Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

<p>Avaliação II - Teorias e Técnicas Psicoterápicas 2</p><p>Iasmin Carneiro da Silva Cruz</p><p>Caso I</p><p>Questão I:</p><p>Na Gestalt terapia, o Self é considerado como um sistema de contato que possibilita os ajustamentos</p><p>criativos. Pode-se dizer, no geral, que existem três funções parciais vinculadas ao Self: as funções</p><p>ID, Ego e Personalidade. Tais funções compõem os ajustamentos criativos produzidos em regime de</p><p>contato. No caso de Mário, é possível perceber, claramente, um malogro na função ID do Self.</p><p>Segundo Perls et al (1997), com o malogro da função ID há “(...) a aniquilação de parte da</p><p>concretude da experiência; por exemplo, as excitações perceptivas ou proprioceptivas. Na medida</p><p>em que há qualquer integração, o self preenche a experiência (...)”, o que pode ser observado no</p><p>caso clínico referido acima, tanto em relação aos comportamentos verbais e motores relatados,</p><p>quanto em relação aos recorrentes lapsos de memória e as frequentes formações delirantes em</p><p>relação às pessoas do seu convívio acadêmico. Alguns autores como Carvalho e Costa (2010),</p><p>afirmam que o self rege-se na função ID enquanto à disposição das sensações mais primárias,</p><p>rudimentares e primitivas, além de discorrerem que um bloqueio severo em qualquer das etapas de</p><p>contato relacionadas evidencia um padrão de comportamento que denota o desligamento de si e do</p><p>mundo - posto que novas configurações sequer são sentidas, quanto mais notadas - numa</p><p>interrupção profunda do fluxo de awareness, o que novamente evidencia-se nas vivências do</p><p>consulente Mário (em especial quando o consulente cita que nos momentos em que se percebe alvo</p><p>dos comentários e olhares dirigidos pelas pessoas do seu ambiente acadêmico, não consegue</p><p>lembrar, como se houvesse um “desligamento” entre ele e o mundo). Já a função Personalidade é o</p><p>sistema de atitudes adotadas nas relações interpessoais, podendo ser considerada a admissão do</p><p>que somos, que serve de fundamento para explicarmos nosso comportamento, caso nos pedissem</p><p>uma explicação. Tal função diz respeito à autopercepção e ao modo do sujeito se auto representar..</p><p>Pode-se ver o funcionamento dessa função do Self de Mário nos comentários que ele faz acerca de</p><p>si próprio, no modo como ele se auto representa e como ele se auto percebe, em especial quando</p><p>afirma ser introspectivo, inteligente e maduro para a idade, além de citar que é tímido, retraído e</p><p>responsável. Por fim, a função Ego (Ato) é a que está ligada à ação e, por isso, é mais facilmente</p><p>observada. Ela refere-se à capacidade do self de se adaptar, agir de maneira eficaz no ambiente e</p><p>manter um equilíbrio entre as demandas internas e externas. Essa função pode ser analisada na</p><p>adaptação do consulente ao ambiente acadêmico, dedicando-se intensamente aos estudos e</p><p>alcançando um desempenho acadêmico inicialmente elevado. Pode-se perceber a função Ego, da</p><p>mesma forma, na reação de Mário a perda de sua mãe, buscando refúgio nos estudos e procurando</p><p>estratégias para lidar com o seu sofrimento.</p><p>Questão II:</p><p>Considerando as informações fornecidas pelo caso clínico do consulente e pelas análises</p><p>observadas através do malogro da função do Self ID, pode-se considerar que a hipótese diagnóstica</p><p>de Mário pode ser fundamentada no conceito de Ajustamento Psicótico de Preenchimento de Fundo.