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<p>UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE</p><p>ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL</p><p>DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL</p><p>CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL</p><p>LETÍCIA COSTA DA SILVA SOUZA</p><p>PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE</p><p>TRANSFERÊNCIA CONDICIONADA DE RENDA NO BRASIL</p><p>NITERÓI – RJ</p><p>2023</p><p>LETÍCIA COSTA DA SILVA SOUZA</p><p>PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: uma análise das políticas de transferência</p><p>condicionada de renda no Brasil</p><p>Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao</p><p>Departamento de Serviço Social da Universidade Federal</p><p>Fluminense como requisito para a obtenção do título de</p><p>Bacharel em Serviço Social.</p><p>Orientador(a): Prof.ª Dr.ª Ana Paula Ornellas Mauriel</p><p>NITERÓI – RJ</p><p>2023</p><p>LETÍCIA COSTA DA SILVA SOUZA</p><p>PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: uma análise das políticas de transferência</p><p>condicionada de renda no Brasil</p><p>Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao</p><p>Departamento de Serviço Social da Universidade Federal</p><p>Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do título de</p><p>Bacharel em Serviço Social.</p><p>Niterói-RJ, ___ de __________ de ____.</p><p>BANCA EXAMINADORA</p><p>_______________________________________</p><p>Prof.ª Dr.ª Ana Paula Ornellas Mauriel</p><p>Profa. Orientadora (ESS/UFF)</p><p>_______________________________________</p><p>Prof.ª Dr.ª Janaina de Albuquerque de Camargo Schmidt</p><p>Profa. Examinadora I (ESS/UFF)</p><p>_______________________________________</p><p>Prof. Dr. Francisco Henrique da Costa Rozendo</p><p>Prof. Examinador II (ESS/UFF)</p><p>AGRADECIMENTOS</p><p>Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus e aos meus pais Julio César e</p><p>Sandra Mara, as minhas irmãs Jéssica, Fabiana e Angelina e a toda a extensão da</p><p>minha família que não pode ser definida apenas pelo sangue. Vocês me fizeram</p><p>andar as léguas que me trouxeram até aqui e moldaram a primeira versão de quem</p><p>eu sou.</p><p>Agradeço aos meus professores do ensino médio que me mostraram que</p><p>uma história pode ser contada de muitas formas diferentes e, principalmente, Kézia</p><p>Santos, que enxergou minha essência antes que eu mesma o fizesse. Talvez eu</p><p>nunca tivesse me apaixonado pela História do Brasil se não fosse por você.</p><p>Agradeço ao curso de Serviço Social e aos professores que me ajudaram a</p><p>desenvolver o meu senso crítico, de forma a entender de qual lado da história eu</p><p>quero estar, mesmo que nem sempre seja tão simples ter a autonomia de realizar</p><p>essa escolha.</p><p>Não existem palavras suficientes para agradecer a Ester Benevides e</p><p>Nathalia Ribeiro, minhas companheiras de UFF, que me lembravam de me inscrever</p><p>nas matérias, me escutavam reclamando e que compreendiam minha distância. A</p><p>alma de vocês emana a luz que me ajudou a manter a sanidade, não que os</p><p>abraços tenham menos crédito nesse assunto.</p><p>Munique e Dayse, como agradecer a vocês que foram minhas madrinhas,</p><p>supervisoras, amigas. Que me ensinaram a ouvir, mas que também me escutaram,</p><p>que me doaram livros e sempre perguntavam se eu já tinha terminado o trabalho</p><p>que precisava entregar, que representaram o meu primeiro contato com a profissão</p><p>e me fizeram ter a certeza de que eu estava no caminho certo.</p><p>Cristiane, minha prima, tia, fada madrinha, primeira chefe. Você me deu a</p><p>oportunidade de ter contato e de me apaixonar completamente pela assistência e</p><p>me apresentou a melhor equipe de trabalho que eu já conheci na vida. Estendo aqui</p><p>meus agradecimentos à equipe de 2019-2020 da Coordenação do Bolsa Família de</p><p>São Gonçalo por terem me permitido ser a mascote de vocês.</p><p>Agradeço aos meus amigos, próximos e distantes, que tiveram paciência</p><p>comigo debatendo assuntos políticos e problematizando questões em todos os</p><p>encontros e por compreenderem minhas ausências quando foram necessárias.</p><p>Não posso concluir sem agradecer aquele que me escuta toda vez que eu</p><p>decido trocar um parágrafo de lugar – o que não aconteceu poucas vezes -, e que</p><p>que me ajuda quando não consigo encontrar as palavras que a minha mente quer</p><p>dizer. Gabriel Rodrigues, você entende a minha bagunça mesmo antes que eu</p><p>comece a explicar e eu não poderia ter escolhido alguém melhor para compartilhar a</p><p>vida.</p><p>Por último, não por menor importância, mas para simbolizar a presença e o</p><p>apoio de vocês ao longo de toda a construção desse trabalho, eu agradeço a minha</p><p>orientadora Ana Paula Ornellas Mauriel, e ao Francisco Henrique da Costa</p><p>Rozendo, que me orientou no intervalo em que ela esteve ausente – além de ter me</p><p>presenteado com a incrível experiência de participar de um projeto de iniciação</p><p>científica. Obrigada por me ajudar a ajustar o meu tema até que ele transmitisse</p><p>exatamente a dura realidade que não pode ser ignorada. Vocês foram mais</p><p>pacientes do que eu poderia esperar, e fizeram esse momento ser mais leve do que</p><p>eu imaginava que seria. Sou grata por ter duas pessoas tão queridas e inspiradoras</p><p>ao meu lado nesse processo tão profundo e complexo.</p><p>“Somos todos passageiros da mesma nave espacial chamada</p><p>Terra. No entanto, como nas caravelas dos colonizadores e</p><p>nos aviões transatlânticos, viajamos em condições desiguais. ”</p><p>- Frei Betto</p><p>RESUMO</p><p>Este Trabalho de Conclusão de Curso aborda como assunto predominante os</p><p>programas de transferência monetária e sua adoção de forma central nos sistemas</p><p>de proteção social, especialmente em países periféricos como os países da América</p><p>Latina. O objetivo principal é construir um resgate histórico sobre a origem e adoção</p><p>dessas práticas como contenção das situações mais agudas de destituição</p><p>econômico-social. Para isso, analisaremos como esse movimento ocorreu no Brasil</p><p>através do Programa Bolsa Família. Como metodologia utilizamos de levantamento</p><p>bibliográfico que incluiu os autores que pesquisam sobre essa temática, os dados</p><p>disponibilizados pelos órgãos do governo e as legislações que regulamentam as</p><p>políticas supracitadas no país. Primeiramente, buscaremos esclarecer a origem do</p><p>debate sobre a renda básica universal e as primeiras experiências de programas de</p><p>transferência monetária na América Latina. Em segundo lugar, discorreremos sobre</p><p>algumas das primeiras experiências de transferência monetária no Brasil e sua</p><p>posterior expansão com o Bolsa Família. Por fim, apresentaremos alguns elementos</p><p>para pensarmos a dinâmica de desmonte de direitos em meio a um contexto de</p><p>radicalização do neoliberalismo e como as políticas de transferência monetária se</p><p>relacionam com essa lógica ultraneoliberal de ajuste fiscal.</p><p>Palavras-chave: América Latina, Bolsa Família, programas de transferência</p><p>monetária, neoliberalismo.</p><p>ABSTRACT</p><p>The principal theme of this undergraduate final project is cash transfer programs and</p><p>their centralized adoption in social protection systems, especially in peripheral</p><p>countries such as those in Latin America. The main objective is to provide a historical</p><p>overview of the origin and adoption of these practices as a containment of the most</p><p>acute situations of economic and social destitution. To this end, we will analyze how</p><p>this movement occurred in Brazil through the Bolsa Família Program. As a</p><p>methodology, we used a bibliographic survey that included authors who researched</p><p>this subject, data made available by government agencies and the legislation that</p><p>regulates the aforementioned policies in the country. Firstly, we will try to clarify the</p><p>origins of the debate on universal basic income and the first experiences of cash</p><p>transfer programs in Latin America. Secondly, we will discuss some of the first cash</p><p>transfer experiences in Brazil and their subsequent expansion as Bolsa Família.</p><p>Finally, we will present some elements to think about the dynamics of dismantling</p><p>rights in</p><p>do</p><p>programa, mulheres grávidas e mães com filhos abaixo de três anos</p><p>de idade. (STEIN, 2008, p. 205-206)</p><p>O Brasil desenvolveu a partir do ano de 1995, algumas iniciativas municipais</p><p>e estaduais, principalmente em São Paulo e Brasília. Ademais, em 1998, o governo</p><p>instituiu a lei que oferece ajuda financeira aos municípios que tenham interesse em</p><p>criar programas de transferência monetária (FONSECA, 2006; SILVA e SILVA,</p><p>36</p><p>2015). Entretanto, não as abordaremos aqui, pois iremos dedicar nossa atenção a</p><p>essas experiências pioneiras mais adiante.</p><p>Uma das experiências que ganhou maior destaque dos países da América</p><p>Latina na década de 1990 foi o México. Implementado como forma de combater a</p><p>pobreza extrema em 1997, o PROGRESA (Programa de Educação, Saúde e</p><p>Alimentação) era mais focalizado na área rural por se tratar de uma região</p><p>geográfica mais pauperizada. Em 2002, o Progresa foi expandido para as áreas</p><p>urbanas e teve seu nome mudado para Oportunidades, cujos benefícios</p><p>contemplavam bolsas escolares, bônus para jovens que concluem os estudos,</p><p>material escolar e benefícios financeiros às mães de famílias (FONSECA, 2006;</p><p>STEIN, 2008; SILVA e SILVA, 2015). Nos dias atuais, se chama Programa de</p><p>Inclusão Social PROSPERA e, segundo o site dedicado ao mesmo, tem como</p><p>elementos principais:</p><p>(1) ajuda em dinheiro para ajudar as famílias a terem uma dieta</p><p>adequada e mais variada; (2) promoção da saúde para prevenir</p><p>doenças e melhorar o acesso aos serviços de saúde; (3) incentivos</p><p>para encorajar a retenção e progressão do aluno; e (4) um</p><p>componente de articulação destinado a coordenar a oferta de</p><p>programas que promovam a inclusão produtiva, trabalhista,</p><p>financeira e social dos beneficiários. (INTER AMERICAN</p><p>DEVELOPMENT BANK, 2023, tradução nossa)</p><p>O Equador, como parte de sua agenda social para minimizar a miséria –</p><p>JUNTOS PODEMOS – implementou em 1998 o Bono Solidariedade, sucedido pelo</p><p>Bono Solidario em 2001 e culminando no Bono de Desarollo Humano, instituído em</p><p>2002. Destinado às mães filhos até 16 anos de idade e com o repasse mensal de</p><p>aproximadamente 15 dólares por família, condicionado ao acompanhamento de</p><p>saúde e frequência escolar. Em 2006, foi incluído no programa, pensão para idosos</p><p>e pessoas com deficiência. (FONSECA, 2006; STEIN, 2008)</p><p>Nos anos 2000 ocorreram diversas transformações sociais, entre elas a</p><p>diminuição dos índices de pobreza – fato que pode ser atribuído à queda das taxas</p><p>de desemprego. Também nesse período, governos progressistas foram eleitos na</p><p>América Latina, o que levou à expansão dos programas de transferência monetária.</p><p>Sete países da região começaram a implementar esses programas entre 2005 e</p><p>2006. Essa expansão pode ser notada através dos dados referentes a cobertura da</p><p>37</p><p>população abrangida pelos programas, que viveu um salto em aproximadamente</p><p>14% a mais entre os anos de 2000 e 2010.</p><p>Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner instituiu o programa Asignación</p><p>Universal por Hijo em 2009 – que sucedeu o plano Jefes de Hogar, constituído em</p><p>2002. Segundo Pase e Melo (2017) O objetivo do programa se concentrava em</p><p>quatro indicadores principais: pobreza; falta de moradia; desigualdade e</p><p>vulnerabilidade relativa. Cada criança com menos de 18 anos que tenha pais</p><p>desempregados ou no mercado de trabalho informal recebia um benefício básico</p><p>que corresponde a 80% do benefício, os outros 20% são transferidos às famílias</p><p>uma vez ao ano, cumpridas as condicionalidades do programa.</p><p>Não foi o objetivo principal de nossa pesquisa, explicitar as particularidades</p><p>de cada programa ou de esgotar aqui todo o debate sobre os programas de</p><p>transferências monetárias desenvolvidos na América Latina6. Nossa exposição</p><p>busca apenas encontrar e compreender algumas das similaridades apresentadas</p><p>entre os sistemas de proteção social dos países que se encontram na periferia do</p><p>capitalismo.</p><p>No aspecto geral, apesar dos programas apresentarem condicionalidades e</p><p>características específicas de cada um dos países que implementaram essas</p><p>políticas na América Latina, eles apresentam algumas similaridades, a saber: a</p><p>focalização na camada mais pauperizada da população, a exigência do cumprimento</p><p>de condicionalidades para manutenção da transferência de renda, a prioridade por</p><p>exigências que melhorem a frequência escolar e o acompanhamento de saúde.</p><p>É de suma importância, inclusive, relembrar que os países da América Latina</p><p>compartilham uma trajetória histórica e política parecida. Podemos citar seus</p><p>processos de redemocratização, que apesar de serem atravessados pelas</p><p>especificidades de cada país e ocorrerem em diferentes anos, marcaram-se como</p><p>um período de surgimento de grande parte dos programas de transferência</p><p>monetária na região. Ademais, também pode-se observar o crescimento dos</p><p>partidos de esquerda que acabou culminando nas vitórias eleitorais de governos de</p><p>vieses progressistas.</p><p>6 Para saber mais sobre os programas desenvolvidos na região da América Latina e Caribe, ver</p><p>SILVA, Maria Ozanira da Silva e. (Coord.) Programas de Transferência de Renda na América Latina e</p><p>Caribe.</p><p>38</p><p>Importante também destacar que esses governos chamados progressistas</p><p>aderiram à agenda neoliberal, executando as políticas de ajuste fiscal e a expansão</p><p>dos chamados programas de “combate à pobreza”. Se caracterizando como</p><p>governos de coalizão entre a burguesia e partidos de esquerda, a exemplo de Lula</p><p>no Brasil, Rafael Correa no Equador e Evo Morales na Bolívia (MOGILKA, 2019)</p><p>Os “ajustes estruturais de 2ª geração” (MAURIEL, 2013), na América Latina</p><p>que marcaram a segunda fase do neoliberalismo na América Latina, intensificando a</p><p>dependência dos países latino americanos no cenário econômico internacional. No</p><p>período que se seguiu à crise da dívida nos anos 80 e 90, o aumento das</p><p>privatizações, abertura comercial, desregulamentação e redução do Estado na</p><p>economia foram políticas adotadas pelos países periféricos como uma resposta às</p><p>pressões econômicas.</p><p>A partir da dinâmica capitalista contemporânea, especialmente após</p><p>a década de 90, o caráter dependente das economias latino-</p><p>americanas é ainda mais aprofundado, por meio da intensificação</p><p>dos mecanismos de transferência de valor, dos processos de</p><p>privatização, da estrangeirização do aparato produtivo (liberalizando</p><p>a atuação dos capitais transnacionais) e da abertura comercial e</p><p>financeira (CARCANHOLO, 2017 apud VALADÃO, 2019, p. 153).</p><p>No entanto, a implementação dessas políticas teve consequências sociais</p><p>significativas. A privatização e a liberalização econômica resultaram em efeitos</p><p>negativos que afetaram as populações mais pauperizadas desses países, resultando</p><p>em uma piora na oferta de serviços públicos e encarecimento dos produtos. Isso</p><p>provocou a intensificação da desigualdade econômica e social e o recrudescimento</p><p>das condições de vida e das relações de trabalho. (SOUSA, SOTO e ALMADA</p><p>LIMA, 2020)</p><p>Seja como for, a acomodação neoliberal alterou tanto a ordem social</p><p>interna dos países, como a autonomia estatal ante o exterior. Quanto</p><p>ao primeiro, a supressão do protecionismo, da política industrial e de</p><p>outras formas de intervencionismo estatal, unida às privatizações e à</p><p>abertura de fronteiras, alterou radicalmente a distribuição de</p><p>ingressos, as oportunidades de progresso e a própria estratificação</p><p>social. Da estratégia do crescimento interno, passou-se a postular as</p><p>exportações como via de progresso, a estabilidade dos preços e</p><p>orçamentos e preencheu o lugar ocupado anteriormente pelas metas</p><p>de geração de emprego; o Estado cedeu o comando ao mercado</p><p>para fixar a direção e os resultados do manejo socioeconômico.</p><p>(IBARRA, 2011, p. 240-241)</p><p>39</p><p>O retorno dos países da América Latina a sua posição como exportador de</p><p>materiais de bens primários e maquinaria básica expõe sua</p><p>subordinação às</p><p>necessidades específicas dos países centrais. A expansão das commodities e da</p><p>exportação de minerais e combustíveis fósseis – produtos originados de matérias-</p><p>primas e recursos naturais – é um exemplo de como a vantagem competitiva do</p><p>capital se baseia na exploração da mão de obra barata das economias periféricas,</p><p>mantendo as mesmas vulneráveis às flutuações de mercado. Explicando, assim, a</p><p>importância de manter baixo o nível de reprodução da força de trabalho na região,</p><p>onde há uma instabilidade crescente de emprego por conta dos ajustes e reformas</p><p>implantados em nome do “desenvolvimento”. Esses resultados se alinham com os</p><p>objetivos das políticas neoliberais, que visam manter um padrão de vida mínimo e</p><p>mantê-lo abaixo da norma aceita. (IBARRA, 2011; VALADÃO, 2019; MAURIEL,</p><p>2013)</p><p>A mudança estratégica, porém, foi acompanhada da necessidade de</p><p>construção de uma nova estrutura intelectual que conciliasse a</p><p>sustentabilidade financeira do Banco, reafirmasse a busca pelo</p><p>ajuste econômico, crescimento e liberdade dos mercados e os</p><p>associasse ao renascimento dos empréstimos orientados ao</p><p>combate à pobreza. Dessa forma, a ilustração desse novo consenso</p><p>encontra sua expressão mais visível nas estratégias de combate à</p><p>pobreza, que apresenta um novo quadro de referências marcadas</p><p>pela ideia de desenvolvimento que vai sendo atrelado a diferentes</p><p>adjetivos: liberdade, equidade, justiça, sustentabilidade. (MAURIEL,</p><p>2013, p.105)</p><p>Um dos pontos de convergência entre os países latino-americanos a ser</p><p>citado envolve a própria construção das Redes de Proteção Social, que se baseia,</p><p>sobretudo, em PTRCs e em intervenções compensatórias. A tendência por escolher</p><p>programas de transferência de renda como método de combate à pobreza e a</p><p>centralidade dos sistemas de proteção social nessas modalidades pode ser</p><p>justificada pelo baixo custo de manutenção dos programas, visto que a maioria dos</p><p>países não investe mais do que 1% do PIB no desenvolvimento dessas políticas</p><p>(SILVA e SILVA, 2015).</p><p>Em realidade, é importante indicar que é a partir desse cenário que</p><p>se prolifera na região a implantação de PTRC, cujo objetivo, nos</p><p>discursos dos Chefes de Estado e de seus executivos e formuladores</p><p>40</p><p>de políticas sociais, é o de erradicação da pobreza. No entanto, por</p><p>detrás desse discurso é plenamente possível a percepção de que</p><p>esses Programas são resultantes de imposições dadas por restrições</p><p>de natureza interna e externa. As internas estão no alinhamento do</p><p>gasto público estatal em razão da redefinição do papel do Estado e</p><p>da governança macroeconômica exigida pelo ajuste estrutural, e, as</p><p>externas estão materializadas nos compromissos firmados pelos</p><p>Chefes de Estado tanto na I Cúpula das Américas, da Organização</p><p>dos Estados Americanos (OEA), realizada no ano de 1994 em Miami,</p><p>;quanto nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)3 para a</p><p>região, estabelecidos em setembro de 2000, sendo o principal a</p><p>erradicação da pobreza. (LIMA, 2016, p. 206)</p><p>Conjuntamente, é indispensável considerarmos a seletividade e fragmentação</p><p>dos programas aqui citados, impondo critérios para acesso, e utilizando de</p><p>focalização geográfica em alguns casos. Apesar de ser considerada inicialmente</p><p>como uma “inovação no combate à pobreza”, um dos traços principais das políticas</p><p>de transferência monetária é a focalização em indivíduos pobres ou extremamente</p><p>pobres – especialmente em famílias com crianças ou adolescentes (FONSECA,</p><p>2006).</p><p>É também expressivo o empenho dos países no aperfeiçoamento</p><p>dos instrumentos da focalização, em contraposição ao princípio da</p><p>universalidade, com o discurso de que a atuação deve ser seletiva</p><p>por beneficiar a população empobrecida. Contudo, a seletividade</p><p>apoiada na equidade, visando identificar necessidades particulares</p><p>para melhor atendê-las, foi substituída por uma seletividade injusta,</p><p>centrada, na defesa dos gastos sociais, que exige das políticas</p><p>sociais, a criação de estratégias de rebaixamento das necessidades</p><p>humanas à sua expressão emergencial, visando, assim, diminuir as</p><p>despesas do Estado. Assim, a relação dinâmica, que poderia ser</p><p>mantida entre a seletividade e universalidade, foi transformada na</p><p>focalização, como um princípio antagônico à mesma (Pereira e Stein,</p><p>2004 apud STEIN, 1994, p. 215)</p><p>Nesse esforço para “alcançar a equidade”, os programas diferenciam os</p><p>usuários a partir do recorte de renda, de forma a selecionar aqueles que mais</p><p>precisam da ajuda estatal. Portanto, a política fragmenta a pobreza – ou as</p><p>expressões dessa – numa lógica perversa de seleção dos pobres, com os testes de</p><p>pobreza e as provas de necessidade. Restringindo a elegibilidade através de</p><p>processos burocráticos e técnicos, que buscam sobretudo a eficiência dos</p><p>processos sem, de fato, atingir sequer toda a população que necessita dos serviços.</p><p>41</p><p>Todavia, num esforço de problematização dessas dimensões dos</p><p>PTRC, na prática dos programas, o que de fato é realçada é uma</p><p>concepção monetarista da pobreza ao destacar a renda como critério</p><p>principal de inclusão e desligamento dos programas, com fortes</p><p>marcas de um componente ideológico que conduz à fragmentação,</p><p>categorização do público-alvo e a desuniversalização dos serviços</p><p>ofertados, até mesmo nos campos da educação e saúde. Nesse</p><p>aspecto, a noção de pobreza, aparente mobilizador dos PTRC institui</p><p>uma pseudo-homogeneização, ao mesmo tempo em que predomina</p><p>uma fragmentação do público-alvo, categorizado como pobres,</p><p>extremamente pobres, vulneráveis, excluídos. (SILVA e SILVA, 2015,</p><p>p. 87)</p><p>Por fim, o estabelecimento de condicionalidades para definir a continuidade</p><p>das famílias nos programas também é uma característica dos programas</p><p>desenvolvidos na região da América Latina. Dividindo opiniões, esse traço pode</p><p>reforçar o caráter de benefício, afastando do campo dos direitos a instituição dos</p><p>programas. As condições exigidas das famílias que recebem as transferências</p><p>monetárias dizem respeito ao princípio de corresponsabilidade. Baseado nesse</p><p>princípio, o Estado deveria prover os serviços públicos de acesso universal – com</p><p>destaque para as áreas de educação e saúde – e a família, representada pelo titular,</p><p>se compromete a se certificar de que os membros da família – principalmente</p><p>crianças e adolescentes, atendam a todos os requisitos, podendo ocasionar na</p><p>penalização da família (FONSECA, 2006).</p><p>Em contrapartida, esse preceito acumula complicações. Em primeiro lugar,</p><p>porque os serviços públicos – alvos das condicionalidades – que deveriam ser</p><p>ofertados pelo estado de forma gratuita e com qualidade e acesso universal muitas</p><p>vezes não conseguem suprir a demanda. E mesmo quando o fazem, cobrem apenas</p><p>o mínimo e mais necessário, como a educação básica e a atenção básica, na saúde.</p><p>Além disso, a responsabilidade depositada no titular – que é prioritariamente a</p><p>mulher e mãe de família em quase todos os programas aqui explicitados – reforça o</p><p>papel feminino do cuidado familiar, o que não exatamente colabora para o seu</p><p>empoderamento e autonomia, como defendido por alguns dos incentivadores desses</p><p>programas.</p><p>1.3. As primeiras iniciativas de transferência monetária no Brasil</p><p>Após a redemocratização do Brasil na década de 1980, viveu-se um período</p><p>de espraiamento dos direitos civis e da liberdade de expressão, culminando com a</p><p>42</p><p>adoção da Constituição Cidadã em 1988. No documento, a saúde, a previdência e a</p><p>assistência social passaram a compartilhar o estatuto de direitos sociais, e o mesmo</p><p>definiu a Seguridade Social como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos</p><p>Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à</p><p>saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, 2016, art. 194). Entretanto,</p><p>com o avanço das ideias liberais a nível global e no território brasileiro a partir de</p><p>1990, a implementação das políticas sociais</p><p>conforme preconizado na Carta Magna</p><p>foi comprometida, se tornando um espaço de disputas enquanto se adotavam</p><p>medidas mais restritivas e menos universalizantes.</p><p>Contudo, este ambiente contrarreformista do Plano Diretor da</p><p>Reforma do Estado (1995) e do Plano Real, pilares de todo o período</p><p>da redemocratização, retardou essa construção, alocou um</p><p>orçamento público insuficiente, de forma que a proteção social</p><p>formatada alcançasse os mais pobres dentre os pobres, obstaculizou</p><p>o que poderia ter sido. (BRETTAS, 2020, p. 18)</p><p>O cenário econômico do país passava por uma fase turbulenta e o Brasil</p><p>enfrentou uma série de desafios a partir do final da década de 1970 e início da</p><p>década de 1980, caracterizados pela taxa de inflação crescente e a intensificação do</p><p>endividamento externo, o desequilíbrio nas contas públicas e a escassez de</p><p>recursos internacionais. A crise que o país atravessava em 1990 foi o foco de muitas</p><p>medidas tomadas durante aquela década – como a mudança da moeda e o</p><p>congelamento de preços e salários.</p><p>Para renegociar as dívidas e obter ajuda financeira de organizações</p><p>internacionais como o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo Monetário Internacional</p><p>(FMI), o Brasil se submeteu a exigências econômicas (MAURIEL, 2013). Estas</p><p>incluíam a adoção de medidas neoliberais, como reformas estruturais, privatizações,</p><p>liberalização comercial e controle da inflação. O receituário neoliberal foi seguido</p><p>fielmente pelos presidentes Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Fernando</p><p>Henrique Cardoso (1995-2002) com vistas a promover o recomendado "equilíbrio</p><p>fiscal".</p><p>Mas não é apenas a pressão externa que explica as alterações no</p><p>padrão de acumulação no Brasil nos anos 1990. A adesão a uma</p><p>política econômica baseada em um ajuste fiscal permanente não foi</p><p>apenas imposta por organismos multilaterais. Foi também</p><p>referendada pela grande burguesia brasileira. A ruptura de limites</p><p>43</p><p>anteriormente existentes para a mobilidade do capital portador de</p><p>juros passa a se constituir como uma alternativa para contornar a</p><p>tendência decrescente da taxa de lucro e consiste em um dos</p><p>principais traços da financeirização. (BRETTAS, 2020, p. 162-163)</p><p>Como supracitado, a importação do ideário reformista no qual se defendia a</p><p>redução de direitos não se tratava apenas de uma imposição externa, mas de um</p><p>projeto interno, com caráter de classe. A reestruturação financeira se deu como uma</p><p>nova via para a compensação das baixas taxas de lucro que se apresentavam na</p><p>periferia do capital em uma fase de recessão. Dando início ao movimento de</p><p>financeirização no país e aumentando a oferta de crédito, o país atravessou o</p><p>surgimento de bolhas especulativas e o redimensionamento dos bancos,</p><p>estabelecendo as bases para o processo de privatização posteriormente</p><p>desencadeado (BRETTAS, 2020).</p><p>Desde então, o Brasil continuou a adotar diversas políticas neoliberais,</p><p>destinadas a promover a liberalização econômica, diminuindo o envolvimento do</p><p>Estado na economia e incentivando a concorrência e um mercado livre. Nessa</p><p>conjuntura começaram a surgir os primeiros ensaios e propostas de programas de</p><p>transferência monetária no país – que confluíam de igual modo para impulsionar a</p><p>economia através do aumento do poder de compra das famílias mais pobres. A</p><p>adoção das práticas de cunho neoliberal serviu para aprofundar o sistema dual de</p><p>acesso às políticas sociais – que vinha sendo intensificado desde a instauração do</p><p>modelo bismarckiano, principalmente durante a ditadura militar – através da</p><p>“privatização para aqueles que podem pagar, da focalização/seletividade e políticas</p><p>pobres para os pobres” (BEHRING & BOSCHETTI, 2007, p. 184).</p><p>No ano de 1991, Eduardo Matarazzo Suplicy, então senador, propôs o Projeto</p><p>de Lei do Senado nº 80/1991 que instituiria o Programa de Garantia de Renda</p><p>Mínima, mas o projeto não chegou a ser apreciado pela Câmara dos Deputados</p><p>(BRASIL, 1991). Suplicy é um grande defensor da adoção de um programa de renda</p><p>básica de cidadania e concorda com outros teóricos, como Van Parijs e Anne Alstott</p><p>que a mesma contribuiria para “promover a justiça, aumentar a liberdade, melhorar</p><p>os direitos das mulheres e ajudar na preservação do meio ambiente” (SUPLICY,</p><p>2006, p. 32, tradução nossa).</p><p>Durante o governo de Collor, enquanto o MERCOSUL passava a ser</p><p>reconhecido no contexto econômico internacional, no interior do país se dava início a</p><p>44</p><p>uma extensa campanha por “reformas”7 direcionadas pelas medidas indicadas no</p><p>documento do consenso de Washington. Esse período marca o início da primeira</p><p>fase do neoliberalismo no Brasil. O Plano Collor – que congelou poupanças e outros</p><p>fundos como uma tentativa de conter a inflação crescente no país - reduziu a</p><p>popularidade em declínio do então presidente Fernando Collor, cuja renúncia fez</p><p>com que Itamar Franco assumisse a presidência.</p><p>Em contrapartida, no tempo em que Franco esteve na presidência, o</p><p>Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos autorizou a Companhia</p><p>Nacional de Alimentos a doar 400 mil toneladas de alimentos “às populações</p><p>carentes” (BRASIL, 1994). Um exemplo de medida residual adotada para compensar</p><p>a perda do poder compra ocasionada pela alta inflação que afligia o país. Também</p><p>em 1994, junto com outras medidas de ajuste fiscal, o Ministério da Fazenda sob o</p><p>comando de Fernando Henrique Cardoso (FHC) lançou o Plano Real que alterou a</p><p>moeda, mas que não consistia apenas nessa grande mudança, mas também em</p><p>aumento dos impostos e corte de gastos públicos.</p><p>As eleições de 1995 foram vencidas pelo mesmo nome conhecido por conter</p><p>a inflação. FHC deu continuidade as providências da agenda neoliberal, com</p><p>privatizações de serviços, principalmente no campo das políticas sociais. Com o</p><p>Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), assume-se que o</p><p>problema se encontra na ineficiente administração do Estado que, segundo o</p><p>documento, havia sofrido um regresso em 1988 ao realizar o “loteamento dos cargos</p><p>públicos da administração indireta” (BRASIL, 1995) e critica o encarecimento da</p><p>máquina administrativa. Entre as soluções apontadas pelo documento para adotar</p><p>uma administração gerencial, está a adoção da “publicização” dos serviços não-</p><p>exclusivos do Estado, através de “organizações sociais”8.