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1/59 Introdução à Criminologia Índice Apresentação 02 Contextualização 02 Relevância 02 Bibliografia 03 Avaliação 05 Aula 1 – Introdução ao estudo da criminologia 06 Aula 2 – História da Criminologia 12 Aula 3 - Teorias sociológicas do crime 19 Aula 4 - Teorias sociológicas do crime II 27 Aula 5 - Movimentos contemporâneos de política penal 36 Aula 6 - Introdução ao estudo da Vitimologia 52 Trabalho final 58 2/59 Apresentação: Você esta iniciando a disciplina Introdução à Criminologia. Esperamos que esse estudo possa contribuir para sua formação como profissional da área de Segurança Pública ou como estudioso do assunto. A proposta dessa disciplina é apresentar as principais correntes do pensamento criminológico. Inicialmente serão trabalhados os conceitos principais da criminologia clássica de Beccaria no século XVIII, logo após destaca-se o início dos estudos científicos sobre o perfil do criminoso de Lombroso e a sociologia criminal americana que inovou na metodologia utilizada, como também nas diferentes abordagens propostas. Em seguida serão analisadas as tendências que hoje permeiam os debates na criminologia contemporânea: a contração do direito penal e redução ou abolição das penas e em sentido oposto, a maximização do direito penal e das formas punitivas do Estado. Por fim a vitimologia será estudada como um novo caminho de redução dos processos de vitimização, como também prevenção do crime, a partir das pesquisas que hoje revelam o perfil e as formas de vitimização mais comuns na sociedade brasileira. Esperamos que esses estudos e pesquisas que você passa a conhecer, possam contribuir de fato para sua melhor compreensão dos problemas relacionados à violência, à criminalização e à criminalidade na sociedade brasileira, e mais ainda, que estimule a produção acadêmica e cientifica em diferentes regiões do país, permitindo assim maior troca entre os pesquisadores brasileiros. Contextualização: A disciplina Criminologia será neste curso estudada em diferentes contextos históricos. Sua origem tem início com os pensadores Iluministas (Ocidentais) do século XVIII e até os dias de hoje produz diferentes interpretações e possibilidades de discutir os fatores e atores envolvidos com os conflitos sociais. Relevância: A disciplina Criminologia é de fundamental importância para a formação do profissional e estudioso da área de Segurança Pública, pois permite uma análise das diferentes variáveis envolvidas com o fenômeno da criminalidade, além de permitir uma compreensão maior das questões sociais, políticas, econômicas e culturais da sociedade brasileira que estão associadas às diferentes formas de violência e manifestação do conflito. 3/59 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ANITUA, Gabriel Ignácio. História dos pensamentos criminológicos. Rio de Janeiro: Revan / ICC, 2008. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito penal: introdução à Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Revan, 1997 BECCARIA. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Claret, 2003. BELLI, Benoni. Tolerância Zero e a democracia no Brasil: visões da segurança pública na década de 90. São Paulo: Perspectiva, 2004. BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão. Rio de Janeiro: Saraiva, 2004. DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e Segurança. Entre pombos e falcões. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2003 DOTTI. René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. GARCIA -PABLOS Molina. Antonio e Gomes. Luis Flavio. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. SHECAIRA, Sergio Salomão. Criminologia. São Paulo: revista dos Tribunais, 2004. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR CARVALHO, Salo. Pena e Garantias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. COELHO, Edmundo Campos. A Oficina do Diabo e outros estudos sobre criminalidade. Rio de Janeiro: Record, 2005. HOLLANDA, Cristina Buarque de, Polícia e Direitos Humanos. Política de Segurança Pública no primeiro governo Brizola (Rio de Janeiro: 1983-1986). Rio de Janeiro: Revan , 2005. MISSE, Michel. Crime e Violência no Brasil Contemporâneo. Estudos de sociologia do crime e da violência urbana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. PINTO, Nalayne Mendonça. Penas e Alternativas: Um estudo sociológico dos processos de agravamento das penas e de despenalização no sistema de criminalização brasileiro (1984-2004).Rio de Janeiro: UFRJ, PPGSA, IFCS, 2006. PASSETTI, Edson. Curso Livre de Abolicionismo Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004. THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 2002. ___________________. Quem são os criminosos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1998. 4/59 WACQUANT, Loic. As prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. WACQUANT, Loic. Punir os Pobres. Rio de Janeiro: Revan, 2001. WAISELFISZ, Jacobo Julio - Mapa da violência IV: os jovens do Brasil. Disponível em: http://www.brasilia.unesco.org/publicacoes/livros/mapaiv. Acesso em 4 de novembro de 2008. 5/59 Avaliação Em todas as disciplinas da pós-graduação online existem: Avaliação formativa Não valem ponto, mas são importantes para o aprofundamento e fixação do conteúdo: Atividades de fixação: são atividades de passagem, presentes dentro das aulas; são testes contextualizados ao conteúdo explorado. Exercícios de autocorreção: questões para verificação da aprendizagem; são essenciais, pois marcam a sua presença em cada aula; Avaliação somativa Formam a sua nota final nesta disciplina: Temas para discussão em fórum: aprofundam e atualizam os temas estudados em aula, além de ser um espaço para tirar suas dúvidas. Sua participação vale ponto; Prova em data especificada no calendário acadêmico do curso, que será realizada no seu Pólo; Trabalho final da disciplina: O texto deve ser digitado em folha A4, letra arial ou times new 12, entre linhas 1,5. Desenvolver o tema em até 2 laudas. Ao utilizar as citações diretas dos autores, não esquecer de colocar a referência, ex (SOUZA, 2008, p. 67). De mesma forma ao fazer paráfrase do autor coloque seu nome seguido do ano. Ex: Segundo Souza (2008) a criminologia... Colocar ao final do trabalho as referências consultadas conforme o modelo de bibliografia que consta da bibliografia geral do curso. Tema: No que consiste a Vitimologia (seu objeto e suas finalidades)? Podemos falar de vitimização de “grupos sociais” no Brasil? (Dê exemplos e analise casos de vitimização no Brasil) Orientações sobre a realização do trabalho podem ser obtidas com o professor on-line no Fórum de Discussão , no tópico Orientações do Trabalho. 6/59 Aula 1: Introdução ao estudo da criminologia Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1) Explicar os fundamentos da disciplina criminologia; 2) Compreender os objetos de pesquisa da criminologia; 3) Iniciar o estudo da Teoria do controle social e da Teoria Utilitarista. Estudo dirigido da aula: 1. Leia o texto condutor da aula. 2. Participe do fórum de discussão desta aula. 3. Realize a atividade proposta. 4. Leia a síntese da sua aula. 5. Leia a chamada para a aula seguinte. 6. Realize os exercícios de autocorreção.Olá! Seja bem-vindo à primeira aula da disciplina Introdução à Criminologia. É importante começar nosso curso esclarecendo quais os campos de estudo da criminologia. O delito, o delinqüente, a vítima e as formas de controle social são objetos de pesquisa que tradicionalmente pertencem aos estudos criminológicos, entretanto outras áreas de conhecimento também se direcionam para esse campo e dialogam com a Criminologia, a Sociologia, a Psicologia, a Psiquiatria, o Direito, o Serviço Social, e com os estudos sobre Segurança Pública. Dessa forma, a pesquisa e as trocas interdisciplinares sempre fizeram parte da criminologia e são muito valiosas, pois permitem compreender os acontecimentos e agentes sociais de forma mais integrada e dinâmica. Isso significa dizer que não podemos abrir mão dos estudos de outras áreas do conhecimento para ampliar nossas pesquisas e permitir um melhor entendimento dos fatos sociais que nos cercam. Alguns estudiosos ressaltam que o crime não é uma entidade em si, ele não existe antes da sua rotulação. Nesse sentido, sem a existência do objeto em si não existe a ciência, a 7/59 pesquisa. No entanto, sabemos que para existir crime é necessário que o grupo social defina algum, ou alguns comportamentos como ilícitos, e então passaríamos a ter o objeto. Pois é aí que entra nossa disciplina. Só estudamos o crime, o criminoso, a vítima e o controle social porque há uma prévia definição social do que seja o crime, não precisa nem mesmo ser uma definição legal/ jurídica, basta que os grupos sociais definam que determinado ato não será tolerado que já temos assim um comportamento ilícito e, portanto, passível de ser estudado. Bom estudo! DELITO No direito penal, o crime é um conceito formal e normativo, ou jurídico- formal, portanto estático. Já para a Criminologia, representa um conceito social, moral, valorativo, empírico (real e dinâmico). O delito é uma construção social dos grupos e