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<p>SOCIAL AS RAIZES DA PSICOLOGIA SOCIAL MODERNA EDIÇÃO EDITORA 841 ERT M. FARR VOZES VON MAGS digitalisiert Wissen offentlich gemacht.</p><p>COLEÇÃO PSICOLOGIA SOCIAL Prof. Robert M. Farr Coordenadores: Pedrinho Arcides Guareschi - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Sandra Jovchelovitch - London School of Economics and Political Science (LSE) - Londres Conselho Editorial: Robert M. Farr - London School of Economics and Political Science (LSE) - Londres Denise Jodelet - L'École des Hautes Études en Sciences Sociales Paris Sílvia Lane - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) Regina Helena de Freitas Campos - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Angela Arruda - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) AS RAÍZES DA Tania Galli Fonseca - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Leôncio Camino Universidade Federal da Paraíba (UFPA) PSICOLOGIA SOCIAL Psicologia social (Livro-texto) - Vários autores As raízes da psicologia social moderna Robert M. Farr Representando a alteridade - Angela Arruda (Org.) MODERNA (1872-1954) Paradigmas em psicologia social Regina Helena de Freitas Campos e Pedrinho A. Guareschi (Orgs.) Gênero, subjetividade e trabalho Tania Galli Fonseca Tradução Psicologia social comunitária - Regina Helena de Freitas Campos e outros - Textos em representações sociais - Pedrinho A. Guareschi e Sandra Pedrinho A. Guareschi Jovchelovitch Paulo V. Maya As artimanhas da exclusão - Bader Sawaia (Org.) - Representações sociais e esfera pública - Sandra Jovchelovitch Revisão da tradução - Os construtores da informação - Pedrinho A. Guareschi e outros - Psicologia social do racismo - Iray Carone e Maria Aparecida Silva Bento (Orgs.) Pedrinho A. Guareschi Psicologia social nos estudos culturais - Neuza Maria de Fátima Guareschi e Michel Euclides Bruschi (Orgs.) Psicologia social e saúde - Mary Jane P. Spink Representações sociais Investigações em psicologia social Serge Moscovici Edição Subjetividade e constituição do sujeito em Vygotsky - Susana Inês Molon 302 A BPDEA F AB 2004 ABPDEA Associação Brasileira para a Proteção dos Direitos EDITORA Editoriais e Autorais RESPEITE o AUTOR NAO FACA VOZES www.abpdea.org.br Petrópolis 2004</p><p>SUMÁRIO Graduação Mestrado Especialização Nas Recomendado pela CAPES Biológicas da Saúde Ciências Farmacêuticas Gestão Financeira Gerenciais Educação Gestão de Negócios Jurídicas Psicologia Marketing Exatas e Tecnológicas Engenharia e Desenvolvimento Gerencial Humanas e Sociais Ciência dos Materiais UNIVERSIDADE FRANCISCO Apresentação, 7 Bragança Paulista Campinas Itatiba São Paulo Av. São Francisco Rod. Gen. Milton Alexandre R. 352 de Assis, 218 Tavares de Lima, 1572 Rodrigues Barbosa, 45 Pari Prefácio, 9 (11) 4034-8000 Distrito de Barão Geraldo (11) 4534-8000 (11) 3315-2000 3289-3999 UNIVERSIDADE Agradecimentos, 17 b SÃO FRANCISCO 1. Psicologia social moderna: um fenômeno caracteristicamente N° Sistema americano, 19 641686 Copyright R.M. 1996 Blackwell Publishers Ltd 2. A emergência da psicologia como ciência natural e social, Reg. Adm. 108 Cowley Road na Alemanha, 37 641686 Oxford OX4 1JF Cód. Barras Blackwell Publishers Inc 3. A psicologia das massas e da cultura, 61 300000857 238 Main Street Cambridge, Massachusetts US 4. George Herbert Mead: Filósofo e psicólogo social, 79 do em inglês: The Roots of Modern CFCH 5. O Manual de Murchison de 1935: uma autêntica psicologia de publicação em língua Brasil: Editora Vozes Ltda. comparativa, 113 Rua Frei 100 25689-900 RJ 6. A individualização da psicologia social na América Internet: http://www.vozes.com.br 21-12-2005 do Norte, 135 Brasil 21.841 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida 7. As formas sociológica e psicológica da psicologia social, 151 ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema 8. Ancestrais e fundadores: reconstruindo o passado, 167 ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. 9. A guerra e a história da psicologia social, 183 Editoração e organização literária: Jaime A. Clasen ISBN 0-631-19447-9 (edição inglesa) 10. passado longínquo e a curta história da psicologia ISBN 85.326.2092-2 (edição brasileira) social, 193 Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.</p><p>Apêndice 1: Algumas datas e sua importância na emergência APRESENTAÇÃO da psicologia como uma ciência experimental e social, DA EDIÇÃO BRASILEIRA 1872-1954, 207 Apêndice 2: Programa do curso de Psicologia da Universidade de Londres nos meados da década de 1960, 219 Referências, 223 Índice onomástico, 239 Uma história diferente Índice das ilustrações, 243 É um prazer enorme apresentar a tradução desse livro de Robert M. Farr. Por diversas Mas principalmente porque é Índice geral, 245 um estudo extremamente importante e atual, diferente de qualquer outro que conheça, sobre história da Psicologia Social. Por quê? Por duas razões centrais. Primeiro, porque é fácil escrever uma história da psicologia, psicologia social, ou de qualquer outra ciência, a partir de grandes nomes, ou mesmo a partir importantes e centrais. difícil, e o que faz a diferença, é escrever uma história que faça as ligações exatas e identifique, com pertinência, os elos que relacionam tanto as teorias, como os autores entre É decisivo, ao se escrever uma história, saber quais são os pais, os e os primos/primas teóricos dos diversos autores. É importante saber onde os autores estudaram, quais seus orientadores, qual o "zeitgeist" da época em que tais autores trabalharam. E isso tudo identificado claramente com o ano, e às vezes até o dia, em que tais episódios O Apêndice 1, com as datas principais dos fatos históricos e dos momentos mais importantes vividos pelos autores ligados à história da Psicologia em geral, e da Psicologia Social em particular, é um atestado indiscutível de acuidade, clareza e pertinácia de um A segunda razão do valor da obra é porque, ao mesmo tempo que se apresentam as teorias e os autores, o livro vai construindo uma crítica muito acurada da metafísica, da epistemologia, e mesmo da ética subjacentes às teorias e aos autores. O leitor conclui a leitura com uma compreensão nítida e profunda dos diferentes pressupostos filosóficos implícitos nas diversas teorias. Somente um pensador crítico, arguto e penetrante, consegue fazer tal trabalho. Não admira, pois, que o Professor tenha necessitado de mais de 20 anos para identificar as ligações sutis que, à primeira 7</p><p>vista, parecem sem importância, mas que ajudam a discernir e a PREFÁCIO compreender as possíveis razões de tais autores terem conduzido seu estudo de tal modo, terem preferido trabalhar em tais universi- dades ou centros de estudo, ou terem escrito suas teses de doutorado sob a orientação de determinados professores. Esta averiguação meticulosa nos fornece a chave para o entendimento de muitas das explicações históricas dos fatos relacionados à psicologia social. que tinhamos até agora, tanto no que se refere às teorias Este livro compreende, com exceção do capítulo final já publi- como à história da psicologia social, até ao menos a década de cado anteriormente, uma série de ensaios Em primeiro 1980, eram produções fortemente dependentes duma psicologia lugar é preciso explicar, e depois justificar, porque escolhi esta forma social experimental e de forte viés individualista, exatamente à literária particular como meu principal modo de comunicação. maneira como ela se desenvolveu nos Estados Unidos da América. Para muitos de nós, psicologia social era aquilo, e pronto. Nem Explicando a perspectiva consciência de nossos pais ideológicos. É verdade que com a Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social), a partir O ensaio, como gênero literário, expressa com precisão o de 1980, houve um início de reconhecimento e de reação a tais caráter experimental e inacabado da tarefa a que me propus. influências reducionistas e Mas faltava-nos um estudo Entretanto, ele é um modo de comunicação incomum, pelo menos que nos ajudasse a entender as razões de tais reduções e limita- dentro da comunidade de psicólogos sociais psicológicos a que ções. Essa é a contribuição excelente que a obra do Professor Farr, pertenço, em termos de identidade disciplinar. Dentro desta em boa hora, nos traz. Podemos, assim, compreender melhor o comunidade particular, os informes sobre experimentos ainda mundo teórico em que vivíamos, e em parte ainda vivemos, e ter ostentam um prestígio muito maior que o dos ensaios. Os motivos uma visão mais ampla e crítica do panorama histórico e filosófico pelos quais isto é assim, são parte desta história. ensaio, contudo, é uma forma muito mais comum de trabalho acadêmico do mundo dos autores e teorias com que lidamos. entre os psicólogos sociais sociológicos, e este livro é dirigido a Um lembrete importante para finalizar: apesar de no título eles, assim como a seus primos mais numerosos, os psicológicos. constar uma data (1872-1954), na verdade o livro dá conta da Goffman, por exemplo, era um completo. Na verdade, é compreensão da história da psicologia social até à década de 1990, parte de minha proposta, ao escrever este livro, explicar os pois a partir da análise das raízes, entende-se muito bem o estatuto acontecimentos que propiciaram o surgimento de tantas formas das atuais teorias. E mais: por ser o livro uma análise filosófica e diferentes de psicologia social, muitas das quais se desenvolveram crítica dos pressupostos das teorias, consegue-se compreender no contexto de outras ciências sociais que não a psicologia. O muito bem a produção teórica atual da psicologia social. Além ensaio também é uma forma de trabalho acadêmico bastante disso, o capítulo 10 é uma excelente incursão nos dias de hoje, aceita entre os filósofos e historiadores. Ouso esperar que alguns com detalhes precisos e provocativos. dos ensaios aqui reunidos possam ser do interesse desses estu- diosos, especialmente dos filósofos e historiadores da ciência. As faculdades de psicologia e sociologia do Brasil estão muito Sinto-me um pouco mais reconfortado também pelo fato de não bem servidas com o penetrante trabalho do Prof. Farr. Parabéns a ser um pária literário dentro de minha comunidade. Psicólogos elas e a ele. sociais da estatura de Milgram (1977) e Brown (1965, 1986), eram e são, respectivamente, ensaístas muito competentes. Gostaria Pedrinho A. Guareschi muito de possuir um estilo literário tão bom quanto o deles. Professor e Pesquisador da Pós-graduação A tarefa a que me propus é inacabada porque até agora de Psicologia da PUCRS ninguém, em minha opinião, está numa situação de poder escre- ver mesmo uma breve história da psicologia social, e muito menos 8 9</p><p>de encrever a história definitiva sobre o assunto. Quero indicar, Situação atual da literatura as questões a que qualquer um que pretenda escrever esta Seria prematuro, em minha opinião, escrever uma história da história necessitará fazer referência. As considerações que apresento psicologia social. Boas histórias da psicologia, entretanto, estão são preliminares à tarefa de escrever a história da disciplina. Prefiro começando a surgir (Asch, 1982; Boakes, 1984; O'Donnell, 1985). apenas elaborar uma agenda do que oferecer respostas definitivas. O que é estimulante, hoje, em relação à história da psicologia, é Uma agenda significa uma lista de coisas a serem feitas e de decisões o número cada vez maior de jovens historiadores, como Asch e a serem tomadas. Acredito que escrever história seja uma empresa O'Donnell, que se dedicam a escrever sobre ela. Eles não são tão coletiva e cooperativa. No momento atual, não há pessoas suficientes suscetíveis às fontes de erro e aos vieses que caracterizam as trabalhando neste campo de forma a gerar a espécie de infra-estru- histórias "internas" da disciplina. As histórias, sejam elas "inter- tura que é necessária para que se escreva uma boa história. Este nas" ou "externas", podem abranger legitimamente hoje mais de um livro é um convite aberto a que outros venham envolver-se século da prática institucionalizada de psicologia. No caso da psico- diretamente com o desenvolvimento deste campo de estudo. logia social, entretanto, o período é menor do que meio século. Do Tentei, sempre que possível, ser provocativo. Acredito que ponto de vista institucional, o período de formação da psicologia seja esta a melhor estratégia, nas atuais circunstâncias, para poder social é período imediatamente seguinte ao fim da segunda guerra Considero muito apropriado que as idéias sejam apresen- mundial. assim tanto na Europa como nos Estados Unidos. tadas na forma de uma tese que pode ser testada. No capítulo 6, por exemplo, faço uso da tese de Manicas sobre a americanização Estamos ainda muito próximos do começo da psicologia social das ciências sociais (Manicas, 1987). Tentei demonstrar como ela moderna para sermos capazes de construir uma perspectiva pode ser aplicada no caso específico da psicologia social. No histórica adequada. É preciso, entretanto, investigar mais sobre a mesmo capítulo, examino a veracidade da provocativa tese de história da psicologia social do que sobre a história da psicologia Graumann de que a individualização do social é equivalente à em geral. Cartwritgh observou, há uma década e meia atrás, que dessocialização do indivíduo (Graumann, 1986). Especialmente "Toda a história da psicologia social, como campo de pesquisa importante, em minha opinião, é a tese de Danziger sobre o empírica, abrange um período de apenas oitenta anos, aproxima- repúdio dos positivistas a Wundt (Danziger, 1979). No último damente. E uma vez que grande parte de seu desenvolvimento capítulo tentei aplicar esta tese, que se refere à psicologia em ocorreu nas últimas quatro décadas, ela é, em grande medida, geral, ao campo da psicologia social em particular. Alguns outros produto de estudiosos que ainda estão atuando no campo" (Cartw- aspectos da tese de Danziger aparecem nos capítulos 1 e 8. ritgh, 1979, p. 82). Este é um bom período para coletar "histórias orais" sobre a disciplina que possam ser usadas por futuros Um conjunto de ensaios também reflete de maneira adequada a historiadores. De fato, poucas "histórias" deste tipo chegaram a natureza fragmentária, e diversificada, do campo. Não pretendo que ser impressas (Cohen, 1977; Cartwritgh, 1979; Evans, 1980; Fes- minha abordagem do assunto seja exaustiva. O trabalho é, necessa- tinger, 1980; Patnoe, 1988). riamente, incompleto. Estimaria que outros corrigissem meus erros, Existem atualmente excelentes histórias sobre o behaviorismo reparassem minhas omissões e reagissem aos excessos de minha (Boakes, 1984; O'Donnell, 1,985) e muitas pseudo-histórias da interpretação por meio de suas críticas. Em nenhum sentido este é psicologia como ciência cognitiva. behaviorismo foi a forma que um livro definitivo. Se ele conseguir provocar a resposta de outros, então terá atingido seus propósitos. Se ele possui certa coerência, o positivismo assumiu no desenvolvimento da psicologia. Agora que o behaviorismo não é mais o paradigma dominante como isto se deve ao fato de todos os ensaios terem sido escritos pelo antes, pelo menos na psicologia americana, é muito mais fácil aos mesmo autor e ao mesmo tempo. Meu ponto de entrada no processo histórico é Os ensaios de abertura e de conclusão versam sobre pretensos historiadores serem "objetivos" acerca de sua importân- cia histórica. Mas é muito mais difícil, contudo, quando se está o que eu chamo de psicologia social moderna. Os oito ensaios conduzindo uma cruzada para o estabelecimento de um novo situados entre eles estão organizados numa ordem cronológica paradigma, como a ciência cognitiva. Uma vez que um campo de aproximada dos eventos com os quais se relacionam. 11 10</p><p>entra na fase positiva de seu desenvolvimento, há uma artigo de Allport constando, pela terceira vez, na edição de 1985 presunção de que progresso será aí inevitável. O conhecimento do Manual de social (Lindzey e Aronson, 1985). novo tem prioridade sobre o conhecimento antigo. Este conjunto de valores prejudica o trabalho do historiador e afeta sua carreira, A publicação do Manual de 1985 foi o imediato para se ela ocorre em departamentos de psicologia dentro da academia. que me propusesse a escrever este livro. verdade que, a nova Diz-se que o historiador lida com aquilo que já é sabido, e que isto edição do Manual incluiu um capítulo histórico adicional. Foi o não é pesquisa, no sentido reconhecido pelos cientistas, isto é, capítulo escrito por Jones (1985) sobre os "Principais Desenvolvi- nada de novo é produzido. É desnecessário dizer que este não é mentos da Psicologia Social nas Últimas Cinco Décadas". Minha crítica a este texto e a discussão da natureza de seu relacionamento meu ponto de vista. com o capítulo de Allport no Manual podem ser encontradas em meu Embora o behaviorismo não seja mais a força dominante capítulo final sobre "O longo passado e a curta história da Psicologia impulsionando os novos desenvolvimentos da psicologia moder- Social". Se o capítulo de Allport for excluído da próxima edição do na, não é de nenhuma forma uma força descartada. De fato, uma Manual, então não terei escrito este livro em vão! de minhas intenções ao escrever este livro é demonstrar que o positivismo, como filosofia da ciência, continua a influenciar a historiografia tanto da psicologia como da psicologia social. É Algumas considerações sobre história e importante, acredito, reconhecer seu papel residual neste aspecto. filosofia da ciência Danziger (1979) estudou diretamente o positivismo como um importante fenômeno histórico no desenvolvimento da psicologia No livro A estrutura das revoluções científicas, Khun (1962) experimental. Eu estou mais interessado em sua relação com o enfatizou a importância, no contexto da história e da filosofia da desenvolvimento da psicologia social. Estamos ambos interessa- ciência, das dimensões temporais e societais da pesquisa dos, entretanto, no positivismo como uma fonte inesgotável de fica. Dentro da comunidade de cientistas da história e da filosofia, erros e vieses na produção de abordagens Sua influên- este livro ajudou a restabelecer o equilíbrio em favor da história cia perniciosa na historiografia da disciplina está exposta em da ciência. Também introduziu uma importante dimensão socio- alguns dos capítulos a seguir, especialmente nos capítulos 1 e 10. lógica no estudo da ciência. livro constitui uma contribuição Não haveria sentido em desenvolver fundamentos para a seminal para a sociologia do conhecimento. Espero, nos capítulos história da psicologia social se as abordagens já existentes fossem que seguem, dar um maior destaque às formas sociológicas de perfeitamente adequadas. parte de minha tarefa, escrutinando psicologia social, dentro da história da psicologia social, do que o campo, demonstrar a inadequação das histórias da disciplina elas teriam se esta história fosse escrita por um simples psicólogo. atualmente disponíveis. A abordagem clássica é a do capítulo de Em relação à história e à filosofia da psicologia social, abordo Allport sobre os antecedentes históricos da psicologia social a primeira de modo mais extenso do que a última. As questões de moderna (Allport, 1954). Ela foi escrita bem de acordo com a natureza filosófica, espero, não foram totalmente negligenciadas. tradição da história das idéias do academicismo histórico. Irei Dedico todo um ensaio ao trabalho de George Herbert Mead, que demonstrar que toda a estrutura do capítulo, e não apenas a era filósofo e psicólogo social. Sua filosofia da história (Mead, 1932) audaciosa seção em que ele designa Comte como "fundador" da permeia alguns dos ensaios e informa toda a minha abordagem psicologia social, está informada por uma filosofia positivista da referente à filosofia da história. Um tema comum a outros tantos ciência. Quando ela foi reimpressa, com algumas poucas correções ensaios refere-se à influência da filosofia da ciência na historio- e acréscimos, na segunda edição do Manual de psicologia social grafia da ciência. (Lindzey e Aronson, 1968-9), Allport foi criticado por Samelson Uma outra questão, de natureza filosófica, diz respeito ao tipo (1974) por ter criado um falso mito sobre a origem da disciplina. de ciência que a psicologia pode legitimamente reivindicar ser. Pensei ter sido artigo de Samelson uma crítica irrefutável à Encaro a psicologia em seu todo como uma ciência social e não história de Fiquei atônito, portanto, ao deparar-me com o apenas aquelas partes que são normalmente rotuladas de "psico- 12 13</p><p>logia social". No capítulo 2, por exemplo, examino a polêmica, (1954), em artigo daquele ano, proporcionou-me o título do livro. dentro da comunidade acadêmica acerca de se a psicologia Esta data situa-se quase uma década depois do início da era é um ramo das Geisteswissenschaften ou das moderna da psicologia social. Isto proporcionou-me a segunda ten. Aceito a oposição assinalada por Marková (1982), na história razão para escolher esta data. Entendo que a psicologia social do pensamento ocidental, entre as filosofias de Descartes e Hegel. moderna começou no fim da segunda guerra mundial. Não con- Penso que ela está correta ao referir-se a estes sistemas filosóficos cordo, entretanto, que exista uma divisão nítida entre sua história antagônicos como paradigmas. Espero demonstrar que o paradig- desde então e seu longo passado como parte de toda a tradição ma cartesiano tem sido prejudicial, historicamente, ao desenvol- do pensamento ocidental. A separação radical é produto da vimento da ciência social, e especialmente ao desenvolvimento historiografia positivista. Prefiro terminar minha abordagem exa- da psicologia social. Algumas linhas importantes da psicologia tamente dentro da era moderna, ao invés de oscilar em seu limiar. social, entretanto, derivam do paradigma hegeliano. Estas são tradições da psicologia social mais européias do que americanas, Algumas datas fundamentais para a emergência da psicologia se é que há alguma nos Estados Unidos, e também são formas de como ciência social e experimental podem ser encontradas no psicologia social mais sociológicas do que psicológicas. apêndice 1. Este apêndice pretende ser de uso geral para o leitor ao longo de todo o livro. Algumas expectativas para o futuro Minha grande esperança é que os psicólogos sociais tornem- se mais historicamente conscientes do de sua disciplina. Já foi dito que aqueles que ignoram a história estão condenados a repetir seus erros. Isto aplica-se tanto à ciência como à política e à guerra. Quando, há alguns anos, me propus a descobrir porque Wundt tinha separado sua psicologia social de sua psicologia experimental, pensei ter diante de mim apenas algumas leituras de verão. Realizar esta tarefa aparentemente tão singela, pensei, seria simples. Porém, foi como se tivesse aberto a caixa de Pandora. As coisas acabam bem diferentes de nossas expectativas. Isto aplica-se tanto ao nosso conhecimento do passado como também em relação ao futuro. A principal razão de se examinar criticamente o passado é compreender melhor o presente. Espero que meus leitores sejam capazes de compreender melhor a psicologia social moderna a partir de meu exame crítico de algumas de suas raízes. Em meu capítulo final, existem algumas idéias sobre como isto pode ocorrer. Espero também que seja possível promover uma reapro- ximação entre as formas psicológica e sociológica de psicologia social. Ofereço algumas sugestões sobre possíveis caminhos neste sentido no capítulo 7. Meu ponto de entrada e saída do processo histórico é o ano de 1954. Uma das razões para a escolha desta data é que Allport 14 15</p><p>AGRADECIMENTOS Nestes últimos 15 anos tenho trocado artigos com Kurt Dan- ziger, cujo trabalho seminal e pioneiro sobre a história da psico- logia social eu tanto admiro. Também tenho tirado proveito de nossos diálogos, sempre que congressos internacionais ou outros eventos nos proporcionam esta aproximação. Por um período ainda mais longo, tenho discutido com Serge Moscovici um interesse comum pela disciplina de psicologia social. Minha tentativa nesta obra de descrever as diferenças entre as formas psicológica e sociológica de psicologia social na era moderna, é direta dessas discussões. Aprendi com Ivana Mar- ková que não é possível escrever sobre a história da ciência sem discutir também a filosofia daquela ciência. Penso que sua distinção entre os paradigmas cartesiano e hegeliano na psicologia é altamente pertinente para a compreensão do caráter individualista da assim chamada psicologia social. Estou em dívida com Gustav Jahoda, de quem fui vizinho quando morávamos na Escócia, por chamar minha atenção para a importância da cultura no estudo da mente. A interface entre a psicologia e a antropologia, que foi importante historicamente, tornou-se novamente um tema de debate. Estou profundamente agradecido a Fiona Paton, secretária administrativa do Departamento de Psicologia Social da Escola, por supervisionar a tradução eletrônica de meus manuscritos e por seus contatos com meus editores acerca desses assuntos. Sem seu auxílio- competente o livro demoraria ainda mais para ser publicado. Agradeço ao meticuloso trabalho de reprodução e edição feito por Sue Ashton, a cujas dúvidas fui capaz de respon- der na maior parte. Gostaria de agradecer a Nathalie Manners, da Editora Blackwell, pelo papel crucial que desempenhou na edição deste livro. Um especial agradecimento para Alison Mudditt, editora chefe da Blackwell, por sua paciência e fé inabalável de que um dia eu terminaria o manuscrito. Em relação à pesquisa apresentada no capítulo 6 sobre "A individualização da psicologia social na América do Norte", desejo agradecer o apoio do Conselho de Pesquisa Econômica e Social 17</p><p>do Reino Unido (Licença de pesquisa R000234766 sobre "O indi- 1. PSICOLOGIA SOCIAL MODERNA: vidualismo em períodos de rápida mudança política e social"). UM FENÔMENO CARACTERISTICAMENTE Também desejo agradecer o apoio proporcionado ao longo destes AMERICANO anos pelo Laboratório de Psicologia Social da Maison des Sciences de l'Homme de Paris, e pelo Werner Reiner Stiftung, de Bad Hamburg, Alemanha. Muitas das idéias expostas aqui começaram a tomar forma em uma ou outra destas instituições idôneas. autor e os editores agradecem pela permissão para repro- dução de material com reserva de direitos autorais. A figura 2.1 foi tirada de Uma história da psicologia experimental, do arquivo A flor e suas raízes pessoal de E.G. Boring, 2. ed. (Nova "Embora as raízes da psicologia social possam ser encontra- 1950). As figuras 2.2 e 8.1 foram reproduzidas dos arquivos das no solo intelectual de toda a tradição ocidental, seu atual Wundt-Nachlass da Universidade de Leipzig. A figura 4.1 aparece florescimento é reconhecido como sendo um fenômeno caracte- na obra de D.L. Miller George Hergert Mead: o self, a linguagem risticamente americano." desse modo que Gordon Allport (1954, e o mundo (Austin, University of Texas Press, 1973). A p. 3-4) apresentou a disciplina para uma nova geração de estu- figura 5.1 foi tirada do Manual de psicologia social (1935) de C.A. dantes de pós-graduação na América no início do que eu chamo, Murchison (ed.) e reproduzida aqui com a permissão da Clark aqui, a era moderna na psicologia social. Essa era teve início no University Press. fim da segunda guerra mundial. A figura 8.2 apareceu em teórico prático: a vida e a obra de Kurt Lewin, de A.J. Marrow (Nova Basic Books, 1969). A Colaboração interdisciplinar durante a guerra figura 6.3 foi reproduzida com a permissão de Lawrence Erlbaum Associates e vem de legado de Solomon Asch: ensaios sobre A segunda guerra mundial propiciou um tipo de impulso ao cognição e psicologia social, de P. Rock (ed.). A figura 7.1 foi desenvolvimento da psicologia social semelhante ao que a primei- reproduzida de Natureza humana e comportamento coletivo: artigos ra guerra mundial tinha propiciado para os testes psicométricos. em homenagem a Herbert Blumer, de T. Shibutani (ed.) (Engle- Os cientistas sociais colaboraram para realizar levantamentos wood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1970). A figura retrato de Emile sociais sobre a adequação de soldados à vida no exército (Stouffer, Durkheim foi reproduzida por cortesia da Bibliothèque Nationale. Suchman et alii, 1949), e sua participação em combate e sobre as A figura 10.1 foi publicada originalmente no Manual de que daí advieram (Stouffer, Lumsdaine et alii, psicologia social de G. Lindzey e E. Aronson (ed.), 3. ed., V. 1, p. 1949); na avaliação da eficácia das diferentes maneiras de instruir pessoal militar (Hovland et alii, 1949); e na solução de problemas 48 (Nova Random House, 1985) e foi reproduzida com a técnicos relacionados à mensuração das atitudes e à predição do permissão da McGraw-Hill Companies. capítulo 10 apareceu comportamento (Stouffer et alii, 1950). Esses foram os assuntos da originalmente com o título de "O Longo Passado e a Breve História série de volumes do The American Soldier publicado, depois da da Psicologia Social" no European Journal of Social Psychology, V. guerra, sob a editoração geral do sociólogo Stouffer. 