</p><p>O governo de José Sarney havia dado início ao processo de privatização com</p><p>a entrega de empresas de pequeno porte para à iniciativa privada, mas esse</p><p>movimento é relatado pelo BNDES como “reprivatização de empresas que haviam</p><p>sido absorvidas pelo Estado” (BNDES, 2015). Todavia, foi nos governos seguintes</p><p>7 Segundo Behring e Boschetti (2007) o uso do termo “reforma” foi apropriado para apresentar as</p><p>mudanças de ajuste fiscal eram necessárias e irreversíveis. Buscava-se atribuir o problema ao mal</p><p>funcionamento do Estado, o que poderia ser resolvido aplicando conceitos técnicos e de eficiência as</p><p>políticas desenvolvidas pelo mesmo.</p><p>8 O PDRAE esclarece que organizações sociais seriam “entidades de direito privado que, por</p><p>iniciativa do Poder Executivo, obtêm autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com</p><p>esse poder, e assim ter direito a dotação orçamentária” (BRASIL, 1995).</p><p>45</p><p>que essa tendência ganhou força, com Collor e FHC. O Plano Nacional de</p><p>Desestatização (PND), instituído em 1990, operou no sentido de reordenar a função</p><p>econômica do Estado, fortalecer o mercado de capitais e a gerar recursos para o</p><p>pagamento da dívida pública (BRASIL, 1990). No período de 1990-1991, foram</p><p>“desestatizadas” 18 empresas siderúrgicas, petroquímicas e fertilizantes, incluindo a</p><p>Usiminas (BNDES, 2015).</p><p>No governo de Fernando Henrique Cardoso, o PND foi expandido, adquirindo</p><p>importância no plano de reforma do Estado e criando o Conselho Nacional de</p><p>Desestatização (CND). Em seus dois mandatos, FHC privatizou empresas estatais</p><p>como a Vale do Rio Doce e a Telebrás, além da venda de grande parte das</p><p>empresas dos setores industriais, energéticos e de telecomunicações (BNDES,</p><p>2015). A privatização possuía como meta primordial estabilizar o plano real e atrair o</p><p>capital estrangeiro, aumentando a injeção de capitais no país e evitando a fuga de</p><p>capitais. Não obstante, tais processos também provocaram a concentração de</p><p>renda, a entrega de empresas brasileiras para o capital estrangeiro e fortaleceu a</p><p>tendência a precarização do trabalho. Conforme Behring e Boschetti explicitam:</p><p>Voltando a análise para um outro aspecto que chama a atenção na</p><p>questão da privatização brasileira, houve a entrega de parcela</p><p>significativa do patrimônio público ao capital estrangeiro, bem como a</p><p>não obrigatoriedade das empresas privatizadas de comprarem</p><p>insumos no Brasil, o que levou ao desmonte de parcela do parque</p><p>industrial nacional e a uma enorme remessa de dinheiro para o</p><p>exterior, ao desemprego e ao desequilíbrio da balança comercial.</p><p>(BEHRING & BOSCHETTI, 2007, p.153)</p><p>A esse cenário, acrescenta-se a abertura do mercado brasileiro aos</p><p>investimentos de capital estrangeiro. A partir de dados publicados pelo IPEA é</p><p>possível perceber o quanto a flexibilização das leis9 quanto a investimentos diretos</p><p>externos provoca o crescimento expressivo da movimentação de capital estrangeiro</p><p>no Brasil (ANDRADE, SILVA FILHO e LEITE, 2017). Segundo Laplane e Sarti (1999)</p><p>somente no ano de 1996 o fluxo de investimento estrangeiro líquido havia chegado a</p><p>US$ 15,4 bilhões, sendo mais de 2 bilhões destinado a compra de empresas</p><p>privatizadas.</p><p>9 A exemplo dessas legislações, podemos citar a Lei nº 9.249 e a Medida Provisória nº 1.602/1997</p><p>que alteraram a tributação federal e reduziram os impostos sobre lucros e dividendos. (LAPLANE e</p><p>SARTI, 1999).</p><p>46</p><p>É imperativo esclarecer que o neoliberalismo não consiste apenas em uma</p><p>teoria ou modelo que os Estados adotam em âmbito econômico. Mas em um</p><p>sistema que molda os padrões sociais de comportamento, difundindo os valores de</p><p>flexibilização do trabalho, empreendedorismo e individualização do indivíduo.</p><p>Apoiado na lógica de liberdade e equidade, se naturaliza a ideia de pobreza e</p><p>vincula a mesma as capacidades individuais, causando assim a “refuncionalização”</p><p>das políticas sociais em programas de transferência de renda, capacitações voltadas</p><p>ao empreendedorismo e a facilitação de acesso ao microcrédito, de forma a “ampliar</p><p>as liberdades pessoais” (MAURIEL, 2013, p. 108). Explicando o impacto da difusão</p><p>dessas ideias para a proteção social, a partir de Amartya Sen, Mauriel esclarece:</p><p>Logo, as políticas públicas deixam de ser uma possibilidade de</p><p>mudança na estrutura de renda e propriedade e, transformando-se</p><p>numa forma de compensação das desvantagens de capacidade,</p><p>atuando – caso a caso, grupo a grupo – onde a focalização funciona</p><p>para tornar mais eficiente o uso dos recursos, mas não resolve o</p><p>problema nem muda a ordem social estabelecida, pois cada</p><p>indivíduo é que deve fazer sua mudança. (MAURIEL, 2006, p. 61)</p><p>Entre os anos 1995 e 2003, Behring e Boschetti apontam que o desemprego</p><p>no país cresceu de 6,2% para 10%, por conta da abertura dos mercados nacionais a</p><p>empresas estrangeiras e da reestruturação produtiva (BEHRING e BOSCHETTI,</p><p>2007, p.186). Em meio ao volume crescente de pessoas não absorvidas pelo</p><p>mercado, e um aumento massivo da exploração dos trabalhadores através de</p><p>contratos precários, as camadas mais pauperizadas da população atravessaram o</p><p>recrudescimento de suas condições de vida.</p><p>Em resumo, os encaminhamentos da política econômica nos</p><p>governos FHC conduziram a um aumento da concentração e</p><p>centralização do capital, aumento da superexploração da força de</p><p>trabalho, à financeirização e a uma reconfiguração do Estado.</p><p>Articulado a estas questões, tivemos um aumento da fragilidade dos</p><p>movimentos sociais, o que levou a uma dificuldade de contraposição</p><p>efetiva às medidas adotadas, a um avanço da privatização e da</p><p>desnacionalização, reforçando o enfraquecimento do potencial</p><p>combativo de sindicatos e movimentos sociais por meio da</p><p>deterioração das condições de vida. (BRETTAS, 2020, p. 172)</p><p>Nesse cenário, passou-se a debater o papel do Estado como responsável</p><p>pela oferta dos serviços públicos. Através das ideias neoliberais difundidas, se</p><p>47</p><p>fortalecia a ideia de mínimos sociais, onde se estabelecem ações pontuais e</p><p>compensatórias, baseadas nos ideais da privatização, focalização e</p><p>descentralização (BEHRING e BOSCHETTI. 2007). Dessa forma, as políticas que</p><p>compõem a Seguridade Social no Brasil permanecem a mercê da tendência</p><p>assistencialista e focalizada que se aprofunda simultaneamente a intensificação da</p><p>exploração da classe trabalhadora, relegando a população mais pauperizada os</p><p>saldos da busca incansável por lucros. Operadas por um Estado que busca investir</p><p>cada vez mais em mínimos monetários compensatórios (LAVINAS, 2014) em</p><p>detrimento das políticas públicas universais, que são ofertadas de forma residual e</p><p>compensatória.</p><p>A assistência social é a política que mais vem sofrendo para se</p><p>materializar como política pública e para superar algumas</p><p>características históricas como: morosidade na sua regulamentação</p><p>como direito (a LOAS só foi sancionada em 1993 e efetivada a partir</p><p>de 1995); redução e residualidade na abrangência, visto que os</p><p>serviços e programas atingem entre 15% e 25% da população que</p><p>deveria ter acesso aos direitos; manutenção e mesmo reforço do</p><p>caráter filantrópico, com forte presença de entidades privadas na</p><p>condução de diversos serviços, sobretudo os dirigidos às pessoas</p><p>idosas e com deficiência; e permanência de apelos e ações</p><p>clientelistas (Behring, 2000b; Boschetti, 2003) e ênfase nos</p><p>programas de transferência de renda, de caráter compensatório.</p><p>(BEHRING & BOSCHETTI, 2007, p. 161-162)</p><p>Ademais, a implementação do Decreto nº 1.366/1995 que estabeleceu o</p><p>Programa Comunidade Solidária, tendo à frente a primeira-dama Ruth Cardoso</p><p>parece incoerente com o preconizado na LOAS. O programa era responsável pela</p><p>promoção de programas sociais emergenciais e pelo incentivo a parceria entre o</p><p>Estado e o Terceiro Setor. Consistia em duas orientações: o conselho, que faria a</p><p>articulação entre o Estado e a sociedade civil, e a secretaria-executiva, responsável</p><p>por empreender programas sociais nos municípios mais pobres do país.</p><p>O Comunidade Solidária tinha como objetivo “combater a fome e a pobreza,</p><p>dentro de um plano nacional de estabilização econômica e a partir de um conjunto</p><p>de ações articuladas e da promoção da parceria Estado-Sociedade” (MAURIEL,</p><p>2000, p. 84). Foram escolhidos programas federais pré-existentes que poderiam</p><p>promover o bem-estar social dos indivíduos e delimitou-se as regiões com maior</p><p>concentração de pobreza para que esses programas alcançassem a população mais</p><p>vulnerável (MAURIEL, 2000). Servindo como um verdadeiro laboratório das medidas</p><p>48</p><p>orientadas pelos Organismos Internacionais, o programa vai executar um catálogo</p><p>de programas que possam ter um impacto positivo nas condições de vida das</p><p>camadas pauperizadas.</p><p>No segundo mandato de FHC, o Conselho sofreu algumas mudanças,</p><p>principalmente no número de membros da sociedade civil e em seus objetivos que</p><p>passa a ser “promover o diálogo político e parcerias entre governo e sociedade para</p><p>o enfrentamento da pobreza e da exclusão, por intermédio de iniciativas inovadoras</p><p>de desenvolvimento social” (MAURIEL, 2000, p. 96). O Conselho então assume um</p><p>papel administrativo de monitoramento e avaliação das ações desenvolvidas nos</p><p>municípios contemplados. Ao avaliar o programa, Mauriel ressalta:</p><p>A técnica de apoio através da seleção de projetos é típica da</p><p>focalização das ações sociais. O projeto é, nesse sentido, a antítese</p><p>do programa universal, e serve unicamente</p><p>para colocar na vitrine as</p><p>ações pontuais. Mas, quando se colocam tais ações em confronto</p><p>com a totalidade dos problemas da realidade brasileira, elas parecem</p><p>sumir. E, mesmo quando obtêm algum êxito local, este só pode ser</p><p>alcançado às custas do agravamento dos problemas nos locais não</p><p>beneficiados; seus resultados por isso, quando medidos em termos</p><p>absolutos e agregados, mostram pouca ou nenhuma eficácia em</p><p>minimizar os problemas visados. (MAURIEL, 2000, p. 185)</p><p>O programa também fortaleceu a expansão das Organizações Não</p><p>Governamentais (ONGs), que apresentam um aumento relevante na década de</p><p>1990. No ano de 1998, a Lei 9.068, estabeleceu diretrizes para o trabalho voluntário,</p><p>concomitantemente a lei Nº 9.637, implementou o Programa Nacional de</p><p>Publicização, que regulamentou o terceiro setor para que o mesmo realizasse as</p><p>atividades de políticas públicas (BEHRING & BOSCHETTI, 2007). Essas medidas</p><p>não deixam dúvidas quanto ao posicionamento adotado pelo Estado, priorizando</p><p>políticas focalizadas que atendam às demandas da população mais vulnerável ao</p><p>invés da universalização, reforçando assim uma imagem da política social como</p><p>caritativa, voluntária e residual, fortemente vinculada ao primeiro-damismo.</p><p>A extinção da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e do Ministério da</p><p>Assistência Social foram algumas das medidas iniciais do governo FHC. Reformas</p><p>parciais ocorreram na educação – abrangindo apenas o ensino fundamental e</p><p>iniciando o processo na educação infantil e no ensino médio –, na saúde e na</p><p>previdência. Essas reformas buscavam principalmente a descentralização e</p><p>autonomia das instituições, a modernização e a adoção de métodos de avaliação e</p><p>49</p><p>participação popular (COHN, 1999). Se como êxito pode-se citar o aumento do</p><p>alcance de serviços básicos, como contrapartida se coloca como limitação para a</p><p>implementação de políticas universais a possibilidade econômico financeira.</p><p>Entretanto, os avanços deram lugar a um novo padrão para as políticas</p><p>sociais, enquanto se defendia a descentralização como forma de democratizar e dar</p><p>autonomia aos órgãos municipais e estaduais, o que de fato se alcançou foi</p><p>“redução do déficit público” (COHN, 1999). Acusando a ineficiência estatal, apelou-</p><p>se para a solidariedade social, através das parcerias com o 3º setor, num verdadeiro</p><p>episódio de desresponsibilização do Estado, ao qual resta somente socorrer pelos</p><p>mais pobres em suas necessidades mais básicas. “Passa-se a conceber a vida</p><p>social, cada vez mais, como uma série de “problemas sociais” a serem enfrentados</p><p>de forma isolada e desarticulada entre si” (COHN, 1999, p. 187). Esse padrão irá se</p><p>traduzir em políticas focalizadas, com forte tendência a segmentação e</p><p>fragmentação das ações.</p><p>Outra consequência diz respeito à conformação de um sistema dual</p><p>de proteção social, não mais referido à inserção ou não no mercado</p><p>formal de trabalho, mas a níveis de renda traduzidos em graus</p><p>distintos de capacidade contributiva dos diferentes segmentos</p><p>sociais, e que agora dizem respeito aos passíveis de serem incluídos</p><p>pelo processo de globalização, e aqueles definitivamente excluídos</p><p>desse processo, ou na afirmação de Fiori (1995), os “não</p><p>globalizáveis” no modelo econômico por ele definido como de</p><p>“novíssima dependência”. Com isso, encontram-se, de um lado,</p><p>políticas de universalização de um patamar básico de acesso a</p><p>determinados níveis de serviços sociais, financiadas com recursos</p><p>orçamentários e, de outro, um sistema privado, no geral continuando</p><p>a ser subsidiado pelo Estado (através, por exemplo, do instrumento</p><p>da renúncia fiscal) e destinado aos segmentos sociais de maior</p><p>poder econômico. (COHN, 1999, p. 187)</p><p>Apresentando-se como um cenário inovador de reformas e modernização das</p><p>políticas sociais, incluindo aqui o conjunto dos eixos da Seguridade Social, o</p><p>governo FHC se inclinou à promoção da igualdade de oportunidades e a proteção</p><p>dos “grupos mais vulneráveis”. Subordinando a política social a política econômica,</p><p>aumentou-se a prioridade por políticas de “combate à pobreza” focalizadas em</p><p>grupos específicos em detrimento das políticas de caráter universal.</p><p>Desresponsabilização e desoneração implicam baixa prioridade das</p><p>políticas sociais em geral e dos programas universais em particular.</p><p>Com isso, conforma-se um quadro de pura esquizofrenia: de um lado</p><p>50</p><p>anuncia-se o combate à pobreza através da mobilização da</p><p>sociedade civil; de outro, implementam-se políticas públicas (tanto</p><p>econômicas como sociais), que são criadoras contínuas de pobreza,</p><p>desigualdade e exclusão. E, particularmente em relação à área</p><p>social, a prioridade do governo não fazer política social, mas</p><p>anunciar uma política de combate à pobreza, que não consegue</p><p>sequer servir de paliativo. (MAURIEL, 2000, p. 190)</p><p>Ainda em 1995, as primeiras experiências de programas de transferência</p><p>monetária foram iniciadas, por iniciativa própria dos municípios de Campinas e</p><p>Ribeirão Preto e no Distrito Federal. Esse formato, entretanto, apresentou uma</p><p>expansão significativa entre 1995 e 1998, em parte impulsionados pela Lei</p><p>9.533/1997 que autorizava o governo a conceder apoio financeiro aos municípios</p><p>que implementassem programas de renda mínima vinculados à educação (LICIO et</p><p>al, 2018). No quadro abaixo, podemos verificar que haviam programas em execução</p><p>no Distrito Federal e em 12 estados brasileiros, com destaque para o estado de São</p><p>Paulo.</p><p>Tabela 2 - Programas de Renda Mínima Implementados pelos Municípios e Estados entre 1995 e 1998</p><p>Fonte: AMARAL e RAMOS, 1999, p.20</p><p>Ao analisar os programas, constatou-se que o acesso aos programas era em</p><p>grande parte condicionado pela renda dos indivíduos e a presença de crianças</p><p>51</p><p>menores de 14 anos na família. Associados à primeira infância e a educação infantil,</p><p>em geral, os programas estabeleciam a condicionalidade de matrículas das crianças</p><p>nas escolas e a proibição de trabalho para os que possuíam abaixo de 14 anos. Aos</p><p>adultos, as contrapartidas incluíam participação em encontros e, em alguns casos,</p><p>em cursos de alfabetização e programas de capacitação profissional (AMARAL e</p><p>RAMOS, 1999).</p><p>Apesar do incentivo que o Programa de Garantia de Renda Mínima garantia</p><p>aos municípios, o governo também desenvolve o próprio programa de transferência</p><p>de renda condicionada. Buscando a diminuição nos índices de trabalho infantil e o</p><p>aumento da escolaridade de crianças de baixa renda, lançando em 1996 o</p><p>Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil.</p><p>O primeiro PTRC federal foi o Programa de Erradicação do Trabalho</p><p>Infantil (PETI). Instituído em 1996, este programa apresentava três</p><p>componentes: benefício financeiro; atividade socioeducativa; e oferta</p><p>de ações de qualificação profissional e geração de trabalho e renda</p><p>para adultos de famílias com crianças em situação de trabalho</p><p>infantil. (LICIO et al, 2018, p. 11)</p><p>O benefício do PETI variava entre R$50 e R$150,00 “condicionado à</p><p>matrícula e frequência regular à escola de todos os filhos e dependentes em idade</p><p>escolar e à observância da proibição de trabalho infantil” (AMARAL e RAMOS, 1999,</p><p>p. 12). Iniciado no Mato Grosso do Sul, logo passou a abarcar outras regiões com</p><p>altas taxas de trabalho infantil, priorizando as áreas rurais. A busca pela ampliação</p><p>das fontes de financiamento, como investimento estrangeiro através do Banco</p><p>Mundial, também faz parte do período de implantação do programa.</p><p>A partir de 2000, o Brasil se torna palco de novas experiências de programas</p><p>de transferência monetária, quatro programas serão estabelecidos pelo governo</p><p>federal entre 2001 e 2002. São eles: o Bolsa Escola, destinado a famílias com renda</p><p>per capita de até meio salário mínimo e com crianças e adolescentes entre 7 e 14</p><p>anos matriculados na escola – onde devem manter frequência escolar superior a</p><p>85%; o Bolsa Alimentação, que tinha como público-alvo famílias</p><p>com a mesma</p><p>renda per capita do Bolsa Escola, mas que possuíssem em sua composição familiar,</p><p>crianças até sete anos, nutrizes e gestantes. Estava associado ao cumprimento de</p><p>exigências com a saúde por parte da família, como vacinação, pré-natal, entre</p><p>outros; o Auxílio Gás, voltado a famílias de baixa renda que já estavam inscritas nos</p><p>52</p><p>programas supracitados; e o Bolsa Renda, destinado a famílias de áreas rurais</p><p>afetadas pelos efeitos da estiagem, os municípios que se encontravam em situação</p><p>de emergência ou calamidade.10</p><p>No relatório de final de mandato dos anos de 1994-2002, a equipe do</p><p>presidente Fernando Henrique Cardoso, listou os 12 principais programas de</p><p>transferência de renda que configuravam a Rede de Proteção Social. Conforme</p><p>informações desse mesmo relatório, o governo havia investido na política social 50%</p><p>a mais do que todo o valor arrecadado com o Imposto de Renda de pessoas físicas</p><p>no ano. O relatório ratificou que o compromisso do governo se pautava em</p><p>desenvolver políticas que atendessem as populações mais vulneráveis.</p><p>O Governo Federal deu destaque, a partir de 1995, àquelas ações</p><p>voltadas para os brasileiros mais pobres entre os pobres. Eles</p><p>precisam de atenção especial, pois são os mais desprotegidos e</p><p>vulneráveis de todos os carentes do País. Para essa vasta parcela</p><p>da população formou-se a Rede de Proteção Social, que já soma</p><p>mais de 37,6 milhões de benefícios regulares aos brasileiros em</p><p>todas as regiões. (BRASIL, 2002a)</p><p>Ao nos debruçarmos sobre as primeiras experiências dos programas de</p><p>transferência monetária no Brasil, podemos verificar que a configuração do Sistema</p><p>de Proteção Social com o direcionamento neoliberal dá centralidade a tais</p><p>programas focalizados nas populações mais pobres. Com a intensificação das crises</p><p>do capital, o acirramento das contrarreformas neoliberais provoca o recrudescimento</p><p>da vida através da precarização do trabalho, do desmonte das políticas sociais e do</p><p>aumento da desigualdade social. Portanto, para mitigar os impactos gerados pelo</p><p>próprio ciclo do capital, o Estado – a serviço dos grandes capitalistas e do sistema</p><p>financeiro internacional – implanta medidas focalizadas como estratégias de</p><p>enfrentamento a pobreza.</p><p>Ou seja, temos uma tendência hegemônica a uma política social</p><p>assistencializada e centrada na transferência de renda que se</p><p>articula aos processos de flexibilização e precarização do trabalho</p><p>para atenuar os efeitos da crise. Na medida em que sua ampliação</p><p>convive com a retirada de direitos sociais e trabalhistas, de saúde e</p><p>previdência social, além dos trabalhadores desprotegidos, pela</p><p>informalidade, uma expressiva parcela de desempregados, fruto da</p><p>10 Essas informações foram retiradas dos textos das seguintes legislações: Lei nº 10.219, de 11 de</p><p>abril de 2001; MP nº 2.203, de 8 de agosto de 2001; MP nº 2.206-1, de 10 de setembro de 2001; Lei</p><p>nº 10.453, de 13 de maio de 2002; MP nº 2.203, de 8 de agosto de 2001.</p><p>53</p><p>agudização da crise vai se formando como público–alvo potencial da</p><p>assistência social. (MAURIEL, 2020).</p><p>Programas de renda mínima se caracterizam por seu caráter focalizado, sua</p><p>centralidade em uma parcela da sociedade alvo de maior vulnerabilidade</p><p>socioeconômica e por sua tendência transitória que busca reinserir esses indivíduos</p><p>através de condicionalidades que devem ser seguidas e encerrar a participação no</p><p>programa daqueles que aumentam sua renda para acima do teto limite permitido.</p><p>Além de se configurar como uma política barata, custando menos de 1% do PIB11</p><p>para sua execução, essa modalidade de política também contribui para a</p><p>massificação dos ideais de individualidade e seletividade – tão difundidos pela lógica</p><p>neoliberal</p><p>1.4 – A experiência de transferência monetária sob os governos petistas: o</p><p>Programa Bolsa Família</p><p>Em 2002, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, um presidente de origem</p><p>operária e com discurso social, conhecido por sua participação em lutas sindicais,</p><p>parecia abrir o caminho para mudanças. Filiado ao Partido dos Trabalhadores, sua</p><p>vitória gerava grande expectativa entre as camadas da classe trabalhadora</p><p>organizada. Segundo Filgueiras e Gonçalves (2007) esperava-se a descontinuidade</p><p>com as políticas de cunho neoliberal, entretanto, o governo de Lula – dando</p><p>continuidade às políticas neoliberais de seu antecessor – optou por atender as</p><p>demandas do mercado de capitais internacional.</p><p>A “continuidade do governo Lula com o governo FHC” na política</p><p>macroeconômica — “baseada em três pilares: metas de inflação,</p><p>câmbio flutuante e superávit primário nas contas públicas” —foi uma</p><p>decisão política e ideológica. A elevação do superávit primário para</p><p>4,25% do PIB, a concessão de independência operacional ao Banco</p><p>Central, que teve à sua frente um deputado federal eleito pelo PSDB</p><p>com autonomia para determinar a taxa de juros, e a inexistência de</p><p>controle sobre a entrada e a saída de capitais foram o modo</p><p>encontrado para assegurar um elemento vital na conquista do apoio</p><p>dos mais pobres: a manutenção da ordem. (SINGER, 2009, p. 96-97)</p><p>11 Segundo Silva e Silva (2015), de 17 países latino americanos, apenas 5 aplicavam um percentual</p><p>de ao menos 0,40% do Produto Interno Bruto (PIB) em recursos para os PTRC, e o gasto brasileiro</p><p>estava estimado em 0,47% de seu PIB.</p><p>54</p><p>A adoção do Modelo Liberal Periférico (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007)</p><p>que busca a adequação dos países não desenvolvidos à economia mundial</p><p>utilizando de estratégias como privatização e desregulação dos mercados internos e</p><p>subordinação ao capital financeiro faz parte da defesa e implementação das</p><p>orientações dos organismos multilaterais, como o Banco Mundial. Singer (2009)</p><p>aponta que um dos elementos motivadores da continuidade do governo Lula em</p><p>relação as políticas neoliberais adotadas por seu antecessor é a demanda por</p><p>agradar aos grandes capitais a fim de manter a estabilidade econômica – tão</p><p>altamente estimada pelos subproletários12, grupo do qual Lula almejava conquistar o</p><p>apoio. Esse efeito pode ser percebido na eleição seguinte, onde a base eleitoral de</p><p>Lula se deslocou dos setores organizados da classe trabalhadora e outros setores</p><p>médios da sociedade para grupos de baixíssima renda.</p><p>Ademais, o apoio político que havia levado Lula a vitória fazia parte de uma</p><p>série de fatores e estratégias que definiriam um futuro governo conservador: A</p><p>composição político partidária ampliada, inclusive incluindo partidos mais à direita do</p><p>espectro político como o Partido Liberal (PL) do qual seu vice José Alencar era</p><p>filiado (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007); O aceno conciliador ao capital</p><p>financeiro do qual é símbolo a Carta ao povo brasileiro13 assinada pelo político antes</p><p>das eleições de 2002, se comprometendo com o equilíbrio fiscal, a permanência do</p><p>superávit primário e com o crescimento econômico (LULA DA SILVA, 2002). Entre</p><p>os fatores apontados, vale também mencionar as grandes empreiteiras, os bancos e</p><p>empresas do setor primário exportador, que segundo Filgueiras e Gonçalves (2007),</p><p>financiaram cerca de 18% da campanha de Lula em 2002 e 36% em 2006.</p><p>Os principais financiadores da campanha de Lula exercem papel</p><p>protagônico não somente na política, mas também na economia: os</p><p>bancos são os principais beneficiários da política macroeconômica,</p><p>via política monetária e cambial; as empresas do setor primário-</p><p>exportador comandam o padrão de inserção do país no sistema</p><p>mundial de comércio via mercados de commodities, inclusive com a</p><p>revitalização do segmento do etanol; e as empreiteiras são os atores</p><p>principais do Programa de Aceleração do Crescimento, cujos</p><p>investimentos concentram-se, principalmente, em infraestrutura.</p><p>(FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007, p. 188)</p><p>12SINGER (1981 apud SINGER, 2009, p. 98) define subproletários como “aqueles que oferecem a</p><p>sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que</p><p>assegure sua reprodução em condições normais”</p><p>13Documento assinado em junho de 2022, por Luiz Inácio Lula da Silva, em que o mesmo afirma que</p><p>caso vencesse as eleições, honraria os contratos do país, combateria a inflação, entre outros</p><p>compromissos que o mesmo assume para tranquilizar o setor financeiro.</p><p>55</p><p>Esse traço da política econômica do presidente Lula se evidencia na direção</p><p>que as políticas sociais irão assumir, em continuidade com o modelo herdado do</p><p>governo anterior, com tendência à focalização e a centralidade de programas de</p><p>transferência de renda voltados ao combate da pobreza extrema. O tema central dos</p><p>primeiros anos de governo foi o combate à fome, de que é evidencia a criação do</p><p>Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome em 2004, com o objetivo</p><p>de coordenar e promover programas de redução da desigualdade e da fome no</p><p>Brasil.</p><p>Em janeiro de 2003, foi lançado o Programa Fome Zero com diversas ações</p><p>que deveriam combater a fome e suas causas. De acordo com o próprio relatório</p><p>emitido pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o Programa</p><p>Fome Zero “foi elaborado pelo Instituto da Cidadania a partir de 2001, visando</p><p>oferecer ao Presidente da República, eleito no final de 2002, uma proposta de</p><p>enfrentamento da fome e um programa de segurança alimentar para o País”</p><p>(ARANHA, 2010, p. 122). Mais de 40 milhões de pessoas viviam em situação de</p><p>insegurança alimentar, segundo o relatório, e para articular as ações foi realizado o</p><p>resgate do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA14,</p><p>como um espaço de discussão entre o governo e a representantes da sociedade</p><p>civil. Segue abaixo quadro de ações propostas pelo PFZ.</p><p>14Segundo Fernando Linhares (2005, p. 77) o CONSEA havia sido criado na década de 1990 a partir</p><p>da grande mobilização através da Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e pela Vida,</p><p>entretanto, havia sido dissolvido durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, para originar o</p><p>Comunidade Solidária.</p><p>56</p><p>Figura 1 Quadro de ações do Programa Fome Zero</p><p>Fonte: Instituto de Cidadania, 2001 (apud ARANHA, 2010, p. 56)</p><p>Segundo Silva (2018b), o Programa Fome Zero, que tinha por objetivo</p><p>sistematizar diferentes políticas de combate à fome, se tornou o destaque do</p><p>primeiro governo Lula no que diz respeito ao combate à pobreza e à miséria.</p><p>Entretanto, ao reorientar suas prioridades, o PFZ se configurou como uma “política</p><p>de inclusão social” (SILVA, 2018b, p. 257) que acabou por espelhar as</p><p>características centrais do Comunidade Solidária.</p><p>Em primeiro lugar é importante pontuar o impacto e valor simbólico</p><p>do programa em relação à possibilidade de constituição de direitos e</p><p>democratização das políticas sociais. É evidente que o Fome Zero</p><p>trouxe questões importantes para a cena do debate político ao</p><p>polemizar e problematizar a questão da fome e da pobreza como</p><p>objetos de intervenção pública, sob a ótica do direito. No entanto, sua</p><p>direção e as estratégias fincadas para sua consecução davam</p><p>espaço à reprodução de práticas históricas do poder público em</p><p>relação à pobreza. Disso é elucidativo o fato de os benefícios</p><p>viabilizados pelo programa não se constituírem em direitos</p><p>adquiridos, isto é, passíveis de reclamação jurídica; a forte presença</p><p>das parcerias público-privadas: a vinculação do programa à figura do</p><p>57</p><p>próprio presidente. Tornando-o importante mecanismo de legitimação</p><p>política perante as frações da população mais empobrecidas.</p><p>(SILVA, 2018b, p. 258)</p><p>Em 2003, a Medida Provisória 132 de 20 de outubro de 2003 - convertida na</p><p>Lei 10.836/2004 - instituiu o Programa Bolsa Família, abarcando quatro dos 12</p><p>programas do governo anterior, a saber, o Bolsa Alimentação, o Bolsa Escola, o</p><p>Auxílio Gás e o Cartão Alimentação. Com a unificação, os cidadãos cadastrados que</p><p>se enquadravam nos recortes do programa passaram a receber todos os benefícios</p><p>aos quais tinham direito através de um único meio, o Cartão Cidadão. O Bolsa</p><p>Família foi implementado no interior do Programa Fome Zero, todavia acabou por</p><p>alcançar um destaque ainda maior do que o próprio PFZ.</p><p>Art. 1º Fica criado, no âmbito da Presidência da República, o</p><p>Programa Bolsa Família, destinado às ações de transferência de</p><p>renda com condicionalidades.