sociedades e por isso é relativo, ou seja, variável de cultura para cultura. Interessa à Criminologia não apenas o conceito formal como também a imagem global do fato e de seu autor: a etiologia do fato real, sua estrutura, formas de manifestação, técnicas de prevenção, etc. DELINQUENTE O delinqüente é examinado em suas interdependências sociais, como unidade biopsicossocial e não de uma perspectiva biopsicopatológica. Assim não se pretende analisar o criminoso como um portador de uma doença, nem por outro lado como fruto dos problemas sociais. Mas compreender que há fatores biológicos, psicológicos e sociais que interferem nas decisões e no comportamento do ator delinqüente. Segundo a teoria clássica da Criminologia, que veremos mais adiante, os indivíduos escolhem suas ações, racionalizam e decidem, isso é chamado de 8/59 escolha racional. Por essa perspectiva não há diferença entre delinqüente e não delinqüente, pois sendo todos os indivíduos considerados iguais, qualquer um pode escolher como agir e sabe as conseqüências dos seus atos. Mas para o positivismo criminológico, o infrator é um prisioneiro da sua própria patologia (determinismo biológico) ou de processos causais alheios ao mesmo (determinismo social). Veremos pesquisas onde os estudos dos criminosos se direcionaram para o diagnóstico dos fatores biológicos que definem seu comportamento, como também estudos que analisam os fatores sociais que direcionam as escolhas pessoais. Na criminologia contemporânea se discute a normalidade do delito e do delinqüente. Normalidade no sentido de compreender que em qualquer sociedade há rotulação de comportamentos como ilícitos e que também, em todas elas, haverá quem infrinja essas regras de proibição, pois, segundo Durkheim, o rompimento dessas regras é útil e necessário a qualquer grupo social, pois serve para reforçar as regras e lembrar da importância de cumpri-las. O que significa dizer que só lembramos o valor das regras sociais quando alguém as quebra e por isso ele afirma que o crime é normal em qualquer sociedade (não em taxas exageradas). VÍTIMA A Criminologia chama atenção para a necessidade de estudar o processo de vitimização que ocorre quando um crime é cometido. Durante muito tempo a vítima sofreu com o descaso e a desconsideração do seu sofrimento. No processo penal há um abandono da vítima devido à sua neutralização e distanciamento. A Vitimologia propõe uma interação entre autor e vítima, e seus estudos abarcam: os processos de vitimização; a propensão de determinados grupos ou sujeitos de se tornarem vítimas; as variáveis que interferem no processo (sexo, idade, gênero, classe); os danos que sofrem as vítimas; o comportamento das vítimas; os riscos de vitimização; a reparação de danos e a assistência a vítimas. 9/59 CONTROLE SOCIAL O controle social é entendido como um conjunto de instituições, estratégias e sanções sociais que pretendem promover e garantir o submetimento dos indivíduos aos modelos e normas comunitários. Para alcançar a conformidade ou a adaptação do indivíduo aos seus postulados normativos, serve-se a comunidade de duas instâncias de controle social: instâncias formais e informais. Duas instâncias de controle social: Agentes informais: família, escola, profissão, opinião publica etc.. Agentes formais: polícias, sistema judiciário, administração penitenciária etc. Segundo o Ian Taylor (1990), a teoria clássica da criminologia, que teve seus primeiros princípios pensados por Cesare Beccaria, é a teoria do controle social, que se caracteriza por fixar em primeiro lugar a forma como o Estado deve se posicionar frente ao delinqüente, para depois pensar nas atitudes que caracterizam a delinqüência e a base social do direito penal. Essa teoria, como já foi dito, tem suas bases na teoria do contrato social (também chamada de utilitarista) que se alicerça (segundo algumas interpretações muito criticadas por filósofos e cientistas políticos) em três hipóteses principais: a) postula o consenso entre homens racionais acerca da moralidade e da imutabilidade da distribuição dos bens; b) entende que todo comportamento ilegal, produzido em uma sociedade onde foi celebrado um contrato social, é essencialmente patológico ou irracional e característico de homens que, pelos seus defeitos pessoais, não podem celebrar contratos; c) tem como conseqüência das suposições anteriores o fato de que os teóricos do contrato social teriam um conhecimento especial dos critérios, para determinar o nível de racionalidade de um ato, esses seriam os de utilidade para sociedade, e é dessa idéia que surge a nome de teoria utilitarista ou utilitarismo. O utilitarismo, segundo Taylor (1990), não é uma teoria que pressupõe a igualdade dos indivíduos em todos os sentidos, e sim, que os homens são iguais na sua capacidade de raciocínio, já que essas idéias foram elaboradas numa sociedade fundada na propriedade privada, não poderia a igualdade ser considerada de forma total. Entende o autor que a teoria utilitarista foi baseada numa contradição entre a defesa da igualdade e a ênfase na propriedade, pois não presta atenção ao fato de que a carência de bens pode aumentar a 10/59 probabilidade de um homem cometer delitos, e as recompensas por não cometê-los podem estar apenas à disposição de quem já possui fortuna. Nesse sentindo, os teóricos utilitaristas nunca investiram no debate sobre a supremacia morale racional da burguesia, e sim, concentraram-se nas questões atinentes à legislação e ao destino que deveria ser dado aos delinqüentes, ou seja, nos problemas relacionados à administração do controle por parte do Estado (TAYLOR, 1990, p.23). A aplicação efetiva das premissas – contrato social e controle social – da escola clássica da criminologia tiveram dificuldades em adequar-se na realidade dos fatos da Europa do século XIX. As contradições se manifestaram quando tentaram implementar medidas penais universais, foi impossível omitir-se frente aos determinantes da ação humana e atuar como se o castigo e o encarceramento pudessem ser medidos de forma idênticas. Então, em razão da limitação dos princípios clássicos, no que diz respeito à concentração do foco no ato delitivo e o desdém pelas diferenças individuais entre os atores tidos como delinqüentes, advogados e penalistas da época imprimiram esforços e modificaram os princípios clássicos da época criando a escola neoclássica, que foi a base da maioria dos regimes jurídicos do Ocidente. Depois de termos conhecido o objeto da criminologia, na próxima aula, continuaremos trabalhando seus aspectos teóricos e históricos. Assista o vídeo proposto no ambiente on line e debata no Fórum de Discussão sobre o tema “Psicopatia e sua relação com a violência nas cidades”. A partir do estudo da aula, reflita como devem ser tratados, tanto pela ciência, quanto pelo Estado, os casos em que sociopatas cometem crimes? 11/59 Assista aos filmes O Iluminado, de Stanley Kubrick, e As duas faces de um crime, de Gregory Hoblit. Esta primeira aula procurou apresentar para você as possibilidades de pesquisa e compreensão da criminologia, analisando cada conceito-objeto de estudo. A partir desse primeiro momento, iremos fazer um percorrido histórico-teórico da Sociologia Criminal e da Sociologia. Depois de termos conhecido o objeto da criminologia, na próxima aula, continuaremos trabalhando seus aspectos teóricos e históricos. TAYLOR, Ian; WALTON, Paul; YOUNG, Jock. La nueva criminología: contribución a una teoría social de la conducta desviada. Buenos Aires: Amorrortu editores, 1990. PABLOS DE MOLINA, Antonio Garcia e GOMES, Antonio Flavio. Criminologia. São Paulo : RT. 2002. 12/59 Aula 2: História da Criminologia Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Descrever as principais teorias sociológicas que estudam o fenômeno criminal, desde as formas de punição da Idade Média até a Biologia criminal e Psicologia criminal contemporânea. Estudo dirigido da aula 1. Leia o texto condutor da aula. 2. Participe do fórum de discussão desta aula. 3. Realize a atividade proposta. 4. Leia a síntese da sua aula. 5. Leia a chamada para a aula seguinte. 