21/5, 1991, p. 371-80, e foi reimpresso com a permissão de John Wiley and Sons Ltd. Os editores apresentam suas desculpas por Esse programa de pesquisa colaborativa desenvolvido durante quaisquer erros ou omissões na lista acima e agradecem qualquer a guerra foi importante por uma série de Será suficiente, comunicação sobre correções que devam ser incorporadas à aqui, mencionar apenas duas. Ele propiciou um modelo para o próxima edição ou reimpressão deste livro. desenvolvimento de programas de doutorado interdisciplinares em psicologia social no período após a guerra. Esses eram, em geral, programas conjuntos entre psicologia e sociologia, embora 19 18</p><p>às vezes também antropologia. Programas interdisci- de doutorado que Lewin atraiu para o Instituto de Tecnologia de plinares foram estabelecidos em Harvard, Yale e Michigan. Num Massachusetts (MIT) onde ele fundou, em 1945, o Centro de estágio ulterior, um programa interdisciplinar em psicologia foi Pesquisa para Dinâmica de Grupo. Muito já se escreveu sobre este estabelecido em Columbia. Nenhum desses programas conjuntos grupo específico de estudantes de pós-graduação em psicologia existe hoje. Todos eles, ao longo do tempo, foram desdobrados de social, tanto por outros que os entrevistaram (p. ex. Patnoe, 1988), acordo com as linhas das disciplinas (Jackson, 1988; Collier et alii, ou por eles mesmos, como retrospecção (Festinger, 1980). Ajudaram 1991). Isso é por si mesmo muito revelador com respeito ao a estabelecer a psicologia social, no curso da era como um desenvolvimento da psicologia social na era moderna. A razão de fenômeno distintamente americano. Seu papel foi vital no desenvol- isso ter ocorrido pode ser melhor compreendida em termos dos vimento de uma psicologia social cognitiva. Eles refletiram, na desenvolvimentos que começaram no período entre as duas guerras mundiais. Esse é um tema que é discutido e desenvolvido América, a influência da psicologia da Gestalt. As raízes foram no capítulo 6, sobre a individualização da psicologia social na européias, embora a flor fosse caracteristicamente americana. América, e no capítulo 7, sobre as formas sociológicas e psicoló- A geração mais antiga de acadêmicos na Europa e na Amé- gicas de psicologia social. rica, que agora já se aposentaram da vida universitária, recordam, A outra razão da importância da série de volumes do The muitas vezes com nostalgia, o grupo de estudantes (tanto de American Soldier é que alguns grupos de pesquisadores do tempo graduação, como de que se inscreveram nas da guerra continuaram colaborando muito além do fim da guerra. universidades logo após o fim da guerra. Eram estudantes madu- mais importante desses grupos foi o que estava sob a direção ros, e muitas vezes pouco os separava, em termos de idade e de Hovland (editor do volume 3 da série The American Soldier) talento, dos professores que os ensinavam. es- que formou o núcleo do programa de pesquisa após a guerra em pecialmente na América, eles tinham interrompido seus estudos Yale sobre comunicação e mudança de atitude. Isso resultou numa e suas carreiras universitárias durante a guerra. A interrupção foi série posterior de volumes que são importantes na história da menos séria na América do que na Europa, onde as psicologia social experimental na América na era moderna. Essa da foram muito mais devastadoras. Nas ciências sociais, colaboração após a guerra estava interessada no estudo experi- de maneira mais geral, esta geração de estudantes após a guerra mental da comunicação de massa. A continuidade entre esse foi importante. Dahrendorf (1995) identifica este período como um programa de pesquisa e o após a guerra em Yale consistiu num dos grandes períodos na história da London School of Economics modelo comum de meios massivos de comunicação e dos efeitos and Political Science. desses meios, juntamente com a adoção do experimento como a estratégia preferida de pesquisa. Do mesmo modo, um alto grau Possuímos um interessante exemplo dessa geração específica de controle torna-se possível tanto sobre a forma como sobre o de estudante de engenharia no MIT. Ele é fornecido por et conteúdo, tanto da comunicação durante o tempo da guerra como alii (1950) em seu clássico estudo Social Pressures in Informal Groups: no contexto de laboratório. Os outros volumes da série, os editados a study of human factors in housing. Temos aqui os cientistas sociais por Stouffer, estavam relacionados com levantamentos sociais e do MIT estudando engenheiros. Eles mostram como as redes mensuração das atitudes. informais de amigos, num local de residência, se desenvolve como uma função da planta física da residência. São cuidadosos, porém, A geração de estudantes de pós-graduação em psicologia social em mostrar que seus achados podem ser específicos dessa geração após a guerra particular de estudantes maduros. Eles eram, na sua maioria, ex-sol- dados da infantaria com famílias jovens, todos eles estudando Em psicologia social, como em numerosas outras disciplinas engenharia. Devido a tal alto grau de homogeneidade em termos de acadêmicas, a geração de estudantes de pós-graduação imedia- valores comuns e devido a sua recente experiência compartilhada tamente após a guerra foi particularmente talentosa. Isso foi no serviço das forças armadas, não parece tão surpreendente que a especialmente verdadeiro no que se refere ao grupo de estudantes proximidade desempenhasse um papel importante em determinar a 20 21</p><p>formação dos grupos de amizade. No tempo do estudo, e Back eram eles também estudantes de pós-graduação no MIT, persuasão que seriam universalmente verdadeiros, inde- ao passo que Festingen era um jovem professor. pendentemente do assunto implicado ou do meio empregado para a transmissão da mensagem. Inicialmente, era um programa de Havia outros centros importantes de pesquisa em psicologia pesquisa puramente empírico. que acontece se mudarmos a social após a guerra além do MIT, embora esse fosse mais credibilidade da fonte da qual provém a mensagem? É mais eficaz inovador em termos tanto de sua teoria como de seus métodos de apresentar ambos os lados do tópico ou apenas o lado que o pesquisa. Logo após a morte prematura de Lewin, em 1947, comunicador deseja que o público-alvo aceite? Se o primeiro é Centro de Pesquisa para Dinâmica de Grupo, sob a direção de mais eficaz (de fato o era), a ordem de apresentação de ambos os Cartwright, mudou-se do MIT para a Universidade de Michigan, lados faz alguma diferença? Alguns argumentam que as pessoas onde se tornou parte do Institute for Social Estava são mais influenciadas pelo que ouvem por primeiro sobre deter- também no Institute for Social Research em Michigan Rensis minado assunto (isto é, o efeito de primazia); outros defendem que Likert, que era encarregado de pesquisa. Ele trouxe consigo para as pessoas são mais influenciadas pelo que escutaram por último Ann Arbor alguns dos pesquisadores que tinham trabalhado com a respeito de um assunto (isto é, o efeito de o seu caráter ser mais ele durante a guerra em pesquisa. O amplo espectro de métodos recente). A maioria dos dados do programa de Yale favoreceu os de pesquisa efetivamente empregados pelos pesquisadores no efeitos da informação mais recente na persuasão. Institute for Social Research reflete-se no volume editado por e Katz (1953), Research Methods in the Behavioral Se existia uma orientação teórica ampla no início do programa Sciences. Instituto atraiu para Ann Arbor muitos cientistas de estudos de Yale, esta era, evidentemente, a da teoria do sociais famosos. Eles foram atraídos pelas perspectivas de ter, ao comportamento de Hull/Spence. No final do programa, contudo, mesmo tempo, uma cadeira de ciências sociais na Universidade a orientação teórica principal era a cognitiva. Era fácil, no início, manipular as principais variáveis independentes, pois elas se e a direção de pesquisa dentro do referiam à forma e ao conteúdo das mensagens nos diversos programa de pesquisa em comunicação e mudança de meios. Foi apenas no volume 3 da série de Yale (Rosenberg et alii, atitude do pós-guerra de Yale, sob a direção de Hovland, reuniu 1960), que foi publicado uns 15 anos após o início do programa um brilhante grupo de pesquisadores, muitos dos quais tinham após a guerra, que o foco de interesse mudou para a compreensão colaborado previamente no contexto da guerra. Ele também atraiu de como a comunicação era organizada nas mentes das pessoas a Yale um talentoso grupo de estudantes de pós-graduação em expostas às várias comunicações experimentalmente construídas. psicologia social, muitos dos quais acabaram se tornando líderes interesse aqui era pelos modelos de consistência cognitiva na em sua área durante a era moderna. Essa nova geração desempe- mudança de atitude. A série de estudos de Yale não era, desde o nhou um importante papel no estabelecimento da psicologia social início, cognitiva em sua orientação. Diferentemente do programa como ciência experimental. A psicologia social experimental que rival do MIT (e mais tarde em Michigan), ela não refletiu a eles ajudaram a moldar era, na verdade, um fenômeno caracteris- influência da psicologia da Gestalt. Tornou-se antes um programa ticamente americano. de pesquisa cognitivo, em vez de ter começado como tal. programa de pesquisa experimental de Yale era mais Muitos dos importantes pesquisadores em psicologia social ortodoxo que o do MIT. Os pesquisadores de Yale apoiavam-se da era moderna fizeram seus aprendizados em um ou outro desses muito no modelo da análise de variância (ANOVA) em seus dois programas. Alguns poucos, como Kelley, conseguiram até estudos experimentais. Suas variáveis independentes mais impor- fazer um aprendizado em ambos os programas. Os primeiros tantes eram as formas e o conteúdo das mensagens e as fontes professores de ambos os programas, e seus grupos de alunos de de onde pareciam se originar. Hoyland e seus colaboradores doutorado imediatamente após a guerra aposentaram-se recente- tentaram transformar a retórica numa ciência exata (Billig, 1987). mente ou já estão mortos. Em certo sentido, é o fim de uma era. Eles tentaram estabelecer alguns poucos princípios gerais de Isso faz do momento atual um momento oportuno para se avaliar a importância de suas realizações. Esta, contudo, não é minha 22 23</p><p>intenção neste livro. Aqui não estou interessado no florescimento volvimento da psicologia social na América. Cartwright (1979), junta- da psicologia social na América durante a era moderna, mas em mente com Allport, Jones e eu mesmo, acredita que a psicologia social, suas raízes. Cartwright, um proeminente membro da geração de na era moderna, é caracteristicamente um fenômeno americano. Ele psicólogos sociais por quem estou interessado, expressou isso fornece, contudo, uma avaliação melhor que a de Jones (1985), sobre desta maneira em sua "Katz-Newcomb Lecture" na Universidade a contribuição européia para o florescimento peculiar da psicologia de Michigan: "Toda a história da psicologia social como um social na América no período após a guerra: campo de pesquisa empírica se estende por um período de surgimento do nazismo na Alemanha, com o intelectualismo e aproximadamente 80 anos apenas. E sendo que seu crescimento o anti-semitismo pernicioso que acompanharam, resultou, ocorreu dentro das últimas quatro décadas, ela é fundamental- como todos sabemos muito bem, na migração para a América de mente o produto de professores que estão ainda ativos dentro de muitos líderes acadêmicos, cientistas e artistas da Europa... Mal sua área" (Cartwright, 1979, p. 82). Agora, após uma década e poderíamos imaginar como seria a situação hoje se pessoas tais meia, muitos desses professores não estão mais na ativa. como Lewin, Heider, Kohler, Wertheimer, Katona, Lazersfeld e os Brunswiks não tivessem ido aos Estados Unidos no momento em que foram (Cartwright, 1979, p. 85). A dimensão européia De particular importância, como mostro no capítulo 6, foi a Cartwright (1979) não está muito seguro que suas próprias migração dos psicólogos da Gestalt da Áustria e da Alemanha credenciais o constituam um historiador da psicologia social para a América. Isso começou já em 1927, mas se acelerou com a moderna. Na conferência citada, ele se descreve, modestamente, subida de Hitler ao poder em 1933, e com a "Anschluss" de 1938. como um observador participante. Como um historiador da psico- Embora a migração ocorresse antes da segunda guerra mundial, seus logia social, leva vantagem tanto sobre Allport (1954), como sobre efeitos completos não foram percebidos até depois da guerra. Alguns Jones (1985), em não concordar com uma filosofia positivista da dos acontecimentos centrais dessa migração estão inciuídos na lista ciência que poderia distorcer sua visão histórica (veja abaixo). Sua das datas históricas importantes reproduzidas no Apêndice 1. contribuição, na verdade, é rudimentar e impressionista como Se traçarmos uma distinção nítida entre o longo passado da costuma ser a de um observador participante. psicologia social como parte de toda a tradição intelectual ociden- Cartwright está profundamente consciente das muitas con- tal e sua curta história como uma ciência experimental na América, tingências que moldaram o desenvolvimento histórico da psicologia então toma-se fácil perder de vista a importância de um movimento social na América durante a era moderna. Diferentemente das que ocorreu durante os inícios desses dois períodos, cuja narrações mais completas apresentadas por Allport (1954) e por Jones cia completa (isto é, a psicologia social cognitiva) não se tomou (1985), Cartwright (1979), no seu breve esboço, toma em considera- evidente até um período posterior. Lindzey e Aronson (1985) fazem ção um conjunto bem mais de características que as empre- isso na última edição do Handbook of Social Psychology, devotando gadas tanto por Allport, como por Jones, ao analisarem as influências dois capítulos distintos ao longo passado (Allport, 1985) e à curta no desenvolvimento histórico da psicologia social: "Se fôssemos história (Jones, 1985) da psicologia social. Tal visão somente pode obrigados a uma pessoa que teve o maior impacto nesse levar a uma explicação mais etnocêntrica da psicologia social campo, essa deveria ser Adolf Hitler" (Cartwright, 1979, p. 84). moderna que é claramente apoiada pelos fatos históricos: as raízes são vistas como européias, e as flores como especificamente Acontecimentos da vida real podem ter uma influência dra- americanas. A movimentação das pessoas entre as culturas é pelo mática no desenvolvimento histórico das disciplinas acadêmicas. menos tão significativa como que acontece dentro de uma No capítulo 9 discuto impacto da guerra sobre o desenvolvimen- cultura. Isso é tão verdadeiro na Europa como na América. to da psicologia social. Isso inclui o efeito da grande guerra de 1914-18, bem como da segunda guerra mundial. Também inclui A migração dos psicólogos da Gestalt da Áustria e da Alema- uma avaliação das da recente guerra fria no desen- nha para a América foi a fonte principal de inspiração para a 24 25</p><p>psicologia social cognitiva, uma caraterística extremamente pe- A ciência cognitiva, bem como a psicologia social moderna, culiar da psicologia social da era moderna. Suas raízes devem principalmente um produto do após-guerra. As formas de ser buscadas na fenomenologia. Essa era uma forma de filosofia cognição, no entanto, são claramente distintas nos dois No claramente distinta do positivismo que se tinha estabelecido na primeiro, inclui a linguagem do engenheiro de telecomunicação e América na forma de behaviorismo durante o período entre as a do cientista da computação, isto é, a teoria da informação. Ele duas guerras mundiais. Os psicólogos da Gestalt não se tinham pode, mas não necessita ser, um modo de comunicação especifi- defrontado com o behaviorismo até que chegassem ao Novo camente humano. A metáfora da raiz é a de um sistema artificial Mundo. Foi desse conflito entre duas filosofias rivais, mas incom- de comunicação. Na psicologia cognitiva, a linguagem da cogni- patíveis (isto é, fenomenologia e positivismo), que a psicologia ção deriva de uma perspectiva fenomenológica do mundo. Quan- social emergiu na América, na forma específica como se deu, do outro é outra pessoa (em vez de, por exemplo, um objeto), o logo no início do moderno. Mostrarei que a psicologia da modo de comunicação é interpessoal, isto é, social. Como modo Gestalt foi o ingrediente crucial nessa transformação. conflito de comunicação, a linguagem é especificamente humana. Ela é ocorreu em solo americano, e também o resultado uma forte também um modo intrinsecamente social de comunicação. psicologia social cognitiva foi um produto claramente americano. A psicologia social moderna pode, pois, ser, na verdade, um Depois da primeira guerra mundial, Titchener alertou os fenômeno caracteristicamente americano, mas ao menos a feno- psicólogos na América de que se eles aceitassem o behaviorismo, menologia era poderiam estar trocando uma ciência (isto é, a ciência da mente) por uma tecnologia. Após a segunda guerra mundial, eles troca- Psicologia social cognitiva e ciência cognitiva ram uma tecnologia (isto é, o behaviorismo) por outra (isto é, a ciência cognitiva). As linguagens da tecnologia e da fenomenolo- Os psicólogos sociais na América eram teóricos cognitivistas gia são profundamente estranhas entre Pode-se falar a lingua- numa época em que isso não era moda, isto é, no auge do gem da fenomenologia e permanecer psicólogo social. Isso não é behaviorismo. Isso se deveu principalmente à influência dos verdadeiro da linguagem da tecnologia. Uma psicóloga social pode psicólogos da Gestalt. A tradição cognitiva dentro da psicologia aprender a falar essa linguagem, mas uma vez que está versada social americana não era apenas diferente, internacionalmente, no em seu uso, provavelmente não continuará a ser um psicóloga contexto da psicologia social; ela era também diferente, nacional- social por muito tempo. Isso é assim porque as formas de lingua- mente, no contexto da ciência cognitiva. A ciência cognitiva gem e da inteligência que são do interesse do psicólogo cognitivo surgiu da colaboração, durante a guerra, entre psicólogos, enge- são artificiais e não naturais. nheiros de telecomunicação e cientistas da computação. Espero mostrar, especialmente nos capítulos 2, 3 e 5, que os Gardner (1985), em sua história do que ele apropriadamente psicólogos sociais em ambos os lados do Atlântico, antes da chama de nova ciência da mente, reconhece imediatamente o segunda mundial, estavam interessados no estudo das papel desempenhado pelos psicólogos da Gestalt e pelos psicólo- formas naturais de linguagem e da inteligência. Não é surpresa gos sociais americanos na revolução cognitiva. Em Harvard, por que em tempos de guerra (especialmente duma guerra quente) os exemplo, o papel desempenhado por Bruner (1983) foi mais modos artificiais de comunicação devam prevalecer sobre os claramente social que o desempenhado por Miller. Em Yale, o especificamente interpessoais. Mesmo dentro da psicologia social papel desempenhado por Abelson foi mais claramente social que moderna, existem modelos de comunicação claramente distintos. O o desempenhado por Schank (Schank e Abelson, 1977). Outros modelo genérico de comunicação e de mudança de atitude dentro do programa de estudos de Yale, por exemplo, deve mais psicólogos sociais que contribuíram tanto para a ciência cognitiva a um contexto militar do que, digamos, o modelo das relações como para a psicologia social cognitiva são Nisbett e Jones (Jones interpessoais de Heider, que se fundamenta numa perspectiva e Nisbett, 1972; Nisbett e Wilson, 1977). explicitamente fenomenológica (Heider, 1958). 