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<p>FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA</p><p>NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS</p><p>DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO</p><p>PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESCOLAR</p><p>MESTRADO E DOUTORADO PROFISSIONAL</p><p>IVANIL MAGALHÃES DA SILVA</p><p>EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA, CURRÍCULO E LITERATURA</p><p>INFANTOJUVENIL: PRÁTICAS ESCOLARES DECOLONIAIS</p><p>PORTO VELHO</p><p>2024</p><p>IVANIL MAGALHÃES DA SILVA</p><p>EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA, CURRÍCULO E LITERATURA</p><p>INFANTOJUVENIL: PRÁTICAS ESCOLARES DECOLONIAIS</p><p>Dissertação apresentada ao Programa de Pós-</p><p>Graduação em Educação Escolar, Mestrado e</p><p>Doutorado Profissional, da Universidade Federal de</p><p>Rondônia, como requisito parcial para obtenção do</p><p>título de Mestre em Educação Escolar.</p><p>Linha de Pesquisa: Formação de Professores,</p><p>Trabalho Docente e Práticas Pedagógicas na</p><p>Educação Básica.</p><p>Orientadora: Profª. Drª. Kátia Sebastiana Carvalho</p><p>dos Santos Farias.</p><p>PORTO VELHO</p><p>2024</p><p>Catalogação da Publicação na Fonte</p><p>Fundação Universidade Federal de Rondônia - UNIR</p><p>S586e Silva, Ivanil Magalhaes da.</p><p>Educação antirracista, currículo e literatura infantojuvenil: práticas escolares decoloniais</p><p>/ Ivanil Magalhaes da Silva. - Porto Velho, 2024.</p><p>148f.: il.</p><p>Orientação: Profª. Drª. Kátia Sebastiana Carvalho dos Santos Farias.</p><p>Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar, Fundação</p><p>Universidade Federal de Rondônia.</p><p>1. Práticas pedagógicas. 2. Currículo escolar. 3. História e cultura afro -brasileira. 4.</p><p>Literatura infantojuvenil antirracista. I. Farias, Kátia Sebastiana Carvalho dos Santos. II.</p><p>Título.</p><p>Biblioteca de Porto Velho CDU 37.02</p><p>Bibliotecário(a) Renata Cortinhas Bulhoes CRB-11/1010</p><p>IVANIL MAGALHÃES DA SILVA</p><p>EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA, CURRÍCULO E LITERATURA INFANTOJUVENIL: PRÁTICAS ESCOLARES</p><p>DECOLONIAIS</p><p>Este Trabalho de Conclusão Final de Curso (TCFC) - DISSERTAÇÃO DE MESTRADO, foi julgado adequado e</p><p>aprovado para obtenção do tulo de MESTRA EM EDUCAÇÃO ESCOLAR pelo Programa de Pós-Graduação</p><p>em Educação Escolar, Mestrado e Doutorado Profissional (PPGEEProf) da Universidade Federal de</p><p>Rondônia (UNIR).</p><p>Porto Velho, Rondônia, 13 de agosto de 2024.</p><p>Prof. Dr. Josemir Almeida Barros</p><p>Coordenador do PPGEEProf/UNIR</p><p>BANCA EXAMINADORA</p><p>Profa. Dra. Kátia Sebastiana Carvalho dos Santos Farias</p><p>(Presidente/a - PPGEEProf/UNIR)</p><p>Profa. Dra. Adlene Silva Arantes</p><p>(Membro externo - PPGE/UPE)</p><p>Prof. Dr. Fábio Santos de Andrade</p><p>(Membro interno - PPGEE/UNIR)</p><p>Documento assinado eletronicamente por KATIA SEBASTIANA CARVALHO DOS SANTOS FARIAS,</p><p>Docente, em 13/08/2024, às 11:27, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º,</p><p>§ 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.</p><p>Documento assinado eletronicamente por FABIO SANTOS DE ANDRADE, Docente, em 13/08/2024,</p><p>às 11:54, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539,</p><p>de 8 de outubro de 2015.</p><p>Referência: Processo nº 23118.005442/2023-25 SEI nº 1858189</p><p>Dedico este trabalho</p><p>a todas as pessoas que contribuíram</p><p>para sua realização</p><p>e aos docentes comprometidos</p><p>com a mobilização de práticas decolonialistas.</p><p>AGRADECIMENTOS</p><p>Aos que me oportunizaram cursar o Mestrado Profissional em Educação Escolar, o</p><p>desenvolvimento da pesquisa e a elaboração desta dissertação. Contei com a colaboração de</p><p>pessoas que me auxiliaram em diversas ocasiões. Aqui, desejo transmitir-lhes meus profundos</p><p>agradecimentos.</p><p>Primeiramente, a Deus e à Padroeira do Brasil, a quem por muitas vezes recorri e fui</p><p>amparada, mediante a minha fé.</p><p>A toda a minha família.</p><p>Ao meu esposo, Márcio, e ao meu filho, Samuel Rainner, que muitas vezes se privaram</p><p>da minha companhia em momentos importantes, para que eu pudesse realizar este sonho.</p><p>A minha orientadora, Profª Drª. Kátia Sebastiana Carvalho dos Santos Farias, pelo</p><p>encorajamento em todas as etapas do curso e por ser exemplo de força, coragem e determinação;</p><p>ao mesmo tempo elogio sua capacidade de ser rigorosa, sem perder a ternura, a elegância e a</p><p>leveza em suas orientações. Fica aqui registrada a minha admiração.</p><p>Aos colegas de curso/turma, em especial a Neuzi Herculina, que se fez amiga e parceira</p><p>dos estudos dessa trajetória para a vida.</p><p>Ao meu colega de trabalho e amigo Vilomar, por ter me apresentado a zona rural e os</p><p>assentamentos durante a realização da pesquisa, bem como a visita ao Memorial Corumbiara.</p><p>A todos os profissionais da escola em que esta pesquisa foi realizada: docentes,</p><p>discentes, equipe gestora e demais funcionários, por serem receptivos à proposta da</p><p>intervenção.</p><p>À SEMED de Corumbiara, pelo apoio recebido.</p><p>SILVA, Ivanil Magalhães da. Educação antirracista, currículo e literatura infantojuvenil:</p><p>práticas escolares decoloniais. 2024. 149f. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação</p><p>Escolar) - Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar - Mestrado e Doutorado.</p><p>Departamento de Ciências da Educação. Núcleo de Ciências Humanas, Universidade Federal</p><p>de Rondônia (UNIR), Porto Velho-RO, 2024.</p><p>RESUMO</p><p>Esta dissertação tem por objetivo problematizar as práticas pedagógicas sobre a questão racial</p><p>no currículo escolar, por meio da literatura infantojuvenil, com foco na valorização das</p><p>diferenças, discutindo a naturalização de práticas colonialistas e suas interferências no cotidiano</p><p>dos alunos quanto ao tema. Trata-se de uma pesquisa aplicada, de natureza interventiva, em que</p><p>se desenvolveram ações na/para a escola, com características metodológicas pós-críticas e</p><p>abordagem teórico-filosófica baseada nas propostas de Derrida e Wittgenstein. Participaram da</p><p>pesquisa 12 estudantes do 5º ano e cinco pessoas adultas, entre professores/as e membros da</p><p>equipe gestora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Mundo Mágico (Corumbiara-RO),</p><p>totalizando 17 participantes. As ações realizadas consistiram em rodas de conversa, oficinas de</p><p>leitura, teatro de fantoches, entre outras, no intuito de se ouvir e dar voz aos/às estudantes</p><p>envolvidos/as, acerca dos acontecimentos provenientes da herança colonial referente ao</p><p>racismo estrutural. Essas ações são relatadas em jogos de cenas, em que as performances</p><p>seguem nas arestas entre a realidade e a ficção. Os resultados apontam que as intervenções</p><p>contribuíram e fomentaram estratégias de combate ao racismo no currículo escolar,</p><p>considerando-se a ampliação do uso da literatura infantojuvenil como instrumento pedagógico</p><p>a favor da valorização da diferença para os afro-brasileiros.</p><p>Palavras-chave: Práticas pedagógicas; Currículo escolar; História e cultura afro-brasileira;</p><p>Literatura infantojuvenil antirracista.</p><p>SILVA, Ivanil Magalhães da. Anti-racist education, curriculum and children's literature:</p><p>decolonial school practices. 2024. 149f. Dissertation (Professional Master's Degree in School</p><p>Education) - Graduate Program in School Education - Master's and Doctorate. Department of</p><p>Education Sciences. Center for Human Sciences, Federal University</p><p>no</p><p>Quadro 1.</p><p>1) Souza (2022), em seu estudo A literatura afro-brasileira para a infância: de mulheres</p><p>para meninas, prioriza a literatura infantil com autoras e personagens (meninas e mulheres</p><p>negras), num viés de enaltecimento e valorização das pessoas negras. O trabalho trata de um</p><p>mapeamento e análise desse tipo de livros literários e traz discussões sobre a questão racial</p><p>muito pertinentes.</p><p>2) Bispo (2020), em sua dissertação Literatura infantil-afro brasileira e africana no ensino</p><p>fundamental: rastro de uma pesquisa viagem cartografias da escolarização, buscou cartografar</p><p>práticas de escolarização que utilizam a literatura infantil afro-brasileira e africana no contexto</p><p>de uma escola. A pesquisadora ouviu professores e crianças estudantes. Foi um trabalho</p><p>realizado em prol de uma educação antirracista, preocupada com a visão estereotipada dos</p><p>personagens negros em alguns enredos.</p><p>3) Russo (2023), com seu trabalho intitulado Literatura infantil e formação do leitor:</p><p>em busca de uma subjetividade antirracista, analisou obras de valor estético de literaturas</p><p>africanas e livros didáticos literários do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); o foco</p><p>principal era formar o leitor estético e assegurar os contatos com a diversidade, ampliando o</p><p>repertório cultural dos alunos por meio da literatura antirracista.</p><p>33</p><p>4) Carvalho (2020), na pesquisa denominada Princesas, guerreiras e revolucionárias:</p><p>repensando padrões de gênero e discutindo identidades por meio da literatura infantojuvenil,</p><p>partiu de uma crítica a algumas obras da literatura infantojuvenil publicadas no Brasil, as quais</p><p>poderiam estar reproduzindo padrões de gêneros e marcando lugares de desvantagem para o</p><p>feminino. Trata-se de uma pesquisa que busca entender questões de opressão de gênero, raça e</p><p>classe; teve como ferramenta a literatura infantojuvenil, para fortalecer o debate acerca de uma</p><p>educação feminista e antirracista. Nesse aspecto, concordamos com essa autora, por conceber</p><p>que a literatura, mesmo com seu caráter lúdico, favorece a construção do imaginário e</p><p>desenvolve a consciência crítica desde a infância.</p><p>5) Araujo (2019), no estudo intitulado Literatura afro-brasileira no ensino</p><p>fundamental: uma proposta de letramento literário, apostou no letramento literário tendo a</p><p>literatura infantojuvenil como aliada para o enfrentamento do preconceito que a população</p><p>negra sofre ao longo do tempo; buscou amenizar episódios racistas, preconceituosos e de</p><p>violência escolar, estimulando o raciocínio crítico dos estudantes e valorizar aspectos raciais da</p><p>população negra em geral.</p><p>6) Costa (2020), no seu trabalho Imaginário, princesas negras e literatura</p><p>infantojuvenil: por uma educação literária antirracista no 6º ano do ensino fundamental,</p><p>realizou uma pesquisa-ação, com uma intervenção pedagógica, discutindo a imagem das</p><p>princesas negras e suas relações com o imaginário brasileiro por meio de análises de contos que</p><p>apresentam princesas negras como protagonistas. A autora inseriu as literaturas em sala de aula,</p><p>com estudantes do 6º ano. O trabalho tratou da diversidade cultural brasileira e buscou a</p><p>desconstrução de imagens estereotipadas sobre o negro.</p><p>7) Almeida (2021), com a pesquisa denominada Literatura infantojuvenil afro-</p><p>brasileira: identidade cultural e representatividade negra, em Histórias da Preta, de Heloisa</p><p>Pires Lima, trabalhou com a literatura infantojuvenil afro-brasileira, por considerar que a</p><p>literatura pode carregar a identidade cultural de um povo. Segundo a autora, alguns grupos</p><p>sociais podem estar representados e outros não dentro do campo literário. Similarmente à nossa</p><p>proposta, a autora, buscou demonstrar a importância de oferecer a literatura infantojuvenil afro-</p><p>brasileira para os estudantes, como estratégia para construir uma educação antirracista.</p><p>8) Ferreira (2022), em sua dissertação intitulada Letramento de inspiração Griô:</p><p>contação de histórias e literatura infantojuvenil negra por uma educação antirracista, discutiu</p><p>a noção de letramento a partir de uma análise do impacto de curso de contação de histórias de</p><p>inspiração Griô e literatura infantojuvenil negra nas práticas pedagógicas. Sua intencionalidade</p><p>34</p><p>também recai na necessidade de desconstruir visões estereotipadas sobre a cultura, que foi/é</p><p>historicamente estigmatizada, e aponta a literatura infantojuvenil como um universo em</p><p>expansão, como uma rica possibilidade para contribuir com uma educação antirracista.</p><p>Essas oito dissertações elencadas no Quadro 1 destacam a importância da literatura</p><p>infantil ou infantojuvenil como ferramenta pedagógica em prol da valorização racial da</p><p>população negra e consideram que, por meio dessas literaturas, as pessoas negras se sentirão</p><p>pertencentes e representadas culturalmente em meio a diversidade do povo brasileiro. Essas</p><p>obras tendem a desconstruir estigmas pejorativos que recaem sob a população afrodescendente.</p><p>A dissertação que mais se assemelha a nossa proposta é a de Costa (2020), uma vez que</p><p>essa pesquisadora inseriu as literaturas nas práticas pedagógicas e foi direcionada a intervenções</p><p>com os estudantes, trabalhando a questão racial em um contexto geral. As outras dissertações</p><p>relatadas deram ênfase ao feminino. Outra observação importante é que nenhuma das pesquisas</p><p>analisadas foi desenvolvida por instituições da região norte do Brasil.</p><p>No Quadro 2, apresentamos as dissertações produzidas em Programas de Pós-</p><p>Graduação em Educação, nas quais as temáticas principais se referem a práticas pedagógicas</p><p>de valorização da História e cultura afro-brasileira no currículo escolar:</p><p>Quadro 2 - Dissertações com temática envolvendo práticas pedagógicas de valorização</p><p>da História e cultura afro-brasileira no currículo escolar</p><p>Local/Ano Instituição Título Autor Objetivo geral</p><p>Dourados-MS</p><p>2019</p><p>Universidade</p><p>Federal da</p><p>Grande</p><p>Dourados</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Educação)</p><p>Implementações das</p><p>DCNERER nas escolas</p><p>públicas e os desafios</p><p>para o currículo e</p><p>práticas pedagógicas</p><p>Michelly Dos</p><p>Santos</p><p>Gonçalves</p><p>Identificar a implementação das</p><p>diretrizes em escolas públicas do</p><p>Mato Grosso do Sul.</p><p>Bauru-SP</p><p>2021</p><p>Universidade</p><p>Estadual</p><p>Paulista</p><p>Júlio De</p><p>Mesquita Filho</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Docência da</p><p>Educação</p><p>Básica).</p><p>Onde estão as</p><p>princesas africanas?</p><p>Das práticas docentes</p><p>ao programa nacional</p><p>do livro didático e</p><p>literário</p><p>Edson</p><p>Rodrigo de</p><p>Azevedo</p><p>Investigar o protagonismo negro</p><p>nas narrativas clássicas infantis</p><p>por meio de uma pesquisa a</p><p>respeito das escolhas literárias</p><p>presentes nas práticas</p><p>pedagógicas docentes em uma</p><p>escola pública do interior</p><p>paulista de ensino fundamental I</p><p>(1º ao 5º ano).</p><p>Continua...</p><p>35</p><p>Quadro 2 - Dissertações com temática envolvendo práticas pedagógicas de valorização da História e cultura</p><p>afro-brasileira no currículo escolar</p><p>Local/Ano Instituição Título Autor Objetivo geral</p><p>Londrina</p><p>2018</p><p>Universidade</p><p>Tecnológica</p><p>Federal do</p><p>Paraná</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Ensino de</p><p>Ciências</p><p>Humanas,</p><p>Sociais e da</p><p>Natureza)</p><p>Temática étnico-racial:</p><p>uma avaliação dos 15</p><p>anos de alteração da</p><p>LDBEN pela Lei</p><p>10.639/2003</p><p>Jorge Luis</p><p>Felizardo dos</p><p>Santos</p><p>Avaliar o desenvolvimento da</p><p>Lei 10.639/2003, a partir da</p><p>percepção dos grupos</p><p>pesquisados, quanto aos aspectos</p><p>dos conteúdos escolares relativos</p><p>à temática étnico-racial.</p><p>São Carlos-SP</p><p>2019</p><p>Universidade</p><p>Federal de São</p><p>Carlos</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Educação)</p><p>Práticas de Ensino</p><p>étnico-raciais no</p><p>Currículo em Ação do</p><p>Ensino Fundamental I</p><p>Natália</p><p>Cristina</p><p>Cabrera de</p><p>Araújo</p><p>Compreender como se articula o</p><p>trabalho com a educação das</p><p>relações étnico-raciais, a fim de</p><p>identificar práticas que revelam a</p><p>potencial de superação de</p><p>preconceitos e desigualdades,</p><p>neste âmbito das relações</p><p>sociais, no currículo em ação no</p><p>ensino fundamental.</p><p>Uberaba-MG</p><p>2022</p><p>Universidade</p><p>Federal do</p><p>Triângulo</p><p>Mineiro</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Educação)</p><p>(Re)pensando uma</p><p>formação antirracista</p><p>para o século XXI:</p><p>Desafios e</p><p>possibilidades para</p><p>docentes do Ensino</p><p>Médio</p><p>Anna Carolina</p><p>de Carvalho</p><p>Rocha</p><p>Levantar os desafios enfrentados</p><p>por docentes do Ensino Médio</p><p>durante o seu percurso para</p><p>preparar cidadãos e cidadãs do</p><p>século XXI considerando a</p><p>Educação para Relações Étnico</p><p>Raciais (ERER) e a Lei</p><p>10639/2003como instrumentos</p><p>pedagógicos para construir uma</p><p>escola antirracista.</p><p>Guarulhos-SP</p><p>2022</p><p>Universidade</p><p>Federal de São</p><p>Paulo</p><p>(Mestrado</p><p>Profissional em</p><p>Ensino de</p><p>História)</p><p>Ensino de História no</p><p>currículo da cidade de</p><p>São Paulo: relações</p><p>étnico-raciais no Ciclo</p><p>Interdisciplinar</p><p>Liz Santos de</p><p>Jesus</p><p>Apresentar aos educadores da</p><p>área da disciplina de História</p><p>caminhos para a efetiva</p><p>aplicação do determinado pelas</p><p>diretrizes Curriculares Nacionais</p><p>para a Educação das Relações</p><p>Étnico-Raciais e para o Ensino</p><p>de História e Cultura Afro-</p><p>Brasileira e Africana, a partir da</p><p>implementação da Lei</p><p>10.639/2003.</p><p>Recife-PE</p><p>2022</p><p>Universidade</p><p>Federal Rural de</p><p>Pernambuco</p><p>(UFRPE)/</p><p>Fundação</p><p>Joaquim Nabuco</p><p>(FUNDAJ)</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Educação,</p><p>Culturas e</p><p>Identidades)</p><p>Descolonizar e</p><p>afrocentrar a Educação</p><p>Infantil: corpo negro e</p><p>cabelo crespo nas</p><p>experiências e</p><p>narrativas de crianças e</p><p>professoras</p><p>Keise Barbosa</p><p>da Silva</p><p>Investigar junto a protagonistas</p><p>do processo educativo na</p><p>Educação Infantil (crianças e</p><p>professoras), como a Educação</p><p>para as Relações Étnico-Raciais</p><p>contribui para a valorização do</p><p>corpo negro e do cabelo crespo,</p><p>a partir das perspectivas</p><p>pedagógicas decolonial e</p><p>afrocentrada.</p><p>Continua...</p><p>36</p><p>Quadro 2 - Dissertações com temática envolvendo práticas pedagógicas de valorização da história e cultura afro-</p><p>brasileira no currículo escolar</p><p>Local/Ano Instituição Título Autor Objetivo geral</p><p>São Paulo-SP</p><p>2021</p><p>Faculdade de</p><p>Educação da</p><p>USP</p><p>(Programação</p><p>de Pós-</p><p>Graduação em</p><p>Educação,</p><p>Linguagem e</p><p>Psicologia)</p><p>A roda e a valorização</p><p>das culturas infantis na</p><p>creche em bases da</p><p>pedagogia decolonial</p><p>Ana Caroline</p><p>Lopes</p><p>Brandão</p><p>Dar visibilidade para as rodas</p><p>como espaços de tradutibilidade</p><p>intercultural entre culturas</p><p>indígenas e afro-brasileiras e as</p><p>culturas infantis, estas dentro da</p><p>perspectiva da reprodução</p><p>interpretativa [...]</p><p>Natal-RN</p><p>2021</p><p>Universidade</p><p>Federal do Rio</p><p>Grande do Norte</p><p>(Pós-Graduação</p><p>- Mestrado</p><p>Profissional em</p><p>Ensino de</p><p>História)</p><p>Identidade, ensino de</p><p>História e educação</p><p>escolar quilombola:</p><p>reflexões históricas a</p><p>partir de uma escola</p><p>quilombola urbana na</p><p>comunidade de</p><p>Paratibe/João Pessoa</p><p>PB (c.2012-2020)</p><p>Nadiane</p><p>Chaves</p><p>Pereira de</p><p>Holanda</p><p>Contribuir com o</p><p>desenvolvimento de um currículo</p><p>voltado à educação escolar</p><p>quilombola e que estabeleça</p><p>referenciais de pertencimento e</p><p>de identidade para a comunidade</p><p>de Paratibe.</p><p>Uberlândia-MG</p><p>2020</p><p>Universidade</p><p>Federal de</p><p>Uberlândia</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Geografia)</p><p>A Geografia do quarto</p><p>de despejo: uma</p><p>contribuição</p><p>interdisciplinar para a</p><p>implementação da Lei</p><p>10639/03</p><p>Hellen</p><p>Cristine da</p><p>Silva Costa</p><p>Trabalhar com a Literatura</p><p>Negra, especificamente com a</p><p>obra “Quarto de Despejo”, no</p><p>ensino de Geografia, buscando o</p><p>distanciamento de teorias que</p><p>propagam o racismo e ao mesmo</p><p>tempo aproximando de teorias</p><p>que descolonizem pensamentos,</p><p>cooperando, dessa forma com a</p><p>agenda afirmativa das questões</p><p>dos negros e afrodescendentes</p><p>brasileiros, atendendo as</p><p>exigências da Lei 10.639/2003.</p><p>São Mateus-ES</p><p>2022</p><p>Centro</p><p>Universitário</p><p>Vale do Cricaré</p><p>(Programa de</p><p>Mestrado</p><p>Profissional em</p><p>Ciências e</p><p>Tecnologia e</p><p>Educação)</p><p>História e Cultura</p><p>Africana e Afro-</p><p>Brasileira: desafios e</p><p>possibilidades de</p><p>aplicabilidade no</p><p>Ensino Fundamental</p><p>Miliana</p><p>Guadencio</p><p>Ramos</p><p>Compreender na prática a</p><p>introdução da História e Cultura</p><p>Afro-Brasileira no conteúdo</p><p>programático.</p><p>Rio de Janeiro-</p><p>RJ</p><p>2019</p><p>Centro Federal</p><p>de Educação</p><p>Tecnológica</p><p>Celso Suckow</p><p>de Fonseca</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Relações</p><p>Étnico-Raciais)</p><p>Projeto entre livros:</p><p>(Re)construindo</p><p>identidades negras a</p><p>partir da</p><p>afroperspectividade</p><p>nas séries iniciais do</p><p>Ensino Fundamental</p><p>Eloise da</p><p>Costa Silva</p><p>Desenvolver práticas</p><p>antirracistas dentro de uma</p><p>instituição de Ensino</p><p>Fundamental, situada na Vila</p><p>Cruzeiro, favela da Zona Norte</p><p>do Rio de Janeiro</p><p>Continua...</p><p>37</p><p>Quadro 2 - Dissertações com temática envolvendo práticas pedagógicas de valorização da história e cultura afro-</p><p>brasileira no currículo escolar</p><p>Local/Ano Instituição Título Autor Objetivo geral</p><p>Araguaína-TO</p><p>2022</p><p>Universidade</p><p>Federal de</p><p>Tocantins (UFT)</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Ensino de</p><p>História)</p><p>“Do chão do</p><p>quilombo” ilha São</p><p>Vicente -TO: uma</p><p>prática extramuros</p><p>para o ensino de</p><p>história</p><p>Luziane</p><p>Laurindo dos</p><p>Santos</p><p>Analisar a prática desenvolvida</p><p>nas aulas de História, no âmbito</p><p>do projeto “Quilombo um</p><p>território sagrado, em foco:</p><p>Quilombo Ilha São Vicente”, no</p><p>Ensino Médio, na Escola</p><p>Estadual Denise Gomide Amui,</p><p>em Araguatins/TO, na</p><p>temporalidade de setembro a</p><p>novembro do ano de 2019.</p><p>Curitiba-PR</p><p>2020</p><p>Universidade</p><p>Federal do</p><p>Paraná</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Educação)</p><p>O trabalho docente e</p><p>as relações étnico-</p><p>raciais na Educação</p><p>Física em escolas</p><p>estaduais de Curitiba</p><p>Fracine Cruz</p><p>Grison</p><p>Analisar a forma como a</p><p>temática da Educação das</p><p>Relações Étnico-Raciais é</p><p>contemplada na disciplina de</p><p>Educação Física em escolas</p><p>estaduais de Curitiba.</p><p>Vitória-ES</p><p>2019</p><p>Instituto Federal</p><p>do Espírito Santo</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Ensino de</p><p>Humanidades)</p><p>Abordagem temática</p><p>freiriana sobre</p><p>relações étnico-raciais</p><p>nos anos iniciais do</p><p>Ensino Fundamental</p><p>Juliana Melo</p><p>Rodrigues</p><p>Lucas</p><p>Estudar os aspectos didáticos-</p><p>metodológicos de ensino no</p><p>contexto dos anos iniciais do</p><p>Ensino Fundamental, para</p><p>abordar temáticas étnico-raciais a</p><p>partir de uma prática pedagógica</p><p>libertadora associada à</p><p>metodologia de mediação</p><p>dialética.</p><p>Campo Grande-</p><p>MS</p><p>2019</p><p>Fundação</p><p>Universidade</p><p>Estadual de Mato</p><p>grosso do Sul</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Letras)</p><p>O discurso sobre o</p><p>negro no livro didático</p><p>de História e sua</p><p>relação com as</p><p>práticas de promoção</p><p>para igualdade racial</p><p>Sílvia</p><p>Cristina</p><p>Soares Paixão</p><p>Investigar os discursos</p><p>apresentados sobre os negros e</p><p>africanos no livro didático</p><p>adotado pela maioria das escolas</p><p>municipais de Campo Grande no</p><p>PNLD 2016/2018 do</p><p>componente curricular de</p><p>História.</p><p>Urutaí-GO</p><p>2021</p><p>Instituto Federal</p><p>de Educação,</p><p>Ciência e</p><p>Tecnologia</p><p>Goiano</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>em Ensino para a</p><p>Educação</p><p>Básica)</p><p>Literatura Infantil e</p><p>formação de</p><p>professores: caminhos</p><p>para a implementação</p><p>da Lei nº 10639/03</p><p>Leida Corrêa</p><p>da Silva</p><p>Analisar, elaborar e implementar</p><p>práticas pedagógicas antirracistas</p><p>nas escolas públicas municipais</p><p>de Pires do Rio – GO, utilizando</p><p>a literatura infantil.</p><p>Fonte: Elaborado pela autora (2023). Dados da pesquisa.</p><p>A seguir, trazemos uma breve explanação acerca de cada uma das pesquisas elencadas</p><p>no Quadro 2.</p><p>38</p><p>1) Gonçalves (2019) apresentou os resultados da sua pesquisa Implementações das</p><p>DCNERER nas escolas públicas e os desafios para o currículo e práticas pedagógicas, voltada</p><p>para o currículo e chama atenção para o silenciamento dos saberes africanos e afro-brasileiros</p><p>causado por enaltecimento dos saberes eurocêntricos privilegiados na sociedade. É uma</p><p>pesquisa baseada em estudos pós-coloniais, realizada em duas</p><p>escolas municipais, em Campo</p><p>Grande e Dourados. A autora identificou a existência de um movimento que possibilita a</p><p>práticas pedagógicas descolonizadoras do currículo, que ganhou força com a implementação</p><p>Lei nº 10.693/2003.</p><p>2) Azevedo (2021), em seu estudo intitulado Onde estão as princesas africanas? Das</p><p>práticas docentes ao programa nacional do livro didático e literário, pesquisou o protagonismo</p><p>negro, trazendo uma discussão teórica em torno do racismo no contexto escolar. O trabalho do</p><p>tem proximidade com nossa pesquisa, pois ele investiga o protagonismo negro nas narrativas</p><p>clássicas infantis nas escolhas literárias e práticas pedagógicas em uma escola do interior</p><p>paulista, em obras destinadas de 1º a 5º ano. Em nossa pesquisa, buscamos ouvir as crianças e</p><p>docentes, participantes da pesquisa; já o autor analisou as obras selecionadas no Programa</p><p>Nacional do Livro Didático e Literário, na edição de 2018, por meio de um questionário</p><p>estruturado. Sobre as considerações dos professores investigados, Azevedo (2021, p. 80) diz:</p><p>Os resultados demonstram que, para a maior parte do grupo docente, o motivo</p><p>pelo qual o trabalho com a literatura infantil de temática africana e afro-</p><p>brasileira é pouco explorado nas escolas é o número pequeno das obras no</p><p>acervo das bibliotecas escolares; a outra parte do grupo (6 professores)</p><p>acredita que há uma carência de propostas e pautas formativas a respeito do</p><p>tema, o que, de certa maneira, dificulta o trabalho docente.</p><p>É presente em suas discussões a necessidade de aprimorar essas práticas pedagógicas,</p><p>valorizando a cultura da população negra no currículo escolar e que as políticas públicas já</p><p>existentes nesse contexto sejam efetivadas. A autor também aponta a literatura como uma</p><p>ferramenta pedagógica eficiente para essas práticas educativas.</p><p>3) Santos (2018), na sua dissertação Temática étnico-racial: uma avaliação dos 15 anos</p><p>de alteração da LDBEN pela Lei 10.639/2003, trouxe uma avaliação dos 15 anos da alteração</p><p>da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) pela Lei 10.639/2003, tratando</p><p>das dificuldades quanto a executar as práticas pedagógicas em relação a essa temática.</p><p>Participaram da pesquisa estudantes recém-egressos da Educação Básica e estudantes do 1º ano</p><p>do Ensino Médio de uma escola pública. O autor apontou a necessidade de avaliação da política</p><p>pública de reorientação de carência de “sentidos”. A pesquisa resultou num livro de literatura</p><p>39</p><p>do gênero textual romance, que propôs a valorização e promoção da diversidade racial, no</p><p>intuito de favorecer as práticas pedagógicas inclusivas no ambiente escolar para todos que</p><p>compõem a sociedade brasileira.</p><p>4) Araújo (2019), no estudo Práticas de Ensino étnico-raciais no Currículo em Ação do</p><p>Ensino Fundamental I, também tratou de diversidade e diferença no currículo escolar,</p><p>respaldada na Lei 10.639/2003; pesquisou como se articulam as práticas pedagógicas nesse</p><p>viés, buscando encontrar práticas de superação do preconceito e discriminação no currículo no</p><p>2º ano do Ensino Fundamental. A autora versa sobre várias possibilidades de se trabalhar dentro</p><p>do que é estipulado por Lei e necessário para incluir; entre diversas práticas aponta a literatura</p><p>infantil negra como promissora para ser utilizada nessa pauta curricular de valorização do</p><p>Outro.</p><p>5) Rocha (2022), em seu trabalho intitulado (Re)pensando uma formação antirracista</p><p>para o século XXI: Desafios e possibilidades para docentes do Ensino Médio, investigou como</p><p>os acervos relacionados as Educação para as relações étnico-raciais (ERER) e a Lei</p><p>10.639/2003 estão chegando até os professores incumbidos de trabalhar sobre essa temática, no</p><p>que tange à formação desses profissionais, focando nos professores do Ensino Médio. A autora</p><p>constatou que as formações necessitam observar o contexto-histórico da população negra,</p><p>proporcionar acervo renovado e investir em formações para que os professores dominem</p><p>estratégias didáticas em suas práticas pedagógicas; além disso, as dificuldades em trabalhar essa</p><p>temática estão relacionadas a falta de tempo para formações e falta de abertura para o debate.</p><p>6) Jesus (2022), na sua dissertação Ensino de História no currículo da cidade de São</p><p>Paulo: relações étnico-raciais no Ciclo Interdisciplinar, teve a intenção de apresentar aos</p><p>educadores do componente curricular de História meios pedagógicos para cumprir o que regem</p><p>as políticas públicas sobre a questão racial no currículo, valorizando as heranças africanas e</p><p>afro-brasileiras, com objetivos de aprendizagem que abordaram, de modo interdisciplinar,</p><p>componentes curriculares do 4º, 5º e 6º ano do Ensino Fundamental. Por meio de análises</p><p>bibliográficas e documentais sobre a Educação do Negro no Brasil, os resultados apontaram a</p><p>necessidade de empreender ações práticas junto às redes educacionais públicas.</p><p>7) Silva (2022), em sua pesquisa intitulada Descolonizar e afrocentrar a Educação</p><p>Infantil: corpo negro e cabelo crespo nas experiências e narrativas de crianças e professoras,</p><p>investigou o protagonismo na Educação Infantil (crianças e professores), buscando a</p><p>valorização do corpo e do cabelo crespo como identidade do povo negro, considerando a</p><p>decolonialidade, preocupando-se com a socialização das crianças negras na escola.</p><p>40</p><p>A pesquisadora ministrou oficinas com práticas pedagógicas diversificadas, como</p><p>“atividades com imagens, espelhos, livros de literatura infantil, exposição mostrando os</p><p>diversos tipos de cabelos, contação de histórias e confecção de penteados em crianças” (Silva,</p><p>2022, p. 25). Nessa perspectiva, também buscou entender se a formação inicial dos</p><p>professores/as contribuiu com a Lei 10.639/03. A autora traz o cabelo crespo como um</p><p>instrumento de consciência política e fortalecimento da identidade.</p><p>O estudo mostrou que a escola tem (re)produzido práticas pedagógicas racistas e</p><p>discriminatórias, ao reafirmar constantemente o negro como inferior e do branco como</p><p>referência, de acordo com os padrões eurocêntricos, com a desvalorização dos corpos negros.</p><p>A autora alerta para a necessidade de se pensar uma educação étnico-racial, levando em</p><p>consideração as produções intelectuais do negro.</p><p>8) Brandão (2021), na sua pesquisa A roda e a valorização das culturas infantis na</p><p>creche em bases da pedagogia decolonial, teve como público a Educação Infantil de uma creche</p><p>pública, em Santo André-SP, buscando, por meio da formação em roda, a desconstrução da</p><p>herança eurocêntrica, através do diálogo, da escuta e outras maneiras de interação com as</p><p>crianças. Nessa abordagem (dar visibilidade às rodas), a autora buscou integrar a pedagogia</p><p>decolonial, valorizando as culturas afro-brasileiras e indígenas e a cultura própria da criança,</p><p>uma vez que elas (re)produzem culturas. Nesse viés pedagógico, a autora pontua a escola como</p><p>espaço de transformação.</p><p>9) Holanda (2021), na dissertação Identidade, ensino de História e educação escolar</p><p>quilombola: reflexões históricas a partir de uma escola quilombola urbana na comunidade de</p><p>Paratibe/João Pessoa PB (c.2012-2020), trata sobre a obrigatoriedade da Lei 10.639 e a</p><p>realidade das escolas quilombolas, que ainda têm um ensino não articulado como definem as</p><p>diretrizes nacionais, pois o cotidiano e as histórias dessas comunidades não estariam sendo</p><p>considerados. A autora chama atenção para o silenciamento reportado aos grupos</p><p>remanescentes desses povos e aponta a necessidade de implementação de práticas pedagógicas</p><p>que atendam à Educação Escolar Quilombola dentro de suas especificidades.</p><p>Holanda (2021) relata que, a partir da formação continuada, foram trabalhadas questões</p><p>relacionadas à dinamicidade e especificidades do Quilombo, valorizando sua história em todos</p><p>os bimestres e não somente no dia 20 de novembro ou datas comemorativas. Na pesquisa</p><p>escolar de campo, a pesquisadora buscou valorizar e preservar memórias</p><p>e identidade, por meio</p><p>de depoimentos dos/as estudantes e lideranças locais. A autora concluiu o trabalho apontando</p><p>41</p><p>sugestões com propostas pedagógicas antirracistas e antissexistas, por entender que essas</p><p>propostas são uma base para a educação escolar inclusiva.</p><p>10) Costa (2020), em seu estudo A Geografia do quarto de despejo: uma contribuição</p><p>interdisciplinar para a implementação da Lei 10639/03, discute sobre os desafios que a</p><p>população negra enfrentou, e ainda enfrenta, para ser incluída no currículo escolar brasileiro e</p><p>aponta a Lei nº 10.639/03 como um amparo legal; no entanto, mesmo com essa Lei, os desafios</p><p>persistem. A pesquisa partiu da necessidade de atender à referida Lei no que tange ao</p><p>componente curricular de Ciências. O objetivo da pesquisa bibliográfica foi trabalhar com a</p><p>literatura negra, especificamente com o livro “Quarto de Desejo”, no componente curricular de</p><p>Geografia. A pesquisadora chama a atenção sobre as possibilidades interdisciplinares, analisa</p><p>o livro e elabora uma relação entre a BNCC e o conteúdo do livro; além disso, indica a literatura</p><p>negra como um instrumento pedagógico para atender à Lei nas aulas de Geografia. Notamos</p><p>que a prática pedagógica utilizando a literatura é relevante ao olhar da autora.</p><p>11) Ramos (2022), com seu trabalho História e Cultura Africana e Afro-Brasileira:</p><p>desafios e possibilidades de aplicabilidade no Ensino Fundamental, buscou verificar a</p><p>aplicabilidade da Lei 10.639 no Ensino Fundamental em escolas polos em Presidente Kennedy-</p><p>ES. A autora recorreu à pesquisa bibliográfica e documental e também à pesquisa também foi</p><p>de campo, da qual participaram professores de cinco escolas, com o objetivo de compreender</p><p>como esses professores aplicam as orientações da Lei nas práticas pedagógicas. Ramos (2022)</p><p>pontua a necessidade de formação continuada para os docentes, para que a escola possa ser</p><p>aliada no combate do racismo. Nesse intuito, foi elaborada uma cartilha com sugestões de</p><p>práticas pedagógicas.</p><p>12) Silva (2019) produziu a dissertação intitulada Projeto entre livros: (Re)construindo</p><p>identidades negras a partir da afroperspectividade nas séries iniciais do Ensino Fundamental.</p><p>O “Projeto entre livros” foi realizado no propósito de reconstruir identidades negras nas séries</p><p>iniciais do Ensino Fundamental. A autora partiu da preocupação com o racismo estrutural, com</p><p>o genocídio da população negra e a falsa inclusão social.</p><p>Silva (2019) chama a atenção para as instituições, até mesmo a escola, que se encaixam</p><p>nessas normas, pois agem de forma racista e excludente, reforçando a construção de identidades</p><p>negativas nos estudantes negros. Nesse sentido, o projeto investiu em práticas pedagógicas</p><p>antirracistas em uma escola do Ensino Fundamental, localizada na favela Zona Norte, no Rio</p><p>de Janeiro, com oficinas em prol da valorização da identidade negra. Entre várias práticas</p><p>pedagógicas relacionadas à leitura para letramento racial, foi incluída a literatura afro-brasileira</p><p>42</p><p>acerca da discussão identitária. A autora também ouviu algumas crianças (que, embora negras,</p><p>não se autorreconheciam como tal) e compartilha algumas respostas obtidas:</p><p>Kiriku: - Eu não sou preto, não, tia! Ser preto é ser feio!</p><p>Galanga: -Tia, me disseram que eu sou assim porque fiquei muito tempo na</p><p>panela de pressão!</p><p>Nzinga: - Eu não gosto de ser preto. Meu cabelo é duro que nem BOMBRIL!</p><p>Mandume: Eu não sou preto... essas coisas de preto, de macumba...não gosto!</p><p>(Silva, 2019, p. 70).</p><p>Nessas respostas, podemos notar a dificuldade de aceitação da própria identidade, uma</p><p>vez que a estrutura da sociedade em que vivemos atribui termos pejorativos às pessoas negras,</p><p>associando-as ao feio, não concebendo o belo, a beleza negra. Nos comentários, percebemos</p><p>que a intolerância a religiões de matrizes africanas também reflete na formação da criança.</p><p>Nossas pesquisas se assemelham no propósito de que, por meio de práticas pedagógicas</p><p>de autovalorização agregadas ao currículo escolar, as crianças negras possam se autovalorizar</p><p>e ter orgulho de serem quem são, além de ver a literatura infantil ou infantojuvenil como uma</p><p>ferramenta humanizadora.</p><p>13) Santos (2022) em sua dissertação “Do chão do quilombo” ilha São Vicente-TO:</p><p>uma prática extramuros para o ensino de história, relata sobre seu trabalho realizado em</p><p>Tocantins, por ver uma necessidade da valorização da história local, considerando a estratégia</p><p>do ensino fora dos muros da escola como uma possibilidade para essa valorização. O estudo</p><p>teve como foco o Ensino Médio e contou com a ajuda da comunidade quilombola local. As</p><p>práticas pedagógicas permearam as memórias do município e como está interligada com o</p><p>quilombo; a autora chama a atenção para atividades relacionadas a questões étnico-raciais em</p><p>uma perspectiva decolonizadora.</p><p>14) Grison (2020), em sua pesquisa O trabalho docente e as relações étnico-raciais na</p><p>Educação Física em escolas estaduais de Curitiba, analisou como as temáticas relacionadas à</p><p>questão racial eram contempladas no componente curricular de Educação Física nas escolas</p><p>estaduais de Curitiba. A pesquisadora entrevistou nove professores de setores diferentes; após</p><p>avaliação das respostas, passou a considerar que falta formação continuada para os professores</p><p>melhorarem suas práticas cotidianas em relação às questões raciais. Sendo assim, foram</p><p>apontadas sugestões de práticas pedagógicas, incluindo as corporais, para os docentes</p><p>desenvolverem na escola.</p><p>15) Lucas (2019), em seu trabalho Abordagem temática freiriana sobre relações étnico-</p><p>raciais nos anos iniciais do Ensino Fundamental, estudou os aspectos didáticos e</p><p>43</p><p>metodológicos em relação a questões étnico-raciais no Ensino Fundamental I. A pesquisadora</p><p>aplicou uma intervenção, envolvendo 26 estudantes e formação para professores, ocorrendo</p><p>rodas de conversas, observações e relatos escritos, visando uma pedagogia libertadora, com a</p><p>literatura infantil enaltecendo personagens negros. Na intervenção, foram desenvolvidos</p><p>trabalhos artísticos e outras práticas culturais. Como resultado, foi elaborado um livreto para</p><p>contribuir com as práticas pedagógicas dos docentes.</p><p>16) Paixão (2019), na sua pesquisa O discurso sobre o negro no livro didático de</p><p>História e sua relação com as práticas de promoção para igualdade racial, analisou os</p><p>discursos sobre negros e africanos nos livros didáticos, observando se esses discursos estariam</p><p>promovendo a igualdade no currículo escolar. A autora discute que tais discursos se pautam no</p><p>período de colonização e nota o silenciamento das conquistas desses povos. O livro didático</p><p>estaria dificultando e reforçando estereótipos sobre a população negra, reforçando o preconceito</p><p>e a discriminação. A pesquisadora alerta sobre a necessidade de o professor saber intervir com</p><p>criticidade, diante do que o livro apresenta, e sobressair diante das relações de poder que ainda</p><p>estão presentes nos discursos.</p><p>17) Silva (2021), na sua dissertação Literatura Infantil e formação de professores:</p><p>caminhos para a implementação da Lei nº 10639/03, aborda a literatura infantil como um</p><p>recurso pedagógico para a implementação da Lei 10.639 no currículo escolar. Os participantes</p><p>foram professores do 1º ano do Ensino Fundamental I. Além de analisar livros didáticos e</p><p>literários de Educação Infantil da biblioteca da escola, a autora implementou meios para</p><p>favorecer a formação continuada dos professores por meio de um Produto Educacional, uma</p><p>vez que os resultados apontaram para essa necessidade, pois as professoras cursistas não</p><p>conheciam a Lei. A pesquisadora ressaltou que é de suma importância haver políticas públicas</p><p>que direcionem a formação continuada para os professores/as da escola pública.