</p><p>Esse ajustamento pode ser entendido como um mecanismo de defesa, uma forma de responder na</p><p>qual o paciente tenta preencher o vazio deixado por uma perda emocional significativa, com</p><p>conteúdos fantasiosos ou alucinatórios. Entende-se, então, que no ajustamento psicótico de</p><p>preenchimento de fundo, a função do ego atua como se estivesse a preencher, por meio de</p><p>alucinações e/ou delírios, a inexistência dos excitamentos com os quais poderia responder ao apelo</p><p>semelhante na fronteira de contato. A demanda do outro, em geral revestida de afeto, desencadeia</p><p>no sujeito o entendimento de que, em determinadas experiências específicas, o indivíduo não tem</p><p>como responder, não tem como fazer cessar o apelo que a ele é dirigido. De acordo com</p><p>Muller-Granzotto (2008), diante de um símbolo que demanda um fundo de outros símbolos investidos</p><p>de um valor afetivo, se estes outros símbolos não estiverem retidos, a função ego precisa produzi-los</p><p>ou aluciná-los. Assim, é frequentemente possível observar ações em que o agente de contato parece</p><p>abandonar as possibilidades abertas pelo dado na fronteira para se ocupar de algo anacrônico.</p><p>Sabe-se que este ajustamento envolve uma predominância excessiva do fundo sobre a figura, onde</p><p>o contexto ou o ambiente externo tende a dominar a experiência perceptual. Consequentemente, isso</p><p>pode levar a uma perda de foco ou clareza na identificação e integração da figura central da</p><p>experiência. É possível perceber em Mário, um relato de intensificação dos estudos e uma imersão</p><p>profunda em atividades acadêmicas como uma forma de lidar com o trauma da perda materna. Ele</p><p>descreve períodos em que dedicava horas aos estudos sem lembrar de outras necessidades</p><p>básicas, como realizar as refeições. Isso sugere uma absorção intensa no fundo (os estudos, o</p><p>ambiente acadêmico) em detrimento da figura (suas necessidades pessoais, seu estado emocional).</p><p>Além disso, o consulente interpreta os olhares e comentários de colegas como hostis e</p><p>persecutórios, muitas vezes de modo delirante, o que pode refletir uma percepção distorcida do</p><p>fundo social (o ambiente da universidade e suas interações) como ameaçador e adverso. Um outro</p><p>fator importante é que, em momentos de desconforto social, Mário relata mudanças em seu</p><p>comportamento, como ficar agitado e falante, como se estivesse tentando se adaptar ao ambiente de</p><p>uma maneira intensa e desorganizada. Isso pode refletir uma tentativa de preencher o fundo da</p><p>experiência social de forma excessiva, sem uma clara distinção entre o que é central para ele e o</p><p>contexto externo. Por fim, pode-se citar os episódios de “desligamento” da realidade e de</p><p>desconexão, em especial quando o consulente afirma que em alguns momentos sente que “desliga”</p><p>da realidade e que não se reconhece através de determinados comportamentos, algo que pode ser</p><p>visto como uma dificuldade em integrar adequadamente suas experiências internas com o ambiente</p><p>externo, característico de um preenchimento desorganizado do fundo da experiência.</p><p>Questão III:</p><p>Inicialmente, em vez de enquadrar o ajustamento psicótico de Mário em um saber prévio, participaria</p><p>do ajustamento (desde que tal participação fosse capaz de assegurar a autonomia de pelo menos</p><p>permitir ou excluir a presença da clínica), pensando também em identificar as possibilidades de</p><p>aprendizado do consulente e quais demandas afetivas que provocam certas reações nele</p><p>Após acolher o consulente e o delírio vivenciado por ele, elaboraria um trabalho que auxiliasse Mário</p><p>a desenvolver uma maior consciência de suas vivências presentes (o que inclui as suas emoções,</p><p>suas interações sociais e seus pensamentos) e das situações em que ele se sente desconfortável</p><p>e/ou perseguido, de modo que o sujeito conseguisse desenvolver ajustamentos criativos para lidar</p><p>com as experiências que lhes são apresentadas de forma mais saudável. Conduziria Mário a focar</p><p>nas experiências imediatas e no momento presente durante as sessões terapêuticas para que ele</p><p>fosse capaz de se conectar mais plenamente com suas sensações físicas e emocionais, facilitando</p><p>uma maior integração entre figura (self) e fundo (contexto), algo que ele possui dificuldade desde a</p><p>sua entrada no atendimento psicoterapêutico. Além disso, realizaria intervenções que buscassem</p><p>promover a integração de diferentes partes do self de Mário que podem estar dissociadas ou</p><p>desarticuladas devido ao preenchimento desorganizado do fundo e estimularia o fortalecimento do</p><p>Contato e da Fronteira de Contato. Da mesma forma, considero importante auxiliar o entorno do</p><p>paciente a reconhecer que se trata de um mecanismo de defesa para o sujeito e realizaria um</p><p>trabalho de psicoeducação. Por fim, como uma forma de investigação devido aos lapsos de memória</p><p>relatados pelo paciente</p><p>(e sintomas relacionados), o encaminharia para atendimento psiquiátrico.