26 27</p><p>Exportando psicologia social dos Estados Unidos to da psicologia social na Europa, especialmente nos primeiros para todo o mundo tempos da Associação Européia. Pessoas de renome entre esses psicólogos sociais americanos foram Festinger, Cartwright, A psicologia social que se desenvolveu como um fenômeno Schachter e Katz. Cartwright desempenhou também papel impor- especificamente americano na era moderna é uma forma tante no apoio ao estabelecimento da psicologia social no Japão gica de psicologia social. Ela é a forma dominante de psicologia durante a reconstrução désse país após a guerra. social nos EUA (Jones, 1985), também no mundo de fala inglesa. Há tradições de pesquisa em psicologia social que se desen- Embora seja também uma forma de psicologia cognitiva, ela é volveram e que se originaram na Europa. Duas das mais influentes totalmente diferente da ciência cognitiva, que também se desen- dessas tradições de pesquisa foram a teoria de identidade social volveu nos EUA nos tempos modernos (veja acima). É diferente de Tajfel e a teoria das representações sociais de Moscovici. A porque suas raízes são muito distintas. As raízes vão mais a fundo primeira estava muito mais estreitamente ligada à psicologia que as da ciência cognitiva. Meu propósito principal, ao escrever social americana, do que a segunda. Era nitidamente uma forma este livro, é identificar algumas dessas Ela diverge também das formas sociológicas de psicologia social, algumas das quais de psicologia social psicológica, que tinha suas raízes na teoria são também originárias da América do Norte. Embora existam dos processos de comparação social de Festinger, e que constituía uma crítica dos estudos de campo das relações intergrupais de hoje poucos laços, se é que exista algum, entre essas duas formas de psicologia social, ao menos no contexto dos EUA, não foi Sherif. Tajfel produziu uma teoria do preconceito puramente sempre assim. Essas duas formas rivais de psicologia social cognitiva que se constituiu numa contribuição significativa a uma possuem muitas raízes comuns. parte de minha intenção, ao psicologia social já altamente cognitiva. Esta última foi a forma escrever este livro, identificar algumas dessas raízes comuns. dominante de psicologia social na fala inglesa, durante a era moderna da psicologia social. Embora a teoria da identidade social modelo de exportação de psicologia social dos EUA, durante se tivesse originado na Europa, se desenvolveu muito rapidamente o período moderno, foi a forma dominante de psicologia social pelos países da antiga Comunidade Britânica. Isto não causa psicológica. Os americanos, após a guerra, desempenharam um surpresa, pois o inglês era a língua comum de comunicação nessa papel central na reconstrução das universidades, tanto na Alema- Comunidade. Tajfel, através de sua teoria, contribuiu mais para a nha como no Japão. A psicologia social que eles ajudaram a individualização do social (veja capítulo 6), do que para a sociali- estabelecer ali foi uma forma psicológica, e não sociológica, da zação do indivíduo. Isso fica evidente em sua crítica a Sherif e em disciplina. Os americanos desempenharam também um papel sua decisão de conduzir experimentos dentro de um vácuo cultural importante na Europa, ao ajudar a constituir o que é hoje a e histórico, isto é, em laboratório. Seu trabalho foi desenvolvido Associação Européia de Psicólogos Sociais Experimentais. Havia, por seus estudantes de maneiras bastante contraditórias. Alguns, psicólogos sociais individuais trabalhando longe, mais especificamente Turner com sua teoria de auto-categoriza- isolados uns dos outros, em vários países Os americanos ção, ainda mais para a individualização do social, envolvidos na reconstrução da Europa após a guerra, ajudaram enquanto que outros, especialmente Billig com seu enfoque retó- esses psicólogos sociais isolados a se encontrarem. Um papel rico, mais para restabelecer as dimensões culturais central nesse processo foi desempenhado pelo "Scientific Liaison Officer" da Secretaria de Pesquisa Naval, sedia- e temporais nos estudos dos sociais. da na Embaixada Americana em Londres. Lanzetta, de modo Moscovici, ao escolher Durkheim como um ancestral adequa- específico, desempenhou um papel central no fortalecimento da do para sua teoria das representações sociais, contribuiu para principiante Associação A liderança intelectual da As- assegurar que essa tradição francesa de pesquisa em psicologia sociação, é evidente, foi propiciada por personalidades européias social, que ele iniciou no começo da era moderna, fosse classifi- proeminentes, como Tajfel e Moscovici. Psicólogos sociais dos cada como uma forma sociológica de psicologia social e não como EUA forneceram apoio logístico importante para o desenvolvimen- uma forma psicológica. Ela se constitui numa importante crítica 28 29</p><p>sobre a natureza individual da tradição psicológica dominante da No início da era moderna, a psicologia social nas universida- psicologia social nos EUA. também um desafio importante à des da América Latina foi fortemente influenciada pela forma hegemonia da psicologia social americana dentro da Europa psicológica dominante de psicologia social dos EUA. A psicologia durante a era moderna. E o único exemplo de um diálogo contínuo social na era moderna foi um fenômeno caracteristicamente ame- entre uma forma psicológica e uma forma sociológica de psicologia ricano. Muitos dos professores de psicologia social social. O diálogo é transatlântico e não A pes- nas universidades latino-americanas receberam sua formação de quisa em representações sociais é agora também um diálogo nos Estados Unidos. Essa é uma situação que Há importante corpo de pesquisa em representações agora está começando a reverter, na medida em que a psicologia sociais em italiano, espanhol e português, è os inícios de uma social está se fortificando mais na Europa e a hegemonia da língua literatura em alemão. Com o florescimento da literatura em espa- inglesa, como veículo de publicação em psicologia social, está nhol e português, há atualmente um intercâmbio transatlântico sendo desafiada pela literatura florescente, em psicologia social, considerável entre a Europa e a América do Sul em relação ao nos idiomas estudo das representações sociais. A tradição psicológica dominante da moderna psicologia positivismo na história e na historiografia social se espalhou tanto ao norte, como ao sul, dentro das da psicologia social Ela se estabeleceu firmemente, embora não necessa- riamente de maneira dominante, no Canadá. Alguns professores A psicologia social é, normalmente, transmitida de uma americanos se dirigiram ao norte para colher informações em geração de estudantes à seguinte através de um programa de universidades canadenses, especialmente durante a guerra do doutoramento. Os manuais desempenham um papel central na Os canadenses, contudo, estavam mais propensos que formação de pós-graduação da maioria dos psicólogos sociais. A seus primos americanos em questionar essa tradição de pesquisa série de Handbooks of Social Psychology, editados por Lindzey dominante em psicologia social. Perceberam logo a ausência, nos (1954) ou por Lindzey e Aronson (1968-9, 1985), durante o período Estados Unidos, de qualquer diálogo entre as formas sociológicas da psicologia social moderna, foram importantes na transmissão e psicológicas de psicologia social. Dois dos melhores livros das formas dominantes de psicologia social psicológica. Isso é escritos até agora sobre a ausência de tal diálogo, na América, verdadeiro tanto se o programa de pós-graduação, em que os entre formas psicológicas e sociológicas de psicologia social, manuais são usados, é oferecido nos Estados Unidos ou em outras foram escritos por canadenses, ou por acadêmicos que foram partes do mundo. Esse é o período em que a psicologia social educados em universidades canadenses (Jackson, 1988; Collier et emergiu como uma ciência experimental, principalmente na Amé- alii, 1991). Os autores desses dois volumes tiveram mais sucesso rica. positivismo desempenhou um papel central nesse proces- em identificar e descrever o problema, do que em resolvê-lo. No Essa é parte da história que se desdobra nas páginas que se entanto, constatar que existe um problema é estar além da metade seguem. Espero também tornar evidente o papel do positivismo do caminho para sua solução. Penso que um enfoque mais na conformação das explicações históricas que nós temos atual- estritamente histórico ajudará a resolver a questão. Os psicólogos mente disponíveis na psicologia social moderna. A evidência para sociais no Canadá estão mais atentos que seus primos americanos essa última afirmação será apresentada mais pormenorizadamen- à importância da linguagem e da cultura como fenômenos sociais. te no capítulo 10. altura, espero, o leitor estará numa Isso tem a ver com a natureza dividida da sociedade e da cultura posição melhor para julgar a verdade da afirmativa e para avaliar canadense. Os psicólogos sociais francófonos do Canadá podem sua importância histórica. Ela será, também, uma garantia neces- tanto dirigir-se a Paris, como ao sul de suas fronteiras com os sária para mim, a fim de apresentar uma explicação histórica Estados Unidos. Na verdade, os canadenses trouxeram contribui- alternativa da psicologia social moderna. ções importantes para a teoria das representações sociais, espe- A versão de Allport sofre os fundamentos históricos da psico- cialmente no que diz respeito à maneira como ela se relaciona com os meios de comunicação de massa. logia social moderna constitui o capítulo inicial do Handbook of 31 30</p><p>Social Psychology, editado por Lindzey (1954). Esse foi o primeiro tórica desse fenômeno. Sua versão, contudo, é seriamente incom- de uma série de três Handbooks editados por Lindzey (1954), ou por Lindzey e Aronson (1968-9, 1985) que, coletivamente, consti- pleta, mesmo no que se refere ao cenário dos EUA. Isso é assim tuem a psicologia social moderna. A versão de Allport tem sido porque seu interesse primeiro, mostrado de maneira é apresentada em todas as três edições do Apareceu na traçar desenvolvimento da psicologia social como uma subdis- edição original, numa edição revisada e numa composição modi- ciplina da psicologia. Isso ignora as tradições de psicologia social ficada (Allport, 1954, 1968 e 1985 respectivamente). Os manuais que se desenvolveram no contexto da sociologia e das outras são importantes na história de uma disciplina (veja capítulo 5), pois ciências sociais. Espero, no presente volume, incluir formas so- eles possuem uma influência formativa na socialização de gerações bem como psicológicas, de psicologia social. Jones se sucessivas de estudantes de pós-graduação. Eles são uma fonte considera justificado ao ignorar formas sociológicas da disciplina importante de identidade profissional dos estudantes matriculados porque, como ele demonstra em sua análise dos livros-texto, por em programas de doutorado em psicologia social. São um guia mais exemplo, eles constituem uma tradição minoritária na era moder- confiável para o desenvolvimento histórico de uma disciplina do fracasso dos programas de doutorado conjuntos em psico- que, por exemplo, os livros-texto, que tendem a refletir a popula- logia social e outras ciências sociais é uma peça a mais de ridade de um tópico, entre estudantes de graduação. evidência empírica que Jones cita em apoio a sua posição. De maneira mais controversa, ele crê que a formas sociológicas de o foco de meu interesse nesse livro é a psicologia social psicologia social são menos científicas que a tradição americana moderna, embora eu tenha mais a dizer sobre suas raízes do que de psicologia social como uma subdisciplina da psicologia. É a sobre seu florescimento. Para avaliar seu florescimento, antes de história desta última que ele narra. tudo é necessário, em minha opinião, compreender suas raízes e as relações entre essas raízes e a flor. também necessário, diria, Tenho reservas quanto à vantagem de separar a história do compreender as variedades do gênero que subsistem hoje. Essas pensamento (Allport, 1954) da história da pesquisa (Jones, 1985). vão incluir variáveis que se encontram apenas na Europa, e outras Mas isto é mais da decisão dos editores, que da que se encontram apenas em disciplinas afins, tais como a decisão de Jones quanto à natureza de sua própria contribuição sociologia. Uma história específica da psicologia social moderna, para aquele volume. A coexistência desses dois capítulos, na como algo distinto duma narrativa das origens dessa história última edição do Handbook (Allport, 1985; Jones, 1985), impede (Allport, 1954), não apareceu na série moderna de Handbooks até que os psicólogos sociais, em âmbito mundial, possam usufruir de sua última edição (Jones, 1985). Em sua versão, Jones sublinhou um referencial útil, para avaliar o desenvolvimento histórico de os principais desenvolvimentos na disciplina durante o curso das sua disciplina. Isso é assim porque as raízes da psicologia social cinco primeiras décadas (isto é, de 1935 a 1985). Sua narrativa é moderna são tratadas separadas de sua flor. As raízes são predo- uma história de instituições, de programas de doutorado conjuntos minantemente européias, enquanto que a flor é tipicamente ame- de psicologia social e de outras ciências sociais, de livros-texto e dos principais programas de pesquisa. É uma descrição da pes- ricana. A divisão de responsabilidade entre Allport e Jones com quisa e do progresso na pesquisa, mais que uma história do respeito a sua cobertura da história da psicologia social reflete, pensamento. Nesse sentido, ele difere nitidamente do capítulo suspeito eu, da parte dos editores, uma filosofia positivista de vizinho de Allport (1985), que é mais uma história de idéias que ciência. Allport cobre passado metafísico da psicologia social, uma história de instituições. enquanto que Jones cobre sua curta história, desde o momento em que ela se tornou uma ciência experimental, principalmente Jones limitou sua análise à história da psicologia social dos na América. Esse é um tema ao qual irei retornar com mais EUA. Isso, em si mesmo, é uma contribuição importante aos detalhes no capítulo final deste livro. Jackson (1988) apresenta estudos modernos. Na opinião de Allport (1954), com a qual uma explicação melhor tanto do passado, como do presente, da concordo, a psicologia social moderna é caracteristicamente um fenômeno Jones nos forneceu uma narrativa his- psicologia social moderna, sem criar tão perniciosa ruptura entre metafísica et ciência. 32 33</p><p>Não há sentido em escrever a história de uma disciplina se já Allport como um exemplo do que Butterfield (1951), o historiador existe uma versão adequada dela. Indiquei acima algumas de chamou de falácia "Whig" na interpretação da história. minhas razões de estar insatisfeito com a explicação propiciada Ela significa a "tendência de muitos historiadores de escrever a por Jones (1985). Meus objetivos, no presente livro, são mais partir de perspectivas protestantes e Whigs, de elogiar as revo- abrangentes que os de Jones, pois desejo incluir tradições de luções depois que elas foram bem sucedidas, de enfatizar deter- pensamento e de pesquisa tanto européias, como das minados princípios de progresso no passado e de construir uma Desejo também incluir formas de psicologia social tanto socioló- história que é a ratificação, se não a giorificação, do presente" gicas, como psicológicas (capítulo 7). Isso é especialmente impor- (Butterfield, 1951, p. tante para mim, pois as raízes da psicologia social moderna jazem no solo intelectual de toda a tradição ocidental. Ao identificar Comte como seu fundador, Allport estava defendendo que a psicologia social era agora uma ciência. Para Divirjo ainda de Jones em outro aspecto. Ele aceita, mas eu Allport (1954) ela é uma ciência social. Para Jones (1985) ela é rejeito, a explicação dada por Allport, dos fundamentos históricos uma ciência experimental. Ambos os autores, contudo, funda- da psicologia social moderna. Não estou sozinho em questionar a mentam suas explicações históricas em termos de uma filosofia validade dessa explicação (por exemplo, Samelson, 1974). Ao ser positivista de ciência. a mesma filosofia geral de ciência publicada pela primeira vez (Allport, 1954) ela foi uma contribuição defendida pelos editores do volume em que seus trabalhos valiosa para o conhecimento. menos valiosa agora, 40 anos aparecem. Tratarei bem mais longamente, no capítulo 8, dos riscos depois. Foi reeditada duas vezes (Allport, 1968, 1985), com apenas em nomear ancestrais e em identificar fundadores e, no revisões ou emendas sem importância. Isso pode refletir um capítulo 10, da influência do positivismo ao se escrever histórias pensamento, da parte dos editores do Handbook (isto é, Lindzey ao se editarem manuais. e Aronson) de que, já que o longo passado da psicologia social está agora muito distante, não há necessidade de revisar seu Os assuntos discutidos no parágrafo anterior têm mais a ver entendimento. Não é sábio, do meu ponto de vista, separar, dessa com a do que com a história da psicologia social. maneira, o passado de uma disciplina de seu presente. Como O positivismo é uma força importante tanto dentro como sobre a Mead (1932) demonstrou, em sua filosofia da história, o passado história da psicologia social. O behaviorismo é a forma que ele é sempre reconstruído da perspectiva do presente. Não há um fim assumiu na história da psicologia social. Nesse ponto, Floyd nesse processo. Allport, o irmão de Gordon, desempenhou um papel importante O problema em escrever a história a partir do enfoque da história (ver capítulo 6). A criação de um mito original falso para a das idéias, que Allport adotou, é que os critérios para decidir o que psicologia é apenas uma das formas que o positivismo assumiu, incluir e o que excluir são, muitas vezes, longe de serem claros, e na historiografia de uma disciplina. Nesse ponto, Gordon Allport, apenas raramente se tornaram explícitos. Smith (1988) levantou esse irmão de Floyd, desempenhou um papel importante. Gordon, problema com respeito às histórias da psicologia. A partir do que, desse modo, e a obra de seu irmão pergunta ele, é a história da psicologia a história? Existem muitos Floyd. Um cria a revolução que o outro celebra. A falácia Whig fundamentos históricos possíveis para a psicologia social moderna, torna-se aqui um mero assunto de família. dos quais o escrito por Allport é apenas um. Em sua época, ele foi importante, e agora é, ele também, parte da história da disciplina da qual, inicialmente, ele foi apenas uma introdução. Samelson (1974) acusou Allport de criar um mito original falso para a psicologia social ao nomean Comte como seu fundador. Ele 1. partido Whig foi um antecessor do partido liberal moderno. Eles estiveram no poder de identificou a fonte secundária, a língua inglesa, onde Allport foi 1714-60 e pressionaram o desenvolvimento industrial e comercial e a tolerância religiosa. Durante a Revolução Francesa os Whigs exigiram reforma parlamentar na Inglaterra. Com buscar seu conhecimento de Comte. Samelson tomou o artigo de a aprovação da Carta de Reformas em 1832, eles se tornaram conhecidos como liberais. 34 35</p><p>escrito 2. A EMERGÊNCIA DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA NATURAL E Compartilho a crença de Allport (1954) e de Jones (1985) de era moderna da psicologia social iniciou no fim da segunda SOCIAL NA ALEMANHA a mundial. Meu ponto de vista, diferentemente do deles, não fundamentado em nenhuma filosofia especial de ciência. a explicação está muito mais próxima da história apresenta- r Jones, do que aquela apresentada por Allport. Isto porque interesse liga-se à história das instituições, e não à história déias. O período histórico que cubro, no presente livro, como do, porém, é o de Allport e não o de Jones. Isso porque estou Dado que a forma dominante de psicologia social se desen- nos fundamentos históricos da psicologia social mo- volveu nos Estados Unidos como uma subdisciplina da psicologia, Não tenho dificuldade em aceitar, juntamente com Allport e não da sociologia, é necessário buscar suas raízes no contexto es, que o florescimento da psicologia social na era moderna da antiga disciplina. A psicologia surgiu como uma disciplina fenômeno caracteristicamente estadunidense. específica na Alemanha na segunda metade do século dezenove. Atribui-se geralmente a Wundt (como o faz, por exemplo, Boring, 1929) o título de fundador da psicologia como ciência experimen- tal. A primeira edição do livro-texto de Wundt Grundzüge der phisiologische Psychologie (Fundamentos da psicologia física) foi publicado em 1873-4; ele criou um laboratório de psicologia em Leipzig em 1879 e lançou uma revista de pesquisa Philosophische Studien em 1881. É bem menos sabido, especialmente entre psicólogos, que Wundt também escreveu dez volumes de psico- logia social (sua Völkerpsychologie) entre 1900 e 1920. extrema- mente pertinente aos propósitos do presente livro compreender porque Wundt preferiu separar sua psicologia social de sua psico- logia experimental. Antes de passar a discutir esta questão espe- cífica, é conveniente, primeiro, compreender algo sobre o contexto mais amplo onde esses desenvolvimentos aconteceram. Wissenschaft: o nascimento da universidade de pesquisa moderna A universidade medieval preparava seus estudantes para as antigas profissões da medicina, do direito e da Igreja. Humboldt criou a universidade moderna quando ele restabeleceu a Univer- sidade de Berlim em 1809. elemento novo da universidade moderna foi a pesquisa, ou a O campo de pesquisa do próprio Humboldt era a comparativa. Foi possível, então, pela primeira vez, conseguir graduar-se apenas através da pesquisa. O grau de Doutor em Filosofia atraiu muitos estudantes 36 37</p><p>foram atraídos não apenas pelos entre 1865 e 1914. Eles estudaram nas universidades de 10.000 americanos de fora. historiador Sokal (1981) calcula que ao redor universitário mas também pelo surgimento, prospectos do estudo de psicologia alemão, de campos de estudo dentro do sistema tica, a fisiologia, era um desses campos. Outros campos totalmente incluíam A a botânica e a química. Foi a faculdade a em pesquisa no fato de que, mesmo hoje, o novas Isso se reflete que deu surgimento a essas de artes, social, em todo na o maioria das faculdades de grau ciência mais e importante ciência mundo, é ainda o doutorado em de incapazes de History of the Experimental predominantemente americanos Boring (1929) de sua percebeu que os leitores entendimento mais compreender o texto de sua narrativa Psychology seriam em página editores) organizaram universitário ale- Ele (ou seus pormenorizado do sistema sem um datas de sua dupla, dessas antigas universidades com cuidado um mapa, é tirado da segunda fundação). edição mapa, de seu que livro é reproduzido (Boring, (junto na Figura com 2.1, as localização segunda capas e respectivas folhas duas vezes, na Em ambas e terceira as edições o mapa é reproduzido 1950). um Parece mostra dar sua importância em relação ao de guarda. Esta logia nasceu o sistema universitário dentro Identifica, com o maior cuidado uma dupla mensagem. volume como universitário é como ciência natural e do qual a psico- fundadas durante antigo. os Muitas das universidades próprio do sistema dos Estados períodos pré-colonial mapa foram ao mesmo tempo Como tema de estudo, ou colonial da história como um campo de antiga e moderna. Como ciência, a psicologia ela é é, pois, Quando especulação dentro da filosofia, ela é Psychology, a Boring psicologia (1929) escreveu sua History of antiga. cer Na seus colegas uma de suas razões para escrever era ainda parte da verdade, em Harvard Experimental estabelecida separadamente de Harvard da que a psicologia o poderia livro era agora conven- ser argumentação uma ciência experimental a (O'Donnell, filosofia 1979). e ser Fazia reconhecida como como campo de que estudo, psicologia tinha uma respeitável parte de sua haus (1908) como uma ciência mas moderna. que ela Uns tinha surgido, nos tempos história tinha expressado isso de maneira 20 anos mais antes, Ebbing- "A das 38 por 39</p><p>Psicologia tem um longo passado, mas apenas uma curta logia era totalmente, ou apenas em parte, um ramo das ciências História, aqui, é a história de uma ciência. O que tinha havido antes, naturais. A geração mais jovem não podia perdoar o fundador de sua isto é, a metafísica, é agora parte da pré-história da nova ciência. disciplina por ter afirmado que a psicologia era apenas em parte um Esta maneira de distinguir entre o passado e o presente de uma ramo das ciências naturais. Wundt afirmava que não era possível ciência reflete o modo de agir de uma filosofia positivista da ciência. estudar os processos mentais mais profundos de maneira experimen- tal. A geração mais jovem começou quase de imediato a provar que ele estava errado: em Würzburg, estudando o pensamento Formas rivais de Wissenschaft: sem imagem e Ebbinghaus, em Berlim, estudando a memória. e Geisteswissenschaft No pensamento da geração mais nova de experimentalistas, Embora a tradição da Wissenschaft separe a forma moderna especialmente Külpe e Ebbinghaus, o organismo substituiu a da forma medieval de universidade, havia muita discussão entre psique como o foco de sua atenção. Aqui, a pele forma um limite os círculos acadêmicos na Alemanha a respeito de formas rivais distinto entre o objeto de estudo, isto é, o indivíduo, e o ambiente da Wissenschaft. A distinção mais amplamente aceita era entre desse indivíduo. O objeto de estudo é, então, um objeto limitado, as Naturwissenschaften e as Geisteswissenschaften. Isto corres- seja ele animal ou humano. A relação figura/fundo é realçada quando ponde, de maneira superficial, no mundo de fala inglesa, à a figura é a de um outro ser humano. A distinção é bem mais nítida distinção entre ciências naturais, de um lado, e ciências humanas do que quando a mente é o objeto de estudo em psicologia, como e sociais, de outro. Na Inglaterra e no País de Gales, por exemplo, tinha sido tanto para Wundt como para James. difícil distinguir corresponde à distinção entre a Royal Society de Londres e a entre a mente e seu contexto social e cultural. A substituição da Academia A distinção é muito importante no atual psique pelo organismo foi um passo preliminar importante no contexto, pois levou Wundt a separar sua psicologia experimental processo de se considerar a psicologia toda como um ramo das (parte das Naturwissenschaften) de sua psicologia social (parte ciências naturais. Esse fato marca também a transição da filosofia das Psicologia, para Wundt, era apenas para a biologia como a disciplina-mãe para a psicologia. em parte um ramo das ciências naturais. Ele percebeu que seria Nos Estados Unidos, esse mesmo processo tomou uma dire- possível resolver experimentalmente certos problemas específicos ção um pouco diversa. Watson proclamou que a psicologia era dentro da filosofia. Esse projeto estritamente limitado, contudo, totalmente um ramo das ciências naturais ao declará-la como a necessitava, em sua opinião, ser suplementado por uma forma de ciência do comportamento. comportamento possui uma vanta- gem sobre a mente por ser diretamente visível. Esse é um assunto A crença de Wundt de que a ciência experimental que ele ao qual voltarei nos capítulos subsequentes. A visibilidade do tinha fundado em Leipzig era um projeto limitado, conduziu a seu indivíduo e das diferenças entre os indivíduos fez com que fosse repúdio pela geração mais jovem de psicólogos experimentais, mais fácil estudar esse último. Foi exatamente isso o que fez J. muitos dos quais ele mesmo treinara. a isso que Danziger (1979) McKeen ao retornar à América após seus estudos na chama de "repúdio positivista de Wundt". A questão principal em Alemanha e na Inglaterra (ver Sokal, 1981, especialmente p. discussão entre as duas gerações de experimentalistas, como 330-41). Embora Cattell possuísse um PhD de Leipzig, e tivesse Danziger (1979,1990) demonstrou tão amplamente, era se a psico- sido pesquisador assistente de Wundt, ele foi um dos jovens positivistas (Danziger, 1979) que repudiou Wundt. Wundt, em sua ciência experimental, estava interessado pela mente em geral, e não pelas mentes em particular. Cattell, em seu retorno à América, 2. A Royal Society de Edimburgo é semelhante à Academia Continental de Ciências, pois ao colocar a base para o teste do movimento mental, estava mais cobre o das ciências naturais, sociais e humanas. Havia laços estreitos sob a influência de Galton, que ele visitara em Cambridge entre naquele tempo entre a Escócia e a Na Inglaterra e no País de Gales, ao contrário, setembro de 1886 e dezembro de 1888 (ver as cartas de Cambridge a Royal Society de Londres tratava somente das ciências naturais. A British Academy tratava das Humanidades (e mais recentemente das ciências sociais). editadas por Sokal, 1981, p. 218-313). 