</p><p>Salientamos que, dentre as pesquisas apontadas no Quadro 2, apenas uma foi realizada</p><p>por pesquisadores do Norte do Brasil, no estado de Tocantins localizado</p><p>a sudeste da região</p><p>Norte, porém com foco no currículo de História no Ensino Médio. Portanto, a nossa pesquisa</p><p>chama a atenção para a importância dessa intervenção também para o público infantil e juvenil</p><p>nas escolas da região Norte do Brasil.</p><p>No Quadro 3, a seguir, elencamos as dissertações produzidas em Programas de Pós-</p><p>Graduação em Educação, cujas em que as temáticas principais se referem à educação escolar</p><p>antirracista de valorização da população negra.</p><p>44</p><p>Quadro 3 - Dissertações com temática envolvendo educação escolar antirracista</p><p>de valorização da população negra</p><p>Ano Instituição Título</p><p>Autor Objetivo geral</p><p>Irati-PR</p><p>2020</p><p>Universidade</p><p>Estadual do</p><p>Centro-Oeste</p><p>(Programa de Pós-</p><p>Graduação em</p><p>Desenvolvimento</p><p>Comunitário)</p><p>Estudo sobre as</p><p>questões étnico-</p><p>raciais na</p><p>educação.</p><p>Atuação da equipe</p><p>multidisciplinar no</p><p>colégio Santo</p><p>Antônio, em</p><p>Pinhão-PR</p><p>Ane Carolina</p><p>Chimanski</p><p>1) Conhecer quais as ações</p><p>desenvolvidas pela equipe para</p><p>valorização da cultura Afro-</p><p>Brasileira;</p><p>2) Entender a importância da</p><p>atuação da Equipe</p><p>Multidisciplinar frente as</p><p>questões Étnico-Raciais no</p><p>contexto escolar;</p><p>3) Compreender como os</p><p>conceitos de raça e preconceito</p><p>são abordados pelos membros da</p><p>equipe e qual o significado destes</p><p>conceitos em suas narrativas.</p><p>Vitória-ES</p><p>2022</p><p>Fucape Fundação</p><p>de Pesquisa e</p><p>Ensino</p><p>(Programa de Pós-</p><p>Graduação em</p><p>Ciências</p><p>Contábeis)</p><p>Mulheres negras:</p><p>compreendendo os</p><p>desafios e as</p><p>estratégias de</p><p>enfrentamento do</p><p>racismo no âmbito</p><p>escolar</p><p>Flávia Souza</p><p>Rocha Lima</p><p>Compreender a trajetória de vida</p><p>das mulheres negras em relação a</p><p>escola e os desafios e as</p><p>estratégias de enfrentamento do</p><p>racismo direcionadas às mulheres</p><p>negras no âmbito escolar.</p><p>Recife-PE</p><p>2022</p><p>Universidade</p><p>Federal de</p><p>Pernambuco</p><p>Centro de</p><p>Educação</p><p>Programa de Pós-</p><p>Graduação em</p><p>Educação</p><p>A educação das</p><p>relações étnico-</p><p>raciais nos</p><p>componentes</p><p>curriculares-</p><p>história e história</p><p>das culturas no</p><p>ensino</p><p>fundamental - anos</p><p>finais em Vitória</p><p>de Santo Antão/PE</p><p>Cláudia</p><p>Vicente da</p><p>Silva</p><p>Compreender como a temática</p><p>dessas Relações Étnico-Raciais</p><p>vem sendo implementada nos</p><p>respectivos componentes</p><p>curriculares nas escolas que estão</p><p>sob responsabilidade pedagógica</p><p>da respectiva municipalidade</p><p>Crato-CE</p><p>2021</p><p>Universidade</p><p>Federal de Cariri</p><p>(Mestrado</p><p>Profissional em</p><p>Ensino de História)</p><p>Memórias de</p><p>afronta: o clube</p><p>negro social dos</p><p>artífices, história,</p><p>educação</p><p>antirracista e</p><p>ensino de história</p><p>em Belém de São</p><p>Francisco-PE</p><p>Evanilson</p><p>Pereira Maia</p><p>Identificar elementos de</p><p>resistência do povo negro nas</p><p>relações étnico-raciais em Belém</p><p>de São Francisco – PE, nas</p><p>décadas de 1950 a 2000, tendo</p><p>como foco o Clube Social dos</p><p>Artífices, a trajetória dos</p><p>associados e seus frequentadores.</p><p>Bem como propor o</p><p>fortalecimento da História local e</p><p>da Diversidade Cultural no</p><p>Ensino de História, e refletir</p><p>acerca do contexto da educação</p><p>nas relações étnico-raciais no</p><p>contexto escolar.</p><p>Continua...</p><p>45</p><p>Quadro 3 - Dissertações com temática envolvendo educação escolar antirracista de valorização da população negra</p><p>Ano Instituição Título</p><p>Autor Objetivo geral</p><p>Porto Alegre-</p><p>RS</p><p>2023</p><p>Universidade</p><p>Federal do Rio</p><p>Grande do Sul</p><p>(Programa de Pós-</p><p>Graduação em</p><p>Ciências do</p><p>Movimento</p><p>Humano)</p><p>Cultura urbana e</p><p>Hip Hop na</p><p>Educação Física:</p><p>um projeto escolar</p><p>de educação</p><p>antirracista no</p><p>município gaúcho</p><p>de Novo</p><p>Hamburgo</p><p>Josias Góis</p><p>Soares</p><p>Analisar os impactos de um</p><p>projeto de educação antirracista</p><p>desenvolvido nas aulas de</p><p>Educação Física em uma escola</p><p>de Novo Hamburgo, Rio Grande</p><p>do Sul, região de predomínio da</p><p>cultura teuto-brasileira.</p><p>Curitiba-PR</p><p>2021</p><p>Universidade</p><p>Federal do Paraná</p><p>(Programa de Pós-</p><p>Graduação em</p><p>Letras)</p><p>Relações Étnico-</p><p>raciais na Abya</p><p>Yala/ Améfrica</p><p>Ladina: análise</p><p>dialógica de um</p><p>livro de didático de</p><p>Espanhol para o</p><p>Ensino Médio</p><p>Sarah Pimentel</p><p>Palacio Garcia</p><p>Contribuir com os trabalhos que</p><p>objetivam analisar livros</p><p>didáticos (LD) de espanhol com</p><p>o intuito de defender uma</p><p>educação plurilíngue e</p><p>antirracista na escola pública.</p><p>Ilhéus-BA</p><p>2023</p><p>Universidade</p><p>Estadual de Santa</p><p>Cruz</p><p>(Programa de</p><p>Mestrado em</p><p>Educação em</p><p>Ciências e</p><p>Matemática)</p><p>A educação das</p><p>relações étnico-</p><p>raciais no ensino de</p><p>química: diálogos</p><p>possibilitados por</p><p>cenários</p><p>Cristiane dos</p><p>Santos Bispo</p><p>Investigar a forma como é</p><p>compreendida e discutida a</p><p>Educação Étnico-Racial por um</p><p>professor e por um licenciando</p><p>da disciplina de Química do</p><p>Complexo Integrado de</p><p>Educação de Itabuna (CIEI), a</p><p>partir de uma perspectiva de</p><p>ensino decolonial em um Cenário</p><p>Integrador. Diante disso, a</p><p>pesquisa foi realizada nessa</p><p>escola pública, tendo como</p><p>sujeitos participantes um</p><p>professor da Educação Básica e</p><p>um licenciando, ambos da área</p><p>do ensino de Química.</p><p>Fonte: elaborado pela autora (2023). Dados da pesquisa.</p><p>Na sequência, tecemos alguns comentários a respeito das pesquisas elencadas no</p><p>Quadro 3.</p><p>1) Chimanski (2020), em sua dissertação intitulada Estudo sobre as questões étnico-</p><p>raciais na educação. Atuação da equipe multidisciplinar no colégio Santo Antônio, em Pinhão-</p><p>PR, apresentou políticas educacionais que buscaram a ressignificação e valorização da cultura</p><p>indígena e africana na formação de professores, conforme preceitos legais para uma educação</p><p>antirracista.</p><p>2) Lima (2022), no trabalho Mulheres negras: compreendendo os desafios e as</p><p>estratégias de enfrentamento do racismo no âmbito escolar, buscou compreender a trajetória</p><p>de vida das mulheres negras em relação à escola, bem como os desafios e as estratégias de</p><p>46</p><p>enfrentamento ao racismo direcionadas às mulheres negras no âmbito escolar. As participantes</p><p>foram mulheres estudantes da modalidade EJA, em duas escolas públicas municipais. A</p><p>pesquisadora aponta a necessidade de um ajuste curricular, para valorizar a história de vida</p><p>dessas mulheres, bem como a importância da educação na luta antirracista, puxando a mulher</p><p>como centro para esse debate.</p><p>3) Silva (2022) desenvolveu a pesquisa A educação das relações étnico-raciais nos</p><p>componentes curriculares- história e história das culturas no ensino fundamental - anos finais</p><p>em Vitória de Santo Antão/PE, no interesse de saber como a Educação da Relações Étnico-</p><p>Raciais (ERER) estaria sendo implementada nos componentes curriculares de História e</p><p>complementada nos demais componentes, nos anos finais do Ensino Fundamental. A autora</p><p>concluiu que, no local e faixa etária investigados, as ERER não estavam sendo implementadas</p><p>nas escolas públicas, evidenciando a importância da educação antirracista.</p><p>4) Maia (2021), em seu estudo Memórias de afronta: o clube negro social dos artífices,</p><p>história, educação antirracista e ensino de história em Belém de São Francisco-PE, teve como</p><p>objetivo identificar elementos de resistência do povo negro nas relações étnico-raciais. O autor</p><p>discute como está ocorrendo o processo de ensino e aprendizagem da história local do povo</p><p>negro e as contribuições para a sociedade; trata da necessidade de trabalhar essas questões com</p><p>os alunos, em especial a importância dos Clubes Sociais Negros, para valorização cultural e</p><p>incentivo a uma educação antirracista.</p><p>5) Soares (2023), em seu trabalho Cultura Urbana e Hip Hop na Educação Física: Um</p><p>projeto escolar de Educação Antirracista no município gaúcho de Novo Hamburgo autor</p><p>analisa quais foram os impactos do projeto de educação antirracista desenvolvidos nas aulas de</p><p>Educação Física, em uma região que predomina a cultura teuto-brasileira. Trabalharam a cultura</p><p>urbana nos princípios do Hip Hop com alunos do 6º ao 9º conduzidos por professores no período</p><p>da pandemia do COVID-19, e as análises foram</p><p>feitas por meio dos compilados de trabalhos</p><p>realizados pelos estudantes via Whats App e outras formas utilizadas naquele período. O</p><p>trabalho foi considerado positivo, mesmo assim, o autor enfatiza que são necessárias mais ações</p><p>nesse sentido para a desconstrução do preconceito e do racismo estrutural, para alcançarmos</p><p>uma sociedade justa e igualitária.</p><p>6) Garcia (2021), na sua dissertação Relações Étnico-raciais na Abya Yala/Améfrica</p><p>Ladina: análise dialógica de um livro de didático de Espanhol para o Ensino Médio, considerou</p><p>as lutas sociais que almejam a erradicação do racismo nas instituições públicas de ensino,</p><p>quebrando o silenciamento do currículo sobre essa problemática; também salienta as leis que</p><p>47</p><p>regulamentam os conteúdos referentes a história e cultura afro-brasileiras e indígena na escola.</p><p>A pesquisa sugere uma educação antirracista e libertadora no ensino-aprendizagem do</p><p>espanhol. Analisando uma coleção de livros didáticos, a autora chama atenção sobre os</p><p>discursos conservadores no quadro político do Brasil, que, nesse período, confrontavam e</p><p>deslegitimavam as discussões sobre raça.</p><p>8) Bispo (2023), em seu estudo A educação das relações étnico-raciais no ensino de</p><p>química: diálogos possibilitados por cenários, buscou problematizar as questões étnico-raciais</p><p>no ensino da disciplina de Química, voltando seu olhar para a formação inicial dos professores</p><p>desse componente curricular, em prol de um ensino de Química antirracista. Em uma proposta</p><p>decolonial, a autora investigou a forma como é compreendida e discutida a Educação Étnico-</p><p>Racial por um professor e por um licenciado da disciplina de Química, num Complexo</p><p>Integrado de Educação de Itabuna (CIEI).</p><p>As pesquisas aqui apresentadas têm como principal intenção uma educação antirracista,</p><p>pautada na valorização do patrimônio cultural do povo negro, para que tenhamos uma sociedade</p><p>melhor. Todas essas dissertações - seja de forma mais próxima ou distante de nossa proposta</p><p>de pesquisa - dialogam com a Lei 10.639/03, pois evidenciam o direito de integração da história</p><p>dos negros e indígenas no currículo escolar, de expressarem sua cultura e, portanto, carregam,</p><p>em parte, as intenções de nossa pesquisa e sua relevância social.</p><p>Essa visão ampliada sobre as pesquisas que têm como temática a educação antirracista,</p><p>demonstra que o estudo desse tema está em crescimento na última década. No entanto, ainda</p><p>há pontos a serem aprofundados e ‘deixas’ que oportunizam o desenvolvimento de outras</p><p>pesquisas, incluindo esta, que desenvolvemos na região Norte do país, propondo problematizar</p><p>práticas pedagógicas sobre a questão racial no currículo escolar por meio da literatura</p><p>infantojuvenil, com foco na valorização das diferenças, questionando a naturalização de</p><p>práticas colonialistas e trazendo relatos de como o currículo está intervindo no cotidiano dos</p><p>alunos.</p><p>48</p><p>5 APRESENTANDO O PROJETO DE PESQUISA À COMUNIDADE ESCOLAR</p><p>O que então se trama aqui</p><p>não faz o jogo de um encadeamento.</p><p>Mais do que isso, ele joga o encadeamento.</p><p>Não esquecer que tramar (trameare),</p><p>é antes de mais furar, atravessar,</p><p>trabalhar de um lado e de outro da cadeia</p><p>(Derrida, 1991, p. 30).</p><p>5.1 Cena I: Uma segura a mão da outra</p><p>[Chegou a hora de iniciar a pesquisa. Começamos pela conversa com Daiana, Diretora da</p><p>Escola Municipal de Ensino Fundamental Mundo Mágico (Corumbiara-RO). É o momento</p><p>de falar mais detalhadamente sobre o projeto, conversar sobre os riscos e benefícios. Imani</p><p>está ansiosa para dar início à pesquisa. Embora muito bem recebida, é inevitável aquele</p><p>“friozinho na barriga”].</p><p>CENÁRIO</p><p>Início da tarde de uma sexta-feira do mês de julho de 2023. Sala da Direção Escolar. Sala bem</p><p>refrigerada, mobiliada com armários, bebedouro, impressora, mesa e cadeiras. No mural,</p><p>muitos lembretes de ações, datas, fotos e recordações de eventos passados e ainda a serem</p><p>realizados.</p><p>PERSONAGENS8: Imani e Daiana.</p><p>Imani — (Animada). Boa tarde! Tudo bem?</p><p>Daiana — (Sorridente e aparentemente cansada). Boa tarde! Sim, tudo! Seja bem vinda!</p><p>Imani — (Tirando uma versão impressa da bolsa). Como combinamos, vim apresentar o</p><p>projeto de forma mais detalhada, lembra? E esse aqui, olha, é o parecer do Conselho de Ética!</p><p>Foi aprovado.</p><p>Daiana — (Animada). Sim, claro! Que maravilha, Imani. Eu tenho comigo esse desejo, já há</p><p>algum tempo, de trabalhar essa temática de forma mais contundente, mas aqui, dentro da escola</p><p>mesmo, temos professores que se opõem... Será um desafio, mas conseguiremos.</p><p>8 Todas as personagens apresentadas nesta e nas outras cenas ao longo desta dissertação recebem nomes fictícios.</p><p>49</p><p>Imani — (Riscando o papel). Entendo.... mas... veja: a modernidade exige dos professores</p><p>outros perfis. Temos de estar abertos para discordar do que pensávamos até pouco tempo atrás.</p><p>A rigor, não podemos nos fazer seguidores fiéis de ninguém: nem de nós mesmos. Por tudo</p><p>isso, o “pensar de outro modo” é um exercício difícil e arriscado (Veiga-Neto; Lopes, 2010, p.</p><p>160).</p><p>(Pequena pausa).</p><p>Imani — (Continua). Enquanto professores, temos que nos abrir para novas aprendizagens,</p><p>inclusive sobre questões sociais, para que, juntos, possamos ofertar a educação que a sociedade</p><p>necessita. Como você vê aí no projeto, precisaremos do envolvimento de todos! Não serei “eu”</p><p>apenas! Seremos nós, nessa prática educativa.</p><p>Daiana — (Interessada). Ótimo! Vejo aqui, professora, que a proposta é inserir acervos</p><p>literários voltados para a questão racial.</p><p>Imani — (Astuciosamente). Digamos que também é isso, mas não apenas... Nós, pesquisadoras</p><p>pós-críticas, podemos tomar outros rumos metodológicos diante das necessidades que surgirem,</p><p>pois “romper com as imagens de pensamento já conhecidas é por demais complexo, montar o</p><p>novo, daquilo que trazemos de diferentes campos e com rigor, demanda coragem, ousadia,</p><p>dinamicidade, abertura” (Paraíso, 2014, p. 42). Agregar ao acervo a literatura afro-brasileira é</p><p>uma ação vista como essencial para trabalhar a história e cultura afro-brasileira, haja vista que</p><p>“a leitura dos mais variados gêneros textuais e em especial da literatura, proporciona, então, o</p><p>conhecimento da pluralidade cultural do país, o que implica promover também a liberdade e</p><p>igualdade de expressão, o exercício da cidadania e, consequentemente, o distanciamento de pré-</p><p>julgamentos baseados em visões estereotipadas e pejorativas do outro e de sua cultura (Thiél,</p><p>2013, p. 1177). Nesse sentido, inserir os livros propostos tende a valorizar a autoestima das</p><p>crianças negras e conscientizar as demais sobre os valores fundamentais para uma boa</p><p>convivência na sociedade, como empatia e respeito a cultura do outro.</p><p>Daiana — (Concorda). Que bom e necessário! As nossas crianças participam de um projeto de</p><p>leitura que, a princípio, era destinado apenas para as crianças da alfabetização, pelo Programa</p><p>de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), mas, como achamos que era um bom projeto, o qual</p><p>foi sugerido pelo Tribunal de Contas (TCE), estendemos para as outras turmas também, de</p><p>modo que nossos alunos são leitores. Eles levam o livro para casa, preenchem a ficha de leitura</p><p>e na outra semana já levam outra obra literária.</p><p>Imani — (Sorrindo satisfeita). Isso é ótimo, porque quando eu for falar com eles sobre as</p><p>leituras eles terão bagagem suficiente para discutirmos.</p><p>50</p><p>Daiana — (Mostrando-se preocupada). Esta noite eu estava pensando em possíveis práticas</p><p>pedagógicas sobre a questão racial e graças a Deus o seu projeto chegou na escola em um</p><p>momento que temos que responder como</p><p>essa temática está sendo tratada dentro da escola.</p><p>Imani — (Sorrindo). Você quer dizer “nosso” projeto...</p><p>Daiana — (Sorrindo). É seu, sim! Mas, a escola vai se engajar.</p><p>Imani — Então é nosso.</p><p>Daiana — Isso, temos esse, que agora é “nosso”, mas queremos mais. Queremos o engajamento</p><p>de toda a escola, pois parece que a proposta desse ano é trabalhar a semana inteira e não só o</p><p>dia da Consciência Negra.</p><p>Imani — (Parecendo curiosa). Mas no outro ano vocês trabalharam, né?</p><p>Daiana — (Lembrando com descontentamento). Sim, mas foi cada um na sua sala, só com a</p><p>sua turma. Se trabalharam mesmo não dá de saber, mas disseram que trabalharam.</p><p>Imani — É... Na época, eu estava na equipe de vocês. Lembro bem como foi...</p><p>Daiana — (Franzindo a testa). Você tem alguma dessas literaturas de valorização da história e</p><p>cultura afro-brasileira para nos sugerir, para adquirirmos e somar à nossa coletânea.?</p><p>Imani — (Sorridente). Sim! Tenho várias sugestões e já tem algum tempo que estou</p><p>pesquisando essa temática no contexto da literatura infantojuvenil. Vou fazer uma lista e te</p><p>envio. Tenho também algumas bibliotecas virtuais... Te enviarei o link.</p><p>Daiana — (Sorrindo satisfeita). Obrigada! Aguardo!</p><p>Imani — (Mostrando-se ansiosa). Bem, para iniciar a pesquisa, preciso da autorização das</p><p>professoras, dos membros da equipe gestora, dos pais/responsáveis pelas crianças e do</p><p>assentimento da própria criança.</p><p>Daiana — (Explica e faz anotações). No dia 28/07, haverá reunião com os pais. A gente pode</p><p>conversar com eles... Mas antes, pela manhã, seria bom conversar com as professoras. Gostaria</p><p>que você fizesse um cronograma e apresentasse para que elas possam compreender quando</p><p>inicia e termina a pesquisa, porque elas também têm que preparar as crianças do 5º ano para as</p><p>avaliações externas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e do Sistema de</p><p>Avaliação Educacional do Estado de Rondônia (SAERO).</p><p>Imani —Sim. Amanhã mesmo te apresento o cronograma, antes de mostrar para os demais</p><p>adultos participantes da pesquisa.</p><p>Daiana — Enquanto estamos conversando, lembrei de uma ocorrência de antes do recesso...</p><p>Uma criança negra, nossa aluna, se desentendeu om outra criança negra, porém com menos</p><p>recursos financeiros que a família dela. Na confusão, chamei a menina, que estava</p><p>51</p><p>aparentemente nervosa, e ela me disse: (Imitando a voz da criança, falando entre os dentes):</p><p>“Eu não aguento aquele nego, preto e fedido, diretora! Não suporto!!!”.</p><p>Daiana — (Retomando) Naquela hora interferi: “Como você pode dizer uma coisa assim de</p><p>sua própria etnia? Você tem a mesma cor dele!”. Na mesma hora, ela parou, pensou e me</p><p>respondeu: (Imitando a criança, que se mostrava nervosa) “Própria etnia? Que é isso?</p><p>Bem...Sou nega, mas não sou suja e fedida!” ...</p><p>Imani — (Cortando). A identidade da pessoa negra foi tão ferida que até mesmo as crianças</p><p>têm dificuldade de se autorreconhecerem como pessoa preta. Hall caracterizou isso como crise</p><p>identitária do sujeito pós-moderno. “Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma</p><p>como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser</p><p>ganhada ou perdida. Ela se tornou politizada. Esse processo é, às vezes, descrito como</p><p>constituindo uma mudança de uma política de identidade (de classe) para uma política de</p><p>diferença (Hall, 2003, p. 21). Percebo crise identitária na menina. Ela sabia que estas palavras</p><p>ditas tendiam a ferir o ouvinte e desejou reproduzir, para expor sua ira. Talvez ela mesma tenha</p><p>presenciado situações de discriminação e tenha se autoeximido de ser pertencente à raça negra...</p><p>Esse é um dos motivos da importância de trabalharmos a valorização da diferença e da</p><p>identidade da população negra, para que ela própria se valorize como pessoa preta e respeite o</p><p>Outro.</p><p>Daiana — (Levando uma mão na cabeça). Naquele momento, notei que ser negra, para ela, era</p><p>um problema existencial e que, por ter melhor condição financeira, ela estava se colocando</p><p>superior ao colega e esqueceu que também é uma pessoa afrodescendente.</p><p>Imani — (Afirmando com a cabeça). Pode ser... Até porque “ser negro não é uma condição</p><p>dada, a priori, é um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro” (Souza, 2021, p. 115). Por aqui, nesta</p><p>cidade, tenho presenciado a naturalização de algumas brincadeiras com teor racista, que acabam</p><p>por influenciar as crianças, direta e indiretamente, como: “Segunda-feira é dia de preto”, “Tinha</p><p>que ser preto mesmo, hem!”.</p><p>Daiana — (Mostra-se envergonhada). Isso é mesmo, professora. É com muita vergonha, mas</p><p>confesso que eu me flagrei reproduzindo uma frase desse teor, quando disse para um colega</p><p>que somos acostumados a brincar, dizendo “Que serviço de preto é esse que você fez?”. Quando</p><p>acabei de falar, tinha uma amiga preta no local. Percebi, mas já havia falado... Não sabia onde</p><p>enfiar minha cara, quando notei o vacilo que eu tinha cometido. Mas é a naturalização, como a</p><p>senhora já disse, professora.</p><p>52</p><p>Imani — (Força um sorriso). É lamentável, mas é isso: está tão naturalizado que as pessoas</p><p>reproduzem sem sequer notar... E como você disse, palavras ditas não tem como desdizer.</p><p>Daiana — (Naturalmente). Então fica assim: elaboramos o cronograma e apresentaremos para</p><p>o restante da equipe.</p><p>Imani — (Levantando-se). Sim, obrigada pelo acolhimento e até...</p><p>5.2 Cena II: A dor de um só homem é a dor de toda a humanidade</p><p>Aquilo com o que nos relacionamos são sempre corpos,</p><p>mas corpos em movimento, sofrendo, querendo e,</p><p>sobretudo: falando. É sempre o nosso corpo que nos</p><p>expressa, e que nos expõe à expressão</p><p>(Cavell, 1996, p. 551 apud Berthelier, 2022).</p><p>É minha boca que fala e que grita,</p><p>minha pele que treme, meus membros que sangram,</p><p>meus braços que se agitam para pedir ajuda.</p><p>[...] sou eu que sinto dor –</p><p>não meu corpo ou meus órgãos</p><p>(Wittgenstein, 2004, §286, p. 148).</p><p>Como diz Berthelier (2022), o desafio é, portanto, tanto o de relatar o homem como o</p><p>de “compreender-se”, de relatar o homem a partir de si. Compreender-se a si mesmo é encontrar</p><p>a própria voz na onda de juízos dos outros, ouvindo-se a si mesmo, ouvindo as palavras que se</p><p>diz e, portanto, reconhecendo se nas próprias palavras. Essa forma de escuta deve, obviamente,</p><p>ser muito diferente daquela que consiste em ouvir outra pessoa, pois não é como se “outra</p><p>pessoa estivesse falando pela minha boca” (Wittgenstein, 2004, II-x, p. 270).</p><p>[Chegou o momento de falar com as professoras do 5º ano e apresentar o projeto, dizer o</p><p>que gostaria de pesquisar, conversar sobre os riscos e benefícios e em que elas poderiam</p><p>contribuir para o desenrolar da pesquisa. A conversa inicia com a professora do período</p><p>vespertino, que está em horário de planejamento; em seguida, com a professora, outros</p><p>personagens compõem a cena. O propósito é discutir currículo e as problemáticas em</p><p>torno da questão racial].</p><p>53</p><p>CENÁRIO</p><p>A cidade é Corumbiara, dona de uma linda Cachoeira, a do Rio Corumbiara, com uma queda</p><p>d’água impressionante e uma paisagem exuberante ao redor. Pensar na cachoeira é como um</p><p>alívio para o calor que faz nessa manhã de sexta-feira, que, por sinal é dia de trabalho, não de</p><p>lazer. Tudo continua igual - a escola, as mesmas pessoas, os utensílios.</p><p>PERSONAGENS: Imani; Daiana; Aia; Eleonora.</p><p>Daiana — (Satisfeita). A professora veio conversar conosco sobre a pesquisa dela.</p><p>Imani — (Sorrindo). Oi, sou eu mesma, a colega de vocês. que veio pedir a colaboração de</p><p>todas, uma vez que se trata de uma pesquisa interventiva.</p><p>Aia — (Descontraída). Olha, tiro o chapéu para você, hem! Se eu tivesse que estudar hoje, acho</p><p>que enlouqueceria, diante de tanta coisa que temos que fazer. Você sabe! Você também é</p><p>professora! E hoje não temos tempo para nada, diante de tantos relatórios e demandas!</p><p>Imani — (Sorrindo). Obrigada... Mas para tudo se dá um jeito,</p><p>só não para morte, né? Eu queria</p><p>muito e tive a chance... E estou aqui nesta ação interventiva e em prol de uma causa relevante</p><p>para a sociedade.</p><p>Aia — (Curiosa). E o que você está estudando mesmo?</p><p>Imani — (Explica, confiante). Pesquiso o currículo, de forma mais direta, me interessa saber</p><p>como as crianças veem as problemáticas em torno da questão racial, que é um trabalho que os</p><p>professores são incumbidos de realizar e são amparados pela Lei 10.639/03, que determina que</p><p>as escolas do Ensino Fundamental e Médio devem ensinar sobre história e cultura afro-</p><p>brasileira. Então, é necessário ouvir os professores e alunos.</p><p>Daiana — (Interrompe). Com licença! A professora Eleonora já vem. Me dê licença que estão</p><p>me chamando.</p><p>Imani — (Sorrindo). Tudo bem, estamos conversando aqui e aguardando.</p><p>Eleonora — (Adentra a sala, puxa uma cadeira e senta-se. Aparentemente apressada). Oi, tudo</p><p>bem, sumida?!</p><p>Imani — (Sorridente e preocupada). Bem... Vou tentar ser breve.</p><p>Eleonora — (Sorridente e receptiva). Não se preocupa! Está tudo certo. Eu já sabia que você</p><p>viria. Está tudo sob controle.</p><p>Aia— (Desconfiada). Imani, como você estava dizendo, eu trabalho sim, mas é mais no Dia da</p><p>Consciência Negra. Eu participo de uns grupos e eu sempre faço umas atividades,</p><p>principalmente na disciplina de Arte.</p><p>54</p><p>Imani — (Preocupada). É perceptível que, no currículo escolar, priorizam o Dia da Consciência</p><p>Negra para trabalhar sobre a cultura dos povos negros, mas existem outras datas do ano e</p><p>situações do dia a dia escolar em que é possível fazer algumas abordagens pedagógicas, como</p><p>o dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, datas alusivas a alguma</p><p>representatividade negra e sua trajetória, entre outras.</p><p>Eleonora — (Firme em suas convicções). Olha, eu trabalho alguma coisa, mas não aprofundo</p><p>muito não, porque eu acho que isso é da pessoa... Quanto mais fala, pior fica.</p><p>Aia — (Explica naturalmente). Na minha sala nunca vi racismo. Quando surge alguma coisa,</p><p>eu já logo corto e já falo: você acha que sua origem é qual? Complemento que, em grande</p><p>maioria, temos alguma descendência negra ou indígena, porque lá na sala de aula as crianças</p><p>costumam dizer que são descendentes de italiano, espanhóis, alemães e enchem a boca para</p><p>dizer isso, mas ninguém quer dizer que é descendente de africanos. É desse jeito! Parece que</p><p>têm vergonha de dizer que são descendentes dos africanos, enquanto na realidade todos somos.</p><p>Imani — (Com firmeza). “Ser negro, reconhecer-se negro e ser reconhecido como tal, na</p><p>perspectiva ética, nunca deveria ser motivo de vergonha, negação e racismo, mas de</p><p>reconhecimento, respeito e valorização. Significa trazer no corpo, na cultura e na história a</p><p>riqueza de uma civilização ancestral e um processo de luta e resistência que continua agindo no</p><p>mundo contemporâneo” (Moreira; Candau 2008, p. 82). É por isso que chamo atenção para a</p><p>necessidade de trabalharmos a história e cultura afro-brasileira, para que a criança negra passe</p><p>a se orgulhar de quem é. Isso pode acontecer por meio do trabalho dos professores.</p><p>Eleonora — (Continua, enfática). Então... Eu trabalho a história e falo sobre as nossas origens,</p><p>que hoje em dia os livros já vêm com muitas coisinhas que dá de ser abordada. Tem a questão</p><p>da migração mesmo. Mas acho que, em caso de racismo, se a criança passa por uma coisa assim,</p><p>é só deixar para lá, pois ela sabe que não é o que outro falou. Se deixar para lá a conversa morre</p><p>ali. Se a pessoa ficar falando, o outro me xingou de preto ou disso ou daquilo, ela está</p><p>potencializando, fazendo racismo dela mesmo.</p><p>Imani — (Impactada a ponto de perder a cor). Você acha mesmo? Fale, independentemente do</p><p>que eu considero certo ou errado. Hoje estou aqui para ouvi-las.</p><p>Daiana — (Sorridente, adentra a sala). Com licença... Espero não ter perdido muito.</p><p>Imani — (Ainda perplexa). Não, imagina! A conversa está boa. Pode continuar, Eleonora.</p><p>Eleonora — (Fala enquanto balança os pés). Penso que as crianças de hoje não estão preparadas</p><p>para o mundo. Tudo precisa de nós, que somos pais, para fazermos por eles! Não sabem se</p><p>defender! Antigamente não era assim...</p><p>55</p><p>Aia — Eu concordo com Eleonora. Essas crianças não estão preparadas para enfrentar a vida</p><p>não. Hoje temos que falar tudo, ficar em cima, senão não demonstram atitude.</p><p>Imani — (Curiosa). Desculpa, não estou entendendo... Como assim?</p><p>Eleonora — (Sorri e explica). Tem coisas que os pais deveriam ensinar em casa, ensinar a</p><p>criança a ser mais forte, mas está cada vez pior. Não sei se é porque as coisas mudaram, são</p><p>outros tempos, as mães trabalham e já não tem a presença dela ali... Antigamente algumas coisas</p><p>eram mais controladas, com a mãe por perto... Hoje, com a necessidade de a mulher trabalhar</p><p>fora, e as vezes na família só é a mãe mesmo, as crianças já não conseguem mais resolver nada</p><p>sozinhas. É preciso designar: “faz isso”! E mesmo assim a criança não tem ação e os pais</p><p>esperam que, além da educação escolar, nós, professores/as, resolvamos tudo na escola.</p><p>Imani — (Relembra e compartilha). Em uma entrevista sobre a educação dos filhos no século</p><p>XXI, a renomada psicóloga e pesquisadora Lídia Weber afirma que antigamente os pais</p><p>queriam apenas filhos obedientes, então o modelo autoritário bastava... Hoje, queremos filhos</p><p>fortes, resilientes, que saibam viver e enfrentar as dificuldades do mundo. Não é necessário</p><p>ficar o dia todo com os filhos, a não ser bebês pequenos! Aliás, uma pesquisa realizada com</p><p>quase 700 adolescentes revelou que os filhos acham justamente que as mães-donas-de-casa são</p><p>as que têm as piores práticas educativas quando comparadas com outras mães com diferentes</p><p>profissões, sendo as que mais gritam e usam punição corporal, segundo os jovens pesquisados</p><p>(Weber, 2018, p.10).</p><p>Aia — (Completa, sorridente). Significa que não é consequência de nossa falta... Mas, os</p><p>tempos são outros, os pais mudaram, os filhos mudaram e a tendência e continuar mudando.</p><p>No nosso tempo de criança não era assim. Se a gente se desentendesse com alguém, resolvia</p><p>por lá mesmo. Mas agora tem as leis. A gente protege9 demais e as crianças ficam assim: fracas.</p><p>Imani — Fracas? Mas o racismo não se trata de fraqueza. Trata-se de dor mesmo, de violência.</p><p>Ser vítima dessas violências reflete negativamente na identidade negra, na autoestima, na</p><p>subjetividade e na saúde mental das pessoas. Mas compreendi a sua fala: a forma que cada</p><p>pessoa reage a determinado assunto é individual, apesar de que a dor do racismo é coletiva.</p><p>Quando são vítimas de preconceito, uns se deprimem e choram, outros fingem que não é</p><p>consigo, outros podem até causar tragédias além das suas próprias. Não dá de saber a dimensão</p><p>9 Os fatores de proteção são aqueles que ajudam a pessoa a tornar-se uma pessoa mais forte, mais resiliente. [...]</p><p>Uma família que promove frequentemente comportamentos que trazem “proteção”, seria como uma “vacina</p><p>emocional”, com a qual a criança, mais tarde o adolescente e, depois, o adulto, terá forças para enfrentar as</p><p>adversidades da vida (Weber, 2018, p. 11).</p><p>56</p><p>da dor do Outro, a não ser que ele fale. Portanto, as pesquisas afirmam que a proteção os torna</p><p>mais capazes de superar crises, diferente das consequências das violências físicas ou verbais.</p><p>Eleonora — (Parecendo desmotivada). Hoje em dia está difícil... Os alunos não têm</p><p>psicológico para ajudar com os problemas e a gente também não. É tanta coisa para a escola</p><p>resolver que às vezes tenho vontade de desistir da profissão... E eu gosto de ser professora...Um</p><p>dia eu sonhei com isso. Só que a gente fica sobrecarregada.</p><p>Aia — (Completa). Li um artigo sobre o adoecimento docente dos corpos. Nele, o autor discorre</p><p>sobre esse problema, que é muito recorrente entre os professores. No texto, ele faz referência a</p><p>discursos de alguns professores de Belo Horizonte, em uma prazerosa terapia de desconstrução</p><p>que se assemelha</p><p>a nossa conversa. O autor problematiza o adoecimento docente sem fazer</p><p>análises ou julgamentos sobre o exercício profissional da categoria; aponta que as doenças</p><p>relacionadas aos docentes são produzidas na relação com a profissão, no exercício do</p><p>magistério. Embora o texto chame a atenção para as especificidades dos professores de</p><p>Matemática, a narrativa de vocês se aproxima, quando falam das mudanças curriculares a que</p><p>os professores devem adaptar periodicamente. Enfim, convido mais professores para se</p><p>materializar nesse diálogo (Miguel, 2011).</p><p>[Hélio e Marina adentram a sala a convite de Imani e cumprimentam a todos. Após as</p><p>professoras retomarem parte da discussão, Hélio completa]:</p><p>Hélio — (Com um leve e sagaz sorriso). Tornamo-nos docilmente reféns desse doce enunciado</p><p>doentio e, com todas as nossas forças e armas, travamos uma guerra santa para difundi-lo entre</p><p>nossos alunos, mesmo que, aos poucos, um a um vá tombando pelo caminho da elevação</p><p>espiritual e da contemplação estética. Em algum momento dessa luta inglória, exatamente</p><p>naqueles momentos em que a memória da luta se transforma em luta da memória contra o</p><p>esquecimento, a memória incompetente que compete nos trai, falha, nos transforma em</p><p>guerreiros impotentes, doentes. O medo de perdermos a cabeça nos faz perder a cabeça. O</p><p>obsessivo cuidado com o outro transforma-se em descuidado de si (Miguel, 2011, p.23).</p><p>Marina — (Interrompe). Parece que só agora estamos tomando consciência do efeito negativo</p><p>de nosso doce discurso dócil sobre nossos próprios corpos. Talvez, tenhamos optado por</p><p>adoecer... (Miguel, 2011, p. 23).</p><p>Imani — (Alertando). Devemos voltar a atenção para quem beneficiam as narrativas de que</p><p>professores são “guerreiros e lutadores sem capa, seria uma narrativa colonizadora que os</p><p>docentes acabam reproduzindo? Bem, os (discursos) colonizadores, embora colonizem,</p><p>parecem não se mostrar cientes acerca dos próprios papéis colonizadores que desempenham no</p><p>57</p><p>jogo de cena, ou seja, acerca dos papéis que lhes são reservados a desempenhar no contexto</p><p>institucional da atividade educativa escolar. Agem de forma "bem-intencionada", segundo uma</p><p>mistura de crenças naturalizadas provenientes de discursos pedagógicos humanistas que visam</p><p>a um bem (Miguel, 2011, p. 6).</p><p>Eleonora — (Mostrando-se desmotivada). Sim, compreendi. Faço tudo isso. Também cumpro</p><p>o meu papel, estudo, pesquiso, faço atividade diferenciada para os alunos com dificuldade de</p><p>aprendizagem, cumpro meu papel profissional, mas o meu desejo é buscar outra profissão e</p><p>estou me preparando, pois não posso deixar o serviço assim do dia para noite! Quando entrei</p><p>para a Educação, achei que salvaria o mundo, mas, infelizmente, não é assim. Somos gente, de</p><p>carne e osso!</p><p>Marina — (Concordando). Talvez esse tenha sido o nosso problema: calamos os sinais dos</p><p>nossos corpos por um frustrado desejo de transformação.</p><p>[Marina e Hélio se retiraram da cena e Aia retoma o assunto].</p><p>Aia— (Reafirma). Em relação às crianças de hoje, elas não têm o psicológico preparado não!</p><p>Não têm mesmo!</p><p>Imani — (Corta). Vejo que, entre desabafos, vocês trouxeram situações que vão além da</p><p>questão racial: a sobrecarga dos profissionais da educação e a responsabilidade familiar. Vocês</p><p>consideram que a família tem um peso maior nessa questão da educação sobre a diversidade</p><p>racial?</p><p>Aia e Eleonora — (Respondem prontamente). Sim!</p><p>Daiana — (Pede a palavra). Acredito também que muita coisa vem de casa e a família pode</p><p>contribuir, mas há outras que a família não tem condição de fornecer... É onde entra o currículo,</p><p>com o nosso preparo profissional para lidar.</p><p>Eleonora — (Relembrando). Você me fez recordar de uma situação que aconteceu aqui na</p><p>escola... A Aia deve não se lembrar... Não sei se lembra... Um ano antes de a gestão anterior</p><p>sair, “uma menina estava falando que não iria se sentar perto da outra porque ela tinha um</p><p>cabelo de bombril, você lembra, né? O cabelo dela era igual, tipo um fio... não era um cabelo</p><p>ruim! Enfim, quando a gestão foi checar aquilo, descobriu que foi a mãe que tinha falado para</p><p>a criança que não era para se sentar com aquela menina negra, morena”.</p><p>Daiana — Então... Isso é muito relacionado com o que a criança está aprendendo no seio</p><p>familiar.</p><p>Imani — (Reforça, pacientemente). Notem, professoras, que, assim como as crianças que</p><p>nascem em lares racistas aprendem a ser como tal, nós também somos afetados pelo pensamento</p><p>58</p><p>do eurocentrismo, ainda presente na sociedade, uma vez que fomos colonizados por países</p><p>europeus. Isso reforça estigmas pejorativos a respeito das pessoas negras e influencia</p><p>diretamente nos modos de vida. Esse caso que a Eleonora recordou sobre o cabelo da estudante</p><p>e a discriminação racial que ela sofreu, remete à afirmação de que “os povos colonizados e</p><p>dominados foram postos numa situação natural de inferioridade, e consequentemente também</p><p>seus traços fenotípicos, bem como suas descobertas mentais e culturais” (Quijano, 2005, p.118).</p><p>Aia— (Pergunta sorridente). Explica melhor, Imani.</p><p>Imani — (Sorri e continua). Quijano explica que, além de os colonizadores tomarem posse de</p><p>bens materiais e dominarem a economia, impediram os colonizados de perpetuarem suas</p><p>crenças, linguagens e cultura em geral. A dominação ainda é notada fortemente “como parte do</p><p>novo padrão de poder mundial, a Europa também concentrou sob sua hegemonia o controle de</p><p>todas as formas de controle da subjetividade, da cultura, e em especial do conhecimento e da</p><p>produção do conhecimento” (Quijano, 2005, p. 121).</p><p>Imani — (Explica calmamente). Vou dar um exemplo que vivenciei conversando com minhas</p><p>vizinhas. Elas trazem no enredo e não percebem que estão potencializando o preconceito racial</p><p>na sua fala quando dizem: “Sabe comadre, a filha do seu Zé, aquela escurinha, a mais nova, é</p><p>aquela mesmo que se casou com o filho da Josefa, ela é escurinha, mas é tão limpinha! Precisa</p><p>de ver que menina caprichosa, está vivendo com o moço até hoje!”. Elas falam como se, por</p><p>ser negra, a moça não pudesse ter esses atributos caprichosos, entende?</p><p>Eleonora — (Cruzando as pernas). Só que às vezes a pessoa quer só identificar a pessoa</p><p>mesmo.</p><p>Imani – (Olhando fixamente, repete) Sim! Mas, ela fala: “Ele está casado com aquela menina</p><p>ainda, mas você precisa ver, ela é escura, mas é tão limpinha” ... Daí você nota aquela ideia de</p><p>que, por ser preta, ela não tinha que ser uma pessoa caprichosa. Entende, professora? Isso é a</p><p>naturalização do racismo de herança colonial a que estou me referindo. Ronaldo Sales Jr.</p><p>nomeou esse tipo de afirmação que citei como ‘afirmação negativa do racismo’. Segundo esse</p><p>autor, “a afirmação negativa demarca uma exceção que comprova a regra: “Apesar de ser</p><p>negro...”. As pessoas do convívio direto são elogiadas sob a condição de serem comparadas a</p><p>um modelo do qual são uma exceção” (Sales Jr, 2006, p. 242).</p><p>Eleonora — (Balançando as pernas). Penso, professora, que não é questão de maldade falar</p><p>dessa forma. Às vezes a pessoa só está querendo identificar; e aí as pessoas pensam que é</p><p>discriminação, mas nós também falamos características para falar das outras pessoas... Não é</p><p>por maldade não...É que hoje estão levando tudo para o lado da maldade.</p><p>59</p><p>Daiana — (Pensativa, olhando para o chão). Pensando bem, a nossa língua é racista. Usamos</p><p>muitos termos que evidenciam o racismo herdado dos nossos colonizadores, mas, de hoje em</p><p>diante, podemos observar e até evitar e de usar, mas isso pode levar tempo...