etiu algo semelhante à dor.</p><p>– Se essa for a vontade dos deuses…</p><p>– Faço votos que seja. – Ela apertou tanto as mãos que as juntas dos dedos</p><p>�caram esbranquiçadas.</p><p>– Gostaria de prometer um retorno, mas a guerra é um negócio muito</p><p>incerto. – Ele a puxou para mais perto para que ela apoiasse a cabeça em seu</p><p>peito e beijou-lhe a cabeça. – Nunca esquecerei o tempo que passamos</p><p>juntos.</p><p>Anwyn o abraçou com força e fechou os olhos, como se pudesse guardar</p><p>para sempre aquele momento e afastar a perspectiva de viverem afastados.</p><p>ELES VOLTARAM para casa um pouco mais tarde e, enquanto Wulfgar foi falar</p><p>com Ina, Anwyn optou pela solidão da antessala de seus aposentos, tentando</p><p>ordenar o caos em que estavam seus pensamentos. Só que a tarefa não era</p><p>fácil, principalmente depois da conversa com Wulfgar. Sentiu-se nauseada e</p><p>gotas de suor brotaram-lhe na testa. De repente a sala �cou abafada e</p><p>sufocante. Jogando a capa longe, ela correu para a pia e vomitou várias vezes.</p><p>Por um momento, achou que iria desmaiar, mas aos poucos a sensação ruim</p><p>foi passando e ela voltou a respirar normalmente. Com uma toalha</p><p>umedecida na água, ela lavou o rosto. A temperatura fria da água deixou-a</p><p>renovada.</p><p>Ainda de costas, ouviu alguém entrar na sala. Pensou que fosse Wulfgar,</p><p>mas, para seu alívio, era Jodis. A criada sorriu, mas assustou-se com a</p><p>palidez de Anwyn.</p><p>– A senhora está bem, milady?</p><p>– Sim, não é nada. Tive um mal-estar repentino. Daqui a pouco estarei</p><p>melhor.</p><p>– Tomara que sim. Venha se deitar um pouco até se sentir melhor.</p><p>Anwyn aceitou o conselho e se deixou conduzir até a cama, onde se</p><p>deitou, desconsolada.</p><p>– O que houve para deixá-la assim? – indagou Jodis. – Talvez tenha sido</p><p>alguma coisa que a senhora comeu.</p><p>– Não, eu nem sequer comi.</p><p>– Então, pode ser outra doença.</p><p>– Sim, Jodis, mas temo que essa não tenha cura. – Ao notar o horror da</p><p>criada, ela emendou: – Ele está de partida.</p><p>– Quando? – Jodis entendeu no mesmo instante de quem se tratava.</p><p>– Em breve. Acredito que seja uma questão de semanas.</p><p>– Ah, sinto muito. Eu tinha esperanças de que…</p><p>– Acho que todos tínhamos esperanças. – Anwyn suspirou. – Eu,</p><p>principalmente.</p><p>– Mas ele vai voltar.</p><p>– Talvez um dia… se não for morto ou aprisionado primeiro.</p><p>Jodis se sentou em um banquinho, consternada, observando o sofrimento</p><p>de sua senhora.</p><p>– Estou certa de que ele voltará.</p><p>– Eu gostaria de poder dizer o mesmo.</p><p>– Ele é o conde de Drakensburgh e jamais se esquecerá disso. Não se</p><p>esquecerá da senhora também.</p><p>– Bem, é certo que eu não o esquecerei. – As lágrimas contidas</p><p>inundaram os olhos de Anwyn. – Eu o amo, Jodis. Sempre tive esperanças de</p><p>que um dia ele se apaixonasse por mim também.</p><p>– Posso jurar que ele gosta muito da senhora.</p><p>– Pode ser, mas não é o su�ciente para mantê-lo aqui.</p><p>– Ele ainda não partiu. Quem sabe não mude de ideia?</p><p>Anwyn meneou a cabeça.</p><p>– Isso não acontecerá. Mesmo porque eu sabia que um dia ele partiria. –</p><p>As lágrimas encharcaram o rosto de Anwyn. – Eu só não esperava que</p><p>sofresse tanto.</p><p>– Se ele souber do seu sofrimento, pode ser que reconsidere.</p><p>– Se isso acontecer, ele falharia com seus homens. Ele lhes deu sua</p><p>palavra.</p><p>– E o que prometeu à senhora?</p><p>– Ele nunca prometeu algo que não estivesse preparado para cumprir.</p><p>– Por que os homens são tão tolos? – Jodis suspirou. – Eles são incapazes</p><p>de enxergar o que está embaixo de seus narizes.</p><p>– Nós, mulheres, podemos ser tolas também, ao enxergarmos o que</p><p>queremos em vez da realidade. Quando percebemos o erro, é tarde demais</p><p>para voltar atrás.</p><p>– A senhora gostaria de desfazer o acordo?</p><p>– Não, essa é a pior parte. – Anwyn enxugou as lágrimas com a manga do</p><p>vestido. – Fui eu que tive a ideia, e agora preciso arcar com as</p><p>consequências.</p><p>Jodis olhou para Anwyn, depois para a pia e arregalou os olhos.</p><p>– Oh, não! A senhora não está…?</p><p>– É possível que sim. A certeza virá em uma ou duas semanas.</p><p>– A senhora contou a ele?</p><p>– Não há o que dizer ainda.</p><p>– Mas…</p><p>– Por favor, não diga nada também – pediu Anwyn, colocando a mão</p><p>sobre o braço de Jodis.</p><p>TODAS AS dúvidas sumiram quando o �uxo menstrual seguinte de Anwyn</p><p>falhou também. Além disso, os enjoos tinham piorado. Mesmo escondendo</p><p>o fato de Wulfgar, ela atribuiu a piora de sua condição à ansiedade. Pior era</p><p>ter a consciência do quanto desejava aquele �lho. Mesmo sabendo que</p><p>enfrentaria di�culdades no parto, não mudou de ideia. O �lho que carregava</p><p>no ventre seria uma lembrança viva depois que Wulfgar tivesse partido. E</p><p>tinha chegado à conclusão de que devia contar a ele. Era só uma questão de</p><p>escolher a hora certa.</p><p>WULFGAR PERCEBEU o quanto ela estava preocupada, mas não imaginava a</p><p>causa verdadeira. Ele atribuiu a ansiedade a sua partida iminente. A todo</p><p>momento, imaginava a cena da despedida. Na verdade, os dias que</p><p>antecediam a partida eram praticamente insuportáveis. Quando ele dissera</p><p>que sentiria saudades, não estava mentindo. Agora sabia que seria um</p><p>sentimento insuportável, algo que jamais previra quando aceitara se casar</p><p>com ela. Ambos estavam cientes de que aquele momento chegaria. Ele era</p><p>um aventureiro, um mercenário… nunca se mostrara de forma diferente. E</p><p>tinha obrigações com seus homens. Um músculo tenso saltou em seu</p><p>maxilar.</p><p>– Estamos quase acabando aqui – disse Hermund, que terminava de</p><p>colocar a palha no telhado dos últimos dois chalés. – Mais um dia e estará</p><p>tudo terminado.</p><p>Wulfgar relanceou o olhar para os telhados e voltou a atenção para</p><p>Hermund.</p><p>– Aye, está ótimo.</p><p>– O batalhão de Drakensburgh também está preparado e com força total.</p><p>– Tem razão.</p><p>– Quais são os planos agora?</p><p>– Vamos manter o compromisso que �zemos. Iremos nos encontrar com</p><p>Rollo.</p><p>– Vou começar a preparar e provisionar o navio.</p><p>– Faça isso. Vamos sair com ele para testar. Certi�que-se de que esteja</p><p>tudo em ordem.</p><p>– Será bom ver o mar de novo. – Hermund sorriu.</p><p>– Eu já estou vendo.</p><p>NÃO DEMOROU para que a notícia da partida se espalhasse. Quando Eyvind</p><p>soube que o navio sairia para uma volta de veri�cação, seus olhinhos</p><p>brilharam.</p><p>– Posso ir, milorde?</p><p>A primeira reação de Wulfgar foi negar, mas depois não resistiu ao olhar</p><p>de súplica de Eyvind.</p><p>– Por que não? – Ele olhou por cima da cabeça do menino para Anwyn. –</p><p>Não vamos muito longe. Iremos um pouco adiante da costa e voltaremos.</p><p>Ele estará em segurança.</p><p>Anwyn também queria recusar, mas não poderia prender Eyvind nos</p><p>cordões de seu avental para sempre. Eyvind tinha amadurecido bastante</p><p>desde a chegada de Wulfgar, que não deixaria que nada lhe acontecesse.</p><p>– Muito bem.</p><p>Eyvind sorriu e corou de animação. Seguiram juntos até a praia, onde os</p><p>outros os aguardavam. Duvidando de que as perninhas de Eyvind</p><p>acompanhariam seus passos, Wulfgar o colocou nos ombros e virou-se para</p><p>Anwyn.</p><p>– Não quer vir conosco até a praia?</p><p>– Acho que vou atrasá-los.</p><p>– Se eu achasse isso, não a teria convidado.</p><p>A voz aveludada do convite e o olhar penetrante �zeram com que o</p><p>coração dela pulsasse mais rápido.</p><p>– Eu vou.</p><p>Wulfgar deixou os homens irem correndo na frente e acompanhou</p><p>Anwyn. Não conversaram muito, mas naquele momento ela achou que o</p><p>silêncio seria uma companhia melhor. Bastava que estivessem juntos, os três.</p><p>Sem perceber, ela colocou a mão sobre o ventre. A sensação de carregar um</p><p>�lho de Wulfgar era agridoce, o que a lembrou de que precisava contar a ele.</p><p>Não permitiria que ele navegasse pelos mares sem saber que teria um �lho.</p><p>Precisava falar com ele assim que possível.</p><p>HAVIA UMA grande movimentação na praia quando eles chegaram. A maré</p><p>estava calma, poucas ondas quebravam na enseada. A brisa trazia o perfume</p><p>da maresia misturado com mata. Os raios de sol emprestavam</p><p>às águas</p><p>esverdeadas seu brilho e tons de amarelo.</p><p>Wulfgar tirou o menino dos ombros e o deixou correr até a praia, onde os</p><p>homens preparavam o navio.</p><p>– Tomarei conta dele – disse Wulfgar.</p><p>– Eu sei.</p><p>Ele sorriu e abaixou-se para beijá-la. Ela se inclinou na direção dele e o</p><p>enlaçou pelo pescoço. Então, beijaram-se com paixão. Quando se afastaram,</p><p>Wulfgar já estava arrependido.</p><p>– Gostaria de poder �car e continuar…</p><p>Anwyn olhou na direção dos marinheiros.</p><p>– Acho que seus homens não aprovarão a ideia.</p><p>– Aye, pode ser, especialmente se souberem o que tenho em mente.</p><p>– Não vou perguntar também. – Anwyn corou ao imaginá-los juntos.</p><p>– Bem, terei de contar quando voltar. – Ele a �tou com carinho. – Contar</p><p>é maneira dizer…</p><p>– Você é incorrigível.</p><p>– Quando o assunto é você, sou mesmo. – Ele levou a mão dela até os</p><p>lábios e a beijou. – Até mais tarde, Anwyn.</p><p>Assim dizendo, ele se virou e desceu até a praia. Anwyn continuou onde</p><p>estava, observando-o unir-se aos outros. Não demorou muito para que o</p><p>imenso navio deslizasse pelas toras de madeira e chegasse ao mar. Eyvind</p><p>estava na proa ao lado de Wulfgar e acenou para ela entusiasmado. Anwyn</p><p>se esforçou para acenar também.</p><p>Ao longe ela ouviu os comandos de Wulfgar e viu quando os imensos</p><p>remos tocaram a água, levantando em seguida. Aos poucos o Lobo do Mar</p><p>foi tomando seu curso ao longo da encosta. Anwyn �cou olhando até perdê-</p><p>lo de vista.</p><p>WULFGAR PERMANECEU na proa sem desviar o olhar de Anwyn na praia. Ela</p><p>foi diminuindo de tamanho e parecia vulnerável, o retrato da solidão. A cena</p><p>tocou uma parte de seu coração trancada havia muito tempo. Teria sido</p><p>melhor se a tivesse trazido; ela teria gostado do passeio, sem contar que a</p><p>companhia dela seria a melhor de todas. Ele ainda via um pontinho mais</p><p>escuro na praia, mas já sentia saudade. Recusou-se a pensar na saudade que</p><p>sentiria quando tivesse partido de verdade.</p><p>Capítulo 20</p><p>O NAVIO retornou no início da noite. Anwyn os ouviu chegar e correu para</p><p>recebê-los. De longe, viu o grupo com Wulfgar no meio e Eyvind em seus</p><p>ombros de novo. Quando Wulfgar o colocou no chão, ele correu para</p><p>encontrar a mãe. Mesmo sujo e desgrenhado, estava exultante, exalando</p><p>felicidade de cada poro de sua pele. Logo começou a falar apressado,</p><p>contando todos os detalhes da experiência. Ela ouviu com atenção e �cou</p><p>sabendo que Eyvind tinha explorado cada canto do navio. Mas não tinha</p><p>acontecido nada que a tivesse assustado. Quando terminou o relato, Eyvind</p><p>correu para contar tudo para Jodis.</p><p>– Ele se comportou bem? – perguntou Anwyn ao encontrar Wulfgar.</p><p>– Não tive trabalho nenhum. Acho que ele é um marinheiro nato.</p><p>O elogio deixou Anwyn orgulhosa e temerosa ao mesmo tempo.</p><p>– Obrigada por tê-lo levado. Pelo que ouvi, ele adorou.</p><p>– Eu também. Ele é um bom garoto.</p><p>– Você é muito bom com ele.</p><p>– Acontece que gosto de criança.</p><p>O coração de Anwyn deu um salto.</p><p>– É mesmo?</p><p>– Claro que sim.</p><p>Havia vários grupos de homens não muito longe de onde eles estavam, o</p><p>que a levou a concluir que não era um bom momento para contar a</p><p>novidade. Ela respirou fundo e limitou-se a sorrir.</p><p>– A experiência foi como você havia previsto?</p><p>– Aye, foi sim. Não tivemos problema algum.</p><p>– Isso é bom.</p><p>– Agora eu comeria um touro com duas garfadas.</p><p>– A refeição está pronta.</p><p>Ele passou o braço ao redor da cintura dela e os dois entraram juntos no</p><p>salão.</p><p>O AMBIENTE no hall estava alegre naquela noite, com muitos risos e</p><p>conversas e provocações animadas. Anwyn deixou-se envolver pelo</p><p>entusiasmo de todos, sentindo-se estranhamente bem. O humor de Wulfgar</p><p>tinha mudado bastante. Ele já não estava mais tão distante, mas à vontade,</p><p>conversando e sorrindo. Fazia tempo que ela não o via tão relaxado. Anwyn</p><p>compartilhou do humor dele e sorriu. Talvez, mais tarde, quando estivessem</p><p>sozinhos no quarto, ela encontraria as palavras certas para contar sobre o</p><p>�lho que esperava. Como será que ele reagiria? Será que �caria feliz com a</p><p>perspectiva de ser pai novamente?</p><p>Para surpresa dela, ele não mostrou vontade de acompanhar seus homens</p><p>em mais uma rodada de bebida. Parecia ansioso para se retirar. Anwyn</p><p>sentiu um friozinho correr-lhe a espinha ao se lembrar do que ele havia dito</p><p>naquela manhã.</p><p>Ela não tinha sido a única a recordar a promessa de uma intimidade</p><p>maior. Assim que entraram no quarto, ele a despiu, tirou a própria roupa e</p><p>levou-a para cama. Fizeram amor com uma paixão inesgotável. Anwyn</p><p>queria tatuar na memória cada detalhe, cada sensação no coração.</p><p>Mais tarde, saciados e felizes, deitaram-se lado a lado, esperando que</p><p>aquele doce delírio não terminasse jamais. Depois de um tempo, Anwyn</p><p>virou-se de lado e correu o dedo pelo tórax dele.</p><p>– Wulfgar?</p><p>– Humm.</p><p>– Preciso perguntar algo.</p><p>– O que foi, querida?</p><p>– Você nunca quis ter mais �lhos?</p><p>Wulfgar �cou em silêncio por breves minutos, mas ela sabia que era</p><p>observada atentamente.</p><p>– Não há tempo para criar uma criança na vida de um mercenário. Filhos</p><p>são laços que prendem um homem.</p><p>Ela engoliu em seco.</p><p>– Mas você não quer herdeiros que possam perpetuar seu nome e sua</p><p>hereditariedade?</p><p>– A fama de um homem permanece depois de sua morte.</p><p>– E isso é su�ciente?</p><p>– Tem sido assim para mim.</p><p>– Entendo…</p><p>Ele se virou para enxergá-la melhor.</p><p>– Não tenha medo, Anwyn, não exigirei que você tenha �lhos. Você já foi</p><p>bem clara sobre isso.</p><p>– Eu sei, mas…</p><p>– Está certo. Fique tranquila, não estou bravo por você evitar essa</p><p>possibilidade. – Ele sorriu irônico, consciente da tristeza que o invadira. –</p><p>Seria uma complicação que não precisamos, nas atuais circunstâncias.</p><p>Ela fechou os olhos, satisfeita por poder esconder o rosto na escuridão.</p><p>– Se é o que acredita, milorde.</p><p>– Se bem que você já tem um �lho.</p><p>– É verdade.</p><p>– Não se preocupe com esses pensamentos, Anwyn. Garanto a você que</p><p>não penso nisso também. – Ele a beijou no rosto. – Minha querida, já se faz</p><p>tarde e precisamos dormir um pouco.</p><p>WULFGAR ACORDOU cedo no dia seguinte. Ao notar que Anwyn ainda dormia</p><p>profundamente, ele se levantou e se vestiu. Enquanto se arrumava, pensava a</p><p>respeito do que tinham falado na noite anterior. Já havia notado que ela</p><p>andava preocupada como se o assunto estivesse lhe pesando nas costas. Ele</p><p>havia respondido da maneira que achara mais correta, mesmo que não</p><p>tivesse sido totalmente verdadeiro. Não gostaria que ela se sentisse culpada.