461 pág.

Pré-visualização | Página 19 de 50
mesmo, quando abolida a escravidão e proclamada a República. E havia, ademais, um claro obstáculo à ação protetiva do Estado. É que, além de o Estado liberal não agir – abstinha-se de intervir por pressupor a igualdade e a liberdade dos que protagonizam relações jurídicas –, esse modo de pensar justificou a revogaçãolxxxiv lxxxv, ironiza: de leis, editadas ao tempo do Império, que regulavam a locação de serviços, também fazendo com que os legisladores civilistas não atentassem para a relevância social do trabalho. Comentando o projeto do Código Civil de 1916, Evaristo de Moraes, em obra publicada em 1905 Efetivamente, a redação final do projeto do Código Civil Brasileiro – que temos presente – principia por epigrafar, à moda velha, o conjunto das relações dos trabalhadores ou assalariados, para com seus patrões ou empregadores: da locação de serviços. Dispensa ao assunto 22 artigos. Ao lado, o legislador cogitara da locação de casas, muito mais detalhadamente. Isso denuncia todo o espírito da grande obra republicana, sob o ponto de vista da legislação social... O Estado liberal se manteve inerte quando devia agir, estendendo a sua proteção em favor da hipossuficiência econômica do trabalhador individual. Ainda assim, o direito do trabalho no Brasil se construiu como uma resposta à pressão social, mas com participação tímida de normas coletivas, elaboradas mediante a ação direta dos trabalhadores, através de seus sindicatos. A Europa já havia vivenciado a reação do proletariado, alimentada por movimentos socialistas de largo espectro e contida pelas medidas compensatórias empreendidas pela social-democracia, quando o operariado brasileiro se insurgiu e obteve a intervenção estatal. O Estado brasileiro era liberal, mas estava atento à experiência europeia e, por isso, promulgou normas que regulavam a jornada de menores cujo trabalho era permitido a partir de oito anos de idade (Decreto 1313/1891), o privilégio de salário pago a trabalhadores rurais (Decreto 1150/1904) e uma das seis primeiras leis, em todo o mundo, sobre férias remuneradas, fixando-as em quinze dias para empregados de estabelecimentos comerciais, industriais, bancários e de instituições beneficentes (Lei 4982/1925), além do Código de Menores de 1927 (Decreto 17934-A), que proibía o trabalho de menores de doze anos e limitava o trabalho de outros menores. O Estado totalizante, da primeira era Vargas, consolidou a legislação trabalhista e, em 1943, editou a CLT. As indústrias de base, especialmente a siderurgia e a petroquímicalxxxvi, surgiram com a legislação trabalhista e a Justiça do Trabalho, tudo em um pacote de intevenção estatal que auspiciava a definitiva modernização do Brasil. A um só tempo, Vargas introduzia a fonte do problema – mediante o estímulo à industrialização de bens de capital e de consumo – e os métodos de solução, tentando queimar etapas do processo de industrialização vivenciado pelos países que compunham a economia central. A CLT foi seguida de legislação que contribuiu para a atenuação das condições adversas em que se dava o trabalho do empregado brasileiro, abrindo caminho para a constitucionalização dos direitos sociais de índole trabalhista. A Constituição de 1988 elevou, enfim, ao nível de direito fundamental as condições mínimas de trabalho a que pode ser submetido o empregado no Brasil, articulando-se assim com o princípio – que gravou em seu texto como fundamento da nossa República – da dignidade da pessoa humana. A Consolidação das Leis do Trabalho interveio em demasia, porém e contraditoriamente, na atuação dos sindicatos. Ao estudarmos a origem do direito coletivo do trabalho, vimos que a influência do ideário fascista deu ensejo, no Brasil dos anos 20, à intervenção do Estado no movimento sindical, a partir da adoção do princípio da unicidade sindical (um só sindicato representa a categoria em uma certa base territorial, sendo vedada a formação espontânea de uma nova entidade sindical), da instituição do imposto sindical (atualmente denominado contribuição sindical) e, até a Carta Política de 1988, através da investidura dos sindicatos através de Carta de Reconhecimento outorgada pelo Ministério do Trabalho. Tal intromissão do Estado, em assunto marcadamente corporativo, transindividual, neutralizou a atividade dos sindicatos brasileiros que representavam categorias economicamente fracas ou mal organizadas, no exato período em que políticas de pleno emprego permitiam a reivindicação de condições mais justas de trabalho sem a ameaça da retaliação patronal. 4 FONTES DO DIREITO DO TRABALHO Augusto César Leite de Carvalho 4.1 Conceito Que são fontes do direito? Certamente se está diante de uma metáfora, usando-se a palavra fonte para se exprimir origem ou fundamento. Origem ou fundamento do direito, por óbvio. Com Bobbiolxxxvii, poderíamos dizer que fontes do direito “são aqueles fatos ou atos dos quais o ordenamento jurídico faz depender a produção de normas jurídicas”. Para a doutrina positivista, a classificação das fontes deve levar em conta a supremacia da lei, como manifestação da soberania do Estado, distinguindo-se-as como fonte originária – é o poder originário, vale dizer, "a fonte das fontes", que dá unidade ao ordenamento jurídico – e fontes derivadas. Entre as fontes derivadas, encontram-se as fontes reconhecidas (o costume, por exemplo, que preexiste ao Estado, mas é por ele reconhecido ou recepcionado) e as fontes delegadas (o ordenamento jurídico, quando concebido como uma construção escalonada de normas, pressupõe a delegação do poder constituinte ao legislador ordinário e deste ao poder judiciário). Nota-se, porém, que essa classificação visualiza o direito sob o aspecto estritamente formallxxxviii. 4.2 As fontes materiais e as fontes formais do direito Os autores, inclusive os laboralistas, preferem certamente classificar as fontes do direito em fontes materiais (também ditas reais ou primárias) e fontes formais. As fontes materiais são representadas pelos fatores sociais ou históricos determinantes no surgimento da norma e estas, as fontes formais, revelando-se nos mecanismos e modalidades mediante os quais o Direito transparece e se manifesta, na síntese feliz de Maurício Godinho Delgadolxxxix. A compreensão é facilitada se associamos as fontes materiais aos movimentos obreiros referidos no capítulo precedente, bem assim às teorias e princípios filosóficos que os fizeram afrontar o Estado burguês. As fontes formais se manifestam na Constituição, leis e outras espécies normativas que servem à exteriorização do direito – em verdade, a fonte formal não é a lei, mas sim a atividade legislativa. Por conseguinte, é fácil perceber que, cronologicamente, as fontes materiais antecedem as fontes formais, nestas se convertendo no instante em que o emissor virtual da norma elege, entre as condutas que a sociedade não repele por indesejáveis, aquela que deve ser prescrita em regra jurídica, garantida por sanção. Este é um momento de decisão, por isso dizendo Miguel Reale, sobre as fontes do direito, “que são (estas) sempre estruturas normativas que implicam a existência de alguém dotado de um poder de decidir sobre o seu conteúdo, o que equivale a dizer um poder de optar entre várias vias normativas possíveis, elegendo-se aquela que é declarada obrigatória, quer erga omnes, como ocorre nas hipóteses da fonte legal e da consuetudinária, quer inter partes, como se dá no caso da fonte jurisdicional ou na fonte negocial”xc. Em sendo editada a norma, ou melhor, em surgindo afinal a fonte formal de direito, vale recordar o que diz Bobbio, na introdução da obra A Era dos Direitos, a propósito do dilema com que se pode defrontar o operador do direito que, questionando o fundamento do direito aplicável a um caso concreto, esteja a buscar o componente