6. Realize os exercícios de autocorreção. Olá! Seja bem-vindo à aula História da Criminologia. Na aula anterior, fizemos uma introdução ao objeto de estudo da criminologia e conhecemos os principais conceitos dessa matéria. A partir daí, iniciamos a abordagem histórico-teórica da Criminologia, que daremos continuidade nesta aula, onde estudaremos as Teorias: Escola Clássica, Escola Positiva – Etapa Cientifica da Criminologia, Positivismo Biológico (Determinismo biológico ). Bom estudo! Um pouco de História George Rushe e Otto Kirchheimer (2004) estudaram as formas de punição na estrutura social da Idade Média européia e perceberam que as penas e o sistema punitivo estiveram relacionados às demandas econômicas e sociais de ampliação ou redução da força de trabalho. Os autores ressaltam que até século XV as penas previstas na Europa ocidental eram a fiança, a indenização e os castigos físicos: mas, no século XVI, a escassez de mão-de- obra tornou a exploração do trabalho necessária e por isso em 1596 foram criadas as casas de correção em Amsterdã, como o objetivo de disciplinar a força de trabalho e 13/59 limpar a cidade dos vagabundos. Outras penas úteis eram as Galés (remadores dos navios mercantis); Deportação e Banimento para as colônias recém descobertas. Durante o século XVIII o aumento populacional e da pobreza teve como conseqüência a luta por direito ao trabalho dos homens livres, o que acarretou o retorno de métodos mais duros de punição: açoite, mutilações e pena de morte. O sistema inquisitorial utilizando-se da tortura e da confissão forçada foi amplamente utilizado e a busca pelos “hereges”, revelou-se uma forma cruel de punição e eliminação dos indesejáveis. Vale lembrar que a Igreja Católica detinha o poder de julgar e condenar em nome do Rei não apenas de crimes de heresia (judeus, bruxos, islâmicos, deficientes etc), como também crimes comuns. Para conhecer um pouco mais do que foi a Inquisição na Europa Medieval, faça uma pesquisa sobre o tema na Internet. Escola Clássica Cesare Beccaria (1738-1794), em sua obra Dos Delitos e das Penas, de 1764, se insurgiu contra as formas cruéis de punição, escreveu um livro em forma de protesto e acabou se tornando um dos maiores críticos da Inquisição, defendendo a abolição da pena de morte, da tortura e de outras penas desumanas. Observou que a prevenção do crime é mais importante do que a própria punição. Sob influência do Iluminismo e do Contratualismo francês (liberdade, Igualdade e Fraternidade) sua obra preconizou um novo Direito Penal em que todos os seres humanos sendo livres e iguais no Estado contratual devem ter direito a uma punição justa e proporcional ao delito cometido, porém, nunca ser privado de sua vida, o bem maior que o contrato social visa preservar. A discussão do Utilitarismo de Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806- 1873) tambem marcou sua obra. Segundo o utilitarismo, os homens “agem sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar” (princípio do bem-estar máximo). Assim, entende-se ser o princípio da utilidade, aquele segundo o qual toda ação, qualquer que seja, deve ser aprovada ou rejeitada em função de sua tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar das partes afetadas pela ação...” (Jeremy Bentham). 14/59 Nesse sentido, se os homens calculam suas ações visando bem estar e redução dos prejuízos, a pena deve ser uma forma de coibir o bem estar e o prazer. Mas para tanto, é necessario que as formas punitivas sejam claras e públicas, ou seja, é necessário que todos conheçam os delitos e as penas previstas na forma de lei, a fim de calcular se vale ou não incorrer no ato delituoso. Beccaria se rebelou contra as arbitrariedades da Justiça Criminal da sua época e proclamou: A atrocidade da pena opõe-se ao bem público Os crimes e as penas devem ser previstas em lei As penas devem ser proporcionais aos delitos As penas devem ser moderadas As acusações não podem ser secretas Não se pode admitir a tortura por ocasião do processo O objetivo da pena não é atormentar o acusado e sim impedir que ele reincida e servir de exemplo para outros O réu jamais poderá ser considerado culpado antes da sentença condenatória (Devido Processo Legal) Somente os magistrados podem julgar acusados Aos juízes não deve ser dado interpretar as leis penais Mais útil do que a repressão é a prevenção dos delitos Não tem a sociedade o direito de aplicar a pena de morte nem de banimento “ É que para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária,a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcional ao delito e determinada pela lei” (Beccaria) Escola Positiva – Etapa (supostamente) Científica da Criminologia Durante o século XIX as pesquisas cientificas ganharam grande impulso devido à expansão do Estado laico e dos projetos relacionados à Revolução Industrial e Científica. O movimento Positivismo proclamava a Razão e Ciência como fontes do conhecimento e do progresso social. Através da observação dos fatos e da busca pelas leis naturais, diferentes áreas do conhecimento foram se desenvolvendo e divulgando seus resultados. 15/59 Positivismo Biológico (Determinismo biológico ) Um famoso médico psiquiatra chamado Cesare Lombroso (1835- 1909) propôs-se a estudar o criminoso pela perspectiva biológica e comprovar a sua hipótese de que determinados indivíduos nascem com uma degenerescência genética que o direciona para um comportamento criminoso. Seu livro O Homem Delinqüente foi publicado em 1876, tornando suas pesquisas mundialmente famosas. Seu grande valor foi inaugurar o método empírico de estudo do crime e do criminoso. Sua teoria do delinqüente nato foi formulada com base em 400 autópsias e 6.000 análises de delinqüentes vivos. Segundo Lombroso, o delinqüente padece de uma série de estigmas degenerativos comportamentais, psicológicos e sociais. Usa a frenologia para suas análises: fronte esquiva e baixa, grande desenvolvimento dos arcos supraciliais, assimetria craniana, grande desenvolvimento das maças do rosto, orelhas em forma de asa, uso freqüente de tatuagens, insensibilidade à dor, instabilidade afetiva, alta reincidência etc... Classificação Lombrosiana Criminoso Nato: portador de patrimônio genético, degenerescência genética – atavismo Criminoso louco: portador de perturbação mental – louco moral Criminoso Profissional: Força do meio, não há patrimônio genético Criminoso Primário: Fatores circunstanciais, a ocasião Criminoso Passional: vitima do humor, nervosismo, paixão. As pesquisas contemporâneas discordam dos estudos de Lombroso que afirmaram o determinismo biológico do criminoso. Entretanto, o que seu trabalho revelou foi a necessidade de iniciar uma pesquisa empírica sobre quem eram os criminosos, seus hábitos, costumes, estilos de vida, meio social, problemas psicológicos e biológicos entre outros. Como falamos no início não há estudo hoje que defenda o determinismo, que afirme o determinismo biológico, ou psicológico, ou social, mas grande parte dos estudiosos concordam que é necessário estudar os fatores bio- psico- sociais que envolvem o fenômeno da criminalidade. 16/59 Só para ilustrar um pouco a moderna criminologia que se pretende científica (mas que é questionada com severidade pelos que consideram as pesquisas sobre o ser criminoso uma reificação grosseira, preconceituosa e contrária ao próprio reconhecimento de que o crime é uma construção sócio-cultural e histórica, portanto variável e relativa, sendo, portanto, ele, o crime, o objeto legítimo de estudo, e não “o criminoso”, porque não existe “o ser-criminoso” correspondente a uma essência natural e invariável): vale conhecer aspectos estudados pela Biologia criminal e a Psicologia criminal contemporânea. Modelos de Análise de cunho biológico Neurofisiologia: busca as anomalias cerebrais a partir da descoberta do eletro encefalograma e ressonância magnética. Endocrinologia: Busca as disfunções hormonais em homens e mulheres. Sociobiologia (Bioquímica): busca as influências externas: déficit de minerais e vitaminas; hipoglicemia; contaminação ambiental por chumbo, mercúrio; fatores térmicos, espaciais, urbanísticos e acústicos. Genética Criminal: análise de famílias criminais, gêmeos; e malformação cromossômica. Modelos de cunho Psicológico Psicanálise: estuda os conflitos psíquicos através da análise do inconsciente. Freud – os conflitos da infância reaparecem na fase adulta através de neuroses. Psiquiatria: Catálogo das patologias CID 10 e DSM IV. Sociopatia ou psicopatia - Personalidade anti-social. Oligofrenia ; retardamento mental. Personalidade Esquizotípica: Esquizofrenia - incapacidade de valorar a realidade. Transtorno Bipolar - Psicose Maníaco-Depressiva. Demência por deteriorização orgânico-cerebral (velhice). Depressão. 17/59 Transtorno por: Dependência de álcool e drogas (síndrome de abstinência) Transtorno por ansiedade Transtorno sexual: exibicionismo, fetichismo, pedofilia, sadismo, masoquismo, voyeurismo Transtorno de controle dos impulsos: cleptomania, piromania, ludopatia Você pode conhecer mais sobre essas patologias consultando na WEB o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM IV e também o CID 10. São catálogos médicos que classificam as características das doenças psiquiátricas e psicológicas. Finalizando, é preciso ter muito cuidado para não estigmatizar pessoas com alguma patologia ou mesmo com alguma característica física, como fez o estudo de Lombroso, porque o portador de alguma patologia não é um criminoso. Há exemplos de pessoas que viveram toda uma vida com problemas psiquiátricos e nunca infringiram nenhuma regra social, assim como muita gente sã perpetrou vários crimes. Por isso, caso se insista em estudar o criminoso ao invés do crime, é necessário um trabalho interdisciplinar, com diferentes profissionais, para identificar os fatores que contribuem para determinado comportamento. Leia o texto A tortura no Brasil e debata no Fórum de Discussão sobre a permanência da tortura no Brasil. Relembre casos que ocorreram e analise o porquê da tortura ainda ser um instrumento de revelação da “verdade” presente nas práticas policiais brasileiras. 