</p><p>Imani – (Argumentando, olhando para Eleonora). Até o ponto que a pessoa fala, dentro de um</p><p>determinado contexto, “que o fulano é preto, ele é escurinho”, tudo bem; entendo até que pode</p><p>ser uma forma carinhosa de tratar. Como exemplo, lembro que meu pai me apelidou de Preta</p><p>porque entre meus irmãos era o jeito que ele tinha de nos caracterizar de forma carinhosa. Para</p><p>a família, sou a Preta.</p><p>Portanto, notamos o preconceito na forma da tratativa, no tom, o que</p><p>ficou subtendido na expressão facial... É aí que aparece o racismo, que é evidenciado pelo</p><p>preconceito... É a intencionalidade de ferir e agredir, de um modo que a pessoa que sofre o</p><p>racismo entende quando é, pois é diferente... Os olhos falam antes que o agressor abra a boca.</p><p>Aia — (Pondera). Como falei, o racismo não é uma coisa problemática na minha turma. Pode</p><p>haver essa naturalização que como você disse, que é uma questão social. Vejo que lá é mais</p><p>uma coisa do se aceitar, de a criança ter consciência de si, e aí a gente intervém com as questões</p><p>da composição do povo brasileiro e a multiculturalidade. Mas, por um outro lado, existem as</p><p>analogias e as figuras de linguagem, o eu poético... Como poderia mudar as poesias?</p><p>Eleonora — (Mostrando-se reflexiva). Existe uma frase motivacional que é assim: “Seja como</p><p>um girassol, de frente pra luz e de costa pro escuro!” É uma frase linda, que já teve inclusa em</p><p>algumas reuniões pedagógicas de que que participei. O sentido é outro. A luz é vista como coisa</p><p>boa e o escuro como ruim novamente, mas é a poesia em si.</p><p>Imani — (Vislumbrando a poesia). Sim, o contexto é lindo, quando o escuro não me representa.</p><p>Mas quando falamos em valorização racial, podemos notar que, se o girassol não tivesse aquele</p><p>lindo eixo escuro, provavelmente o amarelo perderia sua vibração e ambos não se</p><p>reabasteceriam da força do sol.</p><p>Daiana — (Naturalmente e com firmeza). Temos um vocabulário amplo rico de possibilidades</p><p>para retratar a dor e a tristeza de alguém. Para motivar as pessoas, precisamos rever nossas</p><p>linguagens.</p><p>Imani — (Com um leve sorriso, entre suspiros) “Por mais dolorosa que seja esta constatação,</p><p>somos obrigados a fazê-la. Para o negro, há apenas um destino. E ele é branco” (Fanon, 1983,</p><p>p. 12). Nossa língua é herdada de um povo que repudiava a cor negra e a relacionou com tristeza,</p><p>dor, trevas... Isso não muda da noite para o dia, porém podemos mudar a nossa abordagem</p><p>pedagógica, a forma de trabalhar e interpretar, para que nossos alunos afro-brasileiros se sintam</p><p>valorizados e não tenham sua autoestima prejudicada ou que sejam fadados à desesperança.</p><p>60</p><p>Eleonora — (Afirmando com a cabeça). Eu gosto muito de trabalhar a questão da alimentação,</p><p>trazendo qual povo contribuiu com aquela determinada culinária típica. Daí vemos que muito</p><p>do que comemos tradicionalmente na nossa região é originado da pulação negra, indígena e</p><p>europeia. Creio que isso contribui com a valorização da diversidade e os livros até trazem</p><p>algumas contribuições sobre como podemos abordar.</p><p>Imani — (Concordando e apontando). Sim! Você já percebeu que os materiais sugerem um</p><p>trabalho voltado para a igualdade? Enquanto os modos de vida e na sociedade uns são mais</p><p>privilegiados que outros, existe uma suposta “igualdade social”, o que é só um sonho almejado.</p><p>Para os afro-brasileiros se reconhecerem e se sentirem valorizados, eles devem ter acesso a</p><p>espaços onde ainda não são representados, como é o foco desta pesquisa, averiguar também se</p><p>o currículo contempla seus valores.</p><p>Eleonora — (Aparentemente preocupada). Compreendi. Mas para trabalhar essa parte aí com</p><p>as crianças, a gente tem que ter até uma linguagem mais moderada, porque a gente não sabe se</p><p>a família vais aceitar a temática.</p><p>Imani – (Preocupada). Como assim? Não é nada ilegal e é amparado por lei.</p><p>Eleonora — (Explicando olhando o roteiro da pesquisa). Sei... Mas sabemos que alguns pais</p><p>ou responsáveis podem não gostar, porque muita gente vê essa questão racial como pauta</p><p>desnecessária.</p><p>Aia —É.... a diretora até falou que, antes do recesso escolar, o Ministério Público fez algumas</p><p>indagações por meio de um documento que deve ser preenchido a respeito do trabalho que</p><p>realizamos com essa temática racial e com a cultura da paz na escola... E eu falei para ela o</p><p>mesmo que estou falando para você agora.</p><p>Imani – (Provocativa). Essa é uma coisa muito boa. Estão averiguando se está sendo cumprida</p><p>a Lei 10.639/03, que determina que as escolas do Ensino Fundamental e Médio devem ensinar</p><p>sobre história e cultura afro-brasileira, uma ação necessária, visto que, em 2024, a lei completa</p><p>20 anos e muitos estabelecimentos de ensino ainda estão discutindo se devem ou não trabalhar</p><p>essa questão racial.</p><p>Aia— (Animada). Acho interessante a valorização da história e cultura afro-brasileira, para que</p><p>a criança entenda e aceite ser quem é. Eu mesmo tenho uma amiga negra que é racista. Ela</p><p>costuma dizer: “De preto chega eu”; então, o racismo não vem só do branco... Também existem</p><p>negros racistas.</p><p>Imani – (Pondera). Obviamente, não partilho deste ponto de vista. “O racismo é uma ideia</p><p>equivocada de superioridade racial construída socialmente pelo branco, contudo, o negro não</p><p>61</p><p>se encontra imune de cair nesse equívoco em virtude de ser negro. Caso se considere além de</p><p>especial por ser negro, uma posição “essencialista ingênua” (Hall, 2003, p. 347), e venha</p><p>considerar-se superior ao branco por causa de sua pertença étnico-racial, seria um negro racista"</p><p>(Cardoso, 2014. p.106).</p><p>Eleonora — (Retomando a fala de Aia). Tem negros que não gostam de brancos também. Vi</p><p>uma discussão que negros não devem se casar com branco, que deveriam se casar entre si. Isso</p><p>também é racismo. Será que é por que têm medo?</p><p>Imani – (Pondera). Também já vi essa discussão baseada no processo de branqueamento da</p><p>população que se refere a um discurso eugênico, que se propagou no Brasil por um longo</p><p>período, conforme Arantes (2014), a pesquisadora apresentou exemplos desse processo</p><p>histórico em Pernambuco, onde também houve segregação no ambiente escolar, tanto pelo viés</p><p>do intelectual quanto físico, a autora relata que visavam um “biotipo escolar pernambucano”,</p><p>pois a elite intelectual e política desejavam uma escola homogênea por atribuir aos negros o</p><p>atraso educacional do País, passando a investir no ideal de um “branqueamento nacional”.</p><p>Consequentemente, mais tarde, os negros viram essa hipótese de casar-se entre seus pares como</p><p>uma forma de defender sua existência racial das pretensões dos brancos; trata-se de uma longa</p><p>discussão (Frantz, 2008). Do mesmo modo, os negros e negras e seus descendentes prosseguem</p><p>lutando de diversas formas pela liberdade e sobrevivência. Acredito que quem luta pode ou não</p><p>sentir medo, mas prevalece a coragem, até porque “[...] a gente combinamos de não morrer”</p><p>(Evaristo, 2015).</p><p>Eleonora — (Reafirmando). A meu ver, ainda acho que, quanto mais se discute isso, mais piora</p><p>viu? Na hora que a pessoa começasse a largar de falar e ficar revidando, confrontando, se</p><p>enfrentando, seria muito mais fácil e isso acabaria.</p><p>Aia — (Reflexiva e concordando com a colega). Como você acabou de falar, se a pessoa fala</p><p>assim: “Ó, você é preto!”, está bem, vamos ver... E se eu achar que eu sou mesmo, e daí? E se</p><p>eu achar também que não sou, o negócio é deixar para lá e pronto, acabou! Até porque sempre</p><p>existirá o preconceito de todos os lados, porque as pessoas sofrem de todos os jeitos, porque é</p><p>gordo, porque é magro, porque você é oriental, sofre porque é baixinho, também por classe</p><p>social... Você sofre mesmo!</p><p>Daiana — (Suspira). Existem essas questões, mas o racismo é uma coisa que está aí e vai muito</p><p>além.</p><p>Aia — (Continua, descontraída). Mas o mundo é assim... Você pode ser uma pessoa boa,</p><p>máxima! Aquela que as pessoas consideram um amor... Mas se um dia te virem mais feliz,</p><p>62</p><p>descontraída, já te condenam, falam “Olha lá um bêbado” ... A gente vê coisas assim, dessa</p><p>forma... Então, você já pensou se as pessoas começarem a se importar tanto? Não existe mais</p><p>ninguém livre de ser espezinhado. Na sociedade ninguém vê isso não!</p><p>Imani – (Justifica). O que me preocupa, enquanto pesquisadora, é pesquisar sobre a questão</p><p>racial, é a condição do negro estar sempre em desvantagem... E as estatísticas</p><p>of Rondônia (UNIR),</p><p>Porto Velho-RO, 2024.</p><p>ABSTRACT</p><p>This dissertation aims to problematize pedagogical practices about the racial issue in the school</p><p>curriculum, through children's literature, focusing on valuing differences, discussing the</p><p>naturalization of colonialist practices and their interference in students' daily lives regarding the</p><p>topic. This is na applied research, of interventional nature, in which actions were developed</p><p>in/for the school, with post-critical methodological characteristics and a theoretical-</p><p>philosophical approach based on Derrida´s and Wittgenstein´s proposals. Participated in the</p><p>research 12 5th year students and five adults, including teachers and members of the</p><p>management team at ‘Magic World’ Elementary School (Corumbiara-RO), totaling 17</p><p>participants. The actions carried out consisted of conversation circles, reading workshops,</p><p>puppet shows, among others, aiming listening and giving voice to the students involved, about</p><p>the events arising from the colonial heritage regarding structural racism. These actions are</p><p>reported in scene games, in which the performances follow the edges between reality and</p><p>fiction. The results indicate that the interventions contributed and encouraged strategies to</p><p>combat racism in the school curriculum, considering the expansion of the use of children's</p><p>literature as a pedagogical instrument in favor of valuing differences for African descent people.</p><p>Keywords: Pedagogical practices; School curriculum; Racial valorization; Anti-racist</p><p>children's literature.</p><p>LISTA DE QUADROS</p><p>Quadro 1 - Dissertações com temática envolvendo literatura infantojuvenil antirracista ....... 31</p><p>Quadro 2 - Dissertações com temática envolvendo práticas pedagógicas de valorização racial</p><p>(História e cultura afro-brasileira) no currículo escolar ........................................................... 34</p><p>Quadro 3 - Dissertações com temática envolvendo educação escolar antirracista de valorização</p><p>da população negra ................................................................................................................... 44</p><p>LISTA DE FIGURAS</p><p>Figura 1 - Localização de Corumbiara no estado de Rondônia................................................75</p><p>Figura 2 - Bíblia Sagrada: um elemento da fé dos corumbiarenses ......................................... 77</p><p>Figura 3 - Placas sinalizadoras do DER-RO ............................................................................ 78</p><p>Figura 4 - Memorial em honra das vítimas do massacre de Corumbiara-RO .......................... 78</p><p>Figura 5 - Homenagem do II Plenário do Conselho Regional de Psicologia da 24ª Região</p><p>RO/ACRE ................................................................................................................................. 80</p><p>Figura 6 - Folder convite para participar da pesquisa .............................................................. 86</p><p>Figura 7- Capa do livro Qual é a cor do amor? ..................................................................... 103</p><p>Figura 8 - 1ª Produção dos estudantes ................................................................................... 105</p><p>Figura 9 - 2ª Produção dos estudantes .................................................................................... 105</p><p>Figura 10 - 3ª Produção dos estudantes .................................................................................. 106</p><p>Figura 11 - 4ª Produção dos estudantes .................................................................................. 107</p><p>Figura 12 - 5ª Produção dos estudantes .................................................................................. 107</p><p>Figura 13 - 6ª Produção dos estudantes .................................................................................. 108</p><p>Figura 14 - 7ª Produção dos estudantes .................................................................................. 108</p><p>Figura 15 - 8ª Produção dos estudantes .................................................................................. 109</p><p>Figura 16 - 9ª Produção dos estudantes .................................................................................. 109</p><p>Figura 17 - Leituras voltadas para História e cultura afro-brasileira ...................................... 112</p><p>Figura 18 - Capa do livro A cor de Coraline .......................................................................... 113</p><p>Figura 19 - Capa do livro A bailarina que pintava suas sapatilhas ....................................... 113</p><p>Figura 20 - Capa do livro O cabelo de Lelê ........................................................................... 114</p><p>Figura 21 - Capa do livro Meu crespo é de rainha ................................................................. 114</p><p>Figura 22 - Post de divulgação da escola: “Dia do Cabelo Maluco” ..................................... 121</p><p>Figura 23 - Máscaras africanas ............................................................................................... 123</p><p>Figura 24 - Teatro de fantoches .............................................................................................. 124</p><p>LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS</p><p>BNCC Base Nacional Comum Curricular</p><p>CEP Comitê de Ética em Pesquisa</p><p>CONEP Conselho Nacional de Ética em Pesquisa</p><p>FBSP Fórum Brasileiro de Segurança Pública</p><p>IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística</p><p>INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária</p><p>IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada</p><p>PAIC Programa de Alfabetização na Idade Certa</p><p>PM Polícia Militar</p><p>RCRO Referencial Curricular do Estado de Rondônia</p><p>SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica</p><p>SAERO Sistema de Avaliação Educacional do Estado de Rondônia</p><p>SEMED Secretaria Municipal de Educação</p><p>UNIR Universidade Federal de Rondônia</p><p>TCE-RO Tribunal de Contas de Rondônia</p><p>TNT Tecido Não Tecido</p><p>SUMÁRIO</p><p>1 A VOZ DA “OUTRA” QUE AGORA FALA ................................................................... 11</p><p>2 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS UTILIZANDO A LITERATURA</p><p>INFANTOJUVENIL......... ..................................................................................................... 22</p><p>3 UM PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO PÓS-CRÍTICO DE PESQUISA .. 26</p><p>4 ALGUNS PASSOS POR VÁRIOS CAMINHOS ............................................................. 30</p><p>5 APRESENTANDO O PROJETO DE PESQUISA À COMUNIDADE ESCOLAR ..... 48</p><p>5.1 Cena I: Uma segura a mão da outra .............................................................................. 48</p><p>5.2 Cena II: A dor de um só homem é a dor de toda a humanidade................................. 52</p><p>5.3 Cena III: Uma revisitação, uma retomada. O movimento nas esperanças massacradas</p><p>(1995) - impactos educacionais? ............................................................................................ 67</p><p>6 COMO ESTÁ CORUMBIARA HOJE?............................................................................ 74</p><p>7 O RACISMO É UMA COISA MUITO RUIM - VOZES DE MÃES DE</p><p>ESCOLARES.. ........................................................................................................................ 83</p><p>7.1 Cena IV: O desafio de andar por caminhos incertos .................................................... 84</p><p>8 A PESQUISADORA DE VOLTA À ESCOLA ................................................................ 90</p><p>8.1 Cena V: Olhar, escutar e considerar o lugar de fala do estudante .............................. 92</p><p>8.2 Cena VI: O que a dor permitiu dizer ..............................................................................</p><p>não mentem. Está</p><p>nas mídias, diariamente, que é o negro é quem mais sofre em relação à violência, seja verbal ou</p><p>física. Conforme o relatório do Atlas da Violência10, “historicamente, o assassinato de homens</p><p>e mulheres negras lidera os rankings de homicídios no Brasil. A violência cotidiana que atinge</p><p>a todos os brasileiros explica apenas uma parte da situação, enquanto o racismo, como elemento</p><p>estruturante e presente em todos os aspectos da sociedade brasileira, agravando no aumento da</p><p>miséria e do desemprego, impacta o cenário de mortes dessa população” (Publicado em</p><p>05/12/2023). O relatório elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o</p><p>Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que a violência contra as pessoas negras</p><p>no Brasil é exorbitante, com um total de 36.922 casos de homicídios de pessoas negras em</p><p>2021, um percentual de 77,1% das vidas dos homicídios; a cada 100 mil habitantes, temos 31</p><p>homicídios de pessoas negras e 10,8 homicídios de pessoas não negras, enfatizando que a</p><p>violência letal mata em média 4,22 pessoas negras por hora no país.</p><p>Aia — (Concordando). É triste, Imani, mas, como te falei, a violência é geral. Todos sofrem</p><p>algum tipo de violência.</p><p>Imani – (Corta). Estava vendo uma reportagem sobre a preocupação da mãe que tem um filho</p><p>negro nos grandes centros: quando ele sai de casa, a preocupação dessa mãe deve ser bem maior</p><p>do que a mãe de um filho branco, porque o negro tem muitos fatores que podem dificultar sua</p><p>volta para casa, como esses dados acima evidenciam.</p><p>Aia e Eleonora — (Respondem em coro). Será? Não! Acho que não. É tudo igual. Nada a ver!</p><p>Eleonora — (Em um tom aconselhador). Olha, Imani, não é desmerecendo a sua pesquisa, mas</p><p>eu acho que hoje está mais perigoso para os homossexuais. Acho que isso é um assunto mais</p><p>problemático do que a questão racial, pois está nítido que as pessoas não engolem e matam</p><p>mesmo.</p><p>Imani – (Animada, contra-argumenta). Também acho preocupante, até porque tanto os</p><p>homoafetivos quanto os negros não têm opção de mudar sua condição, por causa da visão das</p><p>outras pessoas... É o seu ser, a sua existência, a sua essência e pronto. Você já olhou para uma</p><p>10 https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes/280/atlas-2023-populacao-negra</p><p>https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes/280/atlas-2023-populacao-negra</p><p>63</p><p>pessoa que é gay/lésbica e preta ao mesmo tempo? O que você notou primeiro? A sua cor ou</p><p>sexualidade? Portanto, “falar de racismo, opressão de gênero, é visto geralmente como algo</p><p>chato, “mimimi” ou outras formas de deslegitimação. A tomada de consciência sobre o que</p><p>significa desestabilizar a norma hegemônica é vista como inapropriada ou agressiva porque aí</p><p>se está confrontando poder” (Ribeiro, 2017, p.79).</p><p>Eleonora — (Sorrindo). Deus do céu! O negócio é difícil mesmo.</p><p>Aia — (Achando engraçado). E se for gordo ainda? Por isso digo que não está fácil pra</p><p>ninguém.</p><p>Eleonora — (Insiste). Sobre o bullying, penso que se a pessoa falar: “Seu nego!” e o outro falar</p><p>“Sou nego mesmo”, ótimo, acaba ali. De outro modo, se tem um confronto, aquilo vai só</p><p>crescendo e a pessoa, ela mesma, acaba aumentando a confusão; quando ela se levanta, aponta</p><p>e diz: “Ele fez isso comigo”! Parece que ela aumenta o problema.</p><p>Aia — (Concordando). Se a pessoa tivesse deixado para lá, não teria acabado o problema, né?</p><p>Eleonora — (Lembrando). Pois é igual aquele caso do jogador de futebol. Nossa! Ele apontou,</p><p>ficou nervoso, deu a maior repercussão e virou assunto foi porque deu moral.</p><p>Imani – (Mostrando-se confusa). De qual jogador você fala? É que são acontecimentos muito</p><p>recorrentes.</p><p>Eleonora — (Puxou na memória por alguns segundos). O Vini Júnior. E tem mais: chama a</p><p>atenção porque o “cara” é famoso. Acontece com tanta gente, mas não dá repercussão que nem</p><p>foi com ele.</p><p>Imani – (Lembrando da violência). Ah! Esse caso do Vini Júnior é semelhante ao de muitas</p><p>crianças negras ou adultos que sofrem diariamente esse tipo de humilhação. E ele, denunciando</p><p>e apontando, incentiva quem passa pelo mesmo problema a denunciar também, pois o racismo</p><p>é crime e por isso não vale a pena ficar calado. Você sabia que é crime imprescritível e</p><p>inafiançável? A pessoa que cometer o crime pode ser presa, passe o tempo que passar. Ano</p><p>passado, com o sancionamento da Lei 14.532/2311, passou-se a incluir a injúria racial na Lei de</p><p>Crimes Raciais, que passou a “prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado</p><p>no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e</p><p>recreativo e para o praticado por funcionário público” (Lei 14.532, 2023, p. 1). Isso é uma</p><p>conquista muito importante, pois os agressores se defendiam dizendo que não tinham cometido</p><p>racismo, que era injúria e, com seus advogados, acabavam se eximindo da responsabilidade.</p><p>11https://unale.org.br/lei-14-532-2023-tipifica-injuria-racial-a-crime-de-</p><p>racismo/#:~:text=No%20dia%2011%20de%20janeiro,inj%C3%BAria%20racial%20ao%20de%20racismo.</p><p>https://unale.org.br/lei-14-532-2023-tipifica-injuria-racial-a-crime-de-racismo/#:~:text=No%20dia%2011%20de%20janeiro,inj%C3%BAria%20racial%20ao%20de%20racismo</p><p>https://unale.org.br/lei-14-532-2023-tipifica-injuria-racial-a-crime-de-racismo/#:~:text=No%20dia%2011%20de%20janeiro,inj%C3%BAria%20racial%20ao%20de%20racismo</p><p>64</p><p>Agora, com essa inclusão da injúria, tende-se a punir mais severamente quem discriminar os</p><p>negros. Também devemos ter uma atenção para a diferença entre bullying e racismo: apesar de</p><p>legitimado crime previsto no código penal por meio da Lei 4.224/2112, sancionada pelo</p><p>presidente Luiz Inácio Lula da Silva, devemos notar que o bullying nem sempre virá</p><p>acompanhado de racismo, mas a pessoa negra está sujeita a sofrer bullying e racismo ao mesmo</p><p>tempo, o que torna o agressor propenso a se enquadrar nas duas legislações.</p><p>Eleonora — (Depois de ouvir atentamente). Você lembra daquele jogador em que jogaram a</p><p>banana no campo para ele e na mesma hora ele comeu a banana? Ele ignorou a provocação e</p><p>foi jogar. Eu acho que, se todos tivessem uma atitude assim, o assunto morreria ali. Mas é o que</p><p>eu penso, né? Vai ser bom você discutir, estudar e pesquisar esse assunto, porque você já passou</p><p>por essa situação e pode falar muitas coisas com propriedade.</p><p>Imani – (Concordando e mostrando-se chateada). Sim, recordo. Foi num jogo entre o Barcelona</p><p>e o Villarreal, na Europa, se não me engano. Faz bastante tempo... Foi em 2014, né? A reação</p><p>do Daniel Alves13 foi surpreendente, um ato de enfrentamento muito particular dele, que vai ao</p><p>encontro de sua opinião. Ele continuou o jogo, mas note, Eleonora, que repercutiu tanto que até</p><p>hoje você encontra vídeos da época, muitos artistas se solidarizaram comendo bananas e</p><p>postando fotos nas redes sociais, até porque a ofensa não foi só para esse jogador: foi para todo</p><p>um povo! Agora, você nota bem: quando isso vai acabar? Racismo, já passei muito e estou</p><p>sujeita a continuar passando... Só que, como você pontuou, usarei meu “lugar de fala” (Ribeiro</p><p>(2019).</p><p>Eleonora — (Balançando a cabeça). Eu tenho parentes racistas. E não sou, pois eu me</p><p>considero preta, mas essas pessoas mais idosas falam rasgado que não querem preto na família.</p><p>Esse meu parente tentou impedir o casamento das filhas com pessoas pretas, mas agora convive</p><p>com o genro. Mas a gente nota a predileção dele pelo genro branco.</p><p>Aia — (Acrescenta pensativa). E é desse jeito que as crianças vão vendo e reproduzindo o que</p><p>veem dos avós... Concordo que as pessoas mais antigas costumam ser racistas, ou fazem sem</p><p>perceber que estão cometendo algo errado... E a gente ensina as crianças a respeitarem aqui na</p><p>escola, mas às vezes elas aprendem em casa de um jeito diferente.</p><p>Imani — (Comparando). Então, professora, é igual conscientização de trânsito! Muito do que</p><p>é ensinado na escola as crianças repassam para a família em casa.</p><p>12https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/01/15/e-sancionada-lei-que-inclui-bullying-e-cyberbullying-</p><p>no-codigo-penal</p><p>13 https://globoplay.globo.com/v/3309957/</p><p>https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/01/15/e-sancionada-lei-que-inclui-bullying-e-cyberbullying-no-codigo-penal</p><p>https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/01/15/e-sancionada-lei-que-inclui-bullying-e-cyberbullying-no-codigo-penal</p><p>https://globoplay.globo.com/v/3309957/</p><p>65</p><p>Eleonora — (Concorda). Fato! Comparo por minha filha. Caso ela veja alguma imprudência</p><p>no trânsito, ela tende a alertar o motorista. Ela fala que a professora disse que não pode passar</p><p>no sinal amarelo, que é perigoso...</p><p>Imani — (Abrindo um sorriso). Sim. E quando a professora fala, nem adianta contestar, né?</p><p>Aia — (Sorridente) O pai da minha aluna é professor e ele, quando quer explicar algo a ela, ela</p><p>discorda e não aceita de jeito nenhum. Ele estava me dizendo que ela discorda e fala que deve</p><p>fazer da forma que a professora ensinou.</p><p>Imani — (Com um sorriso maroto). Por isso, professoras, eu insisto que o papel dos professores</p><p>na educação antirracista tem o seu valor. Para a criança, o ensinamento dos professores na</p><p>escola é significativo e tem peso na formação do caráter delas.</p><p>Aia — (Sorrindo). Temos uma certa influência, só que nós, professores, estamos no segundo</p><p>plano. Perdemos para as redes sociais, que é o que vem primeiro e acaba influenciando de</p><p>maneira positiva e negativa os alunos.</p><p>Eleonora — (Sorrindo, de cabeça baixa). Pior que é desse jeito mesmo. Temos que ficar atentos</p><p>para as coisas que dizemos na escola, porque a família cobra e, se eles julgarem alguma coisa</p><p>“errada”, como foi o caso em Cerejeiras, nossa cidade vizinha, onde a professora explicou como</p><p>os bebês nascem14 e foi até demitida... Mas muitas famílias não monitoram o uso das redes</p><p>sociais para o acesso dos filhos.</p><p>Aia — (Olhando para o termo já assinado, interrompe). Deixa-me perguntar uma coisa Imani.</p><p>Imani — (Olhando para a professora). Sim! Fica à vontade.</p><p>Aia — (Com um leve sorriso no canto da boca). Não vou ter que escrever nada não, né? Porque</p><p>não tenho tempo para mais nada. Tenho que preparar essas crianças para as avaliações externas,</p><p>teremos as provas do SAEB... Você sabe como é... O tempo é muito pouco.</p><p>Imani – (Sorrindo discretamente). Não precisará escrever, mas conversaremos bastante. Fiz um</p><p>cronograma de acordo com o desenrolar do projeto e as intervenções que pretendo realizar com</p><p>as crianças. Observa. (Mostra o cronograma).</p><p>Aia — (Observando o cronograma atentamente). Interessante... Haverá conversas, roda de</p><p>leitura e teatro de fantoches. O teatro será produzido junto com eles?</p><p>Imani — (Explicando detalhadamente). Sim. Considero interessante que eles evidenciem suas</p><p>compreensões sobre o assunto na produção da peça.</p><p>14 https://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/2022/11/08/professora-e-demitida-apos-explicar-para-alunos-de-</p><p>onde-vem-os-bebes-em-ro-eu-ia-falar-que-vinha-da-cegonha.ghtml</p><p>66</p><p>Aia — (Receptiva e preocupada). Sim. Dá de fazer, mas o tempo dos ensaios será pouco.</p><p>Acredito que eles vão gostar.</p><p>Imani – (Entusiasmada). A peça teatral será a culminância... E se eles não decorarem a letra</p><p>poderão ler, pois só os bonecos aparecerão no cenário.</p><p>Aia — (Aparentemente animada). Teremos muito trabalho, mas eles gostam de coisas diferente.</p><p>Vai dar certo.</p><p>Imani — (Feliz com o acolhimento). Isso me alegra!</p><p>Eleonora — (Curiosa). E eu?</p><p>Imani — (Cordialmente). A sua participação é agora, a partir dessa conversa e outras. Mas os</p><p>alunos serão os da Aia, devido à disponibilidade do meu tempo. Portanto, acompanharei o</p><p>currículo do 5º ano durante esse tempo de pesquisa e conversaremos sobre as práticas</p><p>pedagógicas voltadas para a questão racial.</p><p>Eleonora — (Olhando atentamente o calendário do mural). Tudo bem. Estou à disposição.</p><p>Aia — (Alertando). Vamos ver se os pais que comparecerão na reunião... E já antecipo que</p><p>costuma vir poucos. E depois teremos que ver outra forma de encontrá-los, para que autorizem.</p><p>Imani – (Conferindo a gravação). Sim. E por hoje é isso. Só tenho a agradecer, por enquanto.</p><p>Eleonora — (Olhando o cronograma). Estou vendo aqui, professora, sobre essa questão dos</p><p>acontecimentos de 1995. Não poderei contribuir muito, porque eu era muito pequena. Lembro</p><p>dos caminhões passando, da movimentação, das pessoas armadas, das conversas dos adultos e</p><p>do medo que a gente sentia, mas é o superficial do superficial.</p><p>Aia — (Prontamente). Nem eu. Porque assim como você, me mudei para cá bem depois, com</p><p>a aprovação no concurso público. Só sei o que as pessoas comentam.</p><p>Daiana — (Que ouvia tudo sentada e apoiada a sua escrivaninha). Acredito que o professor</p><p>Lauro poderá colaborar com esse assunto, porque ele vive aqui desde o acontecido. Temos</p><p>professores daqui de Corumbiara que perderam parentes na tragédia, outros conhecidos que</p><p>escaparam por pouco, adentrando no mato.</p><p>Imani — (Afirmando com a cabeça). Ah, sim. Certamente que vou ouvi-los. Minha intenção</p><p>não é reviver esse passado, mas saber se esses acontecimentos de 1995 afetaram de alguma</p><p>maneira a educação de Corumbiara, se as crianças comentam ou questionam sobre o feriado</p><p>municipal que é em memória das vítimas.</p><p>Daiana — (Relembrando). No ano passado, teve uma família que reclamou que foi remanejado</p><p>o dia do feriado... Mas das crianças mesmo, até agora não presenciei nada de questionamentos</p><p>sobre a data.</p><p>67</p><p>Aia — (Expressiva). Eu tenho receio de tocar no assunto e ter parentes das vítimas e isso causar</p><p>algum desconforto... e depois até acabar sofrendo alguma represália. Sei que é história da</p><p>cidade, mas eu mesma, e acredito que a maioria dos colegas também, não sei como abordar e</p><p>trabalhar esse assunto delicado.</p><p>Eleonora — (Levantando-se). Até mesmo, professora, por causa da idade deles e a barbárie</p><p>que foi. Vica difícil, viu?</p><p>Imani — (Após beber um pouco de água). Compreendo...</p><p>Eleonora — (Carismática). Foi um prazer, professora. Vou voltar ao trabalho. Se precisar de</p><p>mais alguma coisa, estarei à disposição.</p><p>Imani – (Sorridente). Sim! Obrigada e bom trabalho.</p><p>Aia — Até!</p><p>Imani — (Satisfeita). Até...</p><p>Daiana — Vou chamar o Lauro. Hoje as ocorrências estão poucas por lá.</p><p>Imani — (Sorrindo). Que bom! Enquanto isso, vou tomar um café e aguardá-lo.</p><p>5.3 Cena III: Uma revisitação, uma retomada. O movimento nas esperanças massacradas</p><p>(1995) - impactos educacionais?</p><p>[O propósito dessa cena é entender como os acontecimentos de 1995, “o massacre de</p><p>Corumbiara”, refletem na história de vida e na educação de Corumbiara-RO. Até esse</p><p>momento, tínhamos compreendido que o professor Lauro era quem poderia falar sobre os</p><p>efeitos dos desses acontecimentos de 1995 para a educação do município, por ele ter sido</p><p>aluno no passado e professor atualmente].</p><p>CENÁRIO</p><p>Meados de uma manhã de sexta-feira do mês de julho de 2023. Sala da direção escolar.</p><p>PERSONAGENS: Lauro; Imani.</p><p>Imani – (Esperançosa). Bom dia, professor! A nossa conversa seguirá em torno de uma</p><p>compreensão de currículo mais ampliada, dialogando com os modos de vida e a história local,</p><p>as vivências e histórias de vida das pessoas dessa cidade e como tudo reverbera na escola,</p><p>levando em consideração as experiências de professores, alunos e comunidade, uma vez que o</p><p>currículo faz questão de ser exercido em qualquer comunidade formal ou informal “local de</p><p>68</p><p>trabalho, de lazer, campo, cais, ilhas, praças, pátios, associações, ginásios, ruas, assentamentos,</p><p>parques, viadutos, e até em escolas. Faz questão de ser experienciado em qualquer lugar, onde</p><p>lhe seja dada a oportunidade de produzir e contestar verdades, confrontar narrativas e</p><p>experiências [...]” (Corazza, 2005, p. 109).</p><p>Lauro — (Animado e receptivo). Bom dia! A Daiana me adiantou o assunto. Fico feliz em</p><p>contribuir. Concordo com esse entendimento sobre</p><p>o currículo, mas, atualmente, a escola</p><p>acompanha a BNCC e o que está prescrito no documento...E sentimos dificuldade em inserir o</p><p>que tem característica local... Mas, mesmo com dificuldade, tentamos inserir a nossa cultura e</p><p>experiências.</p><p>Imani — (Preocupada). Gostaria muito de ter sua contribuição, se isso não for lhe causar</p><p>desconforto. Gostaria de saber, no seu entendimento, como os acontecimentos de 1995 afetaram</p><p>ou ainda afetam de alguma maneira a educação escolar de Corumbiara. O filósofo</p><p>Wittgenstein trata uma questão como uma doença (Wittgenstein, 2014, p. 126). Existe</p><p>uma ferida social pelos acontecimentos vividos nesse tempo?</p><p>Lauro — (Girando o cordão da chave nos dedos). As feridas existem. Não me causa</p><p>desconforto, pode ficar tranquila. Sobre os impactos na educação, afetou muito naquele tempo</p><p>e pode vir a afetar novamente, pois é parte da nossa história e vai estar sempre ligada a nós,</p><p>uma vez que produzimos currículo. Mas vou falar das minhas experiências enquanto aluno e</p><p>depois como adulto professor.</p><p>Imani – (Aliviada). Fique à vontade, professor.</p><p>Lauro — (Sentado, bem à vontade). Acredito que, de maneira direta, os alunos da atualidade</p><p>não são afetados, mas os familiares deles sim, pois os alunos dos anos 90 são os pais e avós de</p><p>hoje... Além de que muitas famílias daquele tempo não residem mais no município.</p><p>Imani – (Curiosa). Sim, mas ainda tem familiares daquela época por aqui?</p><p>Lauro — (Sorri e afirma, balançando a cabeça). Eu, por exemplo, não estava lá, dentro do</p><p>conflito, mas minha família e eu pudemos ouvir de longe os tiroteios... E, enquanto estudantes,</p><p>ficamos traumatizados. As cenas que presenciamos e que se passaram dentro do Distrito de</p><p>Auto Guarajus foram cenas fortes... Ficávamos assustados.</p><p>Imani — (Sensibilizada). Cenas fortes ficam guardadas nos corpos, infelizmente.</p><p>Lauro — (Aparentemente emocionado). Sim. Como transmitir aos outros o infinito Aleph, que</p><p>minha temerosa memória mal e mal abarca? (Borges, 2008, p. 148). Vejo como em um filme</p><p>de época. (Começa a relatar). Passaram caminhões com policiais, não sei se era, mas era o que</p><p>diziam. Tinha pessoas sentadas e presas, pessoas mortas e feridas. Tudo aconteceu quando o</p><p>69</p><p>dia estava amanhecendo. Lembro que meu pai nos acordou quando escutou o tiroteio... E era</p><p>longe, mas ouvimos.</p><p>Imani – (Atenta). Impactante, professor, e doído demais, diante da minha sensibilidade</p><p>humana. Pois... contam que “o caminhão sacoleja debaixo do sol de meio-dia rumo à</p><p>Colorado15. Pessoas mortas e feridas com diferentes estágios de gravidade viajam misturados”</p><p>(Peres, 2015, p. 97).</p><p>Lauro — (Cruzando as pernas). Sim! Isso, na época, impactou à educação escolarizada. Você</p><p>via no semblante dos alunos o medo. Nós, enquanto crianças, ficamos por muito tempo com</p><p>medo. Quando um avião sobrevoava sobre a escola ficávamos amedrontados.</p><p>Imani — Por quê? Por favor, fale desse medo.</p><p>Lauro — (Expressivo). No meu caso, era medo da segurança pública, da farda policial mesmo,</p><p>porque aquilo ficou marcado, que “os policiais” entraram lá e mataram colegas que eram</p><p>vizinhos, parentes e amigos da gente, pois era o que nos diziam.</p><p>Imani – (Instigando). Esse seu medo se equipara com o de muitas crianças, adolescentes que</p><p>vivem em favelas e locais de conflitos, como bem retrata a indignação rimada na música</p><p>Delação Premiada, da MC Carol (Cantarola um trecho da canção):</p><p>Troca de plantão, a bala come à vera</p><p>Ontem teve arrego, rolou baile na favela</p><p>Sete da manhã, muito tiro de meiota</p><p>Mataram uma criança indo pra escola</p><p>Na televisão a verdade não importa</p><p>É negro favelado, então tava de pistola</p><p>Na televisão a verdade não importa</p><p>É negro favelado, então tava de pistola [...]</p><p>[A música faz uma crítica à violência policial e à impunidade diante de alguns fatos,</p><p>destacando alguns casos de mortes de pessoas cujo casos ainda não foram solucionados,</p><p>além de apontar os negros, pobres e favelados em condição de desvantagem perante a</p><p>sociedade; a cantora fala do estereótipo que as pessoas cometem que recaem sobre as</p><p>pessoas negras e outras reforçam, relacionando a cor da pele à bandidagem, como se ser</p><p>15 Colorado do Oeste é um município do Cone Sul de Rondônia, com aproximadamente 34.40 km de distância de</p><p>Corumbiara, em linha reta, e 64 km por estrada. Conforme dados do IBGE, o último censo registrou o total de</p><p>15.663 habitantes; é o município do Cone Sul mais próximo de Vilhena, que é a cidade considerada a quarta mais</p><p>populosa do estado.</p><p>70</p><p>negro fosse o mesmo que ser bandido. No caso dos “sem-terra”16, esses também sofrem</p><p>preconceito e muitas vezes são relacionados à marginalidade criminal diante da sociedade;</p><p>portanto, são pessoas que vivem à margem da sociedade, invisibilizadas na luta pelo direito</p><p>da terra pelo Estado, até que aconteça algo extremo, como foi o caso do massacre de</p><p>Corumbiara].</p><p>Imani — (Retoma a fala, instigando). Não é fácil para uma criança vivenciar isso e distinguir</p><p>quem é o detentor do “poder” e quem está na linha de frente, como subordinado do Estado...</p><p>Por vezes, somam os índices das violências em conflitos... Cabe à escola desenvolver o</p><p>raciocínio crítico das crianças, para que compreendam a amplitude e a dimensão da</p><p>problemática... Esse caso de Corumbiara, por exemplo, não é um caso pessoal, entre subalternos</p><p>e “autoridades policiais”, e sim entre sociedade, Estado e herança colonial. Mas, no seu caso,</p><p>ainda bem que podiam contar com o amparo dos professores, né?</p><p>Lauro — (Relatando). Para te dizer a verdade, os professores também tinham medo. Então,</p><p>essa situação ficou muito marcada para minha geração, enquanto estudante. Isso nós levamos</p><p>por muito tempo...</p><p>Imani — E o seus colegas de escola da época, eram bastante crianças?</p><p>Lauro — (Recordando um pouco mais). As escolas eram grandes... Tinha muitos alunos, mas,</p><p>quando houve o massacre, esse pessoal foi deslocado para outros municípios. Uns foram para</p><p>Theobroma... Eles ganharam terra lá e isso acabou causando um vazio muito grande nas escolas</p><p>da região, pois esses alunos foram embora; então, teve uma defasagem na quantidade de alunos</p><p>e isso aí é que repercute até hoje, pois reduziram também o número de escolas.</p><p>Imani — (Atenciosa). Ah, sim! De alguma forma acabou por interferir na história e na</p><p>geografia. Quer uma água, professor?</p><p>Lauro — (Explicando). Não, obrigado. Então... As famílias que ficaram aqui foram poucas.</p><p>Ficaram no Assentamento Vanessa. Esse assentamento recebeu esse nome de uma criança</p><p>vítima da tragédia.</p><p>Imani — (Atenciosa). Logo nos dias que cheguei em Corumbiara, um menino me contou sobre</p><p>isso enquanto brincava na praça da cidade. Ele me disse que o nome da prima dele é Vanessa,</p><p>igual ao do assentamento e da menina que foi para o céu. Mas só depois de algum tempo que</p><p>eu fui entender o que ele estaria me dizendo de fato... Quando li a respeito e vi a cena do corpo</p><p>16 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um movimento social, de massas, autônomo, que</p><p>procura articular e organizar os trabalhadores rurais e a sociedade para conquistar a reforma agrária e um projeto</p><p>popular para o Brasil. O texto se refere aos trabalhadores que integram o movimento.</p><p>71</p><p>na internet... É muito chocante... Uma imagem muito forte de se ver, ainda mais por ser uma</p><p>criança.</p><p>Lauro — (Parecendo triste). Sim. Eu não sei dizer muito bem. Apenas o que se passou comigo</p><p>enquanto menino. Não sei dizer como que essas crianças se comportaram lá na escola, mas tem</p><p>professores que davam aula para essas crianças lá no assentamento. Se encontrar algum, eles</p><p>podem informar melhor. Receio que tenham se aposentado.