40 41</p><p>A distinção entre as Naturwissenschaften e as Geisteswis- do totalmente um ramo das ciências naturais; em parte também senschaften contribuiu também para o esquecimento posterior, ao fato de os psicólogos sociais, ao menos no mundo de fala nos psicológicos, da psicologia social de Wundt. Em inglesa, não terem uma percepção clara da psicologia como uma grande parte isso se deve ao fato de que a história que realmente ciência humana e social. Os psicólogos sociais sociológicos têm aos olhos das gerações subsequentes, era a história da mais facilidade que seus primos psicológicos para tal percep- psicologia como um ramo da ciência natural. Os objetos de estudo ção. Isso se deve ao fato de estes últimos, na segunda metade da Völkerpsychologie de Wundt eram a linguagem, a religião, os do século XX, terem transformado a psicologia social num ramo costumes, o mito, a magia e fenômenos semelhantes. Esses das ciências naturais (ver capítulos 1 e 10). No início, a psico- fenômenos coletivos emergem da "recíproca interação de muitos" logia se transformou numa ciência natural, durante o período (Wundt, 1916, p. 3) e, segundo Wundt, eles não podem ser histórico coberto por este livro, e então, quase meio século após explicados em termos da consciência do indivíduo, que era a base (no período que aqui eu chamo de era moderna) a psicologia de seu laboratório científico. A psicologia social de Wundt era, social seguiu o mesmo caminho. que era Geisteswissenschaften pois, uma forma de A psicologia continuava para Wundt, tornou-se Naturwissenschaften para Floyd Allport. a ser a ciência da mente, mas na Wundt Quando a psicologia era a ciência da mente, era mais fácil conce- analisou a mente em suas manifestações externas, isto é, em bê-la como uma ciência humana e social do que quando ela se cultura. Ela continuava a ser uma ciência, mas um tipo uma ciência do comportamento. diferente de ciência: uma ciência humana e social. Na Alemanha, Dilthey (1883) colocou os das Ciência é uma tradução possível da palavra Wissens- Geisteswissenschaften. A disciplina central desse projeto era a chaft. A "ciência", infelizmente, é muitas vezes emprega- história, e a mente humana era concebida em termos históricos. da num sentido fortemente restrito na Inglaterra e no País de Gales Em Berlim havia um enfrentamento nítido entre a concepção de para se referir apenas às ciências naturais. Isso é muito diverso do Dilthey de psicologia como Geisteswissenschaft e a concepção de seu emprego no continente europeu onde, especificamente, as Ebbinghaus como Dilthey foi uma figura in- academias de ciência cobrem todo o espectro do ensino, desde as fluente nos círculos acadêmicos e, embora não fosse psicólogo, Naturwissenschaften, até as Geisteswissenschaften. Nesse senti- tinha um interesse muito ativo nas indicações para as cadeiras do, a Royal Society de Edimburgo (diferentemente da Royal dessa disciplina. Stumpf foi claramente mais simpático à concep- Society de Londres) é mais semelhante a uma academia continen- ção de psicologia de Dilthey do que o fora Ebbinghaus. Foi sob os tal de ciência. Na Inglaterra, o Iluminismo foi em grande parte um auspícios de Stumpf que a psicologia da Gestalt floresceu na assunto e existiram estreitos laços, naquele tempo, entre Universidade de Berlim (Ash, 1982, ver também o capítulo 6). a França e a Escócia. Voltaire, por exemplo, orgulhava-se do fato Dilthey é também importante no contexto da história da psicologia de ser um Fellow da Royal Society de Edimburgo. Seria muito social porque ele influenciou G.H. Mead. Mead passou os anos de improvável que fosse um Fellow da Royal Society de Londres. 1889-91 na Universidade de Berlim, e Dilthey foi o supervisor de A idéia de estudar a mente em suas manifestações externas sua tese. A tese discutia a relação entre visão e tato na percepção foi um projeto primeiramente discutido por Kant em sua antropo- do espaço. Embora Mead não conseguisse completar sua tese logia (Leary, 1982). Torna-se difícil, a esta distância no tempo, antes de ter de deixar Berlim para assumir um cargo na Universi- avaliar a importância da Völkerpsychologie de Wundt, sem ter uma dade de Michigan (ver apêndice 1), não há dúvida de que Dilthey idéia clara do que constituía as ciências humanas e sociais, isto influenciou seu pensamento. Quando Mead era estudante em é, da natureza das Geisteswissenschaften. (1983) mos- Berlim, foi influenciado tanto por Ebbinghaus como por Dilthey. trou como a história não foi benigna com a visão de psicologia de Estava, portanto, plenamente consciente da rivalidade entre as Wundt. Isso deve-se, em parte, como vimos acima, ao fato de os duas formas de Isso será discutido mais detalhada- psicólogos experimentais terem tomado sua disciplina como sen- mente no capítulo 4. 42 43</p><p>A classe dos mandarins uma clara vantagem sobre seus colegas no que se referia a publica- ções. Wundt foi certamente um editor prolífico. Boring (1950), con- Ringer (1969) descreve o alto status cultural conseguido pelo tudo, é de opinião que Wundt tinha um grande número de publicações professorado das universidades durante o século dezeno- mesmo antes de receber o presente da máquina de escrever. ve. Ele descreve posição dentro do resto da sociedade alemã Cattell indicou a si mesmo como primeiro assistente de Wundt como a da classe dos mandarins. Toma seu da classe porque pensava que o laboratório de Leipzig tinha de ser organi- mandarim da obra do sociólogo Max Weber. Os professores zado. Foi também o primeiro dos estudantes de doutorado de conseguiram esse status pelo fato de se terem tornado conselhei- Wundt a escolher o tópico de sua própria investigação, em vez de ros indispensáveis de uma monarquia iluminada em assuntos indicada por seu professor. Essa tese era sobre diferenças referente à arte de governar na modernidade. Usufruíam o status individuais no tempo de reação, um problema que Wundt descreveu de serem uma classe especial de servidores civis. A obra de Ringer, como "ganz amerikanisch" (bem americano). Wundt era provavel- mais precisamente, é um estudo do de sua influência entre mente muito acadêmico para ser um grande administrador, e desse 1890 e 1933. Isso foi ocasionado pela crise na cultura, no momento modo o auxílio oferecido por Cattell foi muito bem-vindo. Wundt em que as instituições educacionais, em geral, se adaptaram aos passava a parte da manhã em casa escrevendo. Na parte da tarde esforços da recente industrialização. O livro de Ringer é um guia ele visitava o laboratório, saía para uma breve caminhada, e depois geral útil para se conhecer pano de fundo histórico da vida e da dava sua aula diária às quatro horas da tarde. À noite ele descansava, obra de Wundt e de outros pioneiros, como Dilthey, na emergência ou ia a um concerto ou a uma ópera. "Ele evitava cerimônias da psicologia como ciência tanto natural, como social. nunca participava de congressos, não gostava de viajar, e dificil- leitor moderno é feliz pois possui uma narrativa contempo- mente tirava um dia livre" (Hearnshaw, 1979, p. 447). rânea do que significava ser um estudante de pós-graduação no Instituto de Psicologia de Leipzig nos inícios da década de 1880. Essa narrativa está nas páginas dos diários privados e da corres- Psicologia fisiológica/psicologia social pondência familiar de J. McKeen Cattell, editados e anotados pelo historiador Sokal (1981). Sendo que o pai de Cattell era o Diretor Por que separar as duas? de uma faculdade dos Estados Unidos, as cartas revelam muitas coisas referentes à natureza da vida universitária daquele tempo, Wundt não pensava ser possível estudar, através da intros- tanto na Alemanha, como nos Estados Unidos. O valor de possuir pecção, fenômenos tão profundamente mentais como o pensa- um PhD de uma universidade especialmente de Leipzig, mento. Era apenas possível, através do laboratório, estudar em termos de uma carreira acadêmica nos Estados Unidos, fica processos sensoriais básicos. Isso porque a mente não pode muitó evidente nas páginas da obra de Sokal. Do mesmo modo, voltar-se sobre si mesma e estudar aquilo de que ela mesma é pode-se perceber o poder do professorado na Alemanha. Cattell produto, Estudar a relação entre linguagem e pensamento, por possuía, às próprias custas, um tipo especial de instrumental (um exemplo, era, para Wundt, parte de sua Po- cronômetro de gravidade modificado), construído para ser usado dem-se encontrar os antecedentes desse enfoque de estudo da em seus estudos experimentais de tempo de reação. Ele guardava linguagem e do pensamento na psicologia social da linguagem seu instrumental em seu alojamento, onde realizou os estudos para como foi desenvolvida por Humboldt, Herder e Hegel (Marková, sua tese, pois tinha medo que se levasse o aparelho para 1983). E também possível perceber o desenvolvimento posterior laboratório, o aparelho seria requisitado pelo seu professor. Cattell, das idéias de Wundt na psicologia social de G.H. Mead (1934) em contudo, era mais generoso com respeito a outro tipo de aparelho Chicago (ver capítulo 4) e na psicologia do desenvolvimento de que possuía. Quando ele deixou Leipzig, doou a Wundt a máquina Vygotsky na Rússia. Ele é também fielmente preservado no em que datilografou sua tese. Outros professores na Alemanha se trabalho sobre educação de C. H. Judd em Chicago. Na verdade, deram conta que a máquina americana tinha propiciado a Wundt o pensamento dos expressionistas alemães (isto é, Humbdolt, 44 45</p><p>e Hegel) com respeito à psicologia social da linguagem, Para Wundt, Völkerpsychologie "refere-se àqueles produtos juntamente com o tratamento de Wundt sobre a linguagem mentais que são criados por uma comunidade humana e são, por (Wundt, 1973), são responsáveis pela marcante similaridade no conseguinte, inexplicáveis em termos meramente da consciência pensamento tanto de Mead como de Vygostsky. Embora fossem individual, pois eles pressupõem uma ação recíproca de muitos" nenhum deles, enquanto eu saiba, tinha conhe- cimento do trabalho do outro. (Wundt, 1916, p. 3). "A língua, por exemplo, não é uma descoberta acidental de um indivíduo; é o produto de povos falando de As limitações devidas ao emprego da introspecção para maneira geral, existem tantas línguas diferentes quantos são os estudar a mente eram também claras para William James. Dife- povos originalmente distintos. mesmo se pode dizer do início rentemente de Wundt, James estava interessado em estudar o da arte, da mitologia e dos costumes" (Wundt, 1916, p. 2). O ponto fluxo da consciência. Ele comparava o uso da no central de Wundt é que a língua e a religião foram em sua origem estudo da consciência ao acender dos lampiões de gás a fim de a criação de uma comunidade de pessoas, embora posteriormente melhor ver as trevas circundantes. Quanto mais clara a luz, maior as línguas e religiões tenham ultrapassado os limites de um único a escuridão ao redor. A tarefa é quase sem importância, embora povo, ou comunidade de pessoas e tenham se tornado universais. nem tanto para um astuto observador de sua própria mente como James. uso da introspecção feito por Wundt, contudo, era muito preciso. Os relatórios introspectivos que provinham do laboratório Concepções diferentes das origens da mente e da ciência de Leipzig referiam-se a acontecimentos que estavam imediata- Na Völkerpsychologie (especialmente na versão resumida mente presentes à consciência. Para Wundt, a introspeção era Elemente der Völkerpsychologie, 1912), Wundt estava investigan- uma forma de percepção interna (Danziger, 1980a). Quando o indivíduo é enfocado de fora, é fisiologia; quando o indivíduo é do as origens da mente. Isso é essencial à concepção de psicologia como Geisteswissenschaft. A nova geração de positivistas, con- enfocado de dentro, é psicologia. Ambos, contudo, compõem o tudo, que, nas palavras de Danziger (1979), repudiou Wundt, campo da psicologia fisiológica. Os processos generativos impli- cados na produção de fenômenos mentais coletivos, tais como a estava à procura de algo muito diferente. Eles estavam tentando linguagem, são interacionais e, consequentemente, sociais. Isso identificar a psicologia deixara de ser metafísica e torna- levou Wundt a separar sua psicologia social da psicologia fisioló- ra-se ciência (isto é, totalmente uma parte das gica. Eles eram dois projetos independentes, embora relacionados. ten). contraste entre as duas formas de Wissenschaften no que Um a psicologia social não podia ser reduzido ao outro se refere à questão das origens, é exemplificado nessa psicologia fisiológica. Um se referia à comunidade das pessoas longa citação de Koch (1985, p. 7): (um volk povo), enquanto o outro se referia ao indivíduo. É raro que os seguidores de um amplo campo de investigação tenham uma imagem de seu campo como tendo sido "criado" A respeito das limitações do uso da introspecção para explorar numa determinada data. Não se encontram celebrações milenares fenômenos mentais coletivos, Wundt tinha o seguinte a dizer: da filosofia (ou, na verdade, da física) por Tales, ou da É verdade que muitas vezes já se tentam investigar as funções criação da história por Heródoto. A pintura não é pensada como complexas do pensamento à base da mera introspecção. Essas tendo sido iniciada em algum primitivo, mesmo que seja tentativas, contudo, foram em geral sem sucesso. A consciência um propiciado por uma caverna. Se houver defensores da individual é totalmente incapaz de nos fornecer a história do invenção da literatura, eles não levaram sua proposta adiante. pensamento humano, pois ela está condicionada por uma história Praticamente todas as amplas áreas de investigação ou de atividade anterior a respeito da qual ela não pode, por si mesma, dar-nos criativa que agora estão "institucionalizadas", são vistas como disper- nenhum conhecimento (Wundt, 1916, p. 3). sas na história e na pré-história. É ridículo pensar nelas como tendo sido inauguradas numa determinada data, do mesmo modo como é A mente, nesse contexto, é, para Wundt, claramente um fenô- pensar na língua como tendo sido declarada existente por algum importante lingüista primitivo. Toda definição do que significa ser meno histórico. Isso está inerente à noção de Geisteswissenschaft humano necessita que um conhecimento psicológico tanto 46 47</p><p>implícito como explícito tenha sido "possuído" e perseguido pelo A cultura não é o único fenômeno que é externo à consciência povo juntamente com seu surgimento. dos indivíduos. A concepção estrita de Wundt, de psicologia experimental como sendo o estudo da consciência, forçou Freud, Num caso (as ciências humanas e sociais), a história é co-ex- por exemplo, a chamar sua teoria do inconsciente como metapsi- tensiva com a raça.humana; no outro caso (as ciências naturais), cologia. Quando Rosenzweig, um psicólogo clínico dos Estados ela não é inaugurada até que o campo de estudo cesse de ser Unidos, apresentou a Freud evidência experimental para a repres- metafísico e torne-se ciência. Quando o último caso ocorre, é são, Freud rejeitou essa evidência como É quase certo instituída uma nítida ruptura com passado. Seria mais que Freud procede assim pois ele igualava a psicologia experi- contudo, afirmar que a ruptura com o passado é construída pelos mental com a versão que Wundt tinha dela, isto é, interessada historiadores da ciência, pelos que escrevem a próxima geração exclusivamente com o que está presente na consciência. Külpe e de livros-texto (Kuhn, 1962) e pelos editores de manuais (ver o seus colaboradores em Würzburg não eram tão restritivos em sua capítulo 10). As próprias mudanças históricas serão provavelmen- concepção de consciência ou em seu emprego da introspecção. te menos distintas. Eles incluíam narrativas introspectivas de acontecimentos que não Para Wundt, sua physiologische Psychologie e sua Völkerpsy- estavam mais presentes na consciência. Elas faziam parte de seus chologie eram formas suficientemente diversas de psicologia para estudos introspectivos sobre o pensamento. Wundt considerava que ele pudesse distinguir entre elas e tratá-las como projetos isso somente como uma técnica experimental pobre. Com Ebbing- distintos. Elas eram, contudo, ligadas, embora o próprio Wundt haus em Berlim estudando a memória através de suas (specially fosse incapaz de elaborar completamente os detalhes desses elos. devised nonsense syllables) sílabas sem sentido criadas especifi- Um elo, fica claro, é propiciado pela teoria da evolução de camente, parecia que processos mentais superiores poderiam, Mead percebeu isso com muita clareza (ver capítulo 4). A evolução finalmente, ser estudados experimentalmente. Essa é a versão que é uma forma. não experimental de ciência natural onde o tempo conseguiu prevalecer nas histórias oficiais da psicologia, ao menos (e, consequentemente, em termos de questões humanas, a história) é no mundo de fala inglesa. importante. A teoria de Darwin estava interessada na pré-história da raça humana. Ele trabalhou com as variedades de espécies presentes na natureza. Ao desenvolver sua teoria, ele empregou As limitações de uma ciência de laboratório baseada o método comparativo. na introspecção Wundt tentou imitar Darwin ao traçar a evolução da mente Havia algo profundamente falho numa ciência experimental humana. O material à sua disposição tinha sido coletado pelos lingüistas e antropólogos. Ele tinha de lidar com as variedades de que dependesse, em grande escala, de relatos introspectivos. Os línguas faladas pelo ser humano e com as variedades de natureza relatos eram de acontecimentos privados que não eram acessíveis humana que podiam ser encontradas no mundo. Os objetos de a ninguém, além da pessoa que os apresentava. Ninguém mais estudo de sua Völkerpsychologie foram a língua e a cultura. podia ter acesso independente à mente da pessoa que fizesse o Esse era um projeto diferente de sua ciência experimental, pois relato para conferir sua veracidade. A ciência, necessariamente, os fenômenos mentais coletivos, tais como a língua e a cultura, é um empreendimento público. A ciência não pode tomar narra- não tinham possibilidade de serem controlados experimental- tivas, ou acontecimentos sem comprovação como seus dados mente. Era ainda, contudo, ciência, embora não ciência experi- primários. problema com o emprego da introspecção no labo- mental. Como já foi mencionado anteriormente, a universidade ratório, como acontecera com seu uso reduzido apenas ao simples moderna de pesquisa tinha sido fundada por Humboldt, que filosofar, é que observador e observado são uma e a mesma pessoa. fundou também o campo da comparativa. O método A única mente à qual alguém possui acesso direto é a própria comparativo era comum tanto nas como nas mente. Tal ciência da mente não pode verdadeiramente ser uma Geisteswissenschaften ciência, porque ela não é social. Mead (ver capítulo 4) criticou 48 49</p><p>Wundt porque sua última teoria da mente, que subjaz à sua ciência experimental, era cartesiana, e não hegeliana. Danziger (1990), baseado em sua análise da revista Philosop- de hische Studien, forneceu-nos uma compreensão histórica da estrutura social de experimentação no laboratório de Leipzig. A pessoa que apresentava os dados científicos era, evidente- mente, mais importante que a pessoa que apresentava os estímulos. As distinções entre experimentadores e sujeitos, com as quais hoje nós estamos mais familiarizados, não exis- tiam então. A pesquisa era muito mais um empreendimento colaborativo, e as pessoas se alternavam nos papéis de apresentadores e pesquisadores. Wundt muitas vezes atuava como um sujeito, mas nunca como um experimentador. Embora a introspecção fosse empregada com muita no laboratório de Leipzig, a pesquisa do laboratório não depen- de dia exclusivamente dela. Técnicas comportamentais eram mui- vezes empregadas, especialmente nos experimentos de tas tempo reação. figura administração 2.2 mostra de Era tomado muito cuidado na dos estímulos e no registro das respostas. A Wundt e alguns de seus assistentes no laboratório de Leipzig por de volta do ano de 1910. Um problema com uma ciência de laboratório que dependa, em grande parte, da introspecção, é a ausência de procedimentos sobre os quais se alcance um consenso para a solução de afirma- tivas conflitivas que provenham de laboratórios rivais. Um exem- plo de tal conflito sem solução era se o pensamento ocorre em termos de imagens. Külpe, em Würzburg, defendia que o pensa- mento se dava sem imagens. Ele mostrou ser impossível resolver o problema através da introspecção. Foi esta característica da e primeira ciência da mente que preparou o caminho, ao menos no Novo Mundo, para a emergência do behaviorismo. Aqui observa- dor e observado eram duas pessoas diferentes ou, no caso de estudos com animais, um observador humano e um animal obser- vado. Sendo que o objeto de observação era o comportamento, era possível obter medidas de confiabilidade inter-observadores. Isso era muito importante para preservar a natureza pública da ciência. A transição da escrivaninha ao laboratório significou que a psicologia, senão na teoria, ao menos na prática, era uma ciência social. 