18/59 Identifique argumentos Lombrosianos que ainda persistem no nosso senso comum. Pense em situações onde eles aparecem. Procure um caso recente de uso da tortura no Brasil e identifique na obra de Beccaria as críticas a esta forma punitiva e seus argumentos. Assista aos filmes: Joana D'Arc, de Luc Besson. Silêncio dos Inocentes, de Jonathan Demme. Os Miseráveis, de Billie August. Esta aula buscou recuperar um pouco da história da construção do direito penal moderno, identificando transição entre o modelo inquisitorial de punição e a expansão da ideologia iluminista das garantias individuais. Também é importante reconhecer que os trabalhos de Lombroso ampliaram a possibilidade da pesquisa empírica sobre o fenômeno criminal, contudo, hoje são duramente criticados pelo seu caráter essencialmente estigmatizante. Na próxima aula, estudaremos as principais teorias da Sociologia criminal. Conheceremos as Teorias de Enrico Ferri, de Durkheim e Robert Merton PABLOS DE MOLINA, Antonio Garcia e GOMES, Antonio Flavio. Criminologia. São Paulo: RT. 2002 19/59 Aula 3: Teorias Sociológicas do Crime Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Conhecer as teorias sociológicas que estudam o fenômeno criminal; 2. Identificar as características da violência e da criminalidade na sociedade brasileira; 1. Avaliar as possibilidades de intervenção social e política a fim de reduzir determinados crimes recorrentes relacionados a questões urbanas, econômicas e sociais. Estudo dirigido da aula: 1. Leia o texto condutor da aula. 2. Participe do fórum de discussãodesta aula. 3. Realize a atividade proposta. 4. Leia a síntese da sua aula. 5. Leia a chamada para a aula seguinte. 6. Realize os exercícios de autocorreção. Olá! Seja bem-vindo à aula Teorias sociológicas do crime. Nossa terceira aula tem como proposta analisar as teorias sociológicas que estudaram o crime e o comportamento criminoso. Importante lembrar que as pesquisas sociológicas iniciaram no final do século XIX junto com as pesquisas de abordagem biológica. Em verdade, a pesquisa sociológica também é fruto do Positivismo, grande incentivador do desenvolvimento científico na Europa. Então podemos dizer que no campo da criminologia temos agora uma abordagem positivista multifatorial onde o criminoso e seu meio serão analisados. Bom estudo! TEORIAS SOCIOLÓGICAS QUE ESTUDARAM A CRIMINALIDADE Enrico Ferri O Professor universitário Enrico Ferri (1865-1929) foi considerado o pai da moderna sociologia criminal. Tornou-se conhecido principalmente por sua teoria da criminalidade, 20/59 por seu programa político-criminal e sua tipologia criminal. Segundo Ferri o delito não é produto de uma patologia individual, mas como qualquer outro acontecimento natural, produto de diversos fatores: individuais, físicos e sociais. Sua tese é que o delito é um fenômeno social, com uma dinâmica própria e etiologia específica, na qual predominam fatores sociais. Em conseqüência, a luta contra o delito e sua prevenção devem ser concretizadas por meio de uma ação realista e científica de poderes públicos que se antecipe a ele e que incida com eficácia nos fatores criminógenos que o produzem, nas mais diversas esferas (econômica, política, legislativa, familiar, educativa, administrativa etc.), neutralizando-os. Ferri considerava serem três as causas do delito: biológicas (herança, constituição, etc); físicas (o ambiente, compreendendo as condições climáticas, como a umidade, o calor, etc); sociais (referente às condições ambientais ou mesológicas). O estudo da criminalidade como um fenômeno social como os outros permitiria aos cientistas antecipar o número de delitos em uma determinada sociedade, se contasse com os fatores antes citados. Em sua teoria dos substitutivos penais, sugeriu um programa político-criminal de luta e prevenção ao delito, dispensando o direito penal. A pena, conforme Ferri, seria ineficaz se não viesse precedida ou acompanhada das oportunas reformas econômicas, sociais, etc., orientadas por uma análise científica e etiológica do delito. Emile Durkheim A teoria formulada por Emile Durkheim (1858-1917), considerada uma explicação funcionalista da sociedade, foi formulada em um contexto de profundas mudanças sociais, com o enfraquecimento dos modelos tradicionais de sociedade e o fortalecimento das economias industrializadas no final do século XIX. Neste sentido, privilegia uma compreensão orgânica e sistêmica da sociedade, para a manutenção da ordem e da funcionalidade. Em relação ao fenômeno da criminalidade, Durkheim se posiciona contra as concepções naturalistas e positivistas que identificavam as causas da criminalidade nas forças naturais (clima, raça), nas condições econômicas e na densidade populacional de certas 21/59 regiões. Dessa forma, discorda dos criminologistas que estudam o crime como resultado da atuação de um fator de caráter patológico incontestável. Estudando os fenômenos normais e patológicos de uma sociedade, chega à conclusão da normalidade e utilidade do crime para a sociedade. Pois, segundo Durkheim, o crime não se observa só na maior parte das sociedades desta ou daquela espécie, mas em todas as sociedades de todos os tipos. Não há nenhuma em que não haja criminalidade. Mudam de forma, os atos assim qualificados, não são os mesmos em todos os lados; mas sempre, e em toda parte, existiram homens que se conduziram de modo a transgredir normas comunitárias ou a incorrer na repressão penal. Não há, portanto, fenômeno que apresente de maneira mais irrefutável todos os sintomas da normalidade, dado que aparece como estreitamente ligado às condições de qualquer vida coletiva. Transformar o crime numa doença social seria admitir que a doença não é uma coisa acidental mas que, ao contrário, deriva, em certos casos, da constituição fundamental do ser vivo. Isto seria eliminar qualquer distinção entre o fisiológico e o patológico. Pode, sem dúvida, acontecer que até o crime tome formas anormais; é o que acontece quando, por exemplo, atinge uma taxa exagerada. Efetivamente, não há dúvida de que este excesso é mórbido. O que é normal é simplesmente que exista uma criminalidade, contanto que atinja e não ultrapasse, para cada tipo social, um certo nível que talvez não seja impossível fixar de acordo com as regras precedentes. (DURKHEIM 2002, p. 82) O crime está presente em todas as sociedades, por isso não é algo patológico. O delito faz parte da vida coletiva, enquanto elemento funcional da fisiologia, e não da patologia da vida social. Somente em suas formas anormais, em caso de crescimento excessivo, pode ser considerado patológico. Então, classificar o crime entre os fenômenos de sociologia normal é afirmar que é um fator da saúde pública, uma parte integrante de qualquer sociedade sã. Nesse sentido, podemos resumir os postulados da teoria funcionalista em: 1) As causas do desvio não devem ser pesquisadas nem em fatores bioantropológicos e naturais (clima, raça), nem em uma situação patológica da estrutura social. 22/59 2) O desvio é um fenômeno normal de toda a estrutura social. 3) Somente quando são ultrapassados determinados limites, o fenômeno do desvio é negativo para a existência e o desenvolvimento da estrutura social, seguindo-se de um estado de desorganização, no qual todo um sistema de regras de conduta perde valor (situação de anomia). Dentro dos seus limites funcionais, o comportamento desviante é um fator necessário e útil para o equilíbrio e o desenvolvimento sócio-cultural. O delito cumpre uma função na estrutura social, ele provoca e estimula a reação social, estabiliza e mantém vivo o sentimento coletivo que sustenta a conformidade às normas. “O Crime é necessário e está ligado às condições fundamentais de qualquer vida social, mas, precisamente por isso, é útil; porque estas condições de que é solidário são elas mesmas indispensáveis à evolução normal da moral e do direito”. (DURKHEIM 2002, p. 86) Conclui, então, que o crime cumpre a função integradora e inovadora, e deve ser analisado como um fenômeno normal para o funcionamento da sociedade. Sendo a pena uma reação social e necessária, que atualiza os sentimentos coletivos que correm o risco de fragilização, recorda a vigência de certos valores e normas, e reforça a convicção coletiva sobre o significado dos mesmos. Além disso, o desvio individual torna possível a transformação e a renovação social, ou mesmo prepara o caminho para essas transformações. Ou seja, o criminoso não só permite a manutenção do sentimento coletivo em uma situação suscetível de mudança, mas antecipa o conteúdo mesmo da futura transformação. A análise funcionalista representa um marco na idéia de legitimação do castigo. A pena não é analisada sob o enfoque valorativo (seus fins), senão funcional (funções reais que a pena desempenha no sistema). A pena cumpre funções integradoras, é uma reação que reforça os sentimentos coletivos lesionados pelo crime, impedindo que se enfraqueçam, fortalece a consciência coletiva e a solidariedade social e devolve,ao cidadão honesto, sua confiança nos sistema. 