</p><p>Mesmo assim sentiu-se honrado de ela ter ao menos considerado ter um</p><p>�lho dele, sabendo o quanto ela desgostava do processo todo. Não que a</p><p>culpasse. Ter um �lho era arriscado mesmo em um casamento estável.</p><p>Muitas mulheres morriam no parto, e o mesmo podia acontecer com os</p><p>bebês. A lembrança do rosto de Toki lhe veio à mente, e depois pensou em</p><p>Eyvind. Mas o remorso e o desejo de ser pai não mudavam nada.</p><p>Admirou-a deitada na cama sentindo-se dominado por um misto de</p><p>emoções. O breve enlace com Anwyn tinha lhe trazido muita felicidade,</p><p>muito mais do que esperava alcançar um dia. Por essa razão, estaria sempre</p><p>em débito com ela. Se tivessem se conhecido em outras circunstâncias,</p><p>podiam ter tido uma vida comum e uma família. Era um sonho sedutor. Se</p><p>os deuses permitissem, voltaria um dia, e quem sabe…</p><p>Ele suspirou e voltou até a cama para beijá-la na testa antes de sair.</p><p>Os chalés do vilarejo estavam prontos e, com isso, ele podia focar toda a</p><p>atenção na viagem, porém faltava aquela ansiedade que sempre antecipava</p><p>uma partida. Forçando-se a se concentrar, ele fez uma lista mental do que</p><p>precisariam. Depois, comunicou tudo a Hermund.</p><p>– Sem problemas, milorde. Temos aqui mesmo a maior parte dos</p><p>suprimentos de que precisamos… pão, cerveja, postas de bacon.</p><p>– Teremos de comprar em outro lugar arenque e enguias defumadas –</p><p>disse Wulfgar.</p><p>– Quando estávamos patrulhando a enseada, encontramos um lugar não</p><p>muito longe onde podemos comprar o que falta.</p><p>– Você testou a qualidade dos produtos?</p><p>– Alguém precisava fazer isso – respondeu Hermund. – Para referência</p><p>futura, claro.</p><p>– Naturalmente.</p><p>– Posso negociar o que precisamos agora e pegamos a mercadoria quando</p><p>estivermos indo embora. É melhor fazermos</p><p>assim para evitar manusear</p><p>muito os produtos.</p><p>– É verdade. Vamos fazer isso agora.</p><p>– Está certo.</p><p>Hermund saiu para lidar com o assunto e Wulfgar foi até a forja falar com</p><p>Ethewald, que, por ter prestado bons serviços, merecia uma pequena</p><p>comissão. Depois, ele foi procurar Ina.</p><p>O velho guerreiro estava empenhado em ensinar a Eyvind como fazer</p><p>uma espada. Wulfgar �cou observando-os alguns minutos. Sentiria</p><p>saudades dos dois. Durante o tempo que passara em Drakensburgh, tinha</p><p>aprendido a respeitar a sabedoria de Ina e sua mente perspicaz. Sem o apoio</p><p>dele a vida não seria fácil para ninguém. E Eyvind… Ele suspirou. Com</p><p>quantos anos estaria quando se encontrassem na próxima vez? Será que o</p><p>menino se lembraria dele? As possibilidades não eram as mais agradáveis.</p><p>De uma hora para outra a partida estava assumindo uma complexidade</p><p>gigantesca. Procurando afastar aqueles pensamentos, ele caminhou até onde</p><p>estavam Ina e Eyvind.</p><p>Eyvind o viu primeiro e sorriu. Ina logo olhou para trás. No segundo</p><p>seguinte, uma espada de madeira o atingiu entre as vértebras.</p><p>– Eu acertei!</p><p>– Foi um golpe certeiro, garoto – disse Ina. – Foi bem feito.</p><p>– Você deveria ter �cado mais atento, principalmente depois de ver o que</p><p>aconteceu comigo antes.</p><p>– É verdade, milorde. – O velho guerreiro olhou orgulhoso para seu</p><p>aluno. – Ele será muito bom um dia.</p><p>– Eu diria que ele já está muito bem – respondeu Wulfgar. – A�nal, ele já</p><p>nos matou, não é?</p><p>Ina riu e bagunçou o cabelo do garoto, e o mandou fazer alguma coisa</p><p>correndo. Quando Eyvind sumiu de vista, Ina se dirigiu a Wulfgar �tando-o</p><p>sério.</p><p>– Preciso falar com o senhor, milorde.</p><p>– Aye – disse Wulfgar, temendo pelo que ouviria. – Eu partirei em alguns</p><p>dias e não há como prever quanto tempo �carei fora. Eu �caria tranquilo se</p><p>tivesse certeza de que você tomará conta do menino e de sua mãe.</p><p>Ina o prendeu pelo olhar.</p><p>– É isso que venho fazendo desde a morte do conde Torstein. Na ausência</p><p>de outro protetor, continuarei cumprindo minha obrigação.</p><p>Wulfgar percebeu a ironia daquelas palavras, mas sabia que merecia ouvir</p><p>aquilo. No entanto, a a�rmação não aliviou a tensão.</p><p>– Há um batalhão considerável para proteger Drakensburgh.</p><p>– Estou ciente disso. Mesmo assim, trata-se de uma mulher e uma criança</p><p>vulneráveis.</p><p>– Eles não estarão sozinhos.</p><p>– No que depender de mim, não, milorde. – Ina fez uma pausa. – O</p><p>menino se afeiçoou e sentirá sua falta.</p><p>– Eu também sentirei saudades.</p><p>– Lady Anwyn também sentirá muito sua ausência.</p><p>– Assim como eu.</p><p>– Claro. Como poderia não sentir?</p><p>As palavras foram ditas com uma entonação que deixava claro seu</p><p>signi�cado subliminar. Wulfgar tencionou o queixo.</p><p>– Não foi uma decisão fácil de ser tomada.</p><p>– Imagino que não tenha sido mesmo, milorde.</p><p>Wulfgar encarou Ina, mas não sentiu a mesma receptividade de antes. Por</p><p>alguma razão desconhecida, ele se sentia no lugar errado e, por mais que</p><p>tentasse justi�car suas razões para partir, menos convincente soava.</p><p>Pensando bem, ele nem sabia por que tentava se explicar. A�nal, era o</p><p>senhor no comando de Drakensburgh.</p><p>– Vou voltar um dia.</p><p>– Eles devem estar felizes em saber. – Ina mantinha a expressão de ironia.</p><p>– Mas não se preocupe. Enquanto não voltar, tomarei conta deles… já que</p><p>você não pode. – Dito isso, ele fez uma referência e saiu.</p><p>Sem ter o que dizer, Wulfgar �cou olhando o outro partir, dividido entre</p><p>surpresa, descrédito e outro sentimento tão desconfortável quanto a culpa.</p><p>ANWYN ESTAVA deitada, olhando para as vigas de madeira do teto, esperando</p><p>o enjoo passar. Ainda bem que Wulfgar não estava no quarto, senão</p><p>descon�aria de seu estado. Se tomasse cuidado, ele não precisaria saber.</p><p>Mesmo pensando assim, as lágrimas escorriam-lhe pelo rosto. Tinha sido</p><p>tola demais ao achar que ele gostaria da ideia de ser pai. Wulfgar gostava de</p><p>Eyvind e o tratava bem, mas isso não signi�cava que estaria disposto a</p><p>ajudar a educá-lo. Isso não fazia parte do acordo. Trata-se de um casamento</p><p>apenas no papel. Bem, a história tinha sido bem diferente e ela estava ciente</p><p>de que era a maior culpada pela mudança. Ele nunca deixara de ser sincero,</p><p>tampouco confessara seu amor. E ela mesma o tinha levado a acreditar que</p><p>não haveria futuras complicações se desfrutassem do tempo que tinham</p><p>juntos.</p><p>Seus pensamentos foram interrompidos por Jodis, que entrou no quarto</p><p>com um copo de osso com chá de camomila.</p><p>– Isso deve acalmar seu estômago, milady.</p><p>– Obrigada. – Anwyn se sentou com cuidado. – Estou me sentindo um</p><p>pouco melhor.</p><p>– Que bom. – Jodis colocou o copo sobre a mesa e olhou para Anwyn,</p><p>curiosa. – A senhora contou para ele?</p><p>– Não posso.</p><p>– Mas por que não?</p><p>Anwyn caiu em prantos. Passaram-se longos minutos até ela se recuperar</p><p>completamente para explicar. Jodis �cava mais preocupada à medida que a</p><p>ouvia.</p><p>– Fizemos um acordo e não posso mudá-lo agora.</p><p>– Mas, querendo ou não, a situação �cou bem diferente – contrapôs Jodis.</p><p>– Sim, mas a responsabilidade da mudança é minha.</p><p>– Acho que a ele cabe pelo menos a metade da culpa.</p><p>Anwyn balançou a cabeça negativamente.</p><p>– Eu o levei a acreditar que não haveria consequências. Ele não fazia ideia.</p><p>Se �zesse, o casamento seria só no papel mesmo.</p><p>– Sim, da mesma forma que porcos também voam – disse Jodis,</p><p>sarcástica. – Nunca vi um homem mais enganado.</p><p>– Não, se ele não descobrir.</p><p>– Qual homem não �caria feliz em saber que a esposa carrega um �lho</p><p>dele?</p><p>– Ele disse que um �lho prende o homem. Não quero contar e ele se sentir</p><p>obrigado a �car.</p><p>– Pensei que a senhora quisesse que ele �casse.</p><p>– Eu quero, mas não quero obrigá-lo, pois ele passaria a odiar a mim e a</p><p>criança por causa disso – disse Anwyn. – Pre�ro perdê-lo a permitir que isso</p><p>aconteça.</p><p>Anwyn e Wulfgar teriam muito pouco tempo juntos, e uma declaração</p><p>dessas seria o mesmo que colocar grilhões nos pés dele, ou então o deixar</p><p>partir cheio de culpa. E ela não queria tomar nenhuma das duas atitudes.</p><p>Como era a maior responsável pela situação, teria de lidar com tudo</p><p>sozinha. Apesar de não ter conquistado o amor dele, teria seu �lho e o</p><p>manteria em segurança.</p><p>Capítulo 21</p><p>OS DIAS restantes passaram devagar e Anwyn desejava secretamente que</p><p>alguma di�culdade acontecesse e que tardasse a partida do navio, mas suas</p><p>esperanças foram em vão. Os preparativos da partida corriam sem</p><p>problemas. Em parte, ela queria contar sobre a gravidez para Wulfgar e</p><p>implorar para que ele �casse. Mas acabou não falando nada. Já que ele ia</p><p>embora mesmo, que levasse boas recordações e que, nos anos em que</p><p>�cassem separados, se lembrasse dela com ternura, e não de alguém que</p><p>tinha feito exigências.</p><p>Na noite anterior à partida, ela organizou uma festa em honra da</p><p>tripulação do Lobo do Mar. Vestiu-se com esmero, escolhendo um de seus</p><p>melhores vestidos. E esforçando-se para se portar como uma verdadeira</p><p>an�triã ao lado de Wulfgar. Esse foi o maior desa�o que enfrentou na vida.</p><p>Wulfgar percebeu as nuances do comportamento dela por trás do sorriso</p><p>educado, mas não havia nada que pudesse dizer para aplacar a dor que ela</p><p>sentia. A despedida seria difícil para os dois e ele estava grato por Anwyn se</p><p>esforçar para não complicar ainda mais a situação. Ela estava linda naquele</p><p>vestido verde da cor do mar, combinando perfeitamente com o cabelo e os</p><p>olhos. Ele imaginou que ela havia se arrumado tão bem como estava de</p><p>propósito e admitiu que havia sido uma atitude muito perspicaz. Aliás, ela</p><p>era fruto de uma rara combinação de beleza e inteligência. Já não tinha mais</p><p>dúvida de que sentiria muita saudade dela. E, naquele momento, ele se deu</p><p>conta que era difícil até mesmo imaginar a vida sem ela.</p><p>– Você está maravilhosa. – Ele a elogiou. – Você sempre me honra com</p><p>sua beleza.</p><p>A maneira sensual como ele passeava o olhar por ela a enaltecia e</p><p>despertava-lhe o desejo.</p><p>– É esse meu objetivo, milorde.</p><p>– Você sempre se supera.</p><p>– Agradeço pelo elogio.</p><p>– Estou falando sério. – Ele a observou com critério. – Não há como não</p><p>reconhecer que você possui todas as qualidades desejadas pelos homens.</p><p>– Todas as qualidades almejadas por todos os homens?</p><p>– Isso não a lisonjeia?</p><p>Ela meneou a cabeça.</p><p>– Pre�ro signi�car tudo para um único homem.</p><p>– Você é muito exigente.</p><p>– Não posso me dar ao luxo de ser diferente.</p><p>– Para ser sincero, você signi�ca mais para mim do que qualquer outra</p><p>mulher.</p><p>Anwyn sentiu o coração aumentar um pouco o ritmo. Ele ainda não tinha</p><p>falado de amor, mas aquela declaração era o mais perto que conseguira e</p><p>mais do que esperava. Era doloroso saber que nunca seria a dona do coração</p><p>dele, mas preferia saber a verdade a se enganar. Valorizava muito a</p><p>delicadeza e a ternura com a qual era tratada, qualidades raras em qualquer</p><p>pessoa. E ele oferecia tudo por vontade própria. Anwyn não tinha do que</p><p>reclamar, mas também recebia apenas o que ele estava preparado para dar.</p><p>WULFGAR NÃO tinha intenção alguma de �car muito tempo no salão naquela</p><p>noite. Queria passar as últimas horas ao lado de Anwyn antes de partir.</p><p>Depois de se despedir dos outros, ele a conduziu ao quarto. Despiu-a com</p><p>vagar e a levou para a cama. Dessa vez, preferiu não apagar o candeeiro,</p><p>porque queria ver tudo e memorizar todos os detalhes possíveis. À luz</p><p>tremeluzente, �zeram amor com toda calma e paixão do mundo, como se</p><p>não houvesse o amanhã. Anwyn se superou na sensualidade com a qual se</p><p>entregou, transformando-se na realização de uma fantasia. Ela também não</p><p>queria se esquecer de nada, deslizando a mão pelo corpo másculo,</p><p>decorando todos os músculos, atiçando cada um dos nervos do corpo dele.</p><p>O toque, o perfume e o gosto da pele dele despertavam o desejo e a paixão.</p><p>À noite o aposento transformou-se em um casulo, um mundo particular</p><p>onde até o tempo tinha parado.</p><p>Depois de se amarem várias vezes, eles adormeceram durante um</p><p>pequeno intervalo e acordaram dominados por uma paixão voraz. Uma vez</p><p>mais ela se entregou sem qualquer reserva, saciando avidamente os desejos</p><p>dele e os seus.</p><p>Já era madrugada quando ela �nalmente adormeceu. Wulfgar �cou</p><p>admirando-a por um tempo, na expectativa de tatuar na retina cada traço</p><p>daquele rosto delicado. Ela parecia estar em paz como um anjo e</p><p>incrivelmente vulnerável. Ele suspirou. Mas ela não estaria vulnerável, pois</p><p>ele havia assegurado a defesa de Drakensburgh. Contudo, por alguma razão,</p><p>aquilo não o tranquilizava, ou dispersava o humor estranho e sombrio que</p><p>vinha sentindo havia algum tempo. Além disso, sentia uma forte sensação</p><p>de que uma coisa ruim voltaria a acontecer. As circunstâncias eram</p><p>diferentes, mas o sentimento de culpa era o mesmo… em especial, a dor</p><p>forte no coração.</p><p>DEVAGAR E quase imperceptível, a luz acinzentada do amanhecer se in�ltrava</p><p>pelas frestas da janela. Anwyn suprimiu a náusea que pesava em seu</p><p>estômago. Havia decidido se despedir de Wulfgar e de seus homens em</p><p>Drakensburgh antes que fossem para o navio. Não teria coragem de ir até a</p><p>praia e vê-lo se afastar a bordo do Lobo do Mar. Mas não impediu que</p><p>Eyvind fosse, desde que acompanhado por Ina. Eyvind não tinha falado</p><p>muito sobre a partida da Wulfgar, mas estava mais quieto do que de</p><p>costume. Ela sabia que o �lho também sentiria falta de Wulfgar, embora por</p><p>razões diferentes, e estava tranquila pela presença tranquilizadora de Ina</p><p>naquele momento, que permanecia forte como uma rocha.</p><p>Todos tomaram o café da manhã no salão. Foi uma refeição breve e com</p><p>pouco tempo para discursos. A atmosfera era tranquila, mas intencional</p><p>também. O brilho de ansiedade e alegria iluminava os rostos dos guerreiros</p><p>que estavam de partida.</p><p>Anwyn acreditava que Wulfgar compartilhava daquela sensação, embora</p><p>não demonstrasse. Talvez estivesse disfarçando para poupá-la. A aventura</p><p>tinha um apelo especial para aqueles homens. O mar corria com o sangue na</p><p>corrente sanguínea de cada um deles e era o senhor absoluto de seus</p><p>corações. Ela sabia que era uma rival fraca, e essa ciência era bem amarga.</p><p>DEPOIS DE comerem, os homens se reuniram no pátio, cada um deles</p><p>munido de suas vestimentas e armas de guerra. Alguns criados e artesões</p><p>compareceram à despedida, entre eles Ethelwald e Ceadda. O carpinteiro</p><p>observava tudo com melancolia.</p><p>– Sentiremos falta de lorde Wulfgar.</p><p>– Sem dúvida, e não apenas por milady – concordou Ethewald, meneando</p><p>a cabeça. – Muitos criados acharam que ele é bem melhor do que o primeiro</p><p>marido.</p><p>– Garanto que ela tem a mesma opinião.</p><p>– Você sabia que foi ele que inspecionou a reconstrução dos chalés</p><p>queimados?