</p><p>Caso II:</p><p>Questão I:</p><p>Considerando o caso clínico de Carmem, pode-se destacar, inicialmente, que a função malograda é a</p><p>função ATO/Ego do Self. A função Ego está ligada a ação, que é antecedida pela escolha, que</p><p>também faz parte da função Ego. Atua a partir de um fundo de aprendizado ao qual o sujeito recorre</p><p>o tempo inteiro e pode-se dizer que há um ajustamento criador do passado junto às possibilidades de</p><p>futuro abertas pela atualidade material do meio em que os indivíduos estão inseridos. Segundo</p><p>Carvalho e Costa (2010) a função Ego está prejudicada à medida que o Self se boicota a fim de não</p><p>agir, ou agir de maneira não atualizada, com vistas a satisfazer uma necessidade dominante. Há,</p><p>então, uma clara fixação do self em um projeto ideal,o que impede sua flexibilidade e fluidez de</p><p>energia entre figuras e fundos. Além disso, o malogro dessa função demonstra um sujeito com</p><p>dificuldades significativas em lidar de forma saudável com as demandas do ambiente, com as suas</p><p>próprias necessidades emocionais e com as mudanças necessárias para o desenvolvimento pessoal.</p><p>No caso de Carmem, pode-se perceber que essa função encontra-se malograda devido a dificuldade</p><p>em assimilar novas experiências, como a dificuldade e resistência em separar-se do marido mesmo</p><p>enfrentando diversas traições (o que sugere uma dificuldade em assimilar a experiência de</p><p>infidelidade e suas consequências emocionais de maneira adaptativa, visto que ao invés de buscar</p><p>uma separação clara e decisiva, ela permanece presa em um ciclo disfuncional, atuando sempre</p><p>através do mesmo fundo de aprendizado). Pode-se perceber, nesse mesmo âmbito, uma resistência</p><p>de Carmem em relação à mudança e uma certa rigidez em abrir-se para novas formas de responder:</p><p>não entra em contato com a sua mãe biológica, pois foi ela quem a abandonou; assim como não</p><p>consegue pôr fim ao relacionamento, nem propor mudanças concretas para a melhora da relação</p><p>com o cônjuge. Pensando na função ID, pode-se dizer que ela está organizada, no caso clínico de</p><p>Carmem, em uma demanda afetiva, como na busca por segurança emocional e afetiva, refletida em</p><p>sua dependência emocional de seu atual marido. A consulente busca conforto emocional e</p><p>estabilidade, mesmo diante das traições e da instabilidade financeira do companheiro. Já em relação</p><p>à organização da função Personalidade da paciente, percebe-se algumas questões no seu modo de</p><p>auto representar e de autoperceber. Carmem afirma, algumas vezes, que “é muito vaidosa para dar o</p><p>braço a torcer”, considera-se como ótima mãe e esposa, além de citar que é uma “boa Cristã”. No</p><p>entanto, a personalidade também reflete uma certa rigidez em relação aos papéis sociais tradicionais</p><p>de esposa e cuidadora, o que pode limitar sua capacidade de explorar novas formas de</p><p>relacionamento e de auto expressão.