23/59 Robert Merton (Teoria da Anomia) O método funcionalista que Merton (1910-2003) aplica ao estudo da anomia permite interpretar o desvio como um produto da estrutura social, absolutamente normal como o comportamento conforme as regras. Os mecanismos de transmissão de estrutura social que produzem as motivações do comportamento conforme as regras e do comportamento desviante são da mesma natureza. Segundo Merton, em todo contexto sociocultural desenvolvem-se metas culturais. Estas expressam os valores que orientam a vida dos indivíduos em sociedade, representam motivações para o seu comportamento e são alcançadas através de meios socialmente estabelecidos. Trata-se de recursos institucionalizados ou legítimos que são socialmente prescritos. Existem também outros meios que permitem atingir estas metas, os quais são rejeitados pelo grupo social. A utilização destes últimos é considerada violação das regras em vigor. Merton observou, estudando a sociedade norte-americana, que a meta cultural mais importante é o sucesso na vida, abarcando riqueza e prestígio (american dream). Porém, apesar dessa meta cultural ser compartilhada por todos, existe uma impossibilidade desta ser atingida por uma grande parcela da população. A sociedade é estruturada de tal forma que os meios socialmente admitidos não permitem a todos os indivíduos alcançar a meta cultural. Disto resulta um desajuste entre os fins e os meios. Este desajuste propicia o aparecimento de condutas desviantes. O insucesso em atingir as metas culturais devido à insuficiência dos meios institucionalizados pode produzir o que Merton denomina anomia: manifestação de um comportamento no qual as regras do jogo social são abandonada ou contornadas. O indivíduo não respeita as regras de comportamento que indicam os meios de ação socialmente aceitos. Surge então o desvio, o comportamento desviante. Examinando a situação conflitiva que pode ser estabelecida entre as aspirações culturalmente prescritas (metas culturais) e o caminho socialmente indicado para atingi- las (meios institucionalizados), Merton fez uma classificação dos tipos de comportamento. Trata-se do que o autor chamou de modos de adaptação, que exprimem o comportamento de indivíduos em face das regras sociais. Nesta classificação os 24/59 símbolos positivo e negativo são utilizados para indicar se os indivíduos aceitam ou não as metas e os meio socialmente estabelecidos. Modos de Adaptação Metas Culturais Meios Institucionalizados Conformidade + + Inovação + - Ritualismo - + Evasão - - Rebelião ± ± Conformidade: corresponde a resposta positiva, tanto aos fins quanto aos meios institucionais e, portanto, ao típico comportamento conformista. Inovação: corresponde à adesão aos fins culturais, sem o respeito aos meios institucionais. Ritualismo: corresponde ao respeito somente formal aos meios institucionais, sem persecução dos fins culturais. Evasão: corresponde a negação tanto dos fins culturais quanto dos meios institucionais; Rebelião: corresponde não a simples negação dos fins e dos meios institucionais, mas a afirmação substitutiva de fins alternativos, mediante meios alternativos. O comportamento criminoso típico corresponde ao segundo modelo, o da inovação. Partindo do principio segundo o qual o impulso para um comportamento desviante deriva da discrepância entre fins culturais e meios institucionais, Merton mostra como os estratos sociais inferiores estão submetidos, na sociedade norte-americana analisa por ele, à máxima pressão neste sentido. 25/59 Leia o texto do Professor Michel Miss, acesse o Fórum de Discussão e debata sobre como no senso comum estamos acostumados a relacionar violência com pobreza, o que a caba por gerar uma constante criminalização dos pobres. Assista ao vídeo no ambiente on line de Loïc Wacquan. A partir do estudo desta aula, faça uma análise crítica de como se dá a relação entre pobreza e violência no Brasil. Assista ao filme Zona do Crime, de Rodrigo Plá e Crash - No Limite, de Paul Haggis. Sugestões de boas leituras: MISSE, Michel. Crime e Pobreza: velhos enfoques, novos problemas. Disponível em: http://www.necvu.ifcs.ufrj.br/arquivos/CRIME%20e%20pobreza.pdf ZALUAR, Alba. Oito temas para debate. Violência e segurança pública. Disponível em: http://loki.iscte.pt:8080/dspace/bitstream/10071/378/1/38.02.pdf A terceira aula apresentou parte das teorias sociológicas que em muito contribuem para os estudos da criminologia. Perceba que temos muitas variáveis que estão presentes no fenômeno criminal, que influenciam diretamente na sua incidência, esses fenômenos devem ser estudados em diferentes contextos sociais. Entenda que uma teoria não exclui a outra, podemos realizar trabalhos de pesquisa e estudos que correlacionem diferentes variáveis e abordagens. Nesta aula, estudamos as teorias de Enrico Ferri, do sociólogo Emile Durkheim e de Robert Merton (Teoria da Anomia). Na próxima aula, continuaremos estudando as teorias criminológicas, são elas: da Escola de Chicago, Teoria Ecológica, Teorias subculturais, 26/59 Teoria da aprendizagem social ou da Associação Diferencial, Teoria do etiquetamento - Labeling Approach e a Teoria do Conflito. BARATTA. Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica ao direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002. DURKHEIM. Émile. As regras do método sociológico. São Paulo. Martins Claret, 2002. MOLINA. Antonio Garcia-Pablos e GOMES, Luz Flavio. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Pg. 194-196 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004. 27/59 Aula 4: Teorias Sociológicas do Crime II Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Conhecer as teorias sociológicas que estudam o fenômeno criminal; 2. Identificar as características da violência e da criminalidade na sociedade brasileira; 1. Avaliar as possibilidades de intervenção social e política a fim de reduzir determinados crimes recorrentes relacionados a questões urbanas, econômicas e sociais. Estudo dirigido da aula 1. Leia o texto condutor da aula. 2. Participe do fórum de discussão desta aula. 3. Realize a atividade proposta. 4. Leia a síntese da sua aula. 5. Leia a chamada para a aula seguinte. 6. Realize os exercícios de autocorreção. Olá! Seja bem-vindo à aula Teorias sociológicas do crime II. Nesta aula, continuaremos estudando as teorias sociológicas relacionadas ao crime e ao comportamento criminoso. São elas: da Escola de Chicago, Teoria Ecológica, Teorias subculturais, Teoria da aprendizagem social ou da Associação Diferencial, Teoria do etiquetamento - Labeling Approach e a Teoria do Conflito. Escola de Chicago Berço da moderna sociologia americana, a Escola de Chicago se destacou pela inovação na metodologia de pesquisa social, caracterizando-se por seu empirismo e por sua finalidade pragmática, isto é, pelo emprego da observação direta em todas as investigações e pela finalidade prática a que se orientavam, partindo de um diagnóstico confiável sobre os urgentes problemas sociais da realidade norte-americana de seu tempo. 28/59 A temática principal era uma sociologia da grande cidade, analisando o impacto dasmudanças sociais das grandes cidades (industrialização, (i)migração, conflitos) e interessada nos grupos e culturas minoritários, como o mundo dos desviantes e a morfologia da criminalidade. O crescimento populacional de Chicago explica o interesse da Escola. Em 1860 a cidade tinha 110 mil habitantes, e apenas cinqüenta anos depois, em 1910, cerca de dois milhões. Esta explosão demográfica implicava vários problemas familiares, morais, urbanos, etc. Teoria Ecológica O ponto de atenção das teorias ecológicas estudadas por autores como Park, Burgess, Mckenzie, Shaw, Mckay, etc, é a cidade como uma unidade ecológica. Suas teses fazem uma relação entre o processo de criação de novos centros urbanos e a criminalidade. A cidade produz delinqüência, concentrada em áreas específicas (delinquency areas). O efeito criminógeno dos aglomerados urbanos é explicado pelos conceitos de desorganização e contágio, bem como pelo debilitamento do controle social nesses centros. A deteriorização dos “grupos primários” (família), a superficialidade das relações interpessoais, a alta mobilidade, a perda das raízes, a crise dos valores tradicionais e familiares, a superpopulação, a tentadora proximidade às áreas comerciais e industriais onde se acumula riqueza e o enfraquecimento do controle social criam um meio desorganizado e criminógeno. O mérito das teorias ecológicas foi chamar atenção sobre o impacto criminógeno do desenvolvimento urbano, na forma como se deu nas cidades norte-americanas no princípio do século XX. Teorias subculturais As teorias subculturais surgiram na década de 1950 em reposta aos problemas da sociedade americana com minorias étnicas, políticas, raciais, culturais etc. Elas sustentam três idéias fundamentais: o caráter pluralista e atomizado da ordem social; a rotulação normativa da conduta desviada; e a semelhança estrutural, em sua gênese, do comportamento regular e irregular. 