</p><p>Parágrafo único. O Programa de que trata o caput tem por</p><p>finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das</p><p>ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente</p><p>as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação -</p><p>Bolsa Escola, instituído pela Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001, do</p><p>Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA, criado pela Lei</p><p>nº 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda</p><p>Mínima vinculada à Saúde - Bolsa Alimentação, instituído pela</p><p>Medida Provisória nº 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do</p><p>Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto nº 4.102, de 24 de</p><p>janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal,</p><p>instituído pelo Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001.</p><p>Art. 2º Constituem benefícios financeiros do Programa, observado</p><p>o disposto em regulamento:</p><p>I - O benefício básico, destinado a unidades familiares que se</p><p>encontrem em situação de extrema pobreza;</p><p>II - O benefício variável, destinado a unidades familiares que se</p><p>encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza e que tenham</p><p>em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre 0 (zero) e 12</p><p>(doze) anos ou adolescentes até 15 (quinze) anos. (BRASIL, 2004)</p><p>A rápida expansão do programa fez com que o número de famílias atendidas</p><p>fosse 140% acima do que a projeção inicial em apenas dois anos do Programa.</p><p>Assumindo cada vez mais importância no governo Lula, o Bolsa Família passou a</p><p>receber cada vez mais investimentos e repasses do Orçamento da União. Em 2005,</p><p>o programa atendia 8,7 milhões de famílias aumentando o valor investido que</p><p>passou de 4,3 bilhões em 2003 para 6,5 bilhões em 2005 (SILVA, YAZBEK e DI</p><p>GIOVANNI, 2008).</p><p>58</p><p>Em 2010, o Brasil havia atingido a cobertura de 26,4% de sua população total</p><p>e de 84,6% da população pobre, um dos maiores desempenhos entre os programas</p><p>de transferência de renda implementados pelos países da América Latina (SILVA e</p><p>SILVA, 2015). Mesmo com a ampliação do público atendido pelos programas de</p><p>transferência de renda condicionada, Filgueiras e Gonçalves (2007) indicam que</p><p>segundo a PNAD de 2005, 101,7 milhões de pessoas se encontravam em situação</p><p>de vulnerabilidade social – tendo menos que um salário mínimo por mês, enquanto a</p><p>linha da pobreza utilizada por órgãos governamentais apenas levava em</p><p>consideração 53,9 milhões de indivíduos – com renda mensal per capita abaixo de</p><p>meio salário mínimo.</p><p>Seguindo o modelo de focalização na extrema pobreza, o Programa Bolsa</p><p>Família focalizou o seu público-alvo em famílias extremamente pobres com renda</p><p>familiar per capita de até R$50,00 para o benefício básico ou de até R$100,00 para</p><p>o benefício variável destinado a famílias pobres com crianças, adolescentes ou</p><p>jovens matriculados no ensino regular e gestantes (BRASIL, 2004). A renda de corte</p><p>estabelecida para concessão do benefício básico representava menos de ¼ do</p><p>salário mínimo de R$240,00 em 2003.</p><p>A renda, por ser um indicador insuficiente para qualificar a pobreza,</p><p>enquanto fenômeno multidimensional, e um fator problemático, além</p><p>de restritivo. Soma-se a esse aspecto, principalmente no caso</p><p>brasileiro, a dificuldade de comprovação de renda quando a estrutura</p><p>do mercado de trabalho é constituída, em grande parte, por</p><p>ocupações autônomas, informais e instáveis. (SILVA, YAZBEK</p><p>e DI</p><p>GIOVANNI, 2008, p. 205-206)</p><p>No cenário socioeconômico enfrentado pelo Brasil em 2003, as altas taxas de</p><p>inflação eram combatidas com o aumento do superávit primário e com altas taxas de</p><p>juros, fazendo a economia “atraente” para o capital financeiro e resultando em baixo</p><p>crescimento e altas taxas de desemprego. Combine-se a isso a desproteção dos</p><p>diversos setores pauperizados e trabalhadores precarizados, cuja renda não se</p><p>enquadrava nos moldes do programa, mas que não possuíam nenhuma espécie de</p><p>proteção garantida através do trabalho. Por esse motivo, os autores apontam que as</p><p>políticas sociais focalizadas, como o Bolsa Família, dividem os trabalhadores em</p><p>“miseráveis, mais pobres, pobres, não pobres e privilegiados” (FILGUEIRAS e</p><p>GONÇALVES, 2007, p. 156).</p><p>59</p><p>A política social focalizada de combate à pobreza nasce e se articula</p><p>intimamente com as reformas liberais e tem por função compensar, de</p><p>forma parcial e muito limitada, os estragos socioeconômicos</p><p>promovidos pelo modelo liberal periférico e suas políticas econômicas</p><p>– baixo crescimento, pobreza, elevadas taxas de desemprego, baixos</p><p>rendimentos, enfim, um processo generalizado de precarização do</p><p>trabalho. Trata-se de uma política social apoiada num conceito de</p><p>pobreza restrito, que reduz o número real de pobres, suas</p><p>necessidades e o montante de recursos públicos a serem gastos.</p><p>(FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007, p. 155-156)</p><p>Dessa forma, mesmo os usuários do programa não teriam uma alteração</p><p>significativa em sua situação econômica devido aos valores irrisórios que, muitas</p><p>vezes, eram insuficientes para que as famílias pudessem garantir sua subsistência.</p><p>Em 2003, por exemplo, o valor do benefício básico era de R$50,00 e o benefício</p><p>variável de R$15,00 - até o limite de 3 benefícios variáveis, ou seja, R$45,00.</p><p>Segundo o banco de dados do DIEESE (2003), a cesta básica custava entre 120 e</p><p>170 no ano de 2003, o que significa que uma família que recebesse o benefício</p><p>básico e a cota máxima do benefício variável – totalizando R$95,00 – ainda não</p><p>seria capaz de comprar uma cesta básica completa – desconsiderando as demais</p><p>fontes de renda que a família possa ter. Concomitantemente, a própria flexibilidade</p><p>da concessão do benefício não transmitia segurança econômica as famílias, visto</p><p>que não se constituía como um direito e poderia ser revogado ou ter sua</p><p>regulamentação alterada.</p><p>A renda por ele transferida às famílias não se constitui num direito</p><p>social, podendo ser reduzida e/ou retirada a qualquer momento, ao</p><p>sabor dos interesses de cada governo – bem ao gosto da política</p><p>fiscal liberal ortodoxa, que não concorda com nenhuma vinculação</p><p>orçamentária entre receita e despesa; com exceção, obviamente, do</p><p>pagamento dos juros da dívida pública (a lei de ‘Responsabilidade</p><p>Fiscal’ tem exatamente esse objetivo) (DRUCK e FILGUEIRAS,</p><p>2007, p. 31)</p><p>Esse formato de resposta governamental, onde as políticas de combate à</p><p>fome e à pobreza se concentram em políticas de transferência de renda</p><p>condicionada, faz parte de uma tendência neoliberal, crescente após a crise de</p><p>1970. Incentivados por agências multilaterais como o Fundo Monetário Internacional,</p><p>a manutenção desses programas foi justificada e defendida por conta de seu baixo</p><p>custo para os cofres públicos e seus retornos no sentido de movimentar a economia.</p><p>60</p><p>Segundo Souza (2019), o orçamento do programa correspondia em 2019 a 0,5% do</p><p>PIB do país. Por outro lado, conforme os dados apresentados por Campello e Neri</p><p>(2014), o efeito multiplicador do PIB é de 1,78 – o que significa dizer que cada R$1</p><p>investido no Programa Bolsa Família provoca um retorno de aproximadamente</p><p>R$1,78 no PIB do Brasil.</p><p>Não obstante, se o PBF tem retornos comprovados no Produto Interno Bruto</p><p>do país e movimenta a economia, pois aumenta o poder de consumo das famílias</p><p>mais pauperizadas, isso não implica necessariamente uma melhor qualidade de vida</p><p>e acesso a direitos básicos. Ao passo que os serviços públicos de educação, saúde</p><p>e previdência vão sendo reformados num verdadeiro desmonte dos direitos sociais</p><p>sob a lógica neoliberal, aumenta-se a oferta privada desses mesmos serviços.</p><p>Conforme Silva esclarece:</p><p>Não por acaso, como demonstra Lavinas (2014), que o sistema</p><p>financeiro na América Latina vem expandindo e facilitando o acesso</p><p>ao crédito de consumo e ao microcrédito, como também ampliando</p><p>os seguros privados (na área da saúde, da previdência, do ensino</p><p>médio, técnico e superior e áreas mais específicas, como cobertura</p><p>de funeral etc.), que se colocam como uma alternativa à</p><p>desertificação deixada pelas contrarreformas do Estado neoliberal,</p><p>cujas políticas sociais universais, mesmo no Brasil, com a introdução</p><p>da seguridade social na Constituição Federal de 1988, jamais se</p><p>efetivaram como mecanismo de redistribuição e de promoção da</p><p>equidade. (SILVA, 2019, p. 117)</p><p>Singer (2009) sugere que o aumento da concessão de crédito -</p><p>principalmente para pessoas de baixíssima renda - e consequemente, da</p><p>bancarização dos indivíduos estavam no centro de uma série de estratégias</p><p>adotadas para a "manutenção da estabilidade com expansão do mercado interno,</p><p>sobretudo para os setores de baixa renda". Acrescenta-se a isso o aumento</p><p>significativo do salário mínimo superior ao reajuste da inflação em 2005 (DIEESE,</p><p>2023), e é possível verificar uma melhora nas taxas de desemprego e no</p><p>crescimento da economia.</p><p>O Programa Bolsa Família possui um formato de gestão descentralizado,</p><p>sendo responsabilidade dos governos municipais, estaduais e federal. Cada nível de</p><p>governo possui atribuições específicas, desde o cadastramento das famílias até o</p><p>acompanhamento das condicionalidades. O caráter intersetorial do programa</p><p>envolve a interlocução entre as diferentes políticas com o objetivo de fomentar o</p><p>61</p><p>acesso dos usuários aos serviços públicos. Em 2009, foi implementado o Protocolo</p><p>de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferências de Renda no Âmbito</p><p>do SUAS, integrando o Bolsa Família no Sistema Único de Assistência Social.</p><p>Alguns relatórios governamentais15 têm apontado diversos efeitos e impactos</p><p>positivos do Programa Bolsa Família. De acordo com dados do IPEA (CAMPELLO e</p><p>NERI, 2014), desde o lançamento do Brasil Sem Miséria, 22 milhões de pessoas</p><p>deixaram de viver em pobreza extrema.</p><p>Entre 2003 e 2011, a renda per capita brasileira cresceu mais de</p><p>40%, de cerca de R$ 550,00 para pouco mais de R$ 770,00; e a</p><p>desigualdade medida pelo coeficiente de Gini diminuiu 9,2%, de</p><p>0,576 para 0,523. A extrema pobreza teve queda de 8% para pouco</p><p>mais de 3% da população, e a pobreza recuou de 16% para 6%. O</p><p>único estrato que aumentou sua participação relativa ‒ em mais de</p><p>15 pontos percentuais (p.p.) ‒ foi o dos não pobres, embora o maior</p><p>ainda seja o dos vulneráveis (49%). (CAMPELLO e NERI, 2014, p.</p><p>29)</p><p>Entretanto, o estabelecimento de condicionalidades, uma das características</p><p>centrais do Programa Bolsa Família, incita debates. Podendo impactar no</p><p>recebimento do benefício, elas configuram compromissos assumidos pelas famílias</p><p>e pelo Estado no sentido de ofertar os serviços necessários. O IGD-M implementado</p><p>em 2006, regula os repasses de apoio financeiro para os municípios de acordo com</p><p>o acompanhamento e gestão das condicionalidades realizados pela gestão</p><p>municipal. Entre as contrapartidas que as famílias precisam cumprir estão a</p><p>frequência escolar das crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos, o</p><p>acompanhamento de saúde, a pesagem de crianças de 0 a 6 anos e gestantes,</p><p>além do acompanhamento do calendário vacinal e de realização do pré-natal, em</p><p>caso de gestantes.</p><p>Em primeiro lugar, coloca-se a questão de reforçar uma lógica paternalista e</p><p>de tutela do usuário de políticas sociais, retirando o caráter de direito e corroborando</p><p>com a difusão de práticas clientelistas e com a ideia de que o valor é um favor. Além</p><p>disso,</p><p>o discurso de "fazer por merecer" de contrapõe a luta por políticas universais,</p><p>gratuitas e de qualidade para todos.</p><p>15 Os relatórios do IPEA apontam que, entre os usuários do programa, houve redução nas</p><p>taxas de mortalidade infantil e desnutrição, diminuição da evasão escolar, aumento nas</p><p>taxas de vacinação e aumento da frequência escolar. Ver Castro e Modesto (2010) e</p><p>Campello e Neri (2014).</p><p>62</p><p>Também se faz necessário ressaltar a precariedade e escassez de oferta dos</p><p>serviços públicos nas áreas que estão postas como contrapartida para o</p><p>recebimento do PBF. Percebe-se que tanto na educação quanto na saúde existem</p><p>barreiras burocráticas e de acesso, numa lógica de desmantelamento das políticas</p><p>sociais. Carloto e Stechi (2019) ao analisarem uma pesquisa feita em 2013, revelam</p><p>que os beneficiários - que estavam em descumprimento de condicionalidade -</p><p>encontravam dificuldades para acessar aos serviços, como a falta de profissionais e</p><p>a demora para serem atendidos.</p><p>De acordo com Bueno (2009), os programas condicionados podem</p><p>ter uma visão negativa pelo fato de estarem atrelados aos serviços</p><p>públicos precários, o que evidencia uma inversão de</p><p>responsabilidades: enquanto os pobres devem prestar conta de suas</p><p>carências, procurando resolvê-las para que acesse um direito, os</p><p>governos não cumprem com suas obrigações no que diz respeito à</p><p>oferta de serviços públicos universais e de qualidade (BUENO, 2009</p><p>apud ARRUDA e BITTENCOURT, 2020, p. 387).</p><p>Contudo, há pesquisas que apontam resultados positivos relativos a área da</p><p>saúde básica, como o aumento do acompanhamento e a diminuição nas taxas de</p><p>morbimortalidade e de subnutrição infantil. Ichihara (2018) também aponta que as</p><p>localidades onde havia maior cobertura do Programa Bolsa Família, registraram</p><p>menor índice de doenças como hanseníase e tuberculose – doenças ligadas a</p><p>pobreza, insuficiência alimentar e moradia precária.</p><p>Somente em 2017, por exemplo, 8,6 milhões de famílias beneficiárias</p><p>do PBF foram acompanhadas pelas equipes de atenção básica do</p><p>SUS, o que representa 77,5% de crianças menores de sete anos e</p><p>gestantes beneficiárias do programa. Dentre esses, 5,4 milhões de</p><p>crianças acompanhadas estavam com a vacinação em dia e tiveram</p><p>dados nutricionais coletados, e mais de 369 mil gestantes realizaram</p><p>os exames pré-natais. (ICHIHARA et al, 2018, p.321)</p><p>Quando voltamos nossa atenção para as condicionalidades no âmbito da</p><p>educação, os números comprovam o aumento na participação e a redução da taxa</p><p>de evasão escolar. Dados do IPEA revelam uma redução em "36% a porcentagem</p><p>de crianças de 6 a 16 anos que não frequentavam a escola, passando de 8,4% para</p><p>5,4%"(CAMPELLO e NERI, 2014)</p><p>63</p><p>Pelo lado da demanda, os elegíveis em renda e idade tinham</p><p>chances 62% maiores de estar na escola e 8% maiores de cumprir</p><p>com frequência requerida pelo PBF. Já pelo lado da oferta,</p><p>observamos chances 5% maiores de estudar mais que a jornada</p><p>mínima de 4 horas por dia para o grupo duplamente elegível.</p><p>Portanto, os resultados encontrados sugerem um impacto direto das</p><p>condicionalidades do PBF sobre a demanda por educação, mas</p><p>também sugerem um impacto indireto do programa sobre a oferta.</p><p>(NERI e OSORIO, 2018, p. 252-253)</p><p>Todavia, apesar de apontarem uma maior frequência e participação nas</p><p>aulas, essa tendência de números positivos não parece se repetir quando avaliado a</p><p>qualidade da educação e as notas alcançadas pelos alunos. Apesar dos avanços,</p><p>ainda estamos muito atrasados no ensino em comparação com outros países. E</p><p>para que as condicionalidades de configurem para os usuários como porta de</p><p>entrada para as outras políticas, é necessário que haja coerência entre a demanda e</p><p>oferta de vagas, assim como o investimento e o desenvolvimento de políticas</p><p>públicas universais e gratuitas.</p><p>O próprio eixo central que qualifica os Programas de Transferência</p><p>de Renda no Brasil- articulação da transferência monetária com a</p><p>obrigatoriedade de frequência à escola por parte de crianças e</p><p>adolescentes de 7 a 14 ou 16 anos de idade não é um aspecto</p><p>pacifico e nem tão simples, já que a obrigatoriedade de frequência à</p><p>escola não é suficiente para alterar o quadro educacional das futuras</p><p>gerações e, consequentemente, alterar a pobreza. Essa exigência</p><p>implica na expansão, na democratização e na melhoria dos sistemas</p><p>educacionais estaduais e municipais. Não basta a criança estar</p><p>matriculada e frequentando a escola. O ensino precisa ser de boa</p><p>qualidade e estar em consonância com as demandas da sociedade</p><p>contemporânea. (SILVA, YAZBEK e DI GIOVANNI, 2008, p. 200)</p><p>Apesar de não ser parte da proposta do programa o empoderamento e a</p><p>autonomia feminina, muito se debate acerca do potencial que o PBF poderia ter em</p><p>tornar mulheres independentes e com maior poder de decisão. Bartolo, Passos e</p><p>Fontoura (2018) são elusivas ao reunir as principais críticas apontadas por diversos</p><p>teóricos acerca da titularidade feminina, como: o reforço do papel tradicional de</p><p>cuidadora, a sobrecarga de tarefas relegadas à mulher através das</p><p>condicionalidades e o foco entre identidade feminina e maternidade. Por outro,</p><p>também indicam que na pesquisa realizada, o efeito positivo percebido na vida das</p><p>beneficiárias foi a ampliação da tomada de decisões por parte das mulheres em</p><p>64</p><p>relação ao uso de contraceptivos, a compra de bens duráveis, entre outras decisões</p><p>tomadas no âmbito doméstico.</p><p>Por fim, um item de grande importância para o debate e a análise de</p><p>programas de transferência monetária é o financiamento, podendo ser aferido a</p><p>partir desse dado o quanto, ou mesmo, se contribui para a redistribuição da riqueza</p><p>produzida socialmente produzida. No que tange ao Programa Bolsa Família, a base</p><p>de financiamento era composta por recursos do Orçamento Geral da União. Além</p><p>disso, o programa também recebia recursos de diversas fontes tributárias como</p><p>COFINS, CSLL e o extinto FCEP.</p><p>Ao analisá-las, pode-se perceber que a principal fonte de recurso da</p><p>assistência social é a Contribuição para o Financiamento da</p><p>Seguridade Social (COFINS). Tal contribuição que incide sobre a</p><p>renda bruta das pessoas jurídicas (empresas) tem como principal</p><p>objetivo em financiar a seguridade social brasileira. Aufere-se,</p><p>portanto, que as empresas repassam esse custo tributário para os</p><p>preços de bens e serviços. Assim, são os consumidores que acabam</p><p>pagando indiretamente esse tributo. A regressividade vai ocorrer,</p><p>pois ao comparar o peso dos tributos sobre o consumo a renda</p><p>auferida pelas pessoas, os mais pobres serão onerados</p><p>proporcionalmente mais que aqueles que detêm mais renda e</p><p>riqueza. Com isso, pode-se afirmar que a política de assistência</p><p>social tem um financiamento injusto e regressivo. (COURI e</p><p>SALVADOR, 2017, p. 88)</p><p>Druck e Filgueiras (2007) evidenciam que os trabalhadores são os grandes</p><p>financiadores da política social, devido aos juros regressivos que incidem</p><p>majoritariamente sobre o salário e o consumo das classes mais pauperizadas, no</p><p>que eles vão chamar de "redistribuição da pobreza". Por conseguinte, pode-se dizer</p><p>que as políticas redistributivas consistem em valores repassados dos próprios</p><p>pobres aos mais pobres.</p><p>Ainda que seja apresentado um aumento no valor destinado para a</p><p>Seguridade Social na área da assistência social nos últimos anos, ele se deve</p><p>prioritariamente ao aumento de recursos destinado a transferências de renda, em</p><p>contrapartida o investimento em políticas públicas de acesso universal tem se</p><p>reduzido. O mesmo efeito pode ser percebido ao observarmos a distribuição dos</p><p>recursos da Assistência Social, onde as transferências monetárias representavam</p><p>96% do montante alocado a essa política em 2013. Enquanto os valores investidos</p><p>65</p><p>em todas ações e programas incluídos no âmbito da Proteção Social Básica e</p><p>Proteção Social Especial não</p><p>alcança nem 4% do total.</p><p>Figura 1 - Destinação de recursos Assistência Social - MDS/2013</p><p>Fonte: SCHMIDT, 2016, p. 69</p><p>Temos, então que o orçamento de programas de transferência monetária</p><p>cresceu significativamente, enquanto os recursos alocados em políticas universais</p><p>que beneficiariam toda a população têm enfrentado diversos cortes e reformas, se</p><p>tornando precarizados e dificultando o acesso da população. De acordo com</p><p>Assumpção (2010), os serviços socioassistenciais apresentaram escassa evolução</p><p>ao passo que os PTR foram focos prioritários da execução orçamentária.</p><p>Salvador (2012) define o orçamento como “uma peça de cunho político” para</p><p>além de um documento com previsões de gastos estatais. O orçamento público deve</p><p>assegurar recursos suficientes para a execução das ações de cada política sob seu</p><p>controle. Entretanto, fica evidente que o fundo público é colocado a serviço do</p><p>capital em muitas de suas alocações, como incentivos fiscais para empresas,</p><p>reprodução da força de trabalho através de salários indiretos, investimento em</p><p>transporte e infraestrutura e através do pagamento da dívida pública (SALVADOR,</p><p>2012).</p><p>Um dos mecanismos fundamentais utilizados para “minimizar os</p><p>impactos dos gastos com a dívida” e “equilibrar as contas públicas” –</p><p>objetivos estes propostos pelas grandes agências multilaterais – é a</p><p>Desvinculação de Recursos da União (DRU) de 2000 com a qual a</p><p>seguridade passa a ser a mais atingida, já que permite a</p><p>desvinculação de 20% dos recursos destinados às políticas da</p><p>seguridade social. O referido mecanismo transfere os recursos do</p><p>orçamento da seguridade social para o orçamento fiscal, com a</p><p>finalidade de facilitar a formação de superávits e pagar a dívida</p><p>66</p><p>pública. O superávit primário produzido é destinado prioritariamente</p><p>ao pagamento da dívida pública. (SILVA, 2011, p. 95)</p><p>A DRU citada acima está regulamentada desde 1994 e todos os presidentes</p><p>após a regulamentação da mesma garantem a sua manutenção e a promoção de</p><p>política que gerem superávit primário para arcar com o pagamento e os encargos da</p><p>dívida pública. Dessa forma, o fundo público no qual se encontra um relevante</p><p>percentual da renda dos trabalhadores – que foram recolhidos através de tributos</p><p>sobre o salário e impostos sobre o consumo – é, em sua maior parte, destinado aos</p><p>bolsos do capital financeiro, como pagamento da dívida pública.</p><p>No período 2000 a 2009, o fundo público transferiu o equivalente a</p><p>45% do PIB produzido em 2009 para o capital financeiro. De acordo</p><p>com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (2010), com esses</p><p>recursos seria possível custear o Programa Bolsa Família durante</p><p>108 anos (mantido fixo o valor do benefício do programa de 2009).</p><p>Ou, ainda, seria possível o governo federal custear a educação</p><p>durante 40 anos, se mantido o mesmo valor gasto em 2009.</p><p>(SALVADOR, 2012, p. 8)</p><p>O governo Dilma Rousseff - primeira mulher presidente do Brasil e também</p><p>filiada ao Partido do Trabalhadores - trilhou pelo mesmo caminho no que concerne a</p><p>políticas sociais. Concentrando os investimentos da área de assistência social em</p><p>programas de transferência monetária, a saber, o Bolsa Família e instituindo novos</p><p>programas e ações que também optavam pela focalização do público-alvo.</p><p>Em 2012, o governo Dilma introduziu o Benefício para Superação da Extrema</p><p>Pobreza, concedido inicialmente a famílias com crianças até 6 anos que após</p><p>receberem o benefício básico permaneciam na condição de extremamente pobres</p><p>(OSORIO e SOARES, 2014). Entretanto, entre 2008 e 2013 não houve ajuste nas</p><p>linhas de elegibilidade mantendo o público atendido pelo programa entre os mais</p><p>pobres. Em 2014, mesmo com o ajuste da linha de elegibilidade para recebimento</p><p>do benefício básico, a renda per capita de até R$77,00 ainda representava pouco</p><p>mais que 10% do salário mínimo de R$724,00 naquele ano (OSORIO e SOARES,</p><p>2014; DIEESE, 2023). Esse dado reflete a prioridade por medidas focalizadas e</p><p>mínimas.</p><p>O Benefício de Superação da Extrema Pobreza foi posteriormente estendido</p><p>para famílias com crianças até 15 anos, e em 2013 alcançou todas as famílias que</p><p>mesmo recebendo o Bolsa Família continuavam abaixo da linha da extrema</p><p>67</p><p>pobreza. Outra alteração do desenho institucional foi o “retorno garantido” que</p><p>consiste na garantia “às famílias beneficiárias que se desligarem do Programa de</p><p>forma voluntária o direito de retorno imediato ao Bolsa Família, caso voltem a ter</p><p>perfil para o Programa num prazo de até 36 meses” (OSORIO e SOARES, 2014, p.</p><p>8). Além de estimular a Busca Ativa – pelo qual se objetivava alcançar a população</p><p>extremamente pobre que ainda não possuía inscrição no Cadastro Único.</p><p>Essas alterações também faziam parte do Plano Brasil Sem Miséria, instituído</p><p>em 2012, que além das alterações no escopo do PBF supracitadas, alterou o limite</p><p>de crianças de 3 para 5. Para além disso, os critérios estabelecidos pelo plano</p><p>buscavam oferecer uma renda mínima para a população extremamente pobre,</p><p>ações de inclusão produtiva que capacitassem os pobres para o trabalho, e a</p><p>expansão do acesso aos serviços públicos. O plano também preconizava a</p><p>priorização dos públicos em situação de extrema pobreza. Se caracterizando como</p><p>uma ferramenta focalizada de alívio da pobreza em detrimento de uma abordagem</p><p>mais universal.</p><p>O Plano Brasil sem Miséria se configura como novo estágio de</p><p>consolidação desse padrão de “enfrentamento à pobreza”,</p><p>implicando no adensamento da tendência marcadamente presente</p><p>na política de assistência social. A pobreza é o objeto central</p><p>articulador da política de assistência social, limitando sobremaneira a</p><p>abrangência de suas ações. Muito embora, o Plano Brasil sem</p><p>Miséria esteja baseado na retórica da ampliação dos serviços ao</p><p>segmento focalizado e empobrecido. (SILVA, 2018b, p. 19)</p><p>Elencando diversas ações a serem executadas por 22 ministérios, o BSM</p><p>tinha como foco as populações mais vulneráveis, como indígenas, quilombolas,</p><p>agricultores familiares e pescadores artesanais. Seu tamanho, tanto em instituições</p><p>com em número de ações propostas, e sua vinculação a Presidência da República</p><p>são traços semelhantes ao Programa Fome Zero, abandonado anos antes. As</p><p>medidas, principalmente a inclusão produtiva são voltadas para o fomento do</p><p>microempreendedorismo, de forma a incentivar que os usuários busquem sua</p><p>independência financeira e deixem de depender do programa.</p><p>No que tange a política de assistência social, o plano buscava modernizar e</p><p>expandir o alcance da política, entretanto apenas numa lógica de gestão da pobreza,</p><p>sem de fato contribuir para a construção de uma política universal com vias a</p><p>expansão do direito social (SILVA, 2018a). Os dispositivos do SUAS – a saber, o</p><p>68</p><p>CRAS e CREAS – que são os mesmos a operar o Cadastro Único se configuraram</p><p>na principal porta de entrada para o acesso as ações executadas no Brasil Sem</p><p>Miséria, mesmo para o acesso a outras políticas.</p><p>A importância aludida à política de assistência social para os</p><p>objetivos do Plano Brasil sem Miséria não se centram numa pauta de</p><p>expansão dos aspectos mais progressistas de uma política social</p><p>que compõe a seguridade social, mas sim em tornar esta política</p><p>num espaço de execução de programas, benefícios, projetos e ações</p><p>que visam intensificar a estratégia de “combate à pobreza”, pela via</p><p>da focalização e da seletividade. É um paralelismo que atravessa o</p><p>próprio SUAS, é a constituição de uma institucionalidade que se</p><p>sobrepõem a constituição de uma institucionalidade da própria</p><p>política de assistência social, impondo importantes limitações ao</p><p>avanço desta no campo do efetivo direito social. Ao fazê-lo mediante</p><p>incremento de recursos, padronização de serviços, aumento no</p><p>número de equipamentos, intensificação do sistema de informações</p><p>e vigilância socioassistencial, utilização de programas já existentes</p><p>para maior incidência sobre</p><p>the midst of a context of radicalizing neoliberalism and how cash transfer</p><p>policies relate to this ultra-neoliberal logic of fiscal adjustment.</p><p>Keywords: Latin America, Bolsa Família, cash transfer programs,</p><p>neoliberalism.</p><p>LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES</p><p>BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento</p><p>BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento</p><p>BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social</p><p>BPC – Benefício de Prestação Continuada</p><p>BSM – Brasil Sem Miséria</p><p>CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe</p><p>CLT – Consolidação das Leis do Trabalho</p><p>CND – Conselho Nacional de Desestatização</p><p>CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica</p><p>COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social</p><p>CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional</p><p>COVID – Corona Virus Disease</p><p>CRAS – Centro de Referência de Assistência Social</p><p>CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social</p><p>CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido</p><p>DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos</p><p>DRU – Desvinculação de Recursos da União</p><p>EC – Emenda Constitucional</p><p>ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente</p><p>ENAP – Escola Nacional de Administração Pública</p><p>EUA – Estados Unidos da América</p><p>FCEP – Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais</p><p>FGTS – Fundo de Garantia de Tempo de Serviço</p><p>FHC – Fernando Henrique Cardoso</p><p>FIES – Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior</p><p>FMI – Fundo Monetário Internacional</p><p>FUNPRESP – Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público</p><p>IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística</p><p>IGD-M – Índice de Gestão Descentralizada – Municipal</p><p>INSS – Instituto Nacional do Seguro Social</p><p>IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo</p><p>IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada</p><p>LBA – Legião Brasileira de Assistência</p><p>LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social</p><p>MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome</p><p>MERCOSUL – Mercado Comum do Sul</p><p>MP – Medida Provisória</p><p>ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio</p><p>OEA – Organização dos Estados Americanos</p><p>OMS – Organização Mundial de Saúde</p><p>ONG – Organização Não Governamental</p><p>PBF – Programa Bolsa Família</p><p>PDRAE – Plano Diretor da Reforma Administrativa do Estado</p><p>PEC – Proposta de Emenda à Constituição</p><p>PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil</p><p>PFZ – Programa Fome Zero</p><p>PIB – Produto Interno Bruto</p><p>PL – Partido Liberal</p><p>PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro</p><p>PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios</p><p>PNAS – Política Nacional de Assistência Social</p><p>PND – Plano Nacional de Desestatização</p><p>PPA – Plano Plurianual</p><p>PRAF – Programa de Asignación Familiar</p><p>PROGRESA – Programa de Educacion, Salud y Alimentacion</p><p>PT – Partido dos Trabalhadores</p><p>PTR – Programa de Transferência de Renda</p><p>PTRC – Programa de Transferência de Renda Condicionada</p><p>RBU – Renda Básica Universal</p><p>STF – Supremo Tribunal Federal</p><p>SUS – Sistema Único de Saúde</p><p>SUAS – Sistema Único de Assistência Social</p><p>UNDP – United Nations Development Programme</p><p>SUMÁRIO</p><p>INTRODUÇÃO ........ ................................................................................................. 11</p><p>CAPÍTULO 1 – TRANSFERÊNCIA MONETÁRIA, CAPITALISMO</p><p>DEPENDENTE E NEOLIBERALISMO: O caso brasileiro ......................................... 15</p><p>1.1 – O debate acerca da renda mínima, renda básica universal, transferência</p><p>de renda ................................................................................................................... 15</p><p>1.2 – Breve histórico das políticas de transferência monetária na América</p><p>Latina ........................................................................................................................ 28</p><p>1.3 – As primeiras iniciativas de transferência monetária no Brasil ........................... 41</p><p>1.4 – A experiência de transferência monetária sob os governos petistas: o</p><p>Programa Bolsa Família ............................................................................................ 53</p><p>CAPÍTULO 2 – ULTRANEOLIBERALISMO, TRANSFERÊNCIA MONETÁRIA E</p><p>GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO NA PANDEMIA ........................................... 69</p><p>2.1 – Golpe de 2016, ajuste fiscal e expropriação de direitos sociais: políticas</p><p>sociais no de ultraneoliberalismo no Brasil ............................................................... 69</p><p>2.2 – Desafios do Programa Bolsa Família no Governo Bolsonaro .......................... 79</p><p>2.3 – Transferência Monetária, Pandemia do COVID-19 e gestão do trabalho</p><p>precário no Brasil ...................................................................................................... 86</p><p>2.3.1 – O Auxílio Emergencial ................................................................................... 90</p><p>2.3.2 – O Auxílio Brasil .............................................................................................. 94</p><p>2.4 – O novo Programa Bolsa Família ...................................................................... 97</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 99</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>11</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>No cenário contemporâneo, marcado pela crescente complexidade das</p><p>relações socioeconômicas, os programas de transferência monetária têm se</p><p>destacado como instrumentos centrais nos sistemas de proteção social em todo o</p><p>mundo. Nos últimos anos, estes programas têm se tornado objeto focal em</p><p>discussões sobre políticas sociais e combate à pobreza.</p><p>A escolha desse tema se justifica pela experiência de estágio supervisionado</p><p>em Serviço Social vivenciada entre os anos de 2019-2020 na Coordenação</p><p>Municipal do Cadastro Único e Programa Bolsa Família do município de São</p><p>Gonçalo/RJ. Em meio a histórias e vivências conhecidas, surgiu o interesse em</p><p>aprofundar o conhecimento acerca do programa federal que já alcançava</p><p>13.170.607 famílias, segundo dados da Secretaria de Avaliação e Gestão da</p><p>Informação (SAGI, 2022). Compreendendo, assim, a relevância do programa, mas</p><p>também, a importância de pensar a Política de Proteção Social para além de</p><p>programas de transferência condicionada de uma renda mínima.</p><p>Na história brasileira, um assunto fortemente debatido e alvo de opiniões</p><p>divergentes é o Programa Bolsa Família. Instituído pela Medida Provisória n.º 132,</p><p>de 20 de outubro de 2003, e convertida na lei n.º 10.836/2004, o Programa Bolsa</p><p>Família (PBF) foi, até 2021, um programa de transferência condicionada direta de</p><p>renda. Direcionado a famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza incluídas</p><p>no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, o programa</p><p>unificou e ampliou políticas de transferência de renda anteriores.</p><p>Até o ano de 2003, existiam mais de sete programas federais de transferência</p><p>de renda condicionada. Quatro deles foram unificados no Programa Bolsa Família, a</p><p>saber:</p><p>1) O Bolsa Escola – destinado a famílias com renda per capita de até meio</p><p>salário mínimo e com crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos matriculados na</p><p>escola. Associado à frequência escolar, superior a 85%.</p><p>2) O Bolsa Alimentação – que tinha como público-alvo famílias com a mesma</p><p>renda per capita do Bolsa Escola, mas que possuíssem em sua composição familiar,</p><p>crianças até sete anos, nutrizes e gestantes. Associado ao cumprimento de</p><p>exigências com a saúde por parte da família, como vacinação, pré-natal, entre</p><p>outros.</p><p>12</p><p>3) O Auxílio Gás – voltado a famílias de baixa renda que já estavam inscritas</p><p>nos programas supracitados.</p><p>4) O Cartão Alimentação – direcionado a grupos em situação de risco</p><p>alimentar. Sendo imposta à família a comprovação de gastos com compras ou de</p><p>alimentos.</p><p>Em virtude da unificação desses programas de transferência de renda – e do</p><p>baixo valor da renda</p><p>o público-alvo do Plano, favorece a</p><p>modernização da política, mas renovando o conservadorismo</p><p>reticente nestes tempos de “esquizofrenia do capital”, em que</p><p>conservar a estrutura de classes é fundamental. (SILVA, 2018a, p.</p><p>12)</p><p>Em suma, se faz imprescindível compreender os programas de transferência</p><p>monetária como uma política de sobrevivência necessária. Dados do ENAP, indicam</p><p>que haviam cadastradas 12,9 milhões de pessoas em extrema pobreza - abaixo de</p><p>R$89,00 de renda mensal per capita em 2018 (FALCÃO SILVA, 2018). Esse dado</p><p>elucida a necessidade da existência dos PTR. Apesar disso, apenas a implantação</p><p>de políticas focalizadas e compensatórias não é o suficiente para transformar a</p><p>realidade e reduzir a desigualdade social, intervindo nas causas da pobreza e não</p><p>apenas em seus efeitos. Sobre os programas de transferência monetária e sua</p><p>adoção em grande escala no Brasil, pode –se inferir:</p><p>Essa política social combina perfeitamente a flexibilização e precarização do</p><p>trabalho com programas focalizados e flexíveis de combate à pobreza.</p><p>Ambos regidos pela mesma lógica: o curto prazo, o imediatismo</p><p>inconsequente, intervenções pontuais e precárias, que, para não se contrapor</p><p>à “ordem econômica neoliberal”, subordinam-se ao reino da conveniência,</p><p>sem mudar e sem intervir nas causas estruturais dos problemas da sociedade</p><p>brasileira. (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007, p. 28)</p><p>69</p><p>CAPÍTULO 2 – ULTRANEOLIBERALISMO, TRANSFERÊNCIA MONETÁRIA E</p><p>GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO NA PANDEMIA</p><p>Nesse capítulo nos debruçaremos sobre as condições impostas a população</p><p>num contexto de golpe e de radicalização do ultraneoliberalismo. Empreendendo um</p><p>esforço para compreender como a classe trabalhadora se vê expropriada de seus</p><p>direitos a cada dia e o quanto as políticas neoliberais colaboram para que esse</p><p>cenário se aprofunde. As transferências monetárias também foram alvos, em tempos</p><p>de desmontes de direitos, de cortes e redimensionamentos, com o cancelamento de</p><p>benefícios, entre outras medidas draconianas.</p><p>A pandemia da COVID-19 intensificou consideravelmente a crise que já</p><p>estava presente no interior do estado, colocando em evidência o impacto devastador</p><p>das medidas neoliberais na população local. Durante esse período desafiador, ficou</p><p>ainda mais aparente como as políticas voltadas para o mercado e o enfraquecimento</p><p>do Estado deixaram as pessoas em uma situação de vulnerabilidade extrema. Uma</p><p>das consequências mais visíveis da pandemia foi a perda em larga escala de postos</p><p>de trabalho, com a necessidade de fechamento temporário de estabelecimentos e</p><p>restrições à movimentação, houve um aumento significativo na taxa de desemprego.</p><p>Além disso, o aumento generalizado no preço dos produtos durante a</p><p>pandemia ampliou os desafios enfrentados pelas famílias, com a diminuição da</p><p>renda e a falta de acesso a produtos essenciais a preços acessíveis, muitos não</p><p>conseguiram suprir suas necessidades básicas, como alimentação e produtos de</p><p>higiene. Isso afetou de forma mais severa aqueles que já estavam em situação de</p><p>precarização, como os trabalhadores informais e os que desempenham funções nas</p><p>margens do mercado de trabalho. Com empregos instáveis e sem proteção social</p><p>adequada, não tiveram a garantia mínima durante as paralisações, colocando-os em</p><p>um cenário de incerteza e privação. A falta de acesso a direitos básicos, como</p><p>segurança no trabalho e seguro-desemprego, agravou ainda mais a situação desses</p><p>indivíduos e suas famílias.</p><p>2.1 – Golpe de 2016, ajuste fiscal e expropriação de direitos sociais: políticas</p><p>sociais no ultraneoliberalismo no Brasil</p><p>70</p><p>Desde o primeiro mandato de Dilma Rousseff, a política econômica buscou</p><p>incentivar o consumo, através da redução de impostos, de desonerações fiscais e do</p><p>aumento do crédito. Entretanto, a queda no preço das commodities como petróleo,</p><p>minério e soja – influenciada pela desaceleração do comércio global, a transição</p><p>econômica da China e a queda da bolsa de Xangai – causou uma redução da</p><p>arrecadação do país via exportações (CACIOLI e FORDELONE, 2015). Apenas em</p><p>2015, o montante arrecadado caiu 8,8% em relação ao ano anterior (BRANCO,</p><p>2016).</p><p>A desaceleração da economia mundial também afetou a indústria que, com a</p><p>diminuição dos investimentos e da competitividade, apresentou uma redução de</p><p>6,3% em sua produção (GERBELLI e PAPP, 2015). A queda no consumo e na</p><p>lucratividade das empresas fez as taxas de desemprego dispararem, mas os motivos</p><p>socioeconômicos não foram os únicos que cooperaram para o sentimento de</p><p>incerteza dos cidadãos brasileiros. Os resultados e os esquemas divulgados pela</p><p>Operação Lava-Jato, iniciada em 2014 e que investigou denúncias de corrupção na</p><p>Petrobras, contribuiu para a desconfiança nos agentes econômicos e a fuga de</p><p>capitais do país, provocando, em conjunto com a crise política que o país</p><p>atravessava, uma morosidade no enfrentar da crise e na recuperação da economia</p><p>(PASSARELLI, 2015).</p><p>Como resultado, o país enfrentou uma grande recessão econômica, com o</p><p>aumento do desemprego, o agravamento das contas públicas e altas taxas de</p><p>inflação. O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro fechou 2015 com uma queda de</p><p>3,5% em comparação ao ano anterior (IBGE, 2017). A taxa trimestral de</p><p>desemprego calculada pela PNAD contínua chegou a 8,3% em junho de 2015</p><p>(GASTIN e OLIVEIRA, 2015). Como tentativa de dirimir os efeitos da crise, o</p><p>governo realizou cortes de despesas de 70 bilhões e aumentou os impostos,</p><p>encarecendo o custo de vida dos cidadãos (LIMA e CONGO, 2015).</p><p>O esgotamento do governo conciliador de classes deu lugar para que subisse</p><p>ao poder – sem ser eleito para tal – um governo conservador ainda mais</p><p>comprometido com as exigências do capital. O “golpe parlamentar, empresarial,</p><p>midiático e jurista” (MUSTAFA, 2019) apresentado como processo de impeachment</p><p>da presidente Dilma Rousseff culminou com a sua destituição do cargo. Michel</p><p>Temer assumiu o mandato presidencial em agosto de 2016 e em pouco mais de um</p><p>71</p><p>ano já havia sancionado ou proposto diversas contrarreformas que tiveram</p><p>consequências drásticas para a classe trabalhadora.</p><p>Com a dissolução da conjuntura externa favorável que possibilitou os</p><p>governos de conciliação de classes, o neoliberalismo teve que ser</p><p>aprofundado, o que pressupunha a criação de uma base ideológica</p><p>de consenso — que teve nos protestos da direita reacionária e na</p><p>grande imprensa seus principais alicerces — e uma correlação de</p><p>forças que intensificasse os mecanismos de repressão contra os</p><p>trabalhadores. De acordo com Antunes (2020, p. 291), o golpe deu</p><p>início a um novo período de “contrarrevolução preventiva, agora de</p><p>tipo ultraneoliberal e em fase ainda mais agressiva”. (CASSIN, 2022,</p><p>p. 20)</p><p>Esse novo período pode ser analisado a partir das propostas elaboradas pelo</p><p>PMDB e pela Fundação Ulysses Guimarães elencadas no documento “Uma Ponte</p><p>para o Futuro”. O programa havia sido desenvolvido em outubro de 2015, antes</p><p>mesmo do golpe que depôs a presidente Dilma, mas suas intenções continuaram</p><p>visíveis ao longo do mandato de Temer. Segundo o próprio documento, as</p><p>propostas tinham como objetivo “preservar a economia brasileira e tornar viável o</p><p>seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas</p><p>sociais que combatam efetivamente a pobreza e criem oportunidades para todos”</p><p>(FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES; PMDB, 2015, p. 2).</p><p>Entretanto, as medidas apontavam para um saudosismo do passado, com</p><p>forte apelo à funcionalidade do Estado e distribuição dos “incentivos corretos para a</p><p>iniciativa privada” (FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES; PMDB, 2015). Para</p><p>solucionar o “desequilíbrio fiscal” e promover o “funcionamento virtuoso” do Estado,</p><p>o programa propunha uma reforma estrutural, incluindo a alteração de leis e normas</p><p>constitucionais, a diminuição de impostos que taxam a renda e a desvinculação</p><p>constitucional dos</p><p>gastos com saúde e educação. O ajuste fiscal apontado tinha</p><p>como centralidade a produção de superávit primário para o pagamento da dívida</p><p>pública. Ao analisar o documento, Mustafa (2019) enfatiza:</p><p>Primeiramente, aponta que a crise fiscal do Estado é a grande</p><p>responsável pelo não crescimento econômico. Culpa-se o Estado</p><p>como se fosse o grande responsável pela crise, sobretudo o Estado</p><p>Social, o qual no Brasil nem chega de fato a ser implementado.</p><p>Assim, se justifica o plano de austeridade fiscal – para que o parco</p><p>fundo público, antes destinado ao financiamento dos direitos sociais,</p><p>seja, agora, canalizado para o pagamento da dívida pública,</p><p>72</p><p>favorecendo no Brasil, sobretudo, ao mercado financeiro.</p><p>(MUSTAFA, 2019, p. 103)</p><p>O programa “Uma Ponte para o Futuro” ainda condenou a criação de novos</p><p>programas, a ampliação dos antigos e a admissão de novos servidores. Assumindo</p><p>um posicionamento contra todas as indexações, o documento defendia a criação de</p><p>um “orçamento com base zero”16. Ademais, afirmando que a previdência é</p><p>deficitária, o documento insistia na necessidade de uma “reforma da previdência”</p><p>que aumentasse progressivamente a idade mínima e retirasse a indexação do</p><p>“benefício” ao salário mínimo. O programa ainda ressaltava a importância de “corrigir</p><p>as disfuncionalidades” da constituição e assegurar um desenvolvimento econômico</p><p>baseado no investimento privado, estimulando a “competitividade do setor externo”</p><p>(FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES; PMDB, 2015; MUSTAFA, 2019).</p><p>Após assumir o mandato presidencial, Temer colocou em prática o ideário e</p><p>as contrarreformas propostas no programa “Uma Ponte para o Futuro”, priorizando o</p><p>enxugamento dos gastos estatais, principalmente nos gastos sociais. Afinal,</p><p>segundo afirmação do próprio, a não adoção das medidas recomendadas pela</p><p>presidente Dilma seriam o motivo para o impeachment desta e sua “efetivação”</p><p>como presidente17. Sobre o governo de Temer, Ferrarez (2019) esclarece:</p><p>Temer inaugurou a retomada da agenda prioritariamente reformista e</p><p>privatista (declaradamente neoliberal e em favor das grandes</p><p>corporações), alcançando apoio para diversas decisões, das quais se</p><p>pode elencar: 1) a Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro</p><p>de 2016 (PEC 241 ou PEC 55) (BRASIL, 2016), cujo objetivo era a</p><p>criação de um teto de gastos para evitar crescimento de despesas,</p><p>além da inflação, congelando os gastos por 20 anos, medida passível</p><p>de revisão apenas a partir do décimo ano; 2) a Reforma Trabalhista,</p><p>nomeada pelo governo de "Modernização Trabalhista", foi aprovada</p><p>e sancionada sob a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017,</p><p>empregando um discurso baseado na finalidade de adequação da</p><p>legislação trabalhista às novas relações de trabalho. (FERRAREZ,</p><p>2022, p. 12)</p><p>16 No documento, “orçamento de base zero” consiste em uma peça orçamentária onde os programas</p><p>estatais serão reavaliados a cada ano de acordo com gastos e despesas para ser decidido se</p><p>continuam ou não.</p><p>17 Segundo o jornal Carta Capital, em uma fala na sede da American Society, em Nova Iorque, Temer</p><p>afirmou que haviam sugerido ao governo a adoção do programa, entretanto “Como isso não deu</p><p>certo, não houve a adoção, instaurou-se um processo que culminou, agora, com a minha efetivação</p><p>como presidente da República” (CARTA CAPITAL, 2016)</p><p>73</p><p>Como foi supracitado, o primeiro passo de Temer em direção a atestada</p><p>“Ponte para o Futuro” foi enviar ao Congresso Nacional proposta de emenda</p><p>constitucional para limitar os gastos públicos, conhecida como a PEC do Teto de</p><p>Gastos ou PEC do “fim do mundo” (FREIRE e CORTES, 2020). Aprovada em 15 de</p><p>dezembro de 2016, a Emenda Constitucional nº 95 inaugurou o chamado “Novo</p><p>Regime Fiscal”, limitando o gasto primário do governo com um teto a partir do</p><p>montante investido no ano anterior, ajustado apenas pela inflação – medida através</p><p>do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) (BRASIL, 2016c).</p><p>A Emenda estabelecia o “congelamento” das despesas primárias por 20 anos,</p><p>alcançando a Seguridade Social, o Orçamento Fiscal, os órgãos e os poderes da</p><p>União. Todavia, não ficaram submetidos ao teto de gasto as despesas com a</p><p>realização de eleições, as transferências constitucionais e o pagamento de juros e</p><p>amortizações da dívida pública. Ao passo que o “contingenciamento” atingia as</p><p>políticas sociais, os dispêndios com a dívida se avolumavam. Meses antes, em</p><p>setembro de 2016, a Emenda Constitucional nº 93 garantia o aumento da</p><p>Desvinculação de Receitas da União de 20% para 30%, sancionando essa prática</p><p>até 2023 e estabelecendo a desvinculação também no âmbito dos Estados,</p><p>Municípios e no Distrito Federal (BRASIL, 2016b). Essa redução estratégica dos</p><p>gastos sociais enquanto aumentam-se os repasses para o capital financeiro via</p><p>pagamento da dívida são apenas mais uma evidência da tendência ultraneoliberal</p><p>de intensificação da extração de mais-valia dos trabalhadores cada vez mais</p><p>precarizados.</p><p>A EC 95, enquanto medida pioneira e prioritária do governo ilegítimo,</p><p>revelou a essência do golpe de 2016: promover um desmonte dos</p><p>direitos e das políticas sociais sem precedentes na história do País,</p><p>corroendo, ano após ano, a parcela do fundo público destinada aos</p><p>trabalhadores e, ao mesmo tempo, garantindo o superávit primário</p><p>para a remuneração do capital portador de juros. (CASSIN, 2022, p.</p><p>22)</p><p>Os efeitos da EC 95 exposta acima impactaram fortemente a sociedade,</p><p>principalmente a população mais pobre. Segundo pesquisas dos anos seguintes, a</p><p>saúde deixou de receber R$9,7 bilhões entre os anos 2018 e 2019 (SANTOS e</p><p>FUNCIA, 2019). A Educação, por outro lado, contabilizou uma perda de repasses de</p><p>R$99,5 bilhões de 2015 – em que se iniciou a intensificação das políticas de</p><p>74</p><p>austeridade – a 2020, segundo dados da Campanha Nacional pela Educação</p><p>(PELLANDA, 2020). A Assistência Social também é prejudicada pelas medidas</p><p>sancionadas em dezembro de 2016, as projeções realizadas naquele ano previam</p><p>um prejuízo de R$868 bilhões nos 20 anos de vigência do Novo Regime Fiscal</p><p>(PAIVA et al, 2016).</p><p>As consequências da PEC da morte também foram deletérias para a</p><p>política de assistência social. Só em dezembro de 2016 o governo</p><p>cancelou 469 mil benefícios do Programa Bolsa Família e bloqueou</p><p>outros 667 mil, o que confirma a fragilidade dessas políticas que são</p><p>removidas sem grandes dificuldades. (FREIRE e CORTES, 2020, p.</p><p>42)</p><p>Em meio aos desmontes das políticas e direitos sociais, o capital se vê</p><p>beneficiado de diversas formas, seja pela transferência direta de recursos através do</p><p>pagamento da dívida pública, das desonerações fiscais, seja pelas legislações que</p><p>precarizam as relações trabalhistas ocasionando uma mão de obra cada vez mais</p><p>barata. Ou mesmo pela mercadorização dos serviços públicos insuficientes para o</p><p>atendimento universal e da monetarização das políticas sociais, de que pode ser</p><p>exemplo a expansão dos planos de saúde em consonância com o aniquilamento do</p><p>SUS e a regulamentação do Novo Fies enquanto se avultam os cortes na educação</p><p>pública, básica e superior. Isso contribui com a reestruturação da vida para atender</p><p>ao apetite desenfreado do capital onde os serviços básicos como a saúde, educação</p><p>e previdência se tornam mercadorias, afinal “as propostas neoliberais incluem a</p><p>transferência da proteção social do âmbito do Estado para o mercado, a</p><p>liberalização financeira passa pela privatização dos benefícios da seguridade social”</p><p>(SCHMIDT e SALVADOR, 2021, p. 54).</p><p>Se nos debruçarmos sobre as especificidades que a Assistência Social</p><p>assumiu nesse governo que levou as tendências ultraneoliberais as últimas</p><p>consequências, temos que as consequências do teto de gastos e do</p><p>desmantelamento do sistema de seguridade social foram catastróficas. Em outubro</p><p>de 2016, foi instituído pelo decreto nº 8.869 o Programa Criança</p><p>Feliz, tendo como</p><p>público-alvo, gestantes e crianças de 0 a 6 anos em situação de vulnerabilidade</p><p>social. Segundo a redação da legislação supracitada, o programa concebe ações</p><p>que objetivam contribuir com o desenvolvimento humano, apoiar as gestantes,</p><p>mediar o acesso às políticas sociais e serviços e colaborar na execução da</p><p>75</p><p>parentalidade. Em linhas gerais, “vão à direção de uma espécie de “capacitação”</p><p>das famílias para cuidarem de seus filhos” (SILVA, 2018, p.14)</p><p>Durante o Governo Temer, o Ministério do Desenvolvimento Social</p><p>(MDS) foi conduzido por dois médicos que lhe prescreveram um</p><p>amargo receituário: os ministros Osmar Terra e, em seguida, Alberto</p><p>Beltrame chancelaram a retomada do primeiro damismo nos</p><p>programas de assistência social através do Programa Criança Feliz</p><p>de Marcela Temer, ao mesmo tempo em que promoveram a revisão</p><p>de 472,3 mil benefícios previdenciários – Auxílio Doença e</p><p>Aposentadoria por Invalidez – o que resultou no cancelamento de</p><p>78% (369,6 mil) destes benefícios. (BRANDT e CISLAGHI, 2020,</p><p>p.165)</p><p>No que tange ao Programa Bolsa Família, ainda em 2016 o governo</p><p>“anunciou o cancelamento de 469 mil benefícios e o bloqueio de outros 654 mil, o</p><p>que representa 8% do total de 13,9 milhões de benefícios” (SCHREIBER, 2016).</p><p>Temer chamou esse momento de “o maior pente fino da história do Bolsa Família”</p><p>como se isso representasse uma melhoria na eficiência do programa, o que existe,</p><p>entretanto, por trás dessa fala é um pretexto para a hiperfocalização dos programas</p><p>sociais e para a criminalização dos mais pobres. Também foi implementado através</p><p>do decreto nº 9.160/2017 o Plano Progredir, cujas ações incluíam a elaboração de</p><p>currículos, cursos de capacitação e possibilidade de acesso a microcrédito (BRASIL,</p><p>2017a). Segundo Freire e Cortes, o programa:</p><p>[...] objetiva capacitar jovens que recebem o Bolsa Família, para</p><p>abrirem pequenos negócios, sob a lógica do empreendedorismo,</p><p>com microcrédito ofertado pelo Estado. O trabalho com direitos vai</p><p>sendo cada vez mais substituído pelo trabalho intermitente, pelo</p><p>empreendedorismo e tantas outras formas precárias de inserção no</p><p>“mundo do trabalho”, conforme já vem evidenciando Antunes (2018)</p><p>em seus estudos sobre a “nova morfologia” do trabalho no Brasil.</p><p>(FREIRE e CORTES, 2020, p. 44)</p><p>Para os usuários do Benefício de Prestação Continuada, o decreto nº</p><p>8.805/2016 alterou notadamente a relação com o benefício: estabeleceu a inscrição</p><p>obrigatória no Cadastro Único como requisito para concessão e manutenção do</p><p>benefício (BRASIL, 2016a); além de remover a avaliação médica e social quando a</p><p>família ultrapassar ¼ do salário mínimo per capita e de promover a retirada do</p><p>Serviço Social como benefício aos usuários em legislação posterior (LOBATO e</p><p>76</p><p>SENNA, 2020). Essas medidas contribuíram para restringir o acesso e reduzir</p><p>expressivamente o alcance do BPC.</p><p>Outro programa que sofreu cortes foi o Minha Casa, Minha Vida, o qual é</p><p>reconhecido por corroborar parcialmente para que os indivíduos exerçam seu direito</p><p>à moradia através do financiamento e concessão de subsídios para a compra de</p><p>imóveis por famílias pauperizadas. Outrossim, a contratação de unidades na faixa 1</p><p>do programa, que abrange os usuários mais pobres, vinha sendo reduzida desde o</p><p>governo Dilma e seguiu perdendo investimentos no governo Temer, alcançando uma</p><p>completa estagnação ainda em 2016 (SCHREIBER, 2016).</p><p>Outro programa substantivo que teve os seus recursos drasticamente</p><p>reduzidos foi o Minha Casa Minha Vida. Tivemos em outubro de 2016</p><p>a revogação do Projeto de Lei 4.960/2016, que regulava o Programa e</p><p>os assentamentos. Em 2017, 72,5% da meta da construção de</p><p>moradias populares foram alcançadas. No referido ano, o governo</p><p>teve uma queda histórica dos recursos recebidos, perfazendo um total</p><p>de 94,6% do orçamento em relação ao ano de 2015 (Gadelha e Alves,</p><p>2020). O que se aprofundou ainda mais em 2019, quando o programa</p><p>recebeu o menor orçamento da sua história. (FREIRE e CORTES,</p><p>2020, p. 43)</p><p>Os ataques do governo Temer às classes subalternas em nome do equilíbrio</p><p>fiscal ganharam um novo capítulo com a PEC 287 que estabelecia mudanças para a</p><p>aposentadoria. A proposta alteraria o Regime Geral de Previdência Social e os</p><p>Regimes Próprios de Previdência Social estabelecendo a idade mínima em 65 anos</p><p>para requerimento de aposentadoria tanto para homens quanto para mulheres,</p><p>aumentando o tempo mínimo de contribuição para 25 anos e reduzindo os</p><p>benefícios previdenciários ao alterar o cálculo. Os segurados especiais como</p><p>professores e agricultores familiares e os servidores que se aposentam pelo RPPS</p><p>adotariam as mesmas regras (SANTANA e JADE, 2016).</p><p>A proposta recebeu alterações pela Comissão Especial da Câmara dos</p><p>Deputados, mas mantendo sua intenção inicial. Mudando a diferença da idade</p><p>mínima entre homens e mulheres – de apenas 3 anos ao invés de 5 –, a regra de</p><p>transição, a regra de cálculo do valor e algumas diferenças para professores,</p><p>agricultores familiares e servidores do Regime Próprio (DIEESE, 2017). Entretanto, a</p><p>proposta tramitou durante quase 2 anos e acabou por ser arquivada.</p><p>O governo Temer não foi isento de denúncias, após gravações e delações</p><p>premiadas que colocavam Temer como parte de esquemas de corrupção, a</p><p>77</p><p>Procuradoria Geral da República denunciou o então presidente por corrupção</p><p>passiva e por obstrução de justiça e organização criminosa. Apesar de ser a primeira</p><p>vez que o STF havia solicitado a investigação de um presidente em exercício, o</p><p>Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou ambas as autorizações para investigar</p><p>Temer, com a irônica justificativa de que não seria o melhor momento para iniciar um</p><p>processo contra o presidente da república. Dessa forma, as denúncias foram</p><p>postergadas para serem julgadas por um juiz de primeira instância após a conclusão</p><p>do mandato (CALGARO, MODZELESKI E CARAM, 2017; LARCHER e SEABRA,</p><p>2017).</p><p>O governo Temer também atacou diretamente a classe trabalhadora</p><p>sancionando a Lei 13.129/2017. A Lei da Terceirização flexibilizou as relações</p><p>trabalhistas e permitiu a terceirização irrestrita, tanto de atividades-meio quanto de</p><p>atividades-fim. O projeto de lei de 1998 regulamentava o funcionamento e as</p><p>relações de trabalho em empresas de prestação de serviços e de trabalhos</p><p>temporários. A legislação prolongou o período de contrato de trabalho temporário,</p><p>permitindo até mesmo a prorrogação do mesmo, e expandiu o uso dessa</p><p>modalidade de contrato ao remover a necessidade de uma situação extraordinária</p><p>(DIEESE, 2017a; BRASIL, 2017b).</p><p>No que se refere a terceirização, a sua regulamentação incentivou a</p><p>expansão desse formato de contratação agora autorizado mesmo para as atividades</p><p>principais que a empresa executa. A legislação também relegou a decisão da</p><p>empresa a concessão dos mesmos benefícios dos trabalhadores próprios aos</p><p>terceirizados, além de permitir a subcontratação da empresa prestadora de serviços</p><p>e a contratação de empresas de uma pessoa só como pessoa jurídica de direito</p><p>privado (DIEESE, 2017a; BRASIL, 2017b). Em sua nota técnica nº 175, o DIEESE</p><p>alertou que essas medidas não resultariam em um aumento nas contratações, mas</p><p>sim “em piora na arrecadação fiscal e previdenciária, aumento da sonegação e da</p><p>dificuldade de fiscalização, ao estimular a excessiva fragmentação dos processos</p><p>produtivos entre inúmeras prestadoras” (DIEESE, 2017a, p. 11)</p><p>Menos de um ano depois, outro ataque a classe trabalhadora foi sancionado.</p><p>A Reforma Trabalhista promoveu alterações na CLT – conquistada por meio de</p><p>muita luta – flexibilizando as relações entre os empregadores e empregados. A Lei</p><p>13.467/2017 foi defendida pelo governo ilegítimo como uma proposta modernizadora</p><p>que traria maior “autonomia”, todavia apenas resultou na intensificação da</p><p>78</p><p>precarização do trabalho. Sobre as alterações trazidas pela lei, Mustafa</p><p>(2019)</p><p>explica:</p><p>Assim, trabalhadores e empregadores, como se ambos tivessem a</p><p>mesma força, devem entrar num pseudoacordo sobre o</p><p>parcelamento de férias, pois anteriormente não se podia dividir as</p><p>férias, exceto em alguns casos, em duas vezes. Quanto ao</p><p>cumprimento da jornada de trabalho, antes de 44 horas semanais,</p><p>oito horas diárias, agora ela pode chegar a 48 horas semanais, 12</p><p>horas diárias. Sobre a ida ao trabalho quando não há transporte</p><p>público, anteriormente este tempo se contabilizava como tempo de</p><p>trabalho, mas agora isto deve ser acordado. Além disso, houve</p><p>alteração também sobre o intervalo durante a jornada de trabalho.