</p><p>Imani — (Explica calmamente). Obrigada, mas muito me interessa de saber do agora, se bem</p><p>que para compreendermos o presente não podemos ignorar a história. A BNCC apresenta uma</p><p>inseparabilidade entre o tempo e o espaço, articulando memórias e identidade</p><p>social em relação</p><p>ao ensino, com vistas a possibilitar que os estudantes construam sua identidade relacionando-</p><p>se com o Outro (sentido de alteridade), que valorizem as suas memórias e marcas do passado</p><p>vivenciadas em diferentes lugares; e, à medida que se alfabetizam, ampliem sua compreensão</p><p>do mundo. Em continuidade, no Ensino Fundamental - anos finais, procura-se expandir o olhar</p><p>para a relação do sujeito com contextos mais amplos, considerando temas políticos, econômicos</p><p>e culturais do Brasil e do mundo (Brasil, 2017, p. 362). De modo que o currículo escolar não</p><p>tem ligação apenas com os componentes curriculares, mas com os modos de vida que</p><p>perpassam aos redores da escola com seu alunado e familiares.</p><p>Lauro — (Concordando). Sim, é necessário retornar. Há um tempo, todos os dias 9 de agosto,</p><p>faziam o manifesto dos trabalhadores rurais e parentes das vítimas, pedindo justiça, porque</p><p>demorou muito tempo para ser julgado. Mas depois, houve o julgamento e as pessoas foram</p><p>responsabilizadas; com essa responsabilização, deu uma esfriada em relação à data. As pessoas</p><p>apenas a guardam com pesar e muito respeito.</p><p>Imani — (Instigando novamente). E se guardam com pesar, as crianças e adolescentes</p><p>presenciam... E como elas veem a representatividade desse dia, em que devem ficar em casa</p><p>por ser feriado municipal?</p><p>Lauro — (Prossegue, gentilmente). As crianças de hoje não terão memória do que aconteceu,</p><p>obviamente. Se você pegar essas crianças que estão estudando aí, nos anos iniciais, e falar do</p><p>dia 9 de agosto, algumas podem desconhecer a história ou relatar que ouviu algo dos mais</p><p>antigos. Já tem algum tempo que essa temática não é mais trabalhada na escola, até por causa</p><p>da idade delas... E porque, dentro do contexto atual, muitos familiares estão vindo de fora, para</p><p>trabalhar nas colheitas e produção de soja e milho, temos uma grande rotatividade de alunos.</p><p>Poucos são filhos de Corumbiara.</p><p>Imani — (Atenta). Temos percebido essa rotatividade de alunos... É um vem e vai...</p><p>72</p><p>Lauro — (Sorrindo). Sim... Pegam transferência e quando você pensa que a criança está lá ela</p><p>já retornou e vice-versa. Mas em relação ao massacre, já trabalhamos muito, quando atendíamos</p><p>os anos finais do Ensino Fundamental, porém não tínhamos um preparo para essa intervenção.</p><p>Muitos professores buscavam na internet aquelas imagens de violência e, como a senhora</p><p>mesma observou, é uma coisa muito impactante... Por isso foram deixando de abordar, por não</p><p>saberem como intervir.</p><p>Imani — (Completando). É um assunto delicado e, mais uma vez, a formação de professores é</p><p>pauta. O senhor disse que falaria sobre suas vivências como professor sobre esse assunto e os</p><p>rastros dele.</p><p>Lauro — (Expressivo). Sim. Vou relatar um fato que aconteceu uns 10/11 anos após o</p><p>massacre. Eu trabalhei como professor no Assentamento Adriana e ainda esse medo de uma</p><p>repressão, de estar na escola e acontecer algo, ele era muito perceptível. Porque não sei se foi</p><p>criada uma cultura, mas os pais passavam para as crianças que quem fez aquilo foi o governo,</p><p>foi a polícia. Então, você via nas crianças aquele medo de uma autoridade policial... Eu lembro</p><p>que nós tivemos um projeto sobre reflorestamento e o grupo que foi auxiliar nesse projeto na</p><p>escola não tinha veículo apropriado para aquele tempo chuvoso; sendo assim, se deslocaram</p><p>até aquela comunidade com a caminhonete da Polícia Militar (PM). Assim que os policiais</p><p>chegaram na escola, notávamos os alunos num estado tremendo de medo, pois foi uma cultura</p><p>que colocaram neles, que a segurança pública agia de forma arbitrária e violenta. Ainda pesava</p><p>o fato da criança morta, que ninguém sabe ao certo de onde teria vindo o tiro.</p><p>[Nesse momento, o inspetor de pátio interrompe. (Voz em off): “Professor, tem uma</p><p>ocorrência para o senhor resolver. É aqueles dois de novo”].</p><p>Daiana — (Prontificando-se). Pode deixar. Irei lá.</p><p>Imani — (Insistindo). Isso retrata o que você relatou de você e confirma como se perpetuou o</p><p>medo após longos anos. É uma curiosidade minha orientadora para mim e para minha</p><p>orientadora, enquanto pesquisadoras, saber quais os rastros que ficaram para a educação de</p><p>Corumbiara, porque, até então, conhecemos pesquisas que foram feitas em torno do conflito</p><p>que resultou na tragédia, para entender o fator político na questão da reforma agrária, mas</p><p>referente à criança e à educação, de como o estudante vê isso em relação à história de</p><p>Corumbiara, ainda desconhecemos. Com sua colaboração, será possível sabermos como isso</p><p>reflete no modo de vida dos corumbiarenses.</p><p>Lauro — (Afirmando). Olha, professora, interferiu nos modos de vida e ainda interfere sim. O</p><p>povo aqui é meio desconfiado, mas é forte, batalhador e guerreiro. Naquele tempo do ocorrido,</p><p>73</p><p>ficamos quase uma semana sem aula, as pessoas estavam tristes, os estudantes sabiam que algo</p><p>ruim tinha atingido conhecidos, seus colegas e amigos... Alguns tiveram parentes mortos lá</p><p>dentro da fazenda Santa Elina, até o próprio pai morto lá dentro, buscando um pedaço de chão</p><p>para plantar e para o sustento de sua família... Muitas crianças ficaram sem vontade de ir para</p><p>a escola, sentindo medo de sair de perto da família ou do que restou dela.</p><p>Imani — (Impactada). É compreensível.</p><p>Lauro — (Relatando). Voltando novamente ao passado, lembro também que houve uma fake</p><p>news na época: espalharam pela cidade que os professores que falassem desse assunto com os</p><p>alunos iriam ser punidos... Então, foi um período muito tenso para a educação daqui.</p><p>Imani — (Paralisada por uns segundos). Sério???</p><p>Lauro — (Suspirando fundo). E referente a essa história, ela sempre estará presente nas nossas</p><p>vidas. Agora mesmo o sindicato dos trabalhadores está organizando um almoço. Vai ter</p><p>psicólogos, depoimentos de vítimas, lá no assentamento... e terá uma caminhada até o local do</p><p>massacre. Não será agora, mas pretendem fazer um memorial lá no local.</p><p>Imani — (Planejando). Vejo que o desejo de um memorial é uma coisa antiga, como foi</p><p>constatado pelo jornalista João Peres, desde 2015.</p><p>Lauro — (Relatando empolgadamente) Sim, é. Agora... O memorial depende muito do</p><p>prefeito, mas todos estão na expectativa de que será construído ainda esse ano.</p><p>Imani — (Provocativa). Torço que sim, pois tudo isso é história viva e pode gerar curiosidade</p><p>nos alunos que transitarem pelo local do memorial; consequentemente, surgirão</p><p>questionamentos que a escola deverá saber como responder.</p><p>Lauro — (Concordando). Isto é mesmo. O dia 9 de agosto está próximo. Vamos ver se elas</p><p>questionam algo. E se eu lembrar de algo, falo para a senhora.</p><p>Imani — (Cordialmente). Eu agradeço a sua colaboração... A manhã passou bem rápido, né?</p><p>Lauro — (Concordando). Foi bem rápida sim. Mas foi bom falar sobre tudo isso e pensar nesse</p><p>viés que a senhora veio averiguar. As crianças de hoje são os adultos de amanhã e é importante</p><p>saber como elas veem esses acontecimentos históricos da cidade.</p><p>Imani — (Agradecida). Sim, obrigada. Agora, a próxima volta é conversar com pais e alunos</p><p>para que autorizem a intervenção e, nesses caminhos, quiçá, parar por aí e mostrar para os</p><p>leitores os novos movimentos de Corumbiara, esses que o senhor sinalizou, que podem nos</p><p>ajudar a tratar de novas formas de se conceber currículo.</p><p>74</p><p>6 COMO ESTÁ CORUMBIARA HOJE?</p><p>Como está Corumbiara hoje? Essa pergunta nos soa como zumbidos espectrais</p><p>desconfortantes, pois nos tornamos ‘uma herdeira profana’ de uma história. Sim! Após o evento</p><p>de Corumbiara, agora temos uma filiação. Tornamo-nos uma herdeira por residir nesse</p><p>pedacinho de chão. Corumbiara não é desconhecida perante o mundo.</p><p>Nesta seção, visando atender à curiosidade de leitores que não são de Rondônia e/ou da</p><p>cidade de Corumbiara, fazemos uma pausa para olhar e apresentar outros caminhos que</p><p>percorremos, que não o da escola, mas que tratam da escola fora dos seus muros, uma vez que</p><p>é o local do povo que produz o currículo através da sua história, com suas experiências,</p><p>movimentos e modos de vida.</p><p>Nessa apresentação, relacionamos alguns achados dessa volta no espaço e tempo com o</p><p>currículo. Com esse propósito, eis a jovem Corumbiara: uma cidade do estado de Rondônia,</p><p>desmembrada do município de Colorado do Oeste, em 1980, através do NUAR Nova</p><p>Esperança, integrante do Projeto de Colonização Paulo Assis Ribeiro. A Figura 1 traz o mapa</p><p>de localização de Corumbiara em Rondônia:</p><p>Figura 1 - Localização de Corumbiara no estado de Rondônia</p><p>Fonte: https://rondoniaemsala.blogspot.com/2010/08/</p><p>75</p><p>Corumbiara é considerada jovem, com apenas 32 anos, localizada no Cone Sul do</p><p>estado, a 847 km da capital, Porto Velho, percurso todo transitável por rodovias asfaltadas. A</p><p>população estimada em 2022, conforme divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e</p><p>Estatística (IBGE), foi de 7.519 pessoas. A cidade possui três distritos regulamentados pela Lei</p><p>Municipal nº 383, de 7 de julho de 200317: Alto Guarajus, Rondolândia e Vitória da União.</p><p>Corumbiara é plena de relações multiculturais, uma vez que seus primeiros habitantes</p><p>foram indígenas e, por volta de 1980, chegaram colonos, atraídos pela possibilidade de receber</p><p>doação de terras do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o que</p><p>resultou em um município formado por moradores provenientes de diversos lugares do Brasil</p><p>(IBGE, 2023). Rondônia é herdeira de uma história interligada à cultura e identidade desses</p><p>povos e isso não pode ser esquecido.</p><p>Essa região foi colonizada pelos portugueses, a partir do século XVIII, quando vieram</p><p>para o Vale do Guaporé. Além disso, conforme apontam Teixeira, Fonseca e Moratto (2010, p. 1),</p><p>Outro eixo importante para o povoamento negro do estado foi formado pelos</p><p>afro-caribenhos, aqui chamados barbadianos. Esse contingente de</p><p>trabalhadores especializados foi deslocado para o vale do Madeira e do</p><p>Mamoré a fim de atuar na construção da ferrovia Madeira Mamoré e sua</p><p>história vincula-se à história da ferrovia e das cidades que surgiram em função</p><p>da mesma. Um terceiro contingente formou-se em um processo mais</p><p>dispersivo, sem os benefícios da identidade étnica e sem o apoio do grupo de</p><p>identificação. Essa terceira leva de migrantes negros respondeu ao apelo de</p><p>diversos surtos de exploração econômica dos recursos naturais e, por fim ao</p><p>grande projeto do Regime Militar (1964/85) de desenvolver, ao longo do eixo</p><p>rodoviário da BR 364 um grande projeto de colonização agropastoril das terras</p><p>de Rondônia.</p><p>Notamos que, desde muitos anos, Rondônia é visto como um canteiro de exploração de</p><p>recursos. Os autores afirmam que o estado de Rondônia foi formado por uma população</p><p>majoritária negra. A ocupação e formação de Corumbiara, em uma estreita relação com as</p><p>cidades vizinhas que compõem o Guaporé, não aconteceu diferente das outras cidades e estados</p><p>amazônicos. Segundo Souza e Grossi (2010, p. 6),</p><p>[...] o processo de ocupação e territorialização na Amazônia pautou-se por um</p><p>processo de ocupação extremamente excludente. Ao mesmo tempo em que</p><p>foram territorializados migrantes de outras regiões, especialmente, Nordeste</p><p>e Sul (Paraná), foram desterritorializadas comunidades extrativistas,</p><p>caboclas e indígenas. Em uma perspectiva de exclusão é que se deu a</p><p>ocupação amazônica (Grifos nossos).</p><p>17 https://corumbiara.ro.gov.br/lei/lei-municipal-n-383-de-07-de-julho-de-2003-2/</p><p>76</p><p>Atualmente, a cidade continua recebendo pessoas de várias regiões do Brasil e países</p><p>vizinhos e é comum nos depararmos, diariamente, com pessoas venezuelanas e bolivianas; em</p><p>relação a essas últimas, a distância geográfica favorece essa dinâmica.</p><p>O município de Corumbiara perpassa por picos de desenvolvimento e tem se destacado</p><p>entre os municípios com maior produtividade de soja e milho; em 2021, foi o maior produtor</p><p>de soja de Rondônia, liderando o ranking, conforme divulgado no G1: “Corumbiara (171 mil</p><p>toneladas); Pimenteiras do Oeste (161 mil toneladas); Vilhena (150 mil toneladas); Cerejeiras</p><p>(131 mil toneladas); Chupinguaia (131 mil toneladas)” (Nauara, 2022).</p><p>Devido ao potencial produtivo, o fluxo rotatório de trabalhadores de várias partes do</p><p>Brasil é de dimensão considerável; eles vêm em busca de trabalho nas fazendas e empresas do</p><p>ramo agropecuário. Essa movimentação migratória nos estados amazônicos é muito presente</p><p>em Corumbiara e repercute nas escolas, com estudantes passageiros, que se matriculam e logo</p><p>deixam a escola para acompanhar os pais em outra jornada, sempre que encerra o contrato de</p><p>trabalho do seu responsável. É tanto que, no decorrer deste estudo, houve duas transferências</p><p>de crianças participantes da pesquisa.</p><p>A SEMED de Corumbiara, na pessoa de Eleandra, encarregada pelo Setor de Dados e</p><p>Estatísticas da Secretaria de Educação, responsável direta pelos trâmites relacionados aos</p><p>alunos do município, relatou que houve caso de estudante chegar, efetuar a matrícula e depois</p><p>permanecer apenas 15 dias, pedir transferência, sair da rede municipal e retornar após três meses</p><p>de ausência. Assim, vários estudantes vão e vem várias vezes durante o ano. o que nos remete</p><p>a Hall (2006), quando fala das identidades:</p><p>[...] quanto mais a vida se torna mediada pelo mercado global de estilos,</p><p>lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e</p><p>pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades</p><p>se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e</p><p>tradições específicos e parecem ‘flutuar livremente’. Somos confrontados por</p><p>uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor,</p><p>fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível</p><p>fazer uma escolha (Hall, 2006, p. 75).</p><p>Esse contexto dos corumbiarenses reforça a percepção do cenário multicultural local,</p><p>como também pode ser prejudicial para o estudante em relação ao vínculo escolar, pois,</p><p>consequentemente, perdem a sequência didática escolar, não se apropriam do currículo local e</p><p>se perdem do currículo de sua origem. Isso pode gerar no estudante migrante um conflito</p><p>identitário.</p><p>77</p><p>Corumbiara é composta por uma população com várias religiões, mas, até então, não</p><p>localizamos na cidade nenhum local onde se reúnem praticantes de religiões de matriz africana,</p><p>por mais que houvesse procurado e indagado aos moradores mais antigos. É possível ver que</p><p>parte do povo de Corumbiara carrega a fé como um marco cultural, representada em um</p><p>monumento instalado ao lado da praça localizada na entrada da cidade, ilustrado na Figura 2:</p><p>Figura 2 - Bíblia Sagrada: um elemento da fé dos corumbiarenses</p><p>Frente Trás</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>Esse monumento fica logo na entrada da cidade, entre Corumbiara e Cerejeiras. Ao sair</p><p>de Cerejeiras e se dirigir à cidade de Corumbiara, a escultura está localizada ao lado esquerdo,</p><p>anexo à praça ainda em construção. Como moradora da cidade, percebemos que grande parte</p><p>da população é constituída de cristãos, frequentadores de igrejas católicas e evangélicas. Vale</p><p>ressaltar que já é rotina dos munícipes registrar sua caminhada matinal ou ao entardecer com</p><p>uma fotografia próxima à Bíblia Sagrada.</p><p>Salientamos que a imagem retratada na Figura 2 não se trata de um monumento de boas-</p><p>vindas à cidade, pois este ainda não temos; há apenas as placas sinalizadoras do DER-RO, como</p><p>registra a Figura 3, a seguir:</p><p>78</p><p>Figura 3 - Placas sinalizadoras do DER-RO</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>No dia 02 de outubro de 2023, foi inaugurado um espaço com o memorial em honra das</p><p>vítimas do massacre de Corumbiara, 18localizado no Assentamento Alzira Monteiro, próximo</p><p>do lugar em que aconteceu o massacre em 09 de agosto de 1995, mais especificamente no final</p><p>da Linha-2,</p><p>no travessão. Trata-se do que o professor Lauro mencionou anteriormente.</p><p>A Figura 4, abaixo, apresenta um registro do referido memorial:</p><p>Figura 4 - Memorial em honra das vítimas do massacre de Corumbiara-RO</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>18 https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/noticias-2/6573-memorial-massacre-corumbiara</p><p>https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/noticias-2/6573-memorial-massacre-corumbiara</p><p>79</p><p>Ao redor do memorial, há três pés de ipês que, segundo os organizadores da cerimônia,</p><p>foram plantados ali como símbolo representativo de resistência. A inauguração contou com a</p><p>presença do prefeito municipal Leandro Teixeira e demais lideranças políticas e religiosas;</p><p>líderes de sindicatos e de movimentos sociais, pessoas que vivem em assentamentos</p><p>regulamentados pela reforma agrária e membros da sociedade corumbiarense e dos municípios</p><p>vizinhos estiveram presentes.</p><p>28 anos após a tragédia, esse acontecimento é resposta aos anseios da comunidade, como</p><p>já relatado pelo jornalista Peres (2015, p. 275):</p><p>[...] O padre, recém-chegado à Corumbiara, se declarou chocado por não haver</p><p>um memorial, uma placa, qualquer coisa que fizesse menção a 09 de agosto</p><p>de 1995, e reclamou da baixa presença dos fiéis na missa de celebração dos</p><p>18 anos do episódio. “Toda vez que perdemos a memória do nosso passado</p><p>ficamos fraco”, decretou. “Será que o direito de propriedade está acima da</p><p>vida? O dinheiro está acima dos homens? A terra foi criada por Deus para</p><p>todos.” Ele pediu para que fossem ao altar os sobreviventes do conflito: sete,</p><p>alguns já muito envelhecidos (Grifos nossos).</p><p>A movimentação em prol da construção desse memorial foi retomada no mês de agosto</p><p>de 2023, com o lançamento das Referências Técnicas para a Atuação das/os Psicólogas/os em</p><p>Questões Relativas a Terra; o evento representou um marco importante para a psicologia no</p><p>Brasil e na região amazônica, por fortalecer a psicologia que promove o bem-estar e a saúde</p><p>mental nos territórios, conforme a organização do Conselho Regional de Psicologia</p><p>Rondônia/Acre (CRP 24ª Região). Esses movimentos foram fundamentais para que houvesse o</p><p>levantamento do memorial que, por muitos anos, os corumbiarenses desejavam.</p><p>Segundo o pároco da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (localizada no</p><p>Centro de Corumbiara, igreja que leva o nome da padroeira da cidade e pertence à diocese de</p><p>Guajará Mirim) ele deseja retomar a tradição de realizar na paróquia a missa em memória das</p><p>vítimas da tragédia, como está previsto no calendário litúrgico de 2024.</p><p>Conforme está registrado na placa do Memorial Corumbiara, este é uma “Homenagem</p><p>do II Plenário do Conselho Regional de Psicologia da 24ª Região RO/ACRE ao município de</p><p>Corumbiara-RO em memória das vítimas do episódio trágico acontecido no dia 09/08/1995</p><p>conhecido mundialmente como “Chacina de Corumbiara”, como demonstra a Figura 5, a seguir:</p><p>80</p><p>Figura 5 - Homenagem do II Plenário do Conselho Regional de Psicologia da 24ª Região RO/ACRE</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora</p><p>A placa do memorial destaca os nomes de 12 vítimas fatais do massacre, iniciando pelo</p><p>nome da criança Vanessa. Um assentamento de Corumbiara recebeu esse nome em memória</p><p>dessa criança.</p><p>Aqui, salientamos que, por meio da construção de um memorial, o ontem e o hoje são</p><p>caminhos que se cruzam e permanecem ligados aos moradores de Corumbiara. Esse</p><p>acontecimento é um marco histórico para o estado de Rondônia e, portanto, podemos</p><p>vislumbrá-lo além da memória, como as vozes que se fizeram/fazem ouvir, representadas pelos</p><p>nomes de parentes e amigos grafados no monumento, o que está intrinsicamente conectado com</p><p>a reafirmação identitária local, na memória coletiva.</p><p>Em relação às memórias, Todorov, 2002, p. 199) afirma que “a recordação do passado</p><p>é necessária para afirmar a própria identidade, tanto individual como de grupo. Um e outro</p><p>também se definem, evidentemente, por sua vontade no presente e seus projetos de futuro; mas</p><p>não podem prescindir dessa primeira lembrança”. Mas, o que fazer com essa memória, em se</p><p>tratando de espaço social e escola?</p><p>Tendo apresentado um pouco de Corumbiara, convidamos o leitor a visualizar esses</p><p>episódios no viés do currículo. Sabemos que a criança tem seu reconhecimento identitário</p><p>relacionado ao de sua comunidade, suas vivências e experiências do cotidiano. Nesse sentido,</p><p>segundo Malta (2013), o currículo abarca:</p><p>81</p><p>Questões de poder, tanto nas relações professor/aluno e</p><p>administrador/professor, quanto em todas as relações que permeiam o</p><p>cotidiano da escola e fora dela, ou seja, envolve relações de classes sociais</p><p>(classe dominante/classe dominada) e questões raciais, étnicas e de gênero,</p><p>não se restringindo a uma questão de conteúdos (Malta, 2013, p. 343).</p><p>Isso justifica também a inserção dessa discussão social nesta dissertação de cunho</p><p>educacional, pois as vivências dessa comunidade se intercruzam com um passado marcado por</p><p>desenvolvimento econômico e tragédia social, não tão recentes como o massacre, mas que</p><p>atravessam séculos.</p><p>Pensando sobre a cultura local, voltamos a falar sobre o levantamento e inauguração do</p><p>memorial. A convite do organizador, Valdinei Antônio Coelho, conhecido popularmente como</p><p>Nenzinho, o Pe. Josiel Santos realizou uma cerimônia, abençoando o local, atitude que reafirma</p><p>a identidade religiosa cristã do povo de Corumbiara. Para entender a identidade religiosa desse</p><p>povo, que está sempre muito relacionada com a cultura religiosa, retomamos a formação do</p><p>estado de Rondônia, que, conforme Teixeira, Fonseca e Moratto (2010), é de predominância</p><p>negra. Nas palavras desses autores,</p><p>[...] podemos observar que Rondônia apresenta um painel diversificado</p><p>quanto à presença de negros em sua população. Essa diversidade apresenta-se</p><p>de forma explicita na cultura dos grupos, suas tradições e na maneira como</p><p>interagem com o restante da sociedade. Assim percebemos que os negros do</p><p>Guaporé afirmaram suas identidades sociais a partir de um modelo de</p><p>comunidades rurais, totalmente vinculadas ao meio natural e organizadas sob</p><p>uma economia de base agroextrativista voltada para a produção de</p><p>subsistência e com uma limitada preocupação na produção de excedentes</p><p>comercializáveis. De cultura católica, respondem por antigas tradições</p><p>religiosas e populares na região em que vivem, mantendo vivas as últimas</p><p>ligações do estado de Rondônia com seu passado colonial (Teixeira, Fonseca;</p><p>Moratto, 2010, p. 1-2).</p><p>Então, podemos ver que a cultura atual e as lutas travadas pela terra nesse território</p><p>também é uma questão relacionada à colonialidade. A história de Rondônia se mistura com a</p><p>escravização de vários povos negros, que originou o estado; os negros foram deixados à própria</p><p>sorte, foram e continuam sendo vítimas de uma divisão desigual, na qual o negro saiu</p><p>prejudicado na distribuição de renda e no que se refere à posse de terra. “Portanto, podemos</p><p>tratar a luta pela terra também como uma luta pela superação do racismo, bem como da questão</p><p>racial como pauta de debate na luta pela reforma agrária” (De Souza, 2021, p. 1).</p><p>Ao olhar essa cidade, localizada na região guaporeana, podemos ver uma relação das</p><p>problemáticas interligadas do passado ao presente: colonização, questões raciais, identitárias e,</p><p>consequentemente, curriculares. Nesses caminhos, notamos uma cidade camponesa, com uma</p><p>82</p><p>cultura rural, voltada para agricultura e pecuária. Diante das questões sociais de reforma agrária</p><p>atreladas às questões raciais, urge a necessidade de um currículo voltado para o campo, para ter</p><p>significado e despertar o interesse dos estudantes. Na concepção de Albarado e Vasconcelos</p><p>(2019, p. 2),</p><p>Urge um currículo da escola do campo conectada com a realidade do povo do</p><p>campo que vivem</p><p>nos territórios da água, da terra e da floresta nas Amazônias,</p><p>sem negar e silenciar o saber construído historicamente pela academia e que</p><p>estão na história, na geografia, na matemática, na biologia, no português e em</p><p>tantas outras áreas que são importantes para vida da humanidade, mas não</p><p>podem ser únicas a serem ensinadas aos estudantes que existem nesses</p><p>distintos territórios na Amazônia.</p><p>O currículo deve valorizar os saberes tradicionais desses povos e suas experiências</p><p>territoriais tanto de alunos como dos professores e familiares do local. Nesse sentido, as famílias</p><p>são convidadas a caminhar junto e com a escola, na luta por uma sociedade melhor, sem</p><p>discriminação, preconceito e racismo. Mas será que as famílias se veem inclusas em uma</p><p>sociedade racista? Nesse viés, apresentamos o projeto A questão racial no currículo escolar e</p><p>a literatura infantojuvenil: problematizações e práticas pedagógicas e oferecemos espaço de</p><p>fala para as famílias.</p><p>83</p><p>7 O RACISMO É UMA COISA MUITO RUIM - VOZES DE MÃES DE ESCOLARES</p><p>A conversa para convidar as famílias aconteceu no mês de agosto. Foi a primeira reunião</p><p>após o retorno do recesso escolar e início do segundo semestre das aulas. Na tarde em que</p><p>aconteceu a reunião de pais e responsáveis, a gestão da escola nos ofereceu um espaço de tempo</p><p>para que conversássemos com os pais e responsáveis de alunos do 5º ano do período vespertino;</p><p>portanto, foi necessário aguardar toda a explanação sobre os assuntos da escola, referente ao</p><p>retorno do semestre e as projeções almejadas. Também foi realizado sorteio para presentear</p><p>alguns pais ali presentes, em virtude do Dia dos Pais, que se aproximava.</p><p>Quando estava quase encerrada a reunião, anunciaram nossa presença na escola e a</p><p>intenção da pesquisa. Findado o diálogo, acompanhamos a professora do 5º ano para a sala de</p><p>aula, pois ela também tinha umas demandas a serem tratadas com os responsáveis. A professora</p><p>nos deu a oportunidade de apresentar o projeto. As mães ali presentes estavam visivelmente</p><p>cansadas. Duas delas pediram mais detalhes sobre o projeto, outras só ouviam e nos olhavam,</p><p>uma demonstrou desprezo, quando materializamos Fanon (2008) diante de olhares tão</p><p>expressivos: “[...] um novo tipo de homem, um novo gênero. Um preto!” (Fanon, 2008, p. 108).</p><p>Não era a fala de uma professora/pesquisadora apenas. Era uma preta falando! E por mais que</p><p>existam professoras negras desde a colonização de Rondônia, notamos que, por aqui, isso ainda</p><p>gera estranheza (Teixeira; Fonseca; Moratto, 2010).</p><p>Durante todo o tempo em que estivemos com as mães, fizemos múltiplas leituras...</p><p>“Aliás, linguagens, jogos de linguagens que são constituídos não apenas por palavras [escritas</p><p>ou faladas], mas por ações, gestos, silêncios, encenações e práticas” (Marim; Farias, 2017,</p><p>p.179). Como eu disse antes, o corpo também fala.</p><p>Havia oito mães presentes. Apresentamos a todas os Termos para leitura. Dentre essas</p><p>mães, como os filhos estavam presentes e manifestaram interesse em participar do projeto, duas</p><p>aceitaram de imediato; quatro falaram que iriam consultar os filhos e os maridos; duas não</p><p>quiseram nem ler o Termo: uma devolveu o documento, resmungando alguns dizeres bem</p><p>baixo, que não foi possível compreender, apenas quando estava finalizando pudemos ouvir: “ter</p><p>que escutar conversinha mole”... Levantou-se e saiu; outra, que não se sentiu motivada naquele</p><p>momento, olhando de lateral para a mãe que havia acabado de resmungar, disse: “Meu filho</p><p>não fala quase nada, não sei se ele vai conseguir expressar alguma opinião, mas se ele quiser</p><p>eu falo com a professora e autorizo”. Respondemos: “Tudo bem senhora, ele não é obrigado a</p><p>participar, só se ele e a senhora quiserem e autorizar”.</p><p>84</p><p>Nesse momento, uma das cinco mães que deixaram para assinar os termos depois falou:</p><p>“Eu acho importante meu filho participar. Vai ser importante porque o pai dele é negro e quando</p><p>alguém falar alguma coisa do pai dele, ele saberá se posicionar e responder defender o pai dele”.</p><p>Balançamos balançava a cabeça de forma afirmativa, sorridente (e, ao mesmo tempo, pasmada</p><p>pelo descontentamento da mãe que estava cansada de “conversinha” e se retirou). Uma das</p><p>mães que já havia aceitado e assinado o consentimento, disse: “É bom mesmo! O racismo é</p><p>uma coisa muito ruim, porque na minha família, meu esposo, que é negro, sofre com isso, e eu</p><p>também, afinal ele é meu esposo. Acredita, professora, que a própria família dele fala que dois</p><p>dos nossos filhos não são filhos dele só porque não são negros e puxaram a mim?”.</p><p>Olhando nos olhos dela, respondemos: devemos “compreender a si e ao outro como</p><p>identidades diferentes, de forma a exercitar o respeito à diferença em uma sociedade plural e</p><p>promover os direitos humanos” (Brasil, 2017, p. 357). As pessoas deveriam se atentar que</p><p>somos um país diverso etnicamente e que dentro de uma só família, bairro, cidade e estado</p><p>podemos ter pessoas de várias cores, devido às nossas descendências, e principalmente aprender</p><p>a respeitar as diferenças que temos uns dos outros”.</p><p>A mãe aprovou com um sorriso sublime e se retirou. Aos poucos, foram nos</p><p>cumprimentando e saindo, restando apenas professora da turma e a pesquisadora naquela sala.</p><p>Diante disso, nós - pesquisadora e equipe da escola - entendemos que precisaríamos</p><p>trilhar caminhos ainda desconhecidos, para trazer outros/as para os nossos rumos.</p><p>7.1 Cena IV: O desafio de andar por caminhos incertos</p><p>[A pesquisadora estava preocupada com o total de responsáveis que aceitariam participar</p><p>autorizando a criança]</p><p>CENÁRIO</p><p>Sala de aula refrigerada com quadro de vidro, cadeiras enfileiradas, cartazes, cadeiras, armário</p><p>com livros literários e jogos pedagógicos.</p><p>PERSONAGENS: Imani; Aia.</p><p>Aia — (Indignada). Você viu? Até que veio bastante responsáveis hoje, mas os pais raramente</p><p>comparecem nas reuniões... podemos fazer em qualquer horário, tentamos todos: cedo, tarde,</p><p>noite... poucos são presentes e depois da pandemia querem resolver tudo via WhatsApp.</p><p>85</p><p>Imani — (Preocupada). Nossa, professora, que pena! A família não é o único canal pelo qual</p><p>se pode tratar a questão da socialização, mas é, sem dúvida, um âmbito privilegiado, uma vez</p><p>que tende a ser o primeiro grupo responsável pela tarefa socializadora. A família constitui uma</p><p>das mediações entre o homem e a sociedade. Sob esse prisma, a família não só interioriza</p><p>aspectos ideológicos dominantes na sociedade, como projeta, ainda, em outros grupos os</p><p>modelos de relação criados e recriados dentro do próprio grupo (Carvalho, 2006, p. 90). Pois</p><p>é... Terei que ver outro modo de alcançar esses pais ou responsáveis.</p><p>Aia — (Sugerindo). Sim [...] tanto a família quanto a escola desejam a mesma coisa: preparar</p><p>as crianças para o mundo; no entanto, a família tem suas particularidades que a diferenciam da</p><p>escola, e suas necessidades que a aproximam dessa mesma instituição. A escola tem sua</p><p>metodologia e filosofia para educar uma criança, no entanto ela necessita da família para</p><p>concretizar o seu projeto educativo (Parolim, 2003, p. 99). Mas já que muitas famílias não</p><p>compareceram, vamos fazer assim: eu explico para as crianças, depois, o dia que você vier tirar</p><p>as dúvidas delas, daí você fala direto com os pais das crianças que quiserem participar. Nós,</p><p>enquanto escola, sempre estamos inventando mil e uma possibilidades para trazê-los até a</p><p>escola, para que possamos caminhar juntos.</p><p>Imani — (Reanimando-se). Sim, faremos isso.</p><p>[Ao caminhar em direção a sala dos professores, Imani encontra Daiana no pátio, que</p><p>questiona].</p><p>Daiana — (Preocupada). E daí, Imani, como foi lá com os pais? Aceitaram?</p><p>Imani — (Ainda preocupada). Apenas duas, por enquanto. Preciso de uma outra ação para</p><p>alcançar os pais dessas crianças. A Aia</p><p>está empenhada em contribuir e me deu uma sugestão...</p><p>Daiana — (Espantada). Nossa! Só duas famílias!? Seria bom divulgar no grupo da escola e da</p><p>turma do 5º ano... Assim todos ficam cientes, pois se colocar o cartaz na recepção eles não</p><p>verão. Com o grupo de WhatsApp teremos maior alcance.</p><p>Imani — (Animada novamente). Sim! Logo pela manhã te enviarei o folder, ok? Obrigada.</p><p>[Imani preparou o folder e enviou para a gestão compartilhar com os familiares. Foi a forma</p><p>mais viável de os pais saberem do que se tratava a pesquisa que seus filhos chegaram</p><p>comentando em casa].</p><p>Imani — (Enviando o folder para Daiana, por WhatsApp). Daiana, esse aí é o folder para postar</p><p>no grupo de WhatsApp:</p><p>86</p><p>Figura 6 - Folder convite para participar da pesquisa</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>Daiana — (Encantada). Excelente professora! Já vou colocar lá no grupo e parabéns pela</p><p>agilidade.</p><p>Imani — Obrigada!</p><p>[O folder - encaminhado ao grupo por WattsApp - gerou uma movimentação entre as</p><p>pessoas: uns questionavam sobre o projeto e, entre grupos de amigos, o assunto era sobre</p><p>a pesquisa. Era o momento de adentrar em sala e explicar para as crianças sobre o projeto</p><p>e assim foi feito. Quase toda a turma queria participar. Explicamos que o “assentimento do</p><p>menor só seria assinado depois de conversar com o seu responsável e se ele/a autorizasse”.</p><p>Na turma com 26 estudantes, inicialmente, 17 crianças se interessaram pelo projeto. Ali</p><p>iniciava a saga em busca de seus responsáveis, que residiam na zona urbana e na zona rural.</p><p>O primeiro contato aconteceu via mensagem de WattsApp, com a intenção de marcar um</p><p>momento de conversa. Assim foi o início de um chamado que obteve respostas diversas,</p><p>desde um exaltado NÃO a um suave SIM, conforme segue abaixo alguns comentários dos</p><p>responsáveis].</p><p>Sobre algumas respostas dos pais/responsáveis ao convite da pesquisadora</p><p>Responsável 1 — Tudo bem. É importante essa pesquisa e da mesma forma a conscientização</p><p>de cada aluno. É bom a gente ouvir as opiniões deles; também ouvir o que que está sendo</p><p>ensinado dentro de suas casas, nossa, é muito importante! Até porque a gente tem visto que tem</p><p>87</p><p>crescido bastante o número de bullying e até mesmo de racismo nas escolas, e a gente tem visto</p><p>também que o sistema da educação tem “passado panos” em cima desses tipos de situações.</p><p>Então, essa intervenção é necessária e eu acho muito de bom proveito. Isso é bom! ela pode</p><p>participar, sim. Pode vir entre as 19h e 20h que eu assino, mas tem que ser nesse horário, porque</p><p>depois tenho um compromisso e antes estarei no trabalho.</p><p>Esse pai autorizou a participação de sua filha. Sua voz era muito segura, demonstrava</p><p>estar a par da proposta antes mesmo de eu apresentar os detalhes, pessoalmente. Chegando lá,</p><p>hora e dia marcado, pude compreender a propriedade da voz. Era um homem negro; em outras</p><p>palavras, discutimos o racismo conforme discorre Kilomba (2019). No racismo estão presentes,</p><p>de modo simultâneo, três características: a construção de/da diferença; as diferenças construídas</p><p>estão ligadas a valores hierárquicos; o preconceito.</p><p>Na construção de/da diferença, a pessoa é vista como “diferente” devido a sua origem</p><p>racial e/ou pertença religiosa. Aqui temos de perguntar: quem é “diferente” de quem? É o sujeito</p><p>negro “diferente” do sujeito branco ou o contrário, é o branco “diferente” do negro? Só se torna</p><p>“diferente” porque se “difere” de um grupo que tem o poder de se definir como norma - a norma</p><p>branca. Todas/os aquelas/es que não são brancas/os são construídas/os então como “diferentes”.</p><p>A branquitude é construída como ponto de referência a partir do qual todas/os as/os “Outras/os”</p><p>raciais “diferem”. Nesse sentido, não se é “diferente”, torna-se diferente por meio do processo</p><p>de discriminação.</p><p>A segunda característica é que essas diferenças construídas estão inseparavelmente</p><p>ligadas a valores hierárquicos. Não só o indivíduo é visto como “diferente”, mas essa diferença</p><p>também é articulada através do estigma, da desonra e da inferioridade. Tais valores hierárquicos</p><p>implicam um processo de naturalização, pois são aplicados a todos os membros do mesmo</p><p>grupo que chegam a ser vistas/os como “a/o problemática/o”, “a/o difícil”, “a/os perigosa/o”,</p><p>“a preguiçosa/o”, “a/o exótica/o”, “a/o colorida/o” e “a/o incomum”.</p><p>Esses dois processos (construção da diferença e suas associações com uma hierarquia)</p><p>formam o que também é chamado de preconceito. Por fim, ambos os processos são</p><p>acompanhados pelo poder histórico, político, social e econômico. É a combinação do</p><p>preconceito e do poder que forma o racismo. Nesse sentido, o racismo é a supremacia branca.</p><p>Outros grupos raciais não podem ser racistas nem performar racismo, pois não possuem esse</p><p>poder. Os conflitos entre eles ou entre eles e o grupo dominante branco têm que ser organizados</p><p>sob outras definições, tais como preconceito. O racismo, por sua vez, inclui a dimensão do</p><p>poder e é revelado através de diferenças globais na partilha e no acesos a recursos valorizados,</p><p>88</p><p>tais como: representação política, ações políticas, mídia, empregos, educação, habitação, saúde</p><p>etc. (Kilomba, 2019, p. 75-76, grifos da autora).</p><p>Foi prazeroso encontrar uma pessoa que abraçou nossa pesquisa e atribuiu a ela bom</p><p>significado e importância.</p><p>Responsável 2 — Eu não quero que ele participe, porque se tiver dança nós não dançamos, ele</p><p>não pode porque somos crentes.</p><p>A individualidade de cada pessoa deve ser respeitada, mas, na fala da senhora, notamos</p><p>uma antiga associação que muitas pessoas fazem a negritude, associada à dança e sua alegria e</p><p>que também consta na BNCC... mas a cultura negra vai muito além do seu gingado. Diante das</p><p>normas educacionais e direitos conquistados, podemos também discutir e ensinar sobre</p><p>“brincadeiras e jogos de matriz indígena e africana; [...] Lutas de matriz indígena e africana”</p><p>(Brasil, 2017, p. 225).</p><p>Responsável 3 — Minha filha me disse e vi no grupo, que coisa boa em! Eu vou na rua fazer</p><p>compra e aproveito e vou até a senhora, eu mando mensagem avisando, tá? E não é porque não</p><p>quero que a senhora venha aqui não. É que moro em uma fazenda e é muito longe e difícil de</p><p>encontrar.</p><p>Responsável 4 — Sou a mãe dela, mas ela está com minha mãe, estou trabalhando fora da</p><p>cidade, então essas coisas é minha mãe que decide.</p><p>Responsável 5 — Eu resolvi deixar ele participar professora. Sabe, eu queria mesmo é ser</p><p>negra, porque hoje em dia eles tem muito privilégio. Quero que ele compreenda mais disso.</p><p>A Responsável 5 se referia às leis de cotas raciais e ao acesso a concurso público,</p><p>resultadas de muitos anos de luta do movimento negro, o que, ao nosso ver, se trata de um</p><p>reparo social e muitas pessoas têm essa visão equivocada e até mesmo preconceituosa. E assim</p><p>seguimos ouvindo.</p><p>Responsável 6 — Ela quer participar e não fala em outra coisa, mas eu moro no sítio, trabalho</p><p>na terra do seu “Francisco” que dá uns 6 km da cidade, tem esse nome na porteira do lado</p><p>esquerdo, a senhora entra na porteira as vacas são mansas, daí a senhora vem direto, a casa da</p><p>frente é do patrão, a nossa fica depois do bueiro no lado direito.</p><p>89</p><p>Responsável 7 — Sim, deixo participar e ela quer, mas esse assunto de 1995 não vai ser tratado</p><p>com os estudantes não, né? Porque não sabemos nada disso e tenho até medo de problemas.</p><p>Esses fragmentos de conversas são algumas respostas obtidas no primeiro contato com</p><p>os responsáveis pelas crianças que manifestaram interesse em participar da pesquisa. Conforme</p><p>combinamos antecipadamente, foram realizadas as visitas e a apresentação do projeto; na</p><p>ocasião, foram sendo efetivadas as assinaturas dos termos de consentimento e assentimento.</p><p>Esse processo foi um pouco demorado, uma vez que foi</p><p>necessário localizar os pais; uns</p><p>moravam distante, outros ficaram de procurar a direção da escola, outros de vir pessoalmente</p><p>ao encontro da pesquisadora... Então, demorou até que conseguíssemos o consentimento e</p><p>assentimento de todos os participantes da pesquisa, o que durou um mês e meio</p><p>aproximadamente.</p><p>Diante dos rumos que foram tomando os diálogos com os pais e responsáveis, foi</p><p>acordado que nós não falaríamos do massacre com os menores participantes da pesquisa, a fim</p><p>de preservá-los o máximo possível, o que não difere do que já havíamos apresentado ao Comitê</p><p>de Ética em Pesquisa com seres humanos.