</p><p>– Aye – disse Ceadda. – Torstein não teria feito nada, principalmente pelo</p><p>tempo que levou.</p><p>– Não, mas nem sempre o destino transforma os homens certos em</p><p>lordes, não é?</p><p>WULFGAR PUXOU Anwyn de lado e, quando estavam a uma distância razoável</p><p>dos outros para serem ouvidos, ele a segurou pelos ombros gentilmente.</p><p>– Chegou a hora.</p><p>– Sim.</p><p>Havia tanta coisa que ele queria falar, mas resolveu ater-se à verdade:</p><p>– Vou sentir muito a sua falta, Anwyn.</p><p>Mas, para ela, não era o su�ciente. Estava ressentida, mas se esforçou para</p><p>não demonstrar nada.</p><p>– Eu também sentirei saudades, milorde. Rezarei para que volte a salvo.</p><p>– Vou voltar. – Ele fez uma pausa. – Meu lar é aqui.</p><p>– É mesmo?</p><p>– Você tem alguma dúvida? Quando cheguei não esperava que fosse tão</p><p>difícil partir.</p><p>As palavras a atingiram no fundo do coração e toda a dor que ela vinha</p><p>suprimindo transformou-se em raiva.</p><p>– Como você é loquaz, Wulfgar.</p><p>Ele a encarou, sem entender a razão da agressividade.</p><p>– Você acha que não digo a verdade?</p><p>– Se aqui fosse seu lar de fato e se você se preocupasse mesmo com</p><p>Eyvind e comigo, não nos deixaria.</p><p>– Eu a avisei desde o começo de que não �caria, Anwyn.</p><p>– E isso o isenta de tudo.</p><p>– Nunca a enganei.</p><p>– É verdade, mas enganou a si mesmo.</p><p>– O que é isso agora? – exigiu ele.</p><p>– Você sabe muito bem do que estou falando. Toda essa conversa sobre</p><p>responsabilidade com o navio e com seus homens não passa de uma</p><p>desculpa a �m de esconder uma razão maior.</p><p>– Esconder? De quê?</p><p>– Você tem medo do compromisso.</p><p>– Eu cumpri o prometido quanto a Drakensburgh. – Ele franziu o cenho.</p><p>– Você possui um batalhão de guerreiros competentes para defender a</p><p>propriedade.</p><p>– Você continua fugindo da questão principal.</p><p>– Qual questão?</p><p>– A mesma questão que o levou a deixar Freya e Toki.</p><p>Wulfgar empalideceu.</p><p>– Você não tem conhecimento algum sobre isso.</p><p>– Ah, pois acho que tenho sim – retorquiu ela. – Quais desculpas você</p><p>usou para deixá-los?</p><p>– Pare com isso agora, Anwyn.</p><p>– Por que, Wulfgar? A verdade dói?</p><p>– Se isso a faz se sentir melhor, saiba que ainda sinto a perda deles até</p><p>hoje.</p><p>– A dor que sente é por causa da culpa – acusou ela. – Você evitou o</p><p>comprometimento emocional que eles representavam em nome de uma</p><p>aventura de signi�cado dúbio.</p><p>– E já me arrependi bastante.</p><p>– Mas, mesmo assim, está prestes a cometer o mesmo erro.</p><p>Wulfgar respirou fundo.</p><p>– Essa não é a razão pela qual devo partir.</p><p>– Será que não? A verdadeira razão não é o seu medo da alternativa? – Ela</p><p>o prendeu pelo olhar. – Ficar signi�ca se doar por inteiro, e não apenas</p><p>ceder alguns lampejos emocionais para aliviar sua consciência.</p><p>Wulfgar perdeu a cor do rosto totalmente, mas, antes que pudesse dizer</p><p>alguma coisa, Hermund chamou:</p><p>– Precisamos ir, milorde, se quisermos aproveitar a maré.</p><p>Wulfgar olhou para o lado e respondeu:</p><p>– Eu já vou.</p><p>Os homens começaram a se dirigir para o portão. Anwyn e ele trocaram</p><p>olhares, mas por segundos não disseram nada.</p><p>– É melhor você ir, para não perder a maré. – Ela quebrou o breve</p><p>silêncio.</p><p>– Eu não gostaria que nossa despedida fosse assim.</p><p>– Vá embora.</p><p>Um músculo tenso saltou no maxilar dele.</p><p>– Adeus, então.</p><p>– Adeus, Wulfgar.</p><p>Com o coração apertado, ela o viu se unir aos homens, controlando com</p><p>maestria a urgência de chamá-lo de volta. Bem, ele não voltaria de um jeito</p><p>ou de outro. Mesmo que não estivesse com tanta vontade de partir, as</p><p>palavras dela o teriam afastado. Anwyn planejara controlar os sentimentos,</p><p>mas no �nal toda sua boa intenção não tinha valido nada. Agora o tinha</p><p>afastado completamente. Era bem provável que ele nunca mais voltasse, e ela</p><p>seria a grande culpada disso.</p><p>Wulfgar olhou na direção dela uma vez, mas sem sorrir ou fazer qualquer</p><p>sinal. Lágrimas inundaram os olhos dela e turvaram-lhe a visão do grupo</p><p>saindo pelo portão, acompanhados por espectadores que haviam</p><p>abandonado o trabalho para se despedir. Não era todo dia que podiam</p><p>presenciar uma cena daquelas, e Anwyn sabia que a maioria iria</p><p>acompanhá-los até a praia e observar a partida do Lobo do Mar. Ela correu</p><p>até a paliçada e subiu as escadas para olhar a procissão. No meio da</p><p>multidão estavam Eyvind e Ina. Eyvind olhou para trás e, ao vê-la, acenou.</p><p>Ela retribuiu o gesto. Depois o menino se virou para a frente e continuou a</p><p>caminhada. Anwyn localizou o mais alto dos guerreiros que seguia na frente</p><p>e não desviou mais o olhar.</p><p>– Adeus, meu amor – murmurou ela. – Espero que �que bem!</p><p>Wulfgar sumiu de vista bem antes de ela descer a escada.</p><p>WULFGAR NÃO se lembrava de ter andado até o navio, ou de ter falado com</p><p>alguém durante o trajeto. Não pensou em outra coisa que não a última</p><p>conversa que tivera com Anwyn. Ela o tinha atacado tão de repente e</p><p>inesperadamente que o deixara muito abalado. Depois de passado o choque</p><p>inicial, ele tinha �cado triste e depois bravo. Não era daquele jeito que</p><p>queria ter se despedido dela, mas dessa vez não tinha feito nada. Ela tinha</p><p>escolhido o método.</p><p>Ele observou seus homens acondicionarem seus equipamentos e bagagens</p><p>no Lobo do Mar e se dirigiu a Eyvind, que, junto com Ina, vinha analisando</p><p>todos os procedimentos com muita atenção. Eyvind olhou para Wulfgar</p><p>solenemente e pediu:</p><p>– Posso ir com você?</p><p>– Não, sinto muito – responder Wulfgar.</p><p>– E quando eu crescer, eu posso ir?</p><p>– Quando você for mais velho, sim.</p><p>Eyvind engoliu em seco.</p><p>– Você volta para me buscar?</p><p>– Voltarei sim. Enquanto isso, espero que treine bastante com sua espada</p><p>e ouça o que Ina diz com toda a atenção.</p><p>– Prometo que vou me esforçar.</p><p>– Ótimo. – Wulfgar fez uma pausa. – Já que você aprendeu bastante sobre</p><p>armas, acho que está pronto para �car com isso.</p><p>Wulfgar puxou da manga uma pequena faca, uma miniatura artesanal de</p><p>sua adaga, acondicionada em uma bainha de couro. Boquiaberto, Eyvind</p><p>�tou a arma e depois o homem que a estendia.</p><p>– Pode �car com ela – disse Wulfgar, meneando a cabeça.</p><p>Com todo cuidado, como se estivesse com medo de a arma sumir de</p><p>repente, Eyvind a pegou pelo cabo e puxou-a da bainha. Com os olhos</p><p>arregalados e brilhantes, examinou a lâmina.</p><p>– É linda! É para mim mesmo?</p><p>– Aye, é sim. Pedi ao ferreiro para fazê-la para você. A lâmina é a�ada,</p><p>então tome cuidado.</p><p>Eyvind olhou para cima com o rosto corado de felicidade.</p><p>– Obrigado, papai. É maravilhosa.</p><p>Wulfgar o �tou e depois olhou para Ina, que se mantinha inexpressível.</p><p>Eyvind nem tinha percebido o deslize e começou a movimentar a faquinha,</p><p>admirado com o efeito da luz no metal. Depois a recolocou na bainha com</p><p>cuidado.</p><p>– Você me ajuda a prendê-la no meu cinto?</p><p>Wulfgar deu uma tossidela.</p><p>– Claro que ajudo.</p><p>Wulfgar esperou que Eyvind afrouxasse o cinto, tirasse a espada de</p><p>madeira e a entregasse para Ina tomar conta. Ajoelhou-se para �car na</p><p>altura do menino e encaixou as alças da bainha no cinto e o a�velou. Eyvind</p><p>olhou para baixo, admirando o efeito causado pelo presente.</p><p>– Ficou bom.</p><p>– Ficou mesmo – concordou Wulfgar, meneando a cabeça.</p><p>– Vou usá-la sempre. – Eyvind olhou para seu companheiro. – Viu, Ina,</p><p>não �cou ótimo?</p><p>– Muito bom – concordou o velho guerreiro. – Foi um presente muito</p><p>generoso. Você tem muita sorte.</p><p>– Agora nós dois podemos proteger Drakensburgh, não é?</p><p>– É verdade, meu menino.</p><p>Eyvind pegou a espada de madeira das mãos de Ina e ofereceu a</p><p>empunhadura a Wulfgar.</p><p>– Isto é para você não esquecer a promessa de voltar.</p><p>Wulfgar pegou o presente e en�ou no próprio cinto, esboçando um</p><p>sorriso.</p><p>– Não me esquecerei.</p><p>Antes que ele dissesse mais alguma coisa, alguém o chamou:</p><p>– Estamos prontos para partir quando quiser, milorde.</p><p>– Já estou indo. – Wulfgar segurou Eyvind pelos ombros e meneou a</p><p>cabeça para Ina. – Até logo.</p><p>Dito isso, ele se virou e correu até o navio.</p><p>O VELHO guerreiro e Eyvind �caram observando a tripulação subir no navio.</p><p>Os remos baixaram para dentro da água e se levantaram em seguida, e assim</p><p>o Lobo do Mar começou a virar e seguir mar adentro. Quando se</p><p>transformou em um ponto distante, as pessoas começaram a voltar para</p><p>Drakensburgh. Depois de uma última olhada para o mar, Ina e Eyvind os</p><p>seguiram.</p><p>Ninguém notou um grupo de guerreiros a cavalo alinhando-se perto dos</p><p>arbustos. O som abafado dos cascos na grama foi o primeiro sinal da</p><p>presença deles. Ina olhou por cima do ombro e viu que os cavaleiros se</p><p>aproximavam velozmente. Os raios de sol re�etiam-se nos elmos e nas</p><p>correntes de malha. Ina franziu a testa. Quando viu o brilho das espadas,</p><p>escondeu Eyvind atrás de seu corpo. Em seguida gritou para aqueles que</p><p>seguiam na frente e puxou a adaga. A maior parte de seus homens estava</p><p>desarmada, a não ser pelas adagas nos cintos. Alguns começaram a correr.</p><p>Aqueles que estavam armados posicionaram-se para enfrentar o inimigo. Os</p><p>cavaleiros os alcançaram e começaram os gritos de dor e terror. O massacre</p><p>foi rápido e cruel. Logo o terreno estava repleto de corpos. Ina lutava com</p><p>dois deles, quando outros três se aproximaram. Ele os enfrentou com</p><p>valentia, mas estava a pé e sozinho. O primeiro golpe o atingiu no braço; o</p><p>segundo, na lateral do corpo dele. Ao olhar para os inimigos, chocado, ele</p><p>reconheceu o líder.</p><p>– Eu devia ter adivinhado.</p><p>Os lábios de Grymar se curvaram para cima em um sorriso malévolo.</p><p>– Você está muito descuidado, seu velho.</p><p>– Melhor descuidado do que traiçoeiro, seu cão covarde.</p><p>– Esse foi seu último insulto. – O sorriso de Grymar desapareceu.</p><p>Grymar avançou com a espada em riste. Ina tentou bloquear o golpe, mas</p><p>a dor e o sangue escorrendo dos ferimentos anteriores o enfraqueceram e foi</p><p>impossível evitar o golpe �nal. Eyvind gritou e, sem se importar em se expor</p><p>aos atacantes, ajoelhou-se ao lado de Ina.</p><p>– Ina! Ina!</p><p>Quando o velho guerreiro não respondeu, Eyvind começou a chorar.</p><p>Logo alguém o capturou, segurando-o pela túnica e puxando-o para a sela</p><p>do cavalo. Eyvind se debateu o quanto pôde, mas levou um soco perto do</p><p>ouvido e, segundos depois, estava inconsciente e debruçado sobre a sela.</p><p>Grymar gritou para os companheiros e todos viraram seus cavalos e saíram</p><p>galopando.</p><p>Capítulo 22</p><p>CONFORME O Lobo do Mar dava a volta na encosta de pedras, a baía</p><p>desaparecia de vista.</p><p>Wulfgar contraiu o maxilar e virou-se para estibordo, observando a costa</p><p>sumir. Em outras circunstâncias ele teria admirado a vista, a maresia</p><p>movimentando-lhe os cabelos e o movimento do barco sob seus pés.</p><p>No entanto, naquela manhã o verde do mar o remetia à cor dos olhos de</p><p>Anwyn. Logo se recordou dos momentos íntimos e sensuais, e a partida tão</p><p>ansiada transformou-se em um avassalador sentimento de perda. Ainda</p><p>estava com raiva das palavras dela ao se despedirem, que agora doíam como</p><p>um ferimento. Ao respirar fundo, ele esperou recuperar o equilíbrio mental</p><p>e o foco que o tinha guiado nos últimos cinco anos, porém o objetivo logo se</p><p>transformou em névoa. A confusão que o abalou gerou um sentimento de</p><p>aversão a si mesmo.</p><p>– Está um lindo dia, milorde.</p><p>Wulfgar relanceou o olhar para Hermund, que manejava o leme ao seu</p><p>lado.</p><p>– Está bom para velejar.</p><p>– Será ótimo para nós se o tempo continuar assim.</p><p>– Sem dúvida.</p><p>Hermund apontou para um vale estreito a pouca distância.</p><p>– É ali que devemos pegar o arenque defumado, milorde.</p><p>– Está certo.</p><p>– O comerciante prometeu que estaria acondicionado e nos esperando.</p><p>– Ótimo.</p><p>– Podemos parar e partir novamente em meia hora.</p><p>Wulfgar grunhiu e não respondeu. Seu olhar estava �xo na pequena ponta</p><p>de enseada, embora não estivesse enxergando nada. A dor no rosto de</p><p>Anwyn quando tinha partido era a única coisa que lhe povoava a mente. A</p><p>lembrança o atingiu como uma lâmina a�ada no estômago, retorcendo-se</p><p>para penetrar mais fundo em seu corpo. Se você se preocupasse de fato… não</p><p>nos deixaria. Wulfgar deu de ombros e piscou, enxergando a encosta</p><p>novamente.</p><p>Hermund o observava, preocupado.</p><p>– Está tudo bem, milorde?</p><p>– Claro que sim. Por que não estaria?</p><p>– Não é o que diz a expressão de seu rosto.</p><p>– Não se preocupe com isso. – Wulfgar contraiu o cenho. – Limite-se a</p><p>manobrar a droga do navio – desabafou e logo se arrependeu, soltando o ar</p><p>dos pulmões com força. – Desculpe-me, Hermund, estou mal-humorado, só</p><p>isso.</p><p>– Esqueça, não faz mal.</p><p>– Não conheço ninguém que tenha a capacidade de despertar meu mau</p><p>humor como você. – Wulfgar sorriu, irônico.</p><p>– É compreensível – disse Hermund. – Não é fácil deixar uma mulher.</p><p>A precisão do comentário atingiu Wulfgar, que reviveu a mesma sensação</p><p>de anos antes. Mas dessa vez era diferente; a mulher em questão sabia com</p><p>quem estava lidando e tinha sido avisada desde o começo para não esperar</p><p>nada em troca.</p><p>– Eu já fui assim – continuou Hermund –, mas uma boa luta me colocava</p><p>de volta nos eixos.</p><p>Wulfgar �xou o olhar na imensidão do mar, mas a possibilidade de</p><p>desbravá-lo já não o animava como antes. Em vez da melancolia, devia estar</p><p>entusiasmado com o encontro com Rollo, mas o efeito era o contrário. O</p><p>destino que o aguardava era provavelmente morrer em uma batalha de</p><p>terceiros. Sua morte não mudará o passado. Anwyn tinha razão, exceto que a</p><p>vontade de morrer tinha o único propósito de livrá-lo do peso da culpa.</p><p>Talvez esteja na hora de se perdoar… Ele sentiu um nó no peito. Era tarde</p><p>demais para pedir perdão para Freya e Toki. Quais desculpas você usou para</p><p>deixá-los? Ele sorriu com amargura. A dor que sente é por causa da culpa. A</p><p>verdade contida naquelas palavras era dilacerante e o impedia de �ngir que</p><p>dessa vez seria diferente; apenas as desculpas eram outras. Quando se casara</p><p>com Anwyn já tinha uma estratégia de fuga, disfarçando-a com a</p><p>sinceridade e honestidade. Era pegar ou largar. Assim ele �caria absolvido</p><p>de todas as responsabilidades recorrentes. Entretanto, ela se entregara sem</p><p>nenhuma restrição e tinha con�ado nele. Os dedos dele envolveram o cabo</p><p>da pequena espada de madeira. Isto é para você não esquecer a promessa de</p><p>voltar. O desprezo de si mesmo se intensi�cou. Estava com 27 anos, mas não</p><p>tinha deixado de ser egoísta e cabeça-dura como na juventude; quando</p><p>ignorava tudo que não fosse sua vontade, apropriando-se das afeições dos</p><p>outros como se fosse um dever. Ele era corajoso nas batalhas que enfrentava,</p><p>mas um covarde em todos os aspectos da vida que importavam. Não</p><p>prometo amor eterno… pois, se fosse assim, como Anwyn bem dissera, ele</p><p>teria de se doar incondicionalmente para sempre, e até então não tinha sido</p><p>homem o su�ciente para tanto. Amar era estar vulnerável, arriscar a se ferir</p><p>mais do que se estivesse em uma batalha, e era aí que residia o medo,</p><p>Wulfgar apertou a empunhadura da espada de madeira com tanta força que</p><p>as juntas esbranquiçaram. Em vez de enfrentar o medo havia abandonado</p><p>quem mais precisava dele, repassando a responsabilidade para outros.