</p><p>Ou seja, dificilmente se conseguirá sustentar as garantias</p><p>anteriormente conquistadas e garantidas por meio da lei. (MUSTAFA,</p><p>2019, p. 103)</p><p>A Reforma Trabalhista ainda regulamenta o teletrabalho, o contrato de</p><p>trabalho intermitente e o contrato de prestação de serviços de atividades-fim;</p><p>determina a prevalência dos acordos individuais em oposição aos acordos coletivos,</p><p>e sobre alguns aspectos da legislação, se assim o for acordado. Além de</p><p>estabelecer a negociação individual no que concerne a rescisão de trabalho e</p><p>compensação da jornada de trabalho (BRASIL, 2017c; DIEESE, 2017b). Implicando</p><p>em condições desfavoráveis para o lado mais fraco, a diminuição da estabilidade e</p><p>segurança para o trabalhador e maior vulnerabilidade dos contratos.</p><p>No que tange a organização sindical, a lei legitima a criação de comissão de</p><p>representantes, possibilitando “negociações” entre trabalhador e empregador sem a</p><p>intervenção do sindicato, retira a obrigatoriedade da contribuição sindical e da</p><p>assistência do sindicato ou representante do Ministério do Trabalho na rescisão do</p><p>contrato de trabalho (BRASIL, 2017c; DIEESE, 2017b). Medidas que impactaram</p><p>diretamente na capacidade de negociação coletiva dos trabalhadores, reduzindo</p><p>significativamente a arrecadação de sindicatos e sua força propositória, além de</p><p>impactar os movimentos sociais que possuíam parcerias com os mesmos.</p><p>Disto, tem-se para o capital “condições ótimas” para o seu processo</p><p>de acumulação e de concentração, à medida que disponibiliza</p><p>trabalhadores “livres como os pássaros” (Marx, 2013), que aceitam</p><p>trabalhar sob quaisquer condições e salários, uma vez que foram</p><p>destituídos historicamente dos seus meios de vida e no tempo</p><p>presente, também dos seus direitos sociais e trabalhistas, que no</p><p>79</p><p>Brasil nunca se universalizaram, como demonstramos. (FREIRE e</p><p>CORTES, 2020, p. 41)</p><p>Todas as medidas sancionadas Reforma Trabalhista e Lei da Terceirização</p><p>provocaram o recrudescimento das condições de trabalho e de vida dos</p><p>trabalhadores. Enfraqueceram a ação sindical e a luta por melhores condições</p><p>trabalhista, fragmentando e precarizando os trabalhadores nas mais diversas áreas.</p><p>Afetando os rendimentos do trabalhador que, alijado de seus direitos, necessita</p><p>aceitar condições piores em troca da garantia de emprego num país onde cresce</p><p>exponencialmente o desemprego e a adoção de contratos precários de trabalho.</p><p>Em relação à precarização do trabalho, Silveira Junior (2019) nos</p><p>ajuda a ilustrar a situação ao mostrar que recentemente houve uma</p><p>importante recomposição da superpopulação relativa, com vistas a</p><p>alavancar as taxas de mais valia, tanto a partir de uma escalada</p><p>exponencial do desemprego como da informalidade. Segundo o</p><p>autor, a taxa média de desemprego anual dobrou no Brasil em 2017</p><p>(12,7%), em relação a 2014 (6,8%) - segundo Pnad Contínua -, o que</p><p>indica concretamente que existem 13,2 milhões de pessoas sem</p><p>emprego, um salto de 96,2% desde 2014. A isso se soma uma perda</p><p>de postos de trabalho com carteira assinada (e garantias) e o</p><p>aumento de novas ocupações foi absorvido principalmente por</p><p>setores tradicionalmente caracterizados pela informalidade, onde</p><p>prevalecem baixos salários e condições precárias e instáveis</p><p>(trabalho por conta própria, trabalho familiar auxiliar, e no setor</p><p>privado sem carteira de trabalho assinada). (MAURIEL, 2020, p. 243)</p><p>Em outubro de 2018, Jair Bolsonaro foi eleito, mesmo após uma forte</p><p>campanha de intelectuais e movimentos sociais contra a eleição do mesmo. Mas as</p><p>peças estavam postas para uma situação obscura para o país: “[...] uma Previdência</p><p>injusta e para quem pode pagar; a uma Saúde calamitosa e seletiva; a uma</p><p>Assistência Social sem recursos e limitada; a uma Educação cada vez mais</p><p>mercadológica e de certificação em massa” (FERRAREZ, 2022, p.16). O governo</p><p>Temer, com toda a sua precarização trabalhista, desmonte das políticas sociais e</p><p>enormes transferências de recursos para o capital financeiro, exerceu perfeitamente</p><p>o papel de “antessala do neofascismo ultraneoliberal” (CASSIN, p. 23).</p><p>2.2. Desafios do Programa Bolsa Família no Governo Bolsonaro</p><p>Em 2018, o cenário econômico apresentava uma lenta recuperação, com</p><p>baixa expectativa de crescimento do PIB para aquele ano (G1, 2018). Essa previsão</p><p>80</p><p>enfrentou uma redução ainda maior por conta da greve dos caminhoneiros,</p><p>insatisfeitos com o aumento expressivo da gasolina e do diesel, apesar do controle</p><p>relativo da inflação. As tensões comerciais entre EUA e China moviam o mercado</p><p>mundial para uma situação de apreensão com o temor da desaceleração da</p><p>economia. Nesse ínterim, o Brasil registrou uma alta máxima do dólar em R$4,19 e a</p><p>confiança dos investidores no país oscilou ao longo do ano (G1, 2018).</p><p>Quanto ao desemprego, o IBGE apurou uma queda nas taxas de</p><p>desocupação, entretanto essa redução estava condicionada ao aumento da</p><p>informalidade. Segundo dados da PNAD contínua divulgados pelo IBGE no último</p><p>trimestre de 2018, 12,4 milhões estavam à procura de trabalho (SARAIVA, 2018). A</p><p>diminuição no número de desocupação veio acompanhada da expansão do número</p><p>de trabalhadores sem carteira de trabalho assinada ou por conta própria que</p><p>cresceu para 11,6 e 23, 6 milhões de pessoas, respectivamente. Esses dados</p><p>indicavam um aumento da informalidade e da precarização do trabalho, evidenciado</p><p>na fala de Cimar Azeredo, coordenador do IBGE na área de Trabalho e Rendimento,</p><p>que afirmou que “os empregados com carteira de trabalho não dão nenhum sinal de</p><p>aumentar, o que aumentam são os empregados sem carteira e os trabalhadores por</p><p>conta própria, principalmente sem CNPJ” (SARAIVA, 2018).</p><p>Em meio aos escândalos de corrupção, a prisão de diversos políticos –</p><p>incluindo a prisão e a rejeição da candidatura de Lula, visto como um dos principais</p><p>candidatos na corrida eleitoral de 2018 (EL PAÍS, 2018) – e o crescimento da</p><p>insatisfação e desconfiança da população nas instituições, uma figura emergiu na</p><p>cena política. Marcado por suas falas radicais e polêmicas, o candidato Jair</p><p>Bolsonaro se lançou como candidato à presidência utilizando da polarização que</p><p>dividia o país às vésperas da eleição e que se intensificou ao longo de seu governo.</p><p>Bolsonaro escolheu como vice-presidente o general de reserva Hamilton</p><p>Mourão, sinalizando sua proximidade com os militares, dos quais esperava apoio</p><p>político ao seu governo. Bolsonaro defendia a redução do número de vagas</p><p>reservadas às cotas raciais e a proposta da “Escola sem partido”, apresentava</p><p>propostas como mudanças no código penal e no Estatuto do Desarmamento,</p><p>defendendo o porte de armas e a redução da maioridade penal. Além de criticar</p><p>fortemente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a demarcação de mais</p><p>territórios indígenas (BBC, 2018). Em uma eleição marcada pelas Fake News e</p><p>81</p><p>pelos extremismos, Bolsonaro foi eleito como 38º presidente do Brasil no segundo</p><p>turno sobre o adversário Fernando Haddad, candidato pelo PT.</p><p>À prisão de Lula e ao posterior impedimento de sua candidatura,</p><p>somaram-se outros acontecimentos como o assassinato político da</p><p>vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, em</p><p>março de 2018 (ainda não esclarecido); a propagação massiva de</p><p>fake news bancadas</p><p>por contratos milionários de empresários; e a</p><p>invasão de universidades públicas, centros acadêmicos e sindicatos</p><p>docentes, sob o pretexto de combater “propaganda política”. A</p><p>despeito da “frente democrática” que se formou em apoio ao</p><p>candidato do PT, Fernando Haddad, e das massivas manifestações</p><p>de resistência antifascista do #EleNão dirigidas pelo movimento de</p><p>mulheres, Bolsonaro foi vitorioso no segundo turno, elegendo-se</p><p>presidente da República com o voto de 57,8 milhões de brasileiros.</p><p>(CASSIN, 2022, p. 24)</p><p>Sua vitória nas urnas também pode ser vista como um aceno positivo do</p><p>mercado para Paulo Guedes18 como sua escolha para ministro da economia, que fez</p><p>com que as projeções econômicas para o ano seguinte parecessem mais favoráveis</p><p>ao país. “A ortodoxia ultraneoliberal se associou a um discurso ultraconservador de</p><p>responsabilização individual, dessolidarização, desamparo e desproteção aos</p><p>segmentos mais pauperizados” (BRANDT e CISLAGHI, 2020, p. 163). Ademais,</p><p>essa tendência não foi sentida apenas no Brasil, mas em escala global pode-se</p><p>perceber que a extrema direita vem ganhando força, com um discurso xenófobo,</p><p>intolerante, racista e homofóbico19. Utilizando de slogans que exaltam o patriotismo,</p><p>a religiosidade – essencialmente a religião monoteísta cristã – e a defesa da família</p><p>tradicional, os partidos mais conservadores tem chegado ao poder, ou pelo menos</p><p>encurtado a distância percentual em relação aos adversários nas disputas</p><p>presidenciais.</p><p>18 Apelidado de “Chicago Boy”, Guedes se formou na Universidade de Chicago, mesma instituição</p><p>que formou os Chicago Boys que geriram a ditadura de Pinochet no Chile. Guedes, fiel defensor do</p><p>neoliberalismo, sempre advogou pela necessidade das reformas econômicas no país. Apregoava a</p><p>imperatividade da redução do Estado, a privatização e o corte dos gastos públicos.</p><p>19 Como exemplo, podemos citar a vitória de Donald Trump nos EUA, Viktor Órban na Hungria – que</p><p>assumiu o cargo de primeiro ministro desde 2010 –, Giorgia Meloni na Itália e Marine Le Pen</p><p>assumindo o segundo lugar contra Emmanuel Macron na disputa pela presidência da França</p><p>(FUKUSHIMA e FERRAZ, 2021; PADINGER, 2022). Entre outros políticos e partidos que buscam</p><p>cooptar a insatisfação e falta de confiança das classes médias para disseminar um discurso de ódio</p><p>contra o diferente, “com visões conservadoras, nacionalistas e anti-imigração” (FUKUSHIMA e</p><p>FERRAZ, 2021, p. 4). Para se aprofundar nesse assunto, indicamos a leitura da Revista Argumentam</p><p>em sua publicação de vol. 13, n. 2.</p><p>82</p><p>Em 2019, a presidência da República é assumida por Jair Messias</p><p>Bolsonaro, sustentado por um discurso moralizador, antidemocracia</p><p>e pelo desmonte de direitos sociais e redução e limpeza de</p><p>programas sociais direcionados aos pobres, orientado pela</p><p>radicalização da concepção conservadora de focalização, chegando</p><p>a assumir um discurso de criminalização, individualização e</p><p>responsabilização dos pobres pela sua situação e superação da</p><p>pobreza. (SILVA E SILVA, 2023, p. 194)</p><p>O primeiro ano de mandato de Bolsonaro teve impactos drásticos para a</p><p>população brasileira, principalmente para a classe trabalhadora. Começando pela</p><p>extinção do Ministério de Trabalho, no primeiro dia de governo (FREIRE e CORTES,</p><p>2020). E entre as medidas adotadas para aquecer o mercado de trabalho se</p><p>implementou uma nova modalidade de contrato trabalhista: o contrato verde e</p><p>amarelo (MP 905/2019). A medida previa que para incentivar que as empresas</p><p>contratassem jovens entre 18 e 29 antes sem experiência de trabalho formal, seriam</p><p>reduzidas algumas obrigações dos empregadores como a contribuição para o INSS.</p><p>Até 20% dos funcionários da empresa poderiam ser contratados nessa modalidade,</p><p>contando que fossem novos postos. A medida também estabelecia que a</p><p>contribuição ao FGTS “cairá de 8% para 2%, e o valor da multa poderá ser reduzido</p><p>de 40% para 20%, decidida em comum acordo entre o empregado e o empregador,</p><p>no momento da contratação” (GOV, 2022a).</p><p>Sucessivos governos têm respondido a uma crise sistêmica do capital,</p><p>através de alterações na legislação laboral e previdenciária, que têm se</p><p>transformado progressivamente em “novos nichos de mercado”, permitindo o acesso</p><p>a processos que dependem apenas da valorização constante do valor – através da</p><p>extração de mais-valia. A Reforma da Previdência, que não havia sido conquistada</p><p>pelo governo Temer, foi levada a cabo por Bolsonaro. A PEC 6/2019, convertida na</p><p>EC 103/2019, incluía outras alterações como a extinção do regime de aposentadoria</p><p>por tempo de contribuição e aumentando o tempo de contribuição mínimo para</p><p>concessão da aposentadoria com valor integral.</p><p>EC 103/2019, a nova contrarreforma da previdência ampliou o tempo</p><p>mínimo de contribuição para 40 anos, para receber o benefício</p><p>correspondente ao valor integral dos salários dos trabalhadores</p><p>ativos; aumentou a idade mínima para aposentadoria para 62 anos</p><p>(mulheres) e 65 anos (homens) e elevou o tempo de contribuição</p><p>para 15 e 20 anos, respectivamente; aumentou a idade e tempo de</p><p>contribuição para a aposentadoria dos professores (25 anos de</p><p>83</p><p>contribuição e 57 anos de idade, se mulher e 60 anos de idade, se</p><p>homem) e reduziu o valor das pensões. (CASSIN, 2022, p. 26)</p><p>A reforma também instituiu a desconstitucionalização dos requisitos para</p><p>concessão de aposentadoria na previdência social, autorizando a realização de</p><p>futuras mudanças por meio de leis complementares e não mais como emendas à</p><p>Constituição. Alegando que os ajustes buscam garantir a sustentabilidade do</p><p>sistema, para assim reduzir o déficit previdenciário, o governo consegue liberar</p><p>recursos que podem retornar como investimentos para o desenvolvimento</p><p>econômico. Conjuntamente, a propaganda de que a Previdência Social é deficitária</p><p>contribui para criar um sentimento de insegurança que provoca o crescimento das</p><p>modalidades de fundos de previdência abertos, gerando um deslocamento de</p><p>recursos para o mercado de capitais.</p><p>O patrimônio líquido dos fundos de previdência abertos passou de 23</p><p>bilhões de reais em 2002 para 490 bilhões de reais, em 2015, ou</p><p>seja, um crescimento verdadeiramente espantoso. Os fundos de</p><p>“previdência privada” converteram-se nos maiores proprietários de</p><p>títulos da dívida pública federal, participação que passou de 17,7%</p><p>do total desses ativos em 2007, para 24,5% em 2016. A carteira de</p><p>investimentos do Funpresp era composta em 96,5% por títulos da</p><p>dívida federal, ao final de 2017 (Gentil, 2019, p.196 apud BEHRING,</p><p>CISLAGHI e SOUZA, 2020, p. 117).</p><p>Essa reforma, além de dificultar e retardar o acesso dos trabalhadores ao</p><p>benefício previdenciário beneficia o mercado ao incentivar a adesão aos regimes de</p><p>capitalização. Esses regimes de previdência geram seus rendimentos a partir dos</p><p>rendimentos de títulos da dívida pública. Para realizar o pagamento de juros dessa</p><p>dívida, conforme já abordamos aqui, o Estado prioriza a geração de superávit</p><p>primário, realizando cortes em políticas sociais e dificultando o acesso da população.</p><p>Gerando assim, um ciclo vicioso cruel que serve para manter as engrenagens do</p><p>capitalismo girando. Para além dessas medidas, o governou instituiu também o</p><p>Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade com</p><p>bônus de desempenho (Lei nº 13.846/2019) de forma a realizar revisões e reverter</p><p>benefícios da previdência.</p><p>Parte do “combo de horrores” (BEHRING, CISLAGHI e SOUZA, 2020)</p><p>proposto por Bolsonaro e Guedes, se encontra o Plano Mais Brasil, que com o</p><p>objetivo de promover o “equilíbrio fiscal” e evitar “novas crises”, foram propostas três</p><p>84</p><p>emendas constitucionais: PEC Emergencial (PEC 186/2019); PEC do Pacto</p><p>Federativo (PEC 188/2019); PEC dos Fundos Públicos (PEC 187/2019) (BRASIL,</p><p>2019a). O conjunto de reformas econômicas planejadas envolvia a criação</p><p>de</p><p>mecanismos para controle dos gastos públicos em momentos de crise – os o que</p><p>significava dizer que em tempos de crise a carga horária de trabalho e de salários de</p><p>servidores poderiam ser reduzidos, concursos públicos seriam proibidos e os</p><p>aumentos salariais dos funcionários públicos seriam suspensos. Além disso, o plano</p><p>preconizava a cessação de fundos que não estivessem na norma constitucional e a</p><p>utilização dos recursos para pagamento da dívida e investimentos em segurança,</p><p>educação e saúde. Ademais, propunha a extinção de municípios com baixa</p><p>arrecadação e a reformulação da função do Estado na oferta de serviços públicos</p><p>(BRASIL, 2019a). Essa tendência a políticas econômicas de caráter reformista, de</p><p>redução do Estado e geração de recursos se confirmou nas diretrizes do Plano</p><p>Plurianual sancionada em 2020.</p><p>Dentre as principais diretrizes do planejamento orçamentário</p><p>sinalizadas no texto do PPA estão a modernização do Estado, a</p><p>eficiência do gasto público (com redução da ingerência do Estado na</p><p>economia), o equilíbrio das contas públicas, a ênfase na educação</p><p>básica (sem citar o ensino superior), o estímulo ao</p><p>empreendedorismo e, cabe ressaltar, a “simplificação e a</p><p>progressividade do sistema tributário, a melhoria do ambiente de</p><p>negócios, o estímulo à concorrência” (PPA, 2019, p. 3 apud</p><p>BEHRING, CISLAGHI e SOUZA, 2020, p. 112)</p><p>Ainda em 2019 o governo anunciou diversos cortes nos programas sociais</p><p>como o Financiamento Estudantil (FIES) e o Minha Casa Minha Vida, criado em</p><p>2009 para garantir o acesso a moradia através de subsídios a famílias de baixa</p><p>renda. A previsão de gastos com o programa no orçamento para 2020 foi de 2,7</p><p>bilhões, noticiada como a menor da história, muito abaixo da média de 11,3 bilhões</p><p>que o programa seguia até 2018 (RESENDE e PUPO, 2019). A educação também</p><p>sofreu cortes significativos, segundo Behring, Cislaghi e Souza:</p><p>No campo dos gastos sociais, nas chamadas despesas</p><p>discricionárias (ou seja, não obrigatórias por lei) houve uma redução</p><p>de 8,55% comparado a 2018, com destaque para educação que teve</p><p>queda de 16%. Fica claro então, que o orçamento do governo</p><p>Bolsonaro omite na letra do texto e limita no orçamento qualquer</p><p>possibilidade de garantia direitos sociais orientados pelos princípios</p><p>da Constituição Federal. A Seguridade Social caminha para</p><p>85</p><p>restringir-se à política de mitigação dos efeitos mais deletérios das</p><p>desigualdades sociais, que tenderão a ser aprofundadas por este</p><p>governo. (BEHRING, CISLAGHI e SOUZA, 2020, p. 114)</p><p>No que concerne aos repasses aos municípios para os serviços</p><p>socioassistenciais, a redução foi expressiva e afetou a oferta de serviços à</p><p>população. A portaria nº 2362 do Ministério da Cidadania reduziu os repasses em</p><p>aproximadamente 30% a 40% (SHAULDERS, 2020). “As transferências do Governo</p><p>Federal para os municípios caíram de pouco mais de três bilhões de reais no final da</p><p>presidência de Dilma para pouco mais de um bilhão e meio de reais em 2020” (LIMA</p><p>SOBRINHO e VEIGA, 2023). O SUAS serve como porta de entrada para aqueles</p><p>que são vulneráveis, especialmente aqueles que vivem na pobreza, para acessar o</p><p>sistema de proteção. Isto inclui obter acesso a serviços e direitos de assistência</p><p>social, garantindo ao mesmo tempo a inclusão numa gama mais abrangente de</p><p>proteções e encaminhamentos para outros serviços, como cuidados de saúde e</p><p>educação. O corte no orçamento compromete a oferta dos serviços nos Centro de</p><p>Referência de Assistência Social (CRAS) e dificulta o acesso da população. Dessa</p><p>forma, há um retrocesso da política social a sua herança antiga composta de</p><p>focalização, individualização e “primeiro-damismo”.</p><p>O Governo Bolsonaro seguiu no “tratamento” proposto pelo governo</p><p>anterior, novamente sob o comando de Osmar Terra: o Programa</p><p>Criança Feliz de Marcela Temer, foi assumido por Michelle</p><p>Bolsonaro, passando a receber privilégio orçamentário, e foi mantida</p><p>a mesma “conduta” para a concessão e a revisão dos benefícios. A</p><p>novidade foi a perda de status da política de Assistência Social,</p><p>reduzida a subsecretaria, após a unificação do MDS com o Ministério</p><p>do Esporte no Ministério da Cidadania (MC), posteriormente</p><p>assumido pelo médico veterinário e deputado federal da base do</p><p>governo, Onyx Lorenzoni. (BRANDT e CISLAGHI, 2020, p.166)</p><p>As medidas reducionistas também atingiram o Programa Bolsa Família, que</p><p>foi submetido a extensos períodos de revisão dos dados cadastrais e dos benefícios.</p><p>A busca incessante por indivíduos que estariam recebendo o benefício</p><p>indevidamente, ou seja, que possuía algum tipo de renda e não havia declarado,</p><p>cancelava diversos benefícios sob a justificativa de irregularidades. Ao ser</p><p>perguntado sobre os cancelamentos, o ministro Osmar Terra afirmou que haviam</p><p>feito uma “economia de R$ 1,4 bilhão no ano passado” (GOV, 2020a). Buscando</p><p>aperfeiçoar cada vez mais os mecanismos de controle e focalizar a política nos mais</p><p>http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-2.362-de-20-de-dezembro-de-2019-234966986</p><p>86</p><p>pobres entre os pobres, ao identificar o recebimento indevido, o Ministério da</p><p>Cidadania acionava diretamente as famílias para que essas viessem a restituir o</p><p>benefício recebido.</p><p>Mesmo a transferência de renda, focalizada e minimalista, sofreu</p><p>cortes: no Programa Bolsa Família, cerca de 1,1 milhões de famílias</p><p>foram desligadas do programa entre maio de 2019 e janeiro de 2020,</p><p>fora a fila de espera estimada que já havia de aproximadamente 1,7</p><p>milhão de famílias (SILVA, 2020 apud MAURIEL, 2020, p. 243).</p><p>Além dos cortes nos repasses para os serviços e o cancelamento de milhões</p><p>de benefícios, o Governo também acumula diversas críticas sobre a falta de</p><p>transparência, com a concessão dos benefícios. Essas medidas acabam</p><p>“obscurecendo o tamanho da lista de espera para acesso ao Programa que, de</p><p>acordo com o mesmo, foi (sub)estimada em 500 mil famílias no ano de 2019”</p><p>(BRANDT e CISLAGHI, 2020, p.166).</p><p>Em meio ao desmonte de direitos sociais, a redução e transferência dos</p><p>serviços públicos para o mercado privado, o país viu seus níveis de qualidade de</p><p>vida caírem, enquanto aumentavam expressivamente as taxas de pobreza,</p><p>desemprego e informalidade, a fila de espera do PBF e os cortes nas políticas</p><p>sociais. E foi exatamente nesse cenário de recrudescimento das condições de vida</p><p>em que uma pandemia mundial ameaçou instaurar uma situação de calamidade.</p><p>2.3. Transferência Monetária, Pandemia do COVID-19 e gestão do trabalho</p><p>precário no Brasil</p><p>Em dezembro de 2019, surgiram na cidade de Wuhan, China os primeiros</p><p>casos de uma doença causada pelo vírus SARS-CoV-2, causando infecções</p><p>respiratórias. A doença chamada COVID-19 se espalhou rapidamente, levando a</p><p>Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma emergência de saúde global</p><p>e posteriormente classificá-la como uma pandemia em março de 2020. Impactanto</p><p>significativamente os países no mundo todo, a doença alterou as relações de</p><p>trabalho, as modalidades de ensino e até impactou nas formas de consumo.</p><p>No Brasil, os primeiros casos do vírus foram confirmados em fevereiro de</p><p>2020, e apresentou um crescimento rápido e expressivo do número de casos e de</p><p>mortes. A pandemia também teve um intenso impacto econômico a nível global. Os</p><p>87</p><p>países precisaram adotar medidas de distanciamento social para tentar conter a</p><p>propagação do vírus. As medidas incluíam o fechamento de comércios e empresas,</p><p>o que levou ao aumento do desemprego, queda na atividade econômica e</p><p>fechamento de muitas empresas, especialmente as pequenas e médias. Setores</p><p>como turismo, eventos, restaurantes e entretenimento foram especialmente afetados</p><p>pela crise.</p><p>Com o início da pandemia e a violenta queda nas bolsas de valores</p><p>em todo o mundo, em março de 2020, o cenário se agravou devido à</p><p>interrupção dos processos de circulação e produtivos, diante das</p><p>medidas de distanciamento social</p><p>decretadas em vários países,</p><p>como medida de contenção à pandemia, associada ao aumento das</p><p>tensões geopolíticas, principalmente, entre EUA e China, que</p><p>seguem disputando a hegemonia no campo tecnológico, comercial,</p><p>financeiro. Como consequência direta da redução da produção e</p><p>queda de demanda, ao lado da incerteza nessa conjuntura</p><p>pandêmica, o desemprego aumentou e as repercussões mais</p><p>devastadoras ocorrem para os segmentos mais precarizados pelas</p><p>políticas neoliberais nas últimas décadas: os trabalhadores/as</p><p>informais, autônomos, intermitentes, subutilizados, terceirizados, ou</p><p>seja, justamente aqueles/as que não têm proteção social garantida</p><p>pelo Estado e só recebem alguma remuneração quando trabalham</p><p>(ANTUNES, 2020 apud MAURIEL, 2020, p. 244)</p><p>Os equipamentos de saúde e assistência social, já precarizados pela intensa</p><p>campanha de desmantelamento dos direitos sociais, não conseguiram abarcar toda</p><p>a população que demandava atendimento. O sistema de saúde brasileiro,</p><p>sobrecarregado mesmo antes da pandemia, enfrentou desafios para lidar com a alta</p><p>demanda de pacientes infectados. Houve falta de leitos, equipamentos médicos e</p><p>profissionais de saúde, resultando em dificuldades no atendimento adequado aos</p><p>doentes. Em março de 2021, a maioria dos estados estava com superlotação de</p><p>leitos, das 27 unidades da federação, apenas uma se encontrava no alerta amarelo,</p><p>no episódio que a Fiocruz definiu como a “maior crise sanitária e hospitalar da</p><p>história” (JORNAL NACIONAL, 2021)</p><p>Nessa conjuntura de desafios socioeconômicos em vários países do mundo,</p><p>Bolsonaro assumiu uma postura de redução da gravidade da doença e de</p><p>negacionismo científico. Aconselhando o uso de medicamentos sem comprovação</p><p>científica e atrasando a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde, o presidente</p><p>insistia que o país não deveria implementar as medidas de distanciamento, pois isso</p><p>impactaria a economia. "A economia não pode parar. Temos que produzir muita</p><p>88</p><p>coisa. Nossa produção de alimentos também não pode parar" foi a fala de Bolsonaro</p><p>em uma videoconferência com empresários do setor produtivo (GOV, 2020b).</p><p>No Brasil governado por um neofascismo ultraneoliberal, irracional e</p><p>negacionista, as iniciativas de controle e prevenção da Covid-19</p><p>foram tardias, insuficientes e descoordenadas, conduzindo o país a</p><p>uma tragédia sanitária de dimensões catastróficas. Bolsonaro não</p><p>apenas se eximiu de seu papel de chefe de Estado em promover</p><p>medidas econômicas, sociais e sanitárias de enfrentamento à</p><p>pandemia, como desestimulou o isolamento social, negou a</p><p>gravidade da doença, promoveu aglomerações, incentivou o uso de</p><p>medicamentos sem comprovação científica para o tratamento</p><p>precoce da doença e retardou intencionalmente a aquisição de</p><p>vacinas. (CASSIN, 2022, p. 27)</p><p>Entre as medidas adotadas pelo Ministério da Economia, podemos citar a</p><p>concessão de renúncias fiscais para empresas, redução de contribuições</p><p>obrigatórias e a isenção de imposto para importação de itens relacionados ao Covid-</p><p>19 (GOV, 2020b). Enquanto as empresas e a economia eram protegidas por</p><p>diversas medidas, as relações de trabalho passaram por uma onda de flexibilização,</p><p>entre as políticas trabalhadas pelo Ministério da economia estava a implementação</p><p>de uma flexibilização trabalhista em caráter emergencial – redução de carga horária</p><p>de trabalho e férias sem aviso prévio, diminuição das exigências para adoção do</p><p>teletrabalho, afastamento sem vencimentos e ampliação do banco de horas (GOV,</p><p>2020b). Numa verdadeira inversão de valores – ou apenas a obediência servil a</p><p>lógica neoliberal de prevalência dos lucros – as medidas adotadas no país eram um</p><p>claro exemplo de “contrapor a saúde à economia e defender os lucros antes da vida”</p><p>(CASSIN, 2022, p. 27). Como estratégia para manter a economia aquecida, o</p><p>governo também autorizou a antecipação do 13º para aposentados e pensionistas.</p><p>Cabe notar que, mesmo com a inflexão da pandemia da COVID-19</p><p>desde março de 2020, não houve recuo na agenda ultraneoliberal,</p><p>que combinada à crise sanitária, vem tendo resultados catastróficos,</p><p>assumindo um perfil de genocídio em massa e que atinge, sobretudo,</p><p>a classe trabalhadora em seus setores mais empobrecidos, a partir</p><p>de um discurso que submete a defesa da vida à economia. Na</p><p>verdade, a pandemia desnudou a agressividade do</p><p>ultraneoliberalismo. (BEHRING, CISLAGHI e SOUZA, 2020, p.106)</p><p>Precisamos reforçar que a mão-de-obra já se encontrava precarizada,</p><p>subcontratada e sem direitos garantidos quando a pandemia se instaurou no país.</p><p>89</p><p>Resultado das contrarreformas e das políticas ultraneoliberais adotadas</p><p>anteriormente, a classe trabalhadora já apresentava altas taxas de desocupação e</p><p>informalidade. No entanto, em meio a uma pandemia mundial, as estratégias</p><p>instituídas pelo governo no âmbito do trabalho, conforme supracitado foram na</p><p>direção de manter a produção e proteger a economia. As medidas provisórias 927 e</p><p>936 confirmaram e implementaram as deliberações do Ministério da Economia.</p><p>A MP 927/2020 permitiu às empresas a adoção do teletrabalho; a</p><p>antecipação de férias individuais; a concessão de férias coletivas; o</p><p>aproveitamento e a antecipação de feriados; o banco de horas; a</p><p>suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no</p><p>trabalho, entre outras medidas. Já a MP 936/2020 instituiu o</p><p>Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e</p><p>permitiu a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários</p><p>e a suspensão temporária do contrato de trabalho. O referido</p><p>programa consiste no pagamento de um auxílio emergencial do</p><p>governo para os trabalhadores que tiveram jornada reduzida ou</p><p>contrato suspenso. (CASSIN, 2022, p. 27-28)</p><p>A Lei complementar 173/2020 estabelecia providências para ajudar os</p><p>municípios e estados a lidar com a situação de calamidade que o país atravessava.</p><p>O Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus para estados, Distrito</p><p>Federal e municípios, outorgou a negociação de empréstimo, a descontinuação do</p><p>pagamento de dívidas que as unidades federativas tenham com a união, além da</p><p>concessão de 60 bilhões de reais para implementar medidas de prevenção e</p><p>combate à pandemia. Entretanto, “o suporte aos demais entes federativos para fazer</p><p>frente aos impactos da pandemia foi condicionado ao congelamento dos salários e</p><p>progressões no serviço público, como segue, medida que já era enunciada antes da</p><p>pandemia” (BEHRING, CISLAGHI e SOUZA, 2020, p. 108).