29/59 A ordem social neste modelo é um mosaico de grupos e subgrupos, fragmentados, conflitivos; onde cada grupo ou subgrupo possui o seu código de valores, que nem sempre coincidem com os valores majoritários e oficiais. A conduta delitiva para as teorias subculturais não seria produto da desorganização ou ausência de valores, mas o reflexo e expressão de outros sistemas de normas e de valores distintos: os subculturais. A teoria das subculturas criminais nega que o delito possa ser considerado como expressão de uma atitude contrária aos valores e às normas sociais gerais, e afirma que existem valores e normas específicos dos diversos grupos sociais. Estes valores são interiorizados pelos indivíduos através de mecanismos de interação e de aprendizagem no interior dos grupos e determinam o comportamento em concurso com os valores e as normas institucionalizadas pelo direito ou pela moral “oficial”. Não existindo, assim, um único sistema de valores. Dessa forma, não só a estratificação social e o pluralismo de grupos sociais, mas também as reações típicas de grupos socialmente impedidos do pleno acesso aos meios legítimos para a obtenção de fins institucionais dão lugar a um pluralismo de subgrupos culturais, caracterizados por valores, normas e modelos de comportamento alternativos aos predominantes. O estudo de Cohen sobre a delinqüência juvenil nas classes baixas concluiu que as áreas de delinqüência não são desorganizadas e carentes de controle social, mas terrenos nos quais vigoram normas distintas das oficiais. O conflito, segundo Cohen, é produzido quando os jovens de classes inferiores se identificam com as classes médias e interiorizam seus valores. Vinculados a uma posição social inferior, e em desvantagem, não poderão superar as demandas do grupo a que aspiram pertencer sem sofrer graves problemas de adaptação. O conflito, assim, admite três alternativas: a adaptação, a transação e a rebelião. Nesse sentido, a subcultura opera como evasão da cultura geral ou como reação negativa frente a ela. É uma espécie de cultura de recâmbio, que certas minorias marginalizadas, pertencentes às classes menos favorecidas, criam dentro da cultura oficial para dar vazão à ansiedade e à frustração que sentem ao não poderem participar, por meios legítimos, das expectativas que teoricamente são oferecidas a todos pela sociedade. A via criminal 30/59 é considerada um mecanismo substituto ante a ausência real de vias legítimas para fazer valer as metas culturais cujo alcance a sociedade nega às classes menos privilegiadas. A teoria das subculturas criminais demonstrou que os mecanismos de aprendizagem e de interiorização de regras e modelos de comportamento, que estão na base da delinqüência, não diferem dos mecanismos de socialização através dos quais se explica o comportamento normal. Essa investigação sociológica, com uma visão relativizante, permitiu mostrar que no interior da sociedade moderna existe uma estrutura pluralista com valores e regras produzidos por grupos diversos e antagônicos. Teoria da aprendizagem social ou da Associação Diferencial A década de 1960 viu surgir um grupo de teorias sociais sobre o crime, para as quais este é uma função das interações psicossociais do indivíduo e apenas um dos diversos processos de relacionamento vigentes na sociedade. Segundo Molina, podemos identificar orientação conceitual e analítica distinta das tradicionais no interior das teorias do processo social. Para a teria da aprendizagem social, o comportamento delituoso é aprendido do mesmo modo que o indivíduo aprende outras condutas ou atividades lícitas, em sua interação com pessoas e grupos, e mediante a um complexo processo de comunicação. O indivíduo aprende, assim, não só a conduta delitiva, mas também os próprios valores criminais, as técnicas comissivas e os mecanismos subjetivos de racionalização (justificação) do comportamento desviante. Edwin H. Sutherland contribuiu, nesse sentido, com a análise das formas de aprendizagem do comportamento criminoso, e da dependência desta aprendizagem face às várias associações diferenciais que o indivíduo tem com outros indivíduos do grupo. Desenvolveu uma crítica radical às teorias do comportamento criminoso baseadas em condições econômicas (pobreza), psicopatológicas e sociopatológicas. Essas teorias, segundo ele, são errôneas porque se baseiam em uma falsa amostra da criminalidade, a criminalidade oficial e tradicional, da qual estão excluídas algumas formas de criminalidade, como a do “colarinho branco”, cujos autores, salvo raras exceções, não são pobres. 31/59 Sutherland chegou à conclusão de que a conduta desviante não pode ser imputada a disfunções ou inadaptação do individuo das classes pobres, senão à aprendizagem efetiva dos valores criminais. A capacidade ou destreza e a motivação necessária(s) para o delito aprendem-se mediante o contato com valores, atitudes, definições e pautas de condutas criminais no curso dos processos de comunicação e interação dos indivíduos. O pressuposto da teoria da aprendizagem consiste na idéia de organização social diferencial, que se conecta com as concepções de conflito social. A associação diferencial é uma conseqüência lógica do principio de aprendizagem mediante associações ou contatos em uma sociedade pluralista e conflitiva. Teoria do etiquetamento - Labeling Approach Por volta dos anos 1970, ganhou destaque uma explicação interacionista do fato delitivo, cujo ponto de partida são conceitos de conduta desviante e reação social. Seus principaisrepresentantes são Garfinkel, Goffman, Eriksan, Becker, Shur e Sack. De acordo com a perspectiva interacionista, não se pode compreender o crime prescindindo da própria reação social, isto é, do processo social de definição ou seleção de certas pessoas e condutas, etiquetadas como delitivas. Delito e reação social são expressões interdependentes, recíprocas e inseparáveis. O desvio não é uma propriedade imanente à conduta, mas uma qualidade que lhe é atribuída por meio de complexos processos de interação social --processos esses seletivos e discriminatórios. A etiqueta colada ao delinqüente manifesta-se como um fator negativo que os mecanismos de controle social repartem com o mesmo critério de distribuição de bens positivos, levando em conta o status e o papel das pessoas. Portanto, as chances, ou os riscos, de ser etiquetado como delinqüente não dependem tanto da conduta, mas da posição do indivíduo na pirâmide social. Essa teoria parte da consideração de que não se pode compreender a criminalidade se não se estuda a ação do sistema penal, que a define e reage contra ela --começando pelas normas abstratas e seguindo até a ação das instâncias oficiais. Por isso, o status social de delinqüente pressupõe o efeito da atividade das instâncias oficiais de controle social da delinqüência. Nesse sentido, o “Labeling Approach” tem se ocupado principalmente com as reações das instâncias oficiais de controle social, e sob este ponto 32/59 de vista tem estudado o efeito estigmatizante da atividade da polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes. O horizonte dentro do qual o “Labeling Approach” se situa é, em grande medida, dominado por duas correntes da sociologia americana: o interacionismo simbólico, de George Mead, e a etnometodologia, de Harold Garfinkel e outros, inspirada no filósofo fenomenólogo Alfred Schutz. Segundo o interacionismo simbólico, a sociedade é constituída por uma infinidade de interações concretas entre indivíduos, aos quais um processo de tipificação confere um significado independente, relativamente, de situações concretas, o qual se mantém e estende através da linguagem. Também segundo a etnometodologia, a sociedade não é uma realidade que se possa conhecer sobre o plano objetivo, mas produto de uma construção social, obtida através de um processo de definição e de tipificação por parte de indivíduos e de grupos diversos. Um importante estudo das identidades e das carreiras desviantes foi realizado por Howard Becker. Analisando a carreira dos usuários de maconha, nos EUA, Becker mostrou que a mais importante conseqüência da aplicação de sanções consiste numa decisiva mudança de identidade social do indivíduo, mudança que ocorre logo no momento em que é introduzido no status de desviante. Edwin Lemert prossegue ressaltando que a reação social ou a punição de um primeiro comportamento desviante acaba por gerar, através de uma mudança na identidade social do indivíduo assim estigmatizado, uma tendência a permanecer no papel social no qual a estigmatização o introduziu. Nesse sentido, a intervenção do sistema penal, antes de ter um efeito reeducativo sobre o delinqüente, determina uma consolidação da identidade desviante do condenado e seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa. Corresponde ao “Labeling Approach” o mérito de ter ressaltado a importância da ação seletiva e discriminatória realizada pelas instâncias e mecanismos de seleção do controle social. Compreendendo o problema criminal como um processo social de definição e de seleção de certas pessoas e condutas etiquetadas como delitivas. Teoria do Conflito 33/59 Segundo Marx e Engels, o processo de brutalização das relações sociais, intensificado pelo capitalismo industrial, atuou de forma negativa sobre a própria fibra moral da classe operária. Esse processo teria degradado tanto os homens que o crime passou a ser um índice de tal processo. Várias vezes os autores fizeram correlações diretas entre o capitalismo, a miséria social e o aumento das taxas de crimes. Uma idéia