</p><p>A verdade cortou seu coração como uma lâmina a�ada. Hora de se</p><p>perdoar? Havia chegado a hora de se esforçar para merecer o perdão.</p><p>– Dê a volta no navio. Vou voltar – anunciou a Hermund.</p><p>ANWYN TENTAVA se concentrar em remendar a roupa que tinha nas mãos,</p><p>mas sua mente se recusava em cooperar. Wulfgar dominava seus</p><p>pensamentos. As últimas palavras que haviam trocado tinham sido</p><p>carregadas de raiva, palavras das quais ela já tinha se arrependido. Pensar no</p><p>futuro era o mesmo que antever anos de um doloroso vazio com a solidão</p><p>como companheira, a não ser por Eyvind. Ele era tudo o que lhe restava</p><p>agora.</p><p>A entrada súbita de um soldado a tirou das re�exões sombrias.</p><p>– Milady, lorde Ingvar está no portão.</p><p>Anwyn o encarou, incrédula.</p><p>– Ingvar, aqui?</p><p>– Aye, milady.</p><p>– Ele veio acompanhado pelo batalhão?</p><p>A surpresa transformou-se em desconforto.</p><p>– Não, apenas uma pequena escolta de meia dúzia de homens.</p><p>– O que ele quer?</p><p>– Diz ele que deseja falar com milady. Devo deixá-lo entrar?</p><p>– Que ele venha sozinho. Os homens dele têm de �car do lado de fora do</p><p>portão.</p><p>– Ele pode ter intenção de feri-la, milady.</p><p>– Então peça para que entre desarmado.</p><p>O soldado fez uma reverência e voltou correndo para o portão. Jodis</p><p>meneou a cabeça.</p><p>– Depois de tudo o que aconteceu, Ingvar não terá a ousadia de entrar</p><p>desarmado e sozinho.</p><p>– Ele assumirá um sério risco – respondeu Anwyn. – Deve haver alguma</p><p>razão séria para tanto. Presumo que seja melhor descobrir logo do que se</p><p>trata.</p><p>POUCO TEMPO depois, os portões se abriram e um único cavaleiro o</p><p>atravessou. Ele estava desarmado, mas já devia saber que não poderia entrar</p><p>com armas. Anwyn estava sozinha na porta do salão aguardando-o. Ele se</p><p>aproximou da porta com calma sem descer do cavalo, como se estivesse</p><p>prestes a fazer uma visita social. O desconforto de Anwyn aumentou.</p><p>Quando a distância entre eles se estreitou, não disseram nada em</p><p>princípio, apenas se entreolharam.</p><p>– Você está bem, Anwyn – comentou ele, esboçando um sorriso.</p><p>– O que quer, Ingvar? Por que veio aqui?</p><p>– Direta como sempre. Bem, talvez você esteja certa. Nas atuais</p><p>circunstâncias, podemos dispensar as formalidades sociais.</p><p>– Concordamos pela primeira vez.</p><p>Ele sorriu, mas os olhos re�etiam as más intenções.</p><p>– Percebi que o Lobo do Mar zarpou esta manhã. No �nal das contas, o</p><p>viking provou que não ligava para você. Caso contrário, não teria partido.</p><p>– Não ouse julgá-lo.</p><p>– Ele não merece sua lealdade.</p><p>– Sou leal a quem acho que mereça – disse ela friamente.</p><p>– Ele não a merece de jeito nenhum… nem as pessoas que lotaram a praia</p><p>para se despedir. Seu �lho também estava lá, não?</p><p>Anwyn sentiu um frio correr-lhe a espinha.</p><p>– Qual é o seu interesse no meu �lho?</p><p>– Garanto que é um interesse considerável. – Ele fez uma pausa antes de</p><p>prosseguir: – Ele está sob minha proteção agora.</p><p>Anwyn pensou que fosse desmaiar quando suas pernas fraquejaram.</p><p>– Onde ele está? O que fez com ele?</p><p>– Não tenha medo. Ele está em segurança.</p><p>– Diga logo o que quer, Ingvar.</p><p>– Meu desejo é o mesmo de sempre, Anwyn.</p><p>– Seja mais direto. Qual é o seu preço pela vida de Eyvind?</p><p>– Você.</p><p>– Troco minha vida pela dele sem pestanejar.</p><p>– Um sentimento nobre digno de alguém como você. Mas não é isso que</p><p>pretendo.</p><p>– O que quer, então?</p><p>– Você deve renunciar o casamento com o viking e se casar comigo.</p><p>Depois, Drakensburgh se unirá às minhas terras.</p><p>Naquele momento, Anwyn se sentiu como uma rocha, com coragem</p><p>su�ciente para revidar:</p><p>– E se eu me recusar?</p><p>– Nesse caso, infelizmente não verá mais seu �lho vivo.</p><p>– Posso ordenar que você não saia daqui vivo.</p><p>Ingvar meneou a cabeça.</p><p>– É uma possibilidade. Mas, quando meus homens souberem da minha</p><p>morte, o destino de Eyvind será o mesmo.</p><p>Ficou claro que ele já tinha previsto todas as possibilidades.</p><p>– Foi por essa razão que você veio tão con�ante.</p><p>– Exatamente. Mas ninguém precisa morrer.</p><p>– Por favor, Ingvar, imploro que solte meu �lho.</p><p>– Você tem uma hora para decidir. – O brilho do olhar dele a fulminou. –</p><p>Você deve ir sozinha a Beranhold e se apresentar no portão. Caso</p><p>contrário…</p><p>– Não creio que você seja tão cruel – disse ela, meneando a cabeça.</p><p>– Estou acostumado a brincar, Anwyn. Se não vier, enviarei uma prova de</p><p>que falo sério… um dedo, ou uma orelha de Eyvind, talvez. Ele não terá uma</p><p>morte rápida. – Ingvar parou de falar ao notar as lágrimas que corriam pelo</p><p>rosto dela. – Mas, se �zer o que digo, não acontecerá nada a ele. A escolha é</p><p>sua.</p><p>– Que escolha?</p><p>Ingvar segurou as rédeas do cavalo.</p><p>– Uma hora, Anwyn. Estarei esperando.</p><p>Dito isso, ele virou o cavalo e seguiu devagar na direção do portão até</p><p>atravessá-lo. Minutos depois ela ouviu o som do tropel dos cavalos, sinal de</p><p>que ele e sua escolta se afastavam.</p><p>WULFGAR E a tripulação se aproximavam da costa, quando viram os urubus</p><p>voando em círculos na praia.</p><p>– O que estaria chamando o interesse deles? – perguntou rand.</p><p>– Talvez um carneiro ou uma vaca morta – respondeu Asulf. – Devem ter</p><p>morrido há pouco tempo.</p><p>– Mas como?</p><p>– Bem, não estavam aqui quando saímos, se não teríamos notado, não é?</p><p>Wulfgar não disse nada, mas estava com um mau pressentimento,</p><p>enquanto aguardava impaciente que o navio atracasse.</p><p>– Vamos descer</p><p>com você para investigar – disse Hermund.</p><p>Meia dúzia de homens �cou de guarda no navio, enquanto eles desceram</p><p>e subiram as dunas, chegando rápido ao matagal. Foi então que viram a</p><p>razão de tantos urubus sobrevoarem a área. Havia vários corpos espalhados</p><p>por todo lado. Olharam ao redor e deduziram o que tinha acontecido. O</p><p>pior foi reconhecer alguns dos mortos.</p><p>– São moradores de Drakensburgh – disse Beorn, franzindo o cenho.</p><p>– Eles estavam desarmados – comentou Hermund. – Foram atingidos</p><p>pelas costas. Deve ter sido um ataque surpresa, e foram mortos ao tentarem</p><p>fugir.</p><p>– É o que parece – disse Wulfgar com ódio.</p><p>Continuaram a inspeção, até que Asulf parou e chamou os outros.</p><p>– Venham aqui!</p><p>Os companheiros se apressaram para encontrá-lo e pararam de súbito ao</p><p>reconhecerem um dos corpos.</p><p>– É Ina! – exclamou rand.</p><p>Todos se entreolharam incrédulos e indignados. Wulfgar apertou o olhar,</p><p>examinando o corpo e os detalhes das feridas profundas, enegrecidas pelos</p><p>mosquitos. Ao lado dele, havia corpos de dois soldados armados,</p><p>evidenciando que o velho guerreiro lutara com bravura antes de ser</p><p>atingindo mortalmente. A cena provocou um ódio inominável em Wulfgar.</p><p>– Ele foi um homem bravo e honrado, por isso ganhou seu lugar no salão</p><p>de Odin – disse com pesar.</p><p>– Não será o caso daqueles que o mataram com tanta crueldade –</p><p>murmurou Asulf, olhando ao redor.</p><p>– Os perpetradores irão pagar caro – disse Wulfgar.</p><p>– Essa é a verdade, milorde – comentou rand. – Os piores pesadelos</p><p>que eles podem ter tido na vida não chegarão à metade do que sofrerão</p><p>quando os encontrarmos.</p><p>O grupo bradou, concordando com rand.</p><p>– Se Ina está aqui, onde está o menino? – Beorn olhou ao redor à procura</p><p>de Eyvind.</p><p>A pergunta calou todos, que aos poucos foram entendendo o que poderia</p><p>ter acontecido. As juntas dos dedos de Wulfgar esbranquiçaram ao segurar o</p><p>cabo da espada com força.</p><p>– Eyvind… – murmurou. – Encontrem-no. Encontrem meu �lho!</p><p>O grupo se dividiu e continuou a busca por todo o terreno. Wulfgar</p><p>andava pelos corpos com o coração pesado como chumbo. Era a segunda</p><p>vez na vida que sentia uma dor tão profunda. Ele engoliu em seco. Será que</p><p>Anwyn já sabia o que tinha acontecido? Pensar no sofrimento dela o deixou</p><p>arrasado, pois certamente ela o culparia pela tragédia. E dessa vez não</p><p>haveria perdão, o que o deixou com um gosto amargo na boca.</p><p>Eles examinaram todos os corpos do massacre, mas não encontraram</p><p>nada.</p><p>– O menino não está aqui, milorde – constatou Hermund.</p><p>Wulfgar soltou o ar dos pulmões devagar e parte do temor começou a se</p><p>dissipar.</p><p>– Tem certeza?</p><p>– Os corpos restantes pertencem a adultos.</p><p>– Talvez o menino tenha escapado durante a confusão – disse rand.</p><p>– Aye, pode ser – disse Wulfgar. – Só há uma maneira de descobrirmos.</p><p>Vamos até Drakensburgh.</p><p>ELES CORRERAM e logo chegaram aos portões. Os guardas �caram surpresos,</p><p>mas abriram os portões rápido para que os guerreiros entrassem. Wulfgar</p><p>parou no meio do pátio e não demorou a entender o que ocorrera. Nada</p><p>parecia bem quando ele saiu correndo à procura de Anwyn.</p><p>Entretanto, não havia ninguém na antessala de seu antigo quarto a não ser</p><p>Jodis, cujos olhos inchados e o rosto coberto de lágrimas foram mais</p><p>efusivos do que qualquer palavra. Ao ouvir os passos dele, ela o encarou</p><p>como se estivesse diante de uma aparição. No instante seguinte, estava aos</p><p>prantos de novo.</p><p>– Onde está lady Anwyn? – perguntou ele, segurando Jodis pelos ombros.</p><p>– Onde está Eyvind?</p><p>– Eles… foram embora, milorde.</p><p>– Para onde?</p><p>Jodis demorou um pouco para se acalmar o su�ciente para falar e contar a</p><p>história toda. A cor do rosto de Wulfgar ia se esvaindo conforme ouvia, e</p><p>seu coração se enchia de ódio.</p><p>– Quando ela saiu?</p><p>– Não faz muito tempo, milorde.</p><p>Wulfgar a deixou e correu para o estábulo. Cinco minutos mais tarde, ele</p><p>galopava na direção de Beranhold. O cavalo estava descansado e Wulfgar</p><p>rogou a todos os deuses que conhecia para alcançá-la antes que ela chegasse</p><p>ao destino.</p><p>A culpa o açoitava ao imaginar o quanto ela devia estar amedrontada.</p><p>Não devia tê-la deixado. O que havia feito era imperdoável, o que só piorava</p><p>tudo.</p><p>Ele forçou o cavalo até que os cascos mal tocavam o solo. Ao chegar ao</p><p>topo da primeira montanha, parou para respirar e olhar pelos arredores. Seu</p><p>coração disparou quando não viu nem sinal dela. Quando estava prestes a</p><p>perder as esperanças, avistou um movimento a distância e vislumbrou outro</p><p>cavalo a menos de meio quilômetro de distância. Rangendo os dentes, ele</p><p>esporeou o cavalo. Não era tarde demais. Ainda dava tempo de alcançá-la.</p><p>ANWYN ESTAVA absorvida demais pela tristeza para perceber que outro cavalo</p><p>a perseguia tão de perto. Com medo, ela foi trazida de volta à realidade</p><p>quando percebeu a presença do que supôs ser um dos homens de Ingvar.</p><p>Será que ele tinha mentido? Teria sido um ardil? Será que a intenção era</p><p>tirá-la de Drakensburgh para poder matá-la? Curvando-se para a frente, ela</p><p>esporeou o cavalo, mas o outro animal era maior e mais rápido. O cavaleiro</p><p>emparelhou e pegou as rédeas do cavalo dela até que ambos pararam. Só</p><p>então ela viu quem era e foi engolfada por uma onda tão grande de emoções</p><p>que por pouco não desfaleceu.</p><p>– Wulfgar.</p><p>Lágrimas vieram aos olhos dele ao vislumbrá-la esboçar um sorriso.</p><p>– Anwyn, perdoe-me. Eu sinto tanto…</p><p>– Ingvar levou Eyvind.</p><p>– Eu sei, Jodis me contou. – Ele fez uma pausa, �tando o rosto dela. –</p><p>Quando ela disse que você tinha partido, �quei com medo que fosse tarde</p><p>demais, mas os deuses ouviram minhas preces.</p><p>– Pensei que nunca mais fosse vê-lo – disse ela, engolindo em seco.</p><p>– Você seria capaz de me perdoar por ter partido?</p><p>– Não há o que perdoar, Wulfgar. Você agiu como achou que era o certo.</p><p>– Tenho sido um cego idiota. E não foi a primeira vez. Já perdi uma</p><p>esposa e um �lho por causa do meu egoísmo tolo. Não cometerei o mesmo</p><p>erro de novo.</p><p>– Você me avisou que não �caria para sempre.</p><p>– Quando eu disse isso não tinha nem noção do que sinto por você –</p><p>disse ele. – Depois do que passei, procurei evitar qualquer envolvimento</p><p>emocional. Foi por puro medo, na verdade. Então, você entrou em minha</p><p>vida e tudo mudou. Tentei �ngir, mas, quando a deixei hoje, percebi que</p><p>estava seguindo minha cabeça em vez de ouvir meu coração.</p><p>– Por muito tempo sonhei que pudesse ganhar uma parte do seu coração.</p><p>– Você tem um lugar aqui, Anwyn… você e Eyvind – disse ele, batendo</p><p>com o punho fechado no coração.</p><p>– Fico tão feliz ao ouvir isso. Os dias que passamos juntos foram os mais</p><p>felizes da minha vida. Não só da minha… mas Eyvind também o amava.</p><p>Ao ouvir a declaração, o coração de Wulfgar deu um salto, mas ele logo</p><p>percebeu que ela tinha usado o tempo passado.</p><p>– Prometo que o traremos de volta.</p><p>– Só há uma maneira de garantir a segurança dele agora – disse ela sem</p><p>qualquer emoção.</p><p>Levou um minuto ou dois para que ele entendesse as implicações do que</p><p>ela dizia. Então sentiu um calafrio de medo. Ele a encarou, incrédulo.</p><p>– Você cederá às exigências de Ingvar?</p><p>– Ele me deu uma hora, Wulfgar. Preciso correr.</p><p>– Não a deixarei partir.</p><p>– É preciso.</p><p>– Nunca!</p><p>– Se eu não chegar a tempo, Ingvar vai mutilar e matar meu �lho.</p><p>Os olhos dela brilhavam de medo e raiva.</p><p>– E se você chegar?</p><p>– Ele permitirá que Eyvind viva.</p><p>O brilho dos olhos de Wulfgar tornou-se frio.</p><p>– Quais foram os termos exatos da barganha?</p><p>Ela respirou fundo antes de responder:</p><p>– Que eu renuncie ao nosso casamento e me case com ele.</p><p>As palavras caíram em um poço de silêncio. Então, quando conseguiu</p><p>controlar a voz, ele disse apenas:</p><p>– Entendo.</p><p>– Não tenho escolha.</p><p>– Não permitirei que faça isso, Anwyn.</p><p>– Tarde demais, Wulfgar.</p><p>– Discordo. Não é tarde demais. Encontrarei uma saída.</p><p>– Esse é o único caminho.</p><p>– Não vou perdê-la para Ingvar.</p><p>– Nunca me perderá para ele – a�rmou ela. – Mas, se realmente se</p><p>importa comigo, deixe-me ir.</p><p>– É isso que deseja? – perguntou ele, pálido.</p><p>Buscando as últimas energias que lhe restavam, ela conseguiu encará-lo</p><p>dentro dos olhos.</p><p>– Não se trata da minha vontade, e sim do que precisa ser feito. Tenho de</p><p>me</p><p>casar com Ingvar e você precisa voltar para seu navio.</p><p>– Fugir? – perguntou ele, tensionando o corpo todo.</p><p>– Você precisa ir pelo bem de Eyvind e meu… você e sua tripulação. Se</p><p>�zer isso, Ingvar poupará os moradores de Drakensburgh.