51 50</p><p>Distorções na compreensão de Wundt no mundo apreensão na filosofia da mente de Wundt, juntamente com sua de fala inglesa dimensão voluntarística. Isso tudo faz parte do que Danziger (1979) chama de repúdio positivista de Wundt. É convicção firme do Blumenthal (1975) afirma que não há praticamente nenhuma próprio Danziger que "Titchener fez sua carreira interpretando semelhança entre o Wundt histórico e seu retrato que emerge das Wundt a seu modo profundamente idiossincrático" (Danziger, narrativas históricas oferecidas em inglês. Como isso pode ser 1979, p. 206). Essas distorções grosseiras que Titchener introduziu assim? Serei breve ao sugerir como essas distorções surgiram. não teriam importância nenhuma hoje se não fosse o fato de que trabalho cuidadoso de detetive que oferece uma resposta a essa um dos estudantes de doutorado mais estimados de Titchener em questão já foi realizado por Danziger (1979). Cornell era E.G. Boring. Boring dependia de Titchener no que se referia à maioria das informações sobre as origens, na Alemanha, A psicologia experimental como uma realização da psicologia como uma ciência experimental. Boring, agradeci- damente, dedicou sua History of Experimental Psychology (1929), Muitos escritores acreditam que a psicologia se tornou ciência a seu antigo professor e mentor, que tinha morrido poucos anos somente quando os métodos experimentais delineados pelos antes da publicação da primeira edição. fisiologistas na Alemanha, foram empregados para resolver alguns dos problemas que a psicologia tinha herdado da filosofia. "Os A influência de Wundt no desenvolvimento das ciências sociais alemães sabiam como os receptores se comportavam; os ingleses sabiam porque eles eram importantes. Devido ao espírito positi- Boring publicou uma lista dos pioneiros da psicologia experi- vista do tempo, era inevitável que as duas linhas de pensamento mental nos Estados Unidos que tinham ido para Leipzig e que deveriam convergir. Quando isso aconteceu, a psicologia se tinham sido influenciados por Wundt: tornou uma ciência experimental" (Miller e Buckhout, 1973, p. 25). O'Neil, um historiador da psicologia australiano, oferece uma Os Estados Unidos seguiram de perto a Alemanha na adoção da versão semelhante. "A psicologia como um estudo metódico de nova psicologia, e eles também se inspiraram em Wundt. Stanley Hall visitou Leipzig nos primeiros anos do novo laboratório de observação começou com a aplicação de métodos, principalmente Wundt, e fundou, nos Estados Unidos, (seis anos depois que experimentais, provindos em grande parte da fisiologia, para Wundt iniciou a Philosophische Studien) a American Journal of problemas derivados em sua maioria da filosofia" (O'Neil, 1982, p. Psychology, conseqüentemente a segunda revista de psicologia 2). Tem-se a impressão que a convergência da fisiologia alemã experimental da história. A proporção de estudantes de Wundt com a filosofia inglesa resultou na emergência da psicologia provindos dos Estados Unidos era muito grande. Cattell foi seu fisiológica. Hearnshaw, um historiador inglês da psicologia, pare- primeiro assistente. A lista seguinte, organizada cronologicamen- ce endossar essa visão geral. "Na Inglaterra Wundt nunca teve te é, penso eu, completa quanto aos estudantes americanos de muitos seguidores, apesar do fato de que o próprio Wundt buscou Wundt antes de 1900: G.S. Hall (Clark), J.McK. Cattell (Columbia), muitas de suas idéias na psicologia inglesa; especificamente, é H.K. olfe (Nebraska), E.A. Pace (Catholic University), E.W. Scrip- evidente, o enfoque empírico, analítico, observacional" (Hearns- ture (Yale), F. Angell (Stanford), E.B. Titchener (Cornell), L. haw, 1979, p. 449). De certo modo isso é curioso, pois os antece- Witmer (Pennsylvania), H.C. Warren (Princeton), H. Gale (Minne- dentes filosóficos de Wundt são Leibniz e Kant, e não Locke, sota), G.T.N. Patrick (Iowa), G.M. Stratton (California), C.H. Judd (Chicago), G.A. Tawney (Beloit). (Boring, 1950, p. 347). Hume, James Mill, John Stuart Mill, Berkeley, etc. A fonte principal de distorção nesse assunto, é Titchener, um É curioso que Boring omita G.H. Mead e trate Titchener como senhor inglês de Cheltenham, que estudou filosofia em Oxford um americano. antes de ir a Leipzig, onde ele obteve seu PhD com Wundt, em 1892. Titchener incorporou Wundt à tradição filosófica que ele Compilei uma curta lista de cientistas sociais importantes que aprendera em Oxford, isto à tradição empírica, associacionista foram fortemente influenciados por Wundt. Grande parte da evi- da filosofia inglesa. Isso levou a não perceber o papel central da dência está contida na lista de datas importantes apresentada no 52 53</p><p>apêndice 1. Algumas dessas pessoas estavam em Leipzig, por "sociológicas" e não "psicológicas"; isto é, provêm da exemplo, Malinowski, que se tornou o fundador da antropologia chologie de Wundt e não de sua ciência de laboratório. Elas são, social inglesa. Outros estavam inscritos como estudantes pois, genuinamente formas sociais de psicologia social. Wundt, como G.H. Mead, o filósofo pragmatista de Chicago (ver capítulo 4), e W.I. Thomas, o importante sociólogo de Chicago que, na década de 1920, igualou a psicologia social ao estudo das positivismo na historiografia da psicologia e atitudes sociais. Outros eram pessoas que visitaram Leipzig; por da psicologia social exemplo, Durkheim visitou um bom número de universidades em 1885-6 e ficou impressionado com o que viu. Danziger (1979) descreveu com propriedade o papel do posi- tivismo na história da psicologia, especialmente em relação ao Foi, contudo, no trabalho de Guilherme Wundt que ele encontrou repudio de Wundt pela nova geração de experimentalistas. Estou a evidência máxima de progresso no tratamento sociológico da interessado em traçar seus efeitos nas histórias da psicologia, moralidade. Ele também admirou muito o trabalho experimental especialmente da psicologia social; isto é, pretendo identificar o de Wundt na psicologia, com sua concentração em problemas papel do positivismo na historiografia da psicologia, especialmen- precisos e restritos, e sua rejeição das "vagas generalizações e na historiografia da psicologia social. Aqui, neste capítulo, estou possibilidades metafísicas". Foi, contudo, o trabalho sociológico de Wundt que mais o excitou e influenciou (Lukes, 1973, p. 90-1). tratando da história da psicologia, especialmente a partir da narrativa feita por Boring (1929, 1950). Essa narrativa foi escrita durante o período abrangido pelo presente livro. No capítulo 10, Houve mais pessoas que leram e reagiram à Völkerpsycholo- retornarei a esse tema com detalhes bem mais aprofundados, gie de Wundt; por exemplo, Boas, que criou uma importante especificamente em relação às histórias da psicologia social, escola de antropologia cultural nos Estados Unidos. Freud escre- especialmente as escritas por G.W. Allport (1954) e por Jones veu Totem e Tabu como uma resposta à teoria de Wundt sobre a (1985). Essas histórias foram escritas durante a era moderna da era totêmica na evolução do ser humano. Essa lista curta, e ainda psicologia social. Uma examina as raízes da psicologia social incompleta, é muito significativa. Há pouco, ou nenhum indício moderna (Allport, 1954); a outra descreve suas realizações (Jones, da influência de Wundt nas Geisteswissenschaften que possa ser 1985). No início da era moderna da psicologia social, temos, pois, encontrado nas histórias oficias da psicologia. Foi-me necessário um relançamento de uma história positiva da psicologia (a segunda longo tempo para compilar a lista de datas e acontecimentos que edição de Boring, 1950), seguida imediatamente por uma narrativa estão no apêndice 1. Se quisermos encontrar a influência de Wundt dos fundamentos históricos da psicologia social moderna (Allport, como psicólogo social, teremos de buscá-la em outras ciências 1954), em que Comte é identificado como sendo o fundador da humanas e sociais que são, agora, independentes da psicologia; por disciplina. Ambas as histórias foram escritas no Departamento de exemplo, na psicanálise, na na sociologia americana ou Psicologia da Universidade de Harvard. francesa, na antropologia social e cultural inglesa e americana, e assim por diante. Há algumas tradições autônomas de psicologia Uma das maneiras de mostrar as distorções na apresentação social que podem ser ligadas à influência de Wundt, mas que, de encontradas nas histórias da psicologia de língua hoje, são independentes da tradição psicológica dominante de inglesa, é examinar seu trabalho em seu devido tempo. Em 1862 psicologia social discutidas no capítulo 1. Essas tradições incluem Wundt se colocou três tarefas para sua vida: a criação de (a) uma a tradição do interacionismo simbólico dentro da sociologia ame- psicologia experimental; (b) uma metafísica científica; e (c) uma ricana (ver capítulo 4); a pesquisa francesa sobre psicologia social. Ele deu conta da primeira dessas tarefas escre- "representações sociais", que tem sua inspiração em Durkheim; vendo uma obra de dois volumes Grundzüge der phisiologische a agora extinta tradição da psicologia comparativa mostrada na Psychologie (1873-4); estabelecendo, em Leipzig, o primeiro Ins- organização do primeiro Handbook of Social Psychology de Murchi- tituto de Psicologia do mundo, em 1879; e fundando uma revista son (1935) (ver capítulo 5). que todas essas formas de psicologia Philosophische Studien em 1881, em que ele poderia publicar os social têm em comum é que elas são tradições de psicologia social resultados de sua pesquisa em laboratório (ver apêndice 1 para maiores detalhes). Os historiadores da psicologia muitas vezes 54 55</p><p>selecionam essa década particular da vida altamente produtiva de autobiografia e então morreu, duas semanas depois. Boring calcula Wundt e a declaram como sendo o tempo em que ele desenvolveu que ela tenha escrito cerca de 54.000 páginas durante sua sua obra mais importante. Miller (1966, p. 33, 34), por exemplo, afirma o seguinte: "Com um manual, um laboratório e uma revista As forças do positivismo em ação na historiografia da psicologia, científica, a nova psicologia estava muito bem encaminhada". que identifiquei sob cada uma das três tarefas mostradas Afirmar isso, porém, é distorcer grosseiramente tanto a acima, cumulativamente, podem produzir um efeito extremamente cia como a significância das tarefas que Wundt se tinha proposto. devastador na maneira como Wundt é retratado nas histórias da Nas duas décadas seguintes de sua vida Wundt esteve preo- psicologia, especialmente aquelas escritas em inglês. A descrição cupado com a segunda de suas três tarefas. Wundt adotou, nesse que segue exemplifica esses efeitos cumulativos: tempo, uma postura explicitamente antipositivista. positivismo gênio de Wundt era do tipo descrito por Thomas Edison um era aquele movimento de pensamento, em filosofia que se tinha por cento de inspiração e noventa e nove por cento de transpira- originado nos meados do século dezenove a partir dos escritos do ção. Não se pode deixar de a energia e a perseverança filósofo francês Augusto Comte, e que culminou, nos meados do de Wundt pelo espaço de 60 anos. Mas é sua primeira realização século vinte, no positivismo lógico do Círculo de Viena e na análise a criação de uma psicologia experimental que deve Para um positivista, a ciência substitui a metafísica. A merecer nosso maior respeito. Seu trabalho posterior está agora em sua maioria esquecido. Sua filosofia foi sem significância, e idéia de escrever uma metafísica científica é, portanto, para um sua psicologia social chegou muito tarde (Miller, 1966, p. 39). positivista, uma contradição nos próprios termos. É fazer os ponteiros do relógio andarem para É interessar-se com a Miller não é o único em chegar a tal avaliação geral negativa metafísica, e não com a ciência. É dar um passo atrás. de Wundt. Hearnshaw, numa conferência em comemoração ao Nas duas décadas finais de sua vida, Wundt dirigiu sua centenário do laboratório de Leipzig, conseguiu apenas dois, mas atenção para a terceira das três tarefas que se tinha proposto em aplausos para Wundt: 1862, criando uma psicologia social. Ele tinha 69 anos de idade Wundt não foi uma figura muito original; sua posição em psico- quando publicou o primeiro dos dez volumes de sua Völkerpsy- logia era questionável, e foi amplamente rejeitado; sua maneira chologie (1900-20). Esses volumes permaneceram em grande de escrever era monótona, e seus pontos de vista algumas vezes parte fora do alcance dos historiadores da psicologia e da psico- eram claramente equivocados... Desse modo Wundt merece ao logia social que escreveram em inglês. No início da era moderna menos um aplauso por ter tido sorte bastante de estar no lugar certo da psicologia social, os objetos de estudo da Völkerpychologie de no tempo certo, e por ter aproveitado conscientemente a oportuni- Wundt, isto é, a língua, a religião, os costumes, o mito, a magia dade que se colocava diante dele. Ele merece um segundo aplauso e fenômenos similares eram, em geral, pensados como sendo por ser um organizador excepcionalmente laborioso e competente, objetos de estudo de outras ciências, como a a e um honesto investigador, apesar de suas limitações no enfoque. sociologia e a antropologia. Como isso aconteceu, é parte da Mas nós devemos suspender o terceiro aplauso, que nós devemos história do presente livro. Isso se deveu, primeiramente, ao desen- guardar para o homem genial da psicologia, seu Newton, quando volvimento das forças do positivismo no período que antecedeu o ele (sic) aparecer (Hearnschaw, 1979, p. 450, 451). fim da segunda guerra mundial. Os efeitos do reducionismo são tratados no capítulo 3 e a individualização e americanização Os dois primeiros aplausos são, no meu entender, muito (Manicas, 1987) da psicologia social é o tópico do capítulo 6. fracos. A avaliação de Wundt feita por Hearnshaw é uma avaliação extremamente desdenhosa. Boring (1929) fez também uma ava- Wundt permaneceu meticulosamente dentro do plano de traba- liação negativa das realizações de Wundt: "não existiram grandes lho que se tinha proposto em 1862. Precisou de uma década para psicólogos. A psicologia nunca teve um grande nome exclusiva- realizar sua primeira tarefa; duas décadas para cada uma de suas mente para ela. Wundt não era um grande homem da estatura de duas últimas tarefas. Terminou seu último volume da Völkerpsycho- Helmholtz ou Darwin..." Wundt foi repudiado pelos positivistas logie em 1920 e, como uma boa medida, acrescentou uma breve porque ele dependia que a ciência experimental que ele tinha 56 57</p><p>criado era um projeto limitado (Danziger, 1979). Ele foi repudiado Os requisitos da língua dos programas de doutorado americanos também, acrescentaria eu, porque ele defendia que sua psicologia tinham como objetivo preservar os laços entre o Velho e Novo social era uma Geisteswissenschaft e não uma Mundo. A emergência, na era moderna, do inglês como a língua de comunicação internacional na ciência, destruiu muitos desses elos. Epílogo: a herança de Wundt A não-compreensão do componente ciência social da psico- logia foi muito maior do que a não-compreensão do componente A psicologia surgiu como uma ciência natural e social na ciência natural. Isso se deve, talvez, ao fato de ela (a ciência social) Alemanha no final do século dezenove e início do século vinte. ser mais especificamente cultural. Certamente, o corpus do traba- Entre os 10.000 americanos que inundaram a Europa para lho de Wundt não foi muito bem compreendido fora de sua estudos de pós-graduação no meio século entre 1865 a 1914, Sokal Alemanha natal; por exemplo, a relação entre sua ciência experi- (1981), Boring (1929, 1950) e Hilgard (1987) identificam os pioneiros mental e sua ciência social. A herança de Wundt foi uma psico- de uma psicologia experimental nos Estados Unidos. Havia muito logia experimental que não era social e uma psicologia social que mais laboratórios estabelecidos nos Estados Unidos, do que na não era experimental. Se a psicologia se tornou por primeiro uma Inglaterra, baseados no modelo de Leipzig (Hearnshaw, 1979). ciência experimental na Alemanha, foi, a psicologia social que se tornou depois uma ciência experimental nos Estados Unidos. Em reconhecimento às origens da disciplina, o alemão se tornou uma língua obrigatória na maioria dos programas de doutorado das universidades do Estados Unidos e em algumas universidades inglesas. É de se duvidar que mesmo os pioneiros que estudaram "a nova psicologia" na própria Alemanha, tenham entendido tudo o que escutaram nas aulas, ou leram nos livros. Mostrei, neste capítulo, algumas das fontes de mal-entendidos entre professores e estudantes, por exemplo, as distorções de Titchener a respeito de Wundt. duvidoso que os antecedentes filosóficos da "nova psicologia", como ela passou a se chamar, foram entendidos pelos que não tinham a língua como língua materna. O instrumental metálico da nova ciência de laboratório era, porém, bem mais fácil de carregar. Fazia parte, muitas vezes, da bagagem dos americanos que retornavam aos Estados Unidos, com pressa em estabelecer laboratórios nos novos cursos de doutorado que começaram a brotar por toda parte nas universidades americanas. Hilgard (1987, p. 32-34) lista uns 41 laboratórios que foram fundados nos Estados Unidos ao redor de 1900. Muitas vezes, contudo, esses eram projetos muito diferentes do laboratório de Leipzig, sob cuja inspiração muitos deles tinham sido criados. O estudo das diferenças individuais, por exemplo, era muito mais uma inovação inglesa, francesa e americana, em vez de ser de inspiração alemã. É também duvidoso se os requisitos da língua dos programas de doutorado americanos que continuaram até a era moderna realmente propiciaram a compreensão internacional que eles tinham como objetivo conse- 58 59</p><p>3. A PSICOLOGIA DAS MASSAS E DA CULTURA Na virada deste século era entre os principais expoentes da área das ciências humanas e sociais, escrever tanto sobre o individual como sobre o coletivo. Estes eram, como já vimos no caso de Wundt, projetos diferenciados. Embora pudes- sem apreciar a significação de ambos os projetos, os autores não conseguiam estabelecer seu inter-relacionamento. Sabia-se o su- ficiente para separar os dois objetos de estudo, mas não o bastante para demonstrar como eles estavam inter-relacionados. Algumas vezes, como no caso de Durkheim, o motivo pelo qual se fazia a distinção entre os dois objetos era que o autor desejava estudar um deles, mas não o outro. Ao estabelecer uma distinção entre representações individuais e coletivas, Durkheim (1898) estava também distinguindo a sociologia da psicologia. O estabelecimento de diferenças é um primeiro passo impor- tante no desenvolvimento de um campo de estudo. típico dos cientistas querer dissecar a natureza a partir de suas articulações. A distinção estabelecida por Wundt entre a psicologia fisiológica e a psicologia social, é um exemplo disso. objeto de estudo, na primeira, é uma entidade psíquica ou biológica. Os objetos de estudo, na outra, são as produções mentais coletivas que emer- gem da "ação recíproca de muitos indivíduos" (Wundt, 1916, p. 3). Os mecanismos fundamentais que geram os fenômenos que são objetos de estudo em Völkerpsychologie são de natureza social e interacional. São também históricos. É por esta razão que a Völkerpsychologie faz parte das estabelecimento de diferenças também é importante por uma outra razão. Ele propõe um problema ao qual outros podem responder. A psicologia social de Mead (ver capítulo 4), por exemplo, é uma resposta deliberada à distinção estabelecida por Wundt entre sua e sua psicologia Mead demonstra como o indivíduo, igualmente, é um produto da interação recíproca de muitos. Ele resolve a wundtiana, 61</p><p>inserindo o self entre a mente e a sociedade (Mead, 1934) A an- como foi para Mead (ver acima). A preocupação de Freud na títese não é mais, como foi para Wundt, entre biologia, de um lado, década de 1920 com a análise dos fenômenos coletivos foi, em e sociedade ou cultura, de outro lado, porque Mead define os três parte, mal apreciada nos países de língua inglesa devido à tradução termos no contexto da teoria evolutiva de Darwin. Na solução equivocada da palavra alemã "masse" pela palavra inglesa "group", oferecida por Mead para o problema de Wundt, um tipo de Naturwis- como, por exemplo, em Group Psychology and Analysis of the Ego senschaft (isto é., a teoria evolutiva de Darwin) engloba as Geistes- (Freud, 1921). O título em alemão é Massenpsychologie und Ich-Ana- wissenschaften. Isto porque o homem e sua cultura é apenas uma, lyse. Ao leitor moderno, a palavra "group" sugere um pequeno grupo, entre as várias outras espécies. A apresentação do problema por tal como na dinâmica de grupo de Lewin. As inúmeras contribuições Wundt, e sua resolução por Mead, ocorrem dentro do mesmo de Freud para a compreensão dos fenômenos coletivos correm o risco período histórico (isto é., o período estudado nesta obra). de serem apagadas da memória dos estudiosos porque a herança psicanalítica está em mãos de clínicos e não nas mãos de cientis- Algumas vezes, a criação de uma e sua subseqüente tas sociais. Existem, é claro, algumas exceções notáveis, como resolução ocorre em duas épocas históricas diferentes. Durkheim, por exemplo, Badcock (1980, 1983, 1986). por exemplo, propôs sua distinção radical entre representações individuais e coletivas, no fim do século dezenove. Uma em termos de uma teoria das representações sociais, teve de Contrastes entre o individual e o coletivo esperar a publicação, por Moscovici (1961), de seu estudo La Psychanalyse: son image et son public, no começo da era moderna da psicologia social. Isto a coloca fora do período de tempo abrangido Consciência e cultura: a antitese de Wundt por este estudo. Uma vez que Moscovici desenvolveu sua teoria dentro do contexto da sociologia, como definida por Durkheim, ela Uma das distinções mais radicais entre o individual e o é, necessariamente uma forma sociológica de psicologia social. Isto coletivo situa-se na diferença entre consciência e cultura. Essa, a torna bastante diferente das formas psicológicas de psicologia essencialmente, é a diferenciação entre a ciência experimental de social que têm sido dominantes no Estados Unidos nesta era Wundt e sua A justaposição de consciência e moderna. As diferenças entre estas duas formas de psicologia cultura é algo forçada. Não existe nenhuma clareza a respeito de social são objeto de discussão no capítulo 7. Uma vez que nosso como se chega a uma a partir da outra e vice versa. A consciência enfoque é sobre as raízes da psicologia social moderna, e não sobre isola um indivíduo dos demais; a cultura absorve o individual e a psicologia social per se, podemos tratar aqui somente da obscurece a diferença entre um indivíduo e outro. As razões que pré-história da teoria das representações sociais de Moscovici. levaram Wundt a separar sua ciência experimental de sua ciência social foram amplamente examinadas no capítulo 2, e não preci- Ocasionalmente, durante o período aqui enfocado, algum sam ser repetidas aqui. teórico importante conseguiu propor um problema e alcançar sua solução por si mesmo. Penso que isto ocorreu com Freud. Seus As históricas desta justaposição merecem primeiros trabalhos, típicos de um clínico, são estudos de caso de talvez algumas considerações mais detalhadas. Já vimos como a indivíduos. Seu modelo inicial do aparelho psíquico distingue estreiteza da concepção de consciência de Wundt forçaram Freud diferentes níveis de consciência, isto é., o consciente, o pré-cons- a descrever sua teoria do inconsciente como uma metapsicologia. ciente e o inconsciente. A deflagração da primeira guerra mundial debate entre os laboratórios de Leipzig e de Würzburg sobre o e suas constantes leituras de Le Bon (Moscovici, 1985) levam uso da introspecção no estudo da mente pode ser talvez melhor Freud, na década de 1920, a revisar sua teoria do aparelho entendido nos termos da teoria inicial de Freud sobre o aparelho psíquico, a fim de englobar os fenômenos de massa. Seu novo psíquico. Wundt admitia que somente aqueles conteúdos imedia- modelo da mente, no qual distingue ego, id e superego (Freud, tamente presentes na consciência poderiam ser legitimamente 1923), é muito mais explicitamente social que o primeiro. A noção objetos de investigação científica. Isto corresponde à concepção de self é central em sua concepção do aparelho psíquico, assim de consciência de Freud. Külpe, em Würzburg, entretanto, estava 62 63</p><p>propenso a considerar conteúdos que uma vez tivessem estado na Não nos deteremos em sua apreciação. Mas ela ilustra, consciência, mas que no momento não mais correspondessem a entretanto, as dificuldades que surgem quando partimos do estudo essa condição. Em outras palavras, Külpe atribuía à memória um da cultura (isto mitos e outros arquétipos, neste caso) para uma determinado papel na produção das comunicações introspectivas, tentativa de compreender as mentes (e especialmente os sonhos) enquanto Wundt limitava os dados de sua nova ciência experi- dos indivíduos. Uma hipótese igualmente absurda foi proposta mental aos fatos da percepção interior em si mesma. As práticas nesta era moderna por pessoas que seguiram este mesmo cami- do laboratório de Würzburg, ao contrário das de Leipzig, consigna- nho, por exemplo, partindo do estudo da linguagem para uma vam um espaço para o funcionamento daquilo que Freud denominou avaliação da competência do indivíduo. salto infe- de pensamento pré-consciente. A primeira teoria do aparelho rencial, neste caso, é o pressuposto de que uma competência CO de Freud, na qual ele distingue apenas o consciente, o pré-cons- genérica deve também ser genética. A confusão aqui ciente e o inconsciente, permite-nos assim avaliar aquilo que Wundt está tanto na rima como na realidade. via com pouca clareza isto é, que sua ciência experimental era Wundt, ao contrário de Durkheim e Freud, fez da linguagem um projeto bastante limitado. Freud demonstrou, em relação aos um importante objeto de estudo em sua Na fenômenos mentais, que a consciência é apenas a ponta do verdade, os dois primeiros volumes da obra foram dedicados a Die iceberg. A maior parte daquilo que é significativo para a vida Sprache. Mead (1904), que vivia então em Chicago, fez uma humana não está presente na consciência, e diz respeito à cultura, apreciação destes dois primeiros volumes no Psychological Bulle- bem como à noção freudiana de inconsciente. tin (ver mais detalhes no apêndice 1). Parte deste trabalho foi Jahoda (1992) demonstrou que a questão do relacionamento traduzido para o inglês pela primeira vez recentemente (Wundt, entre cultura e mente faz parte de uma polêmica muito mais 1973). Na valiosa introdução de sua tradução, Blumenthal (1973) antiga, no mundo das idéias, acerca do caráter da natureza diz o seguinte sobre a influência de Wundt no campo da humana. Jahoda vai até as raízes deste debate, no pensamento na virada do século: do século dezoito. Seu livro é importante também porque ele Para entender a história da tanto quanto da consegue comparar e contrastar os pensamentos francês e alemão psicologia em geral, deve-se tentar seriamente entender Wundt sobre essa mesma questão. Na parte III de seu livro, Jahoda (1992) e sua Ele o único psicólogo vivo a exercer uma oferece ao leitor uma abordagem muito melhor do que a de significativa influência sobre os lingüistas de seu tempo. Suas Danziger (1983) sobre os antecedentes históricos necessários para conferências sobre psicologia da linguagem eram as mais procu- uma apreciação do significado da Völkerpsychologie de Wundt. radas do mundo, e tiveram entre seus ouvintes Saussure, Paul, livro de Jahoda está muito ligado ao tema deste capítulo. A Delbrück e Bloomfield. A maioria dos que realizaram o estudo da organização temporal de seu estudo, entretanto, vai muito além linguagem nas décadas próximas à virada do século foram orien- daquela, estritamente limitada e algo arbitrária, que adotei como tados por ele, ou tiveram que levá-lo em consideração em seu propósito para escrever este livro. trabalho (Blumenthal, 1973, p. 12,13). Para Wundt, assim como para Durkheim e Freud (ver abaixo), Blumenthal realizou um importante trabalho ao reabilitar a a cultura é algo que está além da consciência dos indivíduos que imagem de Wundt na história da psicologia numa perspectiva a mantêm e transmitem. É algo que está com a consciência dos mais genérica (Blumenthal, 1975), e não apenas em relação à indivíduos, mas externa a ela. Abrange aquilo que Durkheim (ver história da Em parte, tinha como motivo mostrar abaixo) chamou de representações coletivas. Estas repre- que algumas das idéias de Wundt continuavam relevantes no sentações coletivas são hoje objeto de estudo em ciências huma- contexto das modernas ciências cognitivas; por exemplo, a abor- nas e sociais, tais como a psicologia, a sociologia, a antropologia dagem de Wundt sobre a atenção e também seu trabalho sobre a e a A idéia, proposta por Jung, de que os indivíduos psicologia da sentença. Não tenho certeza de que este seja um possam estar ligados entre si por alguma forma de inconsciente coletivo, é um tanto absurda, de um ponto de vista estritamente motivo válido, uma vez que as duas situações aquela em que 64 65</p><p>Wundt desenvolveu suas idéias e