formulada por Engels poderia ser assim sintetizada: a propriedade privada aumentaria o grau de competição entre os indivíduos dentro do mercado de trabalho ou mesmo dentro da própria fábrica, o que contribuiria para degenerar a solidariedade entre eles e, conseqüentemente, aumentaria as tensões que resultariam em crimes. Por isso, afirmava, não deveriam ser os indivíduos a sofrer sanções e punições por isso. As condições sociais, por darem origem ao crime, é que deveriam ser responsabilizadas. De acordo com a análise marxista, o delito é sempre um produto histórico e contingente da sociedade capitalista. Essa concepção teórica contempla a ordem social como confrontação de classes antagônicas (burguesia X proletariado), por meio da qual uma delas se sobrepõe e explora a outra, servindo-se do direito e da justiça penal. O conflito inerente à sociedade capitalista é um conflito de classes, enraizado no modo de produção e na infra-estrutura econômica. As teorias marxistas do conflito apelam para a estrutura classista da sociedade capitalista e concebem o sistema legal como um mero instrumento a serviço da classe dominante para oprimir a classe trabalhadora. Os integrantes e agentes da justiça penal não estariam organizados para lutar contra o delito, mas para identificar e punir o segmento desviante dentre as componentes das classes trabalhadoras que constituem o objeto por excelência de seu controle. Seus principais postulados são: 1) A ordem social da moderna sociedade industrializada não tem por base o consenso, mas o dissenso. 2) O conflito não expressa uma realidade patológica, senão a própria estrutura e dinâmica do processo social. 3) O Direito representa os valores e interesse das classes ou setores sociais dominantes. Não corresponde –como idealmente seria definido-- aos valores e à visão consensual gerada em harmonia pela sociedade. 4) O comportamento delitivo é uma reação à desigual e injusta distribuição de poder e riqueza na sociedade. 34/59 As diferentes interpretações sociológicas sobre a definição e a “produção” do crime abriram um campo fértil de análises no campo jurídico para os estudos do crime, a criminologia. A sociologia criminal demonstrou que o crime e a pena estão relacionados aos fenômenos sociais e, ainda, que é a própria sociedade que cria o crime ao determinar as regras –as quais são escritas (segundo certa tradição sociológica, de corte marxiano) para a proteção das classes mais favorecidas e de seu patrimônio, sendo, dessa forma, direcionadas para criminalizar os comportamentos das classes baixas, rotuladas e etiquetadas como “perigosas”. Essas contribuições da sociologia para os estudos do crime permitiram que, a partir da segunda metade do século XX, duras e profundas criticas fossem dirigidas ao sistema penal das sociedades industriais. A crise das propostas de ressocialização dos criminosos e os infinitos problemas dos sistemas penais deram lugar a múltiplos e profundos debates acerca da inutilidade da pena e da forma seletiva e estigmatizante que caracterizaria, para as visões críticas, boa parte da atuação o sistema penal. http://novo.vivafavela.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=46306&sid= 87 http://www.funkderaiz.com.br/2009_08_01_archive.html A partir das notícias nos links acima, o que você entende por criminalização de uma cultura do funk? Sabe-se que as letras das músicas se referem a temas como aviolência, a criminalidade, as práticas sexuais e drogas. Mas essa não é a realidade vivida pelas pessoas que criam e gostam do funk? A música não é a expressão de nossa realidade? Poderá ser entendido como crime alguém falar da realidade que vive? Vamos dialogar! Acesse o Fórum de Discussão e opine. 35/59 Identifique uma situação onde ocorreu a incriminação do individuo baseado na etiquetamento, ou seja, fatores como cor da pele, roupa, classe social foram determinantes para suspeição e incriminação. Leia: A Máquina e a Revolta, de Alba Zaluar Assista ao documentário Raízes da Violência (Behind the Hatred - The Root of Conflict). Esta aula deu seguimento à apresentação das teorias sociológicas que em muito contribuem para os estudos da criminologia. A proposta foi compreender qual a importâncias dessas teorias para entendermos o papel do crime na sociedade. Como já foi dito, uma teoria não exclui a outra, podemos realizar trabalhos de pesquisa e estudos que correlacionem diferentes variáveis e abordagens. Na próxima aula veremos os movimentos de política penal criminal contemporâneos. Conheceremos a proposta das Teorias do Garantismo e do Abolicionismo Penal representando uma perspectiva da garantia dos direitos fundamentais e a aplicação do direitos penal como ultima ratio. Eem outra perspectiva o recrusdecimento penal presentes nos movimentos de Lei e Ordem e Tolerância Zero. BARATTA. Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica ao direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002. DURKHEIM. Émile. As regras do método sociológico. São Paulo. Martins Claret, 2002. MOLINA. Antonio Garcia-Pablos e GOMES, Luz Flavio. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Pg. 194-196 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004. 36/59 Aula 5: Movimentos contemporâneos de política penal Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Compreender as tendências contemporâneas que norteiam as políticas penais; 2. Identificar como essas tendências tem produzido em nossa legislação penal alterações significativas; 3. Analisar em que medida o discurso dos aparelhos repressivos do estado e o controle social realizado pelas instituições policiais são influenciados pelos argumentos punitivos ou garantistas na atualidade. Estudo dirigido da aula 1. Leia o texto condutor da aula. 2. Participe do fórum de discussão desta aula. 3. Realize a atividade proposta. 4. Leia a síntese da sua aula. 5. Leia a chamada para a aula seguinte. 6. Realize os exercícios de autocorreção. Olá! Seja bem-vindo à aula Movimentos contemporâneos de política penal. A proposta dessa quinta aula da disciplina de Introdução à Criminologia é analisar as principais tendências da política criminal contemporânea. Agora que você já conhece as principais teorias que analisam o fenômeno criminal, vamos conhecer os movimentos atuais de controle social da criminalidade através de duas corretes opostas: direito penal mínimo e direito penal máximo. Esses movimentos têm produzido impactos efetivos nas políticas penais, tanto na esfera legislativa como nas políticas de segurança pública. Importante ressaltar que sob orientações teóricas bastante distintas essas tendências estão sendo elaboradas em diferentes contextos sociais, políticos e econômicos. O movimento conhecido como Lei e Ordem é de orientação norte-americana, a abordagem crítica encontra seus principais adeptos na América Latina e tendência Abolicionista e Garantista na Europa Ocidental. Boa aula! 37/59 DIREITO PENAL MÍNIMO Criminologia Crítica, Garantismo Penal e Abolicionismo A teoria crítica do direito penal teve sua origem nos anos 70 e surgiu na mesma época nos Estados Unidos e na Inglaterra, os dois primeiros movimentos que nasceram foram o da Universidade de Berkeley que se denominou Union of Radical Criminologists e o movimento inglês organizado em torno da National Deviance Conference. Segundo a perspectiva crítica, a criminalidade não é mais uma qualidade ontológica de determinados comportamentos e de determinados indivíduos, mas se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos, mediante uma dupla seleção: em primeiro lugar, a seleção dos bens protegidos penalmente e dos comportamentos ofensivos destes bens descritos nos tipos penais; em segundo lugar a seleção de indivíduos estigmatizados entre todos os que realizam infrações a normas penalmente sancionadas. Neste sentido, as classes subalternas são aquelas selecionadas negativamente pelos mecanismos de criminalização e as estatísticas indicam que a grande maioria da população carcerária é de extração proletária, de setores do subproletariado e, portanto, das zonas sociais marginalizadas. Uma das principais críticas ao direito penal burguês se refere ao mito da igualdade social, o mito liberal de que o direito penal protege a todos igualmente e de que a lei penal é igual para todos. Opostas a estas proposições, a abordagem crítica afirma que o direito penal não defende a todos e somente os bens essenciais, a lei penal não é igual para todos e o status de criminoso é distribuído de modo desigual entre os indivíduos. Dessa forma, o sistema penal de controle do desvio, revela assim, como todo direito burguês, a contradição fundamental entre igualdade formal dos sujeitos de direito e desigualdade substancial dos indivíduos. De acordo com a criminologia crítica, o direito penal tende a privilegiar os interesses das classes dominantes e a imunizar do processo de criminalização, comportamentos socialmente danosos típicos dos indivíduos a elas pertencentes, e ligados funcionalmente à existência da acumulação capitalista, e tende a dirigir o processo de criminalização, principalmente para formas de desvio típicas das classes subalternas. 