</p><p>Nesse início de caminhada, percebemos que as famílias da área rural foram mais</p><p>receptivas à pesquisa e, após a leitura dos termos e esclarecimentos, concordavam que o racismo</p><p>é mesmo uma coisa muito ruim e que as crianças e sociedade devem ser conscientizadas para</p><p>isso não continuar sendo reproduzido.</p><p>Após essas buscas, a longos e lentos passos, chegou o momento de retornar para a</p><p>representação física da escola.</p><p>90</p><p>8 A PESQUISADORA DE VOLTA À ESCOLA</p><p>A pesquisa prosseguia na escola, junto aos professores participantes; enquanto ainda</p><p>buscávamos pelos responsáveis, seguíamos cursando as disciplinas obrigatórias e optativas em</p><p>Porto Velho, capital de Rondônia e participando dos eventos científicos promovidos pela</p><p>UNIR.</p><p>Tendo passado o dia 09 de agosto19, deu-se o momento de perguntar aos professores se,</p><p>de alguma maneira, aquela data e sua finalidade foram referenciadas por algum estudante da</p><p>escola; nesse sentido, busquei os adultos participantes da pesquisa. Mesmo estando cada um</p><p>em seus afazeres e sendo indagados em momentos distintos, os professores participantes foram</p><p>unânimes em suas respostas:</p><p>Aqui, para mim, não chegou ninguém perguntando nada sobre o feriado e foi</p><p>bom porque eu não saberia como intervir, penso que nossas crianças são uma</p><p>grande maioria oriundas de outras cidades e vieram para cá depois, as crianças</p><p>de hoje são netas dos envolvidos. Eu tenho medo de falar sobre o assunto e ter</p><p>um parente e depois dizerem que estou tomando partido de lado A ou B, então</p><p>sem preparação, prefiro nem tocar no assunto (Participante professor).</p><p>Olha, tínhamos pensado em falar algo no momento cívico, depois acabamos</p><p>deixando sem dizer nada, na verdade achamos delicado abordar essas coisas,</p><p>até mesmo por causa da idade delas (Participante professor).</p><p>“Penso que faz parte da história de Corumbiara e que deveríamos fazer uma</p><p>menção, mas particularmente, não sei como abordar, precisaria de uma</p><p>formação para isso ou interferência de um psicólogo para uma ação conjunta”</p><p>(Participante professor).</p><p>Sabe professora, teve uma época, que trabalhávamos com o fundamental II,</p><p>nós abordávamos o assunto quando se aproximava essa data, mas muitos</p><p>professores buscavam na internet uns vídeos, documentários e matérias que</p><p>retratavam o assunto, tinha muitas cenas violentas e aquilo gerava uma tristeza</p><p>muito grande nos alunos, pois na sala de aula tinha parentes e amigos das</p><p>vítimas, tanto entre professores como estudantes, e vendo os resultados do que</p><p>aquelas lembranças ocasionavam fomos deixando de trabalhar daquela forma</p><p>e não sabemos como abordar, ainda mais pela faixa etária de nossas crianças</p><p>(Participante professor).</p><p>Diante dos relatos acima, é perceptível que o que paira no ar em relação a essa temática</p><p>é o medo, a insegurança, diante do caos que foi o acontecimento de 1995. O medo</p><p>contemporâneo já foi pesquisado no que se refere ao cotidiano escolar. Os professores relataram</p><p>medos semelhantes aos aqui mencionados, como “De não conseguir me impor e controlar a</p><p>19 Memória a 09 de agosto de 1995, massacre de Corumbiara-RO.</p><p>91</p><p>sala, de passar dos limites, de brigar com algum aluno, de não saber que conteúdo dar, de não</p><p>saber preparar as atividades necessárias, de não conseguir explicar algo, de que algum aluno</p><p>se machuque seriamente estando comigo” (Nogueira, 2010, p. 406, grifos nossos).</p><p>Conforme destacado, é o medo de não conseguir explicar algo, ou seja, o porquê desse</p><p>feriado municipal de 09 de agosto, em que os estudantes ficam em casa sem relacionar o dia</p><p>com o acontecimento, sem desenvolver um pensamento crítico sobre suas histórias. Nesse</p><p>sentido, segundo Nora (1993, p. 9),</p><p>A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela</p><p>está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do</p><p>esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a</p><p>todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas</p><p>revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta</p><p>do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo</p><p>vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. Porque é</p><p>afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam, ela</p><p>se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes,</p><p>particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura</p><p>ou projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda</p><p>análise e discurso crítico.</p><p>Então, percebemos que está sendo negligenciado o direito dos corumbiarenses de</p><p>amanhã conhecerem sua própria história, narrada na voz de seus professores (sua gente), e da</p><p>análise desconstrutiva de algumas cenas ou discursos. Na concepção de Fanon (2008, p. 120),</p><p>Há formas de registros variados, e que cada grupo produz suas memórias</p><p>como elemento que impulsiona o estabelecimento de identidades e o</p><p>reconhecimento de pertencimento a um grupo social determinado.” (Brasil,</p><p>2017, p. 404). Como o caso do negro, cada corpus carrega sua marca pessoal,</p><p>independente dos fatos, cada um tem a sua história, é óbvio que umas</p><p>sensibilizam mais, portanto “me disseram, deixe suas pesquisas sobre o passo</p><p>e tente adaptar-se ao nosso ritmo. Numa sociedade como a nossa não há lugar</p><p>para a sua sensibilidade.</p><p>Nossa história não nos torna sensíveis; ao contrário, não podemos esmorecer, mas</p><p>entender que nossa história deve ser respeitada, até porque ela nos torna mais fortes e</p><p>sobreviventes, carregados de experiências.</p><p>Após os relatos dos participantes adultos, chegou o momento de investigar como as</p><p>crianças veem a questão racial no currículo escolar, pois percebemos quer as questões</p><p>relacionadas à reforma agrária e rural estão interligadas e devem sim, ser discutidas no currículo</p><p>escolar, para que a sociedade promova a equidade por meio da conscientização e mudança de</p><p>92</p><p>atitude (Teixeira; Fonseca; Moratto, 2010; Albarado; Vasconcelos, 2019). Trata-se do despertar</p><p>da esperança.</p><p>8.1 Cena V: Olhar, escutar e considerar o lugar de fala do estudante</p><p>Pois o que está oculto não nos interessa</p><p>(Wittgenstein, IF-126, 1979).</p><p>[A ansiedade dos estudantes se equiparava à da pesquisadora; afinal, há alguns dias</p><p>estavam aguardando para contribuir com a intervenção].</p><p>CENÁRIO</p><p>Uma tarde de sexta-feira do mês de setembro de 2023. Sala da direção escolar. No mural, entre</p><p>os demais lembretes de ações, datas, fotos e recordações de eventos passados, está o</p><p>cronograma desta pesquisa, dividindo espaço com datas importantes do SAEB e SAERO</p><p>PERSONAGENS: Imani, Majid, Daiana, Fernanda.</p><p>Imani — (Animada). Boa tarde, tudo bem?</p><p>Majid — (Interessado). Oi, professora! Estou bem. Achei que você não vinha mais.</p><p>Daiana — (Justificando, encantada com o interesse do estudante). Oi. Majid. A professora</p><p>demorou um pouquinho porque é um projeto importante e precisava falar com os responsáveis,</p><p>uns que moram longe, no sítio.</p><p>Majid — (Pensativo e sorridente). É... Eu também moro no sítio. É legal, mas é muito lugar</p><p>para limpar e prevenir da dengue...</p><p>Imani — (Completando a justificativa, direcionando a criança até a cadeira).</p><p>Concordo, mas é</p><p>necessário prevenir. Mas em relação a demora de iniciarmos, o motivo foi esse que ela disse.</p><p>Você está ansioso?</p><p>Majid — (Parecendo preocupado, sentando-se). Sim... É porque não sei se vou saber responder</p><p>suas perguntas.</p><p>Imani — (Tranquilizando o garoto). Não irei te fazer perguntas. Só quero te conhecer melhor.</p><p>Me disseram que você lê bastante e que é muito estudioso. Sou muito curiosa e queria saber</p><p>dessas leituras. Você me conta?</p><p>Daiana — Então, professora, ele terá muito o que contar, pois aderimos a um projeto do</p><p>Tribunal de Contas direcionado para a alfabetização, mas direcionamos a participação para toda</p><p>93</p><p>a escola. Esperamos que eles leiam pelo menos 30 livros durante o ano. Essa é a proposta. Cada</p><p>professor/a fez uma seleção desses livros e eles vão trocando semanalmente.</p><p>Majid — (Sorrindo aliviado). Sim! É verdade! Li uns 14 livros. Isso é fácil! Vou falar das</p><p>minhas leituras e o que eu lembrar tá? Mas hoje nós vamos falar de consciência negra, né?</p><p>Imani — (Concordando parcialmente). Em algum momento sim... Mas sobre esses livros que</p><p>você leu... Você viu pessoas negras lá?</p><p>Majid — (Tentando lembrar). Não lembro não. Vi mais assim da minha cor e só um pouquinho</p><p>mais escuro.</p><p>Imani — (Instigando). E da minha cor?</p><p>Majid — (Entusiasmado). Ah! Lembrei... Vi sim. Vi o Saci, ele é muito travesso! E tem um</p><p>monte de histórias sobre ele. Ele é preto, professora.</p><p>Imani — (Sorridente). Eu também conheço. Há pessoas que dizem que o Saci é uma história</p><p>herdada dos povos africanos, que trouxeram para o Brasil quando vieram para cá escravizados</p><p>e hoje faz parte do folclore brasileiro (Ogliari, 2014).</p><p>Daiana — (Insistindo). E outros livros com protagonistas negros por aí.</p><p>Majid — (Reafirmando). É difícil ver. Vejo mais pessoas brancas e vejo pessoas pretas nas</p><p>fotos dos livros. Eu vi na aula sobre os imigrantes, lá eu vi. Mas histórias mesmo, não!</p><p>Imani — (Dizendo de forma natural). Eu já li histórias com protagonistas negros depois de</p><p>adulta. Quando eu era criança, da sua idade, nunca encontrei livros assim. Sei que na TV temos</p><p>heróis negros. Você lembra de algum super-herói?</p><p>Majid — (Afirmando). Eu vi um ajudante e amigo do protagonista... Não lembro o nome dele,</p><p>mas quando eu lembrar te conto. Ele é muito legal! Eu gosto de livros e desenhos de ação,</p><p>aventura, parece que eu estou lá na historinha.</p><p>Imani — (Sorridente). Combinado, então! Você gosta de se parecer com o personagem?</p><p>Majid — (Indiferente e balançando a cabeça de forma negativa). Tanto faz. Eu não ligo se eles</p><p>se parecem comigo. Tem uns que parecem.</p><p>Imani — (Pensativa). Que legal....</p><p>Majid — (Indignado). Então, professora, eu nunca tinha descoberto isso. Mas é coisa de</p><p>racismo com as pessoas pretas, né? Por que não colocam elas nos livros?</p><p>Imani — (Explica). Olha, querido, é um direito que as pessoas negras conquistaram há pouco</p><p>tempo, aproximadamente há uns 20 anos apenas.</p><p>94</p><p>Majid — (Indignado). É muito tempo! Eu tenho 11 anos... Já estou ficando grande e é difícil</p><p>ver historinhas com pessoas negras. Esse tempo todo era pra ter mais, né? Já deu tempo de</p><p>escrever.</p><p>Daiana — (Fazendo-se de desentendida). Então... você acha que existe essas coisas de racismo?</p><p>Quem te falou dessas coisas?</p><p>Majid — (Afirmando). Eu já vi, tia. Lá onde eu morava, eles chamavam meu amigo de</p><p>‘chocolate’. Eu não gostava.</p><p>Diana — (Fazendo-se de inocente). Mas eles não estavam querendo elogiar, porque o chocolate</p><p>é gostoso, cheiroso, será que não é isso?</p><p>Majid — (Prontamente). Não! Ele não gostava. Era bullying por causa da cor dele mesmo. Ele</p><p>ficava triste e até chorava. Eu ficava triste porque ele era meu amigo; eu brincava com ele todo</p><p>dia e eu gostava muito dele. A minha avó é preta, minha mãe é branca. Nós não gostamos dessas</p><p>coisas de racismo, mas tem gente que gosta.</p><p>Imani — (Ensinando). Não devemos chatear as pessoas; devemos tratar todo mundo do jeito</p><p>que gostaríamos de ser tratados. Majid, você chama isso de bullying? Não seria racismo</p><p>mesmo? Veja, as crianças como seu amigo costumam sofrer o bullying e o racismo ao mesmo</p><p>tempo, uma vez que são coisas diferentes, viu? Obrigada por falar um pouquinho comigo.</p><p>Gostei de saber de suas experiências e entendi porque sua mãezinha tem tanto orgulho de você.</p><p>Continue assim: um menino estudioso e gentil.</p><p>Majid — (Sorridente). Obrigado. Professora (Retira-se para o momento do recreio).</p><p>Imani — Veja, Daiana, as crianças notam o racismo, sabem que é uma ferida na sociedade.</p><p>Daiana — (Firme). Notam sim. Algumas sabem e ainda fazem! Não quero desmotivar, mas às</p><p>vezes penso que “não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes</p><p>preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos sistemas</p><p>culturais de todas as sociedades humanas. No entanto, cremos que a educação é capaz de</p><p>oferecer tanto aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos</p><p>de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura</p><p>racista na qual foram socializados” (Munanga, 2005, p. 17).</p><p>Imani — Eu penso que as leis contribuem bastante para erradicar o racismo enquanto crime.</p><p>Lembre o nosso tempo de criança... Eu achava muito constrangedor aquela música Nega do</p><p>cabelo duro – de Luis Caldas. (Cantarola um trechinho):</p><p>Nega do cabelo duro</p><p>Que não gosta de pentear</p><p>95</p><p>Quando passa na baixa do tubo</p><p>O negão começa a gritar</p><p>Pega ela aí! Pega ela aí!</p><p>Pra quê?</p><p>Imani — (Retomando). Eu questionava: meu Deus do céu, para que tem que pegar a nega? E</p><p>o restante da música, eu nem ousava entender, mas dava de saber que era uma coisa forçada</p><p>com a nega. Isso eu sabia! Era violência com o corpo negro; afinal, “pegar” dava uma ideia de</p><p>“na marra, à força”. Talvez ele tenha querido fazer uma crítica social, mas não pegou bem, a</p><p>meu ver, porque quando eu ouvia alguém cantando, achava que iriam me pegar. Como o Majid</p><p>se referiu ao apelido que o colega negro não gostava.... Isso ainda acontece até mesmo por parte</p><p>da escola. Então vou convidar a Fernanda para nos falar sobre posturas e palavras que devem</p><p>ser corrigidas por todos dentro das instituições de ensino. Pode entrar, Fernanda.</p><p>Fernanda — (Carismática, porém firme). Por muitas vezes a criança negra não se sente</p><p>pertencente ao ambiente escolar, porque desde que começa a frequentar as instituições de</p><p>ensino, vê cartazes de famílias brancas coladas no corredor da escola, livros com princesas</p><p>brancas, bonecas em maioria brancas... Algumas crianças negras perdem até a sua identidade,</p><p>porque geralmente se referem a essas crianças com termos pejorativos, como bombom,</p><p>pretinho, neguinho, negão... Dificilmente são chamadas pelo próprio nome, enquanto as</p><p>crianças brancas são chamadas pelo seu nome. As meninas ainda têm o fator do cabelo, que as</p><p>professoras não mexem, por alegar que não sabem mexer, que é muito difícil de cuidar... Nesse</p><p>caso, é preciso quebrar os paradigmas de um currículo que, por anos, seguiu a ideia do</p><p>etnocentrismo. E devemos ficar atentos para não acabar reproduzindo ações racistas, que</p><p>causam constrangimento aos alunos negros (Souza, 2022, p. 21-22).</p><p>Daiana — (Com expressão de lamento). Isso mesmo, Fernanda. Vem desde a creche e percorre</p><p>todas as etapas educacionais. O que posso dizer, enquanto profissional da educação, é que acho</p><p>plausível essa intervenção com a literatura, como uma possibilidade de novas estratégias de</p><p>ensino e valorização, ao mesmo tempo que precisamos ficar atentas aos detalhes de inclusão</p><p>nas representações linguísticas e imagéticas que expomos ou pronunciamos na escola. Ainda</p><p>somos carentes desse debate, até porque alguns dentre nós não receberam, na sua educação e</p><p>formação de cidadãos, professores e educadores, o necessário preparo para lidar com o desafio</p><p>que a problemática da convivência com a diversidade e as discriminações</p><p>96</p><p>8.3 Cena VII: Roda de conversa com os/as estudantes sujeitos da pesquisa ................... 101</p><p>9 OFICINA DE LEITURA COM LIVROS DE LITERATURA INFANTOJUVENIL: A</p><p>IDENTIDADE DA POPULAÇÃO NEGRA ...................................................................... 112</p><p>9.1 Cena VIII: O que fazer em caminhos escorregadios? ................................................. 115</p><p>9.2 Cena IX: Levantando-se entre pétalas e espinhos ....................................................... 118</p><p>10 O QUE DIRIA O CHICO? CABELO MALUCO, SÓ QUE NÃO! ............................ 121</p><p>10.1 Cena X - Diferentes culturas na escola mundo mágico ............................................. 123</p><p>11 A IMPORTÂNCIA DE CAMINHAR JUNTOS........................................................... 129</p><p>11.1 A importância da pesquisa para os estudantes .......................................................... 129</p><p>11.2 A importância da pesquisa para a comunidade de prática escolar ......................... 131</p><p>12 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES, NÃO AS FINAIS ................................................... 135</p><p>REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 138</p><p>11</p><p>1 A VOZ DA “OUTRA” QUE AGORA FALA</p><p>O colonialismo é uma ferida</p><p>que nunca foi tratada.</p><p>Uma ferida que dói sempre,</p><p>por vezes infecta,</p><p>e outras vezes sangra</p><p>(Grada Kilomba, 2019).</p><p>Esta pesquisa problematiza práticas pedagógicas sobre a questão racial no currículo</p><p>escolar por meio da literatura infantojuvenil, com foco na valorização das diferenças,</p><p>enfatizando a naturalização de práticas colonialistas. Práticas racistas e a escrita sobre essas</p><p>práticas quase sempre mexem com feridas que, mesmo parecendo cicatrizadas, são feridas e</p><p>não sinais ou marcas.</p><p>O racismo, tal como o pensamento de Kilomba (2019), em epígrafe, representa a</p><p>angústia de muitos brasileiros e me desperta para um propósito de cura, que requer um fino</p><p>trato e cuidado. Uma vez que a ferida que dói inflama e sangra, necessita-se de habilidade para</p><p>o tratamento, tal qual a leveza proposta pela literatura infantojuvenil, que apresenta grande</p><p>relevância social, sem se desprender do seu caráter afetivo, lúdico e cognitivo; sendo assim, por</p><p>meio de diálogos semelhantes a essa comparação, quiçá encontrar a cura.</p><p>O desejo da cura é mais intenso quando a ferida está na própria pele e não simplesmente</p><p>no corpo de alguém que está próximo a “você” e possa “te” incomodar; portanto, é importante</p><p>entender: até que ponto podemos sentir a dor do Outro? Se não houver possibilidade para tal,</p><p>que possamos recorrer à palavra “empatia”; se não para sentir, mas para compreender tal</p><p>posição e sobre quem é o Outro. Desse modo, é fundamental reconhecer o próprio “eu”.</p><p>Na leitura desta dissertação, convidamos o leitor a adentrar nos rastros dos rastros por</p><p>nós traçados. O pensamento filosófico de Derrida (2008) nos diz que, se o começo é infinito e</p><p>o lugar é rastro, comecemos, então, pela sombra, por esse espaço sem luz que não é espaço, é</p><p>contorno de uma figura que se interpõe entre ela e o foco luminoso; comecemos, então, pela</p><p>escuridão do assombramento, pelo entre: um entre que marca, a um só tempo, a proximidade e</p><p>o distanciamento (Derrida, 2008).</p><p>Nessa perspectiva, neste trabalho, que trata da questão racial no currículo escolar,</p><p>convidamos o leitor para um caminhar por aí, abrindo veredas... Pode parecer uma proposta</p><p>desafiadora, uma vez que, para uns, a caminhada é acelerada, enquanto, para outros, é mais</p><p>lenta, pois existem vias com maiores obstáculos e outras bem planas e perfeitas, ainda mais que</p><p>não sabemos ao certo onde chegar, mas seguimos em direção a dias melhores que hoje. E, para</p><p>12</p><p>chegarmos lá, é necessário segurar a mão do Outro e o levantar, caso escorregue, tirar os</p><p>espinhos e fazer curativos, caso a ferida sangre. Para sermos companheiros nesta jornada, é</p><p>importante que eu1 me apresente.</p><p>Sou mulher, mãe, esposa, filha, e, na cidade onde resido, sou a professora; mas, antes</p><p>de tudo, carinhosamente, sou a Preta; filha de um casal que me concebeu com a idade um tanto</p><p>avançada, pai com 58 anos e mãe com 43, ambos agricultores. Minha mãe havia estudado até a</p><p>3ª série (nomenclatura da época) e não pôde mais estudar enquanto criança (segundo ela, na sua</p><p>infância, meu avô dava prioridade para o estudo dos filhos homens); mais tarde, com 80 anos,</p><p>concluiu o 5º ano. Meu pai somente decorou a escrita do próprio nome (segundo ele era</p><p>necessário apenas para fazer os seus documentos), ao contrário da realidade da minha mãe.</p><p>Meus pais sempre me incentivaram a estudar. Filha caçula de 13 irmãos, sou a primeira que</p><p>concluiu o Ensino Superior. Devido à idade dos meus pais, não conheci meus avós... Meus</p><p>bisavôs foram escravizados e nunca consegui identificá-los para realizar as atividades de árvore</p><p>genealógica da família, que minha professora solicitava na escola.</p><p>Sendo assim, minha história evidencia o meu desejo de cura dos males produzidos pela</p><p>colonialidade, por viver e reconhecer bem a dor dessas “feridas”. Concordo que a dor não só</p><p>existe apenas no tempo da ação acontecida, ela só existe no presente. Afirmo a minha dor</p><p>quando escrevo, dado que a escrita é também uma forma de presença (Barthes, 2010).</p><p>Iniciei meu trajeto profissional na área da Educação em 2019, como professora de</p><p>Língua Portuguesa, lecionando do 6º ao 9º ano (anos finais do Ensino Fundamental) na rede</p><p>estadual, quando ingressei em caráter emergencial. Desde então, sempre estive preocupada com</p><p>a formação integral, ética e moral dos meus alunos. Atualmente, sou pedagoga e trabalho nos</p><p>anos iniciais do Ensino Fundamental, na cidade de Corumbiara-RO2. O ingresso no curso de</p><p>mestrado me propiciou ser a primeira docente oriunda do quadro efetivo dos professores da</p><p>prefeitura de Corumbiara a cursar uma Pós-Graduação Stricto Sensu na Universidade Federal</p><p>de Rondônia (UNIR).</p><p>Até o dia da minha posse como professora de Corumbiara, meu conhecimento sobre o</p><p>município era apenas que ele havia ficado conhecido no Brasil e no mundo por ter sido palco</p><p>de um acontecimento violento, conhecido como “o massacre de Corumbiara”, decorrente de</p><p>um conflito agrário por posse de terras (Mesquita, 2001). Então, tudo em relação a essa cidade,</p><p>1 Neste trecho, por tratar de informações pessoais, utilizamos a pessoa discursiva na 1ª pessoa do singular.</p><p>2 Corumbiara é um município localizado no estado de Rondônia, na região Norte do Brasil. Com uma rica história</p><p>e uma beleza natural deslumbrante, a cidade atrai turistas de todo o país.</p><p>13</p><p>seus costumes e modo de vida, a meu ver, é algo novo, até mesmo que em seu calendário de</p><p>feriados municipais existe uma data em memória das vidas ceifadas na referida tragédia: o dia</p><p>09 de agosto, data do ocorrido, resguardado com respeito e pesar por todos os munícipes.</p><p>Ainda referente a minha posse como professora efetiva, ingressei através de concurso</p><p>público e por meio de Ações Afirmativas de Cotas Raciais, o que causou estranhamento por</p><p>parte de alguns colegas de trabalho, que desconhecem o significado e o motivo da Lei Federal</p><p>nº 12.990/2014 (Brasil, 2014). Alguns me questionavam: “Por que você precisou de cotas?</p><p>Você é tão inteligente!?” Ora, resta-me explicar que não se trata de inteligência, mas de justiça</p><p>social. Ainda é normal ouvir alguns comentários entre colegas professores, como “Nós vamos</p><p>ter que trabalhar a semana da Consciência Negra mesmo?”, demonstrando no tom de voz e na</p><p>expressão facial o desejo de não discutir o assunto, ou seja, uma negação do racismo (Munanga,</p><p>2005).</p><p>Porém, alguns colegas comentam ter dificuldades em trabalhar questões raciais que o</p><p>currículo propõe, mas trabalham, porque o tema deve ser trabalhado; afinal, está no calendário</p><p>anual de ações proposto pela Secretaria de Educação; uns acham delicado, mas necessário;</p><p>na nossa vida</p><p>profissional. Essa falta de preparo, que devemos considerar como reflexo do nosso mito de</p><p>democracia racial, sem dúvida, compromete o objetivo fundamental da nossa missão no</p><p>processo de formação dos futuros cidadãos responsáveis de amanhã. Com efeito, sem assumir</p><p>96</p><p>nenhum complexo de culpa, não podemos esquecer que somos produtos de uma educação</p><p>eurocêntrica e que podemos reproduzir - consciente ou inconscientemente - os preconceitos que</p><p>permeiam nossa sociedade (Munanga, 2005, p. 15).</p><p>Fernanda — (Sorridente). Pode deixar que Imani e eu estaremos com vocês, complementando</p><p>questões relacionadas a essa temática. Até mais. Preciso me retirar.</p><p>Imani — (Após se cumprimentarem, Imani complementa, mostrando-se esperançosa). Daiana,</p><p>não devemos perder a fé no amanhã! Vamos ouvir os estudantes para nos inspirar a transformar</p><p>nossa prática e quiçá a sociedade futura.</p><p>Daiana — (Cordialmente). Sim! Na hora que você quiser.</p><p>8.2 Cena VI: O que a dor permitiu dizer</p><p>A dor não só existe apenas</p><p>no tempo da ação acontecida</p><p>ela só existe no presente.</p><p>Afirmo a minha dor quando escrevo,</p><p>dado que a escrita é também</p><p>uma forma de presença</p><p>(Barthes, 2010).</p><p>CENÁRIO</p><p>Sexta-quente com sol escaldante. A secretaria da escola, por não estar em atendimento ao</p><p>público naquele momento, tornou-se o lugar mais oportuno para a conversa. Ambiente</p><p>refrigerado, com uma mesa, três cadeiras e, nas laterais, vários armários com grandes gavetas.</p><p>PERSONAGENS: Imani (pesquisadora), Makeda (estudante) Adelina (membro da equipe</p><p>gestora).</p><p>[Imani aguarda a estudante na secretaria escolar, acompanhada de Adelina. A estudante</p><p>adentra a porta e fica parada em pé, aparentando estar envergonhada; aperta as próprias</p><p>mãos e não olha para o rosto das professoras].</p><p>Imani — (Cumprimenta a aluna, sorridente). Boa tarde! Tudo bem?</p><p>Makeda — (Balança a cabeça de maneira afirmativa timidamente).</p><p>Imani — (Apontando para uma cadeira). Sente-se aqui. Fique à vontade. Eu quero agradecer</p><p>novamente por você estar colaborando com a pesquisa.</p><p>Makeda — (Abrindo um sorriso). De nada.</p><p>97</p><p>Imani — (Segurando um livro). Fiquei sabendo que você é muito esperta, está atenta a tudo o</p><p>que acontece a sua volta, é estudiosa e lê bastante.</p><p>Adelina — (Explica satisfeita). Sim! Eles leem muito. Tem um projeto de leitura que veio para</p><p>a escola orientado pelo “TCE-Educação”, referente ao Programa de Alfabetização na Idade</p><p>Certa (PAIC). A meta é que cada criança leia 30 livros durante o ano letivo, ou seja, um livro</p><p>por semana. Na alfabetização, esse projeto tem a finalidade de preparar os estudantes para a</p><p>avaliação de fluência leitora. A avaliação de fluência leitora avalia em cima da perspectiva de</p><p>que a criança do 5º ano deverá ler 150 palavras por minuto. Como achamos que o projeto era</p><p>muito bom, estendemos para todas as turmas.</p><p>Imani — (Sorrindo cordialmente). Isso é bom! Ler é sempre muito bom. “A literatura provoca</p><p>no leitor um efeito duplo: aciona sua fantasia, colocando frente a frente dois imaginários e dois</p><p>tipos de vivência interior; mas suscita um posicionamento intelectual, uma vez que o mundo</p><p>representado no texto, mesmo afastado no tempo ou diferenciado enquanto invenção, produz</p><p>uma modalidade de reconhecimento em quem lê” (Zilberman, 2008, p. 19).</p><p>Imani — (Sorrindo cordialmente). Isso quer dizer que, por meio da literatura, você pode se</p><p>conhecer melhor e adquirir novas experiências. E você gosta de ler?</p><p>Makeda — (Olhando atentamente para o livro que Imani segurava). Sim! Eu já li 12 livros,</p><p>professora.</p><p>Imani — (Entusiasmada). Nossa! Que legal! Olhe esse livro, pode pegar. O título é A bailarina</p><p>que pintava suas sapatilhas, de autoria da bailarina e escritora Ingrid Silva; ela fala da sua</p><p>própria história e dos preconceitos que sofreu quando resolveu dançar balé.</p><p>Makeda — (Sorrindo). Ela se parece comigo e o cabelo é parecido com o meu.</p><p>Imani — (Orgulhosa). Ela é linda, né? Assim como você.</p><p>Makeda — (De cabeça baixa). As pessoas fazem racismo com outros e isso é muito ruim. Eu</p><p>sei o que é racismo, preconceito e essas coisas... E em casa nós conversamos sobre isso, porque</p><p>a gente passa por essas coisas.</p><p>Imani — (Cuidadosa). É muito ruim mesmo! Mas você só me conta se quiser contar.</p><p>Makeda — (Aparentemente emocionada) Foi na escola.</p><p>Imani — (Curiosa). Qual escola?</p><p>Makeda — (Falando apressadamente e ofegante). Aqui na escola, duas meninas ficaram</p><p>falando que eu jogava cola no meu cabelo e na minha outra escola eu fui na praça e outra menina</p><p>perguntava o que eu passava no meu cabelo, aí eu falei que era a mesma coisa que todo mundo,</p><p>que eu lavava passava shampoo, creme e o spray; daí ela falou que parecia que eu nunca tinha</p><p>98</p><p>penteado o cabelo na minha vida, daí eu falei que ela era racista e estava fazendo racismo</p><p>comigo, daí ela me falou de uns nomes lá... Eu tinha ido buscar meus irmãos pra ir pra casa, daí</p><p>eu falei pra ela calar a boca por causa...</p><p>Imani — (Interrompe). Fique calma! Já passou. Entendi tudo. Estou vendo que está</p><p>emocionada e não precisamos reviver essa angústia, né?</p><p>Makeda — (Concordando). Desculpa, professora, de eu não conseguir falar.</p><p>Imani — (Acalmando-a). Fica tranquila. Está tudo certo. Você falou o que conseguiu, mas já</p><p>entendi tudinho. Foi uma coisa muito desagradável que você vivenciou. Eu compreendo você</p><p>porque também já passei por isso.</p><p>Adelina — (Aparentemente comovida). Olhe, Makeda, nosso cabelo é lindo de qualquer jeito,</p><p>cacheado, crespo, alisado... Todos tem o seu encanto e estilo próprio. O meu cabelo é crespo e</p><p>eu aliso, mas não é por causa do que os outros podem pensar a meu respeito. Aliso porque acho</p><p>mais prático diante da minha rotina do dia a dia, que é muito corrida.</p><p>Imani — (Ponderando). Até porque o nosso cabelo, alisado ou natural, não fará de nós</p><p>privilegiados. Continuamos pretas e com a nossa beleza negra.</p><p>Makeda — (Concordando). O seu cabelo é bonito, professora.</p><p>Imani — (Agradecendo sorridente). Obrigada. O seu também é. Sou assim, tranço, deixo Black</p><p>Power, uso turbante, às vezes aliso, relaxo... porque considero que o importante é a pessoa se</p><p>valorizar e sentir bem consigo. Mas há quem discorde...</p><p>Adelina — (Aparentemente comovida). Então, quando uma pessoa fala essas grosserias e</p><p>comete racismo, o problema é do coração dela, não é da pessoa preta; o coração dela pode estar</p><p>cheio de amargura e não ser feliz e por isso fica querendo descontar nos outros uma frustração</p><p>própria.</p><p>Imani — (Relembrando). Você, Adelina, fez com que eu recordasse de um triste relato que</p><p>encontrei enquanto fazia o meu Estado da Arte. Uma pesquisadora20 relatou que, enquanto</p><p>estudante negra, ainda criança sofria racismo; para deixar de ser alvo e se sentir forte e aceita,</p><p>passou a praticar atitudes racistas e preconceituosas colocando apelidos pejorativos nos colegas</p><p>também negros e afirma que perseguiu cruelmente uma menina negra na escola onde passou a</p><p>estudar, como meio de se blindar. Pelos detalhes da descrição, concordo que foi muita</p><p>crueldade. Isso é um exemplo do que o racismo pode fazer com a identidade, a autoestima e</p><p>personalidade das crianças, que, de vítimas, podem até se tornar agressoras. Na dissertação,</p><p>20 Souza (2022).</p><p>99</p><p>essa pesquisadora, assim como eu, chama atenção para a importância da literatura na</p><p>valorização racial da população negra, enfocando principalmente as meninas negras.</p><p>Adelina — (Mostrando-se confiante). Acredito que esse é o caminho. Nas escolas, podemos</p><p>ajudar as pessoas a não ser racistas, conscientizando por meio da literatura e ensinando as</p><p>pessoas a respeitar as diferenças.</p><p>Makeda — (Criticando). Eu acho, professora, que nas escolas tem muitos livros de personagens</p><p>brancos e poucos de negros e quase negros e na televisão também. Eu acho que tinha que ser</p><p>igual.</p><p>Imani — (Curiosa). Você já leu algum livro com protagonistas negros</p><p>e pardos?</p><p>Makeda — (Pensativa). Já li livros com pessoas pintadas de cor mais escura, mas só lá, sem</p><p>histórias da vida delas. Os protagonistas dos livros que li são cor de pele mesmo.</p><p>Imani — (Explica). Sabia que existem muitos tons para definir cor de pele? Marrom também</p><p>é cor de pele, né? De que cor você fala?</p><p>Makeda — (Responde prontamente). De cor de gente branca. Mas é que eu não sabia disso,</p><p>mas agora sei.</p><p>Imani — (Explica). Entendi. Mas agora você já sabe, porque expliquei.</p><p>Adelina — (Interrompe). Temos alguns livros literários na escola sim, mas como cada</p><p>professor selecionou para sua turma, pode ser que para a turma dela não tenha sido selecionado.</p><p>Imani — (Concordando e mostrando os outros livros com personagens negros). Ou pode ser</p><p>que ela ainda não tenha escolhido para ler entre o montante. Mas, quando quiser, pode ler esses</p><p>aqui.</p><p>Makeda — (Sorrindo entusiasmada). Quero sim! Eu nunca li nada que tivesse personagens</p><p>parecidas comigo, tia. Só vi a princesa Tiana21 na televisão. A senhora já viu?</p><p>Imani — (Entusiasmada). Já! E você, Adelina?</p><p>Adelina — (Tentando recordar). Ainda não. Só vi a Moana22, aquela das aventuras no mar.</p><p>Imani — (Aconselhando). Eu quero pedir a você, Makeda, que quando passar por alguma</p><p>situação de discriminação em relação a sua cor ou tipo de cabelo, não discuta a ponto de brigar,</p><p>pois isso pode acabar gerando agressão física entre as partes; simplesmente fale com a sua</p><p>professora, orientador ou diretora, caso ocorrer na escola; se for em outro lugar, fale com seus</p><p>21 Princesa Tiana, dos estúdios Disney. Criada por John Musker e Ron Clements, integra a criança negra no</p><p>universo infantil.</p><p>22 Princesa Moana, criada por Ron Clements e John Musker (diretores de Moana), representa nativos das ilhas da</p><p>Polinésia. Foi inspirada em mitologias gregas, representa o feminino, não tem uma relação direta com a questão</p><p>racial, mas tem pele escura e vivências semelhantes às indígenas; aqui no Brasil, os afro-brasileiros se identificam</p><p>pelos fenótipos, principalmente os cabelos da princesa.</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Ron_Clements</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/John_Musker</p><p>100</p><p>pais. Eles vão te ajudar e tomar as devidas providências. Porque atualmente temos leis que nos</p><p>amparam nessas situações e precisam ser cumpridas.</p><p>Makeda — (Sorrindo). Obrigada, eu não sabia dessas coisas. A professora falou que a gente</p><p>tem que respeitar as outras pessoas porque todos somos iguais, mas minha amiga falou que nós</p><p>somos diferentes.</p><p>Imani— (Ponderando). O que sua professora quis dizer é que todos nós devemos ser tratados</p><p>iguais, mesmo sendo diferentes; devemos respeitar essas diferenças e não apenas quem é igual</p><p>a gente. Devemos respeitar todos de forma igual, sem distinção.</p><p>Adelina — (Observando a estudante). Olha que sorriso lindo!</p><p>Imani — (Concordando). E é assim que queremos te ver: de cabeça erguida e sorridente.</p><p>Makeda — (Sorrindo). É que eu aprendi mais coisa hoje. Eu lembrei de um livro de</p><p>protagonista negro que eu li. Foi o do Saci, só que ele é levado e faz estripulias.</p><p>Imani — (Sorri discretamente). E você gostou do livro?</p><p>Makeda — (Pensativa). Um pouco. Só que já vi histórias do Saci contadas diferente, dessas</p><p>que as avós contam pra gente, um pouco diferente dos livros.</p><p>Imani — (Concordando) É? Também já vi muitas histórias dele.</p><p>Makeda — (Pensativa). As pessoas acham que todo menino preto, tia, é arteiro igual ao Saci.</p><p>Imani — (Espantada e sorrindo). Misericórdia!</p><p>Imani — (Agradecida). Estou gostando muito da nossa conversa, mas já é o momento de você</p><p>retornar para sua sala. E se você lembrar de qualquer coisa que você aprendeu na escola sobre</p><p>esse assunto você me fala, ok?</p><p>Makeda — (Sorridente). Combinado! Tchau, professora, tchau, tia.</p><p>(Os olhares entre a pesquisadora e a supervisora se intercruzaram)</p><p>Imani — (Preocupada). Você viu? Tive que intervir, caso contrário ela iria chorar. Ela se</p><p>emocionou muito.</p><p>Adelina — (Afirmando). Sim, mas ela se recuperou e está bem.</p><p>Imani — (Preocupada). Ainda bem! Fico mais tranquila.</p><p>Adelina — (Reflexiva). Eu nunca tinha parado para pensar no “Saci” na perspectiva dela. Até</p><p>que ponto ele é uma boa referência?</p><p>Imani — (Concordando). Essa é a importância de ouvi-las. E sobre o Saci, sabemos que faz</p><p>parte do folclore brasileiro; alguns defendem que as escravizadas trouxeram essas histórias da</p><p>África e foram recontando como casos, até ser o que temos hoje. E ele tem sido o personagem</p><p>101</p><p>negro mais recorrente na conversa com os estudantes, quando lembram de um protagonista,</p><p>lembram do Saci.</p><p>Adelina — (Ainda comovida). Chamo mais alguém?</p><p>Imani — (Afetada com os atravessamentos). Por favor, por hoje não! Preciso me recompor.</p><p>Imani — (Lamentando-se). Veja Adelina, mais uma situação em que percebemos “alienação,</p><p>ser-se forçada/o a identificar-se com os heróis, que aparecem como brancos, e rejeitar os</p><p>inimigos, que aparecem como negros” (Kilomba, 2019, p. 39).</p><p>Adelina — (Reafirmando). Olha para a importância de ouvi-los. Estou pensando no Saci na</p><p>perspectiva dela.</p><p>Imani — (Suspira). Olho e reafirmo que essas histórias folclóricas que apresentam o negro</p><p>como seres fictícios, segundo Arantes (2022, p 58) “São obras elaboradas com o objetivo de</p><p>apresentar as nossas lendas, sem pretensão de valorização da imagem do negro como um ser</p><p>real”.</p><p>Mas, vimos que a estudante negra relacionou a ficção com a realidade devido à</p><p>identidade representada pela cor da pele, o que justifica a posição direta da autora ao dizer que</p><p>“esse tipo de obra não contribui para a construção/valorização da identidade negra, embora</p><p>sejam muito trabalhadas no mês de agosto, mês dedicado ao folclore nas escolas brasileiras”</p><p>(Arantes, 2022, p. 58).</p><p>Adelina — (Reafirmando). Bem, como os folclores é herança de várias gerações, era tido como</p><p>natural atribuírem tais comportamento ao negro e é forte a presença do negro no folclore</p><p>brasileiro, penso que na hora de trabalhar o folclore talvez fosse interessante relembrar da</p><p>trajetória histórica e reforçar a questão da ficção.</p><p>Imani — (Afirmando com a cabeça). Sim, a ideia é boa. A nossa discussão está ótima e ainda</p><p>pode render muita conversa, mas vamos parar por hoje.</p><p>8.3 Cena VII: Roda de conversa com os/as estudantes sujeitos da pesquisa</p><p>[Nesse estágio da pesquisa foi proposta a realização de uma roda de conversa com todos</p><p>os alunos participantes. Novamente a temática foi apresentada, questionamos sobre</p><p>preconceito, racismo e discriminação, no mesmo viés da primeira conversa. Porém, nesta</p><p>intervenção, o estudante foi convidado a escrever ou fazer um desenho sobre o que mais</p><p>teria chamado sua atenção diante dos relatos que ouviu durante as conversas. Neste dia,</p><p>chegando até a escola, a professora da turma e a gestão nos solicitaram que intervisse em</p><p>102</p><p>sala de aula, uma vez que o tema da roda de conversa fazia parte do currículo e que, em</p><p>vários momentos, estariam desenvolvendo essas ações na escola].</p><p>CENÁRIO</p><p>Sala de aula com cadeiras enfileiradas, dois armários nos fundos, com jogos e livros literários;</p><p>na parede, cartazes pedagógicos; na frente, lousa de vidro, escrivaninha com uma cadeira e uma</p><p>TV instalada num móvel com rodinhas. Estão presentes 10 crianças participantes da pesquisa.</p><p>PERSONAGENS: Imani e Akin.</p><p>Imani — Oi, pessoal! Tudo bem com vocês? Olha, todo mundo aqui conhece o significado das</p><p>palavras discriminação, preconceito e racismo? (Silêncio). Tudo bem, ... Vejam, eu trouxe uma</p><p>atividade de representação visual (entrega uma folha de sulfite aos participantes). Nessa folha</p><p>de sulfite, vocês vão der duas casas: uma de luxo e outra simples, como a maioria que vemos</p><p>nas periferias de nossa cidade; um homem preto e outro branco. Nossa atividade é bem simples:</p><p>“ligue a casa ao dono”.</p><p>(Três crianças ligaram a casa simples ao homem preto; sete ligaram o branco à casa simples e</p><p>o negro à</p><p>casa de luxo).</p><p>Imani — (Questionando). Vocês acham que é possível saber quem seria o proprietário apenas</p><p>olhando as imagens?</p><p>(Quase todos os participantes responderam que sim; duas crianças dissertam que não).</p><p>Imani — Muito bem... Então, alguma coisa levou você a ter essa “certeza”? Para você ter essa</p><p>ideia, é necessário que você tenha um conceito antecipado sobre algo ou alguém e o que você</p><p>vê. Alguém aqui quer me dizer qual foi o seu conceito pré-estabelecido? Independentemente de</p><p>qual seja a sua resposta você teve um “pré-conceito” ... Hum?</p><p>(Um dos participantes levanta a mão).</p><p>Akin — (Convicto). Sabe o que foi, professora? Pensei que a mansão seria do homem negro</p><p>porque ele tem um relógio caro.</p><p>Imani — (Pensativa). Você é muito observador. É uma boa explicação. Alguém mais quer falar</p><p>o que o levou a tomar tal decisão?</p><p>(Todos ficaram em silêncio, não quiseram comentar. Imani escreve na lousa o significado das</p><p>palavras conforme o dicionário:</p><p>1. Preconceito: “1. Opinião ou ideia formada antecipadamente e sem reflexão nem</p><p>fundamento razoável sobre alguém ou alguma coisa. 