</p><p>Em contrapartida, a Lei proibiu o aumento de gastos com pessoal, a</p><p>realização de novos concursos e qualquer reajuste salarial dos</p><p>servidores públicos até o final de 2021. Ao condicionar a oferta de</p><p>um auxílio financeiro aos estados e municípios ao congelamento dos</p><p>salários dos servidores públicos — que há anos já convivem com a</p><p>ausência de recomposição salarial — o governo sinaliza a intenção</p><p>de penalizar os trabalhadores pelo ônus da crise, em uma</p><p>reatualização de um discurso anacrônico que remonta aos primórdios</p><p>do neoliberalismo no Brasil, quando os servidores públicos eram</p><p>apontados como os “vilões” do orçamento público, os chamados</p><p>“marajás”. (CASSIN, 2022, p. 28)</p><p>90</p><p>Destarte, temos um saldo extremamente negativo da pandemia para o país,</p><p>principalmente se considerarmos que grande parte dos equipamentos que fizeram</p><p>parte da linha de frente de enfretamento à doença não possuíam a estrutura ou</p><p>investimentos necessários, como por exemplo a política de saúde. No mercado de</p><p>trabalho, mesmo com as medidas de proteção, a “revisão feita pelo IBGE mostra</p><p>que o número de desempregados ultrapassou os 15,2 milhões no primeiro trimestre”</p><p>de 2021 (ZANOBIA, 2021). A área da educação similarmente enfrentou desafios</p><p>para a permanência das aulas, e, tendo em vistas as desigualdades de acesso à</p><p>educação remota, precisou reorganizar o formato de aula e de atendimento dos</p><p>alunos para evitar atrasos no aprendizado.</p><p>Ou seja, a chegada da pandemia em nossas terras brasileiras se dá</p><p>sob um cenário catastrófico para trabalhadores/as, devido às</p><p>sucessivas contrarreformas realizadas desde o início dos anos 1990</p><p>provocando uma verdadeira desertificação nos direitos sociais, ainda</p><p>mais acirradas no pós-golpe 2016, que se soma às atitudes</p><p>negacionistas de enfrentamento à pandemia por parte do Governo</p><p>Bolsonaro, o que aprofunda ainda mais as medidas neoliberais,</p><p>mostrando que “estamos vivendo em fogo cruzado de múltiplas</p><p>agendas reacionárias” (LOLE et al., 2020 apud MAURIEL, 2020, p.</p><p>250)</p><p>Em suma, a pandemia da COVID-19 evidenciou de forma clara como a crise</p><p>já existente no interior do estado foi intensificada pelas medidas neoliberais. A perda</p><p>de empregos, o aumento dos preços dos produtos essenciais e a vulnerabilidade</p><p>extrema dos trabalhadores precarizados são reflexos diretos dessa abordagem</p><p>política. Urge, portanto, a implementação de medidas mais inclusivas e</p><p>redistributivas, que garantam a proteção social e o sustento digno para toda a</p><p>população, especialmente nas regiões mais afetadas pela crise.</p><p>2.3.1. O Auxílio Emergencial</p><p>Em um país onde o sistema de proteção social estava fragilizado devido a</p><p>adoção da cartilha ultraneoliberal, a pandemia da COVID-19 teve um impacto</p><p>contundente, principalmente para a população mais pobre. A morosidade na</p><p>resposta às necessidades objetivas da população provocou que fossemos o país</p><p>mais impactado pela doença na América Latina e Caribe e o terceiro no mundo</p><p>91</p><p>(WORLD BANK, 2022). Dito isso, novas e mais eficientes respostas passaram a ser</p><p>cobradas pelo conjunto da população.</p><p>No mundo todo, países adotaram medidas para conter o avanço da doença, e</p><p>mitigar os efeitos socioeconômicos provocados pela mesma. Na América Latina, 23</p><p>países haviam adotado novos programas de transferência monetária, sendo a</p><p>medida mais implementada na região, - desses, 14 países instituíram programas</p><p>que abrangiam “trabalhadores informais, autônomos ou outras categorias que</p><p>trabalhavam por conta própria” logo em seguida estavam as medidas de aumento no</p><p>valor dos programas já executados pelos países (CEPAL, 2020 apud MAURIEL,</p><p>2020, p. 246-247). Após o atraso na adoção de medidas de enfrentamento a</p><p>doença, como a aquisição de vacinas, adesão a medidas de distanciamento social e</p><p>a relutância em conceder um auxílio de impacto real para além de R$200,00</p><p>(CASSIN, 2022), o governo anunciou a aplicação da renda básica emergencial:</p><p>Desconsiderando a demanda da sociedade organizada e do</p><p>Parlamento, o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (2019-2022),</p><p>pressionado por movimentos de várias associações civis,</p><p>economistas, cientistas sociais e pessoas afetadas pela pobreza e</p><p>desemprego, lançou, em 7 de abril de 2020, um programa de</p><p>transferência monetária denominado Auxílio Emergencial, versão</p><p>2020, chegando a atender, segundo o Portal da Transparência do</p><p>Governo Federal, a 68.234.466 pessoas e, posteriormente, a versão</p><p>2021, reduzindo para quase a metade o atendimento, alcançando</p><p>somente 39,3 milhões de pessoas, segundo o Ministério da</p><p>Cidadania do Governo Federal. O Benefício Emergencial foi</p><p>altamente focalizado, tendo como objetivo mitigar a situação</p><p>crescente de desemprego, de perda de renda e avanço da pobreza e</p><p>da fome em segmentos desempregados e trabalhadores informais</p><p>sem qualquer proteção social por parte do Estado, tendo sido</p><p>implementado até outubro de 2021 (SILVA, 2022ª apud SILVA DA</p><p>SILVA, 2023, p. 189-190)</p><p>Criado em abril de 2020, o auxílio emergencial tinha como objetivo amenizar</p><p>os impactos socioeconômicos intensificados pela pandemia de COVID-19.</p><p>Regulamentado pela Lei 13.982/2020, previa o pagamento de uma renda básica</p><p>mensal para trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEIs),</p><p>autônomos e desempregados que se enquadrassem nos critérios estipulados</p><p>(MUSTAFA, 2022). Inicialmente, o auxílio emergencial foi concedido no valor de R$</p><p>600,00 por mês, podendo duas pessoas na família receberem ou até a parcela de</p><p>R$ 1.200,00 em casos de mães solteiras por um período de 3, estendido para 6</p><p>92</p><p>meses. Esse valor foi reduzido para R$300,00 no Auxílio Emergencial Extensão para</p><p>aumento da vigência entre os meses de setembro e dezembro de 2020. Retomado</p><p>em 2021 na segunda onda da COVID, o auxílio passou a um valor menor do que o</p><p>inicial com valores entre 150 e 375 reais.</p><p>De acordo com o Governo, o AE seria pago automaticamente aos</p><p>trabalhadores que atendessem às regras e que estivessem</p><p>cadastrados no CadÚnico e no PBF. Dados do MC do mês de agosto</p><p>de 2020 apontaram que 28,9 milhões de famílias, que correspondiam</p><p>a pouco mais de 76,04 milhões de pessoas, estavam inscritas no</p><p>CadÚnico. Desse universo do CadÚnico, 14,2 milhões de famílias</p><p>eram beneficiárias do PBF, das quais 661.012 famílias seguiram</p><p>recebendo apenas os benefícios do Programa, cuja folha de</p><p>pagamento totalizou um valor de quase R$ 108,4 milhões, com valor</p><p>médio de benefício de R$ 164,13 mensais por família. As demais</p><p>13,6 milhões de famílias beneficiárias do PBF passaram a receber</p><p>em seu lugar o AE, cuja folha de pagamento totalizou um valor</p><p>superior a R$ 15,1 bilhões, com valor médio de benefício de R$</p><p>1.115,56 por família. (BRANDT e CISLAGHI, 2020, p. 168)</p><p>A fim de solicitar o auxílio, os cidadãos precisavam se inscrever no aplicativo</p><p>oficial ou pelo site da Caixa Econômica Federal, responsável pela concessão do</p><p>auxílio. Após a análise dos dados fornecidos, a Caixa realizava o pagamento por</p><p>meio de depósito em contas bancárias ou por saque em agências ou casas lotéricas.</p><p>Mais uma vez prezando pela focalização nos casos de vulnerabilidade extrema,</p><p>houve a divulgação pelo Portal da Transparência de todas pessoas que tiveram</p><p>acesso ao auxílio e os casos de pessoas que receberam sem atender aos critérios</p><p>estabelecidos foram investigados e convocados a devolver o dinheiro. Até julho de</p><p>2020, o Ministério da Cidadania já havia “recuperado R$57,5 milhões” em benefícios</p><p>que haviam sido recebidos “indevidamente”, a medida foi defendida pelo ministro</p><p>Onyx Lorenzoni como um meio “para que os recursos cheguem a quem realmente</p><p>precisa” (GOV, 2020c).</p><p>Para além disso, houve demora na análise dos pedidos em conjunto com a</p><p>dificuldade das pessoas em relação ao acesso do aplicativo por motivos diversos</p><p>como incompatibilidade do aplicativo com o sistema de celulares mais antigos, a</p><p>falta de acesso à internet, ou mesmo a ausência de um celular. As populações mais</p><p>vulneráveis precisaram recorrer assim as agências da Caixa Econômica –</p><p>responsável pela gestão e transferência dos pagamentos –, e a equipamentos da</p><p>Assistência Social como os CRAS – apesar da suspensão dos procedimentos</p><p>93</p><p>operacionais e de gestão do PBF e do CadÚnico –, o que provocou filas,</p><p>aglomerações e lentidão no atendimento (JORNAL DA USP, 2020).</p><p>A grande maioria da população se viu impelida, em meio de uma</p><p>pandemia que exigia isolamento/distanciamento social, à</p><p>peregrinação aos equipamentos da Assistência Social, política</p><p>totalmente alijada deste processo, com funcionamento reduzido e</p><p>trabalhadores sem equipamentos de proteção individual (EPI)</p><p>adequados, em busca de uma inclusão do CadÚnico que passou a</p><p>ser restrito a agendamento prévio e cuja análise não seria realizada</p><p>durante a pandemia. Assim também em relação às agências da</p><p>CAIXA, onde se formaram filas intermináveis para acesso ao</p><p>benefício e, inclusive, para a solicitação do mesmo, considerando,</p><p>muitas vezes, a falta de acesso privado a equipamentos, como</p><p>computador ou celular com internet, e/ou de habilidade para uso</p><p>desses recursos, cuja “solução”, supostamente, foi dada mediante</p><p>convênio com os Correios. (BRANDT e CISLAGHI, 2020, p. 171-172)</p><p>Apesar dos atrasos, das controvérsias envolvendo a concessão de benefícios</p><p>e as fraudes, das reduções de valores, o auxílio emergencial foi fundamental para</p><p>garantir a sobrevivência de milhões de brasileiros, alcançando cerca de 68 milhões</p><p>de cidadãos que se viram desprotegidos num contexto de crise sanitária e</p><p>econômica. Além de ajudar as famílias a garantirem a alimentação e necessidades</p><p>básicas, a medida agradou ao mercado ao incentivar o consumo e alavancar as</p><p>taxas de crescimento econômico no ano de 2021 (GOV, 2022b). No quadro abaixo,</p><p>podemos perceber o alcance de cada fase do Auxílio Emergencial.</p><p>Quadro 1 - Concessão da renda básica emergencial por público</p><p>Fonte: GOV, 2021</p><p>Entretanto, não foi apenas com o incentivo ao consumo que o governo</p><p>buscou agradar o mercado, mas também através da financeirização do próprio</p><p>auxílio, que foi completamente gerido pela Caixa Econômica. Ademais, as autoras</p><p>Brandt e Cislaghi (2020) chamam atenção para as transferências totalizando mais</p><p>de 400 milhões de reais realizadas aos Correios, ao DATAPREV e a Caixa</p><p>Econômica estabelecendo contrato de prestação de serviços relativos ao Auxílio</p><p>94</p><p>Emergencial20. Isso sem mencionar o aumento expressivo de usuários do banco</p><p>digital, cujos dados agora podem ser utilizados para oferta de crédito, entre outros</p><p>serviços bancários.</p><p>Segundo a exposição de motivos da Medida Provisória (MP) Nº</p><p>982/202 automática de conta tipo poupança digital para viabilizar o</p><p>pagamento do auxílio emergencial mensal “promoveu a inclusão</p><p>financeira de grande parte da população, que passa a ter acessos a</p><p>serviços financeiros de forma eletrônica”. Segundo o presidente do</p><p>banco, a iniciativa possibilitou encontrar 36 milhões de “invisíveis”</p><p>que não tinham conta bancária. A partir desta iniciativa, a Caixa se</p><p>tornou o maior banco digital do mundo, com cerca de 120 milhões de</p><p>clientes. E, assim, a concessão de um benefício eventual revela-se</p><p>mais um capítulo útil ao processo de financeirização das políticas</p><p>sociais. (BRANDT e CISLAGHI, 2020, p. 168-169)</p><p>Sabemos que essa não é uma discussão facilmente esgotável, por esse</p><p>motivo nos limitamos a fazer uma breve exposição dos impactos da pandemia e da</p><p>implementação da renda básica emergencial para as populações mais vulneráveis</p><p>do país, compreendendo que uma parte da população no perfil para o recebimento</p><p>talvez não tenha conseguido o acesso por conta das dificuldades de acesso aos</p><p>meios de cadastramento. Em vista da discussão aqui explicitada, podemos ressaltar</p><p>que mesmo em um cenário pandêmico, atravessando uma crise sanitária e</p><p>socioeconômica, o Estado permaneceu fiel a implementação da cartilha neoliberal,</p><p>garantindo ao mercado e as empresas sempre o acordo mais vantajoso, mesmo que</p><p>em detrimento de toda uma população.</p><p>As tímidas, reticentes e retardatárias medidas federais seguiram a</p><p>mesma política ultraneoliberal já em curso: parcos recursos para a</p><p>saúde e para o auxílio emergencial e trilhões para bancos e</p><p>empresários, conforme aprovado no chamado “orçamento de guerra”</p><p>(EC nº 106/2020), que instituiu o “regime extraordinário fiscal,</p><p>financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade</p><p>pública nacional decorrente da pandemia”. (BOSCHETTI e</p><p>BEHRING, 2021, p. 77)</p><p>2.3.2. O Auxílio Brasil</p><p>20 Segundo as autoras, os Correios seriam responsáveis por auxiliar a população que não</p><p>conseguisse se cadastrar, a DATAPREV teria como função a análise dos beneficiários elegidos, além</p><p>de um sistema onde o beneficiário pudesse se informar, contestar a não concessão do benefício e</p><p>realizar o pagamento quando se tratasse de recebimento indevido, por fim a CAIXA seria responsável</p><p>pela criação e gestão do aplicativo, além de aumentar o horário de funcionamento. (BRANDT e</p><p>CISLAGHI, 2020)</p><p>95</p><p>Com a flexibilização das medidas de distanciamento social e o fim do auxílio</p><p>emergencial, a equipe de Bolsonaro anunciou um programa que iria substituir o</p><p>Bolsa Família. Ao implementar o programa, Bolsonaro, que sempre foi um crítico do</p><p>Bolsa Família, parecia ter um objetivo eleitoral mais profundo. Sua experiência com</p><p>o Auxílio Emergencial mostrou o potencial eleitoreiro que os programas de</p><p>transferência monetária poderiam ter, e o presidente decidiu investir nessa</p><p>aproximação no ano da eleição.</p><p>Esse é o desenho que deverá ser reeditado pelo “museu de grandes</p><p>novidades” do bolsonarismo com a proposta do programa Renda</p><p>Brasil ou Renda Cidadã, que inclusive patina, já que as únicas</p><p>formas que esse governo consegue pensar para financiar uma</p><p>ampliação da abrangência e dos valores do atual Bolsa Família,</p><p>tendo em vista garantir alguma legitimidade entre os pauperizados,</p><p>são fortemente regressivas e destrutivas de direitos. Querem manter</p><p>o teto de gastos a qualquer custo, e para isso cogitam se apropriar</p><p>de recursos do Fundeb, do seguro-desemprego, do abono salarial e</p><p>de outras rubricas. Tudo isso para financiar uma proposta</p><p>meramente eleitoreira e que fez brilhar os olhos presidenciais com o</p><p>sucesso da “Bolsa-Capitão” — o auxílio emergencial — nas</p><p>pesquisas de opinião para 2022. (BOSCHETTI e BEHRING, 2021, p.</p><p>80)</p><p>Em novembro de 2021, o Auxílio Brasil iniciou os pagamentos dos</p><p>beneficiários, dando fim à trajetória de 18 anos do Bolsa Família. Apesar da</p><p>legislação apresentar o programa como uma “uma etapa do processo gradual e</p><p>progressivo de implementação da universalização da renda básica de cidadania a</p><p>que se referem o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004”</p><p>(BRASIL, 2021), a legislação não estabeleceu formas de financiamento para além</p><p>do ano de 2022.</p><p>A interrupção do pagamento do auxílio emergencial foi seguida pela</p><p>instituição do Auxílio Brasil, um novo programa de transferência de</p><p>renda que substituiu o Programa Bolsa Família. Implementado de</p><p>forma arbitrária pela MP 1061/2021, sem qualquer debate nas</p><p>instâncias de controle social democrático, o programa representa um</p><p>retrocesso em relação ao Bolsa Família, na medida em que</p><p>desconfigura a articulação com a rede socioassistencial e delimita</p><p>um prazo para sua extinção, prevista para ocorrer em dezembro de</p><p>2022. (CASSIN, 2022, p. 28)</p><p>A defesa do programa afirma que a alteração foi motivada para que houvesse</p><p>o aumento do número de beneficiários e o valor do auxílio, entretanto “o valor</p><p>96</p><p>monetário dos benefícios do Bolsa Família não chegou, sequer, a ser atualizado nos</p><p>três anos do governo Bolsonaro” (SILVA E SILVA, 2023, p. 195). Além do benefício</p><p>financeiro mensal, o Auxílio Brasil buscou ofertar ações que pudessem “inserir</p><p>jovens e adultos no mercado de trabalho, articulando as políticas de assistência</p><p>social com as ações de inclusão produtiva, empreendedorismo e entrada na</p><p>economia formal” (GOV, 2021).</p><p>O público alvo do Auxílio Brasil é composto por famílias em situação</p><p>de extrema pobreza, com renda familiar mensal per capita de até R$</p><p>105,00 (US20,68); Famílias em situação de pobreza com renda</p><p>mensal familiar per capita de R$ 105,01 (US20,69) a R$ 210,00</p><p>(US41,37), devendo encontrarem-se inscritas no Cadastro Único do</p><p>governo federal, com informações atualizadas, considerando ainda</p><p>que as famílias em situação de pobreza e em regra de emancipação</p><p>só poderão ser incluídas se possuírem gestantes ou pessoas com</p><p>idade até 21 (vinte e um) anos incompletos na família. (SILVA E</p><p>SILVA, 2023, p. 198-199)</p><p>O programa seguiu critérios de renda e vulnerabilidade parecidos com o</p><p>programa que o antecedeu, entre outros pontos de convergência, como por exemplo</p><p>a necessidade de inscrição no Cadastro Único. No entanto, a forma como seu</p><p>aparato legal foi construído acaba por confundir os usuários, com valores e</p><p>benefícios diversos. Conforme Mauriel (2022, p.15) explicitou ao mapear a extensa</p><p>legislação elaborada para o programa que o “novo esquema de benefícios e auxílios</p><p>é mais complexo do que o Bolsa Família e com um caráter mais financeirizado”,</p><p>além de retornar as práticas de ações fragmentadas, com a diferença do “uso</p><p>de</p><p>aplicativo e da bancarização”. Aumentando a incerteza das famílias, a fragmentação</p><p>da política e consequentemente dificultando o acesso a mesma.</p><p>O PAB prevê ainda outros benefícios como: a) um benefício de</p><p>Inclusão Produtiva Rural e de Inclusão Produtiva Urbana,</p><p>direcionados para trabalhadores rurais e das grandes cidades em</p><p>atividade; b) um benefício Esporte Escolar, para famílias de atletas</p><p>estudantes de 12 a 17 anos de idade; e c) uma Bolsa de Iniciação</p><p>Científica Júnior, destinada a estudantes que tenham se destacado</p><p>em competições acadêmicas e científicas de abrangência nacional.</p><p>Trata-se de um conjunto de benefícios fragmentados, que atendem a</p><p>critérios de elegibilidade bem particulares e até mesmo estranhos à</p><p>proposta de proteção social. (AZEVEDO, SENNA, BARRETO, 2022,</p><p>p. 13)</p><p>97</p><p>A defesa da melhora da qualidade em busca da eficiência, menor</p><p>burocratização dos processos e modernização da política produz uma espécie de</p><p>legitimidade a tais formatos de política, com a defesa da focalização apenas nas</p><p>situações mais extremas de pobreza e no incentivo ao empreendedorismo e da</p><p>busca por formas de sustento para além do programa. Há poucos meses da eleição,</p><p>confirmando seu intento eleitoreiro com a execução do programa, o governo</p><p>Bolsonaro, aumentou o valor do auxílio de R$400 para R$600, com previsão apenas</p><p>até dezembro de 2022, incrementou o benefício para aquisição de gás de cozinha e</p><p>incluiu um auxílio para caminhoneiros autônomos de R$1.000,00. Críticos acreditam</p><p>que se trata de uma estratégia “para tentar reverter a queda da sua popularidade e</p><p>dizem que o novo pacote social seria uma medida desesperada para ele tentar se</p><p>reeleger” (BBC, 2022).</p><p>As ações executadas não foram suficientes, pois a vitória nas urnas foi do</p><p>candidato impedido de concorrer em 2018. Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a</p><p>presidência pela terceira vez em janeiro de 2023 e anunciou a partir do momento em</p><p>que os resultados das urnas foram divulgados que iria recriar o Programa Bolsa</p><p>Família. Bolsonaro foi o primeiro presidente a tentar a reeleição e não conseguir</p><p>desde que a reeleição foi instituída em lei (CNN, 2022).</p><p>2.4 – O novo Programa Bolsa Família</p><p>Retornando à presidência para exercer seu terceiro mandato, Lula revogou a</p><p>lei que deu origem ao Auxílio Brasil e sancionou nova lei criando o novo Bolsa</p><p>Família, que tem algumas diferenças em relação ao primeiro projeto. Entre as</p><p>principais diferenças temos o aumento do valor, Lula estabeleceu o valor mínimo do</p><p>Novo Bolsa em R$600,00 com acréscimo de R$150,00 para cada criança abaixo de</p><p>7 anos. E posteriormente anunciou um benefício adicional de R$50,00 para cada</p><p>dependente de 7 a 18 anos e a gestantes e lactantes (GOV, 2023).</p><p>Segundo a cartilha do programa elaborada pelo Ministério de</p><p>Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, algumas das</p><p>abordagens que serão adotadas envolvem a correção do Cadastro Único com vistas</p><p>a focalizar nos mais vulneráveis e o foco na nova geração para “promover as</p><p>transformações que queremos” (MDS, 2023). O Novo Bolsa Família alterou a regra</p><p>de permanência, que agora se chama Regra de Proteção, mas reduziu o valor em</p><p>98</p><p>50%, mantido o recebimento do benefício por 2 anos, além de manter o retorno</p><p>garantido que já era uma modalidade presente no programa Bolsa Família antigo.</p><p>A renda limite de entrada recebeu um aumento para R$218,00 por pessoas</p><p>para identificar as famílias elegíveis. Entre as condicionalidades, há o retorno do</p><p>esquema vacinal, da realização de pré-natal pelas gestantes, o acompanhamento do</p><p>estado nutricional agora é necessário apenas para crianças até 7 anos e a</p><p>frequência escolar também sofreu alterações: mínimo de 60% para crianças de 4-5</p><p>anos e de 75% de 6-18 (MDS, 2023).</p><p>Por se tratar de alterações recentes, ainda não há uma vasta literatura acerca</p><p>do assunto, e o programa ainda está passando por alterações e ajustes, como por</p><p>exemplo o Benefício Variável que só começou a ser pago em junho de 2023 (GOV,</p><p>2023). Mas cabe ressaltar que apesar do aumento dos valores dos benefícios e da</p><p>renda de corte para R$218,00 ainda prevalece a lógica de focalização para os</p><p>indivíduos mais pobres, a fim de alcançar aquele que “mais precisam”. Comparado</p><p>com o obscurantismo passado, são terrenos melhores que encontramos com</p><p>possibilidades para o desenvolvimento de um sistema de seguridade social,</p><p>entretanto, para isso é necessário enxergar a política de proteção social para além</p><p>de ações focalizadas, pontuais e compensatórias.</p><p>99</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>A análise das políticas de transferência monetária revela uma jornada</p><p>complexa e multifacetada através das intrincadas teias do neoliberalismo, das</p><p>dinâmicas políticas e das crises socioeconômicas. Desde os debates iniciais sobre a</p><p>criação de uma renda básica universal até a implementação de políticas de</p><p>transferência de renda condicionada para os mais pobres, revela a preocupação</p><p>com o combate da pobreza, embora não com a estrutura que a causa.</p><p>Desde as poor laws elisabetanas no século XVII, já se observava a adoção de</p><p>práticas condicionadas e estigmatizantes de mitigação das situações de pobreza, de</p><p>forma individualizada e moralizante. No entanto, a partir dos modelos bismarckiano</p><p>na Alemanha e do Welfare State na Inglaterra, surgiu a ideia do Estado como</p><p>provedor e gestor de políticas de proteção social, buscando garantir a construção de</p><p>um sistema com práticas universais.</p><p>A influência dos modelos de segurança social na Europa acaba se</p><p>entrelaçando com as práticas de transferência de renda condicionadas nos países</p><p>da América Latina, incentivados por organismos internacionais, que disseminam os</p><p>valores e as práticas neoliberais como forma de sanar a crise da dívida e o</p><p>desemprego vivido pelos países periféricos e inseri-los na economia mundial.</p><p>Nessas primeiras fases do neoliberalismo na América Latina, as políticas de</p><p>austeridade, privatizações e cortes nos serviços essenciais atingiram a plenitude da</p><p>classe trabalhadora e fragilizaram os parcos sistemas de proteção.</p><p>No Brasil, vimos a implementação de políticas neoliberais durante o governo</p><p>de Fernando Henrique Cardoso, que adotou as medidas neoliberais e direcionou</p><p>recursos para o pagamento de juros e amortização da dívida. A ascensão de</p><p>governos de esquerda na América Latina, como por exemplo, o de Lula no Brasil</p><p>não significou o rompimento com as práticas neoliberais. Apesar do discurso social,</p><p>eles ainda destinaram uma parte significativa dos recursos públicos para o</p><p>pagamento da dívida, perpetuando a lógica da priorização financeira. Inclusive a</p><p>expansão das experiências de transferência monetária reforça as práticas</p><p>focalizadas de combate à pobreza, preconizada pelos organismos multilaterais que</p><p>chegam mascaradas através do compromisso com os objetivos de desenvolvimento</p><p>sustentável, por exemplo.</p><p>O Programa Bolsa Família surge como um exemplo paradigmático nesse</p><p>contexto. Reconhecido e elogiado por organizações internacionais, se trata de uma</p><p>100</p><p>política extremamente necessária, pois ajuda as famílias mais pobres a garantirem</p><p>sua sobrevivência. Entretanto a postura adotada pelos governos priorizou a</p><p>alocação de recursos na execução de programas focalizados na população mais</p><p>vulnerável em detrimento de políticas universais, que continuaram sofrendo cortes.</p><p>Com o golpe de 2016 e a ascensão do governo ilegítimo de Michel Temer, se</p><p>inicia uma fase de radicalização das políticas neoliberais. Se intensificaram os</p><p>ataques às políticas de seguridade social, com cortes na educação, saúde e</p><p>assistência, além de reformas trabalhistas e implementação do teto de gastos. O</p><p>ultraneoliberalismo, em conjunto com o crescimento global de partidos de extrema</p><p>direita, influenciou a ascensão de Jair Bolsonaro no Brasil, cujas medidas, como a</p><p>reforma da previdência, tiveram</p><p>per capita limite –, o Bolsa Família se tornou parte significativa</p><p>da composição de renda para muitas famílias. Em dez anos de existência, o</p><p>programa reuniu diversos elogios internacionais de órgãos como a Organização das</p><p>Nações Unidas (ONU), a Associação Internacional de Seguridade Social (ISSA) e o</p><p>Banco Mundial.</p><p>Segundo dados da SAGI (2021), em outubro de 2021, último mês em que o</p><p>Bolsa Família esteve ativo, em meio a um cenário pandêmico mundial e diversas</p><p>controvérsias quanto a quarentena e ao auxílio emergencial, 14.654.783 famílias</p><p>receberam o benefício. Segundo esse mesmo relatório, tem-se na base de dados</p><p>um total de 81.115.898 pessoas cadastradas, cerca de 38% da população do país e</p><p>126% da totalidade de famílias com o perfil do Cadastro Único, o que reforça a</p><p>importância desse sistema para o mapeamento dos desafios enfrentados pela</p><p>população brasileira e para a construção de políticas que atendam às necessidades</p><p>dessa.</p><p>O Programa Bolsa Família apresenta números positivos, destaque na criação</p><p>de uma rede de atuação intersetorial e, até mesmo, uma redução do número de</p><p>brasileiros na extrema pobreza. Entretanto, se sustém o questionamento acerca do</p><p>aumento do percentual dos gastos sociais investido em políticas de transferência de</p><p>renda em detrimento da diminuição dos gastos e investimentos em políticas públicas</p><p>como educação e saúde (LAVINAS, 2014).</p><p>Para nos aprofundarmos na temática abordada, nos debruçamos sobre as</p><p>especificidades dos programas de transferência monetária e sobre a origem do</p><p>Programa Bolsa Família a partir do movimento sócio-histórico brasileiro que levou a</p><p>sua criação, unificando outras políticas já existentes. Dentro desse campo, não</p><p>podemos deixar de mencionar o estudo das legislações e dos documentos</p><p>normativos que esclarecem o desenho institucional e a aplicabilidade do programa.</p><p>Por se tratar de uma abordagem qualitativa, buscamos desenvolver um extenso</p><p>levantamento e investigação bibliográfica de autores que analisam as políticas de</p><p>13</p><p>transferência de renda e a centralidade da Política de Proteção Social nos “mínimos</p><p>sociais”, abarcando o histórico dessas políticas no país.</p><p>A fim de estabelecer um embasamento teórico sólido para a análise crítica da</p><p>relação entre programas de transferência monetária e políticas universais de</p><p>proteção social, será apresentada uma contextualização sobre a renda básica</p><p>universal. Através dessa abordagem, buscaremos um entendimento aprofundado</p><p>acerca da conjuntura histórica que permitiu o surgimento e a consolidação desses</p><p>programas na América Latina e como essas práticas se relacionam com a luta por</p><p>uma proteção social mais abrangente.</p><p>Contudo, é importante salientar que, em meio a um contexto de radicalização</p><p>do neoliberalismo, as políticas de transferência monetária enfrentam desafios</p><p>significativos. Nesse sentido, será explorada a dinâmica de desmonte de direitos em</p><p>um contexto de ajuste fiscal ultraneoliberal. Essa análise crítica permitirá</p><p>compreender como as políticas de transferência monetária se relacionam com a</p><p>lógica neoliberal predominante e suas implicações na eficácia das políticas</p><p>universais de proteção social.</p><p>No Capítulo 1, abordaremos o debate acerca da renda mínima, renda básica</p><p>universal e transferência de renda, a fim de compreender as diferentes abordagens</p><p>e perspectivas sobre o tema. Além disso, faremos um breve histórico das políticas</p><p>de transferência monetária na América Latina, destacando as primeiras iniciativas de</p><p>transferência monetária no Brasil, buscando compreender as motivações e impactos</p><p>dessas políticas. Em seguida, abordaremos a experiência da expansão dessas</p><p>práticas através do Programa Bolsa Família durante os governos petistas,</p><p>analisando seus impactos e desafios.</p><p>No Capítulo 2, direcionaremos nosso olhar para o cenário mais recente,</p><p>marcado pelo ultraneoliberalismo e pela pandemia do COVID-19, explorando a</p><p>relação entre o ultraneoliberalismo, a transferência monetária e a gestão da força de</p><p>trabalho durante a pandemia. Analisaremos o contexto do golpe de 2016, o ajuste</p><p>fiscal e a expropriação de direitos sociais no Brasil, compreendendo as implicações</p><p>desses acontecimentos nas políticas sociais, incluindo o Programa Bolsa Família,</p><p>em um cenário de intensificação do ultraneoliberalismo. Além disso, nos</p><p>debruçaremos sobre os desafios enfrentados pelo Programa Bolsa Família durante o</p><p>governo Bolsonaro, analisando as mudanças e as perspectivas para essa política de</p><p>transferência monetária em meio a uma pandemia. Destacaremos as medidas</p><p>14</p><p>emergenciais adotadas, como o Auxílio Emergencial, e discutiremos os impactos</p><p>dessas políticas na vida dos trabalhadores e da população em situação de</p><p>vulnerabilidade social.