38/59 Segundo Alessandro Baratta, as estratégias para uma política criminal das classes subalternas deve ser: * inserção do problema do desvio e da criminalidade na análise da estrutura geral da sociedade capitalista; * ampliação e reforço da tutela penal em áreas de interesse essencial para a vida dos indivíduos e da comunidade: saúde, segurança no trabalho, integridade ecológica, criminalidade econômica; * radical e corajosa despenalização, de contração ao máximo do sistema punitivo, com a exclusão, total ou parcial, de inumeráveis delitos de costumes, de moral, etc; aliviando a pressão negativa do sistema punitivo sobre as classes subalternas (despenalização significa também a substituição de sanções penais por formas de controle legal não estigmatizantes - sanções administrativas ou civis); derrubada dos muros dos cárceres e abolição da instituição carcerária. As etapas de aproximação desse objetivo podem ser constituídas pelo alargamento do sistema de medidas alternativas, pela ampliação da suspensão condicional da pena, pela introdução de formas de execução da pena detentiva em regime de semi-liberdade, assim como abertura do cárcere para a sociedade através de parcerias e associações com organizações civis. * Avaliação do papel da mídia e sua influência no senso comum no reforço aos estereótipos, que legitimam a ideologia das classes dominantes. Discussão ampla sobre o efeito da mass-media na indução do alarme social (Campanhas de lei e ordem). Estas propostas defendem um “direito penal mínimo”, negando a legitimidade do sistema penal, mas propondo uma alternativa mínima “que considera como mal menor necessário”. De acordocom Zaffaroni esta proposta deve basear-se na maximização do sistema de garantias legais, colocando os direitos humanos como objeto e limite da intervenção penal. O propósito é diminuir a quantidade de condutas típicas procurando penalizar somente as mais danosas, prescindindo bagatelas e fazendo cumprir rigorosamente as garantias legais. Segundo ele “o direito penal mínimo, é, de maneira inquestionável, uma proposta a ser apoiada por todos os que deslegitimam o sistema penal, não como meta insuperável e, sim, como passagem ou trânsito para o abolicionismo, por mais inalcançável que este hoje pareça” (ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas. Ob.Cit.. Pg. 106) Sobre a defesa do direito penal mínimo também escreve Ferrajoli, que defende o que ficou conhecido como Garantismo. Segundo ele a mínima intervenção significa que o 39/59 Estado deve intervir unicamente nos casos mais graves, protegendo os bens jurídicos mais importantes, sendo o direito penal o último recurso quando já cessaram as alternativas restantes. Concebe-se o programa político-criminal minimalista como estratégia para maximizar os direitos e reduzir o impacto penal na sociedade, diminuindo o volume de pessoas nos cárceres através de processos de descriminalização e despenalização. Trata-se de um critério de economia que procura obstaculizar a expansão penal, legitimando proibições somente quando absolutamente necessárias. Os direitos fundamentais, neste caso, corresponderiam aos limites do direito penal. Ferrajoli indica três classes de delitos que deveriam ser amplamente descriminalizadas sob o amparo constitucional. Em termos quantitativos, deveriam ser excluídos os delitos de bagatela (contravenções, delitos punidos com penas pecuniárias ou restritivas de direitos) que não justificariam o processo penal e muito menos a pena. Ao versar sobre as tipificações de condutas que não afetam bens jurídicos, como por exemplo, o consumo de drogas, o incesto, a sodomia e/ ou homossexualismo, Zaffaroni afirma que estas normas penais tutelam pautas éticas, normas morais, e não bens jurídicos. Confrontando com o pressuposto da laicização do direito penal, o autor se opõe a junção da moral com direito, e ainda a imposição de uma moral determinada. Para Ferrajoli, a deslegitimação do sistema penal não corresponde à idéia de irracionalidade de nossos sistemas penais vigentes e operantes, e a impossibilidade radical de legitimar qualquer sistema penal. Ele recusa essa radicalização afirmando que mesmo em uma sociedade mais democratizada e igualitária seria necessário um direito penal mínimo como meio de serem evitados danos maiores. O direito penal mínimo legitima-se unicamente através de razões utilitárias, ou seja, pela prevenção de uma reação formal ou informal mais violenta contra o delito, funcionando esse direito penal como um instrumento impeditivo de vingança. Esse pensamento se opõe à corrente de pensamento orientada para abolição das penas e dos sistemas penais. O grupo de pensadores que pode ser adstrito a essa orientação não se interessa por uma política criminal alternativa, mas sim, por uma alternativa à política criminal. O abolicionismo nega a legitimidade do sistema penal tal como atua na realidade social contemporânea e, como princípio geral, nega a legitimação de qualquer 40/59 outro sistema penal que se possa imaginar no futuro como alternativa a modelos formais e abstratos de solução de conflitos, postulando a abolição radical dos sistemas penais e a solução dos conflitos por instâncias ou mecanismos informais. Os chamados “abolicionistas” afirmam que o sistema penal só tem servido para legitimar e reproduzir as desigualdades e injustiças sociais, e o direito penal é considerado uma instância seletiva e elitista. São muitas as suas razões para abolir o sistema penal Aqui são listadas algumas delas: - vivemos numa sociedade sem direito penal, porque a cifra negra é altíssima; - o sistema é anômico, e o direito penal não protege a vida, a propriedade e nem as relações sociais, não atingindo seu intento; - o sistema é seletivo e estigmatizante, e visivelmente cria e reforça as desigualdades, é discriminatório; - o sistema penal é uma máquina para produzir dor inutilmente, a execução da pena é um meio de sofrimento e dor moral e física; - a pena de prisão é ilegítima, só se pode falar em pena quando há “acordo entre as partes”. Ela não reabilita o preso, ao contrário, causa efeitos devastadores sobre sua personalidade. Hulsman conclui ser o sistema penal um problema em si mesmo e, diante de sua crescente inutilidade na solução de conflitos, torna-se preferível aboli-lo totalmente como sistema repressivo. Sua proposta é substituição direta do sistema penal não por um macro-nível estatal, mas sim por instâncias intermediárias ou individualizadas de solução de conflitos que atendam às necessidades reais das pessoas envolvidas. Para ele os conflitos podem encontrar soluções efetivas entre as partes envolvidas através de modelos de solução de conflitos (mediação, conciliação) e propõe uma reconstrução de vínculos solidários de simpatias horizontais ou comunitárias, que permitam a resolução dos conflitos sem a necessidade de apelar para o modelo punitivo formalizado abstratamente. Importante citar ainda outros autores desta tendência: Mathiesen e Nils Christie. O primeiro vincula a existência do sistema penal à estrutura produtiva capitalista, sua proposta parece aspirar não apenas a abolição do sistema penal, como também a abolição de todas as estruturas repressivas da sociedade. Já Nils Christie acredita que a possibilidade de substituição dos indivíduos/papéis no sistema “orgânico”, torna os excluídos do mercado os candidatos ideais para o sistema punitivo, deste modo, centraliza sua argumentação em fundamentos éticos orientados a reduzir o sistema penal como sofrimento imposto às pessoas de modo intencional. 41/59 Essas teorias críticas surgidas no campo da criminologia, ainda que tenham representado importante avanço na discussão acerca dos sistemas penais, estiveram nos últimos anos circunscritas ao campo acadêmico e pouco poder de influência tiveram na alteração ou reformulação de leis penais nos últimos anos no Brasil. O único movimento que no Brasil ganhou notoriedade nos anos 90 por propor reavaliar a atuação do sistema jurídico foi o Movimento do Direito Alternativo. Este movimento propõe uma ruptura com o direito liberal/positivista que estrutura o “direito burguês” e mantém o esquema de dominação na sociedade capitalista. O que se pode notar no caso brasileiro, é que os argumentos na defesa de ideais de despenalização ou deslegitimação do direito penal assumidos por pesquisadores, juristas ou intelectuais são desconstruídos sob a tese da alta criminalidade brasileira. Frases do tipo “quem defende isso, nunca passou por um assalto!” ou “depois que você passar por isso você vai defender a pena de morte!” pode ser facilmente ouvida; pois esse é o tipo de discurso que constrói o medo e se confronta com todas as propostas descriminalizadoras e despenalizadoras que nos últimos anos foram produzidas, mas que surtiram pouco efeito na discussão e na produção da legislação penal brasileira. A importante contribuição das pesquisas nas ciências sociais de Cohen, Sutherland e Becker se reproduziram no Brasil em muitas outras pesquisas e trabalhos reveladores das formas criminalizadoras e seletivas que opera o sistema penal brasileiro (polícia, tribunais e cárceres), que atua na verdade sob
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