2. Atitude genérica de rejeição de ideias,</p><p>103</p><p>grupos, pessoas, com base em sexo, raça, nacionalidade ou naturalidade, adotada sem exame e</p><p>imposta pelo meio, pela educação” (Bechara, 2011, p.1017).</p><p>2. Discriminar: 1. Diferenciar, distinguir: discriminar o bom ou ruim [...}. 2. Estabelecer</p><p>diferenças com base em preconceito [...] (Bechara, 2011, p.447).</p><p>3. Racismo: 1. Recusa em reconhecer os direitos de outra pessoa ou grupo social de</p><p>características culturais ou étnicas diferentes, em nome de uma pretensa e inerente</p><p>superioridade. 2. Atitude de preconceito, discriminação ou até mesmo hostilidade em relação a</p><p>certos segmentos sociais ou geográficas diferentes (Bechara, 2011, p.1060).</p><p>Imani — (Explicando aos alunos). Gente, nem sempre o preconceito e a discriminação se</p><p>referem à origem étnico-racial de alguém, mas o racismo sim, entre outras coisas, aparece</p><p>acompanhado de preconceito e discriminação. Olha, eu trouxe pra gente assistir juntos um vídeo</p><p>bem legal. Na verdade, é uma leitura em vídeo23. É a leitura do livro intitulado Qual é a cor do</p><p>amor?, escrito pela autora Priscila Pereira Boy. Antes de colocar o vídeo, vou mostrar o livro</p><p>pra vocês. Vejam que capa bonita! (Mostra a capa do livro):</p><p>Figura 7 - Capa do livro Qual é a cor do amor?</p><p>Fonte: Consciência Negra na Educação Infantil.24</p><p>Imani — A história fala da amizade entre uma criança preta e outra branca, chamadas Lorenzo</p><p>e Dandara. As ilustrações e contextos, além das questões de diversidade racial, evidenciam a</p><p>23 https://youtube.com/watch?v=ShIxHfjHwUE&feature=shared</p><p>24 https://www.ceir.com.br/noticias-individual.php?id=38</p><p>https://youtube.com/watch?v=ShIxHfjHwUE&feature=shared</p><p>https://www.ceir.com.br/noticias-individual.php?id=38</p><p>104</p><p>Geografia, com a representação dos mapas da Itália e do Brasil, o trajeto de navegação no</p><p>Oceano Atlântico. Mas vamos ver o vídeo, né?</p><p>(As crianças assistem ao vídeo com olhos brilhando. Depois, Imani reforça questões de</p><p>Geografia que os alunos já haviam estudado e sobre a diversidade brasileira).</p><p>Imani — Então? Gostaram do vídeo?</p><p>Todos — Simmmm.</p><p>Imani — O que vocês acharam dessa amizade? Por que as pessoas olhavam eles com</p><p>desconfiança?</p><p>Pedro — (Confiante). Acho que é porque as pessoas, nem todas, mas tem algumas pessoas que</p><p>acham que brancos e pretos não podem ser amigos, nem se casar, essas coisas...</p><p>João — (Pensativo). Ser amigo sim, mas casar não sei se minha mãe iria deixar, quando eu</p><p>crescer, claro!</p><p>Alika — (Revoltada). Nada a ver! Meu padrasto é negro e minha mãe branca.</p><p>Imani — (Conferindo). Como os colegas da escola receberam Lorenzo?</p><p>Todos — Receberam bem.</p><p>Imani — (Conferindo). Quais as características dos colegas da escola do Brasil?</p><p>João — (Pensativo). Era parecida com a nossa, professora.</p><p>Imani — (Afirmando). Isso mesmo! Porque somos um país miscigenado, formado por vários</p><p>povos.</p><p>[A ação tratou de uma explanação sucinta, conforme a BNCC, no que demanda a formação</p><p>geral básica dos estudantes, que devem aprender sobre a “história do Brasil e do mundo,</p><p>levando em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do</p><p>povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia” (Brasil, 2017, p.</p><p>476)].</p><p>Imani — Gente, nosso tempo tá quase acabando!!! Então, eu gostaria que cada um de vocês a</p><p>escrevessem algo, ou se preferirem, podem desenhar alguma coisa que mais chamou sua</p><p>atenção durante nossos encontros e discussões, sobre como veem essa temática inserida no</p><p>contexto escolar. Vou amar isso!</p><p>(Os alunos fazem suas atividades e as entregam à pesquisadora).</p><p>Imani — (Agradecendo aos participantes, após entregarem as atividades). Muito obrigada,</p><p>meus amores. Podem sair. Vou montar um lindo mural com nossas atividades e depois mostrarei</p><p>a vocês, ok? Até outra hora. (As crianças se retiram. Imani começa a organizar as atividades</p><p>para montar o mural).</p><p>105</p><p>Na sequência, passamos a tratar das atividades produzidas pelas crianças, conforme</p><p>dispostas nas Figuras 8 a 16, a seguir.</p><p>Figura 8 - 1ª Produção dos estudantes</p><p>Eu aprendi que não importa a cor, mas sim o</p><p>amor, o racismo é uma é uma coisa muito</p><p>feia e eu aprendi que o racismo é mais um</p><p>desafio da vida. Eu sou negra e amo a minha</p><p>cor!</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>Figura 9 - 2ª Produção dos estudantes</p><p>Eu gostei quando a historinha falou que o</p><p>amor não tem cor, eu também achei legal</p><p>quando a tia falou da história dos</p><p>escravos, eu não acho legal ficar fazendo</p><p>preconceito, racismo e discriminação!</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>Observando as produções das crianças, nas Figura 8 e 9, podemos confirmar que a</p><p>literatura infantil contemporânea pode se tornar um importante instrumento de emancipação e</p><p>de revisão de esquemas reprodutores de estereótipos, presentes na sociedade brasileira”</p><p>(Almeida, 2015, p. 8).</p><p>Percebemos que a literatura infantojuvenil “pode desmistificar a visão estereotipada da</p><p>África e do afro-brasileiro, enquanto sujeito passivo à diáspora e aos maus-tratos provenientes</p><p>da escravidão, favorecendo a construção de uma identidade cultural afro-brasileira” (Almeida,</p><p>2021, p. 84). O livro literário com temática voltada para história e cultura afro-brasileira</p><p>106</p><p>contribui para a formação de um sujeito despido de preconceito, discriminação e racismo, como</p><p>bem podemos constatar nas narrativas dos estudantes. Vejamos a produção ilustrada na Figura</p><p>10:</p><p>Figura 10 - 3ª Produção dos estudantes</p><p>Eu aprendi durante a conversa, que</p><p>devemos sempre amar o próximo sem</p><p>nenhum preconceito e discriminação, para</p><p>vivermos todos em um mundo melhor e sem</p><p>racismo.</p><p>Trate as pessoas da maneira que você quer</p><p>ser tratado</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>Analisando a Figura 10, vemos que é possível desenvolver uma educação antirracista.</p><p>O estudante foi sensibilizado pela nossa intervenção, falou, foi ouvido e, posteriormente, por</p><p>meio de linguagem visual e verbal, apresentou o resultado da sua aprendizagem. Os professores</p><p>são a chave dessa desconstrução, pois, “apesar da complexidade da luta contra o racismo, que</p><p>consequentemente exige várias frentes de batalhas, não temos dúvida de que a transformação</p><p>de nossas cabeças de professores é uma tarefa preliminar importantíssima” (Munanga, 2005, p.</p><p>17). A desconstrução do racismo é um processo humanizador, que perpassa primeiramente por</p><p>quem precisa ensinar e humanizar corpus, onde é necessário desconstruir estereótipos para</p><p>construir uma educação voltada à valorização identitária do outro.</p><p>Na Figura 11, a seguir, a criança reproduziu a cena de amizade interracial e atribui o</p><p>sentimento de amor nas relações entre as pessoas:</p><p>107</p><p>Figura 11 - 4ª Produção dos estudantes</p><p>Eu aprendi que não pode fazer racismo com</p><p>a pessoa só pela cor da pele, e só pode ter</p><p>amor ao próximo</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>Observemos as Figuras 12 e 13, a seguir:</p><p>Figura 12 - 5ª Produção dos estudantes</p><p>E que o livro disse que o amor não</p><p>tem cor, não importa a cor da</p><p>pessoa, pois todos iguais, e que</p><p>todos nós temos que respeita um ao</p><p>outro. E pra mim não importa a</p><p>cor, o jeito, nada pra mim todos são</p><p>iguais, e pra mim todos são</p><p>amigos, pois, eu tenho amigos de</p><p>todas as cores e todos são iguais</p><p>para mim e para todos.</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>108</p><p>Figura 13 - 6ª Produção dos estudantes</p><p>Eu entendi que não podemos fazer</p><p>racismo de ninguém, pela cor ou por</p><p>qualquer coisa, mas temos que respeitar e</p><p>não praticar racismo com ninguém porque</p><p>todos somos iguais.</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>Nas Figuras 12 e 13, as crianças apresentam o discurso da igualdade, o mesmo que está</p><p>verbalizado na sociedade, mas que se trata de uma falsa ideia, ou seja, o “mito da democracia</p><p>racial”. A igualdade é encarada pelo movimento negro como uma tentativa de silenciamento</p><p>(Munanga, 2005). Trata-se de um discurso que escutam e reproduzem. Afinal, somos todos</p><p>seres humanos, mas cada qual com suas especificidades, que nos tornam diferentes. Somos</p><p>todos seres humanos, isso nos torna “iguais”, mas não tratados como tal. Salientamos a</p><p>representação visual da Figura 13, que mostra uma garota negra sozinha e triste, demonstrando</p><p>que as crianças compreenderam parte da problemática sobre o racismo.</p><p>Vejamos mais algumas produções, ilustradas nas Figuras 14, 15 e 16:</p><p>Figura 14 - 7ª Produção dos estudantes</p><p>Eu entendi que a</p><p>amizade não importa o</p><p>tipo de pele, pode ser</p><p>preta, branca, parda,</p><p>amarela ou indígena, e</p><p>não importa a cor, e não</p><p>importa a cor pode ser</p><p>preto ou branco.</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>109</p><p>Figura 15 - 8ª Produção dos estudantes</p><p>É o único personagem negro que li.</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>As Figuras 14 e 15, trazem as narrativas das crianças, demonstrando seu aprendizado</p><p>durante o período em que estivemos, juntos.</p><p>Na Figura 16, a seguir, podemos compreender relações multiculturais em um ambiente</p><p>de harmonia e amizade, demonstrando que as crianças começaram a vislumbrar essas</p><p>concepções no decorrer das ações pedagógicas:</p><p>Figura 16 - 9ª Produção dos estudantes</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>110</p><p>Em se tratando de uma mensagem visual, ou mesmo que fosse em linguagem verbal, o</p><p>desenho representado na Figura 16 pode ter outras leituras e serem atribuídos outros</p><p>significados para a mesma leitura (Wittgenstein, 2022).</p><p>De modo geral, ao receber as produções dos estudantes, pudemos notar representações</p><p>em textos visuais e verbais, ou mistos. Vimos que houve um aprendizado, alguns durante a</p><p>intervenção e outros já internalizados pelo discurso da igualdade. Em nenhum momento,</p><p>enquanto pesquisadora, usamos o discurso da igualdade, mas sim da valorização das diferenças,</p><p>por entender que devemos nos desprender da ideia de que o Outro deve ser ‘igual a mim’, para</p><p>que ‘eu’ possa ser amigo e respeitá-lo. Somos diferentes em escolhas, atitudes, crenças e</p><p>religião. Amar o igual a mim é fácil. Difícil é aceitar e amar o Outro.</p><p>Enquanto profissionais da educação, devemos buscar práticas de valorização das</p><p>diferenças como enriquecimento pessoal e para a sociedade multicultural brasileira. Para isso,</p><p>algumas estratégias além da literatura seriam, de acordo com Silva (2021, p. 16),</p><p>Colocar-se no lugar do “Outro”, saber conhecer esse “Outro” a partir de sua</p><p>visão de mundo narrada pela própria pessoa, tem ajudado a reconhecer e a</p><p>entender o conceito de alteridade. Como explicitado, recursos audiovisuais,</p><p>narração de experiências leituras compartilhadas têm se mostrado</p><p>instrumentos importantes que contribuem para alcançar o que há de sensível</p><p>em cada ser. Assim, conceitos árduos vão saindo do papel e se apresentando</p><p>na fala e na escrita de estudantes ao narrar (e avaliar) as experiências</p><p>proporcionadas pelos encontros.</p><p>É um risco educar a criança no viés da igualdade, pois quando ela notar a diferença do</p><p>Outro, se revoltará e não irá respeitar as especificidades das pessoas. Assim, urge a necessidade</p><p>de uma educação voltada para paz e tolerância.</p><p>Também nos chamou a atenção o desenho da criança que representou apenas o Saci</p><p>(Figura 14). Ao perguntar o que essa criança entendeu sobre o Saci, obtivemos como resposta:</p><p>“é o único personagem negro que li, mas gostei da história”. Isso nos fez lembrar um trecho da</p><p>canção Saci Pererê (Turma do Folclore):</p><p>O Saci desce do cipó</p><p>E pula pula pula numa perna só</p><p>Roda roda sem cair</p><p>Mexe a cabeça e começa a rir</p><p>Ele adora brincadeira</p><p>Vive em volta da fogueira</p><p>Mas se a Cuca chegar ali</p><p>Corre corre corre até sumir25</p><p>25 Disponível em: https://youtu.be/ljTSqTkaseA</p><p>111</p><p>Conforme essa música infantil, hoje em dia o Saci Pererê já não causa arrepios, como</p><p>na época que os mais velhos nos contavam, “que era o responsável pela morte da própria mãe,</p><p>que trançava as crinas e rabo dos animais no pasto, que podíamos escutar os assobios dele no</p><p>meio da mata...”. Lembramos de contos disciplinadores; afinal, ninguém queria ficar vagando</p><p>no mundo com uma perna só, igual ao Saci. Hoje, as narrativas escritas apresentam o Saci como</p><p>foi criado, mas com uma nova abordagem e esbanjando simpatia.</p><p>Finalizada essa etapa da intervenção, voltamos à escola na semana seguinte, para</p><p>apresentar novas leituras, por meio de uma oficina.</p><p>112</p><p>9 OFICINA DE LEITURA COM LIVROS DE LITERATURA INFANTOJUVENIL: A</p><p>IDENTIDADE DA POPULAÇÃO NEGRA</p><p>Diante dos achados da pesquisa, os professores e a equipe gestora se uniram em um</p><p>propósito único: a valorização racial dos afro-brasileiros Nessa perspectiva, a escola idealizou</p><p>a 1ª Feira Literária em Valorização da Cultura Africana e Afro-brasileira; foram selecionados</p><p>os livros de literatura infantil e infantojuvenil sobre a temática racial, com personagens e</p><p>protagonistas negros, disponíveis na escola; foram resgatados livros que estavam em diferentes</p><p>salas de aula e na biblioteca municipal (que está sediada na escola). A exposição foi realizada</p><p>no pátio da escola, durante a última semana do mês de outubro e todo o mês de novembro. Aos</p><p>livros da escola, juntamos aqueles que usaríamos na nossa oficina de leitura. Essa ação da</p><p>equipe gestora deu amplitude ao que seria disponibilizado inicialmente apenas para os</p><p>participantes da pesquisa, oportunizando a todos os alunos apreciar esse material no espaço</p><p>escolar.</p><p>A Figura 17 traz um registro de crianças fazendo leituras durante a exposição:</p><p>Figura 17 - Leituras voltadas para valorização da História e cultura afro-brasileira</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>No ato inicial da exposição dos livros, a gestora da escola conversou com as crianças no</p><p>pátio, no mesmo viés da conversa realizada com os participantes da pesquisa; uns estudantes</p><p>disseram ter pouco conhecimento da literatura com personagens e protagonistas negros e</p><p>113</p><p>acrescentaram que isso não é legal, que todos temos o direito de ter livros com histórias que se</p><p>parecem com a nossa; outros disseram que não tinham nenhum conhecimento sobre esse tema.</p><p>Assim, para nossa pesquisa, tudo encaminhava melhor que o planejado. Já era mês de</p><p>outubro e estávamos com pouco tempo para promover a oficina com os alunos participantes da</p><p>pesquisa e preparar o teatro de fantoches com deles. Então, a exposição literária dos livros de</p><p>literatura</p><p>infantojuvenil adiantou nossa proposta, mas, mesmo assim, era necessária uma</p><p>problematização.</p><p>Na realização da oficina, a leitura dos livros selecionados para a intervenção se deu</p><p>novamente em sala de aula. Priorizamos a leitura de dois livros para a contação de história para</p><p>a turma. Julgamos interessante problematizar a expressão “cor de pele”, por isso intervimos</p><p>com os livros A cor de Coraline, de Alexandre Rampazo, e A bailarina que pintava suas</p><p>sapatilhas, de Ingrid Silva, cujas capas estão reproduzidas nas Figuras 18 e 19:</p><p>Figura 18 - Capa do livro A cor de Coraline Figura 19 - Capa do livro A bailarina que pintava</p><p>suas sapatilhas</p><p>Fonte: Reproduzida pela pesquisadora.</p><p>Fonte: Reproduzida pela pesquisadora.</p><p>As crianças estavam disputando A bailarina que pintava suas sapatilhas, em especial</p><p>as meninas: todas queriam o mesmo livro, com a linda bailarina na capa. Começamos a</p><p>problematização contando a história do primeiro livro... E lá estava eu, “meio com cara de</p><p>lagosta, [...]” (Rampazo, 2012, p. 7).</p><p>114</p><p>As crianças riam, os olhos brilhavam e aguardavam ansiosas pela próxima frase;</p><p>portanto, era necessário circular entre elas, para que vissem as ilustrações, até que acontecesse</p><p>aquele desfecho maravilhoso com um cordial “É mesmo né, professora?” que ecoou na lateral</p><p>da sala. Até que enfim, o tão esperado livro se abriu como um encantador passo de balé, que</p><p>trazia a leveza de um voo, para discutir um assunto tão pesado, com um exemplo de luta e</p><p>superação como a de muitos pretos/as brasileiros/as.</p><p>Depois dessas leituras, orientei que as crianças pegassem outros livros para ler. Cada</p><p>um pegou o que chamou sua atenção. Até que alguém falou: “Olha aqui o ‘cabelo maluco’</p><p>aqui!” (Referindo-se ao livro O cabelo de Lelê, de Valéria Belém). Quem teria dito? Por um</p><p>determinado momento, pensei estar delirando, até que um estudante pegou o livro Meu crespo</p><p>é de rainha, de Bell Hooks, e disse: “Aqui tem um monte de cabelo maluco”. Na mesma hora</p><p>respondi: “Não... Aqui tem vários estilos de cabelo diferentes!”. Nas Figuras 19 e 20, temos as</p><p>capas dos referidos livros:</p><p>Figura 20 - Capa do livro O cabelo de Lelê Figura 21 - Capa do livro Meu crespo é de rainha</p><p>Fonte: Reproduzida pela pesquisadora.</p><p>Fonte: Reproduzida pela pesquisadora.</p><p>A professora da turma - que estava presente, participando da oficina - pegou o livro O</p><p>cabelo de Lelê, começou a ler e não soltou mais. Enquanto lia ela falou: “Esse aqui é muito</p><p>legal!”. E o indicava para seus alunos, conforme eles terminavam de ler, e assim seguiam</p><p>entusiasmados. Logo a professora percebeu que na pequena estante de livros tinha “a história</p><p>na lata”; então, pegou o livro e disse: “Vou ler o fragmento e vocês vão adivinhar de que livro</p><p>estou falando”. Leu um pequeno fragmento, algumas crianças responderam: “É o cabelo de</p><p>Lelê!”. Um garoto disse: “É o cabelo maluco, professora!”. E a professora corrigiu: “NÃO! É</p><p>O cabelo de Lelê! Esse é o nome do livro.</p><p>115</p><p>A professora lamentou não ter mais fragmentos de outras literaturas, senão poderíamos</p><p>testar o conhecimento das crianças, se compreenderam realmente. Mas, o tempo é tão pouco!</p><p>Pensamos em fazer assim numa próxima vez, pensar numa dinâmica melhor em outra</p><p>oportunidade. Mas o tempo carrega a culpa. Ele passa rápido, quando queremos que não tenha</p><p>pressa.</p><p>O tempo foi severo e, durante nossa pesquisa, ele foi o vilão, pois, passava muito rápido.</p><p>Já era hora de irmos embora e ninguém queria se desprender dos livros. Mas era necessário.</p><p>Então, solicitamos aos estudantes participantes que escrevessem uma história, inspirados em</p><p>suas descobertas, tanto com a leitura quanto com o trajeto da pesquisa e suas experiências de</p><p>vida sobre o assunto do racismo. Combinamos deixar o material com as instruções da atividade</p><p>para a professora no dia seguinte e que as crianças poderiam fazer em suas casas e entregar</p><p>posteriormente. Explicamos que as produções seriam consideradas para a elaboração do teatro</p><p>de fantoches. Todos concordaram e assim aconteceu, como forma de otimizar o tempo, sem</p><p>interferir na dinâmica programada pela escola.</p><p>Entre idas e vindas, dentro da escola, pudemos presenciar outros movimentos,</p><p>caminhando no propósito de valorização da identidade e da cultura negra. A cada visita à escola</p><p>era possível ver diferentes ensaios direcionados pelos professores. E, nas ordens dos</p><p>acontecimentos, continuamos no caminho da pesquisa. Mas...</p><p>9.1 Cena VIII: O que fazer em caminhos escorregadios?</p><p>(Em uma passadinha rápida na escola, Imani escuta):</p><p>Eleonora — Já está indo embora!?</p><p>Imani — (Responde apressada). Estou trabalhando... Só vim buscar umas atividades que deixei</p><p>antes de viajar, para a elaboração do teatro de fantoches...</p><p>Eleonora — Ah, sim! Eu queria saber se você tem uns negócios bem legal pra eu colocar no</p><p>meu cabelo pro “Dia do Cabelo Maluco”.</p><p>Imani — (Desconfiada). Mas o “Cabelo Maluco” é uma competição de criatividade artística,</p><p>né? Vale qualquer criação... Eu não tenho nada, nada mesmo. Tenho percebido que as crianças</p><p>têm misturado esse tema com o cabelo negro. Por que será, hem?</p><p>Eleonora — (Rindo sem graça). Não sei nem o que te dizer... Melhor não falar nada.</p><p>Imani — (Sorrindo). Professora, fazer o que, né? “O que não se pode falar, deve-se calar”</p><p>(Wittgenstein, 1968, 7, p. 129). Mas se eu achar alguma coisa ou tiver alguma ideia te falo...</p><p>116</p><p>(Imani já estava se retirando quando a gestora a chama e faz um convite).</p><p>Daiana — (Animada). Imani, eu estava conversando com a Adelina e você é umas das pessoas</p><p>indicadas para ser jurada do desfile que estamos organizando: “A Beleza Negra da Escola”.</p><p>Teremos premiações... E assim vamos trabalhar a autoestima das crianças negras.</p><p>Imani — (Lisonjeada). Que legal! Será um prazer!</p><p>Daiana — (Animada). Teremos muitos eventos e temos que programar o dia da apresentação</p><p>do teatro de fantoches. Você não se importa se for junto com o de outro projeto e outro</p><p>professor? É que teremos muitas apresentações...</p><p>Imani — (Empolgada). De maneira alguma! O enredo será curto, uns 15 minutos, no máximo.</p><p>Obrigada. Agora tenho que voltar para minha escola, pois daqui 10 minutinhos receberei um</p><p>aluno. Amanhã conversaremos direito. Passarei mais tempo aqui com vocês e daí você me conta</p><p>tudo...</p><p>Daiana — (Carismática). Tudo bem. Vai lá! Tchau.</p><p>(No outro dia, Imani retorna à escola e enquanto lê o Projeto Político Pedagógico (PPP),</p><p>Adelina entra e a cumprimenta).</p><p>Imani — Que cara é esta? Parece chateada...</p><p>Adelina — (Com um leve sorriso). Sabe como é escola... Tem umas mães aqui no grupo que</p><p>estão questionando sobre o desfile que foi programado, cada qual com sua opinião. Umas dizem</p><p>que se tiver terá que ter o dia da beleza branca também, outras questionam sobre premiação,</p><p>uns dizem que tem militância dentro da escola... É difícil...</p><p>Imani — (Pondera). Mas vocês não estão fazendo nada fora da lei. É a primeira vez que</p><p>acontece?</p><p>Adelina — (Explica). Não recordo. Os colegas disseram que já fizeram uma vez, mas quem</p><p>ganhou a premiação não foi uma pessoa negra.</p><p>Daiana — (Desanimada). Toda vez que desejamos fazer algo temos enfrentamentos... Por isso,</p><p>professora, que é tão difícil trabalhar essas questões na escola. A população é muito</p><p>conservadora e nem todo mundo está aberto para certos assuntos de pautas sociais.</p><p>Imani — (Depois de tomar um pouco de água). Compreendo bem as falas de Adelina e a</p><p>angústia de ambas leva ao encontro do que tem passado o movimento Black Lives Matter (Vidas</p><p>Negras Importam) - movimento que surgiu para chamar a atenção sobre as mazelas e violências</p><p>que recaem sobre a população negra em diversos países. Esse importante movimento negro tem</p><p>tido enfrentamentos com frases do tipo “Todas as vidas importam”, de modo que podemos nos</p><p>perguntar: “Mas qual o problema? Todas as vidas não importam?”. Devemos mergulhar no</p><p>117</p><p>contexto e na singularidade da situação em que esse enunciado é produzido: como resposta ao</p><p>enunciado anterior, convoca a ideia de que todas as vidas são atingidas da mesma forma em um</p><p>espectro de igualdade. “A singularidade da situação passa a ser desconsiderada, assim como a</p><p>necessidade de pontuação sobre a violência contra vidas negras, especificamente” (Carvalho;</p><p>Sargentini, 2020, p. 192). Nesse contexto de enfrentamento, vemos um reforço da dominação</p><p>da população privilegiada, um contraponto na tentativa de derrubar um movimento em prol da</p><p>valorização das crianças afro-brasileiras dessa instituição de ensino.</p><p>Adelina — (Perplexa). Vemos direto esses desfiles em escolas e são compartilhados nas redes</p><p>sociais. As crianças negras e pardas desfilando... Vejo como uma forma de elas se orgulharem</p><p>de sua ancestralidade, raça e cor, dessa valorização que tanto temos falado. Mas vai explicar</p><p>pra esse povo!</p><p>Imani — (Pensativa). Estamos em um processo.</p><p>Daiana — (Olhando no celular). Conseguiu falar com a freira, Imani?</p><p>Imani — (Responde). Sim! Ela aceitou, mas pediu para lembrá-la mais perto da semana para</p><p>ela ajustar na agenda. Seria muito importante a participação dela com os conhecimentos que</p><p>trouxe da África... Como te falei, nas intervenções, notei que os alunos não conhecem o</p><p>berimbau e a capoeira e outros artefatos que herdamos.</p><p>Daiana — (Esperançosa). Se ela viesse pelo menos no período da tarde, seria maravilhoso,</p><p>porque da outra vez ela veio na parte da manhã. Você precisava ver... Ela luta capoeira e fez</p><p>demonstrações perfeitas, apresentou o tambor, o berimbau e cantos de roda de capoeira com</p><p>teor educativo.</p><p>Imani — (Empolgada). Ela virá e já tem agenda na escola rural para uma ação semelhante.</p><p>Felizmente ela, mesmo sozinha, poderá mostrar pouco da arte marcial brasileira. E sobre o</p><p>teatro das crianças, assim que terminar de digitar, durante essa semana, te enviarei para que</p><p>vocês possam opinar. Se tudo der certo, sexta-feira podemos realizar o ensaio.</p><p>Daiana — (Balança a cabeça afirmando). Fica combinado assim. Até logo, professora.</p><p>[E entre esses passos, a pesquisa dava novas voltas, surgiam angústias, preocupações,</p><p>emoções e curiosidades. Ali findava um dia bem agitado na escola, enquanto a</p><p>pesquisadora se debruçava sobre o PPP da escola, onde as práticas pedagógicas sobre a</p><p>valorização racial do povo negro estavam devidamente documentadas conforme a BNCC].</p><p>118</p><p>9.2 Cena IX: Levantando-se entre pétalas e espinhos</p><p>[Durante a semana, tudo aconteceu naturalmente, o enredo do teatro havia sido</p><p>elaborado. Diante das sugestões da diretora, foi reduzido para se adequar ao tempo da</p><p>apresentação. Os fantoches foram providenciados. Na sexta-feira, o cenário seria</p><p>montado, pois o dia se aproximava. Durante a semana, veio outra indagação no mínimo</p><p>curiosa, via WhatsApp].</p><p>Glaucia — (Animada). E aí? Estou querendo seu turbante emprestado. Eu não sei se eu vou</p><p>fazer alguma coisa no “Dia do Cabelo Maluco”, mas eu estava pensando... Se eu não for fazer</p><p>nada, eu gostaria de usar um turbante, na segunda-feira, e falar um pouquinho sobre essa cultura</p><p>afro aí... Eu queria a sua emprestada para usar, eu não tenho.</p><p>[Naquele momento as peças se encaixavam e Imani teve a certeza de que não era um</p><p>evento a parte, se tratava da abertura do Dia da Consciência Negra]</p><p>Imani — (Após se recompor do susto). Olha, tenho poucos turbantes. Irei na cidade vizinha</p><p>renovar para usar na próxima semana, já que fui convidada para ser jurada. Mas preciso te falar</p><p>que o cabelo do negro é identidade, o cabelo negro não é maluco!</p><p>[Lá estava Imani, olhando para o celular com aquela sensação de que a alma deixou o corpo</p><p>por uns instantes, impactada, estagnada e reflexiva. Afinal, poderia aquilo estar</p><p>acontecendo? Ela estava falando de pessoas que a acolheram cheias de boas intenções,</p><p>que abraçaram o projeto e fizeram acontecer, pessoas parceiras e sem preconceito, cheias</p><p>de objetivos transformadores. Isso não poderia estar acontecendo debaixo dos seus olhos,</p><p>como passou? Não fazia parte de seu projeto, mas como pesquisadora, teria que intervir.</p><p>Lembrava do dito popular por muitas vezes repetido por seu pai: está acontecendo sim,</p><p>afinal “de boas intenções o inferno está cheio”. No outro dia, seguiu para a escola</p><p>investigada. Aguardava um momento oportuno para falar sem magoar ninguém,</p><p>alicerçando-se nos conhecimentos adquiridos no seu processo de letramento racial para</p><p>lidar com a temática, até porque via que, nessa equipe, não havia intenções de causar</p><p>ofensas; pelo contrário, cada um estava dando o melhor de si, no propósito de fazer</p><p>daquela semana a melhor possível].</p><p>Imani — (Sorridente). Boa tarde! Estou trazendo os fantoches e o cenário, preciso encapar.</p><p>119</p><p>Glaucia — (Carismática). Que bacana! Aqui tem TNT (Tecido Não Tecido) e vai ficar bom</p><p>essa cor, olha...</p><p>Imani — (Preocupa-se). Se eu ficar fazendo esse trabalho aqui nesse local, vou te incomodar?</p><p>Glaucia — (Carismática). Não, imagina. Eu preciso falar mesmo com você. Estava esperando</p><p>você comparecer. Tem coisas que é bom ser tratadas pessoalmente.</p><p>Imani — (Preocupa-se). Pode falar.</p><p>Glaucia — (Aparentemente envergonhada). O desfile no qual você seria jurada foi cancelado.</p><p>Imani — (Realizando o trabalho). Não irei nem perguntar o porquê, mas lamento.</p><p>Glaucia — (Aparentemente descontente). É só porque as crianças estavam tristes por não</p><p>participarem e a nossa intenção não é causar descontentamento em ninguém, entende?</p><p>Imani — (Decorando o cenário). Não fique triste! Aos poucos vão trabalhando essas questões</p><p>com as crianças e quando compreenderem será possível realizar um evento dessa proporção.</p><p>Glaucia — (Aparentemente descontente). Eu fiquei muito chateada, sabe?</p><p>Imani — (Sugerindo). Vocês acabaram de falar que não desejam causar descontentamento nas</p><p>crianças, mas o “Cabelo Maluco”, na Semana da Consciência Negra, soa pejorativamente,</p><p>devido o significado da palavra “maluco”; conforme o dicionário online Priberam26, maluco</p><p>significa: “Que ou quem não tem o juízo todo; que ou quem perdeu a razão ou tem distúrbios</p><p>mentais, adoidado, doido, louco”. Olhe o quanto a população negra é estigmatizada, entende?</p><p>Glaucia — (Aparentemente desnorteada). Você acha que deveria mudar a data?</p><p>Imani — (Sugerindo). Eu mudaria, porque pode abrir margem para outras interpretações bem</p><p>contrárias ao que você está pretendendo. Você não acha melhor deixar esse evento para o final</p><p>do ano letivo, no desfecho?</p><p>Glaucia — (Pensativa). Olha, eu não posso cancelar mais nada! Já será segunda-feira, hoje é</p><p>sexta, já foi divulgado, os pais já se envolveram. Não posso, mas vou focar nessa questão da</p><p>diversidade, que ninguém é igual a ninguém e que todos podem ser diferentes; “não nos</p><p>esqueçamos de que ser diferente é ser normal” Parolin (2005, p. 19); além do mais, não sei para</p><p>fora da nossa região, mas aqui na nossa, o maluco é top, maneiro, estiloso, não é visto pelo</p><p>significado original da palavra.</p><p>Imani — (Sugerindo). O cabelo é uma pauta delicada, pois representa a identidade da</p><p>população negra... E a etimologia da palavra ‘maluco’ tem um grande peso pejorativo e vai</p><p>além do discurso.</p><p>26Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2024. https://dicionario.priberam.org/maluco</p><p>https://dicionario.priberam.org/maluco</p><p>120</p><p>Glaucia — (Suspira). Hoje em dia a gente não pode fazer mais nada... Quando não é um lado</p><p>é o outro que sai ofendido.</p><p>Imani — (Pondera). Não é isso! Nós só precisamos buscar por letramento racial, para nos</p><p>preparar para essas ações. Eu estou perpassando por esse processo. Como já discutimos</p><p>anteriormente, trata-se do poder que é negado ao negro, de ele ser o que é, sem ser visto como</p><p>o extravagante... Isso está subentendido em recorrentes discursos, porque “o discurso</p><p>não é</p><p>simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo</p><p>que se luta, o poder do qual nós queremos apoderar” (Foucault, 1996, p. 10).</p><p>Glaucia — (Pensativa). Podemos rever no calendário dos anos vindouros.</p><p>Imani — (Alerta). Um dia desses, vi crianças atribuindo o termo “cabelo maluco” para</p><p>personagens negros dos livros literários. Estavam associando dessa forma, mas a professora e</p><p>eu intervimos. Até então eu não sabia que era um evento programado para essa ocasião. Você</p><p>me desculpa eu ter falado somente agora, mas só compreendi quando me pediram o turbante</p><p>emprestado para o dia do evento.</p><p>Glaucia — (Positiva). Vamos fazer do jeito que te expliquei: pautar na diversidade, que ser</p><p>diferente é normal e dará tudo certo.</p><p>Imani — (Alerta). Isso muito me preocupa, uma vez que sobre o cabelo e corpo negro se</p><p>perpetuam muitos estereótipos negativos... E o cabelo, para o negro, é símbolo de resistência</p><p>identitária. Digo até que é uma pauta sensível, porém os alertas sobre como a escola poderia</p><p>combater a disseminação vêm sendo discutidos não é de hoje, pois é justamente na escola, onde</p><p>se deveria combater disseminação de preconceitos, lugar de trabalho acerca do conhecimento e</p><p>de enriquecimento cultural, que se percebe a reprodução de situações de conflito em relação às</p><p>questões raciais. A cultura de se contextualizar a figura da criança e do jovem negro a</p><p>estereótipos negativos compromete de forma inquestionável seu aproveitamento e seu sucesso</p><p>escolar (Munanga, 2000, p.18). Diante disso, podemos ver que os negros são condicionados a</p><p>negar a si próprios, sua essência e existência, podendo até se retrair e se envergonhar de sua</p><p>aparência, por não se sentirem aceitos ou dentro de um padrão de estilo de cabelo considerado</p><p>adequado dentro de determinado espaço, nesse caso, a escola.</p><p>Glaucia — (Positiva). Compreendi. É... Vamos estudar mais o assunto e talvez trazer o evento</p><p>para o Dia da Criança, pois eles gostam dessas atividades interativas e dinâmica. Agora,</p><p>infelizmente, não tem como mudar, mas obrigada pelo alerta. Vamos ser mais cautelosos.</p><p>121</p><p>10 O QUE DIRIA O CHICO? CABELO MALUCO, SÓ QUE NÃO!</p><p>Respeitem meus cabelos, brancos</p><p>se eu quero pixaim, deixa</p><p>se eu quero enrolar, deixa</p><p>se eu quero colorir, deixa</p><p>se eu quero assanhar, deixa</p><p>(Chico César - Respeitem meus cabelos brancos).</p><p>Na semana que antecedia o Dia da Consciência Negra, aconteceu uma semana repleta</p><p>de práticas educativas voltadas para questão racial e, para a abertura, o tão esperado “Cabelo</p><p>Maluco”. O “Cabelo Maluco” foi fantástico, com a participação de toda a comunidade escolar.</p><p>As famílias arrumaram seus filhos com distintos e criativos penteados, conforme fora</p><p>programado pela escola. Tudo seguiu o curso com o discurso “viva a diversidade”, porém as</p><p>imagens das crianças estampadas no cartaz de divulgação (Figura 22) eram todas negras.</p><p>Figura 22 - Post de divulgação da escola: “Dia do Cabelo Maluco”</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>O evento foi um sucesso e tudo aconteceu dentro da normalidade. Além da abertura, a</p><p>semana seguiu com várias exposições culturais, como palestras, danças, apresentações de</p><p>capoeira, comidas típicas e peças teatrais realizadas pelos docentes e com participação dos</p><p>estudantes de todas as turmas.</p><p>Nesse mesmo dia, a religiosa (freira da igreja católica) que viveu e fez missão na África</p><p>esteve presente e falou da cultura africana, apresentou os tambores, o berimbau (instrumento</p><p>que os alunos do vespertino não conheciam), tocou e fez canções de roda de capoeira; as</p><p>crianças compreenderam mais da cultura africana e afro-brasileira. A religiosa demonstrou</p><p>122</p><p>alguns passos de capoeira, mas, sozinha, não pode fazer muito em relação à luta. A capoeira, é</p><p>uma arte marcial brasileira que não tem representações em Corumbiara. Nessa cidade, tem o</p><p>judô e o karatê, de modo que essas são as lutas que as crianças praticam diariamente.</p><p>No dia em que retornamos para a escola, algumas crianças nos disseram que queriam</p><p>lutar capoeira, que tinham conhecido o berimbau, estavam entusiasmadas, mas, até o momento,</p><p>não apareceu nenhum mestre de capoeira na cidade. E a freira, que poderia desenvolver esse</p><p>projeto, seguiu em missão para o exterior. Ao perguntarmos o que elas mais gostaram, muitas</p><p>disseram que foi do “Dia do Cabelo Maluco”, que tinha uns cabelos muito loucos e</p><p>“diferentões”.</p><p>Aos olhos da comunidade, foi um sucesso, com o envolvimento de todos, e nenhuma</p><p>família negra questionou ou sentiu sua identidade ferida, os filhos participaram... Ficou ali</p><p>naquela prática somente o nosso alerta, enquanto pesquisadora.</p><p>Afinal, estamos em uma sociedade onde o negro ainda está amordaçado e, quando fala,</p><p>sua palavra não tem valor. A voz do branco tem um peso maior, e foi esse peso que confrontou</p><p>o desfile da “Beleza Negra na Escola”, com premiação doada por empresa local, jurados</p><p>convidados e acabou por ser cancelado, enquanto a voz negra de uma pesquisadora da questão</p><p>racial no currículo escolar não pode ser ouvida. Nessa linha de pensamento, Kilomba (2019, p.</p><p>42-43) diz que:</p><p>O ato de falar é como uma negociação entre quem fala e quem escuta, isto é,</p><p>entre falantes e suas/seus interlocutoras/es (...). Ouvir é, nesse sentido, o ato</p><p>de autorização em direção à/ao falante. Alguém pode falar (somente) quando</p><p>sua voz é ouvida. Nessa dialética, aquelas/es que são ouvidas/os são também</p><p>aquelas/es que ‘pertencem’. E aquelas/es que não são ouvidas/os se tornam</p><p>aquelas/es que ‘não pertencem’.</p><p>Seguindo esse entendimento, ali, mais uma vez, tivemos a voz silenciada diante de um</p><p>sistema... Não dependia de mim da pesquisadora tampouco de nós, equipe escolar. Era a voz da</p><p>dominação que, mais uma vez, ecoava e oprimia. Mas não cabe a nós dizermos o que está certo</p><p>ou errado, apenas o dever de mostrar os caminhos. De acordo com a escola, o evento foi</p><p>cancelado porque muitas crianças ficaram entristecidas, por não poderem participar do desfile.</p><p>No entanto, estava nítido que muitos ali não compreendiam ou não permitiam ver o “Outro”,</p><p>nem por uns poucos minutos, em um lugar de “privilégio”, pois, como todos sabemos, este</p><p>lugar é branco.</p><p>A turma participante da pesquisa estudou e desenvolveu junto com a professora um</p><p>lindo trabalho artístico com máscaras africanas, expondo em cartaz os significados das</p><p>123</p><p>máscaras e a relevância religiosa, mística e espiritual para a diversos povos africanos e como a</p><p>referida arte influenciou artistas europeus de renome, conforme ilustrado na Figura 23:</p><p>Figura 23 - Máscaras africanas</p><p>Fonte: Arquivo da pesquisadora.</p><p>Essa foi a primeira “Semana da Consciência Negra” desenvolvida na escola com</p><p>tamanha mobilização, com melhor engajamento da equipe e todos expuseram seus trabalhos no</p><p>pátio e na página da escola no Facebook. As crianças e pré-adolescentes estavam muito felizes,</p><p>pois se tratava de uma semana de festividades e novas descobertas.</p><p>Na culminância, apresentamos o teatro de fantoches, realizado com a colaboração dos</p><p>estudantes do 5º ano e demais participantes. Além dos vários ensaios, a experiência da diretora</p><p>contribuiu bastante para que a apresentação tivesse êxito. Os estudantes participantes, com</p><p>exceção de um, queriam interpretar um fantoche. Distribuir personagens foi um desafio!</p><p>10.1 Cena X - Diferentes culturas na escola mundo mágico</p><p>O currículo acaba numa prática pedagógica [...].</p><p>Sendo a condensação ou expressão da função social e</p><p>cultural da instituição escolar, é lógico que, por sua vez,</p><p>impregne todo tipo de prática escolar.</p><p>O currículo é o cruzamento de práticas diferentes</p><p>e se converte em configurador, por sua vez,</p><p>de tudo o que podemos denominar como prática</p><p>pedagógica</p><p>nas aulas e nas escolas</p><p>(Gimeno Sacristán, 2000, p. 26).</p><p>O resultado das práticas pedagógicas, com as colaborações dos estudantes participantes</p><p>da pesquisa, levou em consideração o cenário multicultural que eles vivenciam diariamente,</p><p>124</p><p>apesar de predominar uma cultural camponesa, representada também pelos moradores da</p><p>cidade. Nesse espaço escolar, são matriculadas crianças de outros lugares e descendentes de</p><p>vários países que compõem a população brasileira e, consequentemente, a de Corumbiara.</p><p>A composição dos jogos de cena levou em consideração o fato de os participantes terem</p><p>passado por um processo de desconstrução que lhes possibilitou a criação e a elaboração da</p><p>peça teatral de fantoches, levando a terapia desconstrucionista adiante, por meio de suas</p><p>linguagens e jogos de cenas. No teatro de fantoches (Figura 24), prevaleceram os relatos das</p><p>crianças e familiares sobre o que conheciam ou já teriam vivido ou vivenciado sobre</p><p>preconceito, discriminação e racismo:</p><p>Figura 24 - Teatro de fantoches</p><p>Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora</p><p>CENÁRIO</p><p>Uma tarde quente do mês de agosto. Sala de aula do 5º ano, bem refrigerada, com cadeiras</p><p>organizadas em fileiras.</p><p>PERSONAGENS: Alika, diretora, professora, Maria, Akin, João, Solange, mãe de Alika.</p><p>[Alika precisou mudar para uma nova cidade; seu pai tinha encontrado uma nova</p><p>oportunidade de emprego, que ele acreditou ser o melhor para família. Chegando lá, sua</p><p>mãe a matriculou na Escola Mundo Mágico. Alika estava ansiosa para fazer novos amigos.</p><p>Até que enfim, tinha chegado o grande dia! Pela primeira vez, iria começar a estudar em</p><p>pleno mês de agosto, quando todo mundo já conhece todo mundo. Alika chegou um pouco</p><p>atrasada, porque não estava habituada com aquele horário do período da tarde].