aquela em que Blumenthal as sociedades como nas categorias sociais, e ao longo do tempo aplica são dramaticamente diferentes uma da outra. Estou nestas sociedades e categorias; por exemplo, os protestantes têm convencido de que é errado pensar Wundt em termos de cognição; mais tendência a suicidar-se do que os católicos; pessoas solteiras mas não é tão equivocado pensá-lo em termos de aparelho estão mais sujeitas ao suicídio do que as casadas, etc. Os fatos psíquico. A este respeito, Miller (1966) e Gardner (1985) têm uma sociais devem ser explicados em termós de outros fatos sociais. melhor compreensão da história que Blumenthal. Blumenthal Não podem ser explicados ao nível do individual. Esta é uma (1973) pensa que chegou o momento adequado para que os posição fortemente anti-reducionista. Durkheim manteve esta psicolingüistas façam uma avaliação da significação histórica da posição em relação à teoria e aos métodos de pesquisa. obra de Wundt para sua disciplina, e nisto tenho certeza de que Em seu artigo de 1898, no qual defende a independência da está correto. O próprio Blumenthal contribuiu muito para produzir sociologia face à psicologia, Durkheim faz uma reapreciação de este importante trabalho. alguns dos argumentos apresentados por James (1890) ao afirmar a independência da psicologia em relação à fisiologia. Mais tarde, Representações individuais e coletivas: a de Durkheim Wundt usaria argumentos bastante similares para justificar a sepa- ração da de sua psicologia experimental (ver Ao escolher as representações como termo teórico chave, capítulo 2). Ambos os autores apresentaram os mesmos argumentos Durkheim privilegiou uma dimensão do público/privado no con- anti-reducionistas. Os objetos de estudo na Völkerpsychologie de traste entre o coletivo e individual. contraste possibilitou-lhe Wundt linguagem, religião, costumes, mitos, magia e outros colocar o foco sobre o público e ignorar o privado. Ele afirmava fenômenos afins eram muito semelhantes às representações que o estudo das representações coletivas é um campo específico coletivas que, de acordo com Durkheim, eram objeto de estudo dos sociólogos. Concordava em deixar o estudo das repre- da sociologia. Wundt pensava a linguagem como muito importan- sentações individuais para os psicólogos. que ele produziu foi te; Durkheim pensava a religião como muito importante. Parece uma sociologia do conhecimento e não, digamos, uma psicologia ser o mesmo projeto, mas com uma diferença de ênfase. das crenças generalizadas. Isto porque o conhecimento é público, enquanto as crenças são pessoais, psicológicas e privadas. Por No início de sua carreira, Durkheim foi influenciado por Wundt isso o livro de Moscovici La Psychanalyse: son image et son public (ver apêndice 1). Em 1885-6, Durkheim visitou várias universida- (1961) está dentro da tradição durkheimiana. uma contribuição des inclusive Leipzig, e ficou impressionado com o que à sociologia do conhecimento bem como um importante estudo viu (Lukes, 1973). Ficou particularmente impressionado com no campo da psicologia social moderna. A palavra francesa Wundt: pela precisão e exatidão de seu laboratório científico; por "savoir" tem uma tradução imperfeita para o inglês na palavra seus dotes organizacionais ao criar o novo campo da psicologia; "knowledge" (conhecimento). Esta última está mais próxima, no pela criação de um Instituto e fundação de uma revista onde espaço semântico do inglês, de "belief" (crença) do que "savoir" publicava as pesquisas de seu laboratório. De volta para casa, em estaria se tivesse um equivalente exato em inglês. Bordeaux, Durkheim adotou algumas destas mesmas Durkheim, pois, é uma figura importante quando tratamos de situar a sociologia como uma disciplina diferenciada. As seme- delinear as fronteiras entre as disciplinas dentro das ciências lhanças entre Wundt e Durkheim foram, provavelmente, maiores sociais e humanas. Ele é freqüentemente retratado como o mais que as diferenças. Durkheim não se opunha, por exemplo, a que antipsicológico de todos os sociólogos importantes. A psicologia se chamasse a sociologia de "psicologia coletiva", uma vez que à qual ele se opunha vigorosamente era a psicologia do indivíduo. se reconhecesse que as leis da "psicologia coletiva" eram muito A escolha do como tema de um dos seus principais diferentes das leis da psicologia. Neste ponto de vista, ele foi estudos teve uma significação Embora o claramente influenciado por Wundt. pareça ser um ato totalmente individual, Durkheim conseguiu Uma importante diferença, contudo, entre Wundt e Durkheim, demonstrar que existem variações em tipos de suicídio, tanto nas foi que o primeiro encarava a Völkerpsychologie como uma parte 66 67</p><p>das Esta foi claramente uma diferença Muito tem sido escrito, nestes últimos anos, sobre Le Bon e fundamental, embora o debate sobre as diferentes formas de a psicologia das historiador Nye (1975) demonstra Wissenschaft fosse um debate mais alemão do que como a psicologia das multidões foi um produto da crise da Durkheim era certamente um positivista; e Wundt, como vimos, democracia na Terceira Moscovici (1981, 1985) escre- era um antipositivista. debate, na França, era mais em torno do veu um importante tratado histórico sobre o surgimento da positivismo do que da Wissenschaft. Isto é reflexo das diferenças logia de massa e seus usos por políticos neste século. Esta entre as duas culturas, mas, na essência, é o mesmo debate. é uma forma de psicologia social da qual sociais Existe, entretanto, uma sutil diferença. debate, na Alemanha, acadêmicos se distanciaram por ser popular e não científica. Aos centrou-se sobre duas formas diferentes de Wissenschaft. Na olhos de muitos deles, a psicologia das massas não é um tema França, o positivismo era um movimento para que as ciências que virá aumentar as possibilidades de a psicologia social ser humanas e sociais tomassem como modelo as ciências naturais. considerada um ramo das ciências naturais. Moscovici mostra os Não se preocupava em distinguir entre duas formas diferentes de perigos inerentes a esse desinteresse. Seu livro nos obriga a savoir. debate, na França, não era tão neutro como era na reavaliar o legado de Le Bon e sua psicologia das multidões para Alemanha. É neste sentido que G.W. Allport (1954) nomeia Comte a psicologia social. Van Ginneken (1992), em psicologia como fundador da psicologia social. Esta opção pelo ancestral (ver e política, 1871-1889, também oferece um material muito útil que capítulo 8) é parte do processo, na era moderna, de tornar a nos levaria a reavaliar algumas das raízes da psicologia social psicologia social um ramo das ciências naturais, seguindo o moderna. Van Ginneken demonstra como o trabalho de Le Bon foi exemplo bem sucedido de sua disciplina mãe, a psicologia. Na muito influenciado por seus predecessores e contemporâneos França, o contraponto de considerar-se as ciências sociais como neste campo, uma dívida que ele nunca reconheceu. Para Van ciências naturais é considerar a história como uma ciência social. Ginneken, a principal contribuição de Le Bon foi a ênfase dada Durkheim é importante, no contexto deste livro, por causa de por ele à psicopatologia das sua distinção radical, em seus primórdios, entre psicologia e A quantidade de novos materiais surgidos nas últimas déca- Isto tornou possível o desenvolvimento da psicologia das sobre este único aspecto da psicologia social é impressionan- social como uma subdisciplina tanto da sociologia como da te. Os três livros mencionados no parágrafo anterior demonstram psicologia. Este fato, por sua vez, acarretou o surgimento de duas quão absurdo e foi o fato dos editores do Manual de diferentes formas de psicologia social (ver capítulo 7). psicologia social (Lindzey, 1954; Lindzey e Aronson 1968-9, 1985), em edições recentes, terem reeditado a abordagem de Allport racional e o irracional: Gustave Le Bon e a psicologia (1954) sobre os antecedentes históricos da psicologia social vir- das multidões tualmente inalterada, como se não houvesse necessidade de revisar nosso ponto de vista sobre o passado da psicologia social. Quando a racionalidade (como algo distinto da consciência no Este é um tema que irei retomar no capítulo 10. caso de Wundt e das representações no caso de Durkheim) tomou-se Os vínculos entre a psicologia social e a psicopatologia foram o pivô da distinção entre o individual e o coletivo, então as massas forjados na França. Existe ali uma longa tradição do uso médico foram associadas à irracionalidade e o indivíduo tomou-se a quintes- da hipnose no tratamento de doenças mentais (uma informação sência da racionalidade. Embora possa parecer estranho, a psicologia bastante acessível sobre esta questão encontra-se em Fancher, das massas é uma das da forma de psicologia social cognitiva 1990, cap. 10). O hipnotismo e, anteriormente, o mesmerismo, que se desenvolveu nos Estados Unidos na era moderna como eram vistos como formas de influência social. Freud visitou uma subdisciplina da psicologia (ver capítulo 1). Isto porque a Charcot em Paris, em 1885, para estudar o uso que este fazia da psicologia social cognitiva foi, pelo menos em parte, uma reação hipnose na cura da histeria (ver apêndice 1). Freud inicialmente às ligações estabelecidas entre a psicologia social e a psicopato- usou a hipnose no tratamento de pacientes, mas logo abandonou logia durante o período coberto pelo presente estudo. esta prática, substituindo-a pelo método psicanalítico de terapia, 68 69</p><p>que ele mesmo desenvolveu. Na literatura francesa sobre as mencionamos, observou que a psicologia das multidões foi um multidões, o poder do líder sobre as massas era visto como similar produto da crise da democracia na Terceira As multi- ao de um hipnotizador. Pensava-se que as massas eram altamente dões tinham desempenhado um papel revolucionário na politica sugestionáveis e facilmente influenciáveis. contraste era entre francesa partir da Revolução. A formulação desta questão, da a conduta de um indivíduo quando isolado e o mesmo indivíduo maneira como Le Bon o fez, em termos da relação entre o indivíduo quando ele ou ela estivesse fazendo parte de uma multidão. As e a multidão, privilegiou uma interpretação dos fenômenos sociais leis que governavam o comportamento de agrupamentos huma- em termos de indivíduos. Isto porque multidões e massas são nos eram diferentes daquelas que governavam a conduta indivi- agrupamentos de indivíduos. Este é um processo que iremos dual dos seres humanos. Era esta a razão pela qual elas tinham denominar de individualização do social (Graumann, 1986). Le Bon de ser tratadas separadamente. e, em menor extensão, Durkheim, interessaram-se pela individua- lização como um processo societal. Meu interesse neste livro é Morton Prince, um professor de psiquiatria de Harvard, foi o pela individualização do social no contexto da história das disci- fundador, em 1906, e o proprietário do Journal of Abnormal plinas acadêmicas. Os dois processos estão relacionados, embora Psychology (ver apêndice 1). Foi muito influenciado pela de uma maneira complexa. francesa no campo da psicopatologia. Ele fez um estudo especial sobre um caso de múltipla personalidade o famoso caso de Fanny Beauchamp. Sua experiência como psiquiatra na primeira guerra Os estudos de caso e a crítica psicanalítica da cultura mundial levou-o a considerar a psicologia social como importante no campo da psicologia da anormalidade. Em 1921 convidou F. Todos os teóricos importantes já mencionados neste capítulo H. Allport, então um jovem instrutor em Harvard, a colaborar com estabelecem um nítido contraste entre o estudo do individual e o ele como co-editor daquilo que se tornaria o Journal of Abnormal estudo do coletivo. Foram mais capazes de colocar do Psychology and Social Psychology. Em 1925 o título foi encurtado que de propor sínteses. Freud é uma exceção. Como clínico que para Journal of Abnormal and Social Psychology. Em 1926, com a era, a maior parte de seus primeiros escritos são relatos de casos morte de Prince, a propriedade da revista passou para a American clínicos. Parte de sua técnica terapêutica dizia respeito à interpre- Psychological Association. No ano de 1921, o co-editor explicou tação dos sonhos. Ele encarava os sonhos e sua análise como a a inclusão da psicologia social nos seguintes termos: "A psicologia estrada dourada para o estudo do inconsciente. Seu primeiro social, por causa de seu interesse mais profundo que o de qualquer modelo de aparelho era uma teoria do inconsciente. O outra disciplina nas forças subjacentes à conduta humana, tem se inconsciente, aqui, é um inconsciente pessoal e os sonhos que ele beneficiado de uma maneira particular das descobertas da psico- produz são sonhos de um indivíduo. Na década de 1920, Freud patologia" (Allport e Prince, 1921). avançou da interpretação dos sonhos para a interpretação da cultura. Isto é agora a base para todo um conjunto de especulações A nova revista tornou-se principal periódico, em todo o hermenêuticas. Constitui-se, sem dúvida, em uma parte das mundo, no campo da psicologia social. O fundamento para a lógica humanas e sociais, isto é, das Geisteswissenschaften. da conexão entre as duas partes da revista era mais francês do que americano. Em 1937, G.W. Allport substituiu seu irmão F.H. Nas várias obras que escreveu na década de 1920, Freud como editor da parte referente à psicologia social da revista, cargo desenvolveu uma crítica psicanalítica da cultura. Ele foi influen- que ele manteve por um período de 12 anos (apêndice 1). ciado por um conjunto de fatores, além de seu próprio interesse surgimento da psicologia social cognitiva na América é, pelo permanente pelas questões culturais. Assim como Morton Price, menos em parte, uma reação a este vínculo histórico entre o social ele foi influenciado pelos fenômenos de massa de um mundo em e o anormal. Isto fica claro, por exemplo, a partir do teor genérico guerra. Suas obras depois da guerra são muito mais explicitamente do texto clássico de Asch sobre Psicologia social (1952). sociais do que eram antes da guerra. Moscovici (1981, 1985) mostrou que Freud foi o mais aplicado de Le Bon. As Enquanto Wundt tratou da cultura e Durkheim da sociedade, Le Bon tratou da sociedade em transição. Nye (1975), como já massas, para Le Bon, eram massas de indivíduos. Freud acreditava 70 71</p><p>que as massas não eram tão estruturadas como Le Bon queria nos princípios da era moderna da psicologia social (foi publicado fazer crer. que unia os membros de uma multidão entre si era em 1950), suas raízes situam-se claramente dentro do período que sua identificação comum com um líder. O líder surge como uma enfocamos aqui. também um elemento particularmente impor- espécie de superego. Foi durante este período que Freud reformu- tante na argumentação apresentada por Cartwright (1979) de que lou sua teoria do aparelho numa direção mais explicita- Adolf Hitler foi, individualmente, a figura mais influente da história mente social, distinguindo entre ego, id e superego onde, da psicologia social. anteriormente, só distinguia o consciente, o pré-consciente e o inconsciente. Assim Freud produziu sua própria síntese entre a É difícil ao leitor moderno, habituado à tradição psicológica psique dos indivíduos e sua crítica da cultura. dominante na psicologia americana, avaliar se a inspiração para A personalidade autoritária foi mais sociológica do que psicológi- A contribuição psicanalítica para as ciências sociais corre o ca. A síntese elaborada pelo Institut für Sozialforschung de Frank- risco de ser negligenciada, especialmente na história da psicologia furt foi entre a psicanálise e o marxismo. Os elementos ideológicos social. Ela figura no Manual de psicologia social de 1954, editado eram pelo menos tão importantes quanto os psicanalíticos. leitor por Lindzey, bem como na edição de 1968-69, editada por Lindzey moderno, mencionado acima, talvez desconheça a grandiosa e Aronson, mas não nas edições subsequentes. A herança psica- reputação, dentro da sociologia, da Escola de Frankfurt ou sua nalítica na psicologia, mais genericamente, encontra-se principal- importância no campo dos estudos sobre a mídia e suas teorias mente nas mãos dos clínicos e não dos psicólogos sociais. Possui, da cultura moderna. Isto se deve, seguramente à individualização portanto, um viés em favor do indivíduo ao invés de em favor da e à americanização (Manicas, 1987) da psicologia social na era cultura, como foco de seu interesse. moderna. É um resultado da expansão da Naturwissenschaften único estudo importante da história da psicologia social para os domínios das Os estudos sobre a enquanto inspirada pela psicanálise foi A personalidade autoritária cultura e sobre a mídia não pertencem às ciências naturais. A de Adorno et alii (1950). A inspiração e as reflexões que funda- hermenêutica é uma forma de crítica literária e não uma técnica mentaram o projeto foram produto da Escola de Sociologia de reconhecida de pesquisa científica. Frankfurt, cujo Instituto havia sido fechado por ordens do próprio As raízes desta tradição podem ser encontradas, contudo, na Hitler. Muitos, hoje em dia, encaram esta obra como sociologia, crítica da cultura elaborada por Freud no que se seguiu ao invés de psicologia. livro, com aproximadamente mil páginas, ao fim da primeira guerra mundial. Este fato coloca a questão do foi um brilhante estudo sobre a natureza do anti-semitismo em status da psicanálise em termos da rivalidade de duas diferentes um contexto moderno. Foi uma tentativa, feita por um grupo de formas de Wissenschaft dentro da tradição acadêmica alemã. Os emigrantes alemães e austríacos, de compreender a natureza do membros do Círculo de Viena tinham clareza de que ela não era fascismo em seus países de origem. Todos os dados empíricos do um ramo das A totalidade do trabalho de estudo, entretanto, eram americanos. resultado mais conhecido Freud seria talvez melhor entendida como Geistwissenschaften. do estudo foi a "Escala F da onde F significaria Uma vez que ele elaborou sua própria síntese entre o indivíduo e fascismo. Era uma medida de anti-semitismo. a cultura, seu trabalho deve ser avaliado como um todo. Ele era um anti-reducionista tão convicto como Wundt ou Durkheim. A A personalidade autoritária foi uma publicação que repre- esse respeito, entretanto, ele seguia a linha de James, enfatizando sentou um marco para psicologia social, e foi reconhecida como a independência da psicologia face à fisiologia. Isto no nível da tal logo que surgiu. Foi, literalmente, uma realização monumental. teoria Durkheim usou James como um modelo ao desenvolver Foi qualificada, em 1965, por editores do novo Journal of Persona- seus próprios argumentos sobre a independência da sociologia em lity and Social Psychology, como o estudo modelo no campo da relação à psicologia Não que Freud não tenha tentado nova revista. Foi então que a tradição da psicologia social domi- fazer a redução afinal, sua formação era de um médico pesqui- nante nos Estados Unidos rompeu seus laços com a anormalidade sador. Foi simplesmente por razões domésticas que ele, relutan- e aderiu ao normal (ver acima). Embora o estudo tenha emergido temente, se tornou um clínico. Ele efetivamente tinha "um projeto 72 73</p><p>para uma psicologia científica" que a tornaria um ramo das ciências Wundt sobre o aparelho psíquico que embasa sua psicologia naturais, porque seu objetivo era reduzir a linguagem da psicologia experimental. Mead, então, interpolou a noção de self entre as de à linguagem da fisiologia. Sua decisão de não publicar o projeto foi mente e sociedade. O trabalho de Mead é tão importante a esse consciente, e devemos respeitá-la. Ele não estava seguro de que isso respeito, muito tenha sido um filósofo profissional, que poderia ser feito. Wundt produziu uma psicologia fisiológica que foi dediquei um capítulo à parte para sua exposição (ver capítulo somente em parte um ramo da ciência natural. Freud criou a psicanálise que foi, toda ela, uma ciência humana e social. Variações menores Os psicólogos são ambivalentes sobre Freud porque aspiram a ser tratados como cientistas naturais. Esta questão foi magnifi- camente captada por Marie Jahoda em seu livro Freud e os Masse und publikum: o papel do jornalista na sociedade dilemas da psicologia (1977, mas ver também Jahoda, 1972, moderna 1983; Farr, 1975, 1981). Ela observa que Freud não possui um lugar assegurado na história da psicologia. Isto, suspeita Jaho- Masse und publikum foi o título da tese que Park apresentou da, deve-se ao fato de os positivistas lógicos da Viena de Freud na Universidade de Heidelberg em 1904 (ver apêndice 1). Não foi julgarem que a psicanálise não era uma ciência. Talvez os traduzida para o inglês senão muito tempo depois. Como jornalis- argumentos que eles apresentaram para chegar a esta conclu- ta, Park rejeitava a associação entre as massas e a irracionalidade, são pudessem ser também aplicados à psicologia, observa ela da forma como era apresentada na psicologia social de Le Bon. Em benefício da respeitabilidade científica e Ele foi bastante influenciado pela psicologia social intermental de acadêmica, talvez fosse melhor afastar-se da psicanálise e de sua Tarde e pela noção mais recente de opinião pública. A maior parte postulação de ser ciência. Isto, em grande medida, foi o que da psicologia da multidão de Le Bon relacionava-se a multidões fizeram os psicólogos acadêmicos (incluindo os psicólogos reunidas que estivessem num único lugar, e fossem influenciadas ciais) no Reino Unido e nos Estados Unidos da América. Uma pela oratória de seus líderes. Embora esta fosse a multidão-padrão exceção notável, obviamente, é Marie Jahoda. Existe também, na na obra de Le Bon, ele também conjeturou sobre massas que, Inglaterra, uma grande suspeita sobre as As cinzas de Freud embora dispersas, respondiam aos mesmos eventos sociais e ao estão em Hampstead e os OSSOS de Karl Marx em Highgate, mas mesmo tempo. Este último modelo é mais apropriado para as qualquer aproximação entre seus pensamentos tem maior probabi- teorias modernas sobre comunicação de massa, especialmente lidade de ocorrer em Frankfurt, Paris, Nova Rio de Janeiro ou sobre os jornais, rádio e televisão. Buenos Aires, do que em Londres. Como jornalista, Park interessou-se pela racionalidade da opinião pública, da forma como ela surgia nas páginas de opinião A mente, o self e a sociedade: a de Mead nos jornais do país. Por isso sua preferência pela psicologia social de Tarde em vez da psicologia social de Le Bon. A ênfase é Wundt opôs a consciência do indivíduo à cultura porque, colocada sobre a racionalidade e não sobre a irracionalidade. diferentemente de Freud, não conseguiu ver como elas estão importante é a leitura da impressa, e não as palavras interrelacionadas. filósofo pragmático americano G.H. Mead flutuantes do orador. Em seu retorno para os Estados Unidos ao produziu uma síntese em resposta à de Wundt. Ele deixar Heidelberg, Park trabalhou com seu colega Burgess em resolveu a antitese, como Freud já tinha feito, ao produzir uma teoria social do aparelho Para Mead, ainda mais que Chicago, e juntos elaboraram um manual de sociologia, que se para Wundt, a linguagem era de importância central. Ele fez tornou o texto adotado sobre o assunto na maioria das universi- uma revisão do conceito de Wundt sobre a gesticulação huma- dades americanas. Park foi uma figura importante para o desen- na, presente nos primeiros volumes da Völkerpsychologie, para volvimento da sociologia em Chicago. elaborar uma crítica sobre a teoria essencialmente cartesiana de 74 75</p><p>TABELA 3.1: NÍVEIS DE TEORIZAÇÃO Uma contribuição britânica ao debate Nível do fenômeno "Um esboço dos princípios da psicologia coletiva e uma Teórico Individual Intermédio Coletivo tentativa de aplicá-los na interpretação da vida e do caráter Wundt psicologia nacionais": este era o do livro de McDougall sobre A fisiológica mente grupal publicado em 1920, quando ele deixou o posto de Durkheim representações representações discente em filosofia mental em Oxford, para assumir outro cargo individuais coletivas em Harvard. Esta era sua versão da psicologia coletiva, que tinha Le Bon por objetivo complementar sua obra anterior, Introdução à psico- o indivíduo a multidão logia social, de 1908. Os dois trabalhos juntos configuram sua Freud estudos Ego, Id e psicanali- psicologia social. McDougall tratava claramente do caráter e da clínicos superego tica da cultura e vida nacionais e, desse modo, estava operando no mesmo nível da sociedade de Wundt em sua e de Durkheim em seus de Saussure parole Langue estudos sobre representações coletivas. Sua abordagem é mais Mead explicitamente biológica do que as de Wundt e A este. mente self sociedade respeito, ele está mais próximo de Freud e Mead, ao ver o instinto McDougall instintos mente grupal como a base da vida em sociedade. Quando McDougall chegou F.H. Allport comportamento comportamento aos Estados Unidos, foi acolhido por uma tempestade de críticas. dos indivíduos institucional; Na década anterior, especialmente sob a influência do behavioris- opinião pública mo, os americanos tinham questionado seriamente a utilidade do instinto como um conceito a ser usado para a compreensão do comportamento humano específico. instinto foi o fundamento Parole et langue: o social e o coletivo na linguagem de seu texto de 1908. Logo que chegou aos Estados Unidos, foi atacado por F.H. Allport (ver abaixo) por pretender atribuir funções, De Saussure é definido por muitos como o fundador da em sua noção de mente grupal, a outras entidades que não os moderna. Ele distinguiu entre "langue", em um nível indivíduos