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hierarquia, aplica-se o princípio lex posterior derogat priori. O direito do trabalho, por seu turno, é composto por normas que asseguram um mínimo de proteção ao trabalhador e, por isso, em vez de recorrer a essas técnicas tradicionais de solução de antinomias, prescreve a aplicação da norma mais favorável, aquela que apresenta a conquista mais significativa do conjunto de trabalhadores. Aspecto muito relevante é o de não estar o direito laboral a negar vigência a normas de hierarquia superior quando contempla a prevalência da norma mais favorável, preferindo-a mesmo se essa preferência implica a incidência de lei ou convenção coletiva, em detrimento do direito mínimo assegurado no texto constitucional. Não há a preterição da norma superior porque esta, no sistema dos direitos sociais, garante apenas o patamar mínimo civilizatório, ou seja, a condição de vida ou de trabalho aquém da qual não se vislumbra dignidade humana. À lei cabe ampliar a proteção constitucional, como cabe à convenção coletiva elastecer o direito assegurado em lei, assim sucessivamente. O artigo 7o da Constituição enuncia tal critério de expansão dos direitos sociais, ao prever que aos direitos elencados em seus múltiplos incisos se somarão outros que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e rurais. A partir de tal preceito, todo o sistema jurídico-trabalhista, seja no plano constitucional ou mesmo legal, dispõe sobre o conteúdo mínimo do contrato de emprego, reservando a outras normas ou mesmo a cláusulas contratuais a tarefa de alargar a proteção do trabalhador subordinado. A pretensão expansionista, no sentido da proteção sempre maior, importa, em contraface e por definição, a vedação do retrocesso. É significativo, portanto, o aspecto de o princípio da proteção ser princípio constitucional. Mas a norma trabalhista é elaborada, muita vez, em vista de uma realidade social particularizada ou, quando provém do Estado, abstrai de certas peculiaridades do labor desenvolvido por alguns de seus destinatários, em tal ou qual empresa. Por exemplo: A convenção coletiva que estatui férias por um período maior pode prever a remuneração destas em valor menor, quando confrontada com um acordo coletivo de trabalho. Como identificar, em hipótese assim descrita, qual a norma mais favorável? A merecer registro, há três correntes teóricas a propósito do método ideal para a indicação dessa norma prevalente, a saber: a) a teoria atomista ou da acumulação, que implica, ensina Ruprechtclix, “se tome de cada norma o que é mais conveniente ao trabalhador, fracionando dessa maneira as leis para buscar em cada uma o mais favorável”; b) a teoria do conjunto ou do conglobamento, a mais correta segundo o citado laboralista, vez que pressupõe ter “a norma um conteúdo unitário, pelo qual não é possível tomar preceitos de outra que não foram considerados ao serem estabelecidos”; c) a teoria orgânica ou da incindibilidade dos institutos, igualmente explicada pelo autor argentino, como “uma forma da teoria da conglobação, porém mais moderada. Por ela, toma-se o conjunto de cláusulas referentes a cada instituto previsto pela norma. De maneira que, se um instituto é mais favorável numa determinada lei, é tomado em seu conjunto; mas se outro instituto também previsto na dita lei é menos benéfico que o que determina outra norma jurídica, toma-se este último”. Greco, citado por Ruprechtclx, critica a teoria da acumulação e argumenta, com razão, que aceitá-la significaria adotar “um critério de sabor eminentemente demagógico que, especialmente no caso da convenção coletiva, rompe a unidade da disciplina sindical da relação de trabalho e viola a harmonia, o equilíbrio e a vinculação orgânica entre as distintas condições estabelecidas em convenções”. Parece claro que a teoria da incindibilidade dos institutos vem a ser mero aperfeiçoamento da teoria do conjunto ou do conglobamento e é a preferida pela maioria dos autores, à expressão de Américo Plá Rodriguezclxi, verbis: “O conjunto que se leva em conta para estabelecer a comparação é o integrado pelas normas referentes à mesma matéria, que não se pode dissociar sem perda de sua harmonia interior. Mas não se pode levar a preocupação de harmonia além desse âmbito”. Em verdade, os intérpretes e agentes do direito do trabalho reportam-se genericamente ao conglobamento quando aplicam a regra da incindibilidade dos institutos, fazendo dela, com razão, uma modalidade daquele. Adotando-se, assim, a teoria do conjunto ou conglobamento, na sua modalidade que preconiza a incindibilidade dos institutos, identifica-se qual a norma mais favorável em relação a férias e quanto a este instituto jurídico se aplicará somente a norma escolhida. Outra norma poderá prevalecer no tocante ao 13o salário e ao repouso semanal, mas quanto a esses outros institutos apenas essa outra norma terá eficácia, assim por diante... As três teorias seriam inadequadas, porém e para parte da doutrina, quando o conflito se apresenta entre normas vigentes em países diversos. Tal conflito haveria de ser dirimido pelo princípio da territorialidade ou em conformidade com os elementos de conexão cogitados no capítulo precedente. Por isso e ao comentar a antiga Súmula 207 do TST (que recomendava o princípio da territorialidade na definição da norma prevalente no espaço), Francisco Antônio de Oliveira, secundando Délio Maranhão, transcreve a pertinente orientação de Ernesto Krotoschin: A primazia do direito mais favorável deve limitar-se ao mesmo ordenamento jurídico, não sendo admissível sua extensão ao terreno internacional, porque, nessa hipótese, ver-se-ia o juiz, muitas vezes, ante a dificuldade, praticamente insuperável, de determinar qual dos ordenamentos, considerados em conjunto, o mais favorável, já que não seria possível submeter uma só relação jurídica a direitos distintosclxii. Tal entendimento, que grassa majoritário em meio à doutrina, poderá ser revisto, pensamos, na hipótese de se disseminar a prática do dumping social, efeito deletério da globalização da economia sobre o custo trabalhista das empresas transnacionais – menos por injunções da classe obreira, mas sobremodo por pressão dos provedores do capital que trasladam sua atividade econômica para sítios estrangeiros onde estão imunes à proteção trabalhista. A propósito, a ordem jurídica não se mostra refratária à ideia de adotar a norma mais favorável como elemento de conexão que identifica a lei (nacional ou estrangeira) a ser aplicada quando o trabalhador presta serviço em vários países. Basta lembrar que o TST cancelou a sua Súmula 207 em razão de se ter alargado o ângulo de incidência da Lei 7.064/1982 a partir da alteração de seu texto, ocorrida em 2009. O art. 3º, II da Lei 7.064/1982 prevê a preferência da lei brasileira “quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria”. A regra da condição mais benéfica pressupõe a sucessão de normas trabalhistas, expressando o respeito ao direito adquirido no direito laboral. Distingue-se da regra que acabamos de estudar (a norma mais favorável) apenas pela circunstância de não resolver conflito entre normas coetâneas, ou vigentes à mesma época. Diversamente do que ocorre nas hipóteses em que se aplica a norma mais favorável, já não mais se apresentam normas que vigoram simultaneamente, mas uma norma que passa a viger em detrimento de outra anterior, com conteúdo diverso. Aplica-se, entre nós e do mesmo modo como sucede quando as normas têm vigência concomitante, a condição mais benéfica. Essa orientação fez surgir, a propósito da sucessão de regulamentos de empresa às vezes ocorrente, a Súmula 51 do TST: “As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após