</p><p>125</p><p>Alika — (Bate na porta). Com licença... Posso entrar professora?</p><p>Professora — Claro! Entra e seja bem vinda na nossa escola. (Apresenta a aluna aos colegas)</p><p>Pessoal, esta é a Alika, que irá estudar na nossa turma a partir de hoje. Recebam bem a nova</p><p>coleguinha, ok? Cumprimentem a nova colega! E no recreio poderão conversar e se conhecer</p><p>melhor.</p><p>Todos — Seja bem vinda a nossa sala!!!</p><p>Alika — (Animada e sorridente). Obrigada turma!</p><p>(Alika se senta. Todos olham para ela. Afinal, já tinham visto pessoas negras, mas não igual a</p><p>ela, que usava muito colorido e com um pano na cabeça).</p><p>Solange — (Cochicha com a coleguinha do lado). Será que ela é careca?</p><p>Maria — (Falando baixo). Ela deve ter alguma doença... Será que é contagiosa?</p><p>Akin — (Sussurrando). Ela me faz lembrar da minha avó, que usava esse pano, desse jeito na</p><p>cabeça também. Até o nozinho é igual.</p><p>[O sinal para o recreio bate e todos saem para o pátio. Alika ficou em um cantinho,</p><p>aguardando que algum colega fosse até ela. De longe, ela via todos juntos, mas não</p><p>estavam brincando, estavam cochichando e falando sobre ela. É! Dava para ver, pois não</p><p>disfarçavam!].</p><p>Solange — (Cochichando). Cá entre nós, essa menina é muito estranha, muito diferente da</p><p>gente! Deus me livre!</p><p>Maria — Eu estava pensando se ela é careca, se está doente ou se tem o cabelo ruim mesmo.</p><p>Por que ela está escondendo?</p><p>Akin — Eu acho que não é nada disso, porque lembro que minha avó usava igualzinho.</p><p>João — Então, Akin, isso deve ser coisa de preto, porque eu vi que ela tem cabelo... Eu estava</p><p>sentado atrás dela.</p><p>Solange — Bem, se um dia eu for amiga dela, vou falar para ela alisar o cabelo, tirar esse</p><p>negócio da cabeça pra ficar mais parecida com a nossa turma. E ela vai ficar mais bonita...</p><p>[Alika, ali, parada, vendo aquele fuzuê, sabendo que se tratava dela, sentiu que deveria</p><p>tentar uma aproximação; afinal, aquela turma só poderia ser tímida. Poderiam estar sem</p><p>jeito de chegar até ela... E foi até eles].</p><p>Alika — Olá pessoal, do que vocês gostam de brincar? Vamos... (Nem tinha acabado de falar,</p><p>a turma foi se afastando).</p><p>Todos — Nada. Não gostamos de nada...</p><p>126</p><p>Alika — (Assustada, fala baixinho). Meu Deus, como pode criança não gostar de brincar? Que</p><p>gente diferente!</p><p>[A diretora, que passava por ali, de longe viu o que estava acontecendo, que poderia se</p><p>tratar de preconceito, discriminação ou até racismo e resolveu interferir. Imediatamente,</p><p>chamou a turma, enquanto Alika observava tristemente de longe].</p><p>Diretora — Solange, Maria, Akin, João, venham aqui, por favor! Me falem o porquê de vocês</p><p>não estarem brincando com a Alika!? Esqueceram que na nossa escola prezamos a amizade?</p><p>Quero saber! Me falem!</p><p>Solange — (Falando por todos). É que nós a achamos diferente... Ela usa uma coisa na cabeça...</p><p>Não sabemos se ela está doente ou se é careca, mas o cabelo dela que é ruim mesmo.</p><p>Descobrimos, diretora...</p><p>Diretora — Nossa, gente! Vocês estão tirando conclusões precipitadas. Isso pode ser chamado</p><p>de preconceito, sabiam? Isso é feio e inaceitável em nossa escola e na sociedade. Esse modo</p><p>dela ser faz parte da cultura e identidade própria da cultura africana e afro-brasileira e esse pano</p><p>na cabeça tem nome viu? É um turbante! E para cada povo tem um significado próprio que</p><p>devemos respeitar. E sobre o cabelo ruim, isso não existe de cabelo bom ou cabelo ruim. A</p><p>função do cabelo é proteger o couro da cabeça e isso todos os cabelos fazem. E se uma pessoa</p><p>optar por ser careca também não tem problema: nem sempre se trata de uma doença e sim de</p><p>um estilo que a pessoa gosta.</p><p>Solange — Não posso pedir para ela alisar o cabelo?</p><p>Diretora — Não!!! De maneira alguma devemos impor o nosso jeito de ser e pensar para outras</p><p>pessoas. Ninguém pode mudar nada em si por causa dos outros ou de um padrão. Cada pessoa</p><p>tem sua identidade, sua beleza. E se no mundo fôssemos todos iguais, não teria a menor graça,</p><p>não é mesmo? A beleza da população brasileira está na diferença e por isso devemos valorizar</p><p>essas diferenças. Somos uma diversidade em características e culturas.</p><p>[Nesse momento, o sino bate e a professora direciona a turma para a sala. A professora</p><p>pede para os alunos se sentarem enquanto conversa em particular com a diretora, por</p><p>alguns minutinhos. Foi aí que as duas tiveram uma grande ideia para resolver aquele</p><p>problema].</p><p>Professora — Então, pessoal, hoje está cancelada a aula de Matemática. Vamos ter aula de</p><p>História e falar da nossa própria história.</p><p>Todos — Obaaa!!!</p><p>127</p><p>Diretora — Pessoal, conhecendo nossa história, compreendemos mais de nós, reafirmamos</p><p>nossa própria identidade e aprendemos a respeitar a história do outro. Eu vim participar dessa</p><p>aula com vocês porque a turma tem algo muito importante a dizer para Alika, não é pessoal?</p><p>Solange — Em nome da nossa turma, gostaria de pedir desculpas por não brincar com você. É</p><p>que ficamos com vergonha de perguntar umas coisas para você.</p><p>Alika — (Sorrindo). Pode perguntar, afinal, é assim que começam as amizades, né?</p><p>Maria — Por que você usa tur... tur... tur...</p><p>Professora — Turbante?</p><p>Alika — (Sorrindo): Ah, então é isso! Kkk... Eu sou afrodescendente. Para meus antepassados,</p><p>o turbante tem significados diversos e foi trazido da África pelos que foram escravizados aqui</p><p>no Brasil... Mas para mim, que sou afrodescendente brasileira, além de representar a minha</p><p>identidade cultural, o turbante é como uma joia, que é símbolo de resistência e luta contra o</p><p>preconceito racial.</p><p>Professora — Olha, que interessante! E tem coisas que só compreendemos se perguntar, né?</p><p>[A diretora se retirou e assim seguiu a aula. Cada um contou um pouco da sua história e</p><p>costume, seu modo de vestir, sua alimentação, crenças e origem. No mesmo momento, a</p><p>professora fazia intervenção, falava da imigração e como isso contribuiu com o Brasil que</p><p>atual. Falou da luta dos negros e dos indígenas por respeito e por fazer valer direitos</p><p>comuns a todos cidadãos brasileiros. Todos ouviam atentamente e com curiosidade;</p><p>estavam tão envolvidos com</p><p>a aula que nem perceberam o tempo passar. No outro dia…].</p><p>Mãe de Alika — Filha, esqueci de perguntar: Como foi na escola ontem?</p><p>Alika — Então, mamãe, dessa vez ninguém me chamou de chocolate ou empurrou na parede e</p><p>xingou de macaca. A aula foi muito boa e acredito que farei grandes amizades.</p><p>Mãe de Alika — Que bom, filhinha!</p><p>[Todos ficaram amigos na Escola Mundo Mágico. Brincavam de pega-pega, esconde-</p><p>esconde e de amarelinha africana. Todos aprenderam que são diferentes de quem se toma</p><p>como ponto de partida, mas que precisamos respeitar as diferenças e não ser</p><p>preconceituosos, para termos um país mais alegre e menos injusto].</p><p>Analisando o teatro de fantoches produzido pelas crianças, percebemos que a principal</p><p>discussão envolve o estranhamento do uso do turbante, que, assim como qualquer vestimenta,</p><p>é “um produto dos valores e crenças culturais, e diferentes valores e crenças geram diferentes</p><p>significados” (Barnard, 2011, p. 3). A vestimenta ou acessório sobre os corpos caracteriza a sua</p><p>128</p><p>própria identidade. Na peça teatral, os colegas caracterizaram Alika como uma garota estranha,</p><p>diferente das demais, por não estar dentro do padrão de beleza eurocêntrico, que o branco se</p><p>impõe como referência. De acordo com Batista (2021, p. 240),</p><p>Essa manipulação feita pela cultura eurocêntrica é uma provocação, pois é</p><p>baseada na construção de uma imagem negativa da ancestralidade africana,</p><p>cujo uso do turbante é tido como exótico, como fora dos padrões de beleza de</p><p>hegemônicos. De certa forma, subtende-se uma tentação, pois, para deixar de</p><p>ser exótico e se tornar bonito conforme diz o paradigma eurocêntrico, é</p><p>preciso abandonar o uso do turbante.</p><p>O autor parte da problematização do post de Soninha, que, assim como Alika, estava</p><p>usando o turbante como reafirmação da sua identidade, autovalorização, resistência ao racismo</p><p>e em memória de sua ancestralidade. Abandonar o uso desse acessório seria um sinal de</p><p>anulação de sua existência por outra.</p><p>Aqui, dialogamos com os achados de França (2017), quando a autora relata que as</p><p>crianças negras sofrem violências, apelidos e xingamentos, insultos pejorativos diversos no</p><p>contexto escolar e sociedade. No final da peça, ao responder as indagações de sua mãe sobre</p><p>como teria sido o dia na escola, Alika não deixou de expor suas marcas de vivências anteriores,</p><p>referindo-se a violências físicas e verbais que os estudantes relataram ter passado ou</p><p>presenciado com alguém próximo ou da sua família e que crianças e adolescentes negros vêm</p><p>sofrendo desde tempos remotos.</p><p>Assim, podemos afirmar que o racismo no ambiente escolar é expressivamente violento,</p><p>de Norte a Sul, de Leste a Oeste do Brasil; na cidade de Corumbiara, em Rondônia, isso não é</p><p>diferente. E toda violência gera consequências negativas. Por esse motivo, é necessário que a</p><p>escola intervenha para desconstruir o racismo, pois, como as mães bem pontuaram, “o racismo</p><p>é uma coisa muito ruim”.</p><p>O teatro de fantoches foi a culminância de nosso projeto junto às demais práticas</p><p>pedagógicas desenvolvidas pela escola, mas a pesquisa não terminava ali; precisávamos ouvir</p><p>os estudantes e adultos participantes da pesquisa acerca do que herdaram desta intervenção. A</p><p>avaliação de todo processo pedagógicos do currículo escolar, somada às falas dos participantes,</p><p>nos permitiram concluir este trabalho com algumas considerações, dada a importância de</p><p>caminhar juntos.</p><p>129</p><p>11 A IMPORTÂNCIA DE CAMINHAR JUNTOS</p><p>E assim, concluímos uma pesquisa onde os corpos e movimentos também falam e o</p><p>silêncio torna gritante. Encerrando o processo interventivo, os participantes relaram sobre a</p><p>importância da pesquisa para cada um.</p><p>11.1 A importância da pesquisa para os estudantes</p><p>Ouvir as crianças foi fundamental para intervir de maneira significativa. Nesse</p><p>propósito, trabalhamos com problematizações e inserimos práticas pedagógicas sobre a questão</p><p>racial no currículo escolar por meio da literatura infantojuvenil, com foco na valorização das</p><p>diferenças. Para isso, é necessário conhecer a literatura antirracista, a fim de atender às</p><p>demandas que surgem na escola e agir com foco na valorização, sem reforçar estigmas. A esse</p><p>respeito, Debus (2017, p. 111-112) argumenta:</p><p>Conhecer a produção literária para crianças e jovens que tematiza a cultura</p><p>africana e afro-brasileira é de fundamental importância para pensar a formação</p><p>de leitores-cidadãos e uma sociedade antirracista, pois a linguagem literária,</p><p>como já destacado, por mim, em Negro no Brasil: política, cultura e</p><p>pedagogias, ‘[...] tecida pelos fios da imaginação, confecciona um enredo de</p><p>visibilidade, de encontros e diferenças’ [...].</p><p>Cientes dessa necessidade, antes das intervenções pedagógicas, os estudantes relataram</p><p>como identificam a questão da História e cultura afro-brasileira no currículo escolar e isso foi</p><p>fundamental para orientar nossas escolhas literárias. Foi ouvindo esses estudantes que podemos</p><p>escutar suas vozes, pronunciando a expressão “o lápis cor de pele”, corrente nessa comunidade</p><p>escolar, motivo pelo qual escolhemos o livro A cor de Coraline para problematizar essa questão,</p><p>uma vez que, ao determinar o “bege” como prioridade, estaríamos anulando os outros tons de</p><p>“marrom” e, consequentemente, a pele negra.</p><p>Logo após as intervenções, ouvimos das crianças as seguintes narrativas:</p><p>E hoje compreendemos a importância da pesquisa para a escola, por meio dos</p><p>relatos dos estudantes. “Foi importante porque aprendi que os nossos livros</p><p>trazem fotos das pessoas pretas e marrons lá, mas só estão lá não tem revelação</p><p>das coisas que eles passam, sem dar importância nenhuma e no livro da</p><p>bailarina, a gente pode ver como é as coisas de verdade e sabe que acontece</p><p>aquilo mesmo por aí? Nós temos que respeitar as diferenças das pessoas</p><p>porque cada pessoa tem um jeito (Estudante 1).</p><p>130</p><p>Eu achei legal porque pude ver mais coisas da vida das pessoas negras, elas</p><p>ainda sofrem muito então as pessoas têm que parar de fazer racismo para o</p><p>mundo melhorar (Estudante 2).</p><p>Foi importante, porque aprendi que a gente tem que tratar as pessoas como</p><p>gostaríamos que falassem da gente e fizesse com a gente, ninguém quer sofrer</p><p>separação por causa da cor da pele (Estudante 3).</p><p>Eu aprendi que tem muitas cores de pele no mundo inteiro, de olhos também,</p><p>o importante é a gente ver e ser feliz (Estudante 4).</p><p>Eu aprendi nesse projeto que ser negro é legal e a gostar de ser dessa cor”</p><p>(Estudante 5).</p><p>Aqui, expusemos apenas cinco narrativas, visto que as outras eram semelhantes.</p><p>O estudante 1, com sua criticidade, percebeu que, por muitas vezes, os livros didáticos</p><p>apresentam as ilustrações das pessoas negras em figuras soltas, não debatem as problemáticas</p><p>sociais que o negro enfrenta.</p><p>O estudante 2 conseguiu entender a dimensão da problemática social que o negro ainda</p><p>sofre e concluiu que os negros também são dignos de respeito.</p><p>O estudante 3 levou seu aprendizado pelo viés da empatia; conseguiu se colocar no lugar</p><p>do Outro. Isso nos remete a uma frase popular, de autor desconhecido: “O endereço mais difícil</p><p>de encontrar é o lugar do outro”. E esse êxito alcançamos.</p><p>A estudante 5, durante o processo, aprendeu a se reconhecer como negra, diante de</p><p>histórias de lutas e superação apresentadas pelas obras literárias. Conforme Souza (2022), a</p><p>literatura afro-brasileira tem o poder de construir identidades positivas, inclusive de meninas</p><p>negras.</p><p>Salientamos “que a gama de emoções e conhecimentos - que não são necessariamente</p><p>os de alguma disciplina específica (que ensina algo) - com os quais se tem contato através da</p><p>literatura infantojuvenil é imensurável” (Neto; Peres, 2018, p. 75). Tanto em relação as</p><p>temáticas, nesse caso, um assunto de cunho social, quanto nas variedades de gêneros textuais</p><p>presentes nos livros, os estudantes aprendem</p><p>de forma espontânea, dada a relevância que é o</p><p>assunto e a apresentação da obra por meio das ilustrações relacionadas ao assunto, que dão</p><p>significado a leitura. Isso fez com que a dinamicidade da intervenção se tornasse aprendizado</p><p>para os envolvidos.</p><p>Para nós, enquanto pesquisadora, qual foi a importância da pesquisa? Se esta</p><p>intervenção cicatrizasse feridas ou desconstruísse estereótipos que recaem sobre as pessoas</p><p>pretas ou pardas (negras), afetasse apenas um único/a estudante, dando um sentido novo a sua</p><p>131</p><p>existência humana, já estaríamos satisfeitas. Essa ação na e para escola revelou que “[...] o</p><p>trabalho comprometido com a literatura, pode possibilitar às crianças negras vivências</p><p>fundamentais para o pleno desenvolvimento e às crianças brancas ferramentas para pensarem a</p><p>si mesmas a partir de uma perspectiva distinta da branquitude normativa” (Damião; Dias; Reis,</p><p>2020, p. 6).</p><p>Nesse viés, compreendemos que, além de promover a inclusão, a literatura</p><p>infantojuvenil colabora para estreitar laços de amizade e desenvolver valores fundamentais para</p><p>a cidadania, como o respeito, a ética, a empatia, entre outros.</p><p>Após discutir com os professores/as, diretora, supervisora, coordenadores/as</p><p>pedagógicas e orientação escola, sobre práticas pedagógicas educativas utilizando a literatura</p><p>infantojuvenil, pautadas na valorização da identidade do povo negro, e sobre os fatores</p><p>históricos do município, vamos saber qual foi a importância da pesquisa para a equipe escolar</p><p>e comunidade.</p><p>11.2 A importância da pesquisa para a comunidade de prática escolar</p><p>Retomamos as inquietações diante do que nos levou a desenvolver estas ações</p><p>interventivas na e para a escola, por meio das quais foi possível perceber como os estudantes</p><p>veem a História e cultura afro-brasileira e a questão afrodescendente das diferenças étnico-</p><p>raciais, através de seus relatos. Agregamos obras da literatura infantojuvenil pautadas na</p><p>valorização da identidade da população negra nas ações do currículo escolar, pois as crianças</p><p>participantes tinham pouco ou nenhum conhecimento dessa literatura. Ademais, conseguimos</p><p>ver como a ludicidade e a crítica construtiva presentes na literatura infantojuvenil contribuíram</p><p>com a aprendizagem da questão racial para o currículo escolar.</p><p>Vimos como os acontecimentos de 1995 ainda hoje se fazem presentes na história de</p><p>vida e nas movimentações da sociedade de Corumbiara e como paira, na educação escolar, um</p><p>medo/insegurança de abordar um assunto que, no nosso entendimento, é um conflito dos tempos</p><p>atuais, mas de raízes históricas, relacionadas à questão racial no tempo do Brasil Colônia, que</p><p>resultou no espaço territorial que hoje é Rondônia (Teixeira; Fonseca; Moratto, 2010).</p><p>Afinal, diante desses rastros percorridos em relação à questão racial no currículo da</p><p>escola, o que a equipe escolar considera? Vejamos:</p><p>1. O projeto de pesquisa foi de grande relevância um tema muito importante</p><p>para a sociedade. As vezes achamos que não praticamos essas atitudes</p><p>132</p><p>abordadas no projeto, mas vivenciamos diariamente na comunidade escolar.</p><p>Ou por tom de ironia sem preocupar se irá atingir alguém; vejo que a própria</p><p>cultura camufla, mas o projeto despertou esse olhar aos costumes afro-</p><p>brasileiro que é essa riqueza social que devemos mostrar para as crianças</p><p>formando-as para uma sociedade igualitária. Como foi abordado no teatro de</p><p>fantoches apresentado: as crianças não conheciam os costumes da nova colega</p><p>e mesmo sem conhecer já temos a mania de julgar e de a relacionar com coisas</p><p>inferiores. Através do projeto foi possível conhecer outros acervos literários</p><p>que há pouco tempo tem ganhado força no Brasil essas literaturas. Sempre</p><p>muito restrito, mas que aos poucos vem surgindo e criando</p><p>resistência a essa luta.</p><p>2. Este projeto desenvolvido na nossa instituição de ensino foi de fundamental</p><p>importância para o cumprimento da lei que estabelece (nº 10.639, de 9 de</p><p>janeiro de 2003) obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira</p><p>nas disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos ensinos</p><p>fundamental e médio. A norma também institui a data de 20 de novembro</p><p>como o Dia da Consciência Negra no calendário escolar. Com a</p><p>intencionalidade de além de reconhecer e respeitar, a escola também é</p><p>responsável por: – Orientar o estudante a valorizar a cultura e o costume do</p><p>próximo; – Incentivar a manifestação de seus valores individuais; – Estimular</p><p>a exploração e a capacitação de seus atributos em prol da melhor convivência</p><p>(acadêmica, pessoal e profissional). Sendo notável o envolvimento de toda</p><p>comunidade escolar no desenvolvimento das ações do projeto e da escola</p><p>neste período desenvolvimento do mesmo (Brasil, 2017).</p><p>3. Eu achei bacana a questão da identidade das pessoas negras, bacana, passei</p><p>a observar as falas deles, pois eles mesmos falam que o racismo vem de</p><p>algumas pessoas que fazem exclusão, fazem comentários bem abusivos de</p><p>forma que alguma coisa ou outra sempre aparecem.</p><p>4. Acho importante abordar essas questões na escola, pra mim foi muito</p><p>importante, porque está presente na sociedade e as pessoas só vê ou concebem</p><p>permitir ver as pessoas negras em uma situação de desvantagem e servidão e</p><p>isso precisa ser desconstruído, isso só poderá vir a ser mudado se as crianças</p><p>de hoje almejar uma sociedade transformadora e livre do racismo, obrigada.</p><p>Esses quatro depoimentos apresentam pontos de vista que se relacionam entre si. Mas,</p><p>em especial a participante 3, durante todo o processo de intervenção, foi notória sua percepção</p><p>do racismo como algo isolado e não estrutural, colocando-se fora desse amaranhado social,</p><p>minimizando a problemática da questão racial. Sua narrativa mostra que ela passou a tentar</p><p>entender, mas que ainda tem uma falsa ideia de democracia racial. Entendemos que se trata da</p><p>necessidade de letramento racial. Nesse sentido, Severo (2021) nos traz a seguinte reflexão de</p><p>Sovik (2005, p. 171):</p><p>[...] cabe aos brancos uma renovada reflexão sobre seu lugar na sociedade</p><p>brasileira, para preceder a uma ação também de brancos contra o racismo. [...]</p><p>É necessário encontrar não só formas concretas de combater juntos o racismo,</p><p>mas de tirar o peso do argumento que, em um país mestiço, está tudo</p><p>(relativamente) bem.</p><p>133</p><p>Infelizmente, os brancos ainda não se veem como parte de um sistema racista que os fez</p><p>privilegiados.</p><p>A participante 2 demonstra uma visão ampla das leis e do papel da escola nesse processo;</p><p>apresenta uma explanação da importância bem alinhada com a BNCC e destaca o envolvimento</p><p>da comunidade escolar no desenrolar do projeto. Portanto, pudemos constatar como essa</p><p>comunidade escolar vê essa questão racial no currículo escolar diverge; da mesma forma, nos</p><p>comentários da participante 1, apesar de pontuações muitos pertinentes, ela foi ingênua em</p><p>pensar uma sociedade igualitária. Isso pode ser uma ideia equivocada. Veiga-Neto (2003) nos</p><p>chama atenção sobre o risco de confundir diferença com desigualdade:</p><p>Além do mais, é ingênuo e cruel pensar no desaparecimento da diferença.</p><p>Ingênuo, por razões epistemológicas que as assim chamadas Filosofias da</p><p>Diferença há muito tempo vêm demonstrando; e também porque confunde</p><p>diferença com desigualdade. Cruel, porque as tentativas de anular a diferença</p><p>acabam levando à colonização e à anulação do outro; na tentativa de acabar</p><p>com a diferença, de rebater a alteridade à identidade, destrói-se o outro. Essa</p><p>destruição pode se dar de três maneiras: ou se transforma o outro (anulando o</p><p>que ele tinha dele mesmo), ou se faz do outro um simulacro (mantendo-o no</p><p>ridículo para que eu reforce, em mim mesmo, a boa imagem que faço de mim)</p><p>ou simplesmente se elimina o outro... (Veiga-Neto, 2003, p. 212).</p><p>Então, é necessário valorizar a diferença. O autor pontua que a</p><p>outros acham que falar disso pode piorar a situação; às vezes chegam a pedir minha opinião,</p><p>vendo-me como uma pessoa que deve ter propriedade para falar da temática, por ser uma pessoa</p><p>negra.</p><p>Sendo assim, como pessoa preta, afro-brasileira, mulher, que teve parte da história</p><p>negligenciada, afirmo a necessidade plausível de cumprir o que é proposto pelo currículo e,</p><p>gradativamente, está sendo inserido nos livros didáticos; essa é uma conquista importante,</p><p>amparada pelas Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/2008, que versam sobre a obrigatoriedade do</p><p>ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena em todas as escolas públicas e</p><p>particulares do sistema de educação básica do país (Brasil, 2003; 2008).</p><p>Pondero que é relevante atender às referidas Leis não como uma obrigação, que gera</p><p>“tolerância”, mas como valorização da alteridade. Portanto, para protagonizar um estudo sobre</p><p>essa temática, que é muito presente na minha história e cotidiano, foi necessário receber o</p><p>encorajamento feito por minha orientadora e motivado pelo propósito de enaltecer as raízes</p><p>étnico-raciais do meu povo, através de um currículo decolonialista.</p><p>Tal realidade me remeteu a pensar quais as práticas pedagógicas possíveis para abordar</p><p>essa temática, tendo os alunos do 5º ano como participantes. Desse modo, revendo minha</p><p>formação, resgatei a literatura infantojuvenil como estratégia de ensino e recurso facilitador</p><p>para dialogar sobre o colonialismo e a necessidade de sua desconstrução, de forma lúdica e</p><p>14</p><p>contextualizada, agregando ao ensino uma abordagem que direcione livros literários com obras</p><p>que abordaram a questão das relações étnico-raciais. Reafirmamos, portanto, que o objeto deste</p><p>estudo são as práticas pedagógicas sobre as questões raciais no currículo escolar.</p><p>Compreendemos que a literatura infantojuvenil não deve ser utilizada de forma</p><p>indiscriminada, mas de forma conjunta com os objetivos do docente. No contexto de uso e</p><p>apropriação para discutir a valorização racial identitária da população negra, essa estratégia de</p><p>ensino ainda é pouco utilizada devido aos reflexos do eurocentrismo (Kovalski; Lopedote,</p><p>2014). Desse modo, para que essa prática pedagógica se efetive entre os educadores, é</p><p>necessário ampliar os estudos, bem como pesquisar e implementar meios mais adequados para</p><p>alcançar a finalidade proposta. Nesse sentido, o uso da literatura em consonância com a temática</p><p>da História e cultura afro-brasileira deve ser empregado com propósitos pedagogicamente</p><p>estabelecidos pelo professor, que deve conhecer a obra e o gênero literário para fazer as</p><p>intervenções adequadas.</p><p>Com base em Veiga-Neto (2002), entendemos o currículo como reflexo da sociedade</p><p>que o produziu, considerando a relação entre o espaço e o currículo; ao mesmo tempo,</p><p>compactuamos com o propósito de mudança dos rumos de algumas políticas das diferenças da</p><p>atualidade. Neste entendimento, também dialogamos com a ideia de currículo proposta por</p><p>Williams (19843), que o vê como uma organização com várias alternativas de escolhas voltadas</p><p>para prática educativa, com seleções culturais ricas, que, quando introduzidas no ambiente</p><p>escolar de forma respeitosa, tendo em vista o cenário multicultural em que vivemos, tornam-se</p><p>significantes para os envolvidos, uma vez que o currículo interfere diretamente na formação</p><p>identitária do sujeito. Ainda sobre o currículo, Silva (1996, p. 23) afirma que:</p><p>O currículo é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder,</p><p>representação e domínio, discurso e regulação. É também no currículo que se</p><p>condensam relações de poder que são cruciais para o processo de formação de</p><p>subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais estão</p><p>mutuamente implicados. O currículo corporifica relações sociais.</p><p>Desse modo, mudanças socioeconômicas e culturais afetam diretamente o currículo</p><p>escolar e a forma como ele é mobilizado na prática; então, podemos compreender “se” ou como</p><p>o currículo está agregando a multiculturalidade do cenário atual brasileiro, “se” a cultura está</p><p>sendo valorizada em suas múltiplas facetas ou se o aluno ainda está sendo escolarizado em um</p><p>3 Essa referência é exemplo de alguns clássicos que compõem nosso arcabouço teórico. Nesta dissertação,</p><p>dialogamos com autores clássicos e contemporâneos da educação, considerando que juntos problematizamos a</p><p>temática de maneira mais significativa e podemos também dimensionar a trajetória histórica em torno dessas</p><p>discussões.</p><p>15</p><p>único padrão de verdade, voltado para a herança colonial e as ideias do eurocentrismo, o que</p><p>remete ao enaltecimento dos heróis brancos impregnado no currículo brasileiro (Silva, 2017).</p><p>Da mesma forma, preocupamo-nos em saber como o currículo estava lidando com a</p><p>história de vida dos corumbiarenses no ambiente escolar, se a educação estava sendo ofertada</p><p>de forma integral e se os acontecimentos de 1995 refletiram de alguma maneira na educação</p><p>escolar de hoje.</p><p>Muito se tem falado sobre a questão racial no currículo e, portanto, a forma pela qual o</p><p>tema tem sido abordado é questionada por estudiosos decolonialistas, que prezam pela</p><p>descolonização do conhecimento, uma vez que as práticas do colonialismo ainda existem entre</p><p>nós. Quijano (2005) conceitua “colonialidade” na sua origem:</p><p>A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão</p><p>mundial de poder capitalista. Se funda na imposição de uma classificação</p><p>racial/étnica da população do mundo como pedra angular do dito padrão de</p><p>poder e opera em cada um dos planos, âmbitos e dimensões materiais e</p><p>subjetivas, da existência social cotidiana e da escala social. Origina-se e</p><p>mundializa-se a partir da América (Quijano, 2005, p. 342).</p><p>De acordo com Quijano (2022), a colonialidade do poder é um dos elementos que</p><p>caracterizam o poder relativo ao termo ‘raça’ (ou racista) em todo o planeta, originado junto à</p><p>América, à Europa e ao capitalismo; segundo o autor, ‘raça’ é a mais profunda e duradoura</p><p>expressão de domínio colonial imposta ao planeta na expansão do colonialismo europeu e,</p><p>perpetuando-se nos países que foram colonizados, demonstrando as heranças dessa dominação.</p><p>Na escolarização, recebemos modelos de matrizes econômicas que vêm de fora, o</p><p>discurso cultural (que também vem do homem branco europeu), junto à hierarquização, que</p><p>causa segregação e discriminação; essas são relações coloniais vivenciadas na</p><p>contemporaneidade.</p><p>Como professora recém-contratada pelo município, andando pela cidade, relacionando-</p><p>nos com a população corumbiarense, formada por pessoas muito acolhedoras, observamos que,</p><p>entre grupos de colegas, é tido como “normal” dizeres populares como: “Segunda-feira é dia</p><p>de preto”, “Você fez serviço de preto”, “Tinha que ser preto mesmo”, “Que língua preta, hein!</p><p>Causou-me certa estranheza a naturalização desse tipo de “brincadeira” ... Mas é fato que a</p><p>sociedade adulta e as crianças seguem dessa forma, como se fosse descontração a depreciação</p><p>do Outro.</p><p>Porém, como professora da rede municipal, durante o período presencial em que</p><p>transitávamos da condição de pandemia para endemia, percebemos situações de sofrimento por</p><p>16</p><p>parte de estudantes negros, decorrentes de questões relacionadas ao racismo, ao preconceito e</p><p>à discriminação; na ocasião, foi necessário eu encaminhar esses fatos para a orientação escolar</p><p>intervir e estas, por sua vez, encaminhar para a psicóloga da rede. Desde esse momento, a equipe</p><p>gestora entendeu a necessidade de fazer intervenções que proporcionassem, além da inclusão,</p><p>a valorização racial voltada para história e cultura afro-brasileira.</p><p>Conhecedora dessas questões cotidianas, ciente de que os acontecimentos e a história</p><p>de vida dessa população não podem ser negligenciados ou esquecidos, diante da sugestão da</p><p>orientadora desta pesquisa e a recorrência dessas relações coloniais dentro do ambiente escolar,</p><p>diferença e a igualdade</p><p>devem ser mantidas. Cabe-nos prezar o respeito às diferenças e buscar por igualdade de acesso</p><p>e de oportunidades.</p><p>O participante 4 também considera a ação interventiva importante, consegue ver a</p><p>desvantagem dos negros na sociedade em relação ao branco, a necessidade de desconstruir esses</p><p>pensamentos pejorativos e, consequentemente, o racismo da sociedade.</p><p>Ressaltamos que nossa intervenção não teve a finalidade de resolver os problemas, mas</p><p>de colocar em evidência a existência desses problemas e quiçá contribuir para a formação de</p><p>uma sociedade menos injusta. Como bem diz Veiga-Neto (2003, p. 7),</p><p>Mesmo que neste texto o meu objetivo não seja apontar soluções, é preciso</p><p>reconhecer que sabendo – mesmo que minimamente – como chegamos a um</p><p>determinado estado de coisas, fica muito mais fácil desconstruir aquilo que</p><p>nos desagrada nesse estado de coisas. A desnaturalização dos fenômenos</p><p>sociais – ou seja, tomá-los não como algo desde sempre dado, mas como algo</p><p>historicamente construído – é um primeiro e necessário passo para intervir</p><p>nesses fenômenos.</p><p>Portanto, a caminhada continua!</p><p>134</p><p>Como resultado deste trabalho, elaboramos um Produto Educacional. Trata-se de um</p><p>livro de literatura infantojuvenil sobre valorização da História e cultura afro-brasileira, ilustrado</p><p>e escrito, com base em alguns relatos das crianças participantes da pesquisa, assim como foi</p><p>realizado o teatro de fantoches.</p><p>O Produto Educacional tem por objetivo auxiliar professores para atender a uma</p><p>necessidade da sociedade brasileira, no sentido de promover uma educação antirracista, a</p><p>começar das crianças, adolescentes e jovens, como apontam muitos estudiosos que tratam sobre</p><p>a temática de valorização racial no currículo.</p><p>135</p><p>12 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES, NÃO AS FINAIS</p><p>Esta pesquisa teve por objetivo problematizar práticas pedagógicas sobre a questão</p><p>racial no currículo escolar, por meio da literatura infantojuvenil, na Escola Mundo Mágico</p><p>(Corumbiara-RO), com foco na valorização das diferenças. Vale salientar que, em 2023, ano</p><p>em que desenvolvemos este trabalho, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra foi</p><p>declarado feriado nacional, por meio da Lei nº 14.759/23,27 decretada e sancionada pelo</p><p>Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um momento em que assuntos e debates sobre a questão</p><p>racial ganharam destaque nas mídias nacionais, sendo um marco importante para a população</p><p>negra e seus descendentes.</p><p>Na escola e para a escola, discutimos a naturalização de práticas colonialistas e</p><p>trouxemos relatos sobre como o currículo está intervindo no cotidiano dos alunos quanto a</p><p>problemática. Ouvimos professores e estudantes, buscando entender as formas de intervenção</p><p>e o que as crianças veem no currículo escolar diariamente.</p><p>Durante a conversa com as professoras e a equipe gestora, percebemos que trabalham</p><p>conforme o livro didático questões relacionadas à contribuição cultural dos povos africanos,</p><p>como a arte e a culinária. Em suas aulas, falam que é preciso ter respeito com todos,</p><p>independentemente da cor, finanças e religião, pois todos somos iguais, porém sem adentrar na</p><p>problemática que a população negra ainda vive. Tais práticas pedagógicas não relacionam a</p><p>discussão da temática racial à violência e à falta de oportunidades decorrentes do período da</p><p>escravização e a forma que os negros foram “libertados” na época, sem nenhum incentivo para</p><p>uma sobrevivência digna.</p><p>As professoras relataram sua preocupação com a reação dos pais dos estudantes ao</p><p>abordarem essa temática e que não adentram muito no assunto; têm receio com a forma de</p><p>trabalhar esse conteúdo, pois não se sentem preparadas, além de considerar que falar do racismo</p><p>pode vir a ser um agravante: se a pessoa negra reclamar do crime racial sofrido, estará</p><p>potencializando o racismo contra si mesma. Além do mais, consideram que a sociedade é cruel</p><p>e que todos sofrem preconceito na vida, por um motivo ou outro. Tendo os professores tais</p><p>convicções, questionamos: como essas práticas seriam pedagogicamente transformadoras para</p><p>a população negra?</p><p>27 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14759.htm</p><p>https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14759.htm</p><p>136</p><p>Os estudantes participantes, por sua vez, a seu modo, relataram como percebem a pessoa</p><p>negra no currículo escolar por meio das literaturas, livros didáticos e nas aulas, conforme as</p><p>conversas foram seguindo. Encontramos crianças que vivenciaram, outras que presenciaram e</p><p>outras que desconhecem o que é o racismo. Algumas crianças nunca haviam lido obras literárias</p><p>que tivessem ilustrações de pessoas pretas e protagonistas. Todas recordavam do Saci, pois a</p><p>pesquisa aconteceu logo depois do dia do folclore. No entanto, todos lembravam de</p><p>personagens brancos e, quando lembravam de um personagem negro, não lembravam o nome,</p><p>por mais que se esforçassem e buscassem na memória.</p><p>Ao olhar a coletânea de livros selecionados para a turma, encontramos livros com</p><p>pessoas pretas, porém relatando contexto indianos, de fora do Brasil, sem fazer menção à</p><p>negritude. Eram apenas estampas de um livro.</p><p>Sobre como veem o negro no livro didático e nos livros estudados, as crianças relataram</p><p>que devemos respeitar as pessoas, pois todos somos iguais. Apenas um garoto mencionou o</p><p>ensinamento da professora sobre as imigrações e a formação do povo brasileiro. Todos os</p><p>participantes disseram que havia pouco conhecimento sobre a literatura infantojuvenil pautada</p><p>na valorização do povo negro. Alguns usaram o termo “cor de pele”, discurso que continua</p><p>priorizando a cor branca como padrão; durante nossa estada na escola, presenciamos usando e</p><p>autocorrigindo o verbalizado.</p><p>A equipe gestora e professora da sala de aula regular contribuíram com nossas</p><p>intervenções, o que nos possibilitou realizar o trabalho diretamente com as crianças, com</p><p>inserção das literaturas que abordam questões acerca da História e cultura afro-brasileira,</p><p>problematizando a expressão “cor de pele”, entre outros assuntos, como o cabelo e a</p><p>discriminação. Ao perceber a eficácia das intervenções e relatos dos estudantes e docentes, a</p><p>direção expandiu o projeto e realizou a 1ª Feira Literária em Valorização à Cultura Africana e</p><p>Afro-brasileira, expondo os livros no pátio da escola. Desse modo, a comunidade escolar se</p><p>deleitou com muito aprendizado.</p><p>Após trabalhar com a feira, explanação e leituras dessas obras, as crianças participantes</p><p>da pesquisa chegaram à conclusão de que os livros que leram anteriormente apresentavam</p><p>somente fotos e ilustrações das pessoas pretas e marrons, mas que só estavam lá, que não havia</p><p>relatos das coisas que elas passam na vida. Desse modo, constatamos que a ludicidade e a crítica</p><p>construtiva presentes na literatura infantojuvenil contribuem com a aprendizagem da questão</p><p>racial para o currículo escolar, de uma forma leve e prazerosa; o professor não precisa ficar com</p><p>137</p><p>receio da abordagem, pois a criança, nessa faixa etária, consegue interpretar, se contar com uma</p><p>mediação coerente, consciente e livre de preconceitos.</p><p>Em relação a como os acontecimentos de 1995 refletem na história de vida de</p><p>Corumbiara, ficou nítido que esse fato ainda marca Corumbiara. Na cidade, foi levantado um</p><p>memorial em prol das vítimas do massacre. Professores relataram que precisam de uma</p><p>formação mais específica para tratar desse conflito agrário com as crianças, já que é um fato</p><p>histórico e considerado delicado, por tamanha violência.</p><p>Durante o período da pesquisa, visitamos outras escolas do município, em que o público</p><p>é maior e, por isso, é abordado sobre a “Chacina de Corumbiara”, como foi mundialmente</p><p>conhecido esse conflito; porém, de modo geral, os professores concordam que esse assunto</p><p>abala o emocional, pois alguns</p><p>professores e estudantes são parentes e amigos das vítimas, além</p><p>de muitas crianças e adolescentes morarem em assentamentos da região.</p><p>Diante dos achados nesses caminhos, não criticamos nem julgamos se transcorreu certo</p><p>ou errado, ainda mais porque podemos errar no intuito de acertar. Pretendemos que esses</p><p>resultados chamem a atenção dos detentores do poder, para que formulem ou reformulem</p><p>políticas públicas no sentido de ajudar os docentes no caminho do fazer.</p><p>Durante esse ano, algumas leis foram sancionadas no nosso país em prol das crianças,</p><p>adolescentes e população em geral, o que é um avanço significativo; entretanto, é necessário</p><p>que haja fiscalização (para verificar se essas leis elas serão cumpridas), bem como formação</p><p>adequada, para que elas sejam cumpridas com êxito em todos os espaços educacionais e fora</p><p>deles. Vale lembrar que a Lei 10.639 já tem 20 anos e as pessoas ainda encontram dúvidas de</p><p>como efetivá-la.</p><p>Por fim, reiteramos que, enquanto pesquisadora, estivemos na escola participando e</p><p>dando contribuições, problematizando e debatendo sobre as questões raciais no currículo</p><p>escolar e, por algumas vezes, usamos o nosso lugar de fala quando nos oportunizaram. Não nos</p><p>couberam tomadas de decisões, o que é destinado a quem ocupa os lugares de poder.</p><p>138</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione,</p><p>1994.</p><p>ALBARADO, Edilson da Costa; VASCONCELOS, Maria Eliane de Oliveira. Por um</p><p>currículo escolar do campo, das águas e das florestas conectado com o povo do campo</p><p>em Parintins-AM. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2019.</p><p>ALMEIDA, Dalva Martins de. A menina negra diante do espelho. Dissertação (Mestrado</p><p>em Educação) – Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Brasília, 2015. Disponível</p><p>em:https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/18852/1/2015_Dalva%20Martins%20de%20Al</p><p>meida.pdf. Acesso em: 15.04.2022.</p><p>ALMEIDA, Marco Antonio Bettine de; SANCHES, Lívia Pizauro. 