</p><p>Ao longo deste trabalho, buscaremos uma análise crítica da implementação</p><p>dos programas de transferência monetária como forma única e central de “combate</p><p>à pobreza” nos sistemas de proteção social em detrimento das políticas universais,</p><p>levando em consideração as especificidades do contexto brasileiro, as influências do</p><p>neoliberalismo e do capitalismo dependente. Com base nas análises e reflexões</p><p>aqui apresentadas, esperamos contribuir para a compreensão dos programas de</p><p>transferência monetária no Brasil e para fomentar o debate sobre políticas públicas e</p><p>a construção de um sistema de proteção social mais inclusivo e efetivo no Brasil.</p><p>15</p><p>CAPÍTULO 1 – TRANSFERÊNCIA MONETÁRIA, CAPITALISMO DEPENDENTE E</p><p>NEOLIBERALISMO: O caso brasileiro</p><p>Para nos aprofundarmos na análise dos programas de transferência</p><p>monetária, precisamos primeiro compreender a própria dinâmica do surgimento e</p><p>desenvolvimento dos sistemas de proteção social nos países e as especificidades</p><p>que levaram a adoção de políticas de renda mínima1.</p><p>Nesse sentido, desenvolveremos um breve resgate histórico das primeiras</p><p>tentativas de uma aproximação a uma política de renda básica universal.</p><p>Compreendendo também o significado dos conceitos utilizados e a sua origem. Em</p><p>seguida, nos debruçaremos sobre as experiências de políticas de transferências de</p><p>renda na América Latina, inspiradas por essa teoria político-econômica. Por fim,</p><p>abordando o desenvolvimento do sistema de proteção social brasileiro e a adoção</p><p>de um programa de transferência monetária a nível nacional, perpassando o</p><p>contexto político, social e econômico que atravessou o processo de constituição e</p><p>desenvolvimento desse sistema.</p><p>1.1 - O debate acerca da renda mínima, renda básica universal, transferência</p><p>de renda</p><p>No tempo presente, em que o capitalismo precisa novamente encontrar</p><p>formas de extrair o máximo de lucro e subsistir através das crises cíclicas –</p><p>provocadas pelo seu próprio desenvolvimento – que cada vez apresentam um</p><p>intervalo menor de tempo entre elas, a classe trabalhadora sofre com o</p><p>recrudescimento das condições de vida e a exploração extenuada de suas forças.</p><p>Nesse ínterim, o debate sobre o estabelecimento da Renda Básica Universal volta a</p><p>ganhar força, com defensores nos mais diversos espectros políticos.</p><p>Os argumentos contra a implementação da renda básica universal envolvem</p><p>desde a preocupação com o aumento dos gastos públicos até a inquietação com as</p><p>taxações que seriam necessárias para que uma política desse porte, seja</p><p>implementada. Os críticos também apontam que esse sistema provocaria</p><p>1 Sabemos, entretanto, que não é possível esgotar esse tema em poucas linhas, por esse motivo, nos</p><p>propomos a organizar um panorama geral sobre o surgimento e expansão dos programas de</p><p>transferência monetária, não buscando aqui concluir o debate, apenas explicitar alguns fatores que</p><p>trarão luz a nossa tese.</p><p>16</p><p>desestímulo ao trabalho e, para evitar que isso ocorra, os direitos sociais devem ser</p><p>vinculados ao trabalho.</p><p>Para além disso, outro fator que há em</p><p>impactos drásticos para a classe trabalhadora.</p><p>A pandemia de COVID-19 trouxe à tona as consequências de anos de</p><p>desmantelamento de serviços públicos essenciais. A relutância do governo</p><p>Bolsonaro em aderir às medidas de distanciamento social e aquisição de vacinas e o</p><p>discurso anticientífico exacerbaram uma crise de saúde pública, resultando em uma</p><p>devastadora perda de vidas. A resposta governamental, tardiamente, se expressou</p><p>principalmente na instituição da renda básica emergencial, mais como uma medida</p><p>de proteção econômica do que propriamente social, enquanto o governo lança mão</p><p>de um conjunto de políticas protecionistas para a economia.</p><p>A mudança no programa de transferência de renda, com a revogação do</p><p>Bolsa Família e a criação do Auxílio Brasil, revelou-se como um movimento político</p><p>que buscava influência nas eleições, embora não tenha alcançado o sucesso</p><p>esperado. Por fim, a vitória de Lula nas eleições e o retorno do programa Bolsa</p><p>Família, com valores aumentados e uma maior focalização, apontam entre avanços</p><p>democráticos e políticos, uma continuidade com a tendência de focalização das</p><p>ações na extrema pobreza.</p><p>O debate acerca das políticas de transferência monetária, ilustrado pelo</p><p>estudo aqui feito sobre o Programa Bolsa Família no Brasil é uma narrativa que</p><p>envolve política, economia, lutas sociais e ideologias contrastantes. É um reflexo das</p><p>complexidades inerentes a uma nação periférica, dependente e que se comporta</p><p>economicamente de acordo com os caprichos do capital, tentando equilibrar as</p><p>exigências de desenvolvimento econômico com a reprodução da força de trabalho,</p><p>sem causar grandes choques que possam levar a um questionamento e possível</p><p>superação da ordem.</p><p>101</p><p>Em suma, a jornada delineada por diferentes fases do neoliberalismo,</p><p>governos de diferentes orientações e eventos apocalípticos como a pandemia,</p><p>culmina em uma oportunidade de redefinir o papel dessas políticas no futuro do</p><p>Brasil. A construção de uma sociedade mais igualitária requer uma abordagem</p><p>multifacetada que vá além de ajustes econômicos e pagamento dos juros e</p><p>amortizações</p><p>Embora as políticas de transferência monetária alcancem algum sucesso em</p><p>sua trajetória, mesmo que através da garantia do mínimo a indivíduos expropriados</p><p>de seus direitos. É imperativo se considerar abordagens universais para políticas</p><p>sociais que não apenas aliviem a pobreza, mas também alterem as estruturas,</p><p>garantam direitos sociais universais. O futuro traz desafios contínuos, mas também</p><p>uma oportunidade de redesenhar estratégias que promovam a emancipação</p><p>humana.</p><p>102</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>"ECONOMIA não pode parar", diz Bolsonaro ao setor produtivo brasileiro. GOV,</p><p>2020b. Disponível em: <https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-</p><p>planalto/noticias/2020/03/economia-nao-pode-parar-diz-bolsonaro-ao-setor-</p><p>produtivo-brasileiro>.</p><p>ALMADA LIMA, V. F. S. de. Contexto sócio-histórico da emergência e</p><p>desenvolvimento dos PTRC na América Latina e Caribe. Revista de Políticas</p><p>Públicas, São Luís, número especial, p. 201-208, nov. 2016. Disponível em:</p><p><https://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rppublica/article/view/5969/3593>.</p><p>AMARAL, C.; RAMOS, S. 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Altera dispositivos da Lei n o 6.019,</p><p>de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas</p><p>urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa</p><p>de prestação de serviços a terceiros. Brasília, DF: Presidência da República, 2017b.</p><p>Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-</p><p>2018/2017/lei/l13429.htm>.</p><p>105</p><p>BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do</p><p>Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis</p><p>n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de</p><p>julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Brasília,</p><p>DF: Presidência da República, 2017c. Disponível em:</p><p><https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>.</p><p>BRASIL. Lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019. Institui o Programa Especial para</p><p>Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade, o Programa de Revisão de</p><p>Benefícios por Incapacidade, o Bônus de Desempenho Institucional por Análise de</p><p>Benefícios com Indícios de Irregularidade do Monitoramento Operacional de</p><p>Benefícios e o Bônus de Desempenho Institucional por Perícia Médica em</p><p>Benefícios por Incapacidade. Brasília: Presidência da República, 2019b. Disponível</p><p>em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13846.htm>.</p><p>BRASIL. Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020. Altera a Lei nº 8.742, de 7 de</p><p>dezembro de 1993, para dispor sobre parâmetros adicionais de caracterização da</p><p>situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao benefício de</p><p>prestação continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção social</p><p>a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde</p><p>pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19)</p><p>responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de</p><p>2020. Brasília: Presidência da República, 2020c. Disponível em:</p><p><https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13982.htm>.</p><p>BRASIL. Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021. Institui o Programa Auxílio</p><p>Brasil e o Programa Alimenta Brasil; define metas para taxas de pobreza; altera a</p><p>Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993; revoga a Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de</p><p>2004, e dispositivos das Leis nos 10.696, de 2 de julho de 2003, 12.512, de 14 de</p><p>outubro de 2011, e 12.722, de 3 de outubro de 2012; e dá outras providências.</p><p>Brasília: Presidência da República, 2021. Disponível em:</p><p><https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14284.htm>.</p><p>BRASIL. Lei nº 14.601, de 19 de junho de 2023. Institui o Programa Bolsa Família;</p><p>altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência</p><p>Social), a Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a</p><p>autorização para desconto em folha de pagamento, e a Lei nº 10.779, de 25 de</p><p>novembro de 2003; e revoga dispositivos das Leis nºs 14.284, de 29 de dezembro</p><p>de 2021, e 14.342, de 18 de maio de 2022, e a Medida Provisória nº 1.155, de 1º de</p><p>janeiro de 2023. Brasília: Presidência da República, 2023. Disponível em:</p><p><https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/Lei/L14601.htm>.</p><p>BRASIL. Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990. Cria o Programa Nacional de</p><p>Desestatização, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1990.</p><p>Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8031.htm>.</p><p>BRASIL. Lei nº 8.944, de 25 de novembro de 1994. Autoriza a Companhia Nacional</p><p>de Abastecimento - CONAB, a doar às populações carentes quatrocentas mil</p><p>toneladas de alimentos, de acordo com o Programa de Distribuição Emergencial de</p><p>Alimentos – PRODEA. Brasília: Senado Federal, 1994. Disponível em: <</p><p>https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1989_1994/l8944.htm#:~:text=LEI%20N%C</p><p>2%BA%208.944%2C%20DE%2025%20DE%20NOVEMBRO%20DE%201994.&text</p><p>=Autoriza%20a%20Companhia%20Nacional%20de,Distribui%C3%A7%C3%A3o%2</p><p>0Emergencial%20de%20Alimentos%20%2D%20PRODEA.>.</p><p>106</p><p>BRASIL. Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997. Altera procedimentos relativos ao</p><p>Programa Nacional de Desestatização, revoga a Lei n° 8.031, de 12 de abril de</p><p>1990, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1997. Disponível</p><p>em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9491.htm>.</p><p>BRASIL.</p><p>Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre o serviço voluntário</p><p>e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1998a. Disponível:</p><p><https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9608.htm>.</p><p>BRASIL. Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998.Conversão da MP nº 1.648-7, de</p><p>1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a</p><p>criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades</p><p>que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras</p><p>providências. Brasília: Presidência da República, 1998b. Disponível em:</p><p><https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9637.htm>.</p><p>BRASIL. Medida Provisória nº 2.203, de 8 de agosto de 2001. Institui o Programa</p><p>Bolsa-Renda para atendimento à população atingida pelos efeitos da estiagem,</p><p>incluída na Região do Semi-Árido, e dá outras providências. Brasília: Presidência da</p><p>República, 2001b. 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Institui o Programa</p><p>Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas</p><p>trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública</p><p>reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da</p><p>emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do</p><p>coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dá</p><p>outras providências. Brasília: Presidência da República, 2020b. Disponível em:</p><p><https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv936.htm>.</p><p>http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.491-1997?OpenDocument</p><p>107</p><p>BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência</p><p>da República, Câmara da Reforma do Estado, Ministério da Administração Federal e</p><p>Reforma do Estado, 1995. 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Disponível em:</p><p><https://documents1.worldbank.org/curated/en/624291468152712936/pdf/766500JR</p><p>N0WBRO00Box374385B00PUBLIC0.pdf>.</p><p>ZANOBIA, L. IBGE: Desemprego durante a pandemia foi maior que o estimado.</p><p>Revista Veja, 2021. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/economia/ibge-</p><p>desemprego-durante-a-pandemia-foi-maior-que-o-estimado</p><p>torno da implementação da RBU</p><p>consiste na complexidade do processo de transferência de dinheiro para todos os</p><p>cidadãos de uma comunidade e os gastos necessários para que esse processo</p><p>ocorra. Também se debate sobre a possível inflação que seria gerada pela</p><p>distribuição “gratuita” de dinheiro e se, com a alta dos preços, o valor seria o</p><p>suficiente para aquilo que se propõe.</p><p>Por último, há um receio de que a renda básica universal rivalizaria com</p><p>outras políticas sociais, dado a necessidade de um alto custo de investimento e a</p><p>crença de que não haveria orçamento suficiente para comportar o sistema de</p><p>proteção social junto à distribuição de uma renda incondicional a todos os cidadãos.</p><p>Nesse sentido, os opositores a essa proposta argumentam que seriam necessários</p><p>cortes em outros aparatos do Estado e provavelmente esses cortes acabariam por</p><p>ser realizados nas políticas sociais como saúde e educação.</p><p>Por outro lado, os teóricos que defendem a execução desse sistema apontam</p><p>diversos pontos que seriam favoráveis tanto para a economia, quanto para os</p><p>cidadãos que estariam recebendo essa renda. Philippe Van Parijs, filósofo e</p><p>economista político belga conhecido como principal defensor da renda básica</p><p>universal, aponta que esse sistema promove uma maior liberdade individual e que</p><p>uma sociedade justa consiste em uma sociedade livre, que satisfaz todas as</p><p>seguintes condições:</p><p>(a) a existência de uma estrutura de direitos solidamente garantida</p><p>(condição de segurança); (b) essa estrutura é de tipo a permitir que</p><p>cada pessoa seja proprietária de si mesma (condição de propriedade</p><p>de si mesmo); e (c) essa estrutura é de tipo a permitir que cada</p><p>pessoa tenha a maior oportunidade possível de fazer o que quer que</p><p>deseje (condição de oportunidade "leximin" [ou maximin</p><p>lexicográfico]) (PARIJS, 1994, p. 71).</p><p>Guy Standing, economista trabalhista britânico discorre sobre a RBU em sua</p><p>obra “Basic Income: And How We Make It Happen (2017) ”, ele afirma que uma</p><p>renda básica diminuiria a pobreza sem estigmatizar os indivíduos que a recebem e</p><p>os fazer suplicantes. Segundo ele, “o estigma associado com testes de transferência</p><p>de recursos [...] significa que muitas pessoas realmente necessitadas não solicitam</p><p>17</p><p>assistência, por orgulho, medo ou ignorância” (STANDING, 2017, p. 55, tradução</p><p>nossa).</p><p>Entre outros argumentos favoráveis à RBU, apresentam a facilitação da</p><p>burocracia, sem a necessidade de verificar a elegibilidade de todos os usuários que</p><p>a utilizam. Concomitantemente, defende-se que a renda básica universal aumentaria</p><p>a capacidade de negociação dos trabalhadores com os empregadores, visto que não</p><p>dependeriam inteiramente daquela renda fixa de trabalho.</p><p>Para melhor incorporação do conceito de renda básica universal, iremos</p><p>utilizar a explicitação de Juliana Uhuru Bidadanure, que esclarece de forma clara e</p><p>objetiva as características que uma política de renda básica universal. Segundo a</p><p>ela, a renda básica universal difere dependendo das ideologias políticas e ideais de</p><p>governo, mas todas têm em comum cinco características, “são distribuídas em</p><p>dinheiro, regularmente, individualmente, incondicionalmente e universalmente”</p><p>(BIDADANURE, 2019, p.483, tradução nossa).</p><p>Segundo Bidadanure (2019, p. 485), a transferência direta em dinheiro é</p><p>largamente defendida como a melhor opção ao invés da distribuição de bens ou</p><p>vales de alimentos, visto que os beneficiários podem escolher o que será comprado</p><p>com o valor recebido e, também, é positivo para economia ao transformá-los em</p><p>consumidores sem interferir no mercado. Apesar de alguns defensores acreditarem</p><p>que a transferência de um único valor deva se realizar uma única vez, em sua</p><p>maioria eles defendem a transferência regular e periódica para evitar que a pessoa</p><p>viva em miséria absoluta em algum momento de sua vida.</p><p>Ao contrário dos sistemas de transferência de renda condicional – que</p><p>normalmente se baseiam na renda familiar –, o consenso entre as diferentes</p><p>propostas da renda básica universal defende que o benefício seja individual. Dessa</p><p>forma, mulheres desempregadas, adolescentes e crianças também teriam o direito</p><p>de receber, independentemente da renda do ambiente doméstico. Alguns2 defendem</p><p>que a instituição de uma renda básica universal pode servir como meio de</p><p>2 Em uma pesquisa da UN WOMEN, Claire Simon (2019) afirmou que existem poucas pesquisas e</p><p>relatórios sobre o efeito das transferências monetárias na vida de mulheres em países em</p><p>desenvolvimento e cenários humanitários. Destacamos que a autora não debate sobre a renda básica</p><p>universal em si, mas reconhece a importância e o potencial das transferências monetárias ao apontar</p><p>algumas evidências que sugerem que o dinheiro pode aumentar a possibilidade da mulher de</p><p>participar nos processos de decisão domésticas, além de contribuir para atrasar o casamento e a</p><p>gravidez na adolescência. Simon também afirma que, a depender dos parâmetros adotados, esses</p><p>programas podem contribuir com o reforço dos estereótipos de gênero ou oferecer melhorias no que</p><p>concerne ao empoderamento econômico de mulheres.</p><p>18</p><p>empoderamento das mulheres, além de uma forma de compensar minimamente</p><p>pelo trabalho não remunerado3.</p><p>A incondicionalidade consiste na ausência de contrapartidas a serem</p><p>cumpridas pelos indivíduos que recebem a RBU. Não há sanções por falhar em</p><p>cumprir algum requisito ou por estar apto para o trabalho, “[...] essa característica se</p><p>concentra nas noções de liberdade, escolha, dignidade e equidade” (BIDADANURE,</p><p>2019, p. 485, tradução nossa). Por último, a característica da universalidade implica</p><p>que o valor deve ser pago a todas as pessoas de uma comunidade, sem recorte de</p><p>renda per capita. O argumento principal é o de tirar o estigma e o preconceito dos</p><p>que recebem o benefício e diminuir a complexidade dos processos que definem a</p><p>elegibilidade, visto que cada cidadão receberia automaticamente.</p><p>Muitos apontam a implementação da Renda Básica Universal (RBU) como</p><p>uma solução para o pauperismo e até para a desigualdade social no mundo. De fato,</p><p>essa teoria serviu de fonte de inspiração para grande parte dos programas de</p><p>transferência monetária, implantados em diferentes países. Entretanto, essa</p><p>discussão não é recente, dividindo opiniões há séculos, essa política é, muitas</p><p>vezes, vista como uma utopia inalcançável.</p><p>Nessa matéria vós procedeis - e como vós, muitos outros fazem o</p><p>mesmo, tanto na Inglaterra como em outros lugares - imitando os</p><p>maus professores, que preferem bater nos alunos a dar lhes lições.</p><p>Os ladrões são condenados a um suplício cruel e atroz, quando seria</p><p>preferível assegurar a subsistência de cada um, de maneira a que</p><p>ninguém se encontrasse diante da necessidade de roubar para ser,</p><p>em seguida, executado (MORE, 1516, p.13).</p><p>Esse trecho de um livro fictício que descreve a ilha de Utopia foi a primeira</p><p>vez em que foi apresentada a ideia de uma renda que assegurasse a “subsistência</p><p>de cada um”. A obra, publicada há aproximadamente cinco séculos, critica e satiriza</p><p>um tema ainda tão atual. Uma sociedade onde são punidos aqueles que transgridem</p><p>a lei, mas as autoridades que redigem e aprovam as mesmas leis não promovem</p><p>nenhuma medida que garanta a subsistência de cada cidadão, de forma a evitar que</p><p>o mesmo recorra a ações extremas para garantir a própria sobrevivência.</p><p>3 A jornalista Judith Shulevitz (2016) acredita que uma renda básica universal poderia servir como</p><p>uma reparação por todo o trabalho não remunerado realizado pelos indivíduos da sociedade,</p><p>inclusive pelo “trabalho reprodutivo”, normalmente atribuído à mulheres.</p><p>19</p><p>Uma década mais tarde, Juan Luis Vives (1781) desenvolveu o que seria a</p><p>primeira proposta de uma política de “renda mínima” para a cidade de Bruges. Em</p><p>sua obra, ele justifica que o pecado da desobediência a Deus no Jardim do Éden, é</p><p>a origem dos males da sociedade humana. E sua proposta, a qual foi implantada em</p><p>outra cidade da Bélgica e inspiraram diversos outros municípios europeus, era que</p><p>fosse feita uma espécie de censo, onde seriam registrados os nomes, rendas, local</p><p>de moradia, número de filhos, como viva antes e a razão para estarem naquela</p><p>situação de pobreza. Todos os pobres, enfermos e mendigos deveriam ser</p><p>cadastrados, com informações específicas de sua condição. E a cada um seria dado</p><p>de acordo com a sua necessidade de alimentos, mas também seria provida aos</p><p>mesmos uma “ajuda moral e espiritual”.</p><p>Asi como no solamente deve socorrerse por lo que toca al sustento,</p><p>necesitando todo el hombre de auxilio por todas partes, asi tampoco</p><p>se han de limitar a solo el dinero nuestros beneficios. Se ha de hacer</p><p>bien con lo que està dentro del animo, como con esperanzas,</p><p>consejo, prudencia, y preceptos para la vida; y con lo que es tà en el</p><p>cuerpo, es a saber, con la presencia corporal, palabras, fuerzas,</p><p>trabajo, y asistencia; y con lo exterior, qual es, la dignidad, autoridad,</p><p>empeño, amistades, dinero, en el que se comprende todo lo con que</p><p>èl se compra. (VIVES, 1781, p. 28-29).</p><p>A origem da renda que seria precisa para sanar as necessidades de todos os</p><p>pobres seriam as rendas dos hospitais e, quando não fosse suficiente, contariam</p><p>com a caridade dos frequentadores dos maiores templos da cidade. Vives (1781, p.</p><p>30) apela para a solidariedade humana, baseado na lógica de que Deus assim</p><p>desejava que os homens se comportassem, “favorecendo aos outros através da</p><p>caridade”. Defende também que o Estado assuma o cuidado dos pobres para</p><p>manter a paz e a ordem social.</p><p>Ademais, a obra ainda lista uma série de condições que deveriam ser</p><p>cumpridas pelos pobres, por exemplo, os que ainda eram aptos ao trabalho não</p><p>poderiam ficar ociosos. Antes, precisariam aprender um ofício e ser encaminhado a</p><p>uma oficina onde trabalhariam. Além de exigir uma conduta dentro do padrão</p><p>imposto e de acordo com “a piedade e a doutrina cristã” e de estabelecer métodos</p><p>para que não houvesse fraudes e que ninguém recebesse indevidamente.</p><p>Em meio ao cenário efervescente do século XVIII, antes mesmo que o Estado</p><p>de bem-estar social substituísse as polêmicas e cruéis leis dos pobres, o filósofo e</p><p>20</p><p>matemático francês, Marquês de Condorcet, apresentou um modelo de proteção</p><p>social no formato de aposentadorias e pensões. Em sua proposta, cada indivíduo</p><p>contribuiria com suas economias enquanto o mesmo estivesse trabalhando e,</p><p>quando o mesmo atingisse a velhice receberia um auxílio para que pudesse</p><p>permanecer garantindo a subsistência de sua família. Quanto aos que falecessem</p><p>antes de chegar a idade estipulada, o auxílio seria destinado para seus</p><p>dependentes, a saber, esposa e filhos.</p><p>É à aplicação do cálculo às probabilidades da vida, aos</p><p>investimentos de dinheiro, que se deve a ideia desses meios, já</p><p>empregados com sucesso, mas nunca nessa extensão, com essa</p><p>variedade de formas que os tornariam verdadeiramente úteis, não</p><p>apenas a alguns indivíduos, mas à massa inteira da sociedade que</p><p>eles livrariam desta ruína periódica de um grande número de</p><p>famílias, fonte sempre renascente de corrupção e de miséria</p><p>(CONDORCET, 1993, p.183).</p><p>Conhecido por defender a educação universal e o progresso da ciência e</p><p>tecnologia, Condorcet trouxe uma inovação ao propor um sistema que hoje é a base</p><p>de grande parte dos sistemas de seguridade, em que o caráter condicional e</p><p>contributivo é presente e os casos atípicos são avaliados de acordo com a sua</p><p>excepcionalidade. A renda, nesse caso, não era universal, visto que uma grande</p><p>parcela da população não teria direito a esse auxílio.</p><p>Outros nomes se destacaram por defender algum formato de renda mínima,</p><p>entre eles podemos também citar Thomas Paine, um dos pais fundadores dos</p><p>Estados Unidos da América. Nascido na Inglaterra, ele se opunha a renda das terras</p><p>apropriadas por um pequeno grupo de latifundiários, a elite senhorial.</p><p>Criar um fundo nacional, a partir do qual deve ser pago a cada</p><p>pessoa, no momento em que atinge a idade de vinte e um anos, a</p><p>soma de quinze libras esterlinas, como uma compensação parcial</p><p>pela perda de sua herança natural produzida pela introdução do</p><p>sistema de propriedade fundiária. Além disso, deve-se pagar a</p><p>quantia de dez libras esterlinas por ano para cada pessoa que hoje</p><p>possui cinquenta anos e para todas as outras no momento em que</p><p>alcançarem essa idade (PAINE, 2019, p. 58-59).</p><p>Dessa forma, se introduz o conceito de uma renda básica universal para</p><p>promover a equidade social e remediar as mazelas oriundas do desenvolvimento da</p><p>sociedade. Paine (2019, p. 56) defendia que a terra, e não o produto dela era</p><p>21</p><p>“propriedade comum da espécie humana” e que a passagem do estado de natureza</p><p>para o estado de civilização havia ocasionado, junto com seus inúmeros benefícios –</p><p>agricultura, artes, ciências –, a mazela da pobreza – a qual não existia no estado de</p><p>natureza.</p><p>Desse modo, o primeiro dos princípios da civilização deveria ter sido,</p><p>e ainda deveria ser, que a condição de cada pessoa nascida neste</p><p>mundo, depois de instituída a civilização, não deve ser pior à</p><p>condição que ele teria se tivesse nascido antes desse período</p><p>(PAINE, 2019, p.56).</p><p>Levando em conta a ideia de que todo homem nasceria com direito à</p><p>propriedade, sendo coproprietário vitalício do solo e dos produtos deste. Porém,</p><p>tendo de contrapartida que o próprio desenvolvimento da sociedade não seria</p><p>compatível com a ideia de retornar todas as coisas para como eram antes da “vida</p><p>civilizada”, Paine (2019, p.57) argumenta que todo proprietário de terras deva à</p><p>comunidade “um imposto sobre a terra”.</p><p>No campo das experiências práticas de abordagem do problema da pobreza,</p><p>as estratégias variam a depender do tipo de governo e das transformações políticas,</p><p>econômicas e sociais que determinada sociedade atravessa no tempo histórico em</p><p>que as implementa. Entre as fases do capitalismo, as diferenças societárias</p><p>ocasionaram modalidades diferentes de políticas e leis acerca da pobreza. A própria</p><p>ideia da pobreza foi modificada com a passagem para a primeira fase do</p><p>capitalismo, o concorrencial. A pobreza, antes vista como um destino dado por Deus</p><p>cujo qual deveria ser aceito sem contestação, aos poucos, passou a ser considerada</p><p>como um problema moral dos pobres, transferindo a culpa para os indivíduos.</p><p>Com a intensificação do processo de cercamento dos campos no século XVI</p><p>com Carlos I, o aumento do valor do pão, o crescimento das cidades e a pobreza</p><p>que se acirrava concomitantemente ao desenvolvimento das forças produtivas e do</p><p>acúmulo de riquezas, algumas cidades da Europa passaram a implantar estratégias</p><p>diversas – incluindo a ajuda aos pobres a partir de abono financeiro – para lidar com</p><p>o problema da pobreza. Segundo Bronislaw Geremek, em seu livro Poverty: a</p><p>history, já haviam experiências em andamentos em cidades da Alemanha, França e</p><p>Países Baixos antes que a Lei dos Pobres fosse estabelecida na Inglaterra.</p><p>22</p><p>Em 1522, Nuremberg centralizou sua ajuda aos pobres, Estrasburgo</p><p>seguiu um ano depois e, em 1525, Ypres adotou medidas</p><p>semelhantes, que alcançaram tal popularidade que foram, por sua</p><p>vez, copiadas por várias outras cidades. Em 1526 foi publicado De</p><p>Subventione Pauperum Vivés e, alguns anos depois, em 1531, foi</p><p>publicado um edito imperial sancionando essas medidas,</p><p>estabelecendo os princípios da política social e definindo as linhas</p><p>segundo as quais a ajuda institucional aos pobres deveria ser</p><p>reorganizada. (GEREMEK,1994 p. 121, tradução nossa)</p><p>As Poor Laws foram leis implementadas pelo Estado Absolutista Inglês no</p><p>final do século XVI para lidar com o problema da pobreza. Apesar de não serem</p><p>enquadradas como uma política de renda básica</p><p>universal buscavam, através do</p><p>controle estatal, mitigar minimamente a miséria e a pobreza. Essas leis estabeleciam</p><p>que as paróquias deveriam fornecer assistência financeira e abrigo para os pobres</p><p>que não possuíssem meios de subsistência e desempregados.</p><p>O pano de fundo imediato do famoso estatuto foi a degradação da</p><p>década de 1590 — uma década de escassez de alimentos e fome</p><p>generalizada, de inflação e preços altos, de insegurança e grande</p><p>sofrimento. Tumultos, roubos e desordem social tornaram-se</p><p>novamente generalizados. Os legisladores, não apenas temerosos</p><p>de uma insurreição (especialmente porque a Inglaterra não tinha</p><p>exército permanente na época), mas também compelidos a</p><p>reconhecer a existência de ociosidade involuntária em larga escala e</p><p>sofrimento devido a condições difíceis, sentiram a necessidade de</p><p>agir. (TRATTNER, 1998, p. 59, tradução nossa).</p><p>Direcionadas apenas aos extremamente pobres, as poor laws permitiram aos</p><p>governos locais – através das paróquias – o poder de aumentar os impostos e usar</p><p>fundos conforme necessário para construção e mantimento de asilos, fornecer ajuda</p><p>direta para idosos, deficientes e outros “pobres dignos”, em dinheiro ou alimentos.</p><p>Em contrapartida, essas leias eram fortemente estigmatizantes e caritativas. Grupos</p><p>específicos de pobres eram excluídos de serem atendidos por essa assistência, pois</p><p>possuíam estilos de vida imorais e isso os classificava como “indignos” de tal</p><p>providência estatal.