coletivo e "parole", em um nível interpessoal. A última, mas não a primeira, era uma forma de psicologia social. Na verdade, de o reducionismo nas ciências sociais Saussure encarava a semiótica como uma forma de psicologia social. Isto ilustra uma questão que, espero, fique mais clara à medida que o leitor avance neste capítulo. A psicologia social A americanização da psicologia social: o papel de F.H. Allport como disciplina (se ela é uma disciplina diferenciada) existe precariamente num nível intermediário entre o indivíduo e o Todos os teóricos importantes cujos trabalhos aparecem na coletivo. Isto está ilustrado na tabela 3.1. que é interessante em tabela com a única exceção de F.H. Allport, eram anti-redu- de Saussure é que para ele a linguagem não existe no nível do cionistas. Todos acreditavam que era impossível explicar o cole- indivíduo. Isto também se aplica a Wundt e Mead. Wittgenstein tivo em termos do indivíduo. F.H. Allport (1924) em seu livro-texto também afirmou que não existe tal coisa como uma linguagem seminal Psicologia social, transformou a psicologia social em uma privada. A linguagem é social tout court. Esta é a tradição na ciência comportamental e experimental. Uma disso, como demonstrou Graumann (1986), foi a individualização do Europa. A é uma falácia cartesiana que surgiu da social. Este é um tema tão importante no contexto deste livro, que ciência cognitiva americana na era moderna (Marková, 1982). o capítulo 6 é dedicado somente a ele. F.H. Allport (1933) ainda 76 77</p><p>sobre o comportamento institucional, isto é, 4. GEORGE HERBERT MEAD: de comportamento coletivo. Neste aspecto, ele los os outros teóricos listados na tabela 3.1 (com FILÓSOFO E PSICÓLOGO SOCIAL vez, de Saussure). Onde ele difere dos outros, sua crença de que na medida em que nos do individual para o nível do coletivo, não é nosso referencial: o coletivo pode ser explicado F.H. Allport, na década de 1930, foi siasta das pesquisas de opinião pública. A Filosoficamente falando, Mead era um pragmático; cientifica- esquisas de opinião era totalmente compatível mente falando, ele era um psicólogo social. Pertencia a uma individualismo metodológico. Manicas (1987) antiga tradição a tradição de Aristóteles, Descartes, Leibniz; de anização das ciências sociais. Eu afirmaria que, Russel, Whitehead, Dewey que não consegue ver nenhuma temos um ótimo exemplo da americani- separação essencial, ou nenhum antagonismo, entre as ativida- ciências sociais a psicologia social. des da ciência e da filosofia, e cujos membros são, eles próprios, cientistas e filósofos ao mesmo tempo. C.W. Morris, em G.H. Mead, Mind, Self and Society: from the standpoint of a social behaviorist, 1934, p. ix. Nos meus primeiros dias de contato com ele, ao retornar de seus estudos em Berlim há quarenta anos, sua mente estava tomada pelo problema que sempre o tinha preocupado: o problema da mente e da consciência individual em relação ao mundo e à sociedade. J. Dewey, nos funerais de Mead em o significado de Mead em relação à história da psicologia social Mead é importante no contexto do presente livro, por um grande número de razões. Ele foi um dos 10.000 americanos (Sokal, 1981) que se dirigiu às universidades para conseguir uma formação de pós-graduação em psicologia e filosofia (ver capítulo 2). Diferentemente de muitos, ele permaneceu na Alemanha por três anos, antes de retornar aos Estados Unidos. Mesmo depois de sua volta, manteve-se informado sobre os novos desenvolvi- mentos na Europa. Revisou, por exemplo, os primeiros quatro volumes da Völkerpsychologie de Wundt, à medida que saíam da impressão em Leipzig (Mead, 1904, 1906). Como observou Dewey, nos funerais de Mead em 1931, ele gastou sua vida tentando resolver a proposta por Wundt problema da mente e da consciência individual em relação ao mundo e à sociedade" 78 79</p><p>(Dewey, 1931). A síntese de Mead (como analisamos no capítulo 3) eles podiam ver e subvalorizando o que podiam ouvir. A linguagem foi intercalar o self entre a mente e a sociedade. Mead era também é central à psicologia social de Mead. um darwiniano totalmente coerente (ver abaixo). Tinha, pois, uma Quando Mead morreu, em 1931, seu curso anual de aulas em compreensão detalhada da psicologia comparativa. Derivou isso não psicologia social em Chicago foi assumido por Blumer. curso de apenas de Darwin, mas também da Völkerpsychologie de Wundt (1900-1920). Esses temas constituíram o referencial intelectual do Mead tinha-se tornado central ao desenvolvimento da sociologia na universidade. Blumer era um sociólogo; um filósofo. Deu a primeiro Handbook of social Psychology, que seria publicado nos Estados Unidos, editado por Murchison (1935) (ver cap. 5). essa tradição de psicologia social o nome de "interacionismo nome é de Blumer, não de Mead. Foi por que o interacio- A importância de Mead para os temas tratados no presente nismo se uma forma sociológica, e não psicológica, de livro não terminam aqui. Ele demonstrou a natureza dialética da psicologia social (ver capítulo 7), na era moderna. Os sociólogos relação entre o indivíduo e a sociedade. A individualização é o consideram Mead como o criador do interacionismo simbólico, que resultado da socialização, e não sua O self nos seres é ainda uma tradição viva de pesquisa na sociologia americana humanos deve ser compreendido tanto filogeneticamente, moderna. Isto é, certamente, uma interpretação errada grave de termos da evolução da espécie, como ontogeneticamente, em Mead (McPhail e Rexroat, 1979; Blumer, 1980; McPhail e Rexroat, termos do desenvolvimento de cada membro individual da espé- 1980). A da interpretação errada de Mead, feita por cie. self nos seres humanos é uma propriedade emergente no Blumer, para o desenvolvimento histórico da sociologia nos Esta- pleno sentido darwiniano do termo. Mead criticou o que, pitores- dos Unidos foi libertar a sociologia de sua dependência da teoria camente, chamou de watsonismo. Watson era um de seus colegas da evolução de Mead. Pois Mead era um darwiniano totalmente mais jovens em Chicago (ver apêndice 1). Mead se opunha, pois, às tendências reducionistas em ação no desenvolvimento histórico comprometido e profundamente coerente (muito mais, por exem- da psicologia social dos Estados Unidos (ver capítulo 6). Essa plo, do que Watson ou Skinner na psicologia). questão estava fundamentalmente ligada ao behaviorismo, espe- Mead foi rejeitado pelos psicólogos por não ser um behavio- cialmente ao behaviorismo de F.H. Allport (1924). Allport cita rista, como eles entendiam o conceito, e foi aceito pelos sociólogos muitos dos artigos publicados por Mead. Não tinha acesso, porque parecia ter libertado as ciências sociais de sua dependên- contudo, em 1924, a nenhum dos livros publicados após a morte cia das ciências da vida (a qual não era, na verdade, a posição do de Mead. Cita, em geral, a Mead (por exemplo, no capítulo 15), próprio Mead). Watson e Blumer têm pouco em comum além do embora não exclusivamente, como se este reduzisse o social ao fato de terem ambos estudado psicologia social com Mead em individual. Dessa forma, trata Mead como um colega behaviorista, Chicago. Nenhum deles, na verdade, compreendeu o que estava enganando-se ao não perceber que Mead é um anti-reducionista. sendo dito. Watson, pelo menos, é honesto a esse respeito. "Eu, behaviorismo social de Mead difere, radicalmente, do tive cursos e seminários com Mead. Eu não o compreendia em behaviorismo de Watson, de F.H. Allport e de Skinner, principal- aula, mas durante anos Mead teve um grande interesse em minha mente devido ao fato de Mead tratar a linguagem como um experimentação animal, e ele e eu passamos muitos domingos no fenômeno inerentemente social. A esse respeito, seu ponto de laboratório olhando meus ratos e macacos. Nessas exibições partida para o desenvolvimento de sua psicologia social foi a amigáveis e em sua casa eu o entendia. Um homem mais gentil, Völkerpsychologie de Wundt. Ele apresentou uma teoria, em e de mais fino trato, eu jamais encontrei" (Watson, 1936, p. 274). termos de história natural, da mente e da inteligência auto-refle- Blumer (1980) é menos honesto. xiva na espécie humana. Isso numa época em que os behavioristas na psicologia e na psicologia social (especificamente Watson e Penso que ficará logo evidente estar Mead excepcionalmente F.H. Allport) estavam tomando a mente, o self e a consciência bem preparado para falar a psicólogos, mas eles não estavam como conceitos metafísicos. Os behavioristas na psicologia (Wat- particularmente inclinados a ouvi-lo. Do mesmo modo que Wundt son) e na psicologia social (F.H. Allport), ao contrário do behavio- e William James, Mead era, e escolheu continuar sendo, um rismo social na filosofia (Mead), estavam sobrevalorizando o que professor de filosofia. Isso, ao menos na mente dos psicólogos, o 80 81</p><p>associou com o passado metafísico de sua disciplina, e não com Mead torna-se um elo interessante entre positivismo da seu presente científico, e ainda mais seu científico futuro. Quando Europa e da América pelo fato de ser aluno de Ebbinghaus (veja a Universidade de Chicago foi fundada, em 1894, Dewey foi a seguir e apêndice 1), e professor de Watson (veja acima). nado para a Cátedra Fundacional de Filosofia. Essa designação Ebbinghaus e Watson foram as pontas de lança, na Europa e nos incluía a psicologia e a educação, bem como a filosofia, e Dewey Estados Unidos, respectivamente, do movimento de transforma- trouxe Mead com ele de Ann Arbor para Chicago (ver apêndice 1). ção da psicologia, em sua totalidade, como um ramo das Natur- Quando Dewey trocou Chicago por Columbia em 1904, os psicólogos wissenschaften. Ambos se opunham à visão de Wundt de que a de Chicago, sob a direção de Angell, criaram um departamento psicologia era apenas em parte, um ramo das ciências naturais. separado. Mead permaneceu com os filósofos, enquanto Watson Ebbinghaus, em seus estudos sobre memória, desafiou a visão de Wundt de que os processos mentais superiores não poderiam ser se transferiu para os psicólogos. Uma dessa, extre- estudados experimentalmente no laboratório. Watson desafiou a mamente prematura, separação entre as duas disciplinas foi que dependência da psicologia experimental da introspecção. Fez isso os psicólogos de Chicago não tiveram a possibilidade de olhar para desafiando a única pessoa, nos Estados Unidos, que era tida ali, trás, para os filósofos, para neles se inspirarem. Foram os sociólo- de modo geral, como o representante de Wundt Titchener. A escola gos de Chicago, e não os psicólogos, que participaram do curso de pensamento funcionalista em psicologia, que se tinha originado ditado por Mead em psicologia social. fato de a psicologia social em Chicago sob a liderança de Dewey, foi colocada contra o de Mead ter sido preservada dentro da sociologia americana estruturalismo de Titchener e foram funcionalistas que acabaram (embora de uma forma distorcida), levou a seu abandono pelos vitoriosos. funcionalismo, como o próprio Mead argumentou, era psicólogos sociais modernos, treinados nas formas de psicologia apenas uma fase de transição no movimento behaviorista. Watson social predominantemente psicológicas (ver capítulo 1). defendia que toda a psicologia devia ser um ramo das ciências Como já examinamos (capítulo 1), G.W. Allport (1954), no naturais advogando a ampliação, para o estudo dos seres huma- início da era moderna da psicologia social, distinguiu entre as nos, dos métodos objetivos de pesquisa que se tinham mostrado raízes da moderna psicologia social e seu florescimento, conside- adequados para o estudo dos animais e das crianças. Esses rado por ele como um fenômeno caracteristicamente americano. métodos não poderiam, de nenhum modo, depender da intros- A psicologia social de Mead está firmemente enraizada no solo pecção, pois nem os animais, nem as crianças, falavam de uma específico de toda a tradição do pensamento ocidental em filoso- maneira que fosse inteligível ao experimentador adulto. Para fia, e é, também, um fenômeno caracteristicamente americano. Mead, evidentemente, a linguagem era central à psicologia como Ela floresceu, contudo, antes da era moderna da psicologia social. uma ciência social, como também o tinha sido para Wundt. G.W. Allport (1954), em sua análise dos fundamentos históricos A ciência prototípica, para Watson, era a física; para Mead, a da psicologia social moderna, errou, evidentemente, ao avaliar a evolução. Isto, à primeira vista, pode parecer surpreendente, pois importância da psicologia social de Mead. Referiu-se brevemente Watson um perito reconhecido no estudo do comportamento a Mead e, no caso, apenas com respeito à inadequação da animal (esse paradoxo aparente é discutido com mais detalhes abaixo imitação como um princípio explicativo único na compreensão e, novamente, no capítulo 5). Mead apresentou uma base, na ciência dos fenômenos sociais. Curiosamente, pensou que Mead ficasse natural, para a Völkerpsychologie de Wundt, isto é, ele a fundamen- menos prejudicado por tal do que outros teóricos que tou na teoria da evolução de Darwin. O próprio Wundt empregou usaram a como um princípio explicativo. Mead formulou conscientemente o método comparativo na sua investigação da sua psicologia social numa época em que a psicologia tinha se linguagem, religião, costumes, mito, magia e fenômenos similares. tornado uma ciência experimental (na Alemanha, nos últimos 25 Mead naturalizou a mente, enquanto Watson a dispensou. Watson anos do século dezenove), e antes que a psicologia social se foi um positivista filosoficamente ingênuo; Mead foi um pragmático tivesse tornado uma ciência experimental (Jones, 1985), nos filosoficamente sofisticado. Eles eram dois tipos totalmente distintos Estados Unidos, na segunda metade do século vinte. Por isso é de cientista. Mead fez da psicologia um ramo da Geisteswissens- fácil menosprezar a importância de seu empreendimento. chaft; Watson fez dela um ramo das Naturwissenschaften 82 83</p><p>Mead, do mesmo modo que Wundt antes dele, foi repudiado siástico; começou, contudo, a desenvolver dúvidas sérias sobre a pelos positivistas na psicologia. Ele não aparece como uma figura verdade do cristianismo. Ele partilhou essas dúvidas com um seu central (ou mesmo menos importante) nas histórias da psicologia colega estudante, Henry Castle, filho de ricos missionários ame- social (Allport, 1954; Jones, 1985), ou nos manuais de psicologia ricanos no Na época de sua graduação em Oberlin em 1883, social (Lindzey, 1954; Lindzey e Aronson, 1968-1969, 1985). os dois amigos tinham se tornado agnósticos. O pai de Mead quanto essas séries modernas de Manuais de psicologia social, morreu um ano, ou pouco mais, antes que George Herbert começasse editados por Lindzey e Lindzey e Aronson estão impregnadas pela a estudar em Oberlin. Mead poupou sua era uma piedosa mesma filosofia de ciência, é o assunto do capítulo 10. mulher, de se de suas crescentes dúvidas sobre o cristianis- mo. A fonte de seu agnosticismo era sua convicção de que Kant estava certo acerca dos limites do conhecimento humano. Depois de se graduar por Oberlin, Mead fez uma tentativa breve de lecionar numa escola primária, mas ela se mostrou desastrosa sob todos os aspectos. Trabalhou, então, por três anos como membro de um grupo de investigação ligado à construção da Estrada de Ferro Central de Wisconsin e ficou impressionado com a correção e precisão de tal trabalho. A conselho de Castle, inscreveu-se para um mestrado em filosofia e psicologia em Harvard. Castle estava estudando direito em Harvard. Os dois amigos assistiram juntos a um curso sobre Kant, dado por Royce, e esse fato se mostrou uma revelação para ambos. Royce era um hegeliano e sua interpretação de Kant era muito diferente da que eles tinham aprendido em Oberlin. Em Harvard, Mead foi mais influenciado por Royce que por James. James, contudo, procurou Mead para ser tutor de um de seus filhos e, desse modo, por um bom número de meses tornou-se um membro da casa de James. James ficou por um trabalho que Mead tinha escrito para ele. Mead precisava de dinheiro, e James necessitava de alguém em sua casa com quem ele pudesse discutir metafísica. Isso se mostrou uma relação simbiótica em meados de 1888. Figura 4.1: George Herbert Mead, em 1927, quando lecionava psicolo- amigo de Mead, Henry Castle, voltou à Europa para estudar gia social. filosofia em várias universidades onde tinha estudado antes de se decidir estudar direito. Mead se juntou a Castle na Europa, onde estudou, primeiramente em Leipzig, e depois em G. H. Mead: o homem e sua obra Berlim. No semestre de inverno de 1888-9, ele se inscreveu nas aulas de Wundt em Leipzig. Essa era a fase da carreira seriamente Sua educação planejada por Wundt (ver capítulo 2), em que estava desenvolven- do sua metafísica científica. Mead, a conselho de Stanley Hall, Mead (ver Figura 4.1) nasceu em South Hadley, Massachu- deixou então Leipzig, em 1889, por Berlim, onde se especializou, setts, em 1863, e morreu em Chicago em 1931. Graduou-se em pelo período de dois anos, no estudo da psicologia fisiológica e da 1883 pela Faculdade de Oberlin, onde seu pai era professor de psicologia experimental, ambas ensinadas por Ebbinghaus. Tam- homilética. Esperava-se que seguisse seu pai no ministério ecle- bém estudou psicologia, antropologia, filosofia e educação com 84 85</p><p>Paulson e filosofia com Dilthey.* Teve como supervisor, em seus morreu; ela juntou-se a Mead e Castle em noivado de estudos de doutorado, Dilthey (Joas, 1985). Sua tese, que não Mead terminou no início do verão. Mead, então, inesperadamente, conseguiu terminar antes de regressar aos Estados Unidos, foi sobre recebeu uma oferta da Universidade de Michigan para um cargo a percepção do espaço e se referia à relação entre visão e tato. de professor de filosofia e psicologia. Casou-se com Helen Castle; Embora a visão dê à pessoa informação sobre objetos à distância, tentou, sem sucesso, completar seu doutorado; e retornou, enfim, esta necessita ser suplementada pela experiência concreta do con- aos Estados Unidos com sua esposa para assumir seu cargo. Em tato com o objeto referido. Mead é muito mais um filósofo dos 1895, Henry Castle afogou-se num acidente de navio no rio Elba. sentidos, interessado na relação entre a mão e o desenvolvimento Seus pais publicaram uma edição das cartas de seu filho em sua do sistema nervoso central. Isso, juntamente com a linguagem, memória, e Mead contribuiu com um prefácio para a obra. Essa é torna a espécie humana diferente de todas as outras espécies. a correspondência analisada por Coughlan (1975), a quem devo a Mead e Castle correspondiam-se enquanto não estavam de maior parte das informações contidas nos parágrafos anteriores. fato morando ou estudando juntos em Harvard, Leipzig ou Berlim., Alguma dessa correspondência foi analisada por Coughlan (1975) A carreira de Mead devido à luz que ela lança sobre o jovem John Dewey (ver especialmente capítulo 7). interessante comparar essa corres- Mead deixou Berlim em 1891 para ser instrutor de filosofia e pondência com a de J. McKeen Catell (ver capítulo 2). Sendo que psicologia na Universidade de Michigan. Foi em Michigan que Mead e Castle eram colegas, sua correspondência é muito mais Dewey e Mead se encontraram e se tornaram amigos firmes, informal que as cartas que Cattell mandou a seus pais, que durante toda a vida. Foi também em Michigan que Mead encon- descreviam seu tempo de estudante em Leipzig e Cambridge. trou C.H. Cooley que, naquela ocasião, estava escrevendo sua tese Castle era agitado e freqüentemente mudava seus planos de de doutorado em economia. Foi Cooley quem introduziu Mead nos carreira. Seguidamente voltava para sua casa no Havai e duvidava escritos de Adam Smith, fonte da idéia de Mead sobre o "assumir entre o estudo da filosofia e seu preparo para exercício do direito. o papel do outro". Nas transações diárias do mercado, comprado- Uma opção que se abriu a ele foi trabalhar com seu irmão no res e vendedores assumem os papéis uns dos outros e sua escritório de direito da família no Eles tornaram-se ricos habilidade em fazer isso reforça significativamente a eficiência dos latifundiários por conta própria, e o pai de Castle, entre outras mercados. possível interagir comercialmente com uma ampla coisas, gerenciava uma plantação de na região. gama de outros com quem nós não partilhamos a mesma língua ou a mesma cultura. Mead acreditava que o comércio tinha Em 1889 Castle casou-se com a linda filha, de dezenove anos, contribuído mais para unir o mundo que qualquer outra das de sua inquilina em Berlim. No final do mesmo ano voltou grandes religiões da terra. É fácil descobrir, na psicologia social para Havai, passando por Harvard e Columbia, onde esperara, que Mead irá desenvolver em Chicago, certa semelhança com A confusamente (e no fim inutilmente) terminar seu curso de direito. teoria dos sentimentos morais de Adam Smith. Mead continuou em Berlim com seus estudos e noivou com uma moça dos Estados Unidos. No a mulher de Castle morreu Quando Dewey foi designado chefe do Departamento de devido a uma queda de um cavalo e, em novembro de 1890, Castle Filosofia da recém fundada Universidade de Chicago, em 1894, voltou à Alemanha e se juntou novamente ao amigo. A irmã de Mead com ele de Michigan, como professor assistente, e Helen, estava na Europa quando a mulher de seu irmão Mead permaneceu em Chicago até sua morte em 1931 (ver apêndice 1 para maior informação sobre este e outros acontecimen- tos na vida e na obra de Mead). Dewey, contudo, deixou Chicago para in para Columbia em 1904. Watson chegou em Chicago em 1900 Sou grato a meu antigo colega, Dr. David Frisby, do Departamento de Sociologia da para estudar para seu doutorado sob a orientação de Dewey. Universidade de Glasgow, por algumas informações desse parágrafo, que ele conseguiu nos arquivos da Universidade Humboldt, em Berlim. Joas (1985) também traz algumas Watson afirmou, numa breve autobiografia que escreveu em 1936, dessas informações. que ele, na verdade, nunca tinha entendido Dewey. De fato, 86 87</p><p>completou o seu doutorado sob a orientação de Angell, sobre o sobre as aulas de seu curso em psicologia social deve-se às notas tema: como educar ratos para que possam superar que seus estudantes fizeram em sala de aula. Foi somente devido à iniciativa deles (e à generosidade financeira de um ex-aluno seu), Mead começou a dar seu curso anual de aulas em psicologia que um estenógrafo foi introduzido disfarçadamente na sala de social em 1900. muito provável que Watson tenha assistido a aula para escrever as aulas de seu curso de psicologia social no este curso específico, provavelmente no primeiro ano em que foi ano de 1927. Essas transcrições formaram a base do livro Mind, oferecido. Em 1908 Watson, com a idade de 30 anos, deixou Self and Society: from the standpoint of a social behaviorist, Chicago e foi a Johns Hopkins, como professor em tempo integral. publicado após sua morte, editado por Morris (Mead, 1934). Todos Foi no período entre 1912 e 1915, quando se tornou presidente da os livros que trazem o nome de Mead foram publicados após sua American Psychological Association, que Watson formulou, e morte, e se compunham de versões editadas a partir de notas de depois colocou em ação, seu manifesto behaviorista (Watson, alunos e resumos manuscritos. Existe até mesmo outra versão das 1913, 1916). Esse movimento tinha por objetivo limpar a psicologia aulas do curso de psicologia social de 1927 (Mead, 1982, edição das noções de consciência, de self e de mente. Essas eram de D.L. Miller) que é muito diferente da versão editada e publicada exatamente as noções centrais à forma de psicologia social com por Morris em 1934. Miller pode apenas insinuar que Mead deva a qual Mead estava trabalhando em Chicago. Uma das provas do ter ensinado o curso duas vezes nesse mesmo ano. sucesso da cruzada de Watson é que a definição de James de psicologia como a ciência da vida mental rapidamente se tornou Concordo com o ponto de vista expresso por Joas (1980) que obsoleta. Os psicólogos seguiram Watson, do mesmo modo como a biografia de Mead apresentada por Miller (1973) traz pouca ajuda os habitantes de Hamelin seguiram o tocador de flauta. para compreender o desenvolvimento do pensamento de Mead. Isso se deve, principalmente, ao fato de ela estar organizada em Allbion Small, professor patrono da cadeira de sociologia em termos de tópicos, e não em termos da progressão de seu Chicago, percebeu logo a importância do curso de Mead em pensamento. Alguma idéia sobre o desenvolvimento da progres- psicologia social para o desenvolvimento da sociologia. Esse se são do pensamento de Mead pode ser conseguida na seleção dos tornou um curso fortemente recomendado para os estudantes de escritos editados por Reck (1964). Esses constituem uma seleção dos pós-graduação em sociologia, em Chicago. Lewis e Smith (1980) trabalhos de Mead publicados durante sua vida e estão organizados mostram que a influência de Mead entre os sociólogos em Chicago numa ordem cronológica de publicação. melhor estudo do desen- era maior depois de 1920, do que antes desta data. A figura central, volvimento do pensamento de Mead, e certamente o mais detalhado, nesse contexto foi Faris, que substituiu Thomas em 1920 e que pode ser encontrado em Joas (1980, edição inglesa de 1985), porque recomendou insistentemente o curso de Mead em psicologia social se baseia em uma extensa pesquisa em arquivos, e em uma para os estudantes de pós-graduação em sociologia. Isso implicava detalhada análise dos vários textos. Mais importante em que eles assistissem a um curso auxiliar em outro departamento ainda, ele é uma interpretação do desenvolvimento de seu pensa- (o Departamento de Filosofia). Quando os sociólogos ouviam Mead mento e não apenas uma lista de fatos importantes. Sendo uma atacar Watson, acredito que eles supunham que ele, como eles exegese européia, e não norte-americana, da obra de Mead, ela também, era um antipositivista. Na verdade, o que Mead estava presta justiça integral ao papel do idealismo alemão no desenvol- dizendo, era que Watson não tinha avançado não vimento do pensamento de Mead, especialmente nos primeiros tinha chegado a uma explicação baseada na história natural, das anos. Ela contém, também, uma exposição inigualável do desen- origens da mente e da autoconsciência da espécie humana. volvimento do pensamento político de Mead (ver capítulo 2, "O Watson tinha ignorado a mente, em vez de tentar explicá-la. desenvolvimento de um intelectual radicalmente democrático: George Herbert Mead, 1863-1931", p. 15-32 in Joas, 1985). Um dos problemas que Mead coloca para historiador da psicologia social refere-se ao desenvolvimento de seu próprio Consegui identificar apenas cinco norte-americanos que com- pensamento, especificamente no campo da psicologia social. preenderam a importância da Völkerpsychologie (1900-1920) de Mead ensinou sem o auxílio de notas. O fato de possuirmos algo Wundt. Eles são Mead, Judd, Baldwin, Thomas and Murchison. 