</p><p>– Da mesma forma que poupou Ina?</p><p>Foi a vez de Anwyn empalidecer.</p><p>– O que quer dizer com isso?</p><p>– Ina tentou proteger Eyvind, mas os homens de Ingvar o mutilaram.</p><p>Anwyn piscou para esconder as lágrimas.</p><p>– Eles tiveram a coragem de matar aquele querido e bom homem?</p><p>– Aye, sim, junto com os infelizes desarmados que estavam com ele.</p><p>– De fato não há nenhuma misericórdia.</p><p>– Piedade não é uma qualidade dos homens de Ingvar – disse Wulfgar.</p><p>– Você tem razão, mas é por isso que preciso ir. Essa é a única esperança</p><p>de salvar Eyvind.</p><p>A determinação dela o atingiu profundamente, dando-lhe a certeza de</p><p>que não havia nada que pudesse fazer para dissuadi-la. Um misto de</p><p>sentimentos como amor e medo misturou-se à profunda admiração pela</p><p>coragem dela. Procurando juntar os restos de seu coração partido, ele</p><p>segurou as rédeas do cavalo.</p><p>– Então, cada um de nós cumprirá com nosso dever.</p><p>– Adeus, Wulfgar. – Anwyn esboçou outro sorriso triste. – Jamais</p><p>esquecerei que você voltou.</p><p>E então, antes que mudasse de ideia, ela tocou as ancas do cavalo com os</p><p>calcanhares e saiu a galope. Wulfgar �cou parado, olhando-a partir, até que</p><p>ela sumisse depois da próxima colina. O desespero o levou a inclinar a</p><p>cabeça para trás e soltar um urro visceral de ódio, dor e perda.</p><p>Capítulo 23</p><p>ANWYN CONDUZIU sua montaria em um passo lento na direção da fortaleza</p><p>de Beranhold, relanceando o olhar para as torres da guarda ao lado da</p><p>entrada e depois para grande paliçada de madeiras pontudas. Acima de</p><p>portão o estandarte de Ingvar dançava com o vento: um urso preto</p><p>rosnando em um campo vermelho, besta que emprestara o nome à fortaleza.</p><p>Ela segurou as rédeas com força, sabendo que em algum lugar daquele</p><p>triste covil estava Eyvind. Ele era a única coisa importante agora.</p><p>Puxando as rédeas, ela parou a poucos metros do portão. Ouviram-se</p><p>vozes do lado de dentro e logo o imenso portão se abria. Ela respirou fundo</p><p>e conduziu o cavalo pelo pátio, passando pelos guardas que sorriam com</p><p>malícia na sua direção. Ignorando-os, sem olhar para os lados, ela focou a</p><p>atenção no salão. Atrás dela os portões se fecharam ruidosamente. O</p><p>momento a fez se lembrar de quando havia chegado a Drakensburgh para se</p><p>casar com Torstein. A única diferença era de que à sua espera estava Ingvar.</p><p>Ao lado dele estava Grymar e meia dúzia de outros soldados. Anwyn parou</p><p>o cavalo com o coração aos saltos, procurando vislumbrar Eyvind. Mas não</p><p>havia nenhum sinal dele.</p><p>Ingvar se destacou do grupo e veio encontrá-la.</p><p>– Bem-vinda, lady Anwyn. – Ele a cumprimentou com um tom de voz</p><p>educado, mas ao mesmo tempo exibia um sorriso de desdém. – Por favor,</p><p>não quer desmontar?</p><p>Resignada, ela desceu do cavalo e estreitou a distância que os separava.</p><p>– Onde está meu �lho?</p><p>– Tudo a seu tempo, milady. – Ele gesticulou na direção do salão. – Vamos</p><p>entrar?</p><p>O grupo de soldado se dividiu para que eles passassem sob olhares</p><p>aprovadores e sorrisos irônicos. Grymar fez questão de exagerar na</p><p>reverência. Anwyn ergueu o queixo e acompanhou Ingvar. Assim que</p><p>entrou, foi tomada pelo cheiro de carne estragada, misturada com o fedor de</p><p>urina dos cães e suor masculino. O estômago dela se revirou. Ao lado da</p><p>lareira havia dois cães enormes que rosnaram, aproximando-se. Os</p><p>grunhidos se transformaram em gritos de dor quando Ingvar os acertou</p><p>com a bota. Anwyn engoliu com di�culdade, lutando contra o medo e a</p><p>repulsa.</p><p>– Gostaria de me acompanhar em uma taça de vinho, milady? – ofereceu</p><p>Ingvar.</p><p>– Não.</p><p>– Bem, então vamos aos negócios.</p><p>Sem saber de onde tirara aquele restinho de segurança, ela o encarou,</p><p>altiva.</p><p>– Não farei nada enquanto não vir meu �lho em segurança.</p><p>Ingvar �cou pensativo, como se considerasse o pedido. Durante um longo</p><p>minuto, ela achou que ele iria recusar seu pedido. Para sua surpresa, ele</p><p>meneou a cabeça.</p><p>– Está bem. Venha.</p><p>Segurando-a pelo braço com força, ela a conduziu pelo salão até saírem</p><p>por uma porta lateral. O ar fresco foi um alívio abençoado depois do ar</p><p>abafado e fétido do salão. Ela respirou fundo e apressou o passo para</p><p>acompanhar seu captor. Ao contrário do esperado, ele não a levou até outra</p><p>construção, mas para uma área aberta. Em um canto havia uma grande jaula</p><p>de madeira e dentro havia uma pobre criança. O coração de Anwyn</p><p>disparou.</p><p>– Eyvind? – Furiosa, ela encarou Ingvar. – Como ousa tratar meu �lho</p><p>assim?</p><p>Ingvar permaneceu inalterado.</p><p>– O destino dele depende de você.</p><p>A criança se levantou titubeante e en�ou as mãos por entre as barras de</p><p>madeira.</p><p>– Mamãe?</p><p>Soltando-se de Ingvar, Anwyn correu até a jaula de madeira e ajoelhou-se.</p><p>Eyvind segurou a mão dela com força. O pequeno rosto estava sujo e</p><p>marcado pelos pequenos veios de lágrimas. Ele estava desmazelado, mas</p><p>parecia bem.</p><p>– Mamãe, é você mesmo?</p><p>Os olhos de Anwyn se inundaram de lágrimas.</p><p>– Sim, sou eu, meu amor. Você está bem? Eles o machucaram?</p><p>Eyvind balançou a cabeça.</p><p>– Mas eles mataram Ina. Eles o cortaram inteiro.</p><p>Anwyn fechou os olhos, procurando controlar as emoções que</p><p>ameaçavam levá-la a perder os sentidos.</p><p>– Eu sei, meu amor. Sinto muito.</p><p>– Você vai me levar para casa?</p><p>– Eyvind, eu… – Ela parou de falar ao notar que a sombra de Ingvar a</p><p>cobria.</p><p>– Sua casa é aqui agora, menino – disse ele, olhando �xo para Anwyn. –</p><p>Depende da sua mãe se você continuará vivo ou não.</p><p>Ingvar se abaixou e, segurando-a pelo braço de novo, forçou-a a se</p><p>levantar.</p><p>– Solte-o, Ingvar. – O desespero tomou o lugar do medo, levando-a a</p><p>enfrentá-lo.</p><p>– Quando todas as minhas condições forem cumpridas.</p><p>– Você já fez suas exigências, e eu não estaria aqui se não estivesse</p><p>preparada para concordar.</p><p>– Há mais uma condição que eu ainda não disse.</p><p>– O que quer dizer?</p><p>– Daqui a pouco, minhas criadas irão prepará-la para o casamento. Então,</p><p>diante de todos os meus homens, você renunciará ao atual casamento e eu</p><p>me tornarei seu marido. Esta noite, você virá para minha cama por vontade</p><p>própria…</p><p>Incapaz de conter a raiva, Anwyn o interrompeu:</p><p>– Você pode me levar para sua cama, Ingvar, mas esse nunca será meu</p><p>desejo.</p><p>Ingvar continuou, imperturbável, como se ela não tivesse dito nada:</p><p>– …e sempre que eu quiser daí em diante.</p><p>– Resistirei com todas minhas forças.</p><p>– Se eu perceber que você está relutante, o menino será açoitado. – Ingvar</p><p>a �tou friamente. – Se você continuar me desa�ando, ele será açoitado</p><p>também. Se levantar a voz para mim, ou me desrespeitar, ou mesmo olhar</p><p>para mim com desrespeito, ele apanha. Se você decidir levar a vida como</p><p>pretende, saiba que ele morrerá imediatamente.</p><p>O rosto de Anwyn perdeu a cor. Naquele momento, ela desejou que ainda</p><p>estivesse com a adaga escondida na manga. Assim o pegaria de surpresa e o</p><p>esfaquearia até a morte. Mas, obviamente, Ingvar tinha tirado todas as suas</p><p>armas para que ela não ousasse agredi-lo.</p><p>– Será que fui claro?</p><p>Anwyn baixou o olhar para que ele não visse a expressão de seu rosto.</p><p>– Muito claro, milorde.</p><p>– Espero que sim. – Ele olhou para Eyvind. – Tudo depende de você.</p><p>WULFGAR CAVALGOU a passo lento até Drakensburgh com a mente submersa</p><p>em um caos emocional depois de ter deixado Anwyn partir. Não foram</p><p>poucas as vezes em que se ferira gravemente nas batalhas, mas nada podia se</p><p>comparar à dor que sentia naquele momento. Parecia que seu coração tinha</p><p>sido arrancado do peito. Tinha sofrido uma dor semelhante apenas uma vez</p><p>na vida. Não pudera agir para salvar Freya e Toki, mas, enquanto ainda</p><p>estivesse respirando, não aceitaria perder outra mulher e uma criança. Se</p><p>não tivesse sido um tolo maldito, estariam juntos agora. Ele estaria por perto</p><p>para defendê-la. Que tipo de homem precisava perder duas vezes algo tão</p><p>precioso antes de entender seu valor?</p><p>Foi naquele instante que ele �nalmente entendeu qual era a emoção que</p><p>lutara tão bravamente para resistir. Agora estava claro que amava Anwyn</p><p>acima de tudo e que com ela</p><p>deles, mas uma gama de</p><p>diferentes emoções, que iam desde um interesse exacerbado à diversão, algo</p><p>bem mais desconcertante do que a intenção de lutar.</p><p>Anwyn ergueu o nariz e respirou fundo. Então, sob os olhares de todos,</p><p>ela os avaliou.</p><p>– Qual de vocês é o líder?</p><p>Do meio deles, um dos guerreiros deu um passo à frente.</p><p>– Sou eu.</p><p>Os dois estavam a poucos metros de distância, o su�ciente para avaliar</p><p>bem um ao outro. Anwyn viu que ele era dono de um físico poderoso,</p><p>vestido em uma blusa de cota de malha sobre uma túnica de couro e calça.</p><p>Com uma das mãos ele segurava uma espada; sem dúvida, havia também</p><p>uma adaga escondida no cinto. O braço direito estava protegido por um</p><p>escudo de madeira com as bordas de ferro. A parte superior do rosto dele</p><p>estava escondida pelas proteções laterais do elmo, cuja crista remetia a um</p><p>lobo de caça. Mesmo semicoberto era possível notar as linhas fortes do</p><p>maxilar e da boca.</p><p>Como se não estivesse se importando em ser examinado tão</p><p>detalhadamente, ele deu o escudo para outro guerreiro e tirou o elmo</p><p>também. Quando ele se virou novamente, Anwyn prendeu a respiração por</p><p>um instante. O rosto dele era tão perfeito e lindo que parecia ter sido</p><p>esculpido. Os olhos azuis vívidos prenderam o olhar dela. Anwyn</p><p>reconheceu o brilho de diversão que havia detectado antes. Ela ergueu o</p><p>queixo mais um pouco.</p><p>– O senhor tem um nome?</p><p>– E qual é o seu, milady?</p><p>– Perguntei primeiro.</p><p>– Lorde Wulfgar, ao seu dispor – disse ele, esboçando um sorriso.</p><p>– Meu nome é Anwyn, lady de Drakensburgh.</p><p>– Peço que perdoe nossa invasão, milady. A tempestade de ontem à noite</p><p>dani�cou meu navio e procuramos uma enseada segura para executar os</p><p>reparos.</p><p>– Enseada segura? Não é bem assim.</p><p>– Acredito que não seja mesmo. A situação podia ter sido muito pior se</p><p>milady não tivesse interferido. – Wulfgar fez uma pausa antes de prosseguir:</p><p>– Por que agiu assim?</p><p>– Não quero derramamento de sangue aqui sem uma boa causa.</p><p>– Acredito que seus vizinhos não compartilhem da mesma opinião.</p><p>– Eles não têm o direito de se pronunciar. – Anwyn o encarou de novo. –</p><p>Talvez as suspeitas deles não tenham fundamento.</p><p>– Não pretendemos lutar, se é isso que a preocupa. Temos de tratar de</p><p>negócios e, assim que terminarmos os reparos no navio, iremos embora.</p><p>– Entendo. Posso perguntar para onde vão?</p><p>– Vamos nos encontrar com Rollo.</p><p>– Rollo? Mas ele é um pirata notório.</p><p>– Isso mesmo.</p><p>Anwyn empalideceu.</p><p>– Então, vocês são mercenários.</p><p>– Correto.</p><p>Admitir ser um mercenário tão francamente a deixou inquieta,</p><p>principalmente porque era impossível interpretar o que havia por trás da</p><p>maneira cortês como ele se portava.</p><p>– Mas, enquanto consertamos nosso navio, os outros assuntos são</p><p>irrelevantes.</p><p>– Entendo…</p><p>– Posso contar com sua permissão para continuar aqui e executar o</p><p>concerto?</p><p>Ela respirou fundo antes de responder.</p><p>– Acredito não ter opção, já que seu navio não está em condições de</p><p>partir.</p><p>– Podemos sair remando, mas, se encontrarmos uma onda mais forte,</p><p>afundaremos.</p><p>– Quanto tempo levará para consertar o estrago?</p><p>– Com sorte, apenas alguns dias.</p><p>Anwyn �cou aliviada e meneou a cabeça.</p><p>– Está bem. Pode �car para consertar o barco.</p><p>– Obrigado. – Depois de uma pausa, ele falou: – Gostaria de pedir mais</p><p>uma coisa.</p><p>– E o que seria?</p><p>– Se tivéssemos uma fornalha e um galpão de carpintaria…</p><p>– Está me pedindo duas coisas.</p><p>– É verdade. Como sou um mercenário, acredito que não �cará surpresa</p><p>se eu tentar barganhar. – Ele sorriu, embora hesitante.</p><p>Anwyn teve dúvidas se seria prudente con�ar nele ou se aqueles favores</p><p>não seriam algum tipo de truque. Bem, de um jeito ou de outro, a única</p><p>maneira de se livrar do problema era ajudá-lo.</p><p>– Temos as duas coisas. Mande alguns homens a Drakensburgh amanhã e</p><p>mostraremos nossas edi�cações. – Ela apontou para as dunas. – O castelo</p><p>�ca naquela direção, cerca de 20 quilômetros a oeste.</p><p>– Agradeço novamente, milady.</p><p>Anwyn assentiu com a cabeça e virou o cavalo. Depois, voltou com Ina</p><p>para onde Jodis e Eyvind os aguardavam. Wulfgar se surpreendeu, pois</p><p>estivera tão preocupado com tudo que não tinha percebido a presença de</p><p>outras duas pessoas na ponta da praia, distante demais para que ele visse</p><p>mais detalhes, o que aguçou sua curiosidade. Quem seriam? Qual a conexão</p><p>que tinham com Anwyn? Ele continuou observando enquanto o pequeno</p><p>grupo trocava algumas palavras e em seguida partia pelas dunas.</p><p>– UMA MULHER muito bonita – comentou Hermund, quando o grupo sumiu</p><p>de vista. – E corajosa também.</p><p>– Aye, é verdade – concordou Wulfgar.</p><p>– Pensei que o estúpido Grymar iria explodir – continuou Hermund. – Eu</p><p>gostaria de ser uma mosca na parede para ver o que acontecerá quando ele</p><p>voltar.</p><p>– Eu também queria.</p><p>– Pelo visto o soberano dele não parece ser muito melhor.</p><p>– Ingvar? Não faz diferença. Não vamos nos encontrar mesmo.</p><p>– Pequenas clemências?</p><p>– Você é quem está dizendo.</p><p>– Bem, agora que a paz prevaleceu, podemos começar a consertar o navio.</p><p>Wulfgar meneou a cabeça. Depois de se desarmar e tirar a cota de malha,</p><p>ele se juntou aos outros. Mesmo com as mãos ocupadas, pensou no que</p><p>havia acontecido e sorriu para si mesmo. Hermund tinha razão. A moça era</p><p>muito corajosa. Nunca havia conhecido alguém igual. Anwyn. Seria difícil</p><p>esquecer aquele nome ou rosto. Era provável que nenhum homem pudesse</p><p>esquecê-la. O que mais lhe chamara a atenção tinham sido os olhos dela,</p><p>verdes como o mar no verão e profundos o su�ciente para provocar uma</p><p>vontade inexplicável de mergulhar…</p><p>De repente, a memória de um par de olhos azuis surgiu na mente dele,</p><p>olhos brilhantes e marejados. O rosto não era tão nítido, mas houve uma</p><p>época em que lhe ocupava a mente noite e dia. Freya e seus cabelos</p><p>dourados, gentis, calma… dona de uma beleza que o tinha cativado na</p><p>juventude por pelo menos alguns anos. Pensando bem, não tinha sido um</p><p>bom marido. Na certa o marido de Anwyn era inteligente o su�ciente para</p><p>reconhecer a esposa que tinha, uma mulher sagaz, além de corajosa e muito</p><p>bonita. De repente, algo lhe ocorreu… Onde estava o marido dela? Se ela</p><p>decidira enfrentar a situação sozinha, talvez ele estivesse fora… em uma</p><p>guerra, sem dúvida. Não seria algo inusitado. Ele mesmo já havia feito isso.