</p><p>Em 1662, com o Settlement Act ou “Lei de Domicílio” o objetivo era impedir a</p><p>livre circulação, a partir do estabelecimento das casas de trabalho e da proibição de</p><p>transitarem entre elas. Buscava-se, dessa forma manter “a ordem social”. Todos os</p><p>indivíduos deveriam ser colocados para trabalhar e aceitar qualquer que fosse a</p><p>compensação por sua mão-de-obra e a assistência se destinava aos que não</p><p>23</p><p>conseguiam um emprego ou estavam inaptos fisicamente para o trabalho. Os sem-</p><p>teto e todos que estavam fisicamente aptos que se recusassem a trabalhar poderiam</p><p>ser presos ou multados.</p><p>Uma delas, a Speenhamland Law (POLANYI, 1980) – criada em</p><p>1795 em Speen em decorrência das revoltas do pão que surgiram</p><p>com o problema da fome neste município do sul da Inglaterra –</p><p>transferia um abono financeiro complementar ao salário dos</p><p>trabalhadores, independente dos seus proventos, cujo cálculo se</p><p>dava a partir do número de filhos e do preço do pão, mas como</p><p>contrapartida proibia a mobilidade geográfica dos trabalhadores, que</p><p>precisavam trabalhar ou serem assistidos nas paróquias. A</p><p>transferência dessa renda mínima serviu de inspiração para que</p><p>outras cidades, na Inglaterra, adotassem medidas parecidas, que</p><p>exigiam contrapartidas. (ROBERTO DA SILVA, 2019, p.112)</p><p>A Speenhamland Law, citada acima, instaurada em 1795 tinha o caráter</p><p>menos repressor em comparação com as leis dos pobres anteriores, estabelecia o</p><p>“direito de viver”. De acordo com Behring e Boschetti (2007) essas medidas</p><p>proveram os meios para postergar a consolidação da sociedade de livre mercado,</p><p>pois:</p><p>[...] enquanto as anteriores leis dos pobres induziam o trabalhador a</p><p>aceitar qualquer trabalho a qualquer preço, a Lei Speenhamland, ao</p><p>contrário, permitia ao trabalhador minimamente “negociar” o valor de</p><p>sua força de trabalho, impondo limites (ainda que restritos) ao</p><p>mercado de trabalho competitivo que se estabelecia. (BEHRING e</p><p>BOSCHETTI, 2007, p. 49)</p><p>Em 1834, com a “Poor Law Amendment Act” passou a ser autorizada a união</p><p>das paróquias para a melhor coordenação dos serviços da lei dos pobres e</p><p>incentivada a redução do auxílio domiciliar para pessoas aptas ao trabalho.</p><p>Revogando aquilo que se estabelecia na Speenhamland Law e reestabelecendo a</p><p>assistência interna nas paróquias apenas para pobres “inválidos”. A reforma reforçou</p><p>o estigma da pobreza como um problema moral individual e o conceito de menor</p><p>elegibilidade, recolocando a assistência como uma questão de filantropia e caridade.</p><p>(TRATTNER, 1998; BEHRING e BOSCHETTI, 2007)</p><p>A aprovação do Projeto de Lei de Reforma da Lei dos Pobres de</p><p>1834, que implementou essas recomendações, sintetizou a atitude</p><p>punitiva em relação aos pobres. A partir daí, tornou-se publicamente</p><p>24</p><p>conhecido, para usar as palavras do primeiro-ministro Benjamin</p><p>Disraeli, que era “um crime ser pobre” na Inglaterra. A assistência</p><p>aos pobres foi redesenhada para aumentar o medo da insegurança,</p><p>em vez de verificar suas causas ou mesmo aliviar seus problemas.</p><p>Na melhor das hipóteses, evitaria a fome ou a morte por exposição,</p><p>mas o faria da maneira mais econômica e desagradável possível. A</p><p>medida da solidez do sistema seria seu efeito dissuasivo – ou, para</p><p>citar Karl Polanyi, um crítico mais recente, sua capacidade de</p><p>lubrificar “as rodas da fábrica de mão-de-obra”. (TRATTNER, 1998,</p><p>p. 121, tradução nossa).</p><p>Como já citamos aqui, as diferentes fases do capitalismo tiveram estratégias</p><p>diferentes para enfrentar ou “controlar” o problema da pobreza. A partir da</p><p>Revolução Industrial, iniciada em 1760 na Inglaterra, se tem início a uma nova fase</p><p>do capitalismo. Por esse motivo, durante o século XIX o continente europeu</p><p>atravessou grandes transformações nos âmbitos econômico, político e social. Como</p><p>consequência da crescente industrialização e da precarização do campo se</p><p>intensificou o processo de urbanização, por conta dos camponeses expropriados</p><p>que se mudavam para as cidades em busca de empregos, ocasionando assim uma</p><p>explosão demográfica nas cidades. (GEREMEK, 1994)</p><p>A consolidação das classes e, consequentemente, da luta de classes trouxe</p><p>novas teorias econômicas para a cena do século XIX: como o marxismo que</p><p>defendia uma sociedade justa e igualitária organizada em torno da propriedade</p><p>coletiva dos meios de produção, e o liberalismo que defendia a livre concorrência e a</p><p>propriedade privada. O Estado liberal defende ferozmente o direito civil da</p><p>propriedade, ao passo que a mobilização da classe trabalhadora se esforça na</p><p>direção da emancipação humana e da socialização da riqueza. (BEHRING e</p><p>BOSCHETTI, 2007, p. 63)</p><p>Esse centenário ficou marcado pelas greves e manifestações, provas da</p><p>organização dos trabalhadores contra a exploração por parte dos grandes</p><p>proprietários dos meios de produção, evidenciando a ameaça que se constituíam</p><p>para a manutenção desse sistema. Segundo o apanhado histórico esclarecido sobre</p><p>esse tema trazido por Behring e Boschetti (2007), ao final do século XIX a classe</p><p>trabalhadora já havia alcançado, através de sua mobilização, direitos políticos como</p><p>voto, livre expressão, organização em sindicatos, além da ampliação dos direitos</p><p>sociais.</p><p>Nesse cenário, as políticas sociais começaram a ser implantadas</p><p>gradualmente em vários países do continente europeu. Entre eles, a Alemanha</p><p>25</p><p>alcançou certo destaque ao implementar uma série de reformas sociais e</p><p>econômicas, baseadas nas propostas de Otto Von Bismarck, chanceler alemão que</p><p>estabeleceu o primeiro seguro-saúde nacional obrigatório. Essa atitude não foi</p><p>intencionada pela preocupação voluntária com o bem-estar do proletariado, mas</p><p>como uma resposta a organização, pelos próprios trabalhadores, de caixas –</p><p>financeiras – para cooperar com a permanência das greves.</p><p>O modelo bismarckiano é identificado como sistema de seguros</p><p>sociais, pois suas características assemelham-se à de seguros</p><p>privados. Em relação aos direitos, os benefícios cobrem</p><p>principalmente (e às vezes exclusivamente) os trabalhadores</p><p>contribuintes e suas famílias; o acesso é condicionado a uma</p><p>contribuição direta anterior e o montante das prestações é</p><p>proporcional à contribuição efetuada. (BEHRING e BOSCHETTI,</p><p>2007, p.66)</p><p>Ainda sobre esse modelo as autoras esclarecem que servia como um sistema</p><p>de substituição da renda em caso de doenças, idade avançada ou incapacidade</p><p>para o trabalho. Essa política contribuiu para expandir a cidadania através</p><p>dos</p><p>direitos sociais e desfocalizar as políticas, que antes eram garantidas apenas aos</p><p>extremamente pobres. Entretanto, com a defesa da “solidariedade de classes”,</p><p>buscou cooptar categorias trabalhistas específicas como uma forma de desmobilizar</p><p>as lutas. Esse modelo foi amplamente adotado por outros países que adaptaram a</p><p>construção de seus sistemas de medidas de acordo com suas necessidades e</p><p>possibilidades imediatas.</p><p>O continente europeu, já perpassado por questões que agravavam as</p><p>condições de vida das classes mais pauperizadas adentra o século XX em meio a</p><p>conflitos e disputas territoriais incendiadas pelos sentimentos nacionalistas</p><p>alimentados no século anterior. A Primeira Guerra Mundial marca o início de um</p><p>período depressivo – estagnação do emprego e da produtividade, desemprego</p><p>generalizado e baixa nos lucros. Temendo as revoltas dos trabalhadores – das quais</p><p>a Revolução Russa de 1917 é um exemplo que passa a ser temido pelas classes</p><p>dominantes para além da Europa – os Estados passam a implementar políticas</p><p>sociais lentamente para garantir as condições de subsistência necessárias para a</p><p>manutenção da ordem.</p><p>26</p><p>O empenho do Estado a serviço dos monopólios para legitimar-se é</p><p>visível no seu reconhecimento dos direitos sociais – que, juntamente</p><p>com os direitos civis e políticos, constituem a “cidadania moderna”</p><p>(Marshall, 1967). A consequência desse reconhecimento, resultado</p><p>da pressão dos trabalhadores, foi a consolidação de políticas sociais</p><p>e a ampliação da sua abrangência, na configuração de um conjunto</p><p>de instituições que dariam forma aos vários modelos de Estado de</p><p>Bem-Estar Social (Welfare State). (NETTO e BRAZ, 2006, P. 144)</p><p>A Segunda Guerra Mundial, por sua vez, intensifica profundamente o cenário</p><p>de tensão entre os ideais que se apresentam em meados do século XX. União</p><p>Soviética e Estados Unidos – cujo acordo foi responsável de derrotar a Alemanha</p><p>nazista – agora são os atores principais no conflito ideológico e geopolítico que ficou</p><p>conhecido por Guerra Fria. Nessa estavam postos, para além de ideias, propostas</p><p>de sistemas econômicos opostos: o liberal-reformista e o socialista. (BEHRING e</p><p>BOSCHETTI, 2007)</p><p>Nesse contexto ganham notoriedade as propostas de John Maynard Keynes,</p><p>economista britânico e membro do Partido Liberal. Suas propostas, entretanto, se</p><p>diferem do liberalismo clássico ao propor a intervenção do Estado na economia no</p><p>sentido da geração de empregos e aumento da renda, atuando como o “agente</p><p>externo do bem comum” (BEHRING e BOSCHETTI, 2007). A políticas keynesianas,</p><p>que contribuem voluntariamente para o sucesso do pacto fordista de produção e</p><p>consumo em massa, envolvem medidas anticíclicas e anticrise como as políticas de</p><p>pleno emprego – como as implantadas nos EUA através do New Deal – e as</p><p>estratégias de crescimento econômico.</p><p>Concomitantemente, na Inglaterra, outro membro do Partido Liberal passa a</p><p>questionar a responsabilidade do Estado na manutenção das condições de vida dos</p><p>cidadãos, a saber William Beveridge. Ele elaborou em 1942 o Report on Social</p><p>Insurance and Allied Services, conhecido como Plano Beveridge que condenava os</p><p>seguros sociais e defendia a universalidade dos serviços sociais. A partir dessas</p><p>ideias se estabeleceu uma rede de segurança na Inglaterra que também foi</p><p>importada por outros países na organização dos serviços de assistência social.</p><p>Sobre esse período de acordo entre o capital e o trabalho, Silva esclarece:</p><p>Como uma das tendências desse terceiro estágio do capitalismo (o</p><p>monopolista), que Lenin (2012) chamou de imperialismo, destaca-se</p><p>a dificuldade de valorização do capital acumulado, que passou a</p><p>depender da ampliação e alteração das funções do Estado. Nesse</p><p>27</p><p>contexto, as propostas de renda mínima surgem nos argumentos de</p><p>pensadores do liberalismo heterodoxo, que defendiam a regulação</p><p>do Estado na economia, de fundadores do neoliberalismo, de</p><p>teóricos progressistas, e aparecem nas reivindicações de</p><p>determinados movimentos sociais e partidos políticos. Assim, como</p><p>parte de um amplo acordo entre capital e trabalho, os primeiros</p><p>programas surgem articulados com a construção dos Estados de</p><p>Bem-Estar Social (Welfare States). (ROBERTO DA SILVA, 2019,</p><p>p.113)</p><p>Os países do continente europeu se assimilam em algumas das medidas por</p><p>sua particularidade de ter sido o berço das transformações ocorridas nos últimos</p><p>séculos. A intervenção do Estado era necessária para recuperar a confiança dos</p><p>cidadãos nas instituições, principalmente com a proximidade das ideias socialistas.</p><p>Entretanto, é importante salientar que o desenvolvimento dos Estados de Bem-Estar</p><p>Social não ocorreu ao mesmo tempo, nem de igual forma nos diferentes países –</p><p>apesar de seu auge se concentrar no período que compreende os “trinta anos</p><p>gloriosos” do capitalismo.</p><p>Tipicamente, seus pilares incluem educação, saúde e seguros, mas essa</p><p>estrutura pode ser alterada de acordo com as particularidades de cada Estado. Em</p><p>suma, o Estado de Bem-Estar Social se constituiu como o pacto entre os</p><p>trabalhadores – que negariam a revolução e confiariam nas reformas sociais</p><p>democratas – e o capital – que cederia parte dos lucros de forma socializada para o</p><p>Estado, financiando parcialmente as Políticas Sociais. (BEHRING e BOSCHETTI,</p><p>2007).</p><p>No interior das medidas implementadas pelos países nesse período, já é</p><p>possível localizar experiências iniciais de programas de renda mínima,</p><p>caracterizados como complementos para as políticas sociais desenvolvidas em</p><p>paralelo. Esse papel de adjacente e residual parece estar presente desde de suas</p><p>iniciais e mais tímidas experiências:</p><p>Os programas de renda mínima surgem e desenvolvem-se</p><p>articulados aos Estados de Bem-Estar Social, como complemento as</p><p>provisões de serviços (saúde, educação, moradia etc.) e de outras</p><p>prestações sociais monetárias (seguro-desemprego, aposentadoria,</p><p>pensões etc.). Em 1948, o Reino Unido, que construiu o padrão</p><p>beveridgeano de seguridade social de referência mundial, implantou</p><p>o National Assistance Act, um programa de renda mínima para todas</p><p>as famílias que atendia às necessidades de subsistência e</p><p>complementava o sistema ampliado de proteção social. Na Finlândia,</p><p>em 1956, na Suécia, em 1957, e nos Países Baixos, em 1963,</p><p>28</p><p>também foram criados programas de renda mínima complementares</p><p>às políticas de seguridade social.</p><p>Desde 1957, na Alemanha, o padrão bismarckiano (que influenciou</p><p>outros países centrais e periféricos) conta com um programa de</p><p>renda mínima complementar para suprir necessidades diárias, por</p><p>tempo ilimitado, a todos os indivíduos que se considerem pobres,</p><p>com exceção dos imigrantes ilegais. (LAVINAS, 1998;</p><p>VANDERBORGHT; VAN PARIJS, 2006 apud ROBERTO DA SILVA,</p><p>2019, p. 114)</p><p>Os países periféricos, levados pelo incentivo das grandes instituições</p><p>financeiras mundiais, também desenvolveram programas de transferência</p><p>monetária. Todavia, sua experiência peculiar não pode ser comparada com os</p><p>mesmos países que colheram os frutos de sua colonização sem antes compreender</p><p>as especificidades que as sociedades atravessavam no momento de tal</p><p>implementação. Adiante, trataremos especificamente do desenvolvimento desse</p><p>modelo de política social na América Latina.</p><p>1.2 – Breve histórico das políticas de transferência monetária na América</p><p>Latina</p><p>Para entender a origem das políticas de transferência monetária nos países</p><p>da América Latina é fundamental compreender o contexto histórico e sociopolítico</p><p>em que se desenvolveram os sistemas de proteção social na região. Nesse sentido,</p><p>é importante ressaltar que existem diferenças entre os sistemas, por conta da</p><p>necessidade de adaptação “as diretrizes e sugestões gerais propostas à realidade</p><p>nacional específica” (PASTORINI, 2010, p. 135), o que impossibilita a definição de</p><p>um conjunto homogêneo dos programas de proteção social adotados pelos diversos</p><p>países que compõem a América Latina.</p><p>Portanto, nosso objetivo nesse item é apresentar um panorama geral da</p><p>tendência de adoção das políticas de transferência de renda na América Latina,</p><p>desde suas origens históricas até os dias atuais, perpassando o contexto</p><p>sociopolítico e as experiências iniciais desse modelo de sistema de proteção social</p><p>na região, além da influência dos organismos financeiros internacionais.</p><p>Considerada como a região mais desigual do planeta no relatório de</p><p>desenvolvimento humano em 2019 (UNDP, 2020), a América Latina enfrenta altos</p><p>índices de pobreza e de concentração de renda. O continente foi vítima de séculos</p><p>29</p><p>de pilhagem e colonização por países europeus, com destaque Espanha e Portugal</p><p>e o passado de dominação estrangeira moldou as estruturas políticas, sociais e</p><p>econômicas que ainda hoje deixam marcas que estão presentes nos países da</p><p>região. A exploração dos recursos naturais e o uso de mão de obra escrava</p><p>condicionaram a dependência externa no contexto econômico mundial e a</p><p>dominação política excludente e centralizada no poder econômico.</p><p>Segundo Silva (2019), as primeiras experiências de programas de proteção</p><p>social administrados pelo Estado começam a ser implementadas na década de 1920</p><p>na América Latina. Essas políticas subordinavam a proteção dos riscos sociais ao</p><p>vínculo empregatício formal – tendência impulsionada pelos processos de</p><p>industrialização tardia e pela necessidade de enfraquecer a mobilização dos</p><p>trabalhadores. Essas medidas tinham semelhanças com o sistema de proteção</p><p>social alemão conhecido como modelo bismarckiano que estabelecia seguros</p><p>sociais4 obrigatórios custeados por empregados e empregadores, se revertendo na</p><p>substituição da renda dos trabalhadores em caso de incapacidade laborativa, por</p><p>conta de doença ou idade. Entre suas características marcantes estão a inclusão</p><p>das contribuições dos trabalhadores em seu financiamento, seu caráter obrigatório e</p><p>a cobertura de categorias ocupacionais específicas – principalmente aquelas vistas</p><p>como essenciais para o momento econômico que os países atravessavam.</p><p>Parte fundamental da resposta às demandas da classe trabalhadora e método</p><p>de legitimação do governo, esse modelo se expandiu até a década de 1970.</p><p>Perpassando por grandes acontecimentos do continente como, no contexto</p><p>econômico, a grande crise capitalista de 1929 que afetou as exportações dos países</p><p>latino americanos, e no cenário político, os governos populistas e os regimes</p><p>ditatoriais. Motivados pela queda nas exportações de produtos primários a partir de</p><p>1929, os países latino-americanos passaram a adotar o “modelo de industrialização</p><p>por substituição de importações” caracterizado pelo investimento maciço dos</p><p>Estados na expansão da industrialização através de subsídios e outras medidas</p><p>como restringir importações e dar preferência a produtos nacionais.</p><p>Neste momento histórico, são produzidos o desenvolvimento e a</p><p>maturação dos sistemas de proteção social na região naquelas</p><p>4 Segundo Behring & Boschetti o sistema é identificado como seguro social “pois suas características</p><p>assemelham-se à de seguros privados”. (BEHRING &BOSCHETTI, 2007, p.66). Para mais</p><p>informações sobre o modelo bismarckiano, ver o Item 1.1.</p><p>30</p><p>experiências nacionais com maior alcance. Essa maturação dos</p><p>sistemas de proteção social assume traços preponderantes:</p><p>centralmente orientados para os setores urbanos e com cobertura</p><p>estratificada incorporando principalmente os trabalhadores</p><p>integrados no mercado de trabalho formal. Isto implica na exclusão</p><p>destes sistemas de proteção dos trabalhadores rurais e daqueles</p><p>empregados/as nos mercados informais. (SILVA e SILVA, 2015, p.</p><p>58)</p><p>Durante o período que compreende as décadas de 1970-1980, a instauração</p><p>de uma crise financeira global ameaçou a sustentabilidade dos sistemas de proteção</p><p>baseados na cobertura dos trabalhadores formais. Buscando encontrar uma solução</p><p>para as consequências da estagnação econômica e para o endividamento externo</p><p>passa a ser apregoado a redução do gasto público, principalmente na área social,</p><p>entre outras medidas de austeridade fiscal. Na mesma época em que as taxas de</p><p>desemprego cresceram exponencialmente e a queda dos salários reais provocou o</p><p>recrudescimento das condições de vida da população, o modelo liberal propunha</p><p>reformas sociais que diminuíam a proteção e investiam na privatização de empresas</p><p>e serviços públicos. Sobre essa tendência, Netto esclarece:</p><p>Essa monumental transferência de riqueza social, construída com</p><p>recursos gerados pela massa da população, para o controle de</p><p>grupos monopolistas operou-se nos países centrais, mas</p><p>especialmente nos países periféricos – onde, em geral, significou</p><p>uma profunda desnacionalização da economia e se realizou em meio</p><p>a procedimentos profundamente corruptos (de que é exemplo</p><p>paradigmático a Argentina de Menem). Um competente analista</p><p>mostra a importância, para os setores monopolistas, da privatização,</p><p>mediante a qual retornaram a esfera mercantil serviços controlados</p><p>pelo Estado: “Atualmente, e no movimento de transferência, para a</p><p>esfera mercantil, de atividades que até então eram estritamente</p><p>regulamentadas ou administradas pelo Estado, que o movimento de</p><p>mundialização do capital encontra suas maiores oportunidades de</p><p>investir” (Chesnais, 1996: 186 apud NETTO e BRAZ, 2006, p.160)</p><p>A transição à democracia trouxe junto de si desafios quase intransponíveis,</p><p>para enfrentá-los os países da América Latina buscaram no ajuste estrutural um</p><p>meio de se articular novamente à economia mundial, apostando no aumento dos</p><p>impostos para cobrir o déficit fiscal e na redução dos gastos públicos. Para tal feito,</p><p>as reformas sociais foram imprescindíveis para atender às demandas do capital.</p><p>Desse modo, a implementação de políticas de proteção social priorizou medidas de</p><p>31</p><p>inserção, de caráter residual, focalizado e compensatório (ALMADA LIMA, 2016;</p><p>FONSECA, 2006).</p><p>A resposta a essa crise, nos países desenvolvidos, tem sido a</p><p>austeridade neoliberal, com supressão de direitos sociais e</p><p>trabalhistas, reforma da seguridade social, mercantilização de</p><p>serviços públicos e privatizações de empresas estatais, contudo, nos</p><p>países da América Latina, em especial no Brasil, o que vem</p><p>ocorrendo é a adoção de uma estratégia denominada</p><p>neodesenvolvimentismo ou social-liberalismo, combinando</p><p>financeirização, crescimento econômico e políticas sociais</p><p>compensatórias. (Mota, 2012 apud SILVA e SILVA, 2015, p. 107)</p><p>Com a expansão dos ideais neoliberais através da mundialização do capital,</p><p>uma integração dos mercados internacionais foi incentivada e liderada pelas</p><p>grandes corporações internacionais que se configuraram como os novos centros de</p><p>poder dos principais blocos econômicos supranacionais. Os organismos financeiros</p><p>internacionais passaram a sugerir aos países da América Latina reformas</p><p>econômicas para conter a hiperinflação e a crise da dívida externa e se integrar a</p><p>economia mundial. A real intenção desse processo era indicar aos países</p><p>emergentes normas para “que se adequassem às novas determinações</p><p>macroenômicas do sistema capitalista e às suas políticas de configuração neoliberal”</p><p>(SOUSA, SOTO e ALMADA LIMA, 2020, p. 636). O Consenso de Washington –</p><p>conjunto de recomendações para o “ajustamento” das nações emergentes elaborado</p><p>em 1989 pelo FMI, Banco Mundial e pelo Tesouro dos Estados Unidos – foi</p><p>resumido por John Williamson em 10 proposições:</p><p>- Disciplina fiscal</p><p>- Um redirecionamento das prioridades de gastos públicos para áreas</p><p>que oferecem altos retornos econômicos e potencial para melhorar a</p><p>distribuição de renda, como atenção primária à saúde, educação</p><p>primária e infraestrutura</p><p>- Reforma tributária (para reduzir as alíquotas marginais e ampliar a</p><p>base tributária)</p><p>- Liberalização das taxas de juros</p><p>- Uma taxa de câmbio competitiva</p><p>- Liberalização comercial</p><p>- Liberalização dos fluxos de investimento estrangeiro direto</p><p>- Privatização</p><p>- Desregulamentação (para abolir barreiras à entrada e saída)</p><p>- Garantir os direitos de propriedade.</p><p>(WILLIAMSON, 2000, p. 252-253, tradução nossa)</p><p>32</p><p>As orientações foram adotadas por vários países latino americanos e, nesse</p><p>sentido, as políticas sociais assumiram um caráter cada vez mais focalizado e</p><p>residual, se concentrando em mínimos. As políticas anteriores, centralizadas e</p><p>administradas pelo Estado, deram lugar a políticas descentralizadas e privatizadas,</p><p>passando às mãos do capital (SOUSA, SOTO e ALMADA LIMA, 2020). Entretanto,</p><p>apesar das medidas serem sugeridas às economias emergentes do continente</p><p>americano, elas não foram pensadas levando em conta as necessidades e</p><p>especificidades da realidade nacional de cada país. A sugestão consistia em um</p><p>único padrão para todos os países, como numa tentativa de homogeneizar o modo</p><p>de desenvolvimento e crescimento financeiro da região. Amplamente criticado, as</p><p>medidas propostas pelo Consenso de Washington foram insuficientes para resolver</p><p>o problema da pobreza e desigualdade na América Latina. (PASTORINI, 2010)</p><p>Durante a década de 1990, as políticas de ajuste neoliberal na</p><p>América Latina, superpostas à herança social acumulada, histórica e</p><p>estruturalmente, recrudesceram o quadro de crise social da Região,</p><p>com o aumento considerável das taxas de desemprego. Entre 1990 e</p><p>2002 a taxa média do desemprego na América Latina tinha</p><p>aumentado de 4,5% para 11,1%. Com exceção do Chile, todos os</p><p>países do Cone Sul ultrapassaram a taxa média de desemprego.</p><p>Paralelamente, segundo o Relatório da Organização Internacional do</p><p>Trabalho, oito de cada dez postos de trabalho, criados nos anos</p><p>1990, correspondiam a ocupações de baixa qualidade no setor</p><p>informal. Assim, ao histórico problema do desemprego estrutural,</p><p>somou-se, na década de 1990, o aumento da precariedade e</p><p>fragilidade das condições e das relações de trabalho (CEPAL; OIT,</p><p>2011 apud SOUSA, SOTO e ALMADA LIMA, 2020, p.639)</p><p>Nesse ínterim, muitos países da América Latina passaram a adotar políticas</p><p>de transferência monetária – inspirados nos Programas de Renda Mínima</p><p>desenvolvidos no continente europeu5 – como forma de combater a pobreza e as</p><p>desigualdades sociais. Os organismos financeiros internacionais, como o Banco</p><p>Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo</p><p>Monetário Internacional (FMI), tiveram um papel significativo na adoção dessas</p><p>políticas na América Latina, inclusive fornecendo apoio aos países mais pobres para</p><p>a execução dos programas (STEIN, 2008).</p><p>5 Segundo artigo de Sousa, Soto e Lima (2020), os Programas de Renda Mínima adotados nos</p><p>países da Europa foram iniciados junto com os Welfare State e tinham caráter emergencial para</p><p>conter os efeitos da crise econômica. Em 1980, eles são transformados em Programas de Renda</p><p>Mínima de Inserção, cujo objetivo é suprir as necessidades dos usuários, ao mesmo tempo em que</p><p>incentiva o seu retorno ao mercado de trabalho.</p><p>33</p><p>Foi nessa perspectiva que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o</p><p>Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) reordenaram suas</p><p>funções e iniciaram uma nova postura junto aos países do antigo</p><p>Terceiro Mundo, como instituições balizadoras da gestão e da</p><p>coordenação das novas políticas econômicas mundiais. Consolidou-</p><p>se e generalizou-se uma nova estratégia econômica para a periferia</p><p>capitalista e para todos os que deixaram de ser países em</p><p>desenvolvimento para se transformarem em mercados emergentes</p><p>(FIORI, 1998 apud ALMADA LIMA, 2016, p. 203)</p><p>Essa tendência se polarizou após ser amplamente indicada e incentivada por</p><p>grandes organizações internacionais, inclusive com o compromisso firmado entre</p><p>189 países nos Objetivos do Milênio – especificamente as metas 1 e 8, que dizem</p><p>respeito a erradicação da pobreza e da fome e também a formação de uma parceria</p><p>global de desenvolvimento. Além disso, a tendência conciliava com o ajustamento</p><p>do papel do Estado, reduzindo a participação do mesmo como provedor e o</p><p>elevando a posição central no desenvolvimento econômico e social – importante</p><p>salientar que nessa dinâmica o desenvolvimento social se encontra subordinado ao</p><p>econômico, de sorte que a alocação de grande parte dos recursos sociais em</p><p>transferências monetárias é uma forma de dinamizar e impulsionar o consumo e, por</p><p>conseguinte, aumentar o capital.</p><p>Constituem-se a partir de dois níveis de determinações: de natureza</p><p>interna definida pelo alinhamento do gasto público estatal compatível</p><p>com o novo papel do Estado e da governança macroeconômica</p><p>exigidos pelo ajuste estrutural. E de natureza externa, materializada</p><p>nos compromissos firmados pelos Chefes de Estado, tanto na I</p><p>Cúpula das Américas, da Organização dos Estados Americanos</p><p>(OEA), realizada no ano de 1994 em Miami, quanto nos Objetivos de</p><p>Desenvolvimento do Milênio (ODM) para a Região, estabelecidos em</p><p>setembro de 2000, sendo o principal a erradicação da pobreza.</p><p>(SOUSA, SOTO e ALMADA LIMA, 2020, p. 642)</p><p>Até o ano de 2009, segundo dados do Banco Mundial, 28 países no mundo</p><p>desenvolviam Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTRC) como</p><p>forma de combater à pobreza. Destes, 17 são países latino-americanos (FISZBEIN,</p><p>SCHADY e FERREIRA, 2009). No quadro a seguir temos os países e as datas de</p><p>implantação dos programas na América Latina, para que possamos compreender,</p><p>de forma geral, sua implementação na região.</p><p>34</p><p>Quadro 1 - Programas de Transferência de Renda Condicionada em implementação na</p><p>América Latina e Caribe até o ano de 2012</p><p>Fonte: SILVA e SILVA, 2015, p. 104-105.</p><p>Apesar de não figurar no quadro acima, o primeiro país do qual há dados</p><p>sobre a implantação de políticas de transferência monetária na América Latina é a</p><p>35</p><p>Venezuela. Segundo documento divulgado pela CEPAL, o programa Beca</p><p>Alimentaria, criado em 1989, consistia em um benefício em dinheiro no valor de 500</p><p>bolívares para cada aluno – limitado até 3 filhos por família – que nos anos</p><p>seguintes foi acrescido de um bônus de leite e cereais (LIMA, 1992). O programa</p><p>fazia parte de um conjunto de medidas econômicas e sociais que se configuraram</p><p>no Plano de Enfrentamento a Pobreza e buscavam minimizar os problemas do difícil</p><p>cenário social enfrentado pelo país – a pobreza aguda, as altas taxas de</p><p>desemprego e o baixo poder de compra dos salários. Sobre o plano:</p><p>O Plano de Combate à Pobreza define quatro estratégias,</p><p>nomeadamente: Satisfação das necessidades essenciais das</p><p>famílias em situação de pobreza; direcionamento da ação do Estado;</p><p>fortalecimento da rede social e articulação institucional; e</p><p>fortalecimento da sociedade civil. O Plano de Combate à Pobreza</p><p>apresenta-se como um macroplano desenhado, com uma política</p><p>centrada nos grupos populacionais com maior indefesa económica e</p><p>social. (LIMA, 1992, p.7, tradução nossa)</p><p>Conforme descrito por Stein (2008), o Programa de Auxílio à Família (PRAF)</p><p>foi instituído em 1990 e integra a Rede Solidária em Honduras. Após a execução dos</p><p>ajustes econômicos, o país implementou esse programa como uma compensação</p><p>pela perda do poder econômico da população empobrecida. O programa foi</p><p>reestruturado em 1998, para ajustar e implementar uma focalização mais precisa</p><p>das populações extremamente pobres. Basicamente, seu foco institucional consiste</p><p>em:</p><p>A nutrição e saúde materno-infantil; a educação e o fortalecimento</p><p>institucional; e também, em dois tipos de subsídios: um, direcionado</p><p>aos incentivos do lado da demanda, na forma de transferências de</p><p>renda condicionadas à frequência escolar, dirigida às famílias com</p><p>crianças de 6 a 12 anos de idade, matriculadas e frequëntando a</p><p>escola; e à visita aos postos de saúde pelos beneficiários</p>