</p><p>Questão II:</p><p>De acordo com o caso clínico abordado acima, pode-se considerar que a hipótese diagnóstica seja</p><p>de Ajustamento Neurótico. O ajustamento neurótico demonstra uma falta de autonomia no agir e no</p><p>dizer, além de um conflito na relação temporal: presente (com demandas da realidade social),</p><p>passado (através do excitamento de fundo) e futuro (horizonte de desejos que possibilita a recriação</p><p>do fundo). Percebe-se, em Carmem, uma possível forma de laço social em resposta ao ataque</p><p>biopolítico do Outro Social. A consulente lida de modo conflituoso com o passado (em especial com a</p><p>sua doação para o pai e posteriormente para a família adotiva), retira-se da experiência do presente</p><p>(como a sua vivência disfuncional no relacionamento) e apresenta medo do futuro (não consegue</p><p>terminar a relação disfuncional com o marido, apesar das inúmeras traições). Percebe-se, na</p><p>consulente, grandes dificuldades de adaptação e de responder através de um novo fundo de</p><p>resposta: a paciente apresenta resistência às mudanças que lhe trariam crescimento pessoal e</p><p>relacional, afirmando “ser muito vaidosa para dar o braço a torcer” e, consequentemente, não</p><p>conseguindo propor mudanças na relação. Também não consegue romper o relacionamento, apesar</p><p>de afirmar que tenta se separar, sem sucesso. A consulente também apresenta sintomas de profunda</p><p>tristeza e baixa autoestima, de forma que esses sentimentos podem ser exacerbados devido a sua</p><p>dificuldade em integrar experiências emocionais e em lidar de maneira adaptativa com conflitos</p><p>interpessoais, características comuns no ajustamento neurótico. Outros fatores importantes para a</p><p>formulação da hipótese diagnóstica é a compulsão alimentar de Carmem (que pode ser vista como</p><p>forma de automediação emocional) e as suas próprias autocríticas a sua dificuldade de tomar</p><p>decisões em seu relacionamento.</p><p>Questão III:</p><p>Inicialmente, buscaria perceber a presença e/ou comprometimento das funções do Self da</p><p>consulente e procuraria por intervenções que possibilitassem que a consulente pudesse viver no aqui</p><p>e no agora. Como a clínica do ajustamento neurótico é uma clínica da “desalienação”, auxiliaria</p><p>Carmem a desenvolver uma ampliação da sua consciência em relação às suas escolhas e a seus</p><p>modos de responder, em especial as demandas afetivas e ao estrio de enfrentamento do Outro</p><p>Social.</p><p>Acolheria as formas produzidas pela consulente, teria cuidado com as minhas expressões faciais e</p><p>corporais e focaria na estratégia de Frustração Habilidosa. Também iria explorar como Carmem</p><p>organiza seu campo perceptivo e emocional, ou seja, investigar como ela percebe a si mesma, seu</p><p>marido, e os padrões de relacionamento que mantém, além de explorar a compulsão alimentar</p><p>vivenciada por Carmem como uma estratégia de enfrentamento para lidar com o estresse emocional.</p><p>Dessa forma a terapia poderia ajudá-la a desenvolver alternativas mais saudáveis para lidar com</p><p>suas emoções, promovendo uma maior autoconsciência e capacidade de autogerenciamento</p><p>emocional. Em resumo, a minha hipótese de trabalho na terapia gestáltica com Carmem envolveria</p><p>explorar suas resistências à mudança, promover uma maior consciência emocional e facilitar a</p><p>integração de novas formas adaptativas de lidar com seus desafios pessoais e relacionais. A</p><p>abordagem seria centrada no aqui-e-agora, com foco no desenvolvimento de suas capacidades de</p><p>autoconhecimento, autonomia emocional e habilidades de enfrentamento saudáveis.</p><p>Referências:</p><p>CARVALHO, L.C; COSTA, I. I. A Intervenção precoce nos ajustamentos do tipo psicótico e a clínica</p><p>gestáltica: Ensaios preliminares. 2008. 150 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica e</p><p>Cultura)-Universidade de Brasília, Brasília, 2008.</p><p>CARVALHO, L. C.; COSTA, I. I. A clínica gestáltica e os ajustamentos do tipo psicótico. Rev.</p><p>abordagem gestalt., Goiânia, v. 16, n. 1, p. 12-18, jun. 2010.</p><p>Perls, F., Hefferline, R., & Goodman, P. (1997). Gestalt-Terapia. São Paulo: Summus. (Originalmente</p><p>publicado em 1951).</p><p>MÜLLER-GRANZOTTO, Marcos José; MÜLLER-GRANZOTTO, Rosane Lorena. Clínica dos</p><p>ajustamentos psicóticos: uma proposta a partir da Gestalt-terapia. Psychotic adjustment clinic: a</p><p>Gestalt-Therapy proposal. IGT na Rede ISSN 1807-2526, v. 5, n. 8, 2008.</p>

Mais conteúdos dessa disciplina