</p><p>Wulfgar suspirou. Tarde demais para lamentações ou remorso, mesmo já</p><p>tendo sofrido de ambos. As decisões que tomamos nos de�nem, relembrou</p><p>Wulfgar. Era verdade, tanto que ele passou a vagar pelos mares com um</p><p>grupo de mercenários lutando e festejando, vivendo um dia de cada vez.</p><p>Considerando no geral, não era uma vida ruim. Mesmo que pensasse em</p><p>mudar, qual seria a alternativa?</p><p>Havia também grandes chances de sua sorte terminar, ou os deuses se</p><p>cansariam dele e a morte o encontraria em um campo de batalha. A hora e</p><p>lugar onde morreria não era tão importante, contanto que morresse</p><p>empunhando uma espada e garantisse um lugar no salão de Odin. O que</p><p>mais importava era o momento presente.</p><p>O ENCONTRO daquela tarde também afetara Anwyn, tanto que ela continuou</p><p>pensando horas depois de ter voltado. Àquela altura Ingvar já saberia do</p><p>ocorrido e sem dúvida estaria muito contrariado. Provavelmente ele viria</p><p>visitá-la em breve. Como se isso não fosse su�ciente, havia um batalhão de</p><p>mercenários bem treinados acampado em suas terras. Agora que tinha um</p><p>tempo livre para re�etir, duvidou que tivesse tomado a decisão certa. Ela</p><p>suspirou. Tarde demais. Se eles decidissem tirar vantagem, ela estaria presa</p><p>entre o fogo e a fogueira. Se bem que não tinha achado o líder tão</p><p>ameaçador. Ao contrário. Ele tinha um rosto bonito, mas a lembrança era</p><p>perturbadora. Era a primeira vez que encontrava um homem como aquele.</p><p>Ele tinha todas as características de um guerreiro, além de exalar uma aura</p><p>de força. Mesmo assim, não se sentiu em perigo, o que sempre acontecia</p><p>quando estava com Ingvar ou Torstein.</p><p>A sensação que tivera quando tinha partido tinha sido bem diferente,</p><p>quase como se alguma coisa tivesse se perdido. Fora difícil e perturbador ser</p><p>a responsável.</p><p>Sem conseguir dormir, ela saiu da cama, enrolou-se em uma manta para</p><p>se proteger do vento</p><p>havia encontrado a felicidade que pensava</p><p>nunca mais achar. E, mesmo assim, quando ela mais precisara de sua ajuda,</p><p>ele havia falhado. A verdade fervilhava em sua mente. Isso não tinha perdão.</p><p>Como pudera imaginar que podia ter um futuro depois disso? E não tinha</p><p>abandonado apenas ela, mas Eyvind também. Você volta para me buscar?</p><p>Wulfgar rangeu os dentes.</p><p>– Eu voltarei – murmurou. – Vou buscá-lo, juro.</p><p>Tomada a decisão, o caos começou a se dissipar e dar lugar a pensamentos</p><p>mais racionais. Primeiro garantiria a segurança de Anwyn, depois faria tudo</p><p>o que ela quisesse. Não esperava ser perdoado, mas faria o que estivesse ao</p><p>seu alcance para fazê-la esquecer. Conforme fazia planos, o pesar foi</p><p>substituído pela frieza das deliberações. Sabia que não devia subestimar</p><p>Ingvar. Haveria apenas uma chance de salvar Anwyn e Eyvind e, por isso,</p><p>teria de ter coragem e cabeça fria. Depois de que saísse vitorioso, teria</p><p>tempo para esquecer a raiva.</p><p>AO CHEGAR a Drakensburgh, Wulfgar convocou todos os homens para</p><p>comparecerem ao salão. Quando estavam todos reunidos, ele pediu silêncio.</p><p>Estavam todos atentos, quando ele contou o que havia acontecido aos</p><p>homens de Drakensburgh, que ainda não sabiam de nada. As notícias foram</p><p>recebidas em um silêncio sepulcral até que um morador de Drakensburgh,</p><p>Rorik, perguntou:</p><p>– Aquela escória matou Ina?</p><p>– Aye. E agora Ingvar está com o menino e lady Anwyn.</p><p>– Então precisamos ir buscá-los.</p><p>O salão eclodiu com gritos de ódio. Wulfgar levantou a mão pedindo</p><p>silêncio.</p><p>– Vamos trazê-los de volta – respondeu –, mas não pode ser em uma</p><p>batalha de forças. Ao primeiro sinal de confusão, Ingvar matará Eyvind.</p><p>Precisamos libertar lady Anwyn e o menino antes de lidar com Ingvar e seu</p><p>batalhão.</p><p>– Como faremos isso?</p><p>– Estive pensando e elaborei um plano.</p><p>– O que você tem em mente? – indagou Hermund, olhando-o com</p><p>astúcia.</p><p>Wulfgar começou a explicar. Conforme iam ouvindo, os homens �cavam</p><p>com brilho no olhar.</p><p>– E depois de resgatarmos o menino e a mãe, milorde? – exigiu rand.</p><p>– Depois disso – respondeu Wulfgar –, todos os insultos devem ser</p><p>vingados com sangue.</p><p>ANWYN PERMANECIA imóvel enquanto as criadas a preparavam, tirando-lhe o</p><p>vestido e substituindo-o por outro. Era uma roupa �na de lã verde com ricos</p><p>bordados de �os de ouro. Os cabelos longos de Anwyn foram penteados e</p><p>trançados com �os de ouro, e a trança foi enrolada em um coque com �tas</p><p>da mesma cor do vestido, deixando alguns cachos soltos que lhe</p><p>emolduravam o rosto. Um colar de ouro foi colocado no pescoço dela, além</p><p>de pulseiras de ouro em seus pulsos. Ela não protestou, permanecendo</p><p>impassível e não deixando ninguém perceber o quanto estava amedrontada.</p><p>Teria de obedecer aos desmandos de Ingvar, pois não havia alternativa.</p><p>Qualquer coisa que �zesse resultaria em um castigo a Eyvind. Logo seu</p><p>ventre estaria mais protuberante e Ingvar saberia que o �lho não era dele.</p><p>Pensou em Wulfgar e sentiu o coração apertado. Pelo resto da vida lembraria</p><p>a dor que vira nos olhos dele ao mandá-lo embora. Tinha sido a atitude mais</p><p>difícil que tomara na vida, mas saber que ele havia voltado a mantinha com</p><p>a calma que a ajudaria a passar por aquele suplício. Ingvar podia forçá-la a</p><p>se deitar com ele, mas era Wulfgar que estaria nos sonhos dela.</p><p>As criadas terminaram a tarefa e se afastaram com respeito. Uma delas</p><p>segurava um disco largo de metal polido para que ela avaliasse o trabalho.</p><p>Anwyn se analisou sem muita emoção. Viu uma mulher linda, em um</p><p>vestido que lhe conferia uma aparência da realeza, mas que não se parecia</p><p>em nada com ela. Relutou em tirar o anel do dedo, mas, se não o �zesse,</p><p>Ingvar o tiraria. Ela imaginou o prazer com o qual ele atiraria a aliança</p><p>longe. E, como se não bastasse, podia considerar a atitude de não ter tirado o</p><p>anel antes uma afronta e puniria Eyvind por isso. Puxando uma das �tas do</p><p>vestido, ela amarrou a aliança na ponta e escondeu-a no decote. Mais tarde</p><p>teria de encontrar outro esconderijo, mas por enquanto se contentou em</p><p>deixá-la lá.</p><p>Ouviram-se passadas fortes no corredor seguidas por fortes batidas na</p><p>porta.</p><p>– Está na hora – disse um dos soldados.</p><p>Anwyn respirou fundo e seguiu até a porta. Uma das criadas se apressou a</p><p>abrir a porta. Havia quatro soldados esperando-a do lado de fora e</p><p>postaram-se dois a cada lado dela para escoltá-la até o salão, onde Ingvar a</p><p>aguardava.</p><p>COMO O batalhão não sairia antes do anoitecer, Wulfgar ordenou aos criados</p><p>que o servissem de comida e bebida. Aquela seria a última oportunidade de</p><p>comer durante um tempo. Apesar de sedento, ele optou por beber pouca</p><p>cerveja. Teria tempo de sobra para beber à vontade mais tarde. Os guerreiros</p><p>vikings compartilharam a refeição com ele. A cadeira vazia ao lado dele o</p><p>fazia lembrar o que estava em jogo. Esforçou-se para não pensar no que</p><p>estaria acontecendo a Anwyn naquele momento, mas não era fácil. Sabia que</p><p>Ingvar usaria a criança para controlar a mãe, e só imaginar qual seriam as</p><p>exigências era o su�ciente para deixá-lo com um ódio mortal. O pior era</p><p>saber que ela não poderia recusar. A ideia de que outro homem poderia</p><p>colocar as mãos nela era inconcebível, e pensar que ela poderia ser</p><p>violentada era insuportável.</p><p>Wulfgar visualizou Ingvar se regozijando com a vitória que permitiria que</p><p>levasse para cama a esposa do inimigo. Será que ele se vangloriaria a ponto</p><p>de feri-la de outra maneira? Wulfgar agarrou a caneca com força. Se Anwyn</p><p>tentasse lutar… Era melhor nem pensar no que poderia acontecer.</p><p>Os outros homens ainda terminavam a refeição, quando Wulfgar se</p><p>levantou e saiu para tomar ar puro e refrescar a cabeça. O sol já estava bem</p><p>baixo, deixando o céu rajado de tons entre laranja e amarelo. Ele �cou ali,</p><p>organizando os pensamentos. Precisaria manter a cabeça muito fria para</p><p>atingir seu objetivo.</p><p>Um soldado gritou do portão, tirando-o do breve devaneio.</p><p>– Temos visitantes, milorde. Cerca de cem homens, imagino.</p><p>Wulfgar logo imaginou tratar-se do batalhão de Ingvar. Seria o mais</p><p>provável, mas Ingvar já tinha uma vantagem considerável para uma</p><p>demonstração de força.</p><p>– Eles trazem algum estandarte? – perguntou Wulfgar, gritando.</p><p>– Aye, milorde, mas não reconheço. – O soldado forçou os olhos e</p><p>descobriu. – Espere, acho que é o estandarte de lorde Osric.</p><p>– Pelas barbas de Netuno – murmurou Wulfgar. – Mais essa agora.</p><p>Ele subiu de dois em dois os degraus da escada que levava ao alto da</p><p>paliçada. O batalhão parou a poucos metros do portão e um grupo de seis</p><p>cavaleiros se destacou, aproximando-se mais. Não foi difícil reconhecer o</p><p>líder. Wulfgar franziu o cenho.</p><p>– Vamos abrir o portão, milorde? – perguntou o soldado, olhando-o de</p><p>soslaio.</p><p>Wulfgar voltou ao pátio para esperar os visitantes à porta do salão.</p><p>– Em nome de Frigg, o que quer esse pequeno réptil? – soou uma voz ao</p><p>lado de Wulfgar.</p><p>– Boa pergunta. – Wulfgar olhou para Hermund.</p><p>Osric parou sua montaria e deu as rédeas para um criado. Depois fez a</p><p>honra de reverenciar Wulfgar.</p><p>– Venho falar com minha irmã. Por favor, diga isso a ela.</p><p>– Lady Anwyn não está aqui.</p><p>– Não queira me enganar. Vá chamá-la, agora.</p><p>– Eu já disse que ela não está!</p><p>– E onde ela poderia estar?</p><p>Osric escutou quieto enquanto Wulfgar resumia o que havia acontecido</p><p>nos últimos dias.</p><p>– Está me dizendo que esse Ingvar mantém minha irmã e meu sobrinho</p><p>em cativeiro?</p><p>– Isso mesmo.</p><p>– Se ela tivesse me ouvido, nada disso teria acontecido – disse Osric. – A</p><p>essa altura eu já a teria casado, como devia ter sido. Vim para levá-la para</p><p>seu novo noivo.</p><p>Wulfgar precisou se controlar para não responder à altura.</p><p>– A culpa não foi de lady Anwyn, mas minha, por não ter previsto o</p><p>quanto Ingvar era traiçoeiro.</p><p>– Você é um cavaleiro leal. Eu sei o quanto minha irmã é teimosa. Mesmo</p><p>assim, apesar de tudo, ela ainda é minha irmã e não permitirei que ela seja</p><p>desonrada por um casamento tão baixo quanto esse. Isso irá desgraçar a</p><p>família inteira.</p><p>Wulfgar cruzou as mãos nas costas para não dar um soco em Osric.</p><p>– Meus homens e eu estávamos nos aprontando para ir resgatá-la, quando</p><p>você chegou.</p><p>–</p><p>noturno frio e foi ao quarto ao lado, onde seu �lho</p><p>dormia. Ficou ali olhando para ele durante um bom tempo. O menino tinha</p><p>sido a única coisa boa de seu casamento. O parto tinha sido longo e difícil,</p><p>mas Eyvind fez tudo valer a pena. Ele era a razão de viver de Anwyn, a razão</p><p>pela qual ela se submetera à vontade de Torstein. Um vento mais forte, vindo</p><p>da janela, a fez estremecer e puxar a manta sobre os ombros. Torstein estava</p><p>morto e seu �lho, a salvo. Inclinando-se para frente, ela o beijou na testa.</p><p>Eyvind se mexeu, mas não acordou. Olhando-o ali deitado, ela se sentiu</p><p>muito protetora. Enquanto estivesse respirando, nada aconteceria a seu �lho.</p><p>Tomaria conta dos interesses dele até que atingisse a maturidade. Nada mais</p><p>importava agora. Não seria fácil, pois a família dela era ambiciosa e Jodis</p><p>tinha razão ao dizer que uma mulher sozinha era muito vulnerável.</p><p>Voltando para a cama, Anwyn se encolheu e puxou o cobertor para bem</p><p>perto do rosto. Estava exausta. Fechou os olhos e permitiu que o corpo</p><p>relaxasse, repassando os eventos do dia na mente. Aos poucos a cama �cou</p><p>mais quentinha e ela acabou adormecendo. No entanto, teve os mesmos</p><p>sonhos…</p><p>Ela ouviu uma porta se abrindo em algum lugar, passos duros na sala</p><p>externa, uma mão afastando a cortina, que dividia os ambientes, revelando a</p><p>silhueta de seu marido, que se parecia com um urso, à luz fraca. Torstein tinha</p><p>40 anos, o dobro da idade dela. Mesmo tendo uma altura média, ele era</p><p>atracado, dando a impressão de ter uma força extrema. O alto da cabeça dele</p><p>era calvo. O pouco cabelo restante era trançado em �os longos que se</p><p>assemelhavam a vários rabos de rato. O bigode e a barba eram vastos e</p><p>grisalhos e escondiam os lábios �nos e os traços do rosto. Os olhos pequenos e</p><p>pretos estavam sempre atentos e, naquele momento, �tavam-na com um brilho</p><p>malicioso.</p><p>Depois de atravessar o espaço entre a cortina e a cama, ele jogou a capa no</p><p>chão, desa�velou o cinto, tirou a túnica e atirou-a sobre a cama. Ao tirar a</p><p>camisa, ele revelou o tórax coberto de pelos negros. Anwyn se encolheu,</p><p>percebendo a cama afundar com o peso dele. Depois de tirar as calças, ele</p><p>tentou alcançá-la. Ela fazia de tudo para escapar, mas as mãos fortes dele a</p><p>puxaram de volta, forçando-a a sentir aquele hálito fétido bem de perto.</p><p>Enojada, ela virava o rosto.</p><p>– Torstein, é tarde e estou cansada.</p><p>– Você tem de cumprir sua obrigação.</p><p>Tateando por baixo do cobertor, ele levantou a camisola, desnudando-se até</p><p>a cintura. A barriga peluda roçou na dela e o rosto gordo e vermelho �cou a</p><p>centímetros de distância, levando-a a tremer.</p><p>– Achei que a tivesse ensinado a ser obediente – continuou ele –, mas acho</p><p>que me enganei.</p><p>Anwyn comprimiu os lábios para dar a resposta merecida, mas sabia que</p><p>era melhor responder o que era esperado:</p><p>– Milorde não se enganou.</p><p>– Não? Vamos ver… vamos?</p><p>ANWYN ACORDOU de repente, assustada, suando e com o coração em</p><p>descompasso, acuada em um dos cantos do quarto. Nada se movia. Ela</p><p>olhou para a cama e viu que estava vazia. Estava sozinha. Aos poucos ela foi</p><p>se acalmando e a respiração voltou ao normal ao se conscientizar de que</p><p>estivera sonhando. Torstein nunca mais voltaria. Conforme os minutos se</p><p>passavam, o medo era substituído por um alívio tão intenso que a deixou</p><p>trêmula. Ela engoliu em seco e deitou a cabeça sobre os travesseiros</p><p>novamente, esperando o coração voltar ao ritmo normal. Torstein nunca</p><p>mais voltaria. Agora Ingvar aguardava, ganhando tempo.</p><p>– Nunca – murmurou. – Não enquanto eu estiver respirando.</p><p>E pensar que, em um tempo remoto, sonhara em se casar e ser amada por</p><p>um homem. Ela sorriu com amargura. Como tinha sido inocente,</p><p>acreditando que as duas coisas eram possíveis. As fantasias de menina</p><p>tinham desaparecido havia muito tempo. Se existisse amor entre marido e</p><p>mulher neste mundo, devia ser para os outros, não para ela.</p><p>Capítulo 4</p><p>NA MANHà seguinte, Wulfgar deixou Hermund no comando do navio e foi</p><p>para Drakensburgh acompanhado por rand, Beorn e Asulf. Situado ao pé</p><p>de uma montanha, cercado por um fosso profundo e uma paliçada alta de</p><p>madeira, não foi difícil encontrar o lugar.</p><p>– Pelas barbas de Netuno! Esse lugar é uma fortaleza – disse rand. – O</p><p>dono desse castelo deve ser importante.