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Nessa perspectiva, o estudo por nós desenvolvido é de</p><p>natureza interventiva, com ações na/para a escola, norteado pelas seguintes questões:</p><p>• Como os estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal de Ensino</p><p>Fundamental Mundo Mágico (Corumbiara-RO) compreendem a história e cultura afro-</p><p>brasileira e a questão das diferenças étnico-raciais?</p><p>• Quais conhecimentos os estudantes têm sobre a literatura infantojuvenil, pautados na</p><p>valorização da identidade da população negra?</p><p>• Como a ludicidade e a crítica construtiva presentes na literatura infantojuvenil</p><p>contribuem com a aprendizagem da questão racial para o currículo escolar?</p><p>• Como os acontecimentos de 1995 ainda de fazem presentes na história de vida, na forma</p><p>de vida social e na educação escolar de Corumbiara-RO?</p><p>A Escola Municipal de Ensino Fundamental Mundo Mágico foi escolhida para nosso</p><p>estudo por ser localizada na área urbana, o que favorece o acesso para a realização da pesquisa-</p><p>intervenção4, por atender também alunos da área rural; além disso, já conhecíamos o anseio dos</p><p>gestores por intervenções sobre essa temática na escola.</p><p>Participaram da pesquisa alunos do 5º ano, com idade de 10 e 11 anos, por estarem numa</p><p>faixa etária que perpassa por autorreconhecimento e saberem se expressar diante das</p><p>4 Esse tipo de pesquisa é uma exigência do Programa, conforme seu Regimento Interno, art. 2º, inciso IV: “Produzir</p><p>conhecimentos no âmbito da educação escolar de modo a contribuir com a pesquisa e a intervenção na formação</p><p>docente amazônica, em perspectiva dialógica, articulando teoria e prática com o desenvolvimento profissional”</p><p>(Regimento Interno do PPGEEProf, 2022, p. 1); e ainda, “intervenções pedagógicas que vislumbrem a melhoria</p><p>das elaborações curriculares; de forma propositiva e afirmativa nas práticas, experiências e conhecimentos a partir</p><p>de perspectivas autobiográficas e pós-coloniais, dos desafios e contradições sociais evidenciados no currículo”</p><p>(Regimento Interno do PPGEEProf, 2022, p. 8-9).</p><p>17</p><p>instigações, problematizações e curiosidades, tanto por meio da oralidade, como da escrita ou</p><p>de desenhos; além dos estudantes, participaram os professores/as e equipe gestora, por serem</p><p>diretamente ligados à efetivação do currículo e incumbidos de fazê-lo acontecer com equidade.</p><p>Quando falamos em equidade no currículo, reportamo-nos ao direito de acesso e</p><p>permanência na escola, propagação da cultura e reconhecimento identitário, dentro da</p><p>valorização da diferença de cada etnia. A igualdade racial que propomos está pautada na</p><p>valorização da diferença étnico-racial dos cidadãos brasileiros, cada qual com suas</p><p>características; porém, é importante que todas elas tenham espaço no currículo e,</p><p>consequentemente, na sociedade, com igualdade de oportunidades, com o direito de expressar</p><p>suas crenças e costumes, culinária e saberes. Independentemente da cor da pele, todos tem o</p><p>seu valor na formação da identidade e na composição da cultura brasileira, que deve ser</p><p>respeitada e contemplada em todos os espaços. Para tal, é necessário desfazer os pensamentos</p><p>coloniais que foram enraizados e naturalizados nos países colonizados.</p><p>A colonialidade se enraizou após o colonialismo e ainda permanece; essa situação exige</p><p>de nós uma intervenção teórica e prática, conforme tem sido os anseios de vários grupos que</p><p>vivem às margens da sociedade, oprimidos pela colonialidade do saber, inclusive a população</p><p>negra, descendente dos escravizados do Brasil. Em diálogo com Almeida (2018), pontuamos</p><p>que o racismo transcorre da estrutura social, o que exige uma luta constante contra o chamado</p><p>racismo estrutural - uma vez que ele excede o individual e o institucional e abrange o racismo</p><p>epistemológico - denunciando um modo de pensar dominante do homem branco europeu, que</p><p>está enraizado em nossa sociedade. Assim, propomos um olhar para o currículo em prol de uma</p><p>educação antirracista, que valorize as diferenças (Almeida; Sanches, 2017).</p><p>Preocupamo-nos com o cotidiano das crianças afro-brasileiras no espaço escolar e como</p><p>o currículo tem contemplado seus valores, uma vez que a sociedade e até mesmo o meio</p><p>acadêmico negam a existência do racismo. Kilomba (2019, p. 34) afirma que:</p><p>No racismo, a negação é utilizada para manter e legitimar estruturas violentas</p><p>de exclusão racial: [..] O negro torna-se então aquilo a que o sujeito branco</p><p>não quer ser relacionado, e enquanto o negro se transforma em inimigo</p><p>intrusivo, o branco torna-se a vítima compassiva, ou seja, o opressor torna-se</p><p>oprimido e o oprimido, o tirano.</p><p>Precisamos continuar desmistificando esses acontecimentos no âmbito escolar com as</p><p>novas gerações, transmitindo conhecimentos condizentes com suas necessidades e dando-lhes</p><p>lugar de fala, despindo-nos de estigmas pejorativos em torno de sua classe, cor, linguagem e</p><p>cultura. Devemos nos libertar das amarras do dizer característico da época da escravização</p><p>18</p><p>demonstrado na imagem da “escravizada” Anastácia, que foi amordaçada para não falar</p><p>(Kilomba, 2019).</p><p>Nesse viés, nossa pesquisa propôs traçar práticas pedagógicas que dialogassem com essa</p><p>realidade social, dando ênfase à decolonialidade, de forma lúdica, por meio da literatura</p><p>infantojuvenil, valorizando obras literárias que tratam da identidade da população negra na</p><p>contemporaneidade e da relevância do multiculturalismo brasileiro para o país. Concebemos</p><p>que, mesmo com a sua natureza ficcional, a literatura oferta ao aprendizado uma ampla visão</p><p>de mundo e é propulsora para que a escola se desvincule das práticas tradicionais de ensino</p><p>(Zilberman, 2003).</p><p>O imaginário é naturalmente potencializado com o uso da literatura infantil, uma vez</p><p>que a literatura possibilita à criança percorrer o mundo através da imaginação, em uma estreita</p><p>relação entre a realidade e a fantasia; logo, a criança aprende de forma prazerosa, sem que tenha</p><p>uma característica explícita de aula (Abramovich, 1994).</p><p>A literatura leva o leitor a entender melhor o que se quer dizer das coisas; ademais, “a</p><p>literatura infantil é também ludismo, é fantasia, é questionamento, e dessa forma consegue</p><p>ajudar a encontrar respostas para as inúmeras indagações do mundo infantil, enriquecendo no</p><p>leitor a capacidade de percepção das coisas” (Frantz, 2001, p. 16).</p><p>A literatura infantojuvenil contribui para a discussão de diversas problemáticas sociais,</p><p>com leveza, ludicidade e encantamento. Em nossa pesquisa-intervenção, a literatura</p><p>infantojuvenil foi utilizada como instrumento para a desconstrução do preconceito que recai</p><p>sobre as pessoas pretas, diariamente, em nossa sociedade, a exemplo da linguagem, em que</p><p>‘raça’ é associada a tudo o que não é bom nem desejável.</p><p>Os livros de literatura infantil e infantojuvenil considerados grandes clássicos, em geral,</p><p>induzem a compreensão do belo para tudo que é branco, claro e cheio de luz; como exemplo,</p><p>podemos citar: Cachinhos Dourados, de Robert Southey (1837); Cachinhos de Ouro, recontado</p><p>por Ana Maria Machado (2004), o conto de fadas A Branca de Neve, o romance A Bela e a</p><p>Fera, escrito por Gabrielle Suzanne Barbot (1740), entre outros. A literatura infantojuvenil que</p><p>trata da valorização da história e cultura afro-brasileira é mais próxima do nosso tempo e vem</p><p>buscando desmistificar conceitos impregnados e tem mexido com a autoestima das crianças e</p><p>adolescentes, que se sentem representados nessas leituras e reconhecem nos textos escritos e</p><p>ilustrados a sua própria identidade.</p><p>Esse novo viés da literatura infantojuvenil, como estratégia de ensino, nos possibilita a</p><p>abordagem de práticas pedagógicas agregadas às necessidades do currículo, abordando</p><p>19</p><p>questões étnico-raciais,</p><p>a exemplo dos livro O Pequeno Príncipe Preto, de Rodrigo França</p><p>(2020), A bailarina que pintava suas sapatilhas, de Ingrid Silva (2023), Meu crespo é de rainha,</p><p>de Bell Hooks (2018), As tranças de Bintou, da escritora franco-senegalesa Sylviane Anna</p><p>Diouf (2004), Minha mãe é negra sim, de Patrícia Santana (2008).</p><p>Essas obras mostram pequenas tramas que discutem ludicamente a questão racial,</p><p>levando a criança e os adolescentes a entender sua história e a necessidade de posicionamento</p><p>e empoderamento das pessoas pretas. Dessa forma, se lidas e propagadas no âmbito escolar e</p><p>na sociedade, obras como essas tendem a voltar o olhar dos envolvidos para a valorização do</p><p>Outro, ou seja, a valorização da diferença.</p><p>A escola é o local onde os alunos devem aprender não só os componentes curriculares,</p><p>mas ampliar sua visão de mundo, aprendendo quais são seus direitos, a consciência de seus</p><p>deveres como agentes capazes de contribuir na mudança por uma sociedade melhor. Nesse</p><p>sentido, é papel da escola oferecer uma educação transformadora, para que os alunos sejam</p><p>“sujeitos de sua própria educação” (Freire; Nogueira,1999, p. 28). Nesse mesmo sentido, Veiga-</p><p>Neto (2013, p. 23) diz:</p><p>[...] o papel da escola na construção de um mundo que declarou almejar a</p><p>ordem e a vida civilizada. Um mundo que foi projetado para se afastar daquele</p><p>estado que muitos chamam de natural, ou bárbaro, ou selvagem, ou primitivo.</p><p>Quero salientar o papel da escola como a grande instituição envolvida na</p><p>civilidade, ou seja, envolvida na transformação dos homens: de selvagens em</p><p>civilizados. A escola como o lugar capaz de arrancar cada um de nós – e,</p><p>assim, arrancar a sociedade de que fazemos parte - da menoridade e nos lançar</p><p>num estágio de vida mais evoluído, criando uma sociedade formada por</p><p>cidadãos que, por estarem na "mesma cidade", estão num ambiente comum e,</p><p>por isso, têm de aprender a viver minimamente se tolerando, em cooperação</p><p>mútua e sem se barbarizarem. Esse talvez seja o sentido mais radical da escola</p><p>moderna.</p><p>Desse modo, discutir assuntos de relevância social, como a valorização racial do Outro,</p><p>proporciona que o aluno não simplesmente o tolere, mas o valorize, por meio da socialização</p><p>desse conhecimento; ponderamos, ainda, que, a partir das exposições dos alunos em suas</p><p>narrativas e representações artísticas, nossa pesquisa-intervenção buscou favorecer a tomada de</p><p>decisão dos professores e o direcionamento para a articulação de um currículo mais</p><p>significativo e abrangente.</p><p>Consideramos que esta pesquisa foi relevante, pois instigou na escola ações e práticas</p><p>pedagógicas que visam enaltecer a cultura da população negra e sua contribuição para a</p><p>identidade brasileira, do mesmo modo que os resultados revelaram a importância de aprimorar</p><p>20</p><p>práticas pedagógicas, para que as ações praticadas no âmbito escolar não venham a integrar o</p><p>currículo de forma equivocada, a ponto de reforçar estereótipos.</p><p>Nesta proposta, juntamente com as ações da escola, a pesquisa repercutiu no</p><p>entendimento dos alunos, atuando no combate do racismo estrutural e na desnaturalização do</p><p>racismo, que, muitas vezes, vem com o título de “brincadeira”, bem como agregou valores como</p><p>respeito, compreensão, amizade e justiça.</p><p>No Referencial Curricular de Rondônia (RCRO), encontramos “o estado como</p><p>mediador de conflitos entre as classes e o exercício da cidadania na prática de deveres e garantia</p><p>de direitos da coletividade, buscando o respeito à diversidade” (Rondônia, 2020, p. 512). Assim,</p><p>a pesquisa interventiva com a inserção das literaturas atendeu a uma necessidade social,</p><p>amparada pelo currículo, com respaldo legal na Lei 10.639/03.</p><p>Nesse sentido, além das ações relacionadas à nossa pesquisa do mestrado, outras ações</p><p>e práticas pedagógicas desenvolvidas e almejadas pela escola deram margem a múltiplas</p><p>interpretações, com aceitação de algumas pessoas da comunidade escolar e desprezo de outras,</p><p>devido à falta de entendimento sobre a importância dessas ações; houve rejeição até mesmo por</p><p>parte de alguns estudantes e familiares, por serem atingidos e direcionados pelo senso comum.</p><p>Porém, contamos com uma equipe que abraçou a causa, foi parceira, fez acontecer com muito</p><p>empenho e dedicação. Então, foi possível perceber que, também dentro do espaço escolar, há</p><p>grupos que resistem ora para ser notados ora para continuar sendo privilegiados. Sendo assim,</p><p>foi importante ouvir os estudantes, para que eles demonstrassem como esse aprendizado</p><p>almejado pelo RCRO está chegando até eles.</p><p>Sobre o uso da literatura infantojuvenil como estratégia de ensino, ressaltamos que os</p><p>livros literários ficaram por bastante tempo sem a presença de personagens que representassem</p><p>as crianças e jovens negros em seu enredo, devido a interferência eurocêntrica, resultando na</p><p>ausência de referência identitária para a população negra. Desse modo, a prática interventiva</p><p>também caminhou para a equidade racial, por meio da identificação étnico-racial das pessoas</p><p>pretas representadas nos livros de literatura infantojuvenil (Silva, 2004).</p><p>O objetivo geral da pesquisa consistiu em problematizar práticas pedagógicas sobre a</p><p>questão racial no currículo escolar, por meio da literatura infantojuvenil, na Escola Mundo</p><p>Mágico (Corumbiara-RO), com foco na valorização das diferenças.</p><p>Os objetivos específicos se concretizaram a partir das seguintes ações:</p><p>21</p><p>a) dialogar com alunos do 5º ano dos anos iniciais do Ensino Fundamental; momentos</p><p>em que falaram sobre como identificam a questão da valorização racial da população negra no</p><p>currículo escolar;</p><p>b) levantar o estado da arte da pesquisa sobre literatura infantojuvenil e práticas</p><p>pedagógicas de valorização da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar;</p><p>c) problematizar com os professores/as, diretora, supervisora, coordenadores/as</p><p>pedagógicos/as e orientação escolar, as práticas pedagógicas educativas utilizando a literatura</p><p>infantojuvenil, pautadas na valorização da identidade da população negra;</p><p>d) discutir com os alunos a construção de uma peça teatral de fantoches, utilizando as</p><p>experiências deles sobre o tema;</p><p>e) problematizar acerca dos acontecimentos de 1995 e como esse fato histórico reflete</p><p>na história de vida e na educação de Corumbiara-RO;</p><p>f) construir um Produto Educacional (PE) com base na literatura infantojuvenil,</p><p>contribuindo com o pensamento decolonial na esfera educacional, voltado para a valorização</p><p>racial das crianças e dos adolescentes negros.</p><p>O referencial teórico-metodológico trata sobre “como fazer?”, atendendo à concepção</p><p>ética e política humanizadora proposta pela decolonialidade que a pesquisa demanda (Meyer;</p><p>Paraíso, 2012).</p><p>22</p><p>2 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS UTILIZANDO A LITERATURA INFANTOJUVENIL</p><p>Entendemos práticas como um conjunto de ações e intenções que envolvem corpos</p><p>humanos e vislumbramos a literatura como uma prática terapêutica e autoteraupêutica a favor</p><p>da valorização identitária, por meio das linguagens que as obras literárias de literatura</p><p>infantojuvenil apresentam em suas cenas e jogos de cenas no ato da leitura. Farias e Ernesto</p><p>(2023, p. 28) assim nos esclarecem:</p><p>Compreendemos práticas socioculturais situadas como um conjunto regrado</p><p>de ações e intenções que envolvem corpos humanos ao produzirem saberes,</p><p>propósitos, desejos, crenças, valores, afetos e relações de poder nas dimensões</p><p>práticas da vida/formas de vida, produzindo também um conjunto de práticas</p><p>culturais tangíveis e intangíveis entre os indivíduos que “estão no mundo “e</p><p>“encenam esses jogos” (MIGUEL, 2015). Neste artigo, problematizamos</p><p>práticas socioculturais situadas a partir da dimensão escolar, considerando-se</p><p>o conhecimento histórico escolar nas dimensões práticas da vida.</p><p>Nesse sentido, toda ação educacional demanda uma prática pedagógica cuidadosa</p><p>e</p><p>acolhedora; nesta pesquisa, propusemos dar lugar de fala aos sujeitos, compreendendo seus</p><p>jogos de linguagem. Segundo Miguel (2016, p. 3),</p><p>[...] Wittgenstein sugere que práticas, para se tornarem significativas, não</p><p>podem ser desligadas das ações corporais situadas dos seus próprios</p><p>praticantes. De fato, para ele, “Palavras são também ações”</p><p>(WITTGENSTEIN, IF-§546). E, num aforismo que nos remete a rastros de</p><p>significado do Fausto, de Goethe, não só esclarece os laços de continuidade e</p><p>não dissociabilidade entre jogos de linguagem e ações corporais [...].</p><p>O uso da literatura para crianças e jovens, como instrumento pedagógico, perpassa</p><p>gerações; portanto, ainda há necessidade de aprimorar o método, para que o aluno entenda que</p><p>a leitura pode ser interessante, prazerosa, relevante e que dialogue com a forma de vida do leitor</p><p>mesmo por meio da fantasia.</p><p>Historicamente, a literatura para crianças era direcionada para o ensinamento religioso,</p><p>necessidades domésticas e de cunho moral, já que algumas sociedades via a criança como uma</p><p>miniatura que exercia as mesmas funções que um adulto (Kuhlmann, 1998). De acordo com</p><p>Kramer (2006, p. 14), “a noção de infância surgiu com a sociedade capitalista, urbano-</p><p>industrial, na medida em que mudavam a inserção e o papel social da criança na comunidade”.</p><p>23</p><p>Monteiro Lobato5 foi o pioneiro da literatura infantil no Brasil, direcionando suas</p><p>histórias para a linguagem e cultura brasileira. Segundo Cademartori (1986, p. 51),</p><p>Monteiro Lobato cria, entre nós, uma estética da literatura infantil, sua obra</p><p>constituindo-se no grande padrão do texto literário destinado à criança. Sua</p><p>obra estimula o leitor a ver a realidade através de conceitos próprios.</p><p>Apresenta uma interpretação da realidade nacional nos seus aspectos social,</p><p>político, econômico, cultural, mas deixa, sempre, espaço para a interlocução</p><p>com o destinatário. A discordância é prevista.</p><p>Atualmente, a literatura propõe formar leitores, ajudar a desenvolver o pensamento</p><p>crítico, entre outras finalidades políticas e pedagógicas. Nesse sentido, com o projeto A questão</p><p>racial no currículo escolar e a literatura infantojuvenil: problematizações e práticas</p><p>pedagógicas, convidamos os alunos a dialogar sobre a valorização da história e cultura afro-</p><p>brasileira, uma temática recorrente na sociedade, por meio de obras literárias desenvolvidas por</p><p>autores brasileiros com essa mesma finalidade, atendendo à proposta da decolonialidade.</p><p>Regina Zilberman (1985) defende que Lobato foi o precursor da inovação e de alguns</p><p>avanços que temos hoje, quando introduziu na literatura outros contextos diferentes do branco,</p><p>a exemplo do negro, do indígena e classes sociais menos favorecidas; portanto, continuamos</p><p>vendo a necessidade de implementação, considerando os avanços desse tempo e as necessidades</p><p>atuais. Compreendemos que o espaço no currículo e nas obras literárias deve ser ampliado, uma</p><p>vez que ainda “privilegiam uns em lugar de outros, naturalizando a diferença e ocultando as</p><p>desigualdades que se estruturam e se mantêm em seu interior” (Walsh, 2009, p. 11).</p><p>A literatura favorece o entendimento da criança sobre assuntos diversos e amplia sua</p><p>visão de mundo; porém, Zilberman (1982) fala da importância de atender, nessas escritas, o</p><p>interesse da criança e não se limitar apenas ao olhar do adulto:</p><p>[...] de um lado, percebida sob a ótica do adulto, desvela-se sua participação</p><p>no processo de dominação do jovem, assumindo um caráter pedagógico, por</p><p>transmitir normas e envolver-se com sua formação moral. De outro, quando</p><p>se compromete com o interesse da criança, transforma-se num meio de acesso</p><p>ao real, na medida em que lhe facilita a ordenação de experiências existenciais,</p><p>através do conhecimento de histórias, e a expansão de seu domínio linguístico.</p><p>É esta duplicidade que assinala sua limitação, gerando o desprestígio perante</p><p>5 Mesmo sendo o pioneiro da literatura infantil, podemos notar na representação dos seus personagens</p><p>negros o reforço de estereótipos racistas; pois na escrita há traços eurocêntricos que não enaltece o negro;</p><p>como é o caso da personagem, Tia Anastácia, do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Características consideradas</p><p>comuns nas obras literárias daquele tempo, que são inaceitáveis, atualmente.</p><p>24</p><p>o público adulto, já que este não admite o legado doutrinário que lhe transfere</p><p>(Zilberman, 1982, p. 14).</p><p>Sendo assim, cabe-nos adaptar essa pedagogia, para que ela seja recíproca e prazerosa.</p><p>A escola de hoje em dia tenta incentivar o gosto pela leitura, escolhendo o livro que o aluno</p><p>deve ler, estipulando prazos, sem se preocupar se aquela obra agregaria algo a mais do que a</p><p>decodificação, ou seja limitando e segregando, atitude que “acaba moldando e imobilizando o</p><p>gosto do leitor, tendendo a torná-lo consumidor da trivialidade literária, cultural, histórica e</p><p>política, que enche os bolsos de alguns, mas esvazia os direitos de muitos a construir e participar</p><p>da cultura e do conhecimento” (Magnani, 2001, p. 42). Quando o estudante tem um encontro</p><p>prazeroso com a obra literária, se identifica com o discurso e personagens, consequentemente,</p><p>desperta para a construção artística e cultural do conhecimento, por meio de suas experiências.</p><p>É de nosso conhecimento que os municípios de Rondônia seguem como base norteadora</p><p>do processo de ensino anual o RCRO, um documento norteador que foi adaptado para as</p><p>necessidades e realidade do nosso estado, formulado a partir da Base Nacional Comum</p><p>Curricular (BNCC) (Brasil, 2017). No RCRO, a questão étnica no currículo do Ensino</p><p>Fundamental é apresentada com as seguintes considerações, ditas como diversidade cultural:</p><p>Este assunto sugere um entendimento que procura especificar a diferença</p><p>étnica e cultural que compõe a sociedade brasileira, abarcar suas relações -</p><p>marcadas por desigualdades socioeconômicas - e assinalar modificações</p><p>cabíveis. Ponderar a diversidade não implica negar a existência de qualidades</p><p>afins, nem a possibilidade de compormos uma nação, ou mesmo a existência</p><p>de uma dimensão universal do ser humano. Diversidade Cultural é uma</p><p>declaração da diversidade como ponto básico na edificação de uma identidade</p><p>nacional que se põe e repõe constantemente, e o fato de que o altruísmo de</p><p>todos se mostra em formas concretas e distintas do indivíduo. A Diversidade</p><p>Cultural apresenta tendências culturais que convivem com a população</p><p>oferecendo informações, opções e desenvolvendo novas mentalidades</p><p>(Rondônia, 2020, p. 98).</p><p>Necessitamos do despertar de novas práticas, para desconstruir as atitudes</p><p>preconceituosas e construir uma sociedade menos injusta. Porém, para almejar uma sociedade</p><p>justa e altruísta, a fim de obter as transformações necessárias, temos que olhar, primeiramente,</p><p>para os que estão sendo alvo de discriminação e segregação social e lutar por equidade.</p><p>Diante dessas considerações, vale ressaltar que é o RCRO traz indicações das</p><p>habilidades a serem trabalhadas com o 5º ano, referentes à diversidade racial, em alguns</p><p>componentes curriculares. No entanto, a questão ‘diversidade’ pode dar margens a múltiplas</p><p>interpretações; na verdade, em termos de ‘igualdade’, estamos a longos passos de conquistar,</p><p>devido às subjetividades ainda existentes no currículo. Segundo Corazza (2004, p. 64),</p><p>25</p><p>[...] pesquisar as forças subjetivadoras do currículo visa responder a seguinte</p><p>questão: - pelo funcionamento de um determinado currículo, como e por que</p><p>"suas" subjetividades se constituíram de certo modo, através de um número</p><p>determinado de práticas de si, que são jogos de verdade, práticas de poder,</p><p>relações de saber?</p><p>Nesse mesmo sentido, Veiga-Neto (2013) nos leva a requerer um significado novo para</p><p>o currículo, em que a escola cumpra uma nova tarefa e largue de “ser vista como um lugar onde</p><p>se ensinam e se aprendem ideologias, ela, bem mais que isso, passa a</p><p>ser entendida como uma</p><p>instituição encarregada de fabricar novas subjetividades” (Veiga-Neto, 2013, p. 38).</p><p>O currículo precisa “desvelar o caráter histórico e construído dos conhecimentos</p><p>escolares e sua íntima relação com os contextos sociais em que são produzidos. Obriga-nos a</p><p>repensar nossas escolhas, nossos modos de construir o currículo escolar e nossas categorias de</p><p>análise da produção dos nossos/as alunos/as” (Candau, 2013, p. 33).</p><p>Vemos o currículo como um espaço em que podemos ir além do que é imposto pelo</p><p>neoliberalismo: um espaço no qual possamos construir valores e não apenas atribuí-los.</p><p>26</p><p>3 UM PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO PÓS-CRÍTICO DE PESQUISA</p><p>A metodologia por nós adotada nesta pesquisa apresentou uma perspectiva política,</p><p>teórica e humana (Meyer, Paraíso, 2012), tendo em vista que buscamos problematizar ações e</p><p>práticas pedagógicas utilizando a literatura infantojuvenil como estratégia de ensino,</p><p>desenvolvidas com alunos/as do 5º ano da escola participante, atuar no combate do racismo</p><p>estrutural e sua desnaturalização, por meio da valorização racial da população negra, através de</p><p>um currículo que busque promover não só a inclusão, mas também a equidade racial.</p><p>Ao optar pela realização de uma pesquisa pós-crítica, dialogamos com Meyer e Paraíso</p><p>(2012, p. 15):</p><p>[...] a maior parte das correntes teóricas denominadas pós-críticas não se</p><p>referem a um método de pesquisa, no sentido usual do termo. Algumas delas</p><p>- como os estudos culturais, os estudos queer, o pós-feminismo - dizem</p><p>explicitamente que a metodologia deve ser construída no processo de</p><p>investigação e de acordo com as necessidades colocadas pelo objeto de</p><p>pesquisa e pelas perguntas formuladas.</p><p>Os citados autores afirmam que a metodologia “trata-se de caminhos a percorrer, de</p><p>percurso a trilhar, de trajetos a realizar, de formas que sempre tem por base um conteúdo, uma</p><p>perspectiva ou uma teoria (Meyer, Paraíso, 2012, p. 15).</p><p>Vemos a metodologia numa perspectiva racional, participativa e livre; vislumbramos o</p><p>método como "uma certa forma de interrogação e um conjunto de estratégias analíticas de</p><p>descrição" (Larrosa, 1994, p. 37). Desse modo, desenvolvemos um trabalho conjunto com a</p><p>equipe gestora, envolvendo rodas de conversa, registros fotográficos, gravação de conversas,</p><p>produção de texto com linguagem verbal ou não verbal, oficina de leitura e teatro de fantoches,</p><p>registro em caderno de campo e análises das atividades desenvolvidas; também contamos com</p><p>o auxílio dos gestores com os registros das ações da pesquisa durante todo o processo.</p><p>Assim, nesta pesquisa do tipo interventiva, pedagógica e de metodologia pós-crítica em</p><p>educação, questionamos discursos, na intenção de desconstruí-los, alinhando-os às ações por</p><p>nós propostas. Na condução filosófico-metodológica, buscamos suporte nos pressupostos de</p><p>Ludwig Wittgenstein e na abordagem desconstrucionista de Derrida. Nessa esteira, os</p><p>circunstanciados são desconstruídos e a escrita se dá por meio de jogos de cenas, constituídos</p><p>a partir de um ponto de vista teórico-metodológico inspirado nos modos de filosofar de Ludwig</p><p>Wittgenstein e Jacques Derrida, embora esses filósofos partam de tradições filosóficas</p><p>diferentes. Jacques Derrida nos dá o suporte necessário para pensar a escrita como escritura,</p><p>27</p><p>uma tarefa prazerosa, que conta com elementos de apropriação por meio das enxertias nos jogos</p><p>de cenas. Segundo Marim e Farias (2017, p. 173), os jogos de cena se utilizam:</p><p>[...] do entrelaçamento das noções de ‘jogos de linguagem’ de Wittgenstein e</p><p>‘escritura’ de Derrida para possibilitar o entendimento do ato da escrita da</p><p>pesquisa científico-acadêmica como atos narrativos que envolvem a</p><p>encenação corporal das práticas culturais da escrita e da fala, verbais e não</p><p>verbais, isto é, a ação de corpos humanos e não humanos orientados por</p><p>gramáticas diferenciadas e idiossincráticas em uma performance da</p><p>linguagem.</p><p>As pesquisas desenvolvidas com as bases filosófico-teórico-metodológicas derridiana e</p><p>wittgensteiniana tem como norte a participação da Profª. Drª Kátia Farias no Grupo PHALA6</p><p>(UNICAMP) e de seus orientandos no Grupo de Estudo PHALA (UNIR/UNICAMP), que</p><p>problematiza a relação entre linguagem e práticas culturais.</p><p>Meyer e Paraíso (2012, p. 25) explicam que “a desconstrução usada por Jacques Derrida,</p><p>apesar de sua insistência em ressaltar que não é método, também nos oferece modos de</p><p>problematizar os textos e as estratégias para desconstruí-los e analisá-los”. Desse modo, essa</p><p>pesquisa de natureza interventiva, realizada na escola, foi uma ação desenvolvida em conjunto</p><p>(equipe gestora e pedagógica, professores/as titulares da sala de aula regular) a fim de</p><p>problematizar um problema de amplitude coletiva.</p><p>Participaram desta pesquisa 12 alunos/as do 5º ano dos anos iniciais do Ensino</p><p>Fundamental, na faixa etária de 10 e 11 anos, provenientes das áreas urbana e rural, sendo cinco</p><p>moradores/as do perímetro urbano e sete pertencentes à área rural; dos/as cinco que moram na</p><p>cidade, quatro são meninas e um menino, sendo que duas meninas se mudaram no decorrer da</p><p>pesquisa, ficando somente três estudantes residentes da área urbana; dos alunos moradores da</p><p>área rural, participaram quatro meninos e três meninas; ao todo, participaram da pesquisa sete</p><p>meninas e cinco meninos. Tivemos a colaboração dos membros da equipe gestora e pedagógica</p><p>e o apoio dos/as professores/as titulares da sala de aula regular da Escola Municipal de Ensino</p><p>Fundamental Mundo Mágico, localizada no Centro Corumbiara-RO, lócus da intervenção.</p><p>Iniciamos a pesquisa com estudos bibliográficos, leituras e anotações sobre</p><p>problematizações e práticas pedagógicas, traçando uma investigação sobre a questão racial no</p><p>currículo escolar, por meio da literatura infantojuvenil e sua ludicidade, com a finalidade de</p><p>demonstrar uma maior compreensão entre as formas que a temática da história e cultura afro-</p><p>6 Disponível em: https://www.phala.fe.unicamp.br/.</p><p>28</p><p>brasileira dialoga com as práticas educativas no currículo nos anos iniciais do Ensino</p><p>Fundamental. Os temas pesquisados nortearam os eixos das práticas pedagógicas, valorização</p><p>da história e cultura afro-brasileira, currículo e literatura infantojuvenil como estratégia de</p><p>ensino a partir de uma discussão crítica.</p><p>Após concluir todos os procedimentos legais para a aprovação do projeto pelo Conselho</p><p>de Ética em Pesquisa (CEP), chegou o momento de reunir com os/as gestores/as para</p><p>apresentação e detalhamentos sobre como seriam desenvolvidas as ações do projeto, as</p><p>intencionalidades, metodologias e o tema a ser tratado, assim como os benefícios e riscos que</p><p>a pesquisa envolvia. Vale lembrar que a aplicabilidade da estratégia envolvendo a turma</p><p>participante da intervenção transitou entre os componentes curriculares de História, Língua</p><p>Portuguesa e Arte, considerando a bagagem cultural do aluno.</p><p>A construção do corpus da pesquisa de intervenção foi feita a partir da discussão de todo</p><p>o processo, levando em consideração a literatura existente sobre a temática, a legislação, as</p><p>pesquisas legadas sobre o tema, as falas mobilizadas nas rodas de conversas, nas reuniões entre</p><p>professores/as e gestores/as e as práticas pedagógicas realizadas com os/as alunos/as, tanto as</p><p>referentes à intervenção, quanto outras, que o corpo docente propôs realizar durante o percurso</p><p>e que estavam direcionadas para a questão racial, avaliando o modo como eles lidam com a</p><p>temática, do mesmo modo, a avaliação que os envolvidos fizeram sobre a relevância das</p><p>estratégias que fora proposta durante a intervenção.</p><p>O corpus foi analisado de acordo com a filosofia de Ludwig Wittgenstein e sua visão</p><p>terapêutica, a começar pelos jogos de linguagens apresentados pelos sujeitos da pesquisa, o que,</p><p>para os pesquisadores desse segmento,</p><p>“se destitui de significados únicos quando se amplia a</p><p>terapia da questão” (Bezerra, 2016, p. 28).</p><p>Sobre o estilo da escrita acadêmica como jogos de cenas, Marim e Farias (2017, p. 176)</p><p>enfatizam que:</p><p>Especificamente, a mobilização permeia um posicionamento à pesquisa e,</p><p>consequentemente, a um estilo de escrita que vem abrindo espaços para modos</p><p>outros de se proceder à constituição do texto científico-acadêmico: a escrita</p><p>dialógica. Esta, conhecida como ‘jogos de cenas’, ancorada na noção de</p><p>performance da linguagem e sob um arcabouço filosófico pragmático e não</p><p>essencialista, mostra-se como constituição nas (im)possíveis dobras do fazer</p><p>acadêmico e do narrar, sobretudo, no campo da historiografia em Educação.</p><p>Nesse modo de fazer pesquisa acadêmica, buscamos dar autenticidade aos participantes</p><p>da pesquisa e dar transparência ao leitor, na forma como percebem a construção da pesquisa e</p><p>as problematizações sobre a temática. Assim, ziguezagueamos prazerosamente na liberdade que</p><p>29</p><p>nos propõe a metodologia pós-crítica para discussões das problemáticas de relevância social</p><p>(Meyer, Paraíso, 2012).</p><p>30</p><p>4 ALGUNS PASSOS POR VÁRIOS CAMINHOS</p><p>Ao decidir pesquisar sobre a questão racial no currículo escolar por meio da literatura</p><p>infantojuvenil, vimos a necessidade de dialogar com pesquisadores que nos antecedem, por</p><p>entender que pesquisa é movimento. Por mais que seja atual, relevante e se mostre inédita, uma</p><p>temática de pesquisa se abre para outras pesquisas, em virtude dos pontos deixados por estudos</p><p>anteriores. Uma pesquisa acadêmica que investiga um determinado problema não dá conta de</p><p>concluir um assunto, esgotando possibilidades de investigação. Assim, buscamos trabalhos</p><p>realizados anteriormente, que se aproximam de nossa pesquisa pelos aspectos conceituais, pela</p><p>base teórico-metodológica e/ou pelo objeto de estudo, a fim de realizarmos os tensionamentos.</p><p>Nesses caminhos, encontramos companheiros que já trilhavam por essas estradas bem</p><p>antes de nós, com propostas semelhantes, buscando meios para alcançar uma sociedade menos</p><p>injusta, em que a população negra seja valorizada e tenha seu espaço respeitado no currículo</p><p>escolar e na sociedade. Pudemos ouvir essas vozes nas dissertações lidas e estudadas.</p><p>Desse modo, realizamos algumas buscas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e</p><p>Dissertações (BDTD) e Catálogos de Teses e Dissertações da CAPES. Diante do total de</p><p>estudos encontrados, foi necessário filtrar e ampliar a busca, a fim de encontrar as dissertações</p><p>que dialogam com nossa pesquisa.</p><p>Procedemos um levantamento do estado da arte da pesquisa sobre a literatura</p><p>infantojuvenil e práticas pedagógicas de valorização racial no currículo escolar, selecionando</p><p>as dissertações publicadas nos últimos cinco anos7 período de 2018 a 2023, que abordaram os</p><p>seguintes temas: 1) Literatura infantojuvenil antirracista; 2) Práticas pedagógicas de</p><p>valorização da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar; 3) Educação Escolar</p><p>antirracista de valorização da população negra.</p><p>As dissertações localizadas em Programas de Pós-Graduação em Educação, cuja</p><p>temática principal se refere à literatura infantojuvenil antirracista, estão elencadas no Quadro 1,</p><p>a seguir:</p><p>7 Optamos por esse período considerando dois anos antes da pandemia do Covid-19 e dois anos depois que</p><p>terminou.</p><p>31</p><p>Quadro 1 - Dissertações com temática envolvendo literatura infantojuvenil antirracista</p><p>Local/Ano Instituição Título Autor Objetivo geral</p><p>Florianópolis-SC</p><p>2022</p><p>Universidade Geral</p><p>de Santa Catarina</p><p>(Programa de Pós-</p><p>Graduação em</p><p>Educação)</p><p>A literatura afro-</p><p>brasileira para a</p><p>infância: de</p><p>mulheres para</p><p>meninas</p><p>Fernanda</p><p>Costa e Souza</p><p>Analisar livros escritos por</p><p>mulheres negras com</p><p>representação de personagens</p><p>femininas, também negras.</p><p>Campinas-SP</p><p>2020</p><p>Universidade</p><p>Estadual de</p><p>Campinas.</p><p>(Programa de Pós-</p><p>Graduação em</p><p>Educação)</p><p>Literatura infantil-</p><p>afro brasileira e</p><p>africana no ensino</p><p>fundamental: rastro</p><p>de uma pesquisa</p><p>viagem cartografias</p><p>da escolarização.</p><p>Carla</p><p>Fernanda</p><p>Brito Bispo</p><p>Cartografar as práticas de</p><p>escolarização de literatura</p><p>infantil afro-brasileira e</p><p>africana no contexto de uma</p><p>escola pública de ensino</p><p>fundamental de Campinas (SP).</p><p>Assis-SP</p><p>2023</p><p>Universidade</p><p>Estadual Paulista</p><p>“Júlio Mesquita</p><p>Filho. Faculdade</p><p>de Ciências e</p><p>Letras - Campus de</p><p>Assis (Programa</p><p>de Pós-Graduação</p><p>PROFLETRAS)</p><p>Literatura infantil e</p><p>formação do leitor:</p><p>em busca de uma</p><p>subjetividade</p><p>antirracista</p><p>Araceli</p><p>Simão</p><p>Gimenes</p><p>Russo.</p><p>Formação de leitores do ensino</p><p>fundamental I e em especial</p><p>dos anos iniciais, promover</p><p>uma educação antirracista</p><p>através de leitura subjetiva e</p><p>conhecimento de mundo.</p><p>Salvador-BA</p><p>2020</p><p>Universidade</p><p>Federal da Bahia</p><p>(Programa de Pós-</p><p>Graduação em</p><p>Literatura e</p><p>Cultura)</p><p>Princesas, guerreiras</p><p>e revolucionárias:</p><p>repensando padrões</p><p>de gênero e</p><p>discutindo</p><p>identidades por meio</p><p>da literatura</p><p>infantojuvenil</p><p>Aline Cezar</p><p>Carvalho</p><p>Analisar opressões de gênero,</p><p>raça, e de classe a partir da</p><p>teoria feminista, utilizando o</p><p>gênero com ferramenta de</p><p>análise teórica, e como a</p><p>literatura infantojuvenil tem</p><p>promovido destaque ao</p><p>comportamento feminino.</p><p>Garanhuns-PE</p><p>2019</p><p>Universidade de</p><p>Pernambuco-UPE</p><p>Campus de</p><p>Garanhuns</p><p>(Programa de Pós-</p><p>Graduação</p><p>Profissional em</p><p>Letras)</p><p>Literatura afro-</p><p>brasileira no ensino</p><p>fundamental: uma</p><p>proposta de</p><p>letramento literário</p><p>Carla</p><p>Waleska</p><p>Gomes de</p><p>Araújo</p><p>Analisar como a proposta de</p><p>letramento afro-brasileira pode</p><p>funcionar para minimizar os</p><p>preconceitos raciais e para</p><p>desenvolver autoestima em</p><p>uma turma de 7º ano da rede</p><p>pública de Maceió.</p><p>Garanhuns-PE</p><p>2020</p><p>Universidade de</p><p>Pernambuco</p><p>Campus de</p><p>Garanhuns</p><p>(Programa de Pós-</p><p>Graduação</p><p>Profissional em</p><p>Letras)</p><p>Imaginário,</p><p>princesas negras e</p><p>literatura</p><p>infantojuvenil: por</p><p>uma educação</p><p>literária antirracista</p><p>no 6º ano do ensino</p><p>fundamental</p><p>Maria Rosane</p><p>Alves da</p><p>Costa</p><p>Ressignificar, por meio da</p><p>leitura, o imaginário de</p><p>estudantes do 6º ano do ensino</p><p>fundamental acerca da</p><p>diversidade cultural presente no</p><p>Brasil, visando a desconstrução</p><p>das imagens negativas e</p><p>estereotipadas sobre o negro a</p><p>partir do trabalho com a figura</p><p>da princesa negra.</p><p>Continua...</p><p>32</p><p>Quadro 1 - Dissertações com temática envolvendo literatura infantojuvenil antirracista</p><p>Local/Ano Instituição Título Autor Objetivo geral</p><p>Garanhuns-PE</p><p>2021</p><p>Universidade de</p><p>Pernambuco</p><p>Campus de</p><p>Garanhuns</p><p>(Programa de</p><p>Pós-Graduação</p><p>Profissional em</p><p>Letras -</p><p>PROFLETRAS)</p><p>Literatura</p><p>infantojuvenil afro-</p><p>brasileira: identidade</p><p>cultural e</p><p>representatividade</p><p>negra, em Histórias</p><p>da Preta, de Heloisa</p><p>Pires Lima</p><p>Maria</p><p>Andreia</p><p>Santos Silva</p><p>Almeida</p><p>Demonstrar a importância da</p><p>oferta literatura infantojuvenil</p><p>afro-brasileira em turmas do</p><p>ensino fundamental II, de</p><p>maneira que possa contribuir</p><p>para uma educação antirracista.</p><p>Rio de Janeiro-RJ</p><p>2022</p><p>CEFERT/RJ</p><p>Diretoria de</p><p>Pesquisas e pós-</p><p>graduação</p><p>(Programa de</p><p>pós-graduação</p><p>em Relações</p><p>Étnico-Raciais)</p><p>Letramento de</p><p>inspiração Griô:</p><p>contação de histórias</p><p>e literatura</p><p>infantojuvenil negra</p><p>por uma educação</p><p>antirracista</p><p>Sinara Rúbia</p><p>Ferreira</p><p>E discutir a noção de letramento</p><p>de inspiração griô a partir das</p><p>análises do impacto do curso de</p><p>contação de histórias de</p><p>inspiração griô e literatura</p><p>infantojuvenil negra na prática</p><p>pedagógica de professores e</p><p>educadores e outros agentes</p><p>culturais.</p><p>Fonte: Elaborado pela autora (2023). Dados da pesquisa.</p><p>A seguir, trazemos uma breve explanação acerca de cada uma das pesquisas elencadas</p>

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