88 89</p><p>Não é por acaso, penso eu, que três desses cinco estavam na Infelizmente, o Sr. Mead, por sua capacidade como chefe do Universidade de Chicago: Mead na filosofia, Judd na educação e departamento de filosofia da Universidade de Chicago, foi forçado a Thomas na sociologia. Mesmo os filósofos que entenderam Mead, abdicar do tempo que tinha reservado à realização das conferências, não entenderam necessariamente sua relação com Wundt. Morris, em vista de problemas administrativos de caráter inesperado e por exemplo, afirma (Mead, 1934, p. xiii) que Mead estudou em perturbador. Como as conferências foram escritas Berlim, mas esquece de mencionar que ele também estudou em apressadamente, em grande parte durante a viagem de Chicago a Leipzig. Miller (1973), em sua biografia, pensa que Mead foi Berkeley; e ele não teve tempo, nas semanas que decorreram influenciado pela psicologia fisiológica de Wundt. Ele certamente imediatamente após tê-las dado, para começar as revisões que o foi, mas Mead foi extremamente crítico a respeito dela, pois a ele já tinha em mente. Ao final de janeiro ele adoeceu gravemente, e morreu dentro de poucas semanas (Murphy, in Mead, 1932, p. vii). concepção de mente subjacente à ciência experimental de Wundt era essencialmente cartesiana. Ele foi, contudo, fortemente in- fluenciado pela Völkerpsychologie de Wundt, fazendo a análise Conforme Miller (1973, p. xxxvii), Dewey visitou Mead durante dos quatro primeiros volumes de sua Psychological Review em 1904 essa última enfermidade e ele concordou em deixar Chicago e in e em 1906 (ver apêndice 1). Evidentemente, os filósofos americanos para a Universidade de Columbia no outono de 1931. Morreu, aos quais eu me refiro tinham apenas um leve conhecimento das porém, antes que pudesse assumir esse posto. origens de grande parte do pensamento original de Mead. É por isso que a interpretação de Mead, feita por Joas, é um antídoto Mead como filósofo às visões daqueles filósofos americanos que editaram e interpre- taram as obras de Mead, da maneira como elas se apresentam nos Mead abordou grande parte dos problemas discutidos pelos livros que foram publicados após sua morte. filósofos. Criou um sistema próprio de filosofia através de seu curso No fim de sua vida, Mead, como Chefe do Departamento de anual de aulas em psicologia social, que começou em 1900-1901 Filosofia em Chicago, envolveu-se, cada vez mais, em uma cáus- e continuou até sua morte, em 1931. Ele compreendeu, quando tica disputa com Hutchins, o Reitor da Miller (1973) ainda era estudante na Alemanha, que necessitava criar seu é cuidadosamente circunspecto em narrar os detalhes da disputa. próprio sistema em filosofia, se ele quisesse conseguir um cargo Uma ruptura ocorreu na primavera de 1931, o ano em que Mead acadêmico nos Estados Unidos. Necessitava, contudo, ocultar seu morreu. Miller narra que um sumário desses acontecimentos que próprio agnosticismo, pois a maior parte dos cargos acadêmicos tinham a ver com a disputa estavam em seus arquivos pessoais eram ainda em universidades confessionais. A solução tentada foi (Miller, 1973, p. xxxviii, n. 28). Joas, que leu o arquivo, é capaz de criar seu sistema ao nível da psicologia fisiológica. Discutiu esse ser mais preciso (Joas, 1985, p. 221, n. 51). Essa disputa veio à tona problema com seu amigo Castle, que em uma carta familiar a seus com a indicação de um neotomista, Mortimer Adler, para ser pais, datada de 3 de fevereiro de 1899 (ver Coughlan, 1975, p. professor em Chicago, contra os desejos expressos do departamento 124), explicou a estratégia de seu amigo George: "seria difícil para e de seu Joas (1985, p. 221, n. 51) explica as ele ter de apresentar quaisquer idéias filosóficas dessa indicação: "Hutchins e Adler se figuras importan- definitivas que fossem autônomas. Na psicologia fisiológica, po- tes para os emigrantes conservadores do Terceiro Reich, para rém, ele tinha em mãos um território sem perigo, no qual ele quem a Universidade de Chicago se tornou um lugar de encontro poderia trabalhar sem chamar sobre si o anátema claramente em contraste com as tradições dessa universidade de excomunhão de um evangelicismo todo-poderoso". durante décadas". Esses acontecimentos perturbadores interferi- Sua primeira preocupação com os problemas da psicologia ram na preparação das aulas dos cursos de Mead dados na fisiológica foi tão importante para o desenvolvimento de seu Universidade de Berkeley em dezembro de 1930. Essas aulas foram pensamento, como sua última preocupação com o princípio da mais tarde publicadas sob o título The Philosophy of the Present sociabilidade, o que fica muito evidente em suas conversações Mead, 1932). Murphy, que editou os textos dessas aulas, explica: com Dewey, que resultaram em sua última publicação: o seu 90 91</p><p>clássico trabalho "O conceito de arco reflexo em psicologia" de Blumer "interação No original alemão, Joas empre- (Dewey, 1896). Este trabalho foi publicado quando Dewey e Mead ga a formulação cunhada por Habermas "symbolvormittelte Interak- estavam juntos na Universidade de Chicago, mas ele tinha sido tion", que o próprio Joas traduz como "interação simbolicamente um tópico de entusiástica discussão entre os dois quando eram mediada" (Joas, 1985, p. 228, n. 1). A afirmação de Joas de que colegas na Universidade de Michigan. Os estreitos laços entre os pontos fundamentais da psicologia social de Mead já estavam Dewey e Mead, na época, justificaram, no entender de Coughlan cimentados em 1912 é confirmada pela publicação, feita por Miller, (1975), que ao escrever o capítulo de um livro sobre Young John de uma transcrição das aulas de psicologia social de Mead de 1914 Dewey: an essay in American intellectual history (O Jovem John (Mead, 1982, p. 27-105. Dewey: um ensaio sobre a história intelectual americana), se fizesse uma análise da correspondência entre G.H. Mead e seu Dualismos cartesianos amigo Henry Castle (ver acima). Mead, por tudo o que se sabe (Miller, 1973, p. era um homem que gostava muito Como um importante filósofo pragmático, Mead estava com- de discutir. A filha de Dewey, Jane, também confirma isto: "Sendo prometido na superação dos vários dualismos que Descartes tinha que Mead publicou tão pouco durante sua vida, sua influência introduzido na filosofia quando inaugurou a era moderna nessa sobre Dewey foi o resultado da conversação levada a efeito durante disciplina. dualismo mais conhecido era o de mente e corpo. um largo período de anos, e sua importância não foi suficiente- Mas essa é apenas uma dimensão da dicotomia mais fundamental mente estimada.. a partir dos anos 90, a influência de Mead é entre mente e matéria. dualismo mais central é também a fonte comparável com a de James" (Dewey, 1951, p. 25-26). da distinção bem posterior entre as Geisteswissenschaften (as A melhor interpretação do desenvolvimento do pensamento ciências referentes à mente) e as Naturwissenschaften (as ciências de Mead no final de 1890 e na primeira década do século vinte é que se referiam à matéria) (ver capítulo 2). A matéria estende-se de Joas (198). Joas dedicou todo um capítulo para analisar e no espaço, ao passo que a mente, não. problema que isso discutir o artigo de Mead sobre "A definição do (Mead, colocou para Descartes, no caso específico apresentado acima, 1903). ponto de partida dessa análise é a crítica ao conceito de foi: como pode a mente, que é imaterial, ser causalmente eficaz arco reflexo em psicologia, de Dewey. Joas acha que o trabalho no mundo físico? Como os pensamentos podem dar origem a maduro de Mead começa com a publicação de seu trabalho sobre ações? A interação entre mente e corpo, concluiu Descartes, é um a definição da natureza do psíquico (Joas, 1985, p. 63). Ele o milagre divino que ocorre na glândula pineal. Essa é certamente considera como "certamente o mais importante trabalho, antes do uma resposta pouco aceitável numa época científica. Mead viu a desenvolvimento de suas premissas fundamentais, para a teoria teoria da evolução de Darwin como oferecendo à filosofia o prospecto da interação e da psicologia social" (1985, p. 64). Essas últimas de um novo começo em sua procura por uma resposta para tal são consideradas por Joas como tendo sido colocadas mais ou questão. "Para a central para um novo começo na menos a partir de 1912. "A partir de meu estudo, concluí que o filosofia for Darwin A teoria de Darwin sobre a origem das espécies desenvolvimento do pensamento de Mead depois de 1912, deve ofereceu uma saída para o dilema das explicações alternativas, ser considerado acima de tudo como um desdobramento de sua mecanicistas e teológicas da evolução" (Joas, 1985, p. 53). concepção de interação simbólica" (Joas, 1985, p. 10). Joas não está se referindo aqui às noções de Blumer sobre interação Havia outros dualismos na filosofia de Descartes, além do simbólica. Ele, como eu mesmo, considera as noções de Blumer dualismo mente/corpo. A dicotomia entre conhecedor e conheci- como uma interpretação profundamente errada de Mead (ver a do era importante em relação à epistemologia e à filosofia do seguir). Descreve a psicologia social de Blumer como sendo conhecimento. Na forma como Descartes colocou a questão, o "construída através de uma apropriação extremamente fragmen- conhecedor é um indivíduo isolado. Os pragmatismos de Dewey tária do trabalho de Mead" (Joas, 1985, p. 7). A tradução inglesa e de James decidiram resolver essa dicotomia específica. As (1985) do texto original alemão (Joas, 1980) emprega a formulação respostas, como a questão que eles discutiam, são individualistas. 92 93</p><p>Concordo, de maneira geral, com o ponto de vista de Lewis, em pormenorizadamente na seção seguinte, sobre behaviorismo so- Lewis e Smith (1980) que, entre os quatro maiores filósofos cial. É evidente que a natureza do self nos seres humanos pragmáticos, Dewey e James podem ser melhor considerados preocupava Mead durante esse período e seu interesse não se como nominalistas, enquanto que Peirce e Mead são realistas. Os restringia a seu curso de aulas em psicologia social. dois últimos são mais explicitamente sociais que os dois primei- Estou aqui tentando localizar Mead (e, até certo ponto, ros, em relação à sua teoria da verdade. Não é por acaso, diria eu, no contexto mais amplo da história da filosofia ocidental. Mais que Mead desenvolveu seu sistema em filosofia, através do seu especificamente, contudo, estou interessado no modo como eles, curso de aulas em psicologia social. de maneira diversa, porém juntos, trabalharam para refutar o A forma de dualismo que é da maior significância, tanto para dualismo cartesiano. Peirce o faz através da ênfase na natureza Peirce como para Mead, é o dualismo entre o self e o outro. Em decorrente e inferencial do self nas pessoas humanas; Mead o faz seu ataque à teoria de conhecimento de Descartes, Peirce argu- acentuando a natureza inerentemente social do self nos seres mentou que o conhecimento que cada um de nós possui de nós humanos. Em ambos os casos, o self é algo que emerge, e não mesmos como um "sujeito pensante" não é tão clara- algo dado, em termos da experiência humana. Ambos são, neste mente "intuitivo" como sugerira Descartes. Gallie nota que "Uma sentido, filósofos processuais. Devo ser cuidadoso para não sobre- conclusão plausível... é que nosso autoconhecimento é sempre, valorizar os laços entre Peirce e Mead, pois, no melhor dos casos, na verdade, inferencial, embora as inferências em que ele está eles são indiretos (Joas, 1985). As linhas de influência, de acordo baseado se tornaram, em geral, tão habituais para nós e, como com Joas, provavelmente provêm de em direção a Mead, desses hábitos, tornaram-se tão "telescópicas", que através de Royce. Gostaria de sugerir mais duas possibilidades nós facilmente passamos a ver nosso autoconhecimento como que podem ajudar a explicar algumas das semelhanças entre os imediato e intuitivo" (Gallie, 1952, p. 66). Peirce, por isso, ques- pragmatismos de Peirce e Mead. Se, como penso eu, ambos são tionou a própria forma de conhecimento que Descartes pensava realistas, então suas filosofias serão informadas pelas descobertas ser o mais seguro em relação a seu método da dúvida radical, isto da ciência. Como filósofos, isso separa Peirce e Mead de James e e, o cogito, ergo sum. Dewey. Há ainda claras diferenças entre Peirce e Mead, pois Peirce Mead mostrou como o self emerge da interação social. Pelo está interessado principalmente nas ciências naturais, enquanto fato de tomarmos o papel do outro com respeito a nós mesmos, que Mead está interessado nas ciências biológicas e sociais. A nós nos tornamos um objeto a nós mesmos. Nossa consciência psicologia social de Mead está mais próxima do "pragmatismo" dos outros é um pré-requisito necessário a nossa consciência do de Peirce (ver abaixo), que do pragmatismo de James e do self (Marková, 1987). A natureza da consciência nos seres huma- instrumentalismo de Dewey. A linguagem é também importante nos é uma consciência do self em relação a outros. A Consciência tanto para Mead como para (ver abaixo). O trabalho, tanto é, pois, inerentemente um processo social. Entre 1912 e 1920, de Mead como de Peirce, é retomado e desenvolvido pelos que Mead ofereceu, em seis ocasiões distintas, um seminário sobre estudam a semiótica. "consciência Esse era um acréscimo ao seu curso de aulas em psicologia social, fornecido em geral num semestre diferente A outra possibilidade tem a ver com as personalidades dos do curso (ver Lewis e Smith, 1980, p. 267). Enquanto saiba, nós quatro pragmáticos e com a dinâmica de suas amizades. James e não temos nenhum registro do programa dessa série de seminá- Dewey eram figuras muito mais carismáticas que Peirce ou Mead. rios. Lewis e Smith oferecem dados bem mais seguros de Mead e Mead, argumentaria eu, eram pensadores mais profundos depois de 1920 do que antes de 20. A época em que esse seminário que James ou Dewey. Eles publicaram comparativamente pouco suplementar sobre consciência social era oferecido é, creio eu, durante suas vidas e nós somos devedores a seus antigos alunos, muito significativa, pois coincide exatamente com a época em que colegas e outros, que colecionaram e editaram seus artigos depois Watson desenvolvia e elaborava seu behaviorismo (ver apêndice de suas mortes, para podermos compreender o e impor- 1 para várias e importantes datas e acontecimentos). Isso é discutido tância de sua obra. Parte do carisma de James e Dewey é o fato 94 95</p><p>de eles terem tido a capacidade de popularizar a ciência. Peirce e Em seu livro Paradigms, Thought and Language, Marcová Mead diferiam mais radicalmente de James e Dewey em suas (1982) assinala que as histórias de filosofia ocidental são muitas concepções da natureza social da ciência. Foi a incapacidade de vezes resultados do conflito entre racionalismo e empirismo. Tais James em avaliar a natureza inerentemente social da verdade que histórias obscurecem fato de que essas filosofias rivais são está presente na raiz de sua dificuldade em entender o pragma- ambas cartesianas em sua inspiração. A real incompatibilidade tismo de Foi isso que levou Perry (1935), o biógrafo de entre paradigmas é entre Descartes e Hegel. Marková emprega James, a afirmar que "o movimento filosófico conhecido como aqui o termo paradigma para se referir a um sistema de pensa- pragmatismo é em grande parte, o resultado do entendimento mento em filosofia, e não para um sistema em ciência. Penso que errado de Peirce por parte de James" (citado de Gallie, 1952, p. esse é um emprego legítimo do termo paradigma. Ele ajuda a 30). Sendo que, na época, Peirce dependia da caridade pessoal de explicar porque certas formas de pensamento estão profundamen- James, ele não quis publicar os entendimentos errados de seu te enraizadas e modelam a investigação, tanto na filosofia como amigo a respeito de sua própria filosofia. Ele, ao contrário, sugeriu, na ciência natural, durante séculos sem que sua influência seja cortesmente, renomear sua própria filosofia como "pragmatismo" detectada. Esse é exatamente o caso quando certo campo de pois essa palavra carregava tanto barbarismo que ninguém (nem investigação, como a psicologia, que costumava ser um ramo da mesmo um amigo) gostaria de aceitá-la e popularizá-la. As estrei- filosofia, repentinamente declara sua a independência da discipli- tas amizades no quarteto de filósofos pragmáticos eram entre na-mãe, declarando-se um ramo das ciências naturais. E isso que Dewey e Mead e entre James e Peirce. Penso que não é exagero aconteceu no que Mead, de maneira pitoresca, chamou de wat- afirmar que, enquanto James individualizou a teoria da verdade sonismo. O paradigma cartesiano pode continuar a existir sem ser de Mead socializou a filosofia do ato de Dewey. Isso pode notado. paradigma alternativo, o hegeliano, que é incompatível explicar, em parte, a semelhança entre James e Dewey, e a com o cartesiano (Marková, 1982), é muito mais explicitamente semelhança mais indireta e distante no pensamento tanto de social que o último. Em vez do dualismo self/outro, o self é Peirce como de Mead. considerado em relação ao outro. Em vez de uma dicotomia ou/ou, O problema do dualismo cartesiano - especialmente entre o temos uma situação de ambos/e. Mead desenvolveu seu próprio self e o outro - foi antagônico, historicamente falando, ao desen- sistema de filosofia no contexto do idealismo alemão, e não é, por volvimento das ciências sociais. Mead percebeu isso claramente isso, um acaso que ele tenha sido uma forma de psicologia social. e decidiu resolver o problema. Outros, que não viam isso como "O enfoque de Mead com respeito a uma teoria de intersubjetivi- um problema, não deram conta de avaliar a importância do que dade é incompreensível sem uma compreensão de sua relação Mead tinha realizado. Gostaria de elaborar esse ponto, pois ele é com o idealismo alemão" (Joas, 1985, p. 11). Joas avançou a tese um tema importante através de todo esse livro. Poderá também "de que Mead atravessou uma fase hegeliana antes de iniciar seu ajudar a explicar porque Mead não teve, historicamente falando, pragmatismo inter-subjetivo" (1985, p. 54). A noção de paradigma a influência no desenvolvimento da psicologia e nas formas de de Marková ajuda a explicar porque, até hoje, Mead possui pouca, psicologia social psicológicas, que a importância de suas idéias ou nenhuma; influência visível no desenvolvimento histórico da merece. Espero ter mostrado que Mead era excepcionalmente psicologia. Esse desenvolvimento se deu inteiramente dentro do bem qualificado para falar aos psicólogos, mas eles, na sua paradigma cartesiano. Mead resolveu um problema que os psicó- maioria, não estavam interessados em ouvi-lo. Em parte, já sugeri, logos nem se deram conta que existia. isso tenha sido devido ao fato de os psicólogos em Chicago o O método cartesiano da dúvida radical levou-o a duvidar da associarem ao passado metafísico de sua disciplina, como um evidência de seus próprios sentidos. Se, como numa ilusão visual, ramo da filosofia, em vez de associá-lo com o seu futuro, como nossos olhos muitas vezes nos enganam, vamos supor, argumenta um ramo das ciências naturais. Penso que esse assunto vai ainda ele, que eles possam sempre nos enganar. Ao extrapolar seu muito mais além. Tem a ver com o que Kuhn (1962) refere como método de uma análise do mundo físico para uma análise do uma incompatibilidade entre paradigmas. mundo social, foi levado a duvidar que outras pessoas possuissem 96 97</p><p>mentes. O de que ele não podia duvidar, contudo, era de sua behaviorismo, longe de poder enterrar o fantasma de Descartes, é própria dúvida; isto é, de que ele próprio tinha uma mente. Daqui apenas a outra face do dualismo cartesiano. A herança cartesiana decorre a importância de seu famoso cogito, ergo sum. Descartes em psicologia é uma filosofia mental do self através da é a fons et origo (fonte e origem) da individualização do social, introspecção), e uma ciência comportamental do outro. Essa é a não F.H. Allport, como afirma Graumann (1986). O último, contu- natureza do dualismo self/outro, na filosofia cartesiana. Quando do, é importante especialmente em relação à história da psicologia a psicologia se tornou uma ciência do comportamento, ela não social e é discutido, com certa profundidade, no capítulo 6. avançou para além do dualismo cartesiano. Mead percebeu isso Discurso sobre o método de conduzir corretamente a razão e de com muita clareza por volta de 1920, e solucionou o problema. procurar a verdade nas ciências, de Descartes, é a causa principal Os psicólogos pensaram equivocadamente que tinham exorciza- da psicologia, na era moderna, não se ter desenvolvido como uma do o fantasma de Descartes, ao aceitar o behaviorismo. Eles não ciência social. A sociedade torna-se o problema de se saber se conseguiram ver que o behaviorismo que tinham desposado e o existem outras mentes além das próprias de cada pessoa. mentalismo que eles tinham rejeitado, pertenciam a um único e As histórias da psicologia moderna são escritas tendo como mesmo paradigma. pressuposto que o behaviorismo tenha enterrado o fantasma de Permitam-me ilustrar esse na autopercepção", Descartes. Durante o período que vai de 1912 a 1920, quando Mead como Ichheiser (1949) o descreveria. Os behavioristas de modo dava seu seminário, em Chicago, sobre a natureza social da geral, com as exceções notáveis de Mead (1934) e de Bem (1967, consciência nos seres humanos, a psicologia deixou de ser a 1972), não acreditam que exista um self do qual a gente possa se ciência da mente e se tornou, ao invés, a ciência do comporta- dar conta. Um dos primeiros livros-texto do behaviorismo, escrito mento. watsonismo fez uma cruzada sistemática com o objetivo por Max Meyer (1921) na Universidade de Missouri, foi, curiosa- de livrar a psicologia de toda referência à consciência, à mente ou mente, intitulado A psicologia do Outro [The Psychology of the ao self. Os que seguiram Watson podiam afirmar com Other One]. Depois de séculos de reflexão feita por filósofos, de que tinham enterrado o fantasma de Descartes. raciocínio sentados em confortáveis poltronas, sobre a natureza da mente, de Marková (1982), em seu livro Paradigms, Thought and Langua- tinha chegado a hora, pensou Meyer, de desenvolver uma ciência ge, é que o fantasma de Descartes continua a o estudo do outro. Esse era um chamado estridente para abandonar a moderno da linguagem e do pensamento. Já assinalamos, no metafísica e começar uma ciência. Esse é um exemplo particular- capítulo 1, como o conflito entre Chomsky e Skinner em 1957 é mente refinado da clara ruptura com passado a que a filosofia melhor interpretado como um conflito entre o que Marková chama positivista de ciência induz. O outro, que seria o objeto de estudo de paradigma cartesiano entre racionalismo e empirismo em dessa nova ciência, poderia ser uma planta, um animal, um relação ao estudo da linguagem. instrumento mecânico, uma criança, ou mesmo um outro ser As formas psicológicas de psicologia social, como distintas humano. Meyer planejou seu livro como um guia prático para Robinson Crusoe em sua ilha deserta. Crusoe seria capaz de das formas sociológicas, são também perseguidas pelo fantasma de Descartes. Essas duas formas de psicologia social, que são aplicar os vários testes delineados no livro para se certificar que discutidas pormenorizadamente no capítulo 7, diferenciam-se tipo de criatura era Sexta-Feira. exatamente por pertencerem a paradigmas diferentes (Farr, 1990). Elas se situam, também, em diferentes disciplinas acadêmicas, Linguagem assunto este discutido com mais precisão no capítulo 6. Aqui eu estou interessado em uma exposição da filosofia de G.H. Mead e, Mead, Wundt e Vygotsky, em suas respectivas psicologias mais precisamente, com a tentativa de compreender porque ele sociais, foram parte de uma tradição do pensamento ocidental que não conseguiu influenciar a direção que a psicologia tomou em se liga aos escritos de Herder, Humboldt e Hegel (Marková, 1983). seu desenvolvimento. A conclusão a que cheguei, depois de muito Linguagem, aqui, é uma forma de diálogo e é, portanto, intrínseca refletir, é que os psicólogos não conseguiram perceber que o e irredutivelmente social. Isso é muito mais explícito em Mead do 98 99</p>

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