</p><p>– Será que é uma boa ideia, milorde? – perguntou Beorn. – Pode ser uma</p><p>armadilha.</p><p>Os três guerreiros olharam para Wulfgar, que meneou a cabeça.</p><p>– Acho que não, mas é bom estarmos de olhos bem abertos. Vamos.</p><p>As sentinelas do alto do portão pediram a identi�cação quando os quatro</p><p>chegaram à ponte de madeira sobre o fosso. Ao que tudo indicava, eram</p><p>esperados. Ouviu-se o barulho da viga sendo tirada do portão, que logo se</p><p>abriu. Dali eles foram escoltados por uma praça onde havia várias</p><p>construções. Wulfgar identi�cou um celeiro, depósitos, galpões de trabalho</p><p>e pequenos chalés para, no �nal, chegarem a um grande salão de paredes de</p><p>madeira. Pilares de madeiras fantásticos e entalhados ladeavam as grandes</p><p>portas de carvalho. No entanto, a atmosfera do lado de dentro era sombria.</p><p>A única iluminação vinha da porta aberta e de uma abertura no telhado,</p><p>acima da lareira retangular, onde ainda havia carvões em brasa no meio das</p><p>cinzas. Mesmo com a pouca luz, Wulfgar viu prateleiras de madeira escura</p><p>enfeitadas de chifres e máscaras de lobos. Contra a parede havia uma mesa e</p><p>bancos. Na extremidade oposta do salão havia um pequeno palanque com</p><p>uma enorme poltrona de madeira, com pássaros e animais entalhados. O ar</p><p>tinha cheiro de fumaça, cerveja e comida estragada.</p><p>– Esperem aqui – disse o guarda, saindo e deixando-os sozinhos.</p><p>Os quatros olharam ao redor, estudando o ambiente.</p><p>– É um lugar triste – murmurou Asulf.</p><p>– É verdade – concordou rand. – Que tipo de homem mora aqui?</p><p>– Alguém poderoso. Aquela poltrona mais parece um trono avermelhado.</p><p>– Quem sabe o dono disso tudo seja tão simpático quanto a esposa.</p><p>ANWYN FOI cumprimentá-los pouco tempo depois. Wulfgar experimentou</p><p>uma sensação agradável ao revê-la. Ela estava acompanhada por um</p><p>guerreiro de idade que ele já havia visto antes: Ina. Havia também um</p><p>menino… provavelmente aquele que estava no pônei. Mesmo não sendo</p><p>muito parecidos de rosto, o cabelo loiro avermelhado e os olhos verdes eram</p><p>prova de que o menino devia ser �lho dela. De repente ele se lembrou de</p><p>outra criança em outro salão e sentiu um nó no peito. Forçando-se a afastar</p><p>a memória, procurou se concentrar na an�triã.</p><p>Quando Anwyn soube da chegada do grupo, �cou curiosa em saber se</p><p>Wulfgar estava entre eles. Na verdade, tinha uma ligeira esperança de que ele</p><p>estivesse. Mesmo assim, seu coração disparou ao vê-lo. A última vez que o</p><p>vira, estava a cavalo, por isso não percebera como era alto.</p><p>– Bom dia, milady.</p><p>– Bom dia, milorde. Suponho que tenha vindo usar a fornalha – disse ela,</p><p>procurando se recompor.</p><p>– O galpão de marcenaria também, se não houver objeção.</p><p>– Nenhuma. Do que mais precisam?</p><p>– Precisamos de um lugar para fazer os consertos. Há uma rachadura no</p><p>leme do navio que precisa ser reforçada. Se tiver algumas placas de ferro,</p><p>seria ótimo. Vamos precisar de parafusos também. – Wulfgar fez uma pausa</p><p>e prosseguiu: – Claro que estamos dispostos a pagar um preço justo pela</p><p>madeira e pelo ferro.</p><p>– Naturalmente.</p><p>Um lampejo no olhar de Anwyn deu a impressão de que ela estava se</p><p>divertindo, mas foi tão rápido que Wulfgar �cou em dúvida, mas intrigado.</p><p>Ela estava com um vestido diferente. A cor púrpura combinava bem com</p><p>ela, realçando o tom rosado da pele do rosto delicado e ressaltando o lindo</p><p>tom de cabelo preso em uma trança. Ele tentou vislumbrar aqueles cabelos</p><p>soltos e como seriam macios.</p><p>Sabendo que estava sendo estudada, mas sem poder ler os pensamentos</p><p>dele, Anwyn virou o rosto, reprovando-se mentalmente. Respirou fundo.</p><p>A�nal, não era mais uma moça inocente para �car tão desconsertada pelo</p><p>olhar casual de um homem.</p><p>– Vou lhe mostrar onde �ca a fornalha – disse ela, mesmo sabendo que</p><p>poderia pedir para Ina acompanhá-los.</p><p>Por outro lado, Wulfgar era um visitante, e ela os recebia com toda</p><p>cortesia, sempre</p><p>desviando do olhar dele. Uma coisa não tinha nada a ver</p><p>com a outra. Na realidade, ela não queria sair de perto dele ainda.</p><p>Ao saírem do salão, atravessaram a praça. Wulfgar apressou-se para</p><p>acompanhá-la, deixando os outros para trás. Apesar de estar a uma distância</p><p>razoável, a presença dele despertava todo o corpo de Anwyn, levando-a a se</p><p>sentir inexplicavelmente estranha. Não era uma sensação ruim, mas algo</p><p>com que não estava acostumada.</p><p>Os dois não se falaram durante alguns minutos, até Wulfgar quebrar o</p><p>silêncio, inclinando a cabeça na direção do menino:</p><p>– É seu �lho?</p><p>– Sim. Eyvind.</p><p>– Um menino forte. O pai deve ter orgulho dele.</p><p>– O pai dele está morto.</p><p>– Lamento. Faz tempo?</p><p>– Foi há dez meses.</p><p>– Não deve ser fácil para uma mulher viver sozinha.</p><p>– Não é tão difícil.</p><p>– Julgando pelo que houve ontem…</p><p>O tom de voz dele a deixou corada, por isso mudou de assunto.</p><p>– Imagino que não seja daqui, lorde Wulfgar.</p><p>– Não, cresci na Nortúmbria.</p><p>– Sua família ainda mora lá?</p><p>– Alguns deles sim.</p><p>Como ele não especi�cou quais membros da família seriam, Anwyn</p><p>decidiu não perguntar. A�nal, não era da sua conta.</p><p>– E agora sua vida é uma aventura.</p><p>– Isso mesmo.</p><p>– Deve ser bem emocionante.</p><p>– Há momentos bons e ruins.</p><p>Antes de ela falar mais alguma coisa, eles chegaram à fornalha. O ferreiro</p><p>desviou o olhar do trabalho e, ao vê-la, tratou logo de reverenciá-la.</p><p>– Milady… – Ele olhou com curiosidade para os homens que a</p><p>acompanhavam.</p><p>– Ethewald, precisamos de sua ajuda – disse Anwyn, sorrindo.</p><p>Depois das devidas apresentações, ela explicou a situação. Ethewald a</p><p>ouviu com atenção.</p><p>– Não é uma tarefa difícil, mas preciso terminar o trabalho que estou</p><p>fazendo primeiro.</p><p>– Quanto tempo você acha que vai levar? – indagou Wulfgar.</p><p>– Alguns dias apenas – respondeu Ethewald.</p><p>– Precisamos fazer outras coisas. Não seria possível adiantar seu trabalho?</p><p>– Não. Preciso honrar os acordos feitos antes da sua chegada.</p><p>Os companheiros de Wulfgar se entreolharam sem entender, mas seu</p><p>líder continuou com o olhar �xo no ferreiro.</p><p>– É justo. Você é um homem de palavra. Nós esperamos.</p><p>– Nesse caso, farei o possível – disse Ethelwald, meneando a cabeça.</p><p>Ao saírem dali, foram até a carpintaria. Ceadda também tinha um serviço</p><p>a executar, mas, ao saber que os visitantes só precisavam das ferramentas,</p><p>pois fariam o trabalho sozinhos, ele logo ofereceu seu espaço.</p><p>– Ótimo. Vou deixá-los conversar sozinhos. – Anwyn pegou a mão de</p><p>Eyvind para ir embora, mas o menino não se moveu.</p><p>– Mamãe, posso �car para olhar? Não vou atrapalhar, prometo.</p><p>Anwyn �cou em dúvida.</p><p>– Eu tomo conta dele, milady – ofereceu Ina e, olhando para os visitantes,</p><p>acrescentou: – Garanto que ele não correrá nenhum perigo.</p><p>– Está bem.</p><p>O rosto de Eyvind se iluminou com um sorriso.</p><p>– Prometo que �carei bonzinho.</p><p>Ela sorriu e passou a mão na cabeça dele.</p><p>– Espero que sim.</p><p>Por uma fração de segundo ela percebeu que Wulfgar a observava com os</p><p>olhos azuis brilhando.</p><p>– Todos nos comportaremos bem – disse ele. – Prometo.</p><p>Anwyn precisou se segurar para não rir. Tinha alguma coisa na cara de</p><p>pau de Wulfgar que era tão provocativa quanto enigmática. Sem decidir o</p><p>que responder e ainda sabendo que era observada com tanto critério, ela</p><p>decidiu que o mais sábio para o momento seria uma saída digna.</p><p>OS HOMENS trabalharam com empenho, mas foi uma tarefa difícil e o calor</p><p>era intenso. Todos �caram muito contentes quando, uma hora mais tarde,</p><p>um criado trouxe uma jarra de cerveja. Wulfgar �cou desapontado por</p><p>Anwyn não ter trazido a bebida, mas logo se censurou. Ela havia mantido a</p><p>palavra e permitido que usassem os galpões, então não havia mais nenhuma</p><p>razão lógica para exigir seu tempo.</p><p>O atraso com o trabalho do ferreiro foi um aborrecimento, mas não havia</p><p>muito que fazer. Rollo teria de esperar. Se não gostasse, paciência. Eles</p><p>compensariam o atraso com assaltos bem-sucedidos mais tardes. Não que</p><p>precisassem de dinheiro. As expedições anteriores tinham sido bem</p><p>lucrativas. Logo poderemos parar de trabalhar… Hermund tinha razão. O</p><p>término das aventuras signi�cava �ncar raízes de novo, estabelecer-se em</p><p>um lugar. Wulfgar riu de si mesmo. Isso não aconteceria. Ele já estava com</p><p>27 anos de idade; não estava mais em tempo de voltar a se casar. Se bem que</p><p>já pensara na hipótese. Mas, de um jeito ou de outro, a vida de um</p><p>mercenário não combinava com tais responsabilidades. Agora, suas escolhas</p><p>não feriam inocentes. As decisões eram perigosas, mas, no �nal das contas,</p><p>bene�ciavam seus homens. Todos conheciam os riscos e os aceitavam. Ele</p><p>aprendera muito tarde que homens crescidos não eram tão vulneráveis</p><p>quanto mulheres e crianças.</p><p>Wulfgar parou de pensar quando percebeu que era observado. Ao</p><p>levantar a cabeça, seu olhar cruzou com o de Eyvind, que imediatamente</p><p>virou o rosto. Wulfgar sorriu, mas não disse nada. Além de curioso, Eyvind</p><p>também era tímido. Não ganharia nada se forçasse o menino a con�ar nele.</p><p>Quantos anos ele teria? Quatro? Cinco, talvez? Muito pequeno para começar</p><p>o treinamento militar. Isso é, se ele vivesse para tanto. A vida era muito</p><p>precária, especialmente para os jovens. Wulfgar aprendera essa dura</p><p>realidade bem cedo.</p><p>– Você tem um navio, não é?</p><p>Quando Eyvind perguntou, Wulfgar respirou fundo.</p><p>– Isso mesmo. O nome dele é Lobo do Mar.</p><p>– O que aconteceu com ele?</p><p>– A tempestade causou alguns estragos. A vela e o leme precisam ser</p><p>concertados.</p><p>– Ele é rápido? – perguntou Eyvind, prestando atenção a cada movimento</p><p>de Wulfgar.</p><p>– Muito rápido. Um navio de guerra precisa ser.</p><p>– Você já esteve em muitas batalhas?</p><p>– Algumas.</p><p>– Você teve medo?</p><p>– Às vezes, sim.</p><p>– Você já matou pessoas?</p><p>– Aye, quando tentam me matar também.</p><p>Eyvind meneou a cabeça devagar e, ao olhar por cima da cabeça de</p><p>Wulfgar, abriu um sorriso. Ao olhar para trás, Wulfgar viu Anwyn ali.</p><p>– Trouxe mais cerveja e uma travessa de carne e pão – disse ela. – Vocês</p><p>devem estar com fome.</p><p>Assim que sentiu o perfume da comida, Wulfgar percebeu que estava</p><p>faminto. Seus homens deviam estar sentindo o mesmo.</p><p>– Obrigado. Isto será muito bem-vindo.</p><p>Depois de colocar a travessa e a jarra em um banco, ela estendeu a mão</p><p>para Eyvind.</p><p>– Venha.</p><p>O menino obedeceu, mas virou a cabeça para perguntar a Wulfgar:</p><p>– Posso ir visitar seu navio?</p><p>– Pode, mas é melhor pedir para sua mãe.</p><p>– Posso? – Eyvind olhou para cima. – Por favor, mamãe.</p><p>Anwyn hesitou antes de responder. Aqueles homens eram estranhos e,</p><p>apesar de não terem se mostrado mal intencionados, ela não sabia até onde</p><p>poderia con�ar.</p><p>Wulfgar percebeu o quanto ela havia �cado insegura e interveio:</p><p>– Talvez queira acompanhá-lo, milady. – Ele a convidou com os olhos</p><p>brilhando. – Pode levar a escolta que quiser para acompanhá-la.</p><p>– Não sei se devo – respondeu ela, com o rosto corado.</p><p>– Qual sua dúvida?</p><p>– Mal nos conhecemos e, bem, eu…</p><p>– Talvez milady imagine que vou �car com o menino e pedir resgate, ou</p><p>raptá-la talvez? – Ele a estudou com mais critério e seus olhos brilharam</p><p>ainda mais. – Agora que pensei no assunto, até que a ideia é bem prazerosa.</p><p>– Prazerosa? Para quem?</p><p>– Ora, claro que para mim.</p><p>– Assim poderá lucrar ao me vender, não é?</p><p>– Ah, eu não a venderia – respondeu ele, satisfeito ao notar que o rubor</p><p>do rosto dela se intensi�cou. – Mas não irá acontecer nada, pois não estou</p><p>em posição de fazer nada. Vocês estarão seguros.</p><p>Anwyn não sabia se estaria segura ao lado dele. E tampouco tinha certeza</p><p>do que tudo o que ele dissera não era brincadeira. O olhar intenso dele a</p><p>trouxe de volta de seus pensamentos.</p><p>Percebendo que ela ainda estava indecisa, ele esboçou um sorriso.</p><p>– Será que não mereço o benefício da dúvida?</p><p>Anwyn �cou quieta, tentando ordenar os pensamentos. Não podia se</p><p>esquecer de que ele era um mercenário declarado, um pirata. E, como se não</p><p>bastasse, ela o havia conhecido há menos de um dia. Quanto podia con�ar</p><p>nele?</p><p>– Por favor, mamãe – pediu Eyvind ansioso.</p><p>– Acho que milady foi vencida – disse Wulfgar.</p><p>– Está bem. – Anwyn jogou os braços para cima em um gesto de</p><p>redenção. – Eu me rendo.</p><p>Eyvind pulou de alegria.</p><p>– Podemos</p><p>ir agora, mamãe?</p><p>– Por que não? – perguntou Wulfgar. – É melhor não deixar para depois o</p><p>que se pode fazer agora.</p><p>APESAR DE Wulfgar ter sugerido que ela poderia levar uma escolta grande,</p><p>Anwyn se contentou em ir com Ina e seis outros guerreiros. Como o navio</p><p>não poderia zarpar para lugar algum, era improvável que Wulfgar tentasse</p><p>alguma coisa. Ela emprestou um cavalo para Wulfgar, então todos seguiram</p><p>na direção da praia.</p><p>Quando chegaram, apenas se ouvia o som de marteladas. Os homens</p><p>estavam por toda parte no deck e na areia, onde haviam esticado a vela.</p><p>Eyvind observou tudo de olhos arregalados.</p><p>Ao lado dele, Anwyn reparou nas linhas alongadas da embarcação, que</p><p>tinha sido construída para atingir velocidade e ser fácil de ser manobrada,</p><p>pronta para atacar uma presa como um gavião. Qualquer resistência seria</p><p>facilmente superada. A tripulação também era formada por caçadores,</p><p>exatamente como seu líder, um estranho em pé ao lado dela. A presença dele</p><p>causou um frisson na espinha dela.</p><p>– É um belo navio – observou ela.</p><p>– Gostaria de olhar mais de perto? – perguntou Wulfgar.</p><p>– Posso subir a bordo? – Eyvind foi o primeiro a perguntar.</p><p>– Claro que sim.</p><p>O menino olhou para a mãe, esperando o consentimento.</p><p>– Pode sim. Ina, vá com ele.</p><p>O velho guerreiro desmontou do cavalo e tirou o menino de cima do</p><p>pônei. Wulfgar chamou Hermund.</p><p>– Mostre o navio para os visitantes.</p><p>– Com prazer. – Hermund abriu o braço na direção do navio e os três</p><p>saíram andando.</p><p>– Milady? – Wulfgar virou-se para Anwyn.</p><p>Como não lhe restara outra chance, ela desmontou também. Mais uma</p><p>vez Anwyn percebeu como ele era alto e forte no verdadeiro sentido da</p><p>palavra. Os olhos azuis dele também não desviavam dela, o que contribuiu</p><p>ainda mais para deixá-la inquieta. Mas não estava com medo.</p><p>– Vamos? – perguntou ele, gesticulando na direção do navio.</p><p>Ela assentiu com a cabeça e Wulfgar estreitou o passo para acompanhá-la.</p><p>Ele não tentou tocá-la, mas a presença perturbadora deixou-a com a pele em</p><p>arrepios. O mais estranho é que não estava com medo mesmo, mas, ao</p><p>contrário, um misto de antecipação e animação tomou conta dela.</p><p>– Qual é a idade de Eyvind? – Wulfgar quis saber.</p><p>– Cinco anos.</p><p>– Ele deve ter sentido muito a perda do pai.</p><p>– Ele tem Ina – respondeu Anwyn, olhando para ele de soslaio.</p><p>Wulfgar não esperava ter ouvido aquilo e percebeu que ela estava com a</p><p>atenção nos três que seguiam pouco à frente deles.</p><p>– Uma mulher sozinha �ca mais vulnerável.</p><p>– Tenho proteção.</p><p>– Uma dúzia de homens?</p><p>– Não, há muito mais.</p><p>– Ah, é verdade. Eu tinha me esquecido dos quarenta, escondidos atrás</p><p>das dunas – disse ele com os olhos brilhando.</p><p>– Está certo, eu exagerei um pouco. – Anwyn disfarçou um sorriso. – Mas</p><p>tenho mais guerreiros do que apenas uma dúzia.</p><p>– Fico tranquilo em saber, visto a natureza pouco amigável de seus</p><p>vizinhos.</p><p>– Grymar foi presunçoso.</p><p>– Você está sendo gentil.</p><p>– Não posso me indispor com o senhor dele.</p><p>– Lorde Ingvar?</p><p>– Sim.</p><p>– Ele é tão poderoso assim?</p><p>– Poderoso o su�ciente para me levar a manter a paz.</p><p>Anwyn falou com displicência, mas ele entendeu que havia alguma</p><p>ameaça velada. Mas ela não disse mais nada a respeito, pois estava com a</p><p>atenção no navio. A visão era espetacular. O navio devia ter uns 20 metros</p><p>de comprimento por 4 ou 5 metros de largura. O convés tinha sido</p><p>construído com pranchas de carvalho sobrepostas, com pregos de madeira e</p><p>parafusos de pedra e cabos de pelo animal trançado. Anwyn olhou ao redor,</p><p>para o mastro alto, para os bancos dos remadores e um compartimento que</p><p>deveria ser o depósito de madeira. Viu a cavilha circular no casco do navio e</p><p>os remos gigantescos… dezesseis de cada lado. A proa era magní�ca, tanto</p><p>que instigou a imaginação dela, que comparou a madeira entalhada com os</p><p>dentes pontiagudos de um lobo rosnando.</p><p>– É um navio lindo.</p><p>– Não é o maior de todos, mas é adequada e veloz.</p><p>– Há quanto tempo você o tem?</p><p>– Faz mais ou menos três anos. Ganhamos como prêmio por vencer uma</p><p>guerra.</p><p>– Ah… – Olhando para a proa entalhada de novo, Anwyn se esqueceu da</p><p>fantasia e se lembrou da companhia de quem estava. – Você deve ter</p><p>ganhado muitos prêmios ao longo dos anos.</p><p>– O su�ciente.</p><p>A resposta foi casual, mas causou um tremor que percorreu o corpo dela.</p><p>De certa forma, aqueles homens eram tão perigosos como o batalhão de</p><p>Ingvar. Mesmo sem ter comentado nada, Wulfgar sentiu o momento de</p><p>tensão.</p><p>– Do que tem medo, Anwyn?</p><p>Ela corou ao ouvir seu primeiro nome sem qualquer cerimônia, embora</p><p>não tivesse notado nada que soasse como desrespeito. Ao contrário, seu</p><p>nome soou bem natural vindo dos lábios dele.</p><p>– Eu… de nada.</p><p>– Deve haver alguma coisa – disse ele, inspirando con�ança, mas</p><p>deixando-a confusa.</p><p>– Eu não sei direito. Talvez seja porque nunca estive tão perto de um</p><p>navio de guerra antes.</p><p>– Permita-me aliviar seu medo. – Ele correu pela prancha que tinha sido</p><p>colocada para facilitar a subida e descida ao navio. Depois olhou para trás. –</p><p>Venha. – Foi um convite, mas ao mesmo tempo uma ordem.</p><p>Anwyn respirou fundo e seguiu em frente.</p><p>O cheiro de maresia, misturado com o das cordas, madeiras e dos</p><p>marinheiros, juntou-se ao som de vozes masculinas, pontuado por risos de</p><p>vez em quando.</p><p>Ao chegar ao alto da prancha, ela veri�cou como poderia descer dali,</p><p>olhando para o banco de um dos remos e depois para o deque.</p><p>– Permita-me – ofereceu Wulfgar, percebendo-a hesitante.</p><p>Mãos fortes seguraram-na pela cintura até ele colocá-la no chão</p><p>novamente. Por uma fração de segundos, ela sentiu o perfume da lã da</p><p>túnica misturado ao suor másculo, e, junto com o calor das mãos dele em</p><p>sua cintura, ela teve a sensação de literalmente levitar até seus pés pousarem</p><p>no deque.</p><p>– Bem-vinda a bordo do Lobo do Mar.</p><p>Para se recuperar da sensação eletrizante de minutos antes, ela deu um</p><p>passo atrás, esquecendo-se de que o deque era inclinado e então tropeçando.</p><p>Ele a capturou no ar com as mãos fortes, evitando que ela caísse no deque.</p><p>– Ah… eu… obrigada. – O coração dela batia tão forte que talvez Wulfgar</p><p>até o escutasse.</p><p>Mesmo que tivesse percebido alguma coisa, ele não deixou transparecer.</p><p>– Cuidado. Não quero que quebre o pé.</p><p>– Sim… não… – Ela corou. – Quero dizer, serei mais cuidadosa.</p><p>Ela se desvencilhou das mãos dele e �cou feliz que não houve nenhuma</p><p>tentativa de segurá-la de novo. Como se nada tivesse acontecido, ele passou</p><p>a explicar sobre o navio, apontando vários aspectos do projeto, conforme</p><p>seguiam em frente. Anwyn relaxou um pouco.</p><p>Eyvind estava um pouco mais à frente enchendo Hermund de perguntas e</p><p>ouvindo as explicações com toda paciência. Wulfgar observou os dois juntos</p><p>por um momento.</p><p>– O menino é muito curioso.</p><p>– Ele tem a curiosidade de meia dúzia de crianças. – Ela sorriu para o</p><p>�lho com carinho. – Ele saiu da concha.</p><p>– Por quê? Ele nunca foi afável assim?</p><p>– Não. – Anwyn pensou um pouco antes de continuar: – O pai dele era</p><p>muito rígido. Eyvind �cou tímido e amedrontado.</p><p>Wulfgar achou que a informação vinha mesclada com raiva, que</p><p>despertou sua curiosidade.</p><p>– Um pouco de disciplina é essencial, mas um �lho não deve ter medo do</p><p>pai.</p><p>– Meu falecido marido não era muito paciente.</p><p>– Entendo…</p><p>Anwyn não tinha intenção alguma de falar sobre Torstein. Ele pertencia a</p><p>uma parte de sua vida que queria esquecer.</p><p>– Você tem �lhos? – perguntou ela, mudando de assunto.</p><p>Wulfgar devia saber que ela falaria sobre isso, mas, mesmo assim, a</p><p>pergunta o pegou desprevenido.</p><p>– Não.</p><p>– Uma esposa?</p><p>– Não.</p><p>Wulfgar não forneceu mais detalhes e a objetividade das respostas inibiu</p><p>maiores questionamentos. Talvez a vida de um mercenário fosse</p><p>incompatível com os laços domésticos. Homens como ele tinham mulheres</p><p>por onde passavam. Pensar nisso a fez estremecer. Será que ele já tinha</p><p>tomado alguma mulher à força? Mal terminou de pensar e já rejeitou a</p><p>ideia… Um homem como Wulfgar nunca teria problemas para encontrar</p><p>uma mulher ansiosa por dividir sua cama. Anwyn estava ciente de que sua</p><p>experiência era limitada, claro, mas imaginava que a maioria das mulheres</p><p>não o rejeitaria. A ideia despertou</p><p>outros pensamentos inesperados e</p><p>inquietantes. Para afastá-los, ela virou o rosto para que ele não percebesse o</p><p>que passava em sua mente.</p><p>– Já tomamos demais seu tempo, milorde. É melhor irmos.</p><p>– Nós tomamos muito mais o seu tempo – disse ele. – Mas não me</p><p>arrependo.</p><p>– Nem o meu �lho. – Anwyn sorriu.</p><p>– E você?</p><p>– Não, claro que não.</p><p>Ao chegarem à prancha de descida, Wulfgar ofereceu a mão a ela</p><p>novamente. Os dedos fortes dele seguraram os dela, transmitindo uma</p><p>espécie de energia pelo corpo dela. Quando pisaram na areia de novo, ela</p><p>chamou Ina e Eyvind mais uma vez. Uma vez que estavam todos na praia, o</p><p>grupo de Anwyn dirigiu-se para onde estavam os cavalos. Anwyn esperava</p><p>que Wulfgar se despedisse e �casse no navio. Mas não era essa a intenção</p><p>dele.</p><p>– Preciso veri�car como está indo o trabalho no pátio.</p><p>– Claro. – Anwyn meneou a cabeça. – Nós o prendemos longe por muito</p><p>tempo.</p><p>– Foi uma interrupção agradável.</p><p>– Tenho certeza de que esta visita será o assunto de Eyvind pelos</p><p>próximos dias.</p><p>Depois de montarem nos cavalos, o grupo voltou para casa.</p><p>Anwyn percebeu que seu temor anterior não tinha fundamento e sentiu-</p><p>se envergonhada por ter descon�ado tanto. Você suspeitou… Posso ajudá-la?</p><p>Ela devia ter �cado ultrajada. Piratas faziam pessoas de escravos e os</p><p>vendiam. Eu não a venderia. O signi�cado daquelas palavras também</p><p>deveria ter sido considerado ultrajante, mas na verdade o efeito causado foi</p><p>bem diferente, gerando uma onda de calor que a aqueceu por inteira.</p><p>Balançando a cabeça ligeiramente, ela concluiu que Wulfgar devia estar se</p><p>divertindo à sua custa. Além do mais, se a intenção dele fosse causar algum</p><p>mal, já teria tido tempo de agir. Apesar de ele se declarar um mercenário</p><p>convicto, havia alguma coisa que o afastava da imagem convencional de um</p><p>pirata. Era um mistério… Wulfgar era um mistério.</p><p>Capítulo 5</p><p>O BOM humor de Anwyn terminou quando chegaram à paliçada e havia</p><p>alguns cavalos no pátio. Ao reconhecê-los, ela sentiu o coração se apertar.</p><p>– Ingvar – murmurou.</p><p>O grupo mal teve tempo de desmontar, quando meia dúzia de guerreiros</p><p>saiu do salão, liderados por Ingvar. Por alguns momentos ele avaliou a cena</p><p>diante de seus olhos e, em seguida, correu na direção dela.</p><p>– Lady Anwyn, vim assim que pude.</p><p>– Aconteceu alguma coisa, milorde?</p><p>A resposta inesperada o desmontou, mas ele foi esperto o su�ciente para</p><p>se recuperar rápido.</p><p>– Estou falando do que aconteceu ontem. Vim para me desculpar.</p><p>– Grymar já tinha feito isso.</p><p>– Era a obrigação dele. Ele sabe que eu desaprovei a atitude.</p><p>Anwyn tinha certeza que sim.</p><p>– Sei que ele excedeu sua autoridade.</p><p>– Mas ele está profundamente arrependido. – Ingvar fez uma pausa. – Ele</p><p>tinha boas intenções, pois sabe que me preocupo muito com sua segurança.</p><p>– Eu não estava em perigo, milorde.</p><p>– Mas ele não sabia e pensou no pior. A reação não podia ter sido</p><p>diferente ao se deparar com um navio de guerra e sua tripulação.</p><p>– Bem, o medo dele era infundado. O navio está estragado e precisa ser</p><p>consertado. Assim que os reparos terminarem, eles partirão.</p><p>– Milady deu permissão para usarem seus galpões? – Ingvar exigiu saber,</p><p>apertando os olhos.</p><p>– Isso mesmo.</p><p>– Milady acredita que seja prudente?</p><p>– Eu não teria permitido se pensasse diferente.</p><p>– Não, claro que não. – Ingvar fez uma pausa antes de continuar: – Ainda</p><p>assim…</p><p>– Lady Anwyn não tem o que temer dos meus homens ou de mim. –</p><p>Wulfgar se pronunciou.</p><p>Ingvar olhou por cima dos ombros de Anwyn, �ngindo ser a primeira vez</p><p>em que notava a presença de Wulfgar.</p><p>O silêncio que se seguiu durou pouco, mas estava carregado de tensão</p><p>quando os dois se avaliaram.</p><p>– Suponho que o navio seja seu – falou Ingvar.</p><p>– Exatamente.</p><p>Anwyn tratou de interferir logo.</p><p>– Este é lorde Wulfgar. Ele e a tripulação são meus convidados por alguns</p><p>dias.</p><p>– É mesmo?</p><p>– Como pode ver, milorde, não há razão para pânico – continuou ela.</p><p>– Fico aliviado em saber. Milady sabe como me preocupo.</p><p>– Sei sim.</p><p>– Espero que perdoe o incidente de ontem, lorde Wulfgar – disse Ingvar.</p><p>– Ninguém saiu ferido, milorde.</p><p>– Meus homens exageraram – continuou Ingvar – porque sabem o quanto</p><p>procuro cuidar de milady. – Ele tomou a mão de Anwyn e a beijou.</p><p>Wulfgar cerrou os dentes, o que fez os músculos de seu maxilar saltarem.</p><p>– Talvez seja melhor ter mais controle sobre seus homens.</p><p>– Espero que faça o mesmo com os seus.</p><p>– Meus homens não possuem o hábito de interferir onde não são</p><p>chamados. – Wulfgar virou-se para Anwyn. – Peço que me dê licença,</p><p>milady. Há outros assuntos que precisam da minha atenção.</p><p>– Ah, sim, imagino que esteja ansioso para partir logo – comentou Ingvar.</p><p>– Partiremos assim que estivermos prontos, milorde.</p><p>– Peço que me avise se eu puder ajudar a adiantar sua partida.</p><p>Wulfgar o encarou nos olhos.</p><p>– Se precisar de sua ajuda, não hesitarei em pedir.</p><p>Assim dizendo, ele fez uma reverência a Anwyn e saiu.</p><p>Ingvar �cou olhando-o se afastar, antes de voltar a falar:</p><p>– Devo me retirar também, milady. Não quero atrapalhar seus afazeres. –</p><p>Ele chamou seus homens e montou no cavalo. Mas, antes de partir,</p><p>aproximou o cavalo de Anwyn e se abaixou para dizer: – Espero que lorde</p><p>Wulfgar não esteja mais aqui quando eu voltar.</p><p>WULFGAR REUNIU-SE com seus homens no galpão de carpintaria.</p><p>– Está tudo bem, milorde? – perguntou rand.</p><p>– Razoável – respondeu Wulfgar, balançando a cabeça.</p><p>– Aquele deve ser lorde Ingvar.</p><p>– Isso mesmo.</p><p>– O que ele queria?</p><p>– Apressar nossa partida.</p><p>Os três guerreiros olharam para Wulfgar incrédulos.</p><p>– Gostaria que ele tentasse – disse Asulf em tom de provocação.</p><p>– Não duvido que não o faça – disse rand.</p><p>– Há sempre uma esperança, não é?</p><p>Todos acharam graça e voltaram a atenção para o trabalho. Enquanto</p><p>trabalhava, Wulfgar recordou o recente encontro. Com o tempo, ele havia</p><p>aprendido a entender as pessoas e sabia que Ingvar não seria nenhuma</p><p>di�culdade, e suas ambições em relação a Anwyn eram infundadas. Uma</p><p>mulher sozinha �cava muito exposta, principalmente se fosse rica e bonita.</p><p>Claro que ele não tinha nada com isso. Em um dia ou dois dias, partiria com</p><p>seus homens. Mas não seria por causa de Ingvar ou qualquer outra pessoa</p><p>tê-lo apressado.</p><p>ANWYN ANDAVA de um lado para o outro na antessala de seus aposentos,</p><p>pálida de tanta raiva ao contar para Jodis os detalhes da visita de lorde</p><p>Ingvar.</p><p>– Que homem insuportável! Quem ele pensa que é?</p><p>– Ele está cada dia mais con�ante, milady.</p><p>– Ele não tem esse direito sobre mim. Drakensburgh é minha propriedade</p><p>agora. Sou que julgo quem devo acolher ou não.</p><p>– Talvez nossos visitantes não se demorem muito – disse Jodis. – Mas</p><p>temo que partam.</p><p>– Eu também. – Anwyn se sentou em uma cadeira.</p><p>Ela não queria nem pensar quando Wulfgar e seus homens fossem</p><p>embora e sua presença não restringisse mais as visitas de Ingvar. O rosto de</p><p>Wulfgar passou por sua mente. Ele também a desconsertava, mas os</p><p>sentimentos que despertava eram bem diferentes. E pensar que só o</p><p>conhecia há um dia, mas tinha certeza de que nunca o esqueceria. Naquele</p><p>momento chegou a invejá-lo. Como seria embarcar em um navio e partir de</p><p>Drakensburgh para nunca mais voltar? Ah, quantas vezes tinha sonhado</p><p>com isso no passado! Torstein não permitia que ela conversasse com</p><p>estranhos, quanto mais chegar perto de um navio. Houve uma época em que</p><p>fora inocente demais para achar que podia fugir e ter a coragem de pedir o</p><p>divórcio. Não era um processo tão incomum, e poderia ser arranjado. Uma</p><p>mulher podia se separar do marido e levar os �lhos, junto com os bens e o</p><p>dote que tinha levado para o casamento. Esse era o processo normal.</p><p>Entretanto, não levou muito tempo para que Anwyn percebesse que seu</p><p>marido jamais concordaria com isso. O único jeito seria ter fugido, mas</p><p>mesmo assim era impraticável, pois Torstein a teria caçado até o �m do</p><p>mundo e a forçado a um castigo horrendo.</p><p>Talvez ele achasse que a ideia de ela escapar fosse impossível. A liberdade</p><p>dela estava con�nada aos limites da paliçada. Em raras ocasiões ela podia</p><p>sair, mas sempre acompanhada pelo marido e uma escolta armada. Os</p><p>homens de Torstein</p>

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